Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
Doutorado
__________________________________________________
__________________________________________________
__________________________________________________
__________________________________________________
__________________________________________________
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese
por meios fotocopiadores ou eletrônicos.
AGRADECIMENTOS
A Jesus e Maria, por nunca me abandonarem;
A minha orientadora, Professora Dra. Roxane Rojo, que muito me motivou nos caminhos
da pesquisa, obrigada pelo respeito pelas minhas idéias e pelo meu trabalho;
Ao Prof. Dr. Antônio Gomes Batista, a Luíza e ao Itamar, que sempre nos receberam no
CEALE/UFMG com carinho, disponibilizando o acervo de livros didáticos para pesquisa;
Ao Projeto de Pesquisa Integrada Livro Didático de Língua Portuguesa: Produção, Perfil e
Circulação (CNPq/IEL-UNICAMP/CEALE-UFMG), cujo banco de dados nos permitiu realizar
grande parte de nossa pesquisa;
Aos professores Doutores Beth Brait (PUC-SP), Luiz Tatit (USP), Jacqueline Barbosa
(PUC-SP), Maria Inês Batista Campos (PUC-SP) e Geraldo Tadeu Souza pela leitura de
meu trabalho e sugestões valiosas nos exames de qualificação;
A Maria Lúcia, Márcia, Paulo e Rosângeles, funcionários do LAEL/PUC-SP;
À Universidade Federal de Mato Grosso, pela concessão do afastamento e pela confiança
em meu trabalho;
A CAPES, pela bolsa PICDT que permitiu custear estes anos de estudo;
Aos meus colegas de pós-graduação: Laura, Andréa, Shirley, Ana Cláudia, Lucinha, Sueli,
obrigado pelo companheirismo e por trilharem juntos este caminho de crescimento
intelectual;
A Cláudia Graziano, por ter resgatado nossa amizade, pelo imenso apoio nestes anos, que
Deus a proteja e abençoe sempre;
A Adelma, minha irmã, amiga e companheira maravilhosa, sem palavras para dizer o
quanto devo a você este trabalho;
A Adail, sempre à disposição quando precisei, principalmente na leitura final do meu
trabalho. Obrigada pelas discussões bakhtinianas e que Deus o conserve teoricamente
didático!
Aos meus amigos de Cuiabá, Ângela e Sérgio que estiveram torcendo e orando por mim
todos estes anos;
A minha tia Marta e meu Tio Lelo, que muito me ajudaram nestes anos de estudo em São
Paulo, obrigado por me socorrer nas horas difíceis;
A minha mãe e minhas irmãs Lili e Piti, por acreditarem em mim e me apoiarem sempre;
Ao meu filho Lucas, pelo apoio e amor;
Ao meu padrasto, José Carlos, pelo incentivo nos estudos, devo a você este grau;
Ao Fi, amor da minha vida, pelo encontro mágico, pela admiração e pelo amor. Obrigada
por acreditar e torcer por mim;
A todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para a realização deste trabalho.
Este trabalho é para vocês, Vó e José, que, de
algum lugar, continuam a torcer por mim...
O teu começo vem de muito longe.
O teu fim termina no teu começo.
Contempla-te em redor.
Compara.
Tudo é o mesmo.
Tudo é sem mudança.
Só as cores e as linhas mudaram.
Que importa as cores, para o Senhor da Luz?
Dentro das cores a luz é a mesma.
Que importa as linhas, para o Senhor do Ritmo?
Dentro das linhas o ritmo é igual.
Os outros vêem com os olhos ensombrados.
Que o mundo perturbou,
Com as novas formas.
Com as novas tintas.
Tu verás com os teus olhos.
Em Sabedoria.
E verás muito além
Cecília Meireles
Resumo
__________________________
Este estudo discute a questão da formação do leitor literário nas aulas do ensino
fundamental da escola pública brasileira através de uma análise do tratamento
dispensado aos textos em gêneros poéticos nos livros didáticos que circulam nas
aulas de Língua Portuguesa. Sua base são as considerações do Círculo de Bakhtin
a respeito do discurso poético, sobretudo as críticas tecidas à estética material e ao
Formalismo Russo. A noção bakhtiniana de gênero do discurso foi o guia das
reflexões sobre os gêneros poéticos, com destaque para as questões relativas à
forma composicional, ao estilo e ao tema, tomando o texto poético como objeto
estético. Examinamos os gêneros teóricos investigados, a saber, poemas, letras de
canção e gêneros da tradição oral, quanto à sua escolarização nos livros didáticos.
Defendemos, pautados pelos conceitos bakhtinianos de cronotopo e memória de
gênero, a consideração desses gêneros como um possível agrupamento, visando
repensar sua didatização. A metodologia de pesquisa buscou selecionar as coleções
que melhor apresentariam um espaço para investigação do trabalho com os gêneros
poéticos aqui visados, tomando como fonte as bases documentais oriundas do
Projeto Integrado de Pesquisa O livro didático de Língua Portuguesa no ensino
fundamental: produção, Perfil e Circulação, CNPq/IEL-UNICAMP/CEALE-UFMG,
pesquisa que analisa os dados provenientes das avaliações do Programa Nacional
do Livro Didático, elaborando diversas bases de dados. Procedemos a uma análise
quantitativa e qualitativa de quatro coleções de língua portuguesa de 1ª a 4ª séries e
três coleções de 5ª a 8ª séries. A análise quantitativa explorou os dados de
incidência, posição e autoria dos textos em gêneros poéticos e a análise qualitativa
apresentou as atividades que os livros dedicaram aos textos em gêneros poéticos,
depreendendo diferentes modos de abordagem do literário. A análise de dados
mostra que as coleções não favorecem a formação do leitor literário no ensino
fundamental, pois não tomam os gêneros poéticos como objetos de ensino, não os
usam nas atividades de leitura e privilegiam apenas seus aspectos formais ou a
subjetividade do aluno-leitor. De forma geral, os livros analisados não proporcionam
atividades que favoreçam a construção da leitura dos textos poéticos,
desconsiderando sua dimensão enunciativo-discursiva.
Abstract
__________________________
The present work discusses the question of the literary reader’s formation in classes
of the Brazilian public school system’s elementary level by means of an analysis of
the way texts in poetical genres are approached on didactical manuals customarily
used on Portuguese Language classes. Its basis is the theorizations done by the
Bakhtin’s Circle about poetic discourse, mainly its critiques of material aesthetics and
Russian Formalism. Bakhtin’s notion of discourse genre has been its guiding
principle, chiefly as regards questions related to compositional form, style and theme,
seeing poetic texts as aesthetic objects. We examined the theoretical genres poems,
lyrics and some other oral tradition ones as regards their insertion in the school
system by manuals, arguing on the basis of the Bakhtinian concepts of chronotope
and genre memory for their consideration as a possible grouping aiming to rethinking
their didactisation. The research methodology aimed to select the collections more
apt to present a space for investigating the work done with the poetical genres here
studied, using data banks from the Integrated Research Project, O livro didático de
Língua Portuguesa no ensino fundamental: produção, Perfil e Circulação, CNPq/IEL-
UNICAMP/CEALE-UFMG, a research that examines data resulting from evaluations
done in the context of the Brazilian National Program of Manuals and creates several
data banks. We have done a quantitative and qualitative analysis of 4 collections of
Portuguese Language for the 1st to 4th grades and 3 for the 5th to the 8th grades. The
quantitative analysis explored data relative to the poetical genres’ incidence, position
and authorship and the qualitative one examined the activities the manuals proposed
to texts in poetical genres, identifying different ways to approach the literary. Data
analysis shows the collections do not favor the literary reader’s formation in the
fundamental level, for they do not take genres as teaching objects, do not use them
for reading activities and give prominence only to the texts’ formal aspects or the
pupil-reader subjectivity. As a rule, the examined books do not offer activities that
favor the construction of poetical texts’ reading and more than this their do not take
into account their enunciative-discursive dimension.
Résumée
__________________________
Cette étude discute la question de la formation des lecteurs littéraires dans des
classes d’enseignement fondamental de l’école publique brésilienne examinant
l’exploration des textes en genres poétiques dans des livres didactiques qui circulent
dans des leçons de Langue Portugaise. Sa base sont les considérations du Cercle
de Bakhtin sur le discours poétique, plus précisément les critiques à l’esthétique
matérielle e au Formalisme Russe. La notion bakhtinienne de genre de discours a
été le principe organisateur de la réflexion sur les genres poétiques, surtout les
questions de la forme compositionnelle, le style et le thème, considérant le texte
poétique comme un objet esthétique. L’examen des genres théoriques poèmes,
paroles de chansons et des genres de la tradition orale de la perspective de son
écolarisation dans des livres didactiques, défendant, sur la base des concepts
bakhtiniens de chronotope et mémoire du genre, la considération de ces genres
comme un possible agroupement, visant repenser son didactisation. La
méthodologie a cherché sélectionner des collections qui peut présenter du espace
pour investiguer le travail avec des genres étudiés sur les bases documentales du
Projet Intégré de Recherche O livro didático de Língua Portuguesa no ensino
fundamental: produção, Perfil e Circulação, CNPq/IEL-UNICAMP/CEALE-UFMG, qui
examine des données provenant des évaluations du Programme Nationale du Livre
Didactique, élaborant diverses bases de données. On a analysé quantitative et
qualitativement quatre collections de langue portugaise de la 1er à la 4éme séries e
trois du 5éme à 8éme. L’analyse quantitative a exploré les données d’incidence,
position et auteur des textes en genres poétiques, et l’analyse qualitative a examiné
les activités proposées par les livres pour ces textes, révélant des différentes façons
d’aborder le littéraire. L’analyse des données montre que les collections ne favorisent
pas la formation du lecteur littéraire dans l’enseignement fondamental, parce
qu’elles ne prennent pas les genres poétiques comme des objets d’enseignement,
ne les utilisent pas dans des activités de lecture et privilégient seulement ses aspects
formels ou la subjectivité des éléves-lecteurs. La majorité des livres analysés ne
propose pas des activités favorisant la construction de la lecture des textes poétiques
et, qui plus est, ne considère pas son dimension énonciative-discursive.
SUMÁRIO
_______________________________
Introdução 01
Capítulo 1. O Círculo de Bakhtin e o discurso Poético: releituras e 16
Descobertas.........................................................................................................
1.1 O artístico....................................................................................................... 18
3.3.2.1 As parlendas.............................................................................................. 96
3.3.2.2 Os trava-línguas......................................................................................... 99
Capítulo 5. O Perfil das coleções: incidência, autoria e posição dos textos 142
em gêneros poéticos...........................................................................................
5.1 Características das coleções em relação aos textos literários: o que dizem 142
as resenhas
Anexos.................................................................................................................. 265
.
Introdução
____________________________
1
Tomamos as expressões manual didático e livro didático como sinônimas neste trabalho, ainda que
cientes de suas diferenciações em termos de usos, funções e processos de produção no campo
editorial e na esfera educacional.
língua, linguagem, escola, homem e mundo que cercam o processo de produção
dos manuais didáticos. Sócio-historicamente, os livros didáticos procuram
acompanhar, assim acreditamos, tanto os avanços das diversas ciências – em nosso
caso, da teoria literária e da lingüística, principalmente –, bem como as
necessidades e condições escolares do estudante brasileiro e, ainda, atualmente,
das parametrizações colocadas nos documentos oficiais e as exigências dos
processos oficiais de avaliação empreendidas pelo Ministério da Educação através
do Programa Nacional do Livro Didático. 2 Contudo, o peso das práticas tradicionais
de ensino de língua materna ligadas a pedagogias transmissivas e
descontextualizadas ainda parece desviar o olhar do que pode haver de novo na
academia ou nas demandas oficiais.
Os textos literários não são estudados em suas características específicas,
havendo ainda um privilégio de aspectos didáticos gerais do ensino da língua
materna sobre os literários; a leitura literária e as “outras leituras” parecem receber o
mesmo tratamento na escola, por conseguinte, o livro didático segue este
movimento homogeneizador. Brandão & Martins (2003) desenvolvem esta idéia:
Bom, em relação à literatura na escola (...) quase nunca ela é tratada como
objeto de estudo, ou como conhecimento a ser transferido, apropriado, ampliado
para o desenvolvimento do sujeito dentro de seu contexto cultural. A literatura é
tratada, sim, como pretexto, estratégia para o estudo de outros objetos,
procurando minimizar, através dela, a aridez dos assuntos abordados. Desde
sempre, a literatura protagoniza o ensino de língua materna como material
didático para o aprendizado da escrita, da estrutura da língua e de uma leitura
quase sempre reduzida a uma leitura não literária: uma leitura que não permite a
produção de mais de um sentido. A literatura não tem sido tratada literariamente
na escola. Pelo contrário, o que a utilização didática da literatura mais tem feito é
destruir seu efeito literário. (Brandão & Martins, 2003: 259)
2
Para esclarecimentos sobre o histórico do Programa Nacional do Livro Didático, e suas
repercussões, ver Batista, (2003).
2
espaço para a discussão dos problemas e questões sociais e políticas? Todos esses
aspectos? Mas, dentro da leitura literária - e é o que nos interessa neste trabalho -,
onde fica a questão da leitura do texto poético? Como ensinar a poesia? Que
aspectos devem ser considerados? O que os livros didáticos têm oferecido?
Uma parcela das pesquisas sobre leitura no Brasil tem se ocupado da questão
da formação do leitor literário e da escolarização da leitura literária. Kramer (2000;
2003) defende o potencial humanizador e formador da leitura literária. A autora,
alertando para o fato de que o afastamento da literatura e de outras manifestações
culturais pode ser um sintoma de desumanização, defende o resgate do papel da
escola no processo de formação cultural:
...eu lembraria que são bens incompressíveis não apenas os que asseguram
sobrevivência física em níveis decentes, mas os que garantem a integridade
3
Antonio Candido parte da distinção do sociólogo francês Joseph Lebret entre bens incompressíveis
(essenciais) e bens compressíveis (excedentes, não-essenciais).
3
espiritual. São incompressíveis certamente a alimentação, a moradia, o
vestuário, a instrução, a saúde, a liberdade individual, o amparo da justiça
pública, a resistência à opressão etc.; e também o direito à crença, à opinião, ao
lazer e, por que não à arte e à literatura. (Candido, 1995: 241)
4
4
A leitura – das “grandes obras, nelas mesmas e por elas mesmas” – é, pois,
nesses termos, um “dever cultural e um dever escolar”, o que configura um sistema
“pedagogicamente e culturalmente conservador, no qual a autoridade dos textos é
duplicada pela autoridade da linguagem do professor” (Privat, 1995: 134-135).
O outro seria o modelo liberal, mais voltado a uma “desescolarização da
leitura”. Neste, o professor se esforça em ser um animador para motivar os jovens
leitores a terem prazer em suas leituras e uma “moral do dever” é substituída pelo
“dever do prazer” 5 . Para isso, o leque de livros propostos é aberto, segundo Privat
(1995: 136-137), indo “das histórias em quadrinhos aos romances policiais ou à
literatura juvenil”. Esse modelo liberal, para o autor, assemelha-se a “um consumo
episódico de bens culturais” e não garante, por exemplo, que jovens de meios
populares e jovens de camadas favorecidas invistam os mesmos desejos e as
mesmas competências em suas leituras ou na freqüência a bibliotecas públicas.
Para Zilberman (1985: 128), em relação à situação brasileira, a configuração
de uma “outra antologia”, em que cresce o prestígio da literatura infantil e da ficção
para jovens, na verdade não é resultado de
4
Aqui Privat cita H. Mitterand: “Ce légitimisme didactique peut se résumer ainsi: le salut culturel est
dans la lecture des grandes oeuvres en elles-mêmes et pour elles-mêmes. C’ est de là que tout
découle, à commencer par l’ intérêt que les élèves portent à la classe de français”. (Privat, 1995: 134)
5
Aqui Privat (1995: 136) cita Bourdieu (1979, pp. 422-431).
5
infanto-juvenil, obras excelentes, como também há obras que, mesmo não escritas
para, nem dirigidas originalmente a crianças – livres do rótulo do infantil ou infanto-
juvenil – podem ser objeto de estudo no Ensino Fundamental. Talvez o caminho seja
fugir, como colocam Evangelista, Brandão & Machado (2001), de representações
simplistas e redutoras dos processos cognitivos e estéticos que se tem com respeito
a crianças e jovens.
Isso não significa, ainda e de qualquer modo, negar o processo de
descontextualização e recontextualização do discurso literário no curso de sua
transposição para a escola, fato incontestável que traz conseqüências importantes
para a dinâmica do discurso literário no processo pedagógico. Sobre a escolarização
da literatura, concordamos com Soares (2001:22), que afirma:
6
elementos, que o aluno venha a descobrir ou perceber a mediação do professor
ou de outro leitor; da leitura mais ingênua que trate o texto como mera
transposição do mundo natural para a leitura mais cultural e estética, que
reconheça o caráter ficcional e a natureza cultural da literatura. (PCNs – 3º e 4º
ciclos – Língua Portuguesa, 1998: 71)
Por não ser escolar, a construção do teste não poderia se pautar por conteúdos
ou competências estabelecidas nos currículos correspondentes a cada nível de
ensino, mas nas habilidades de leitura e escrita envolvidas nas diversas práticas
sociais de letramento, ou seja, nos usos mais comuns da escrita no ambiente
doméstico no trabalho e em outros contextos cotidianos (Ribeiro, 1003: 13).
6
Segundo Ribeiro (2003: 9), O INAF é uma iniciativa do Instituto Paulo Montenegro – Ação Social do
IBOPE e da ONG Ação Educativa. O objetivo do INAF é oferecer à sociedade brasileira um conjunto
de informações sobre habilidades e práticas relacionadas à leitura, escrita e matemática da
população brasileira (...) Os dados do INAF são coletados anualmente junto a amostras nacionais de
2 mil pessoas, representativas da população brasileira de quinze a 64 anos, residentes em zonas
urbanas e rurais em todas as regiões do país.
7
Ao serem indagados, pela pesquisa, que tipo de livro costumam ler, ainda
que de vez em quando 7 , por nível sócio-econômico, temos que 30% responderam
Romance, aventura, policial e ficção e 20% citaram Poesia. A porcentagem, em
relação a esta última, foi semelhante para todas as classes sociais. A mesma
questão feita por idade e grau de instrução revelou que, em relação à idade, dos 15
aos 24 anos, 35% lêem Poesia, para 44% dos que lêem Romance, aventura,
policial e ficção. A porcentagem cai pela metade no decorrer dos anos, de 25 a 34
anos, apenas 16% lêem Poesia, e dos 35 aos 49 anos, 14%, e dos 50 aos 64 anos,
somente 10%. Os números também caem, com o avanço da idade, em relação à
leitura de ficção, aumentando no que concerne à leitura de textos religiosos (Bíblia,
livros sagrados ou religiosos).
Por grau de instrução, temos que a porcentagem de leitura de Poesia é
semelhante nos ensino fundamental e médio: 28% e 29%, respectivamente, mas cai
para 16% no nível superior incompleto ou completo. Em relação à prosa, pelo
contrário, o número de leitores aumenta à medida que aumenta o grau de
escolaridade (36%, 48% e 49%, relativos ao ensino nos níveis fundamental, médio
e superior).
Para Abreu (2003: 38-39), estes dados revelam uma aproximação da leitura
literária, o que contraria o propalado desinteresse dos jovens pela literatura, mas ao
mesmo tempo aponta para o fato de que a permanência na escola parece inibir até
mesmo o gosto pela leitura de poesias. Em nossa opinião, os dados sobre o nível
de escolaridade podem ser um indício de que a escolarização, nos níveis
fundamental e médio, preserva, nos alunos, o interesse por alguma leitura do texto
poético, o que, em níveis mais especializados, do ensino superior, da
profissionalização, parece se perder.
Alguns dados do INAF sobre a produção escrita 8 são muito instigantes no
que diz respeito aos gêneros poéticos. Ao serem indagadas sobre o que costumam
escrever, criando ou copiando, no tempo livre, por nível socioeconômico, as
pessoas responderam Letras de músicas, com uma porcentagem de 17% nas
classes A, B e C e 14% nas classes D e E. Já em relação à Poesia, a porcentagem
foi de 12% na classe A e B, 16% na classe C e 15% na classe D e E. Ou seja,
7
Estes dados podem ser visualizados na tabela 11a e 11b, em Ribeiro, 2003, p. 243.
8
Estes dados podem ser visualizados na tabela 12a e 12b, ainda em Ribeiro, 2003, p. 245.
8
porcentagens bastante aproximadas em relação a estes gêneros poéticos,
indiferentemente de classe social, o que, em média, só foram superadas pela
escrita de Receitas.
A mesma questão feita em relação ao grau de instrução obteve resultados
bastante semelhantes à leitura, com queda no grau superior de escolarização em
relação à escrita de Letras de músicas e Poesia. À medida que cresce o grau de
instrução, aumenta o número de pessoas que afirmam escrever Letras de músicas
e Poesia: 8% até 4ª (série para ambos), 21% no ensino fundamental (para ambos) e
26% e 23% no ensino médio, incompleto ou completo (para Letras de músicas e
Poesia, respectivamente) 9 . Já no ensino superior, os números caem para 12%.
Sobre esses dados, Abreu (2003:39) comenta que a escola parece estar matando o
gosto pela escrita poética. Ao contrário, em relação à escrita de ficção (Histórias
reais ou inventadas), o interesse cresce com o aumento da escolaridade: 6% na 4ª
série, 12% no ensino fundamental, 13% no ensino médio e 18% no ensino superior.
O que se pode depreender, inicial e hipoteticamente destes dados do INAF,
sumariamente expostos, é que os jovens lêem e escrevem sim textos em gêneros
poéticos, mas à medida que a escolaridade avança, principalmente em relação ao
nível superior, esta prática é esquecida, ou substituída, o que não ocorre com os
textos ficcionais. Uma hipótese é que a prática de leitura de textos em gêneros
poéticos seja uma prática balizada pelas práticas escolares, ou ainda – o que
acreditamos ser uma idéia simplista - pelos hábitos inerentes à faixa etária, da
infância e adolescência. Outra hipótese, como já colocamos acima, é que este
desinteresse pelo poético tenha como origem a formação de outros hábitos e/ou
interesse por outros gêneros, impostos pelos caminhos profissionais escolhidos.
Entretanto, com a escola e/ou apesar dela, os dados apresentados pelo INAF
a respeito da leitura dos textos ficcionais não parecem tão desanimadores, pelo
menos não aparentemente em relação às práticas culturais. Resta saber que
ficcionais escolhidos são estes, pois nos parece, como coloca Abreu (2003:42), que
9
Em contexto micro, estes dados sobre o gosto pela escrita de poesia e letras de música repetem-se
em recente pesquisa realizada por Paes de Barros sobre práticas de letramento de alunos de 8ª
séries de uma escola municipal em Campinas, interior paulista (Paes de Barros, A primeira página na
sala de aula: uma proposta para o ensino-aprendizagem de leitura, Tese de Doutoramento, em
preparação).
9
não se trata de um leitor devorador ávido de alta literatura, figura típica que povoa
nosso imaginário.
Especificamente, em relação ao poético, do hermetismo de certos textos à
multiplicidade de configurações, tudo parece contribuir para que a leitura do texto
poético seja, por um lado, preferência de “intelectuais”, ou por outro, “coisa de
mulher”. Sim, os dados do INAF sobre a produção escrita por sexo e sexo segundo
situação de trabalho e segundo nível de instrução 10 revelam que, em relação à
escrita de Poesia, a porcentagem de homens que afirmou escrever Poesia é
sempre inferior à de mulheres, para todos os casos. Já em relação às Letras de
músicas, as porcentagens são muito semelhantes entre os sexos.
Este fato nos faz recordar uma recente campanha publicitária 11 de um
caderno em que um jovem aparecia contando como passou de “poeta” a “roqueiro”.
O texto do filme era assim:
10
Consultar Tabelas 12c e 12d, em Ribeiro, 2003, p. 246.
11
Peça Publicitária “Roqueiro”. Propaganda Caderno Tilibra, Agência Talent, São Paulo, 2002.
10
Se pensarmos em contextos culturais amplos e complexos, com os quais
convivemos hoje, com reflexões dentro da escola, deveríamos considerar o termo
literário em sua acepção mais ampla e democrática possível. O próprio Bakhtin, já
em sua época, conforme nos lembra Machado (2005), sustenta o firme propósito de
compreender a literatura como um fenômeno estético totalmente articulado ao
contexto cultural mais amplo. Assim, é mister que, da mesma forma que se
reivindica a consideração da heterogeneidade em termos da fala dos alunos, deve-
se repensar o material textual, o que se oferece para a leitura e apreciação dos
alunos, se estas coletâneas nos materiais didáticos não estão excluindo
manifestações legítimas de uma cultura não oficial, ancoradas em classe ou grupos
sociais sócio-economicamente desprivilegiados, mas que constituem, de fato, o
arcabouço cultural do estudante brasileiro. Por outro lado, seguindo a mesma
reflexão que se realiza em direção às variedades lingüísticas, de se considerar, na
escola, a sua importância e relevância como desdobramentos da língua nacional,
sem impedir o acesso do aluno ao domínio da variante privilegiada – a norma
chamada padrão – é preciso pensar na cultura pop, nas manifestações musicais
regionais, na incorporação de outras culturas ao processo de produção lítero-musical
e sobretudo na atualidade das coletâneas, sem excluir a possibilidade do contato do
aluno com as manifestações da tradição literária.
Observemos, por exemplo, as letras de músicas que são apreciadas por
públicos diferenciados, por jovens que não são os mesmos dos anos 70, amantes de
Raul Seixas, do Tropicalismo e dos Novos Baianos. Em relação à tradição oral,
quem cantarola hoje cantigas de roda, senão o caboclo ou a criança de zona rural,
ou ainda o idoso recordando os velhos tempos? Há de se pensar, no processo
didático, no ensino-aprendizagem de um gênero, em todas essas nuanças, ou seja,
em como compatibilizar gostos, idade, faixa etária, práticas culturais, diferenças
regionais, individuais, etc.
Propor um tratamento didático aos gêneros poéticos 12 que possa surtir
melhores resultados no processo de ensino-aprendizagem, abarcando tamanha
12
Neste trabalho, a expressão gêneros poéticos é compreendida em sentido amplo, ou seja, refere-se
não só aos poemas em suas configurações tradicionais (gêneros poéticos no sentido estrito, gêneros
unilíngües e monoestilísticos, cf. Bakhtin, 1934-1935), mas circunscreve também as letras de
canções, os cordéis e os gêneros poéticos da tradição oral (adivinhas, parlendas, quadrinhas, trava-
línguas, etc.). Acreditamos ser este o caminho mais aberto a outras produções culturais que também
têm sido abordadas no processo de escolarização. Assim, concordamos com Paulino et al. (2001: 90)
11
diversidade intrínseca e extrínseca, constitui, a nosso ver, um grande desafio.
Parece, entretanto, que a questão não é só implementar o material didático, mas
concomitantemente formar o professor para a autonomia, fornecendo instrumentos
para o trabalho com o poético.
Souza (2000), analisando os dados resultantes de pesquisa com 45
professores de séries iniciais na cidade de Presidente Prudente, interior paulista,
assinala que os professores não se sentem capacitados para realizarem um
trabalho consistente com a poesia em sala de aula:
que tal abordagem não significa a exclusão da poesia considerada erudita ou a dos autores
canonizados, pois na verdade há uma circulação entre diferentes esferas da cultura. Tal posição,
contudo, acentua a heterogeneidade, complicando um pouco mais a nossa questão.
12
dos variados gêneros provenientes de diferentes contextos sociais e propondo que
estes sejam tomados como objetos de ensino-aprendizagem.
Nos contextos destas pesquisas, e também aqui de nosso trabalho,
pressupõe-se uma abordagem que alia à perspectiva enunciativo-discursiva de
Bakhtin (1934-1935; 1952/1953), principalmente ao conceito de gênero do discurso,
a teoria sócio-histórica da aprendizagem de Vygotsky (1935).
Compreendendo a noção de enunciado para Bakhtin como unidade real e não
como unidade convencional - uma abstração - não se remete aqui à idéia da
linguagem como representação ou do discurso que reflete uma situação. O ato-
linguagem – em nosso caso, o enunciado poético – supõe o encontro, a
compreensão-resposta, a ressignificação, atualizando a relação entre as pessoas, e
entre as pessoas e a própria linguagem.
Parece que, no sentido desta observação, estudar os gêneros poéticos
implica considerá-los como um tipo de enunciado que tem particularidades como
qualquer outro tipo, que está ligado a uma esfera de comunicação verbal, de
utilização da língua. Trata-se, pois, de uma manifestação verbal elaborada a partir
de uma esfera específica, o que lhe dá contornos próprios, que podem ser
recuperados pela análise de três elementos: a avaliação de um determinado
conteúdo temático, em um certo momento, o estilo verbal e a construção
composicional. No sentido bakhtiniano, estes elementos comportariam o todo do
enunciado, caracterizando o gênero do discurso.
Assim, ao pensarmos nos gêneros poéticos tradicionais como gêneros
discursivos, cada configuração poemática, supondo contornos próprios, apesar de
repetido em forma, não o será como enunciado único. Um soneto parnasiano, com a
configuração fixa de suas estrofes (dois tercetos e dois quartetos) é diferente de um
soneto camoniano, que por sua vez é diferente de um soneto de um autor
modernista. O que dizer, pois, sem ir muito longe, do verso livre ou das experiências
da poesia concreta?
Compartilhando certos pressupostos comuns, encontramos também nos
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental – Língua Portuguesa
- 3º e 4º ciclos, orientações para que as práticas de ensino-aprendizagem de língua
materna tomem como conteúdos ou objetos de ensino os gêneros do discurso e
como unidade básica do ensino o texto. Esse documento também aponta para o fato
13
de que é em função do que os alunos precisam aprender que se selecionam as
categorias didáticas mais adequadas. Para esta análise, o olhar do educador para o
texto do aluno precisa deslocar-se da correção para a interpretação; do
levantamento das faltas cometidas para a apreciação dos recursos que o aluno já
consegue manobrar (Brasil, 1998: 77).
O que propomos, neste trabalho, é ampliar a noção de gêneros poéticos, com
vistas a abarcar as manifestações artísticas que se aproximam, seja por confluência
dos processos históricos que as gestaram, seja por semelhança em suas
configurações composicionais ou por pontos comuns em suas formas arquitetônicas.
O processo de didatização visa rever os modos pelos quais os autores dos
manuais didáticos concebem os objetos estéticos e quais elementos privilegiam em
seu estudo; daí depreenderemos que tipo de leitor literário se pretende formar na
escola brasileira; mas se objetiva, também, propor uma reinvestida no conjunto
destes objetos, proporcionando uma aproximação com o mundo sócio-cultural do
aluno.
Em termos bakhtinianos, procura-se investigar qual tipo de resposta a escola
tem preparado o aluno a dar diante do texto literário, mais especificamente diante do
texto poético. Se a resposta, para Bakhtin, cria uma nova relação axiológica (cf.
Machado, 2005: s/p) com o que já está posto, que relação se estabelece no ato
pedagógico? Qual se propõe? Qual se induz? Qual se espera?
Assim, tendo em vista o contexto em que se inscrevem as práticas de ensino-
aprendizagem do discurso literário – e, no que aqui nos interessa, dos gêneros
poéticos – e fomentando a atitude investigativa em direção à aliança entre a teoria
bakhtiniana dos gêneros do discurso e as práticas de sala de aula, em suas linhas
gerais, este estudo objetiva tematizar a situação escolar atual de circulação dos
referidos gêneros, nos materiais didáticos, ou seja, pretende investigar os gêneros
poéticos nos livros didáticos de língua portuguesa do ensino fundamental,
abarcando coleções dos quatro ciclos. As questões de pesquisa que buscaremos
responder com nossa investigação e análise de dados são:
14
2. Quais textos e autores privilegiados pelos livros didáticos escolhidos, tanto
nas atividades propostas com os textos poéticos quanto nas atividades
propostas para o estudo das letras de canção e outros gêneros da tradição
oral?
3. Quais atividades propostas para as coleções em relação ao estudo dos
poemas e das letras de canção (e outros), ou seja, que tipo de proposta de
escolarização da literatura estes LDs empreendem?
15
Capítulo 1
__________________________
13
Segundo Clark & Holquist (1998: 104): O ato de autoria que é tratado em A Arquitetônica constitui
o tropo matriz de toda a obra de Bakhtin. O encontro dos autores com os heróis por eles
entrançados no mundo de seus textos vem a ser uma forma feliz para conjugar e modelar todas as
demais categorias bakhtinianas.
14
Caberia aqui uma distinção entre discurso poético e discurso prosaico. Evitamos o prosaico, pois
recobre outras esferas que não somente a artística e/ou pode ser lido apenas como configuração
composicional ou como o velho binômio de sentido viciado e uso equivocado poesia/prosa. Alguns
autores, de outra maneira, distinguem “romancistas” de “prosadores”. Sobre esta distinção, ver
observação de Machado (1996: 244) sobre a resenha do poeta Vinícius de Moraes do romance A
morte e a morte de Quincas Berro d’ água, de Jorge Amado.
elemento essencial do discurso épico, contra o qual, nos termos bakhtinianos, o
discurso romanesco vai se construindo ao longo da história.
15
O Círculo de Bakhtin é a denominação que recebeu um grupo formado por intelectuais próximos a
Mikhail Bakhtin, apaixonados pela filosofia e debate de idéias, que se reuniam, segundo Clark &
Holquist (1998), em 1918, em Nevel (entre eles, Volochinov), e depois em Vitebsk, ao final de 1919
(entre o quais, Miedviédiev). Pelo fato da questão da autoria de alguns textos e obras de elementos
do grupo ainda ser controversa e sem solução, optamos por considerar, na referência bibliográfica, a
dupla autoria nas obras mais disputadas, que aqui foram utilizadas: “Marxismo e Filosofia da
Linguagem”, e “Discurso na vida e discurso na arte”, ambas atribuídas por vezes a Volochinov, por
vezes a Bakhtin.
16
Falaremos, por enquanto, não em gêneros poéticos, mas em discurso poético, conforme Bakhtin
trata na obra O discurso no romance (1934-1935). Na mesma obra, contudo, Bakhtin fala de gêneros
poéticos no sentido restrito, quando se refere aos poemas como gêneros unilingües e
monoestilísticos. Pensamos, como veremos mais adiante, numa utilização de maior amplitude para
este termo.
17
aprofundado, com algumas descobertas, ao refletirmos sobre poemas cujas
realizações nem de longe tinham sido imaginadas, à época, pelos pensadores
russos. Acreditamos que isso nos permitirá, adiante, certas aproximações em
direção ao que denominamos, nesta pesquisa, “gêneros poéticos”.
Selecionamos, para tanto, os seguintes textos do círculo 17 : Para uma Filosofia
do Ato (Bakhtin, 1919-1921); Discurso na vida e discurso na arte
(Bakhtin/Volochinov, 1926); Marxismo e Filosofia da Linguagem: Problemas
fundamentais do método sociológico (Bakhtin/Volochinov, 1929); Problemas da
poética de Dostoiévski (Bakhtin, 1929; 1961-1962); O discurso no romance (Bakhtin:
1934-1935) e O problema do conteúdo, do material e da forma (Bakhtin, 1924), de
Questões de Literatura e Estética (1975); O autor e o herói (Bakhtin, 1920-1930) e
Os gêneros do discurso (Bakhtin, 1952-1953), de Estética da criação verbal (1979).
Dividiremos este capítulo em três partes: o artístico, em que destacaremos, na
obra do Círculo, considerações gerais sobre a esfera artística; o romanesco e o
poético, em que discorreremos sobre as considerações bakhtinianas a respeito do
discurso romanesco e do poético; e uma parte final, à qual denominamos o poético
inesperado, em que faremos referências a algumas manifestações poéticas
“imprevistas” pela obra bakhtiniana.
1.1. O Artístico
Há, basicamente, dois pontos principais sobre os quais recai nossa atenção
ao pensarmos no discurso poético:
1) O processo de criação artística, em que o poeta trabalha de forma singular com a
linguagem, num espaço e num tempo determinados. Aqui, estamos pensando
em autoria, que abrange, na concepção bakhtiniana, não somente o produtor de
um enunciado, mas as relações entre o autor (autor-criador), o herói (objeto) e o
ouvinte (contemplador); e
17
As referências às obras de Bakhtin estão aqui apresentadas pela data original de seus textos e não
pela edição que consultamos.
18
2) O produto da criação – o poema – em suas múltiplas realizações. Aqui, estamos
vislumbrando o gênero, pensando antecipadamente, não em gêneros literários,
na acepção tradicional, mas em gêneros do discurso, conforme a formulação de
Bakhtin 18 .
18
Para o teórico, gêneros do discurso são tipos relativamente estáveis de enunciados, com conteúdo
temático, estilo e construção composicional. (Bakhtin, 1952-1953/1979: 279). Voltaremos
detalhadamente a esse ponto no próximo capítulo.
19
Nessa obra inicial, Bakhtin concebe a atividade ética como um ato
responsável, no seu processo de “estar se fazendo” num momento único, concreto,
de sua realização. Sempre partindo de e se endereçando a um ser humano,
envolvido neste evento 19 , o ato pode ser entendido como uma ação de qualquer
natureza, um pensamento, um enunciado verbalizado ou não, escrito ou não. Ao ato,
ao evento único do Ser, Bakhtin alia, numa simultaneidade, num todo indissolúvel,
os valores que são mobilizados por meio da relação eu e outro, num tempo e lugares
também únicos. Segundo Clark & Holquist (1998),
Bakhtin supõe que cada de nós “não tem álibi na existência”. Nós próprios
precisamos ser responsáveis ou respondíveis, por nós mesmos. Cada um de
nós ocupa um lugar e um tempo únicos na vida, uma existência que é concebida
não como um estado passivo, mas ativamente, como um acontecimento. Eu
calibro o tempo e o lugar de minha própria posição, que está sempre mudando,
pela existência de outros seres humanos e do mundo natural por meio dos
valores que articulo em atos. A ética não se constitui de princípios abstratos,
mas é o padrão dos atos reais que executo no acontecimento que é minha vida.
Meu self é aquilo mediante o que semelhante execução responde a outros
selves e ao mundo a partir do lugar e do tempo únicos que ocupo na existência.
(Clark & Holquist, 1998: 90)
19
“Ser-evento único”, ou “evento único do ser” também são outras expressões usadas por Bakhtin,
nesse mesmo texto, para se referir a este tópico.
20
correlacionar a atividade estética e a atividade real da vida cotidiana. Para
exemplificar o que ele chama de arquitetônica real do mundo realmente
experimentado ele lança mão da análise de um poema de Pushkin 20 “Separação”,
para clarificar a disposição arquitetônica do mundo na visão estética em torno de um
centro de valores (Bakhtin, 1919-1921/1993: 83). Ou seja, para o leitor compreender
suas considerações filosóficas sobre o Ser e sobre a vida, ele vai verificar como se
dá essa arquitetônica na arte:
20
Aleksander Pushkin, 1799-1837, grande poeta russo, fundador da clássica poesia russa.
21
reconhecida por nós como uma análise literária típica (ainda herdeira do
Formalismo), Bakhtin, deslocando o foco de atenção para o que ele denomina na
época “centro de valores”, ou “centro valorativo concreto” - em que o ser humano
como centro de valor é o ponto do qual emanam e para o qual se dirigem todas as
categorias, seja na vida, seja na realização estética -, deixa-nos uma brecha para
que possamos afirmar que a preocupação dele estava no processo de instauração
do estético, grosso modo, no processo-produto, e não no produto isoladamente, no
material textual e seus aspectos formais:
22
Mas você arrancou os seus lábios
Do nosso beijo amargo;
De uma terra de sombrio exílio
Você disse: “No dia do nosso encontro
Sob um céu eternamente azul
Na sombra de oliveiras,
Nós mais uma vez, meu amado, uniremos nossos beijos de amor.”
Há duas pessoas ativas neste poema – o herói lírico (o autor objetivado) e “ela”
(Riznich), e, conseqüentemente, há dois contextos de valor, dois pontos de
referência concretos com os quais os momentos valorativos, concretos, do Ser
estão correlacionados. O segundo contexto, além disso, sem perder sua auto-
suficiência, é valorativamente abrangido (afirmado e fundado) pelo primeiro, e
ambos os contextos são, por sua vez, abrangidos pelo contexto estético unitário
valorativamente afirmado do autor-artista, que está situado do lado de fora da
arquitetônica da visão de mundo do poema (não o autor-herói, que é um
participante dessa arquitetônica) e do lado de fora da arquitetônica do
contemplador. O lugar único, no Ser, do sujeito estético (do autor, do
contemplador), o ponto do qual surge ou flui sua atividade estética (seu amor
objetivo de um ser humano concreto) têm apenas uma determinação: estar
situado do lado de fora [vne-nakhodimost´] de todos os momentos da unidade
arquitetônica [ilegível] da visão estética. E é isso que, pela primeira vez, cria a
possibilidade de o sujeito estético abranger a arquitetônica espacial e temporal
inteira através da ação de uma auto-atividade afirmadora e fundadora e
valorativamente unitária. A empatia estética (a visão de um herói ou de um
objeto de dentro deles) realiza-se ativamente deste lugar único exotópico e é
nesse mesmo lugar que a recepção estética se realiza, isto é, a afirmação e a
23
formação do material absorvido através da empatia – dentro dos limites da
arquitetônica unitária da visão. A exotopia do sujeito (exotopia espacial, temporal
e valorativa) – o fato de que o objeto de empatia e visão não sou eu – torna
possível pela primeira vez a atividade estética da formação. (Bakhtin, 1919-1921/
1993: 83-84)
Pela simples leitura do início da análise proposta por Bakhtin, vemos que as
categorias - autor-artista (escritor); autor-herói (o herói-lírico); contemplador; o
evento/ato (o enunciado poético); a exotopia (estar situado temporalmente,
espacialmente e valorativamente do lado de fora do evento) - estão inter-
relacionadas, levando-se em conta a atitude valorativa de um participante em
relação ao outro. Podemos ainda vislumbrar outros níveis de relação, em que, por
exemplo, o evento/ato possa ser descrito como o evento/ato narrado no enunciado
poético.
A partir daí, outra vez, como em cascata, desenha-se a inter-relação entre os
participantes, os centros de valores: o herói e “ela” - sobre quem se fala e a quem se
dirige o enunciado - o escritor e o contemplador. Ou seja, autoria sobre autoria,
podemos vislumbrar diversos níveis, diversos participantes, nós autores-
contempladores exotopicamente orientados para um evento estético, o poema,
construído a partir de um excedente de visão valorativamente marcado, do autor-
criador, a dizer um evento ético – o sentido da partida e morte de Riznich para o
autor-herói.
Pensamos que Bakhtin nos fornece, aqui, outros elementos para que
possamos pensar o artístico – e destacamos, o poético - em categorias tais que não
apenas a análise das formas, das imagens-tropo, das configurações rítmicas e
sonoras. A nosso ver, é daí mesmo, na instauração de uma visão estética, que se
encontra a ponta do fio de Ariadne a nos conduzir, primeiramente, à compreensão
do pensamento bakhtiniano sobre o discurso poético e, em seguida, à proposição de
uma releitura de alguns gêneros poéticos.
Retornando ao texto Discurso na vida e discurso na arte (1926), a
preocupação com a esfera artística, com a comunicação estética toma corpo e
investe-se de um espírito crítico:
24
O que caracteriza a comunicação estética é o fato de que ela é totalmente
absorvida na criação de uma obra de arte, e nas suas contínuas recriações por
meio da co-criação dos contempladores, e não requer nenhum outro tipo de
objetivação. (Volochínov, 1926: 4)
25
a que pretende dar forma e precisa superá-la. No caso de um escultor, exemplo
dado por ele, o mármore é o material sobre o qual, por meio de uma técnica, mas
não apenas uma técnica, chegará a determinada forma. No caso de um poema,
contudo, trata-se do material verbal. Bem, um mármore não está em todo lugar, está
na natureza, no ambiente. O material verbal, ao contrário, está em todo lugar em que
se encontra o humano, está antes na boca de cada um, depois, abstratamente, num
compêndio do sistema ou das palavras de uma língua. Talvez seja também por isso
que Bakhtin insista tanto na correlação entre o discurso da vida cotidiana e o
discurso da arte.
Em “O autor e o herói na atividade estética”, datado da mesma época dos
anteriores, entre 1920 e 1930, Bakhtin vai desenvolver as relações antes anunciadas
entre o autor, o herói e o ouvinte, associando-os, de forma sistemática, às categorias
de tempo, espaço e valor. No mesmo ensaio, trata da questão do conteúdo, da
forma e do material, além de questões sobre o estilo, elementos que balizarão,
definitivamente, alguns anos depois, sua noção de gênero do discurso.
A mesma analogia com o artista que trabalha o mármore reaparece então, e
questões sobre o trabalho do artista com a língua e sobre a ação dos lingüistas
afluem com mais vigor 21 :
Realmente, o artista trabalha a língua, mas não enquanto língua; ele a supera
enquanto língua, pois não é em sua determinação lingüística (morfológica,
sintática, lexicológica, etc.) que ela deve ser percebida, mas no que a torna um
recurso para a expressão artística. (A palavra deve deixar de ser sentida como
palavra.) A criação do poeta não se situa no mundo da língua, o poeta apenas
serve-se da língua. No tocante ao material, a tarefa do artista, que é condicionada
pelo desígnio artístico, consiste em superar um material. Superar o material não é
um processo somente negativo que visaria instalar uma ilusão. No material,
supera-se a eventual determinação extra-estética que lhe é inerente: o mármore
deve deixar de se opor sua resistência em sua qualidade de mármore, ou seja,
enquanto determinado fenômeno físico, e deve expressar a plasticidade das
formas do corpo, porém sem criar a ilusão do corpo; o que é físico no material é
justamente superado no que tem de físico. Será que devemos perceber as
21
Pedimos desculpa ao leitor pela longa citação, mas julgamo-la importante para a compreensão de
questões que serão colocadas mais adiante, como as da relação do poeta com a língua, com as
imagens, no ato da criação.
26
palavras na obra de arte enquanto tais, ou seja, no que causa sua determinação
lingüística? A forma morfológica enquanto tal? A sintaxe enquanto tal? A
semântica enquanto tal? Será que o todo da obra é um todo verbal? A obra, claro,
também deve ser estudada como todo verbal, e é tarefa dos lingüistas; mas um
todo verbal que for percebido como todo verbal deixará de ser um todo artístico.
Superar a língua como se supera a matéria física só pode ser feito de forma
imanente; não se supera a língua negando-a e sim propiciando-lhe um
aperfeiçoamento imanente em função de uma necessidade determinada. (A língua
em si mesma é indiferente, é sempre auxiliar e não tem finalidade, serve
indiferentemente à cognição, à arte, à comunicação prática, etc.). (Bakhtin, 1920-
1930/1979: 206-207)
Então o estudo das formas, dos recursos que a língua oferece ao artista, e
que este mobiliza com mestria, é um estudo insuficiente da estética literária? Todas
as escolas herdeiras do formalismo, ou que com ele polemizaram, produziram
compêndios e compêndios de análise literária em vão?
Cremos que não, mas acreditamos que a visão estética proposta por Bakhtin
traz uma contribuição específica aos procedimentos já correntes de análise poética,
atualizando-os, para nunca perder de vista o ato de criação em sua completude.
Como o diz o próprio Bakhtin, no mesmo ensaio sobre o autor e o herói, não se trata
de “contestar o direito de estudar tais elementos” mas “simplesmente recolocá-los
nos respectivos lugares” (Bakhtin, 1920-1930/ 1979: 208).
É bom relembrar, em outra obra, o chamado bakhtiniano à formulação de uma
real poética sociológica. Em Marxismo e Filosofia da Linguagem
(Bakhtin/Volochínov, 1929: 124), ao enunciar a ordem metodológica para o estudo
da língua, o terceiro momento referir-se-ia ao “exame das formas da língua na sua
interpretação lingüística habitual”. Pensamos que, ao fazer uma transposição para o
estudo dos fenômenos literários 22 , as correntes formalistas e suas aparentadas, que
22
Bakhtin (1924/1975: 17), faz uma crítica à pesquisa que se move na periferia da própria obra de
arte, frisando que a poética agarra-se à lingüística, temendo afastar-se um passo dela (na maioria
dos formalistas e em V. M. Jirmúnski), e às vezes chega mesmo a querer ser apenas um ramo da
lingüística (em V. V. Vinográdov). É interessante, ainda, sob este tema, consultar o artigo de
Voloshinov, de 1929, Les frontières entre poétique et linguistique (In Todorov, T. Mikhail Bakhtine –
le principle dialogique. Paris: Éditions du Seuil, 1981, p. 243-285), que defende, em posição crítica
em relação ao trabalho de Vinográdov, o rompimento entre a lingüística e a poética e uma
independência metodológica desta última.
27
propõem de uma forma ou de outra uma análise imanente do texto literário
(estruturalismo, new criticism, escola morfológica), ocupariam este papel terciário no
método sociológico do círculo bakhtiniano
A primeira ordem “As formas e os tipos de interação verbal com as condições
concretas em que se realiza” referir-se-ia, assim, às relações entre ética e estética
instauradas por Bakhtin, sobre a qual discorremos a partir da leitura de alguns de
seus textos iniciais. Podemos evocar aqui a epígrafe desta seção, em que Vygotsky
(1926/ 2001: 315) afirma que a arte é o social em nós. O artístico, como
denominamos há pouco, constitui-se, no dizer de Bakhtin, numa relação entre vida e
arte, concebidas indissociadamente, Em todas as facetas da atividade humana
mediadas pela linguagem, vislumbra-se uma unidade, uma totalidade, integrando
processo-produto: o ato ético, como posicionamento valorativo diante do mundo
social e o ato estético como consubstanciação em forma-conteúdo desta valoração.
A segunda ordem consistiria no estudo das “formas das distintas
enunciações, dos atos de fala isolados, em ligação estreita com a interação de que
constituem os elementos, isto é, as categorias de atos de fala na vida e na criação
ideológica que se prestam a uma determinação pela interação verbal.” Em nosso
entendimento, trata-se do estudo das formas já estabilizadas; no nosso caso, do
discurso romanesco e do discurso poético, e por fim, dos gêneros específicos – os
gêneros poéticos. Trataremos, a seguir, desta segunda ordem.
23
Pessoa, Fernando. Livro do desassossego. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 391.
28
Há, parece-nos, dois pontos sobre o quais Bakhtin vai marcar as diferenças
entre os dois tipos de discurso – configurando o que Tezza (2003) 24 vai chamar de
tese ou “hipótese” de Bakhtin:
24
Fazemos referência, sobretudo ao IV capítulo “A hipótese de Bakhtin”, In C. Tezza. Entre a prosa e
a poesia: Bakhtin e o formalismo russo. Rio de Janeiro: Rocco, 2003, p. 180-286, em que Tezza vai
tentar costurar os pontos teóricos referentes às distinções, na obra bakhtiniana, entre o discurso
poético e o discurso prosaico (ou romanesco).
29
Em outras palavras, para pensarmos com Bakhtin o discurso poético, ou o
prosaico, ou qualquer outro, é preciso que os consideremos como manifestações
vivas da linguagem, enunciados concretos – momentos verbais –, partícipes da
corrente de comunicação verbal ininterrupta (Bakhtin/ Volochinov: 1929: 123). Neles
se instauram e reinstauram relações dialógicas diversas, cujos níveis vão aflorar ou
“hibernar” de acordo com movimentos e fatores sócio-historicamente determinados.
30
obra O discurso no romance 25 , nos anos 1930, surgiram diferentes expressões do
discurso poético e romanesco e que não há pré-determinações sobre quais
participavam da corrente de forças centrífugas ou das forças centrípetas, dentro da
produção artístico-literária.
Como exemplos passageiros, pensando em manifestações participantes de
forças centrípetas e centrífugas, podemos citar, no contexto brasileiro, as
manifestações ufanistas e moralizantes de um Olavo Bilac, por exemplo. Em terreno
contrário, em um outro período histórico, podemos pensar, como subversão da
ideologia oficial, na produção de Chico Buarque e Gilberto Gil em anos de ditadura
militar.
As considerações de Bakhtin, assim, estão atreladas a um tempo e a um
espaço determinados. Seria melhor concebermos que cada escola, cada gênero,
cada enunciado concreto, enfim, carrega, como disse o próprio Bakhtin, a tensão
entre as forças centralizadoras e descentralizadoras da linguagem:
25
O discurso no romance (1934-1935) é dedicado, sobretudo, ao desenvolvimento do conceito de
plurilingüismo no romance. Salvo melhor citação sobre o tema, para Bakhtin, o romance é uma
diversidade social de linguagens organizadas artisticamente, às vezes de línguas e de vozes
individuais. A estratificação interna de uma língua nacional única em dialetos sociais, maneirismos
de grupos, jargões profissionais, linguagens de gêneros, fala das gerações, das idades, das
tendências, das autoridades dos círculos e das modas passageiras, das linguagens de certos dias e
mesmo de certas horas (cada dia tem sua palavra de ordem, seu vocabulário, seus acentos), enfim,
toda estratificação interna de cada língua em cada momento dado de sua existência histórica
constitui premissa indispensável do gênero romanesco. (p. 74)
31
Na verdade, haverá, ainda, nuances de descentralização e centralização de
outro tipo, relacionadas ao interior do próprio enunciado, à instauração mesma do
estético, na origem da criação do ato poético, ou prosaico. Conforme Tezza (2003:
260), mais uma vez, o conceito de centralização e descentralização da linguagem
não pode ser reduzido a uma polaridade simples e mecânica, de fora para dentro; as
forças sociais da linguagem atuam, num sentido ou noutro, em todas as instâncias
do momento verbal.
Passemos ao segundo ponto, o fato de que a atitude do poeta e do prosador
em relação ao objeto diferem; assim, a relação que se estabelece entre autor-criador
e seu herói (ou seu objeto) determinariam tudo o mais, inclusive a composição
formal e, sobretudo, a centralização ou descentralização do discurso, a presença ou
não da palavra alheia.
Em 1929, no seu livro sobre Dostoiévski, o autor já traçava algumas linhas
norteadoras para a configuração dos discursos romanesco e poético. Ao tratar dos
Tipos de Discurso na Prosa, faz uma referência inicial à questão do discurso
prosaico e do discurso poético:
26
Bakhtin, logo antes deste trecho citado, esquematiza uma classificação dos tipos de discurso. O
discurso de primeiro tipo refere-se àquele diretamente orientado para o seu objeto como expressão
da última instância representativa do falante. Aos outros tipos de discurso denomina discurso
concreto e discurso orientado para o discurso de um outro (discurso bivocal).
32
exigem, em poesia, um tratamento estilístico diferente 27 . (Bakhtin, 1929;
1961-1962/1981: 174)
O trecho que ressaltamos nesta citação nos mostra que Bakhtin tinha
consciência da problemática de sua teorização sobre tipos de discurso na prosa ao
pensarmos no objeto poético. O tratamento “estilístico diferente” aponta para uma
crítica a uma estilística que só conhece e só sabe pensar seu objeto em termos de
uma fala direta pertencente ao autor e orientada para o referente. (Bakhtin,
1929/1961-1962/ 1981: 174)
O que o pensador russo queria dizer com este movimento à uniformidade?
Para nós, correntemente, o enunciado poético apresenta-se como um protótipo de
texto aberto, ao pensarmos nas múltiplas possibilidades de significação que dele
podem aflorar. É preciso um retorno a este ponto.
Reafirmando o que já foi posto, qualquer enunciado concreto é produto da
inter-relação entre três participantes – o autor, o herói e o ouvinte –, social e
historicamente fixados em um tempo e lugar, e carrega consigo marcas indeléveis
desta inter-relação, das orientações dialógicas do autor em relação ao objeto e ao
herói e, da mesma forma, da orientação do ouvinte sobre o objeto e sobre o herói.
Nesse sentido, a questão da autoria, na obra de Bakhtin, ao nosso ver e como
já frisamos, é essencial, pois dela derivam categorias que nos permitem
compreender sua visão de estética e suas críticas às estilísticas tradicionais. O
autor, para Bakhtin, não se confunde com o autor biográfico, mas também não é a
marca gramatical que conhecemos como narrador. Não foi, ainda, preocupação de
Bakhtin contestar ou não a presença do autor, como Barthes (1968) 28 ; o autor
sempre existirá onde houver um produto da criação humana.
Subvertendo a ordem cronológica dos fatos, Bakhtin, nos textos de 1920-
1930, em defesa do princípio criador na relação do autor e do herói, já constatava a
27
Ênfase adicionada.
28
Referimo-nos, aqui, ao artigo de Roland Barthes, de 1968, intitulado “A morte do autor”, no qual
Barthes anuncia, encaminhando para uma mudança no enfoque dos estudos literários, o
afastamento do Autor, colocando, assim como Mallarmé, a própria língua no lugar daquele que dela
era até então considerado proprietário e proclamando que é a linguagem que fala, não o autor. (p.
66)
33
imensa confusão contestada por Barthes e parece responder, anos antes, ao alarde
e ao que foi alardeado, anos depois:
[...] Um autor não é o depositário de uma vivência anterior, e sua reação global
não decorre de um sentimento passivo ou de uma percepção receptiva; o autor é
a única fonte da energia produtora da forma, a qual não é dada à consciência
psicologizada, mas se estabiliza em um produto cultural significante; (Bakhtin,
1920-1930/1979: 28)
34
expressam sua posição social básica. Frisemos uma vez mais que aqui não nos
referimos àquelas avaliações ideológicas que estão incorporadas no conteúdo
de uma obra na forma de julgamentos ou conclusões, mas àquela espécie mais
entranhada, mais profunda de avaliação via forma que encontra expressão na
própria maneira pela qual o material artístico é visto e disposto.
(Bakhtin/Volochinov, 1926: 14)
35
forma-e-conteúdo e, juntamente com o ouvinte, co-partícipe deste processo criativo
– dá vida à obra de arte.
O isolamento a que se refere Bakhtin é, segundo compreendemos, uma
marca do discurso poético, ou, melhor dizendo, uma marca da atitude do poeta em
relação ao seu objeto. O poeta precisa, no seu processo de trabalhar o material
verbal, proceder ao isolamento da palavra da língua na linguagem própria do poeta.
Como bem dizia Maiakóvski, na obra poética a novidade é obrigatória 29 , ou
seja, o isolamento da palavra de seu uso habitual, pelas mãos do artista, do poeta,
promove a invenção e o coloca, no processo criativo, como parte integrante da
própria obra:
29
MAIAKÓVSKI, V. (1926) Como fazer versos. In SCHNAIDERMAN, B. A poética de Maiakóvski. São
Paulo: Perspectiva, 1984, p.172.
36
encontramos no poema, o trabalho com os sons, com o ritmo, as imagens
construídas, tudo serve ao propósito do poeta de isolar e diferenciar a palavra:
A língua do poeta é sua própria linguagem, ele está nela e é dela inseparável.
Ele utiliza cada forma, cada palavra, cada expressão no seu sentido direto (por
assim dizer, “sem aspas”), isto é, exatamente como a expressão pura e imediata
de seu pensar. Quaisquer que tenham sido as “tormentas verbais” que o poeta
tenha sofrido no processo de criação, na obra criada, a linguagem passou a ser
um órgão maleável, adequado até o fim ao projeto do autor. (Bakhtin, 1934-
1935/1975: 94)
Antonio Candido (1992) pode nos auxiliar a compreender essa passagem. Ele
fala do poema, que, mobilizando imagens, metáforas, desfaz e refaz o mundo. Para
ele, uma metáfora desfaz a semelhança do objeto com o mundo, por meio de
substituições convencionais ou pouco convencionais, proporcionadas pelas
possibilidades da língua, que o autor explora no processo de criação:
30
Compreendo a expressão imagem-tropo por todos os recursos expressivos da língua, as chamadas
figuras de linguagem da qual o poeta lança mão ao criar um poema: metáforas, metonímias,
antíteses, aliterações etc.
37
intensidade da analogia até parecer que não há mais mundo, mas sim uma
mensagem com vida própria, podendo inclusive não se referir a algo que a
experiência comprove. (...) Neste processo de desfazer a realidade o mundo se
vai desfigurando e o objeto referido pela palavra parece passar dele para ‘dentro’
do discurso. Aparentemente, não é mais o mundo, é outra coisa, que parece não
existir fora dos limites do texto. (Candido, 1992: 41-42)
31
O processo de descodificação (compreensão) não deve, em nenhum caso, ser confundido com o
processo de identificação. Trata-se de dois processos profundamente distintos. O signo é
descodificado; só o sinal é identificado. O sinal é uma entidade de conteúdo imutável; ele não pode
substituir, nem refletir, nem refratar nada; constitui apenas um instrumento técnico para designar
este ou aquele objeto (preciso e imutável) ou este ou aquele acontecimento (igualmente preciso e
imutável). O sinal não pertence ao mundo da ideologia; ele faz parte do mundo dos objetos técnicos,
dos instrumentos de produção no sentido amplo do termo (Bakhtin/ Volochinov, 1929: 93).
38
Esta centralização da linguagem como característica própria do discurso
poético, afirmada por Bakhtin de várias formas, em vários momentos, é confundida
com o fato de o discurso ser monológico/dialógico, ou mesmo com as adjetivações
autoritário/democrático, como bem explicou Tezza (2003):
32
Tiepolo, E. & Medeiros, S. Arte & Manhas da Linguagem – Português 1. Curitiba: Nova Didática,
2001.
39
Deus
Só inventa
Coisa boa.
Fez o beija-flor
Que é flor
Que voa
(Lalau e Laurabeatriz)
Você concorda que o beija-flor é uma flor que voa?? Por quê??
40
pensarmos em termos de concordância/discordância não estão no terreno do
poético, mas do retórico, do prosaico. Como, mais uma vez bem, coloca Tezza
(2003: 271):
33
Tezza refere-se ao romance O Estrangeiro (1942), do autor francês Albert Camus, em que Mersault
é o personagem principal.
41
1.3. O poético inesperado
O meu trabalho
a todo
outro trabalho
é igual.
Maiakóvski
Na mesma página, Bakhtin afirma que o poeta sonha com a criação artificial
de uma nova linguagem poética, antes do que recorrer aos dialetos sociais. Cita
42
como exemplo os cubo-futuristas 34 , entre eles Khliébnikov. Mesmo não conhecendo
toda obra deste autor, vale trazer à tona uma ressalva interessante que faz
Schnaiderman sobre o processo de criação de Khliébnikov:
34
O cubo-futurismo é um movimento poético que marca o início do século XX na Rússia, em reação
ao simbolismo. Era marcado pelo surgimento de novas formas de expressão, revolucionando o uso
da palavra e explorando novas possibilidades para o seu emprego.
35
Ênfase adicionada.
43
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e
Manifestações de apreço ao sr. diretor
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo
de um vocábulo
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
36
Faz parte do livro Libertinagem, publicado em 1930, que reúne poemas modernistas do autor
publicados entre 1922 e 1930.
44
Capítulo 2
__________________________
37
O título original do capítulo Os gêneros do discurso (1952-1953), do livro Estética da criação verbal
(1979) é O problema dos gêneros do discurso.
38
Caracterização de Otávio Paz (1982: 17) para a pluralidade dos gêneros literários poéticos e as
incansáveis tentativas de classificação destes na história literária.
2.1. A Problemática dos gêneros
46
plurais, comparando-as, faz parte de nossa cultura ocidental, por vezes analítica, por
vezes normativa, por vezes hierarquizadora. A visão orgânica, de um todo, é
incômoda, parece-nos que beira o caos; preferimos, assim, ao pensamento
englobante, a compartimentalização, a estratificação, a especialização, a
qualificação.
Diversos teóricos da área da teoria da literatura como Ducrot 39 & Todorov
(1972); Schaeffer (1983); Silva (1973); Moisés (1978); García Berrio & Fernández
(1999) são unânimes em reafirmar a complexidade do problema dos gêneros
literários, assinalando a confusão presente no seu estudo e, por conseguinte, a não
resolução de sua problemática. Uns referem-se à mescla de critérios classificatórios,
outros à flutuação das nomenclaturas, compondo um conjunto de questões que, a
par disso, tem sua origem em espaços que extrapolam a esfera literária. Para Silva
(1973), os problemas dos gêneros relacionam-se às variadas concepções sobre o
mundo e suas produções:
Schaeffer (1983) também assinala que o problema dos gêneros literários não
se restringe a um mero problema literário:
39
Ducrot atua não somente na área da literatura, mas também na área dos estudos lingüísticos.
47
proprement dite et débouche sur des querelles d’ ordre ontologique 40 . (Schaeffer,
1983: 3)
40
“Direi de início que a maioria das teorias genéricas não são verdadeiramente teorias literárias, mas
antes teorias do conhecimento. Quero dizer com isso que seu alcance transcende a teoria literária
propriamente dita e alcança questões de ordem ontológica”.(Tradução própria)
41
Baseamo-nos, para descrever este percurso da história dos estudos dos gêneros literários,
principalmente em Silva (1973/1988; 2002) e em Lima (1981/1988). Reservamos o espaço, aqui,
para os fatos que nos pareceram mais relevantes, conscientes de que a história da genelogia abriga
muito mais autores e opiniões.
42
O termo refere-se a mímesis, compreendida aqui como imitação ou representação do real,
recriação da realidade pela arte, apesar de haver muito debate no campo da teoria e crítica literária
sobre a significação do termo em Platão e em Aristóteles.
43
Segundo o Dicionário Aurélio, ditirâmbico refere-se a ditirambo: Nas origens do teatro grego, canto
coral de caráter apaixonado (alegre ou sombrio), constituído de uma parte narrativa, recitada pelo
cantor principal, ou corifeu, e de outra propriamente coral, executada por personagens vestidos de
faunos e sátiros, considerados companheiros do deus Dioniso, em honra do qual se prestava essa
homenagem ritualística. (Ferreira, 1986: 601)
48
Dessa forma, para Platão, as artes têm uma função moralizante, não sendo
reservado aos poetas um lugar na pólis.
Já Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) procura em sua célebre Poética,
estabelecer uma reflexão mais aprofundada sobre os gêneros literários, detendo-se
na tragédia, na comédia e na epopéia, com especial atenção para a primeira.
Diferentemente de Platão, concebe a mímesis não como reprodução fiel da
realidade, ou da natureza, ou seja, a imitação em relação ao mundo empírico, sendo
o ato de “imitar” natural aos homens e o prazer poderá decorrer da apreciação
artística, da imagem:
Prova disso é o que acontece na realidade: das coisas cuja visão é penosa
temos o prazer em contemplar a imagem quanto mais perfeita; por exemplo, as
formas dos bichos mais desprezíveis e dos cadáveres (Aristóteles, A Poética, In
Brandão, tradução de Jaime Bruna, 1988: 22)
49
instrumentalmente. Assim, a separação que temos hoje entre a lírica e as formas
narrativas inexistia; tudo, afinal, era um fazer poético, fosse para ser encenado,
como no teatro, fosse para ser narrado. Mesmo reconhecendo a existência de uma
forma distinta (entrevemos aqui a forma prosaica), o sábio grego não se deteve em
algo que sequer tinha um “nome” à época:
A arte que se utiliza apenas de palavras, sem ritmo ou metrificadas, estas seja
com variedade de metros combinados, seja usando uma só espécie de metro,
até hoje não recebeu um nome. Não dispomos de nome que dar aos mimos de
Sófron e Xenarco ao mesmo tempo que aos diálogos socráticos e às obras de
quem realiza a imitação por meio de trímetros, dísticos elegíacos ou versos
semelhantes. Nada impede que pessoas, ligando à metrificação a poesia, dêem
a uns poetas o nome de elegíacos, a outros o de épicos, denominando-os não
segundo a imitação que fazem mas indiscriminadamente conforme o metro que
usam. (Aristóteles, A Poética, tradução de Jaime Bruna, 1988: 20)
Se não posso nem sei respeitar o domínio e o tom de cada gênero literário,
porque saudar em mim um poeta? Por que a falsa modéstia de preferir a
ignorância ao estudo? (Horácio, Epistula ad Pisones, tradução de Jaime Bruna,
1988: 57)
50
de Aristóteles, irão influenciar o classicismo, no século XVI, e mesmo correntes de
séculos posteriores, XVII e XVIII.
Contudo, os renascentistas vão reler a Poética de Aristóteles ao seu bel-
prazer, numa direção cada vez mais normativa. Introduzem, ainda, o estudo da
poesia lírica, estabelecendo-se, por fim, a tríade canônica dos gêneros: o lírico, o
épico e o dramático. As obras maiores dos gregos e latinos eram tidas como
modelos de perfeição a serem seguidos e os gêneros como unidades fixas e
imutáveis. Destaca-se, mais adiante, no final do século XVII e início do XVIII, sobre
este prisma, a estética do classicismo francês e a figura de Nicolas Boileau-
Despréaux, que baseará todo valor da arte na razão, no equilíbrio e no decoro.
É claro que a criação literária vai experienciar outros gêneros não previstos
e/ou descritos nos modelos greco-latinos. Refletindo sobre estas mudanças, Silva
(1973) acrescenta:
Nesta direção, ainda é Silva (1973) que nos alerta para o fato de que não
havia, assim, tanta unanimidade em relação à doutrina normativa imposta pelos
renascentistas e pelo classicismo francês, já que os barrocos polemizavam com a
questão dos gêneros e das regras. Segundo ele,
[...] o barroco aspira a uma maior liberdade artística, desconfia das regras
inflexíveis, concebe o gênero literário como uma entidade histórica, passível de
evolução, admite a possibilidade de criar gêneros novos e advoga o hibridismo
dos gêneros (a tragicomédia é um gênero dramático caracteristicamente
barroco) (Silva, 1973: 210)
44
Ver Introdução de Roberto de Oliveira Brandão ao livro A Poética Clássica. São Paulo: Cultrix,
1988, p. 8.
51
As opiniões divergentes sobre os gêneros foram se acirrando ao longo do
século XVII, num debate que os teóricos literários denominaram “a querela dos
antigos e modernos”: os antigos defendiam ainda como ideal as regras e moldes das
obras greco-latinas; os modernos eram a favor do surgimento de novas
modalidades, por reconhecerem as mudanças culturais e sociais que circunscreviam
os fenômenos literários.
Já no século seguinte, vamos assistir, a partir do movimento pré-romântico
Sturm und Drang, uma tendência crescente à valorização da interioridade do poeta,
da individualidade de cada obra, da criação livre e espontânea. Isto levou à
condenação dos modelos apriorísticos e normativos para os gêneros literários e à
defesa do hibridismo, do amálgama do grotesco e do sublime apregoado por Victor
Hugo no prefácio a Cromwell, em 1827.
A história dos gêneros literários foi marcada, de fato, pela alternância de
visões antagônicas. No final do século XIX, vemos novamente a investida da noção
substancialista dos gêneros, desta vez na voz de Ferdinand Brunetière (1849-1906).
Este autor, influenciado diretamente pelo positivismo e pelas teorias evolucionistas
da época, conceberá a obra artística como um organismo: os gêneros nasceriam de
outros gêneros e se transformariam naturalmente. Umas espécies, assim como as
espécies vivas, seriam “mais fortes”, e sobreviveriam; outras sucumbiriam com o
tempo. Segundo Lima (1981), essa “mascarada biológica” de Brunetière não teria
tido repercussão se não revelasse, se não reafirmasse a existência inquestionável
dos gêneros, apelo de todas as correntes normativas:
52
poeta. Criticará, portanto, as atitudes que supervalorizam os gêneros literários, como
se estes ocupassem o lugar que seria reservado à expressão poética ou às obras de
cada artista em seus estilos. Admitirá, contudo, que os gêneros literários podem
servir instrumentalmente, como auxiliares na sistematização da história da literatura.
O pensamento de Croce repercute em trabalhos posteriores, como os de
Vossler, do New Criticism e entre os formalistas russos, em sua fase inicial. Esta
repercussão teve vez devido ao nascimento, ao mesmo tempo, da chamada
estilística moderna, que, segundo Lima (1981:249) estabelece ao mesmo tempo a
autonomia da ‘obra de arte literária’ e desenvolve métodos de interpretação a-
históricos, que tornavam supérfluo um estudo prévio das formas e dos gêneros na
história.
Vale lembrar que Croce e Vossler são dois dos teóricos com os quais dialoga
Bakhtin/Volochinov em Marxismo e Filosofia da Linguagem (1929), justamente sob a
argumentação de que as formulações daqueles compunham a chamada orientação
do subjetivismo idealista ou individualista. A crítica bakhtiniana recai sobre a
consideração, pela teoria da expressão, de um certo dualismo entre o que é interior
e o que é exterior, com primazia explícita do conteúdo interior (Bakhtin/Volochinov,
1929: 111). O subjetivismo individualista ignoraria a natureza social da enunciação,
o que é justamente a afirmação e a insistência dos autores russos em relação à
linguagem:
45
Em linhas gerais e grosso modo, entre os primeiros formalistas, como Chklovski, buscava-se, nas
obras literárias, o princípio da literariedade, através do procedimento de singularização, ou seja, a
intenção era compreender o que conferia o estatuto de literário às obras, em oposição ao
automatismo da linguagem do dia a dia. Assim, concebiam na linguagem literária um desvio criador
que provocaria, através de certos procedimentos, um estranhamento no leitor, em oposição ao
reconhecimento que ocorre na linguagem cotidiana.
53
Isto vai permitir rever a idéia de gênero, intimamente ligada, agora, ao dinamismo
histórico:
É ainda Lima (1981: 252) que nos alerta para o fato de que Tynianov tinha
uma noção clara da relação entre reconhecimento de um gênero pelo produtor e
receptor de uma obra, pois tal fato está entranhado na própria expectativa histórica
do fato literário.
Tomachevski (1925), outro autor da corrente formalista, mesmo
reconhecendo a dimensão histórica dos gêneros, afirma que estes deverão ser
descritos por suas marcas literárias, pelos procedimentos perceptíveis de
construção:
54
Para Lima (1981), os formalistas se mantiveram presos às propriedades da
obra, à estética da produção. Quem fará a crítica mais acirrada à posição formalista
será Bakhtin/Medvedev, no livro de 1928, O Método Formal nos Estudos Literários.
O debate recairá sobre a insistência dos formalistas em estudar as propriedades da
“linguagem poética em si”, não se atendo à dupla orientação da linguagem, o que
não deixou de desconsiderar os apontamentos de Tynianov:
46
“A totalidade artística de qualquer tipo, isto é, de qualquer gênero, aparece duplamente orientada
na realidade, e as particularidades desta dupla orientação determinam o tipo de totalidade, isto é, o
gênero. Uma obra está orientada, em primeiro lugar, em direção aos ouvintes e receptores, e em
direção a condições determinadas de execução e percepção. Em segundo lugar, uma obra está
orientada na vida, desde o interior, por assim, dizer, mediante seu conteúdo temático. A seu modo,
cada gênero orienta-se tematicamente em direção à vida, aos seus sucessos, problemas, etc.”
(Tradução própria)
55
De esta manera, la obra participa en la vida y entra en contacto con los
diferentes aspectos de la realidad circundante mediante el proceso de su
realización efectiva, como lo ejecutado, lo oído, lo leído en un determinado
tiempo, en un determinado lugar, en determinadas circunstancias. La obra, en
cuanto cuerpo sonoro real com cierta duración, ocupa un lugar definido que le
corresponde en la vida. Este cuerpo está situado entre la gente organizada de un
determinado modo. Esta orientación inmediata de la palabra en cuanto un hecho
o más exactamente, en cuanto un hacer histórico en la realidad circundante, es
la que determina todas las variedades de los géneros dramáticos, líricos y
épicos 47 . (Bakhtin/Medvedev, 1928/1994: 210)
Por sua natureza mesma, o gênero literário reflete as tendências mais estáveis,
“perenes” da evolução da literatura. O gênero sempre conserva os elementos
imorredouros da archaica. É verdade que nele essa arcáica só se conserva
graças à sua permanente renovação, vale dizer, graças à atualização. O gênero
sempre é e não é o mesmo, sempre é novo e velho ao mesmo tempo. O gênero
renasce e se renova em cada nova etapa do desenvolvimento da literatura e em
cada obra individual de cada gênero. Nisto consiste a vida do gênero. Por isto,
não é morta nem a archaica que se conserva no gênero; ela é eternamente viva,
ou seja, é uma arcáica com capacidade de renovar-se. O gênero vive do
presente mas sempre recorda o seu passado, o seu começo. É o representante
47
“Desta maneira, a obra participa da vida e entra em contato com os diferentes aspectos da
realidade circundante mediante o processo de sua atual realização, como algo executado, ouvido,
lido em determinado tempo, em determinado lugar, em determinadas circunstâncias. A obra, como
corpo sonoro real com certa duração, ocupa um lugar definido na vida. Este corpo está situado entre
a gente organizada de um determinado modo. Esta orientação imediata da palavra enquanto um fato,
ou mais exatamente, enquanto um fazer histórico na realidade circundante, é que determina todas as
variedades dos gêneros dramáticos, líricos e épicos”.(Tradução própria)
56
da memória criativa no processo de desenvolvimento literário. É precisamente
por isto que tem a capacidade de assegurar a unidade e continuidade desse
desenvolvimento. (Bakhtin, 1929; 1961-1962/1981: 91)
48
Vale lembrar que as formulações de Jakobson sobre as funções da linguagem estiveram (e ainda
estão) presentes nos livros e manuais didáticos, de ensino fundamental e médio no Brasil,
constituindo-se, por muito tempo, em teoria obrigatória para a explicação/compreensão dos
fenômenos da linguagem e da mesma forma, dos poéticos.
57
2.2. Os gêneros do discurso na perspectiva bakhtiniana
49
“Normalmente, os formalistas definem o gênero como sendo um certo agrupamento de
procedimentos constantes e específicos, com uma dominante determinada. Já que os
procedimentos principais haviam sido definidos à parte do gênero, este se comporia mecanicamente
a partir dos procedimentos. A verdadeira importância do gênero jamais foi compreendida pelos
formalistas”.(Tradução própria)
58
combinación fortuita de procedimientos elegidos al azar. 50 (Bakhtin/Medvedev,
1928/1994: 215-216)
50
“Que fazem, por outro lado, os formalistas, ao chegar ao problema do gênero? Eles o separam
daqueles dois pólos da realidade entre os quais se situa e se define o gênero. Separam a obra tanto
da realidade da comunicação social como da compreensão temática da realidade. Convertem o
gênero numa combinação fortuita de procedimentos eleitos ao acaso” .(Tradução própria)
51
Isso, caso não desconsideremos a problemática da autoria, ou seja, dos textos cuja autoria é
atribuída a elementos do Círculo, mas que na verdade seriam do próprio Bakhtin, como é o caso da
obra O Método Formal nos Estudos Literários (1928), assinada então por Medvedev.
52
Souza (2002) refere-se aos textos Art and Answerability (Bakhtin, 1919) e Discurso na vida e
Discurso na Arte (Bakhtin/ Volochinov, 1926).
59
social 53 , que deve ser feito por dois pontos, pelo conteúdo e pelos tipos e formas de
discurso. Estas últimas seriam formas da comunicação no contexto da vida e através
de signos. E acrescenta:
Como também lembrou Souza (2002: 102), num texto posterior, de 1930,
Volochinov irá precisar um pouco mais esta noção de gênero:
53
Bakhtin/Volochinov (1929) utiliza este termo no segundo capítulo do livro, intitulado “A relação entre
a infra-estrutura e as superestruturas”. O conceito, cunhado antes na teoria de Plekhánov e de outros
marxistas, referir-se-ia ao um elo de ligação entre a estrutura sócio-política e a ideologia no sentido
estrito do termo (ciência, arte, etc.). O que Volochinov ressalta é que esta psicologia do corpo social
deve ser considerada dentro do processo real de comunicação e de interação verbal, e está
inteiramente exteriorizada: na palavra no gesto, no ato e se manifesta essencialmente nos mais
diversos aspectos da “enunciação” sob a forma de diferentes modos de discurso, sejam eles
interiores ou exteriores (Bakhtin/Volochinov, 1929: 41)
60
relève: nous la désignerons désormais sous le terme de genre 54 .
(Volochinov, 1930/1981: 290)
Temos, aqui, então, a base para a projeção de todo um conceito que será
mais tarde explicitado por Bakhtin no texto O problema dos gêneros do discurso
(1952-1953). Tratar-se-ia de uma manifestação verbal elaborada a partir de uma
esfera específica, o que lhe dá contornos próprios, que podem ser recuperados pela
análise de três elementos: a avaliação de um determinado conteúdo temático, em
um certo momento, o estilo verbal e a construção composicional. Na concepção
bakhtiniana, estes elementos comportariam o todo do enunciado, caracterizando o
gênero do discurso.
Antes deste momento, contudo, Bakhtin trabalharia esta noção de forma
aplicada e contundente, na obra O discurso no romance (1934-1935). Nela, articula
à noção outras categorias importantes do seu quadro teórico, como dialogismo,
plurilingüismo e cronotopo. Vale recordar que, como expusemos no primeiro capítulo
deste trabalho, ao pensar o romance como um gênero plurilíngüe, Bakhtin irá
também refletir sobre os gêneros poéticos.
54
“Ora, o enunciado considerado como unidade de comunicação e totalidade semântica, constitui-se e
realiza-se precisamente numa interação verbal determinada e engendrada por um certo tipo de
relação de comunicação social. Assim, cada tipo de comunicação social que nós citamos organiza,
constrói e acaba, de maneira específica, a forma gramatical e estilística do enunciado assim como a
estrutura do tipo do qual ele depende: nós a designaremos doravante sob a denominação de
gênero”.(Tradução própria)
61
Rojo (2002) chama-nos a atenção para o fato de que o conceito de gênero
pode ser construído de forma mais abrangente e, conseqüentemente, mais produtiva
e polifônica se estendermos o olhar para textos de outros autores do Círculo e para
além do texto de 1952-53. Nas palavras da pesquisadora:
55
Não acreditamos que esta é uma tarefa tão simples, pelo fato de muitos gêneros poéticos – como
gêneros literários - já se encontrarem classificados e nomeados pela tradição dos estudos literários.
62
Machado (1996), da mesma forma, comenta o fato de Bakhtin não eliminar a
noção de gênero, como fez Barthes, que fugia dos procedimentos hieráquicos:
56
Ênfase adicionada
63
Durante as leituras sobre os gêneros literários, um dos pontos que nos chamou
particularmente a atenção foi o emprego do termo gênero tanto para categorias que
nos parecem atemporais, como a tríade lírica, épica e drama, como para fenômenos
tão localizados historicamente, culturalmente, e mesmo individualmente, quanto uma
ode, um soneto, um haicai. Se fôssemos usar o critério de reconhecimento do leitor,
é fato que muitos gêneros poéticos descritos pela teoria literária, como, por exemplo,
um vilancete 57 , seriam meros desconhecidos. Ou tratar-se-iam de formas poéticas,
que, como algumas formas lingüísticas, como a segunda pessoa do plural, tiveram
sua época e hoje figuram nas gramáticas, mas não na fala de cada um. Como
conceber estas composições poéticas? Como formas fixas? Como gêneros do
discurso?
Parece-nos que estas questões estão intimamente ligadas às diferentes
visões sobre o papel dado aos aspectos formais em uma obra literária. Acreditamos
que as formulações de Bakhtin sobre as formas arquitetônicas e as formas
composicionais possam nos ajudar nesta reflexão.
57
Segundo o Dicionário Aurélio, vilancete refere-se a: 1. Composição poética, em geral curta e de
caráter campesino. 2. Composição poética formada de um mote e uma glosa. [As mais das vezes o
mote é um grupo de três versos, dos quais o primeiro é solto e o segundo rima com o terceiro, e a
glosa compõe-se de duas oitavas, sendo o último verso da primeira oitava o segundo verso do mote,
e o último verso da segunda o terceiro do mote]. (Ferreira, 1986: 1777)
64
reconhecido por ela, a qual poderá ter sido batizada ou não, ao longo da história dos
estudos literários.
Bakhtin também se preocupava com isso, mas não estava incomodado com
este conhecimento compartilhado por “homens comuns”, mas como um princípio que
norteava o pensamento científico do campo da arte, em sua época. Ele e os autores
de seu círculo dedicaram, portanto, grande parte de suas reflexões às críticas ao
que denominaram, então, estética material.
O seu trabalho de 1924, O problema do conteúdo, do material e da forma, é
dedicado, sobretudo, à crítica direta a tal estética, cujo pressuposto seria uma
independência da estética geral, criando uma premissa de caráter estético geral,
formulada nos seguintes termos por Bakhtin:
65
4. A estética material não é capaz de explicar a visão estética fora da arte;
5. A estética material não pode fundamentar a história da arte.
(Bakhtin, 1924/1975: 19-26)
66
A forma, compreendida como forma do material somente na sua definição
científica, matemática ou lingüística, transforma-se de certo modo na sua
ordenação exterior, isenta de momento axiológico. O que permanece totalmente
incompreensível é a tensão emocional e volitiva da forma, a sua capacidade
inerente de exprimir uma relação axiológica qualquer, do autor e do espectador,
com algo além do material, pois esta relação emocional e volitiva, expressa pelo
tamanho pelo ritmo, pela harmonia, pela simetria por outros elementos formais –
tem um caráter por demais tenso, por demais ativo para que se possa interpretá-
lo como restrita ao material. (Bakhtin, 1924-1975: 19-20)
58
Já no seu texto Para uma Filosofia do Ato (1919-1921), Bakhtin salientava a cisão, a dissociação
entre o conteúdo ou sentido de um dado ato-atividade e a realidade histórica do seu ser, a real e
única experiência dele. Aqui, poderemos transpor este pensamento para o terreno do estético, em
que a forma está valorativamente orientada para algo que é a experiência real, através do olhar do
artista, mas também tem seu momento abstrato, ao qual a estética material se agarra.
67
A primeira e segunda tarefas dirigem-se, exatamente, ao que comentamos
acima, o objeto estético e a obra exterior 59 . A terceira refere-se, pois, a uma
estruturação organizadora do material, que está voltada para um fim (por isso o
termo teleológico), a que Bakhtin denomina composição da obra ou forma
composicional.
Chegamos, assim, ao terceiro tópico, à confusão entre as formas
arquitetônicas e composicionais empreendida pela estética material. Sobral (2005)
procura precisar o termo arquitetônica na obra bakhtiniana, em sua distinção com
respeito à forma composicional:
59
Para Bakhtin (1924/1975: 23) a estética material atém-se somente à segunda tarefa, operando um
estudo não estético da natureza da obra, como objeto das ciências naturais ou da lingüística.
68
As formas composicionais que organizam o material têm um caráter teleológico,
utilitário, como que inquieto, e estão sujeitas a uma avaliação puramente técnica,
para determinar quão adequadamente elas realizam a tarefa arquitetônica (...)
(Bakhtin, 1924/1975: 25)
69
(1978: 245) aponta para o fato de que o termo “gênero” não é empregado de forma
unívoca, designando categorias literárias diversas como a prosa, a poesia, a poesia
lírica, a épica, a novela, a novela picaresca, o soneto, a ode, a epigrama, etc. Silva
(1973) assume a seguinte posição:
60
Para o Círculo de Bakhtin, a noção de acabamento é fundamental para o estudo das artes: é o
traço que a distingue de outras áreas. Segundo Medvedev (1928/1994: 209) Cada arte, de acuerdo
con su material, y sus posibilidades constructivas, tiene sus propios modos y tipos de conclusión. La
descomposición de algunas artes en géneros se determina en grado significativo precisamente por
estos tipos de conclusión de la totalidad de una obra. Cada género es un modo especial de construir
y de concluir la totalidad, y, sobre todo, reiteramos que se trata de una conclusión sustancial,
temática, y no de una terminación sólo condicional o formal. “Cada arte, de acordo com seu material
e suas possibilidades construtivas, tem seus próprios modos e tipos de acabamento. A
decomposição de algumas artes em gêneros se determina de modo significativo precisamente por
estes tipos de acabamento da totalidade de uma obra. Cada gênero é um modo especial de
construir e de concluir a totalidade, e, sobretudo, reiteramos que se trata de um acabamento
70
os contempladores - lhes dão, num ininterrupto processo dialógico de construção e
reconstrução de sentidos.
Olhando para os nossos objetos, os gêneros poéticos, podemos refletir da
mesma forma nesta direção, pensando em gêneros que são muito conhecidos por
nós, mas que tiveram, em certo momento na história, uma “cisão” entre essas
formas arquitetônicas e composicionais e uma apropriação das formas
composicionais por outros gêneros, como é o caso do soneto, por exemplo. Esta
apropriação de um ou outro aspecto de um gênero por outro é um movimento
bastante comum dentro da esfera artístico-literária, mas também é um fenômeno
interesférico. Observamos a configuração de novos processos, como a hibridização
ou mixagem 61 dos gêneros, a assimilação e reatualização de linguagens e estilos e,
em relação ao nosso objeto, uma constante reinvenção do poético, o poético
inesperado como denominamos no primeiro capítulo deste trabalho.
Esta ”mixagem genérica” nos remete à distinção efetuada por Bakhtin (1952-
1953) entre gêneros primários e gêneros secundários. Tais termos foram cunhados
por Bakhtin, acreditamos, como uma tentativa de melhor operacionalizar a extrema
heterogeneidade dos gêneros do discurso (Bakhtin, 1953/1979: 281). Assim, os
gêneros primários de discurso seriam gêneros considerados simples, cuja realização
concreta se dá na esfera da vida cotidiana; os gêneros secundários estariam mais
ligados às esferas de comunicação mais complexas e elaboradas, em grande parte
mediadas pela escrita. Tais gêneros secundários apropriam-se, muitas vezes, dos
primários, como acontece, por exemplo, no romance, gênero secundário, que vai
substancial, temático, e não de uma terminação somente condicional ou formal”. (tradução própria).
Bakhtin mesmo vai retomar este ponto no texto O problema dos gêneros do discurso (1952-1953),
assinalando que o acabamento do enunciado possibilita ao outro uma reação, uma resposta ao
enunciado.
61
Geertz (1998: 33-34) chama-nos a atenção para a mixagem de gêneros no mundo intelectual,
elencando diversos exemplos: Questionamentos filosóficos parecem críticas literárias (basta
lembrar Stanley Cavell escrevendo sobre Beckett ou Thoreau; e Sartre sobre Flaubert), debates
científicos se assemelham a textos selecionados das belles lettres (Lewis Thomas, Loren Eiseley),
fantasias barrocas são apresentadas como sérias observações empíricas (Borges, Barthelme),
estórias são compostas de equações e tabelas ou parecem testemunhos em juízo (Fogel e
Engerman, Le Roi Ludurie), documentários adotam o estilo de verdadeiras confissões (Mailer),
parábolas adotam a postura de etnografias (Castenada), tratados teóricos mais parecem
conferências ilustradas sobre viagens (Lévi-Strauss), argumentos ideológicos tomam o formato de
pesquisas historiográficas (Edward Said), estudos epistemológicos são elaborados como tratados
políticos (Paul Feyerabend), e polêmicas metodológicas disfarçam-se em memórias pessoais
(James Watson).O Fogo pálido, de Nabokov, um objeto literário composto de poesia e ficção, notas
de referência e imagens da clínica, parece ser realmente um produto destes tempos; só nos falta
ver a teoria quântica apresentada em versos ou uma biografia em álgebra.
71
comportar em seu interior um conjunto de gêneros da vida cotidiana, como diálogos,
cartas pessoais, etc.
A natureza do enunciado só pode ser compreendida, segundo Bakhtin
(1953/1979: 282), pela inter-relação entre os gêneros primários e secundários de um
lado, e o processo histórico de formação dos gêneros secundários, de outro. A
“mixagem de gêneros”, as apropriações, intercalações, hibridismos, reinvenções só
podem ser explicadas nesta tensão, num enfrentamento que se dá já nas esferas de
produção destes gêneros e, por conseguinte, por onde circulam e onde e como são
recebidos. Compreender o surgimento de um poético inesperado também passa por
compreender esta inter-relação, que é complexa, como veremos nos capítulos
seguintes.
Usaremos esta parte final para nos determos um pouco num gênero que foi
aqui muito citado, que é muito popular e cuja forma é aquela que nos vem muitas
vezes à cabeça ao falarmos sobre poesia: o soneto. Explorando, assim, o soneto,
pensamos trazer subsídios para a reflexão sobre o processo de didatização dos
gêneros poéticos, empreendida nos capítulos subseqüentes.
Pensamos que um soneto, como qualquer outro enunciado, apesar de ser o
mesmo em forma, será diferente como enunciado único, como um objeto estético.
Este pensamento procura recuperar ou preservar, como coloca a feliz expressão de
Bosi (2000:15), a história imanente e operante em cada poema.
O termo soneto vem ao que parece do latim sonus, que quer dizer som ou
ruído, designando também a voz, a palavra, a inflexão. Moisés (1978: 480) traz a
origem na língua italiana sonetto, do Provençal sonet, que se refere também a som,
melodia, canção. O inventor do soneto, ainda segundo Moisés, seria Giacomo
Lentino (1180/1190?1246?), um poeta siciliano da corte de Frederico II, que teria
composto quinze dos dezenove sonetos desse tempo.
Brener (1995: 7) afirma que o soneto teria se originado de uma canção
compostas por trovadores, denominada strambotto. Este era conhecido por oitava
rima, com oito versos. A estrutura de quatorze versos decassílabos seria, pois, a
72
junção de dois strambotti, um com oito linhas, que se dividiam em dois quartetos, e
outro com seis, que se dividia em dois tercetos.
Segundo Faraco (1997: 11-12), o soneto era cantado, com música, e a
necessidade de um princípio par (quartetos) e de um princípio ímpar (tercetos) se
explicava pela mudança da melodia na segunda parte. Mas, segundo as indicações
deste mesmo autor, a métrica teria colocado restrições à melodia e, no século XIV, o
soneto deixa de ser cantado e passa a ser então um “pronunciamento oratório”.
Conforme Brener (1995: 8-10), Dante Alighieri (1265-1321) teria ordenado as
rimas no esquema ABBA/ ABBA/ CDC/DCD; CDD/DCD; CDE/CDE e CDE/EDE.
Outros autores italianos, dentre eles Petrarca (1304-1374) e Della Casa (1503-
1556), também se dedicaram ao soneto, tendo este último empregado o
enjabment 62 . Foi trazido a Portugal por Sá de Miranda, destacando-se, claro, Luís de
Camões (1524-1580). Na literatura inglesa, destaca-se a figura de Shakeaspeare
(1564-1616), que segue o esquema elisabetano, de três quartetos e um dístico. A
temática é quase sempre amorosa: o amor platônico é um tema recorrente. Muitas
vezes a entonação é de um canto triste, que lamenta a perda, o abandono, ou as
agruras da vida; outras vezes tem um conteúdo religioso. Observemos os sonetos a
seguir:
Roga a Deus que teus anos encurtou, Se alguém causa inda pena a tua chaga
Que tão cedo de cá me leve a ver-te, Apedreja essa mão vil que te afaga,
Quão cedo de meus olhos te levou. Escarra nessa boca que te beija!
62
Segundo o Dicionário Aurélio (1986: 656), Enjabment. [Fr.] S.m. Processo poético de pôr no verso
seguinte uma ou mais palavras que completam o sentido do verso anterior.
73
SONETO HILÁRIO SONETO SOMA 14x
(Glauco Mattoso) (E. M. de Melo e Castro)
O gás paralisante entendo e explico 1 4 3 4 2
O gás lacrimogêneo faz sentido.
2 3 3 0 6
Porém o que me deixa estarrecido
É o gás hilariante e o pó de mico.
4 1 6 1 2
3 2 2 1 6
Produto duma indústria de milico,
A cócega e a coceira têm servido 5 0 0 1 8
Ao dom de especialistas do prurido, 2 1 2 5 4
E cresce, mais e mais, o seu fabrico 1 4 0 1 8
3 2 4 1 4
Pra mim, é um desperdício, pois dispenso
Maiores artifícios pro meu riso. 3 2 1 3 5
Basta descontrair quando estou tenso 5 4 1 2 2
3 0 4 2 5
Peidar é tudo aquilo que preciso:
Me faz dar gargalhadas, porque penso
Na paz do olfato alheio, que infernizo 4 3 3 1 3
5 1 2 1 5
8 9 3 5 3
74
COTIDIANO 63
(Avelino Araújo)
63
Retirado do site www.avelinoaraujo.com.br.
75
O que podemos observar em todas estas diferentes manifestações poéticas
que recebem o nome de soneto?
O soneto camoniano é um clássico, bem conhecido, cuja estrutura fixa é
absolutamente respeitada: os versos decassílabos, o tradicional esquema de rimas
ABBA/ ABBA/ CDC/DCD. A temática é a dor da perda do amor, pela morte. O tom é
triste, lamuriante. Este soneto está totalmente adequado ao estilo de seu gênero, é o
próprio protótipo dele. O segundo soneto, de Augusto dos Anjos, segue o mesmo
projeto composicional, os versos decassílabos, o esquema tradicional de rimas entre
os quartetos e tercetos. A entonação lamuriante, contudo, sobe um grau, a seleção
vocabular não é doce nem romântica, e o estilo do autor, neste caso, parece se
sobrepor ao estilo do gênero. O impacto, quando lemos, é totalmente diferente.
O terceiro texto vira pelo avesso o gênero soneto. Mesmo seguindo ainda
composição formal esperada, os versos decassílabos, o esquema rimático regular e
tradicional (ABBA/ABBA/CDC/DCD), o conteúdo subverte totalmente o esperado
para o gênero soneto, cuja realização também serviu, por muito tempo, ao
enaltecimento dos mais “altos e nobres valores” humanos. A forma escolhida em
nada se coaduna com o que é dito, daí o humor, o hilariante. Aqui, este movimento
lembra a rebeldia contra a pomposidade do lírico, de João Cabral de Melo Neto, em
sua Antiode (contra a poesia dita profunda):
Poesia, te escrevia:
Flor! Conhecendo
Que és fezes. Fezes
Como qualquer
Gerando cogumelos
(raros, frágeis cogu-
melos) no úmido
calor de nossa boca
(...)
O quarto exemplo, em que nos deteremos mais detalhadamente, é uma letra
de canção, cujo texto mantém a estrutura de quatorze versos do soneto: todos os
versos são decassílabos e o esquema rimático, apesar de mais complexo, com
novas rimas no segundo quarteto, não foge ao esperado para um soneto. Aqui,
Chico Buarque, além de seguir à risca a forma composicional, utiliza-se das formas
arquitetônicas que o gênero procura realizar, tanto temática como musicalmente. A
76
melodia é lenta, triste e lamuriante e podemos ler a canção como queixas de uma
relação amorosa complicada, mas índices lexicais apontam para um outro contexto e
permitem uma outra leitura. Esta música é de 1972, época de plena ditadura militar
no país, de censura às artes, de cerceamento da liberdade e desrespeito aos
direitos humanos. A escolha lexical é uma alusão aos fatos: abandono tortura, navio,
saída, mentira, porão sombrio, assim como a recorrência da imagem da morte:
morta de sono, morta de medo, morta de frio, em oposição à frase também
recorrente eu estava bem. Este advérbio bem pode ser lido tanto em relação ao
verbo estar, estar bem, como em relação ao adjetivo, estar bem morta. Ao ouvirmos
a canção 64 , percebemos que linha melódica é ascendente ao final de cada verso e
que o ritmo torna-se acelerado na frase Por que desceste ao meu porão sombrio, em
que a batida ao fundo lembra tanto passos (que descem ao porão), como as batidas
de um coração acelerado, temeroso; neste verso e no seguinte, a voz aumenta um
tom, torna-se voz de indignação, mas logo em seguida acomoda-se, retornando à
melancólica entonação anterior.
São os recursos de estilo de um autor que precisa de um disfarce para a
delação, em que o tom não pode ser polêmico, não pode ser denunciativo, mas ao
mesmo tempo deve ser queixoso, deve ser de tristeza, expressando um sentimento,
também de perda (da liberdade, dos direitos e da própria vida) que dominava a
classe artística da época. Assim, o autor, através de seu estilo individual, mas
disfarçado pelo estilo do gênero escolhido, seu singelo soneto-canção, age
politicamente, através da arte assume sua posição em relação à situação limite da
época.
Os dois últimos textos são experiências de poemas feitas no “sofisticadíssimo
laboratório” da poesia concreta e da poesia visual. Aqui o material verbal é trocado
por outro, primeiramente a linguagem matemática na poesia concreta portuguesa
Soneto 14x, que preserva a forma composicional típica: mesmo o esquema rimático,
com a repetição dos números, a estrofação e o número de versos; mas não somente
isso: a soma dos numerais em cada linha também é sempre igual a 14. Se nada de
lírico tem uma soma matemática (ou tem?), aqui temos, pois, a reunião inesperada
64
Tivemos acesso à gravação da canção Soneto interpretada por Ney Matogrosso, no álbum Um
brasileiro, Gravadora Universal Music, 1996.
77
de duas linguagens, de duas arquitetônicas de esferas diferentes. O poético
inesperado, plurilíngüe, reaparece.
O poema visual de Avelino Araújo toma um objeto absolutamente cotidiano
para relembrar, mais uma vez, a forma de um soneto. Os dentes do pente seguem o
esquema de estrofação e o último agrupamento soma dez, o que pode ser uma
referência ao verso decassílabo. Da mesma forma, um pente nada tem de lírico, mas
poderíamos pensar numa daquelas apropriações dos gêneros primários, cotidianos
(representados pelo pente), pelo gênero secundário soneto. Ou podemos considerar
o inverso?
Estas manifestações poéticas rememoram as formas composicionais do
gênero soneto, apropriam-se dela, até mesmo a homenageiam, mas não são mais o
mesmo gênero soneto do quinhentismo. Isso parece óbvio, já que temos uma
diferenciação espaço-temporal, diferentes cronotopos, mas é interessante notar
como a criação artística atua transversalmente aos estilos de época, produzindo
gêneros que (re)visitam outros gêneros estabilizados, popularizados, como o soneto,
tomando emprestado traços e/ou características das formas composicionais, na
maioria das vezes, mas também das arquitetônicas, dos temas, como no caso do
Soneto Hilário de Mattoso, ou da letra de Chico, para com elas e através delas
dialogar, associar, assimilar, atualizar, recusar, etc. Isso tudo pela maestria do gênio
artístico dos poetas. Como coloca Brait (2003: 16):
78
Capítulo 3
__________________________
65
Segundo Batista (1999: 554): Os textos e impressos didáticos e a diversidade de suas
características materiais, discursivas e estruturais decorrem, fundamentalmente, do complexo inter-
relacionamento de pelo menos três grandes conjuntos de condições: aquelas ligadas a (i) fatores de
ordem econômica e tecnológica, (ii) de ordem educacional e pedagógica e (iii) de ordem social e
política.
81
82
66 É óbvio que este processo é extremamente complexo, pois envolve todo um conjunto de
objetos a serem ensinados, as teorias e hipóteses relativas a eles, as práticas e procedimentos
correntes ligados à tradição do ensino das diferentes disciplinas, as normatizações e diretrizes
oficiais, as determinações curriculares, as concepções de educação, homem, escola, as restrições
definidas por fatores histórico-sociais etc. Canelas-Trevisi (1997: 18), ao tratar da questão da
transposição didática, com base em Chevallard (1985), explicita a passagem de um objeto de
determinada área do saber para um objeto de ensino: Le processus de la transposition didactique est
représenté par le schéma:—> objet de savoir —> objet à enseigner —> objet d'enseignement. La
première flèche indique que le savoir savant n'est pas une donnée absolue, mais qu'il est ancré dans
l'histoire et dans la société et qu'un objet devient objet de savoir à la suite d'un processus d'institu-
tionnalisation plus ou moins complexe (Johsua et Dupin, 1993). La deuxième flèche symbolise
l'opération qu'effectuent les agents de l'institution scolaire lorsqu'ils sélectionnent des objets de savoir
en partant du principe que ces objets ont une pertinence pour un programme d'enseignement donné.
La troisième flèche symbolise les transformations complexes auxquelles est soumis l'objet de savoir
dès lors qu'il est inclus dans un curriculum scolaire particulier. “O processo de transposição didática é
representado pelo esquema: -> objeto de saber -> objeto a ensinar -> objeto de ensino. A primeira
flecha indica que o saber valorizado não é um dado absoluto, mas que está ancorado na história e na
sociedade e que um objeto torna-se objeto de saber após um processo de institucionalização mais ou
menos complexo (Joshua e Dupin, 1993). A segunda flecha simboliza a operação que efetuam os
agentes da instituição escolar quando selecionam os objetos de saber partindo do princípio que estes
objetos tem uma pertinência a um determinado programa de ensino. A terceira flecha simboliza as
transformações complexas a que é submetido o objeto de saber desde que este é incluído num
currículo escolar particular” (tradução própria).
67
Um exemplo disso refere-se à questão do ensino da linguagem oral, em que as formulações da
academia são bastante recentes na consideração dos gêneros orais formais e públicos como objetos
de ensino. Sobre este tema, consultar pesquisa de doutoramento de Barros-Mendes (em prep.) A
82
83
O autor, herói e ouvinte de que estamos falando todo esse tempo devem ser
compreendidos não como entidades fora da própria percepção de uma obra
artística, entidades que são fatores constitutivos essenciais da obra. (...) O
ouvinte, também, é entendido aqui como o ouvinte que o próprio autor leva
em conta, aquele a quem a obra é orientada e que, por conseqüência,
intrinsecamente determina a estrutura da obra 68 . Portanto, de modo algum
nós nos referimos às pessoas reais que de fato formam o público leitor do autor
em questão.
83
84
84
85
Bunzen (2005) e Bunzen & Rojo (2005) têm advogado uma concepção do
livro didático como gênero discursivo, na acepção bakhtiniana. A defesa constrói-se,
principalmente, em contraposição à consideração do livro didático como suporte de
textos, conformem utilizam alguns estudiosos ligados à história do livro didático e
das práticas de leitura. Estes estudos centram-se tanto na materialidade do texto
impresso quanto na sua relação com as diversas formas de ler, contrapondo-se às
abordagens tradicionais centradas, sobretudo na análise dos conteúdos
pedagógicos (Bunzen, 2004: 19). Assim, como também esclarece Bunzen (2004:
21), o livro didático de língua portuguesa seria considerado um suporte de textos
diversos retirados de outros suportes.
A posição mais controvertida e com a qual os pesquisadores acima
polemizam (cf. Bunzen, 2004: 22-23; Bunzen & Rojo, 2005) é a colocada por
Marcuschi (2003), que compreende o livro didático como suporte, a partir,
principalmente, do argumento de que os textos inseridos no livro didático não
formam um todo orgânico, como preconiza Bakhtin, referindo-se ao romance.
Haveria, segundo Marcuschi, apenas uma reversibilidade de função destes gêneros,
visto que vão assumir funções didáticas, mas não haveria uma reversibilidade de
forma, ou seja, os vários gêneros encontrados nos manuais didáticos, os poemas, as
letras de canções, as peças publicitárias, as cartas, as histórias em quadrinhos não
deixariam de ser os gêneros que são porque se encontram no livro didático.
A contra-argumentação de Bunzen & Rojo (2005) vai encaminhar um
questionamento parecido com o que fizemos acima. Se considerarmos o livro
didático como suporte, como compreender os processos de encaixes e alinhamentos
dos diversos textos? Nas palavras dos pesquisadores
85
86
suporte, sem um alinhamento específico, sem estilo e sem autoria (Bunzen &
Rojo, 2005: 8).
86
87
poemas infantis e o texto escolar para o aluno, que se encontra no livro didático
Português, de Reinaldo Mathias Ferreira.
Na publicação em sua esfera original, a literária, o poema faz parte de uma
coletânea de poemas dirigidos ao público infantil. Batista (2004) traz comentários
sobre a coletânea no que diz respeito às ilustrações, ao projeto gráfico e à recepção
crítica da obra. Aponta, especialmente, para a visão de São Francisco empreendida
pelo poeta:
87
88
88
89
89
90
90
91
91
92
no princípio era o ritmo, e o ritmo estava com o homem, e o homem era o ritmo.
Antes de falarem articuladamente, as primeiras hordas humanas teriam percebido
o compasso cardíaco dentro do peito, a entrada e a saída do ar pelas narinas em
intervalos regulares, e a alternação combinada de seus pés em marcha; do
universo circundante teriam por certo apreendido as unidades rítmico-visuais do
sol e das trevas – os dias e as noites, o quaternário percurso lunar, o vaivém das
marés.
Zumthor (1997: 86) lembra-nos, na mesma linha, que na língua dos Inuit, uma
única palavra significa tanto respirar como compor um canto. Ou seja, se
caminharmos em direção às origens, encontraremos num momento a fusão da
cultura com as funções vitais do corpo humano, num encontro fascinante entre o ser
biológico e o ser social.
E mais contundentemente, seja em sociedades primitivas ou remontando à
Antigüidade clássica, podemos vislumbrar as íntimas relações entre a poesia e a
música, e entre a poesia, a música e as práticas sociais populares e cotidianas. O
caráter, aliás, de criação de um “espaço comunitário”, legado à arte nas sociedades
primitivas, e da mesma forma na antigüidade clássica, reforça ainda mais a idéia de
estreita ligação entre a arte e o conjunto todo social. As manifestações são
integrantes da vida de todo dia da comunidade em questão, feitas por e para “o povo
todo” e não uma motivação ou abstração do indivíduo, como parece que se realizou,
a partir da idade heróica e firmou-se, séculos depois, com a modernidade.
Podemos estar certos de que a poesia dos primeiros gregos, como a de todos os
outros povos num estágio primitivo, consistia em fórmulas mágicas, sentenças
oraculares, rezas e encantamentos, cânticos de guerra e de trabalho. Todos
esses tipos tinham algo em comum; podem ser qualificados como a poesia ritual
das massas. Jamais ocorreu aos autores de encantamentos e versos oraculares,
aos compositores de lamentos fúnebres e cânticos de guerra, criarem qualquer
coisa individual; sua poesia era essencialmente anônima e destinada à
comunidade como um todo; expressava idéias e sentimentos que eram comuns a
todos.
92
93
A função ancilar da poesia está representada pela associação em que viveu com
a música, de certo modo com a dança, antes que surgisse a pessoa do poeta [...]
A poesia primitiva é uma poesia de caráter coletivo porque representa os anseios
da coletividade e está intimamente ligada ao modus vivendi dessas comunidades
[...]
93
94
Segundo ainda Costa (2002: 113), o mero fato de que ambas, canção e
poesia, se utilizarem da materialidade gráfica em um determinado momento de sua
produção e circulação não as torna variedades do mesmo. Ou seja, para ele, a
poesia e a canção (letra de canção) são gêneros distintos entre si, cujos textos
podem ser “reversíveis”: a poesia transformada em letra e a letra lida como poesia.
Uma questão que é comumente colocada, sobre este ponto, é a da relação das
letras de canção com a poesia, ou se o compositor é ou não poeta e pode, enfim, ter
sua obra analisada por meio de um aparato teórico e metodológico fornecido pela
crítica e teoria literárias. Ainda segundo Costa (2002), é inquestionável a dimensão
escrita da canção (no registro da criação, nos encartes, partituras, song-books,
folhetos e antologias) e sua relação com o processo de criação poética, pois lança
mão de recursos de métrica, rima e figuras. Entretanto, para este autor
Ao nosso ver, esta discussão tem algo de irrelevante, já que as artes não são
estanques nem concorrentes (no sentido de que participariam de alguma disputa de
valor). A mescla entre a poesia e a canção é uma mescla de marcas históricas,
como pinçamos acima e, portanto, suas fronteiras vão ser sempre tênues, ou por
vezes, indefiníveis.
Langer (1980: 170), esteta, ao tratar das relações entre a música e a
literatura, coloca o que ela chama de princípio de assimilação pelo qual as palavras
de um poema, as alusões bíblicas em uma cantata, as personagens e
acontecimentos em comédias ou tragédias tornam-se elementos musicais quando
são usados musicalmente.
Assim, a autora não estabelece uma distinção radical entre o que é música ou
poema, ou letra de canção. Segundo ela:
94
95
Quando as palavras entram para a música, elas não são mais poesia ou prosa,
são elementos da música. Sua tarefa é ajudar a criar e desenvolver a ilusão
primária da música, o tempo virtual, e não a da literatura, que é outra coisa;
assim, elas desistem de seu status literário e assumem funções puramente
musicais (Langer, 1980: 170).
É por isso que eu digo que cancionista tem outro estatuto. É mesmo uma outra
modalidade de expressão, pois ele não precisa se preocupar com a autonomia
do texto: o texto não precisa valer por si próprio; pelo contrário, ele pode ser até
banal se a melodia fisgar o conteúdo (Tatit, 1998a: 11-12).
95
96
96
97
3. 3. 2. 1. As parlendas
Para Heylen 69 (1991), uma característica que diferencia a parlenda é que esta
é sempre acompanhada de uma atividade, um jogo, brincadeira, ou uma coreografia
corporal 70 .
Segundo Melo (1949: 38), as parlendas diferenciam-se dos acalantos, dos
jogos, das canções de roda, das adivinhas, dos contos. Este autor apresenta uma
subdivisão das parlendas em brincos, mnemonias e parlendas propriamente ditas:
1°) Brincos – as mais fáceis, as primeiras que ouvimos na infância, ditas ou recitadas pelos
pais ou amas, para entreter ou aquietar meninos.
Exemplos:
69
Esta autora apresenta um trabalho interessante e exaustivo sobre as parlendas em seu estudo
Parlenda, Riqueza Folclórica – Base para a Educação e Iniciação à Música. São Paulo, Hucitec,
1991.
70
Quem não se recorda das brincadeiras de recreio, das batidas de palmas e do indispensável Cê
cerê ce cê cê?
97
98
Pé-de-Pilão
Carne seca com feijão
O ferreiro faz a forca
Mas não faz o gavião
Serra, serra
Serra, pau
Serra esta menina
Que come mingau
2°) Mnemonias – Ditas ou recitadas pelas próprias crianças, com o fim de fixar números
ou nomes
Um – Anun.
Dois - Arroz.
Três – Pedrez
Um, dois, feijão com arroz
Quatro – Pé de Pato.
Três, quatro, feijão no prato,
Cinco –Pé de Pinto.
Cinco , seis, feijão pra nós três,
Seis – Freguês.
Sete, oito, feijão com biscoito,
Sete– Canivete.
Nove, dez, feijão com pastéis
Oito – V-8.
Nove – Automóvel.
Dez– Besta tu és...
(Mnemonia dos meninos de
Natal)
98
99
Outros autores, como Gomes & Ferreira (2003), afirmam que as parlendas
questionam a realidade circundante, ao ousarem burlar os sentidos acomodados das
expressões lingüísticas. E acrescentam:
99
100
Segunda-feira
Falo besteira
Besteira nada
Falo na fada.
Se a fada é boa,
Falei à toa? Os amigos
Toa não ouve,
O zero não era sincero
Não como couve... O um só fazia “pum”
Que houve comigo? O dois deixava pra depois
O três falava inglês
Não sei o que digo..... O quatro não era pato
(Paulo Seben, 1999) O cinco usava cinto
O seis parecia um portuguê(i)s
O sete jogava basquete
O oito vivia afoito
O nove não conseguia rimar
3.3.2.2. Os trava-línguas
100
101
O rato
rói a roupa
do rei de Roma.
Rui, o rei rouco
ronca e dá bronca.
A roupa puiu
e Roma ruiu.
Quem viu, riu
sem dar um pio
101
102
PATACOADA
Agora se engata
Pata a pata
Cada pata
De um par de pares de patas
A coisa nunca mais desata
E fica mais chata
Do que pata de pata
(José Paulo Paes, 2000)
3.3.2.3. As quadrinhas
102
103
3.3.2.4. As adivinhas
71
No dizer de Jolles (1930/1976: 20) Penso nas Formas que não são apreendidas nem pela
estilística, nem pela retórica, nem pela poética, nem mesmo pela “escrita”, talvez; que não se
tornam verdadeiramente obras de arte, embora façam parte da arte; que não constituem poemas,
embora sejam poesia; em suma, aquelas formas a que se dão comumente os nomes de Legenda,
103
104
Sublinhe-se, uma vez mais, a diferença essencial que separa o Mito da Adivinha.
No Mito, o sentido da resposta está exclusivamente nela. Na Adivinha,
apresenta-se, pelo contrário, uma pergunta a fim de apurar se o interrogado
possui certa dignidade e, uma vez dada a resposta, a pergunta prova que o
interrogado tem essa dignidade (Jolles, 1930/1976: 116).
Nasci nágua,
Nágua me criei;
Se nágua me botarem,
Nágua morrerei?
(R: O sal)
Saga, Mito, Adivinha, Ditado, Caso, Memorável, Conto ou Chiste. Segundo Lima (1981: 275), o
propósito de Jolles é chegar às “formas fundamentais” a que o homem teria acesso depois de
intervir no caos do universo, de reunir e separar, alcançando por fim a permanência do essencial.
Estas formas elementares, em número de 9 [...] corresponderiam a uma “disposição mental”
diferenciada, que permanece malgrado a diversidade das configurações histórico-culturais.
Consideradas deste modo, as formas fundamentais seriam entidades reais e transistóricas.
104
105
105
106
Roda
Ciranda cirandinha
Vamos todos cirandar
106
107
Ó ciranda cirandinha
Vamos todos cirandar
Vamos dar a meia-volta
Volta e meia vamos dar.
3.3.3. O cordel
107
108
109
110
72
O termo cânon provém do grego antigo kanon, que significava uma vara ou haste utilizada como
instrumento de medida, como bem explica Guillory (1995: 233). Depois tomou a acepção de regra ou
lei e com este sentido ficou conhecido nas línguas européias modernas. Segundo Perrone-Moisés
(1998: 61), em relação à Bíblia, a palavra designa, o conjunto de textos considerados autênticos
110
111
pelas autoridades religiosas. E acrescenta: Na era cristã, a palavra foi usada no direito eclesiástico,
significando o conjunto de preceitos de fé e conduta [...] No âmbito do catolicismo, também tomou o
sentido de lista de santos reconhecidos pela autoridade papal. Por extensão, passou a significar o
conjunto de autores literários reconhecidos como mestres da tradição (Perrone-Moisés, 1998: 61).
111
112
73
No sentido que dão a este termo Dolz & Schneuwly (1996), para quem, com finalidades didáticas e
curriculares, os gêneros podem ser agrupados com vistas a estabelecer uma progressão no ensino.
O agrupamento não é uma tipologia ou uma taxionomia; não visa classificações estanques, mas é um
arranjo didático que aproxima gêneros que: (a) compartilham finalidades sociais e domínios de
comunicação; (b) apresentam características formais compartilhadas e, por esses mesmos fatos; (c)
são relativamente homogêneos quanto às capacidades de linguagem dominantes exigidas para sua
mestria. Retomaremos esta questão em nossas considerações finais deste trabalho.
74
Ênfase adicionada.
112
113
Nem a poesia popular saiu da poesia de arte, nem esta saiu daquela. Os dois
tipos coexistem no tempo e no espaço desde que coexistem as classes sociais.
O letrado e o homem do campo; o homem dos salões e o artista da rua. O que
se verifica entre uma e outra forma de poesia é um fenômeno de capilaridade, de
contínua e mútua osmose de processos técnicos formais, devendo notar-se que
a poesia culta sempre hauriu com vantagens os recursos formais da poesia
popular: o paralelismo em todos os seus tipos, o processo do leixa-prein 75 [...] É
claro que aquilo que parece “carvão” na poesia inculta pode transformar-se em
“cristal” na poesia letrada. Os fenômenos repetitivos da poesia folclórica
tornaram-se expedientes formais da poesia culta, que os aproveitou, alterando
porém o valor poético do recurso (Spina, 2002: 75-76).
75
Leixa-prein - Técnica poética muito usada pelos trovadores medievais de encadeamento de
estrofes: em cada estrofe repetem-se, ou os versos da estrofe anterior com ligeira variação das
palavras finais (estrofes pares), ou um dos versos da estrofe que precede a anterior (estrofes
ímpares).
113
114
What I most want to insist upon is that Bakhtin´s link between primary and
secondary speech genres assures us that all of our students come to us with
some repertoire of everyday genres they can produce, probably with a larger
repertoire of such genres they can recognize, and that this everyday discursive
knowledge is the basis for learning to produce and read all secondary genres of
artistic, scientific, business, and political communication we are concerned to
teach 76
76
O que mais desejo acentuar é que a ligação que Bakhtin faz entre gêneros primários e secundários
assegura-nos que todos os nossos alunos nos chegam com algum repertório de gêneros cotidianos
que eles produzem, provavelmente com um largo repertório de tais gêneros que eles reconhecem e
que este conhecimento discursivo cotidiano é a base para aprender a produzir e ler todos os
gêneros secundários da comunicação artística, científica, de negócios e política que estamos
encarregados de ensinar. (Tradução própria)
114
115
vimos alguns exemplos, plurilíngües, que ao incorporem traços formais dos gêneros
da tradição oral, apropriaram-se também das linguagens sociais. Mas há muito mais
a se considerar sobre o capital cultural que o aluno já traz. Páginas atrás, falávamos
de objetos culturais canônicos e não canônicos. Cereja (2004) dedicou sua tese a
analisar a problemática da literatura no Ensino Médio, apresentando uma
interessante proposta dialógica, também pautada nos trabalhos de Bakhtin. Não
obstante, considera premente o conhecimento dos autores canônicos, não somente
nacionais, mas também estrangeiros, pelos nossos alunos brasileiros.
Tomando aqui um nível de ensino diferente, o Ensino Fundamental, e tendo
em vista os gêneros poéticos que estes alunos (re)conhecem – o que lêem, o que
escutam, qual a memória da tradição oral possuem –, não nos é possível pensar
somente em termos de uma seleção de textos e autores canônicos. Acreditamos,
sim, que a formação do leitor literário e do apreciador da arte, que se inicia desde as
primeiras séries, precisa levar em conta o universo cultural dos interessados, mesmo
que não seja o mesmo (e fatalmente não será) do professor ou da academia, que
influencia, direta ou indiretamente, a produção dos manuais didáticos.
Mesmo que não sejam os melhores (mas há bons), porque não considerar os
rap, funk, o hip-hop, ou as canções caipiras, ao pensarmos em canção? Por que
não incluir a poesia marginal e mesmo os traços de um poético cifrado espalhados
nos muros pichados pela cidade? Por que não partir destes gêneros, pensando no
mesmo sentido de Bialostosky, de que os alunos já possuem um repertório?
Isso não significa banalizar ou desvalorizar a antologia, a coletânea dos
manuais didáticos, mas antes poder compor um material textual mais realisticamente
concebido, em que se possa compreender e levar os alunos a compreenderem que,
se há textos singulares e populares, em que e por quais razões eles podem ser
valorizados ou não. A formação do leitor literário pressupõe a sofisticação dos
critérios de apreciação de valor estético e de réplica ativa dos/aos textos lidos, sem
que isto signifique restrição do universo de leituras, pelo contrário.
Interessantemente, o que, nos anos 1970 e 1980 era, para aquela geração
de jovens, uma inovação, a produção musical da MPB e da Tropicália
principalmente, e que foi parar nos livros didáticos, hoje, já parece aos alunos parte
de algo tão ininteligível quanto a própria produção literária dos autores mais
tradicionais. Este é um exemplo daquele movimento de troca de posições entre
115
116
objetos culturais entre as camadas sociais, citado há pouco. Mas a platéia hoje é
outra, embora o espetáculo continue.
Expressar em poucas páginas o que vislumbramos sobre os processos
didáticos envolvendo os gêneros poéticos parece quase impossível. Se
pudéssemos, muito grosso modo, representar geometricamente o grupo dos
gêneros poéticos, posicionaríamos tridimensionalmente, nos três eixos, tempo-
espaço-valor, uma forma geométrica em que cada face seria um dos nossos pontos
genéricos: poemas, letra de canção, cordéis, parlendas, trava-línguas, adivinhas,
quadrinhas, cantigas de roda. A aresta de um é também aresta de outro, comungam
dos mesmos vértices, mas ao mesmo tempo, mudam de posição a todo o momento,
na dinâmica própria e constante dos gêneros discursivos.
Pensarmos em termos de aproximação destes gêneros num agrupamento
pode melhor evidenciar as singularidades de cada um, mas também e sobretudo os
aspectos que os caracterizam como enunciados poéticos e, ao mesmo tempo,
anunciar possibilidades de um trabalho intertextual, e interdiscursivo,
estrategicamente, com vistas a uma formação mais consistente do leitor literário na
escola brasileira.
Veremos nos próximos capítulos, como tem se realizado a escolarização dos
gêneros poéticos nos livros didáticos de 1ª à 8ª séries.
116
Capítulo 4
__________________________
4.1. Os corpora
4. 2. As Bases de Dados
A análise das bases nos forneceu alguns índices que permitiram selecionar
quais obras serviriam à análise qualitativa. É importante ressaltar que, apesar de
utilizarmos dados dos PNLD, não foi nosso objetivo, aqui, julgar ou validar o
processo de avaliação, mas sim, usar a riqueza das informações aí reunidas,
como índices. Este procedimento, típico do paradigma indiciário, baseia-se em
Ginzburg (1991) e mostra-nos que, através de dados marginais, reveladores, é
possível ao pesquisador o levantamento de indícios e a formulações de hipóteses
para explicar aspectos da realidade. Aqui, utilizamos os indícios apresentados
inicialmente pelas Bases de Dados e, em seguida, pelas Bases de Textos, para
formar subconjuntos de coleções que oferecessem maiores possibilidades para a
análise dos gêneros poéticos.
Visando, ainda, o nosso objeto - os gêneros poéticos - foi necessário
constituir, para esta pesquisa, uma terceira base: a Base de Gêneros Poéticos,
que mostra, exclusivamente, a listagem total dos textos em gêneros poéticos em
todas as coleções, oferecendo mais índices para a escolha das coleções que
servirão para a análise qualitativa.
Efetuadas as totalizações por coleção, uma nova tabela foi criada, para
visualização da incidência dos gêneros poéticos para todas as 35 coleções de 5ª a
8ª séries e as 42 coleções de 1ª a 4ª séries. Estas tabelas nos permitiram ter uma
visão geral da presença dos gêneros poéticos na produção editorial de livros
didáticos destinados aos alunos do Ensino Fundamental. Verificamos, por
exemplo, que nos dois níveis de escolaridade, o número de textos de gêneros
poéticos se equilibrava e que a variação estaria em relação à letra de canção e
aos gêneros da tradição oral. Observemos, nas próximas seções, separadamente,
os números para as coleções de 1ª a 4ª séries (PNLD/2004) e para as coleções de
5ª a 8ª séries (PNLD/2002):
Gêneros Poéticos -
Coleções 1ª a 4ª séries
20%
Total de
Textos
Total de
Texto em GP
80%
70,50%
18,70%
10,80%
Note-se que, nas séries iniciais, a tradição oral é mais valorizada que as
letras de canção. Vejamos o que acontece com as coleções de 5ª a 8ª séries.
Gêneros Poéticos
Coleções 5ª a 8ª séries
22%
Total de
Textos
Total de
78% Texto em GP
G ê n e ro s P o é tic o s
C o le ç õ e s d e 5 ª a 8 ª s é rie s - D is trib u iç ã o
7 4 ,7 6 %
P oem as
L e tra s d e C a n ç ã o
T ra d iç ã o O ra l
2 ,1 9 % 2 3 ,0 3 %
2000
1500
Tradição Oral
1000 Poema
Letra de Canção
500
0
1ª a 4ª 5ª a 8ª
De 1ª a 4ª séries, as coleções:
Col Nome Autor(es) Editora Menção
1 ALP Novo Marco Antônio de A. Hailer & Maria FTD REC
Fernandes Cócco
2 Vitória Régia - Língua Solange G. Dittrich da Silva IBEP RD
Portuguesa
3 Construindo a Escrita - Textos, Carmem Silvia C. T. Carvalho, Maria Ática RD
Gramática e Ortografia da Graça B. Baraldi et. ali
4 Eu gosto - Prática de Célia Maria Costa Passos Zeneide A. Nacional RR
Linguagem Escrita e Oral - I. da Silva
Língua Portuguesa
6 Letra, Palavra e Texto - Língua Mércia Maria Silva Procópio, Jane Scipione REC
Portuguesa Maria Araújo Passos et ali
7 Português na Ponta do Rita de Cássia E. Braga Márcia A. F. Dimensã RD
Lápis...e da Língua de Magalhães o
8 Português- uma proposta para Magda Becker Soares Moderna RD
o Letramento
10 Língua Portuguesa Vera Lucia Simoncello Amalia O. de Ediouro REC
S. Almeida
14 Novo Tempo Maria Helena Correa Bernadete S. N. Scipione RR
Pontarolli
22 Linguagem e Vivência Tania Amaral Oliveira Antonio de IBEP RD
Siqueira e Silva Rafael Bertolin
23 Montagem e Desmontagem de Hermínio Geraldo Sargentim IBEP RR
Textos - Língua Portuguesa
26 Arte & Manhas da Linguagem Sonia A. Gladis Medeiros Elisiani Nova RR
Vitória Tiepolo Didática
28 Curumim - Língua Portuguesa Fátima C. de Oliveira Luiz Puntel Saraiva REC
32 Leitura, Interação e Produção - Marcia Maria da Silva Prioli Eloisa Editora REC
Trabalhando com Projetos Bombonatti Gianini Mara Sílvia Avilez do Brasil
35 Língua Portuguesa Elody Nunes Moraes Graça Branco Moderna REC
Luzia Fonseca Marinho
36 Linhas e Entrelinhas Maria Otília Leite Wandresen Lúcia Nova REC
Helena Ribeiro Cipriano Didática
38 Pensar e Viver - Língua Claudia Regina S. de Miranda Maria Ática RR
Portuguesa Luiza D. Rodrigues
40 Vivência e Construção _ Cláudia Regina S. de Miranda Ática RR
Língua Portuguesa Angélica de S. C. Lopes Vera Lúcia V.
M. Rodrigues
42 Com Texto e Trama Maria Mello Garcia Dília Maria A. Expressã REC
Glória o
Quadro 6 - Coleções para análise - 1ª a 4ª séries
De 5ª a 8ª séries, as coleções:
Col. Nome Autor(es) Editora Menção
8 Português: Leitura e Cristina Mantovani Bassi & Márcia Saraiva RR
Expressão das Dores Leite
15 Linguagem Nova Carlos Emílio Faraco e Francisco Ática REC
Marto de Moura
16 ALP Marco Antônio de A. Hailer & Maria FTD REC
Fernandes Cocco
17 Português: Palavra Aberta Isabel Cristina Martelli Cabral Saraiva RR
19 Linguagem e Interação Elisiane Vitória Tiepolo, Reny M. Módulo REC
G. Guindaste
21 Linguagem: Criação e Cássia L. Garcia de Sousa & Saraiva REC
Interação Márcia A. P. Cavéquia
22 Português: Linguagens Theresa A, C, Magalhães & Saraiva REC
William R. Cereja
23 Lendo e Interferindo Anna F. C. Teixeira da Silva, Aracy Moderna RR
C. dos Santos
24 Encontro e Reencontro - Janice J. P. Coforado, Marilda Moderna RR
Reflexão e Ação Prates
27 Olhe a Língua! - Língua Ana Luiza Marcondes Garcia & FTD REC
Portuguesa Maria Betânia Amoroso
29 Leitura do Mundo Lúcia Teixeira de Siqueira e Ed. Do REC
Oliveira & Norma Discini Brasil
34 Tecendo Textos Antônio de Siqueira e Silva, Rafael IBEP REC
Bertolin
Quadro 7 - Coleções para análise - 5ª a 8ª séries
Coleções de 1ª a 4ª séries:
Coleções de 5ª a 8ª séries:
Os trechos por nós enfatizados apontam para o fato de que, nestas obras,
há, primordialmente, uma preocupação com a diversidade e qualidade dos
enunciados escolhidos para compor o material textual, incluindo os poemas e
demais gêneros poéticos. Observe-se que há uma referência sobre o fato de que
o volume inicial privilegia os poemas, o que vem confirmar a tendência da
produção editorial de reservar os poemas e textos da tradição oral para as séries
iniciais. Nota-se também, em relação à autoria, que os autores elencados como
representativos nas resenhas são, na maioria, poetas e muitos são autores de
literatura infanto-juvenil.
Apenas em duas coleções há referência à exploração, nas atividades de
leitura, dos recursos estilísticos presentes nos textos literários e na leitura das
resenhas não encontramos maiores informações sobre como os livros procedem à
leitura dos gêneros poéticos especificamente, apenas ressaltam-se as estratégias
que exploram as diferentes capacidades de leitura de forma geral. Isso pode
apontar para uma desconsideração das coleções (ou da avaliação) das
características específicas do texto poético, ou pode ser apenas que a resenha
demonstre a abordagem de leitura para os gêneros de maneira geral. Contudo,
supomos que se houvesse, nas coleções, algum trabalho dirigido especialmente
aos textos em gêneros poéticos, este seria provavelmente destacado nas
resenhas.
Vejamos, a seguir, o que dizem as resenhas das coleções de 5ª a 8ª séries,
para, mais adiante, na análise qualitativa das atividades, verificar o que as
coleções propõem para os textos em gêneros poéticos.
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
CE LPT PPLL AML
Gráfico 1 - Relação entre Textos em Gêneros Poéticos e Total de Textos em outros Gêneros
- Coleções 1ª a 4ª séries
AML
Tradição
Oral
Letra de
PPLL
Canção
Poema
LPT
CE
0 10 20 30 40 50 60
Coleções AML
PPLL 4ª
3ª
2ª
LPT 1ª
CE
0 10 20 30 40 50
O privilégio dado aos gêneros poéticos nas séries iniciais pode ser
interpretado como resultado de uma crença de que tais gêneros, por efetuarem
um trabalho mais lúdico com a linguagem, com insistência sobretudo no aspecto
sonoro das palavras, como as rimas e aliterações, aproximam-se ou favorecem
certas estratégias utilizadas no processo de alfabetização. À medida que as séries
avançam, tal preocupação é minimizada e outros gêneros literários, como os
narrativos ou os gêneros da esfera jornalística, são promovidos. Esta crença
conduz o olhar do professor e dos alunos, conseqüentemente, para estes
aspectos expressivos de forma isolada, ficando em segundo plano ou
simplesmente abandonado o trabalho com a significação dos textos e mesmo a
consideração dos efeitos de sentido produzidos pelos próprios aspectos do
material verbal. O texto em gênero poético é pretexto para a aprendizagem da
leitura e da escrita nos processos em que são acentuadas as características da
materialidade da língua.
Vejamos, agora, os dados referentes às coleções de 5ª a 8ª séries. As
coleções aqui analisadas mostraram os seguintes dados:
Coleção Série Poema Letra de Tradição Total Total Textos %
canção Oral GP
LM 5ª 14 00 01 15 34 44,11
6ª 07 00 00 07 42 16,66
7ª 12 00 00 12 33 36,36
8ª 08 00 00 08 24 33,33
Coleção 41 00 01 42 133 31,57
% 97,62 00 2,38 - - -
LI 5ª 12 03 00 15 132 11,36
6ª 29 15 00 44 156 28,20
7ª 17 05 00 22 136 16,17
8ª 76 25 00 102 222 45,94
Coleção 135 48 00 183 646 28,17
% 73,77 26,23 00 - - -
ER 5ª 33 05 00 38 124 30,64
6ª 80 08 05 93 156 59,61
7ª 42 12 00 54 106 50,94
8ª 19 11 00 30 102 29,41
Coleção 174 36 05 215 488 43,03
% 80,93 16,75 2,32 - - -
Tabela 2 - Totalização dos dados de incidência dos textos em Gêneros Poéticos -
Coleções de 5ª a 8ª séries
100% Total de
Textos
80%
60% Total de
Textos em
40% Gêneros
Poéticos
20%
0%
LM LI ER
ER
Tradição Oral
LI Letra de Canção
Poema
LM
ER
8ª
7ª
LI
6ª
5ª
LM
0 20 40 60 80 100 120
100
Segundo os autores da coleção AML, A pseudoleitura nada mais é do que a criança fazer de conta
que lê depois de conhecer o conteúdo de um texto. Para esse trabalho, é importante escrever todos
os textos que as crianças sabem de cor. A partir disso, pedir que leiam, pois certamente elas
imitarão a leitura real. É possível pedir-lhes também que descubram uma ou outra palavra no texto.
Dessa forma, estaremos trabalhando com a leitura antes de a criança se alfabetizar. Aliás, ela se
alfabetizará se estiver vivenciando situações reais de leitura. E essa é a função da pseudoleitura.
(Coleção AML, Manual do Professor, p. XIV)
171
• Exploração do conteúdo temático 101 do texto, sem se reportar aos
aspectos lingüísticos
• Discussão oral ou conversa;
• Intertextualidade em nível temático ou discursivo 102
• Alimentação temática para produção textual ou projeto.
101
Tomamos a expressão “conteúdo temático”, aqui, por “assunto” do texto e não na acepção
bakhtiniana.
102
Esta denominação também é herdeira da ficha de avaliação do PNLD. Compreende-se, no
processo, intertextualidade em nível temático quando o autor junta, em uma unidade, textos de
mesma temática, mas que não tenham entre eles alusões, retomadas, citações, paródias, ou seja,
quaisquer estratégias que apontem para marcas explícitas da intertextualidade; havendo tais
recursos, neste caso, compreende-se que se trata de intertextualidade em nível discursivo.
Acreditamos que essa denominação não seja a mais feliz, pela confusão teórica que pode causar.
172
às vezes, a dicionário ou glossário, bem como algumas atividades do tipo
palavra-puxa-palavra, explorando campos semânticos. Podem ser resumidas em:
• Exploração contextualizada do vocabulário;
• Exploração de palavras desconhecidas através de consulta a glossário
ou dicionário
• Exploração de campo semântico;
• Antonímia, sinonímia, paronímia;
• Polissemia; 103
• Neologismo. 104
103
A polissemia, certamente, também poderia ser inserida no agrupamento de recursos próprios do
poético, já que é muito utilizada pelos gêneros poéticos. Entretanto, preferimos agrupá-la aqui para
não caracterizá-la como uma figura de linguagem e sim, como uma característica própria da língua,
independentemente do gênero, tal como é explorada na obra didática.
104
Assim como a polissemia, o neologismo poderia ser considerado uma figura de linguagem
presente em outros textos, que não os poéticos. Inserimos aqui no conjunto dos conteúdos
semânticos compreendendo esta atividade como um recurso que exercita a criatividade e o favorece
o aumento do vocabulário.
105
Alguns recursos aqui são mais próprios dos gêneros poéticos, mas não exclusivos deles, como
muitas figuras de estilo e de sonoridade.
173
• Aspectos textuais: versos, estrofes, rimas, repetições, refrão,
paralelismo;
• Aspectos da forma composicional: número de versos, tipos de versos,
número de estrofes, tipos de estrofes, estrutura rimática;
• Figuras de estilo: metáforas, metonímias, hipérboles, antíteses,
assonâncias, ambigüidades, onomatopéias, comparações,
personificações, recursos de sonoridade e rítmicos;
• Exploração dos aspectos gramaticais (uso de classes de palavras,
pontuação, etc.) para produção de sentido 106 ;
• Exploração de estruturas sintáticas como produção de efeitos de sentido
• Funções da linguagem 107 ;
• Linguagem conotativa e denotativa. 108
106
Neste caso, o texto não é tomado como pretexto para o estudo gramatical, mas os aspectos
gramaticais são explorados em relação aos seus usos para compreender a produção dos sentidos.
107
Atividades que exploram as funções da linguagem, baseadas nos trabalhos de Jakobson,
aparecem nas coleções de 5ª a 8ª séries.
108
Algumas atividades vão solicitar do aluno um reconhecimento de aspectos dos textos que
expressam uma predominância de linguagem conotativa ou denotativa. Isso também só ocorre nas
coleções de 5ª a 8ª séries.
174
12. Outras atividades: neste agrupamento, reunimos atividades diversas que
ocorreram em incidência mínima, nesta coleção, como utilização do texto em
gênero poético para:
• Transformação de texto em gênero poético para outro gênero em prosa
• Exploração dos estilos de época
• Treino de escrita: ditado
• Indagações sobre autoria
• Comparação entre a linguagem poética e outras linguagens.
175
Incidência do Tipo de Atividades com GP
2% 2% 1%
5%
6% 24%
6%
7%
8% 16%
9%
14%
Leitura - Básicas
Foco na temática
Produção Textual
Recursos lingüísticos: poético
Vocabulário
Atividades Lúdicas
Comparação outras linguagens
Sistema Alfabético
Foco no gênero
Recursos gráfico -visuais
Outras atividades
Foco conteúdos gramaticais
176
reconhecimento e/ou características dos gêneros totalizam apenas 5%. Por fim,
temos as atividades que exploram os recursos gráfico-visuais, com 2%, os
conteúdos gramaticais, com 1% e o agrupamento outros, para atividades com
pouquíssima incidência, que se traduzem no conjunto também por apenas 2%.
Algumas atividades podem ser agrupadas por se referirem, por um aspecto
ou outro, ao poético. Assim, somando-se as atividades referentes aos recursos
lingüísticos próprios do poético (9%), as atividades relativas aos recursos gráfico-
visuais (2%), que trabalham com a configuração dos versos e palavras numa página,
como no caso do poema concreto, ou associação imagem-letra-palavra, no caso da
poesia visual e, ainda, os exercícios que focalizam os gêneros poéticos (5%) e a
comparação da linguagem poético com outras linguagens (6%) temos um total de
apenas 22% de todas as atividades propostas para os textos em gêneros poéticos
voltadas para a apreensão de algum literário.
Poderíamos ser questionados pelo fato de que não somamos as atividades de
produção textual. Ocorre que é fato que não é a totalidade delas que está
relacionada à produção de poemas; o texto em gênero poético é utilizado também
para a produção de outros gêneros. Caso o fizéssemos, de forma mais otimista, a
nossa cotação subiria, somando 36% das atividades totais dedicadas ao ensino das
características peculiares dos gêneros poéticos.
Assim, estes números revelam que, no mínimo, 64% das atividades propostas
pelas coleções analisadas aos textos em gêneros poéticos não exploram os traços
próprios do texto poético e, portanto, pouco tomam estes gêneros, realmente, como
objeto de ensino. Estes dados, conforme colocamos, são dados gerais, que
traduzem uma média entre as 4 coleções; isto não significa que não haja diferenças
entre os enfoques de cada uma sobre os gêneros poéticos. Vejamos, a seguir, como
cada coleção procede à didatização desses gêneros.
177
3. Quais atividades propostas para cada série em relação ao estudo dos
poemas e das letras de canção (e outros), ou seja, que tipo de proposta
de escolarização da literatura estes LDs empreendem?
6.2.1. A coleção CE
“Sugerimos que o professor inicie o trabalho lendo o poema em voz alta e que os alunos
representem com o corpo o movimento da canoa em alto-mar. Em seguida, peça-lhes que marquem
no texto os sons e as palavras que se repetem e que são responsáveis pelo ritmo da poesia
(marcarão “Alto mar uma canoa”). Pede-se, então, que releiam todo o poema, mas sem repetir esse
verso. Obterão o seguinte:
“Alto mar uma canoa/ sozinha navega/ sem remo nem vela/ com toda coragem/na primeira
viagem/procurando estrela/não sabe o que a espera”
Ao ler das duas maneiras, com e sem a repetição do verso, pergunte que diferença faz a
presença da repetição e por que a autora Henriqueta Lisboa decidiu usá-la. Pode-se também
perguntar se imaginam a canoa sempre igual ou diferente em cada estrofe. Finalmente, peça-lhes
que desenhem a canoa como imaginam, completando a ilustração do texto na própria página do livro.
Nesse momento eles são co-ilustradores do livro.
Discuta com os alunos se esse tipo de texto poderia ser escrito do mesmo jeito que o conto
de fadas e a fábula e se essa maneira de ocupar a linha faz diferença ou não. (...)
(Coleção CE, 1ª série, p. 16, manual do professor)
Escolhemos este trecho porque ele parece ilustrar bem uma prática
pedagógica de ensino dos textos em gêneros poéticos bastante presente nas
coleções aqui analisadas, que focaliza três aspectos do poético: por um lado
178
privilegia-se a forma, sobretudo os aspectos sonoros e rítmicos, por outro lado, o
aspecto lúdico e por outro, ainda, a comparação da forma composicional do poema
com as de outros gêneros.
Como se trata da primeira série, compreendemos que os aspectos formais
precisam ser frisados para que os alunos possam prestar atenção e se habituar a
certos procedimentos realizados nos textos poéticos, a questão é saber se haverá
alguma progressão no estudo destes aspectos formais e uma reinserção destes no
espaço lingüístico-discursivo dos próprios textos a fim de fornecer aos alunos
subsídios para a (re)construção dos sentidos dos enunciados poéticos.
A atividade procura ainda incorporar o ritmo do poema ao movimento
corpóreo e, da mesma forma, incentivar a expressão artística através da ilustração
do poema pelo aluno, o que é uma tentativa de aproximação do estético com o
universo dos pequenos leitores. Assim, acreditamos que o texto poético é
reproduzido na linguagem corporal ou figurativa, como uma estratégia de
apropriação do objeto estético por caminhos mais “familiares” à criança do que a
linguagem verbal.
Indaga-se ainda, a figura da autora, Henriqueta Lisboa, que “decidiu” usar
uma repetição com determinados propósitos. O autor dos textos sempre vem à baila
nas questões e quase nunca de forma apropriada, pois os livros costumam confundir
autor biográfico com o eu poético. É preciso frisar que um aspecto formal do poema,
que seja, não pode expressar toda a posição e presença do autor, embora seja nela
que podemos percebê-lo melhor, como nos lembra Bakhtin (1974: 403):
O autor de uma obra está presente somente no todo da obra. Não será
encontrado em nenhum elemento separado do todo, e menos ainda no conteúdo
da obra, se este estiver isolado do todo. O autor se encontra no momento
inseparável em que o conteúdo e a forma se fundem, e percebemos-lhe a
presença acima de tudo na forma. A crítica costuma procurar o autor no
conteúdo separado do todo; conteúdo que é associado naturalmente ao autor,
homem de um tempo definido, de uma biografia definida e de uma visão de
mundo definida (a imagem do autor fica confundida com a imagem do homem
real).
179
Vejamos, agora, uma atividade completa, já no volume de 2ª série, cuja
orientação indutiva, reflexiva, auxilia na compreensão:
Nacos de nuvem
V. Maiakóvsky
a) Qual dos desenhos 109 você acha que corresponde às imagens descritas pelo autor nessas
estrofes?
a) Que palavras do poema indicaram para você como seria a imagem correta?
• ordem dos seres
• tipo de contorno
109
O livro traz uma ilustração (infelizmente não obtivemos autorização para reproduzir aqui) que tenta
imitar os contornos dos seres formados pelos movimentos das nuvens descritos no poema.
180
b) Você acha que estas palavras forma bem escolhidas para descrever as nuvens? Por quê?
4) Na 3ª estrofe encontramos
A ele, levado pelo instinto,
No caminho junta-se um quinto
a) Quem seria “ele”?
b) Quem é o quinto que chega?
c) Observe as seqüências de desenhos. É possível ter certeza de qual traduziria a estrofe?
5) Na 4ª estrofe encontramos:
a) O que você sentiu diante da imagem de um elefante andando pé-ante-pé? Essa é uma imagem
triste, divertida, aterrorizante, poética, misteriosa, leve ou...?
b) Por que será que o autor não escreveu a expressão pé-ante-pé todo na mesma linha?
c) Nesta estrofe aparece a palavra desgarra. Você sabe o que ela significa? Se não souber,
investigue seu sentido e escreva depois com suas palavras o que ela quer dizer.
d) Leia esta mesma estrofe só que agora com algumas palavras substituídas:
6) Na 5ª estrofe temos:
Um sexto salta – parece.
Susto: o grupo desaparece.
a) Observe os desenhos correspondentes às estrofes desde o início até agora. A imagem é a
mesma ou ela foi se transformando?
b) Como ficam as nuvens no céu? Ficam sempre iguais, paradas, ou se transformam?
c) Você acha que, com seu jeito de escrever, Maiakóvski conseguiu trazer para nós, leitores, a
mesma sensação de movimento das nuvens de verdade?
181
d) Se você acha que sim, que palavras da poesia trazem essa idéia de movimento, de
transformação?
Pense bem na imagem criada por Maiakóvski: o sol - amarela girafa. Depois, desenhe-a no caderno
e compare com a de seus colegas. Será que todos imaginaram da mesma forma?
182
Quando construímos nosso discurso, sempre conservamos na mente o todo do
nosso enunciado, tanto em forma de um esquema correspondente a um gênero
definido como em forma de uma intenção discursiva individual. (...) É esse todo
que irradia sua expressividade (ou melhor, nossa expressividade) para cada
uma das palavras que escolhemos e que, de certo modo, inocula nessa palavra
a expressividade do todo.
O livro opta, ainda, no auxílio da leitura, por questões como dupla alternativa,
como no exercício 6, item a ou no exercício 5, item a. Ao final da atividade,
acrescenta-se um exercício lúdico e uma questão de sistematização, em que o aluno
apresenta sua apreciação sobre o poema.
Acreditamos que tal atividade atinge eficazmente, para este nível de
escolaridade, 2ª série, a poeticidade do texto apresentado, levando-se em conta a
série para que foi destinada. A atividade guiada estrofe a estrofe e as questões de
dupla alternativa parecem pretender treinar os olhos dos alunos para os detalhes
dos usos da linguagem, com determinados objetivos estéticos, embora isso fique
implícito nas comandas. A apreensão do estético, assim, é enfocada, mesmo que de
forma ainda cuidadosa e em pequenas doses.
O poema de Maiakóvski constitui um momento verbal, uma orientação para
um objeto que, como colocamos no segundo capítulo deste trabalho, foi
esteticamente individualizado. Como isso é realizado, nós só podemos pressupor
fazendo o caminho inverso, verificando indícios que, no poema, os recursos
lingüísticos nos fornecem, mas a análise formal é insuficiente. É preciso retomar o
fato de que a forma está ligada à orientação valorativa do autor sobre aquilo que
deseja falar. Assim, é claro, para o nível de escolaridade de segunda série, o
trabalho realizado aqui com o poema é satisfatório para uma formação inicial de um
leitor do texto literário poético.
Todavia, se pensarmos no que pode vir além, em termos do ensino dos textos
em gêneros poéticos em séries mais avançadas, é preciso reinvestir na noção de
tema bakhtiniano, ao qual se aliam o estilo e a forma composicional em sua
definição de gênero discursivo. Retomaremos esta questão mais adiante, já que ela
implica não só uma posição autoral, mas também a apreciação valorativa do objeto
estético pelo contemplador. Os contempladores, aqui, são os alunos, e quem está
183
no meio do caminho aqui são as atividades dos livros didáticos que guiam os olhares
destes leitores iniciantes.
E, caso queiramos ser coerentes como nossa abordagem enunciativo-
discursiva pretendida para este trabalho, ao pensarmos, ainda, no enunciado poético
como um todo, para as atividades aqui reproduzidas faltam informações básicas que
contextualizem a obra, caso a queiramos concebê-la como um gênero discursivo, o
que não parece ser o caso do livro didático. Quem é Maiakóvski? Está vivo, morto,
tem nome difícil, é de onde? Como, quando e onde viveu? O que escrevia, quais
eram as suas idéias? Por que ele é trazido para a obra didática?
Estas informações estão além do nível de compreensão de um aluno de
segunda série? Acreditamos que não. O texto não é “nuvem passageira”, tem suas
raízes sócio-históricas, apesar de que para cada leitura singular cada um possa
enxergar contornos diferentes, como os das nuvens constantemente renovadas a
que o poeta se refere. Para Bakhtin (1974: 410)
184
Saudosa Maloca 110
Adoniran Barbosa
110
A letra foi transcrita ipsis litteris, conforme está no livro didático, apesar de que há variações na
letra conforme as várias gravações. Quando o próprio Adoniran canta, algumas subtrações finais do
“s” em substantivos inexistem.
185
Saudosa maloca
Maloca querida
Dim – dim donde nóis passemo,
Os dias feliz de nossa vida.
Vamos transcrever apenas algumas questões colocadas nas atividades de leitura para a letra
de canção:
1 Uma das primeiras coisas que chamam a nossa atenção na letra desse música é ela
estar escrita em uma linguagem que não é a da norma culta, ou seja, essa que costuma
aparecer nos livros. Escreva em seu caderno o que você observa de diferente nela.
2 Experimente ver como ficaria a letra se fosse escrita na norma culta, reescrevendo a
segunda estrofe nessa linguagem.
3 O Adoniran poderia ter escrito dessa forma como você escreveu, não poderia? No
entanto, não o fez. Por que será?
4 Vamos comparar as duas formas de grafar as palavras:
senhor – sinhô
apreciar – apreciá
contar – contá
ligar – ligá
gritar – gritá
cobertor – cobertô
Explique por que, ao escrever em linguagem popular, as palavras que não tinham acento
na norma culta passaram a ter.
186
ponto, a feliz expressão de Bosi (2000:10) “uma história peculiar imanente e
operante em cada poema”, que traz à memória aqui a noção bakhtiniana de
enunciado e da comunicação estética como tal, única e irredutível.
Portanto, não procede esta preocupação em comparar as linguagens
“popular” e “da norma culta”; assinale-se que este movimento é uma constante nos
manuais didáticos ao proporem atividades de leitura de letra de canção e dos outros
gêneros poéticos. Na questão 3, encontramos uma pequena reflexão sobre o porquê
da escrita na variante popular, mas logo em seguida apresenta-se uma lista
comparativa e o discurso autoral exime-se de problematizar ou expressar alguma
posição a respeito, ficando a atividade, como um todo, mais dirigida à correção do
que à reflexão. A questão 4, ainda, confunde aqui transcrição por registro, ou seja,
sinhô, apreciá, contá, são transcrições da fala e não “linguagem popular”, como se
coloca na questão. Nada de relevante sobre os motivos da letra, o que ela traduz, a
que tema se refere, a que situação social alude, em que época, nada é empreendido
nas atividades.
Vejamos o que ocorre no segundo texto, a letra de canção João e Maria, de
Chico Buarque, presente no mesmo volume, páginas adiante:
João e Maria
Chico Buarque de Holanda
187
que eu fiz coroar
E era tão linda de se admirar
E andava nua pelo meu país.
1 Você reparou que há algumas palavras sem acento? Então escreva-as em seu
caderno acentuando-as.
2 Copie em seu caderno os artigos da primeira e da última estrofe e também os
substantivos a que ele se referem. Agora ligue os artigos com setas aos substantivos
a que se referem.
3 Releia a segunda estrofe
a. Quais os substantivos variáveis em número e gênero que aparecem nessa
estrofe? Escreva-os em seu caderno.
b. Escreva um dos adjetivos dessa estrofe que se refere a um dos substantivos
do item a.
189
Em nosso capítulo inicial neste trabalho, discorremos sobre a crítica do
Círculo de Bakhtin às correntes de análise de obras artísticas cujo enfoque recaía
sobre a psique do criador e/ou contemplador, como parece ser a orientação dessa
atividade. Rejeitando a teoria da expressão que embasa o subjetivismo
individualista, Volochinov (1929) assinala a natureza social de qualquer enunciação:
Para uma 1ª série, esta questão parece um tanto ampla, já que exige reflexão
sobre a forma e uma opinião valorativa que, na melhor das hipóteses, deve,
provavelmente, resultar apenas na paráfrase do texto lido. Se um trabalho
sistemático fosse realizado anteriormente, de reflexão dos usos lingüísticos para a
construção dos sentidos do poema, e a questão ocupasse um papel de
190
sistematização final, poderia surtir melhores efeitos. De fato, o que temos
presenciado nas atividades são questões colocadas de forma aleatória que não
somente se restringem à exploração de estratégias cognitivas básicas de leitura
aplicáveis a quaisquer gêneros, como também não obedecem a quaisquer
planejamentos no sentido de promover o ensino-aprendizagem dos recursos
lingüísticos próprios dos enunciados poéticos de forma mais coerente e organizada.
Algumas vezes, a questão solicita uma produção de inferência que na
verdade é o desvelamento de uma imagem do poema. Observemos este exemplo,
cuja formulação deixa a desejar, sobre o poema Os operários, de Roseana Murray:
Pense e escreva: Porque a autora diz poeticamente que “Os operários fabricam o
circo”?
(Coleção LPT, 2ª série, p. 119)
Em dupla, expliquem após uma conversa, por que a autora diz, em relação aos
operários:
“como a aranha fabrica a teia
como a noite fabrica o dia”
(Coleção LPT, 2ª série, p. 120)
191
colega, o aluno pudesse decifrar os “enigmas” do texto. Não há uma exploração
orientada e paulatina dos aspectos lingüísticos, como vimos acontecer na coleção
CE, com o poema Nacos de Nuvem, através de uma atividade de leitura dirigida
especialmente para observação dos usos poéticos da linguagem.
Uma atividade interessante que pudemos observar na coleção LPT é a
comparação da linguagem poética e da linguagem pictórica. Um exemplo
encontramos na 3ª série, ao se comparar o poema Ar livre, de Cecília Meireles e o
quadro Jovem com sombrinha, de Monet. O livro coloca a seguinte questão:
Na sua opinião, o quadro de Monet se relaciona de alguma forma com os versos de Cecília Meireles?
Explique o que você pensou sobre a relação que estabeleceu. Ouça a opinião de seus colegas e
conheça a relação estabelecida por eles.
(Coleção LPT, 3ª série, p. 178)
192
Para você, há diferença entre poema e poesia? E poética, o que será? Converse com os
colegas a respeito. Se necessário recorram ao dicionário e peçam ajuda ao professor. Para
ajudar:
Poema: Composição poética de certa extensão com enredo
Poesia: Arte de escrever em versos. Poema pouco extenso. Tudo o que desperta emoção
estética. Encantamento.
Poético: Relativo a poesia. Em que há poesia
(Coleção LPT, 4ª série, 113)
193
mais próprios da linguagem poética. Vejamos como isso é operacionalizado na
proposta pedagógica.
A introdução das questões poéticas na coleção dá-se na 1ª série, através da
clássica definição:
O texto que você leu é um poema. Cada linha de um poema é chamada de verso. Um grupo de
versos é chamado de estrofe. Um poema pode ter várias estrofes. Elas aparecem separadas umas
das outras por um espaço. (Coleção PPLL, 1ª série, pp. 79-80)
As rimas são trabalhadas mais adiante no volume, com solicitação para que os
alunos, após a leitura e observação formulem um conceito de rimas:
Observe as palavras das perguntas anteriores. Para você o que são rimas?
Todos os poemas que existem têm rimas? Como você sabe?
(Coleção PPLL, 1ª série, p. 83)
194
De um poeta camponês
Eu nasci aqui no mato,
Vivi sempre a trabaiá
Neste meu pobre recato,
Eu não pude estuda
Só tive a felicidade
De dá um pequeno insaio
In dois livro do iscreitô,
O famoso professo
Filisberto de Carvaio
(...)
Poeta niversitaro,
Poeta de cademia,
De rico vocabularo
Cheio de mitologia
Tarvez este meu livrinho
Não vá recebe carinho,
Nem lugio e nem istima,
Mas garanto sê fié
E não instruí papé
Com poesia sem rima.
Se um dotô me pergunta
Se o verso sem rima presta,
Calado eu não vô fica,
A minha resposta é esta:
-Sem a rima, a poesia
Perde arguma simpatia
E uma parte do primo;
195
Na mercê munta parma,
É como o corpo sem arma
E o coração sem amô.
(...)
(Coleção PPLL, 2ª série, p. 55-56)
Um poema pode ou não ter rima. O poeta camponês prefere poema com rima. Você gosta da rima na
poesia? E de poemas sem rimas? Por quê?
(Coleção PPLL, 2ª série, p. 62)
196
Spina (2002) também aponta para o fato de que as rimas estão ligadas à
época ou espaços em que a memorização é imprescindível como hinos dos santos
varões da igreja cristã ou em provérbios, máximas, ditados, sentenças morais.
Retornando à atividade, no caso de nosso Patativa do Assaré, ele expressa no
poema a necessidade da rima, pois esta faz parte do conjunto do todo artístico que
compõe a poesia popular, podendo ter função mnemônica ou construindo uma
consonância sonora que enleva a toada, o ritmo, conferindo alegria ao poeta e aos
ouvintes. E o poeta, sendo toda a sua linguagem, nela se expressa em defesa de
sua compreensão da importância dos recursos poéticos em seu universo artístico.
No mesmo volume de 2ª série, há um trabalho mais específico sobre
imagens. O discurso autoral procura, usando uma linguagem mais próxima do aluno,
explicar as figuras metáfora e onomatopéia, procedendo a uma paráfrase que tenta
aproximar o leitor dos sentidos construídos pelas imagens. Observemos um trecho:
Em várias partes do poema, palavras e expressões são usadas para representar algo
diferente do que está sendo dito. Por exemplo, você leu no poema que existia muita montanha
quadrada. Esse foi o jeito diferente que o autor encontrou para falar dos prédios da cidade, que são
grandes como as montanhas, mas não redondos como elas.
(Coleção PPLL, 2ª série, p. 187)
197
Além disso, vale lembrar que está em jogo no estudo destas imagens,
diferentes movimentos da linguagem em relação à construção e reconstrução dos
sentidos, que precisam ser apreciados no interior do espaço discursivo apresentado,
nas fronteiras do enunciado poético, não de forma isolada, com questões que visem
unicamente explorar os significados descontextualizados das palavras nos
dicionários.
Para Bakhtin/Volochinov (1929: 131), faz-se mister a distinção entre tema e
significação:
198
é estável – é completamente falaciosa. Além disso, ela deixaria o tema
inexplicado, uma vez que ele de maneira nenhuma poderia ser reduzido à
condição de significação ocasional ou lateral das palavras.
199
Apesar de privilegiar as estratégias básicas de leitura, como a localização e
cópia de informações e inferências simples, aos poucos, a partir do segundo volume,
propõe-se que o aluno preste atenção nos recursos estéticos próprios dos gêneros
poéticos, como a sonoridade, as rimas e a polissemia. Isto é mais evidente na
terceira série, mas ocorre apenas pontualmente na série final.
Na série inicial, as atividades lúdicas com os gêneros poéticos são bastante
recorrentes, como na coleção toda. De várias formas, o aluno pode brincar com os
gêneros: cantando, desenhando, brincando de adivinha, de roda ou parlenda.
Aspectos da forma composicional também são explorados localmente, como
a estrofação, os refrões, a repetição. As atividades propostas para o poema Canção
de nuvem vento, de Mário Quintana, na terceira série, por exemplo, reúnem
questões que procuram explorar os aspectos formais, buscando a percepção do
aluno para os detalhes lingüísticos e gráfico-visuais, salientando as funções destes
recursos, embora ainda haja uma tendência maior para a localização destes
recursos no texto, em detrimento da reflexão sobre o(s) significado(s) destes
elementos para a compreensão do enunciado poético como um todo. Sobre este
aspecto, Bakhtin também nos é esclarecedor:
111
Ênfase adicionada.
200
Canção de nuvem e vento 2. Quais os recursos que o poeta usa
para mostrar
Medo da nuvem
Medo Medo a) que a nuvem vai aumentando de
Medo da nuvem que vai crescendo tamanho?
Que não sabe b) Que o vento vai aumentando de
O que vai saindo intensidade?
Medo da nuvem Nuvem Nuvem
Medo do vento 3) Canção significa uma composição
Medo Medo poética feita para ser cantada. Isso não
Medo do vento que vai ventando significa, necessariamente, entoar uma
Que vai falando melodia. Em “Canção de nuvem e vento”,
Que não se sabe as palavras forma arranjadas para dar
O que vai dizendo uma sonoridade especial ao texto:
Medo do vento Vento Vento
Medo do gesto a) Alguns versos lembram um
Mudo rodamoinho, que é o giro rápido do
Medo da fala vento, formando círculos ou espirais;
Surda chama-se, também, pé-de-vento.
Que vai movendo Desenhe um rodamoinho sobre os
Que vai dizendo versos em que ele parece acontecer.
Quem não se sabe
Que tudo é nuvem que tudo é vento b) A terminação de algumas palavras
Nuvem e vento Vento Vento! lembra o movimento do vento. Elas
parecem estar prolongando as ações.
Isso acontece nas palavras
terminadas em “-ando”. “-indo e”-
endo”. Sublinhe estas palavras.
O limerick é um poema de cinco versos. Os dois primeiros rimam entre si. O terceiro e o quarto
também. O último verso repete a idéia do primeiro, criando uma narrativa circular. A base
desse texto poético é o “nonsense”, portanto, as situações narradas podem ser absurdas,
insólitas. O que vale é o desafio de garantir, nessa estrutura, uma narrativa. Faça os primeiros
201
limericks coletivamente, pois depois de entendidas as regras da brincadeira, fica fácil fazer
limericks para tudo. (Coleção AML: 150)
112
Ver site http://www.roteirosonline.com.br.htm, de Glauco Mattoso, para obter mais informações
sobre os limericks, bem como conhecer alguns exemplos.
202
Observe que este poema também é um haicai. Compare sua estrutura com o haicai de
Paulo Leminski. A turma perceberá que eles têm o mesmo número de versos e ambos
falam da natureza 113 . (Coleção AML, p. 125)
113
Segundo CASTRO (2004: 32), na poesia haikaística oriental e, do mesmo modo, na oriental
abrasileirada, os temas são da natureza (estações do ano). No haicai ocidental e naturalizado
brasileiro, os termas ganham um alargamento maior, quando partindo dos temas da natureza,
aglutinam aos processo de criação outros temas, como os líricos, filosóficos, sociais, ecológicos
(delativos), de registros e outros.
203
Invente haicais para outros seres que têm luz própria, que brilham ou que refletem a luz.
Por exemplo: estrela, Sol, ouro, água, olho, diamante, cristal, prata, Lua, dente, vidro,
espelho. Depois de reestruturar o texto com o professor, escreva-o num papel decorado
com papel brilhante, purpurina, celofane e tudo o mais que possa dar um brilho especial
ao seu haicai. Escolha, com os colegas, um lugar na escola para fazer a Mostra de
Haicais da Turma. (Coleção AML: 109)
204
subjetividade, numa visão mais individualista e psicologizante. Para Schneuwly e
Dolz (1997/2004: 78):
205
É certo que alguém poderia questionar a utilidade do ensino-aprendizagem de
gêneros da tradição oral, por exemplo. Temos que nos lembrar que não só estes
gêneros têm sido referência para os escritores de literatura infantil em suas
produções, como também o conhecimento destes significa, em primeira instância, a
rememoração e a preservação de um patrimônio cultural.
Já as coleções CE, PPLL e AML parecem se enquadrar mais ao segundo
modo de abordagem. Como apresentam atividades variadas, ora vão centrar-se nos
aspectos lingüísticos próprios do poético, ora vão centrar-se somente nas
estratégias de leitura necessárias e no estudo do vocabulário para compreensão
mínima do texto, ora vão fazer proceder a uma tentativa de descrição e/ou
contextualização de alguns gêneros poéticos. Entretanto, pelo que pudemos
observar, mesmo nos exercícios de leitura mais guiados, como ocorre com as
coleções CE e PPLL, os aspectos lingüísticos abordados dizem respeito, em muito,
aos aspectos mais elementares forma composicional. Abordar o poético através de
seus aspectos da forma material parece ser visão herdada da tradição dos estudos
literários e lingüísticos que concebe o texto como mera estrutura, com ênfase nos
aspectos formais da linguagem, sem referência às condições de produção, aos
aspectos sócio-históricos em que, ao mesmo tempo, inscrevem-se e circunscrevem-
se os textos literários.
Assim, influenciados, ao longe, pelo estruturalismo, pelo formalismo russo e
pela nova crítica, a visão dos livros didáticos sobre literário, daí advinda, vai se ater
sobretudo à forma composicional dos diferentes gêneros, optando por uma
modelização de estruturas e aspectos do literário, de forma, muitas vezes,
equivocada e restrita à leitura de autores e textos canônicos, exemplares de certos
estilos e procedimentos.
Contudo, o privilégio dado a autores canônicos não foi escolha dos autores
dessas coleções das séries iniciais, e sim uma seleção de textos mais próximos do
universo infantil, oriundos da literatura infanto-juvenil, como vimos na análise de
textos e autoria. Isto ao mesmo tempo é positivo, pois abre um leque de
possibilidades oferecido pela produção poética contemporânea, mas, por outro lado,
constitui um desafio para a apreensão e ensino das inovações poéticas e
experimentos que possam advir.
206
Enfim, a ênfase nos aspectos formais não pode ser considerada um
problema, o reconhecimento de versos, rimas e estrofes deve ser trabalhado
principalmente nas séries iniciais. O que resta saber se há um avanço em direção a
outros elementos do estilo, nas séries mais avançadas, de 3º e 4º ciclos.
O caminho para a consideração dos gêneros poéticos como objetos de ensino
é de fato longo e parece distante, pois supõe uma abordagem de múltiplos aspectos
que compõem esses enunciados. Os gêneros poéticos oferecem ao leitor/ouvinte a
oportunidade de comungar com o processo criativo que, nas palavras de Bakhtin
(1924/1975: 62), penetra no material-palavra. O aspecto sonoro da palavra é um dos
elementos que é engendrado e a formalização rimática constitui parte deste
processo, embora não obrigatória. Contudo, este procedimento não é autônomo
nem dissociado de um conjunto, faz parte de uma atividade única, valorativamente
orientada na expressão estética.
É claro não estamos exigindo que o livro didático opere nestes termos,
reestruturando suas atividades em relação ao poético, para as séries iniciais,
principalmente, em que a criança está em processo de aquisição da escrita ou
recém-alfabetizada. Apenas gostaríamos aqui de marcar, mais uma vez, o fato de
que, um aspecto da forma composicional dos gêneros poéticos, como as rimas,
pode (e deve) ser referido ao conjunto todo do objeto poético em questão. Como
bem salientou Bakhtin (1924/1975: 54), é importante compreender justamente a
originalidade do objeto estético, como tal, e a originalidade da ligação puramente
estética dos seus elementos, ou seja, de sua arquitetônica [...]. De fato, se
quisermos ensinar gêneros poéticos como gêneros discursivos, acreditamos que só
há um caminho, que é assumir a necessidade de se apreender a obra poética como
objeto estético, com todos os seus meandros e conseqüências.
Vejamos, no capítulo seguinte, como é a proposta de escolarização dos
textos em gêneros poéticos nas coleções de 5ª a 8ª séries, através da análise das
atividades.
207
Capítulo 7
__________________________
1% 5%
15% 2%
10%
5%
2%
7%
1%
15%
37%
Como ocorreu também nas coleções das séries iniciais, o maior número de
atividades vai ser relativo às que exploram as estratégias cognitivas básicas de
leitura, com 37% do total das atividades. Em seguida, temos, com 15% das
atividades, os exercícios sobre a temática dos textos e o trabalho com os recursos
lingüísticos relativos ao poético. Em terceiro lugar, aparecem as atividades com foco
nos conteúdos gramaticais, com 10% do total. As atividades lúdicas somam 7%,
seguidas, em incidência, das questões de exploração do vocabulário e das
atividades que, de alguma forma, visam os gêneros, somando 5% cada. Uma
porcentagem mínima das atividades é reservada à exploração intertextual (2%), ao
agrupamento outras atividades (2%) e aos recursos gráfico-visuais e à produção
textual, com 1% cada.
Caso agrupemos, como procedemos com as coleções de 1ª a 4ª séries, as
atividades que podem se referir, de um modo ou de outro, ao poético, teremos: 15%
de atividades que exploram algum recurso lingüístico próprio do poético, acrescidos
209
do 5% dos exercícios que visam os gêneros poéticos, somados ao 1% dos recursos
gráfico-visuais e 1% de solicitação de produção de textos em gêneros poéticos,
teremos um total de 22% de atividades que se voltam, nas coleções de 5ª a 8ª
séries, para a apreensão de algum aspecto do poético. Vejamos que a incidência
das atividades que se dedicam a essa exploração é bem menor que nas séries
iniciais, cuja soma totalizava 36% das atividades.
Concluímos que esta porcentagem de 22% é muito pequena, tendo em vista a
grande quantidade de textos em gêneros poéticos presentes nestas coleções,
conforme pudemos observar nos dados descritos no capítulo anterior. Temos,
portanto, que, de todas as atividades que as coleções de 5ª a 8ª séries propõem
para os textos em gêneros poéticos, 78% não exploram quaisquer características
literárias próprias a estes gêneros.
Acreditamos que estes números, para a nossa amostra aqui analisada, são
reveladores do descaso com o texto em gênero poético na sua especificidade, e
muito mais grave porque se tratam de séries já mais adiantadas no ensino
fundamental, nas quais os alunos deveriam estar sendo formados como leitores
literários capazes de reconhecerem e trabalharem de forma mais freqüente e
profícua com os enunciados poéticos. Entretanto, se ele não é exposto a atividades
que o conduzam a essa aprendizagem, as possibilidades de avanços, de progresso
no estudo é mínima, bem como a chance de criação do gosto pela leitura literária na
escola esvazia-se, caso não haja uma intervenção direta do professor para
reintroduzir novas atividades ou ampliar as já propostas. Vejamos, a seguir, como
cada coleção de 5ª a 8ª série realiza estas atividades.
7.1.1. A coleção LM
210
tanto as estratégias cognitivas básicas como a exploração dos recursos lingüísticos
e estilísticos na criação poética. Assim, muitos exercícios vão trabalhar, nas palavras
da coleção, com os recursos de expressão do texto, nas atividades de leitura e
compreensão ou em seções reservadas especialmente para a investigação dos
efeitos de sentido. Vejamos um exemplo de atividade na 5ª série, para o poema
Canção, de Cecília Meireles:
Canção
Pus o meu sonho num navio
E o navio em cima do mar;
-depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.
211
LEITURA DO TEXTO
1. “Pus o meu sonho num navio/ e o navio em cima do mar; / depois abri o mar com as
mãos, / para o meu sonho naufragar”.
a) A palavra sonho não está usada no sentido comum, de imagens que
acontecem enquanto dormimos. Quando estamos sonhando, com o que
sonhamos?
Sonho, nesse sentido, então, tem um significado próximo ao de uma dessas palavras:
falsidade, ilusão, realidade. Escolha a melhor.
b) O que aconteceu com o sonho do poeta?
2. “Minhas mãos ainda estão molhadas/do azul das ondas entreabertas”.
a) Como estão as mãos?
b) Isso indica que faz aproximadamente quanto tempo que tudo aconteceu?
Explique.
c) Ondas entreabertas são ondas um pouco abertas; nesse caso, significa que
nem se fecharam ainda. Isso confirma que o gesto de afundar o navio com
os sonhos deve estar num passado distante? Justifique.
d) O que ainda molha as mãos, segundo o poema?
e) Inédito é o novo. Esse exemplo prova que a linguagem figurada é inédita.
Por quê?
3. a) A quarta estrofe sugere que o poeta não quer o quê?
b) Apóie-se no texto e justifique sua resposta
(Coleção LM, 5ª série, pp. 54-55).
212
já discutíamos esta questão, do isolamento da palavra de seu uso habitual, que
possibilita uma ligação que não é cognitiva e nem ética com o acontecimento; aqui,
a imagem do poema de Meireles possibilita exemplificar este isolamento que se
traduz numa bela metáfora, entretanto a formulação do exercício, ao se referir à
linguagem figurada, abre um leque, já que “linguagem figurada” há em toda parte,
em mil expressões de nossa língua, desde “pé da mesa” ao complexo de alegorias
numa obra poética.
Este uso misturado e confuso de termos que se referem a vários aspectos
lingüísticos presentes nos enunciados poéticos para a construção dos efeitos de
sentido parece ser resultado de um esforço em “traduzir” o texto poético, facilitando
sua compreensão. Contudo, não se trata mais de séries iniciais, o melhor
procedimento, em nossa visão, é “dar nomes aos bois”, evitando o uso impreciso de
termos como linguagem figurada, conotação/denotação, conforme colocávamos há
pouco para as coleções de 1ª a 4ª séries, pois estes não são intercambiáveis com
outras designações como metáfora, metonímia, etc., sem prejuízo da avaliação
destas últimas no contexto do discurso poético.
Observemos a última questão desta atividade de leitura:
1. “Depois, tudo estará perfeito: praia lisa, águas ordenadas, / meus olhos secos como
pedras/ e minhas duas mãos quebradas”.
a) Ironia é dizer uma coisa para significar outra. Exemplo: “Estou tão triste, ganhei na loteria!”
Uma das palavras dessa frase constrói a ironia, porque não é o que está escrito que
vale um significado. Transcreva essa palavra que representa a ironia. Justifique.
b) A palavra destacada dos versos citados constrói a ironia. Por quê?
c) Os olhos estão secos com o quê?
Temos aí uma comparação. Faz-se a comparação unindo-se duas idéias por meio de que
palavra?
A comparação, assim como a metáfora, caracteriza que tipo de linguagem?
d) Há uma palavra do último verso que reforça a idéia de que tudo o que aconteceu não tem
volta. Transcreva essa palavra e justifique a sua resposta.
213
Estas questões vêm imediatamente após as outras descritas por nós na
página anterior. O que podemos ver aqui é, de fato, que o livro procura explorar as
figuras de linguagem como ironia, comparação e metáfora, utilizando os termos
correspondentes, contudo, porque no item “e” da questão 2 não houve essa opção
também, e sim o uso do termo linguagem figurada, como colocamos acima?
A tradução, contudo, que se procura fazer do que são estas figuras ainda
deixa a desejar. A ironia, por exemplo, é definida como “dizer uma coisa para
significar outra”. Esta definição nos parece um pouco ampla demais, cabendo nela
outros estratagemas lingüísticos como a implicitação e a pressuposição. Mais
adiante, é colocado que uma palavra da frase é que constrói a ironia, afirmação
também nada precisa e no mínimo inadequada, já que a ironia não se constrói sobre
uma palavra e sim no estabelecimento de relações mais complexas de sentido as
quais supõem avaliações valorativas de interlocutores sobre horizontes contextuais
em que os enunciados se colocam, promovendo uma superposição de sentidos. Na
verdade, na ironia, há duas vozes e como coloca Bakhtin (1934-1935/1975: 127-
128), trata-se de um discurso bivocal:
(...) Nesse discurso há duas vozes, dois sentidos, duas expressões. Ademais,
essas duas vozes estão dialogicamente correlacionadas, como que se se
conhecessem uma à outra (como se duas réplicas de um diálogo se
conhecessem e fossem construídas sobre esse conhecimento mútuo), como se
conversassem entre si. O discurso bivocal sempre é internamente dialogizado.
Assim é o discurso humorístico, irônico, paródico, assim é o discurso refratante
do narrador, o discurso refratante nas falas dos personagens, finalmente, assim
é o discurso do gênero intercalado: todos são bivocais e internamente
dialogizados. Neles se encontra um diálogo potencial não desenvolvido, um
diálogo concentrado de duas vozes, duas visões de mundo, duas linguagens.
Assim, não é a palavra que representa a ironia, como a questão afirma, e sim
o encontro de duas vozes, o discurso bivocal nos versos Depois tudo estará
perfeito. Pode-se argumentar que não há como didatizar uma explicação sobre
ironia nestes termos, para um nível de escolaridade de 5ª série, contudo,
214
acreditamos que é possível uma reformulação da questão que não frise uma
palavra como responsável pela construção da ironia, porque isso nos parece um
reducionismo; a palavra está inserida num contexto discursivo poético maior e é
determinada por ele, mas ao mesmo tempo está sempre carregada de um conteúdo
ou de um sentido ideológico ou vivencial, conforme nos lembra Bakhtin/Volochinov
(1929: 95). Assim, entre o isolamento da palavra que autor-criador realiza e a
natureza social da linguagem, o enunciado poético, com todas suas peculiaridades,
constrói-se e seus sentidos são dialogicamente concebidos e novamente
atualizados a cada leitura pelos autores contempladores.
Esta coleção se esforça, por outro lado, em estabelecer um vínculo, nas
atividades, entre os usos gramaticais e os efeitos de sentido, o que é louvável; há
uma tentativa, portanto, de exploração dos recursos lingüísticos objetivando a
compreensão e não isoladamente. Pinheiro (2001: 63-64) discute o tratamento
inadequado dos textos literários pelos autores de livros didáticos, que enfocam de
forma descontextualizada os usos gramaticais, usando os textos apenas como
pretextos:
215
1. A.“Eu sozinho menino entre mangueiras/ lia a história de Robinson Crusoé”.
B. Eu era um menino sozinho e lia a história de Robinson Crusoé entre mangueiras.
• Qual das duas é a maneira mais comum e mais direta de
expressar as idéias?
• Qual das duas é a maneira mais enxuta, mais resumida, mais curta
de dizer?
• Qual das duas arruma as palavras na frase de modo
surpreendente, novo?
4. “Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu”.
Para entender bem esses versos, é preciso entender sua estrutura sintática.
a) No primeiro verso, quem ao mar o perigo e o abismo deu?
b) Escreva em ordem direta o sujeito e o verbo da frase.
c) Deus deu o quê?
d) Deu a quem?
e) Reescreva o verso na seguinte ordem sintática: sujeito + verbo + objeto indireto +
objeto direto.
f) O verso seguinte é introduzido por uma conjunção. Destaque-a e classifique-a.
g) Conjunções desse tipo introduzem orações que contrariam, repetem ou ampliam
idéias da oração anterior?
h) A primeira oração, “Deus ao mar o perigo e o abismo deu”, mostra ação de que tipo?
i) A segunda oração, introduzida pelo mas, vai, então, mostrar uma compensação para
essa ação. Qual compensação para os perigos do mar?
j) O céu, portanto, em oposição ao perigo e ao abismo, representa o quê?
216
Pudemos observar, portanto, um esforço da coleção, nestas questões, em
trabalhar os aspectos gramaticais e da estrutura textual, como ordem direta, ordem
inversa, para a auxiliar na leitura do texto. Este movimento indicia uma preocupação
com o estilo, embora compreendemos que, aqui, não se pensa em gênero discursivo
e no estilo ligado a gênero, mas em termos textuais, o que configura mais uma
preocupação com a decifração do texto, de forma ainda preliminar. Grijó (2004: 351),
analisando 6 coleções de livros didáticos também em relação ao tratamento
dispensando aos gêneros poéticos, conclui que os poemas são configurados não
como gêneros discursivos, mas como gêneros textuais, deslocados de condições de
produção e recepção discursiva e cujo pressuposto fundamental é que são
portadores de um sentido que ao leitor caberá decifrar.
Assim, mesmo que a proposta da coleção LM seja explorar aspectos
referentes ao estilo, o que marca seu diferencial em relação às outras coleções aqui
analisadas, como veremos, não podemos dizer que se trata de uma compreensão
bakhtiniana de estilo à qual nos referimos no primeiro capítulo deste trabalho, que
correlaciona, conforme dissemos, forma-autor-material-conteúdo, de modo articulado
para o entendimento do fenômeno poético.
Outro movimento da coleção LM, relativo ao tratamento com os gêneros
poéticos, é o de trazer sempre o discurso autoral para tecer uma explicação de
cunho teórico, em forma de definição, sobre o fazer poético, muitas vezes com
resultados desastrosos. Vejamos alguns exemplos:
4. Após a comparação entre os textos, podemos afirmar que a poesia pode ser:
• Uma brincadeira de palavras;
• Um exercício de ritmo e de rimas;
• Uma criação e que se usa a linguagem figurada;
• Uma leitura do mundo.
• Diga o que você pensa sobre essas idéias.
Coleção LM, 5ª série, p. 63.
217
“O texto 2 é uma poesia, porque é feito de versos. Verso é a linha da poesia. Na poesia, como na
pintura, alguns recursos de expressão constroem os conteúdos”.
(Coleção LM, 7ª série, p. 11).
“Todo texto tem expressão e conteúdo. Numa poesia, por exemplo, a escolha das palavras, a
combinação das palavras nos versos e dos versos nas estrofes, as rimas, o ritmo, são recursos de
expressão. Os recursos de expressão são usados para criar uma idéia, um conteúdo, como amor,
paz, guerra, ódio, entre outros”.
Coleção LM, 7ª série, p. 10.
“Prosa e poesia são diferentes. Um texto em prosa é escrito de forma corrida, ocupa a linha toda da
página, organizando-se, geralmente, em parágrafos. O texto Quadrilha é escrito em versos, por isso é
poesia, é um poema”.
Coleção LM, 8ª série, p. 31.
Numa primeira comparação entre o Romantismo e o Modernismo com base na leitura dos dois
poemas, podemos dizer: que um dos poemas tem um estilo mais contido, mais seco, e o outro, um
estilo mais derramado.
Coleção LM, 8ª série, pp. 99-100.
218
O excerto seguinte vai reunir expressão e conteúdo e afirma que os recursos
de expressão servem para criar uma idéia, um conteúdo, como amor, paz, guerra,
ódio, entre outros. Aqui, parece-nos, há uma inversão do ético e do estético e uma
cisão entre forma e conteúdo e, caso consideremos como certa a ordem
apresentada pela formulação da questão, estaremos concordando que as formas de
expressão artística criam os elementos éticos. Em nossa compreensão, a realidade
circundante, o mundo e seus momentos, nas palavras de Bakhtin, adentra o objeto
estético concebido axiologicamente pelo autor-criador, através de seu processo
criativo, tornando-se elemento constitutivo dele, não destacável, não hierarquizado e
não derivado das formas de expressão.
Bakhtin (1924/1975: 42-43) chama-nos a atenção para os problemas de
análise dos elementos éticos do conteúdo, que poderiam ser transcritos por meio de
paráfrases, o que auxilia na passagem para a forma cognitiva dos juízos ou até
mesmo por uma transcrição psicológica, muito embora isso não tenha relação direta
com a análise estética. Ainda para Bakhtin (1924/ 1975: 39), o mais incorreto seria
considerar o conteúdo como um conjunto teórico, cognitivo, como um pensamento,
como uma idéia.
Sobre o último fragmento, a descrição dos estilos do Modernismo e do
Romantismo como “mais seco” ou “mais derramado” não nos parece nada feliz para
a iniciação do aluno às características dos estilos de época da literatura, além de ser
uma adjetivação nada apropriada ao contexto de estudo escolar dos enunciados
poéticos, que mereceria uma terminologia mais rigorosa. Além disso, toma os
exemplos como protótipos de cada estilo, o que não constitui uma verdade, já que o
Modernismo, se formos usar os termos sugeridos na atividade, pode apresentar
tanto estilos “secos” ou “derramados”, assim como o Romantismo. A coleção LM vai
apresentar este tipo de caracterização dos estilos de época já na série final,
acreditamos, com o objetivo de iniciar o aluno em conteúdo a ser estudado no
segundo grau, todavia, a visão que se tem de tais conteúdos, infelizmente – e não é
por acaso, é de que estes constituam, predominantemente, exposições com enfoque
historiográfico.
219
Cereja (2004: 221), refletindo sobre a historiografia no ensino de literatura no
segundo grau, chega a algumas conclusões:
114
Não tomamos isso como defeito, mas como opção teórica. Nesta pesquisa, cabe, contudo,
contrapor estas formas de enfoque a fim de compor uma argumentação favorável à consideração dos
gêneros como gêneros do discurso, a partir das considerações bakhtinianas. Sobre esta questão ver
Rojo (2002).
220
7.1.2. A coleção LI
O texto a seguir é um soneto – poema de forma fixa, composto de quatorze versos distribuídos em
quatro estrofes, sendo as duas primeiras de quatro versos e as duas últimas de três. O último verso
apresenta a conclusão da idéia.
(Coleção LI, 8ª série, p. 155).
221
3. Pode-se analisar em um texto o seu conteúdo e a sua estrutura
Estrutura é a forma empregada pelo escritor para desenvolver suas idéias, que, por sua vez,
constituem o conteúdo do texto.
Que diferenças de estrutura podemos observar nos textos “A palavra escrita no muro” e
“Convite”?
Pressupõe-se que os alunos já saibam a diferença entre poema e prosa. Para facilitar a
compreensão, pode-se apresentar cartazes com os dois tipos de texto contendo apenas a
silhueta deles. O texto “A palavra escrita no muro” foi escrito em forma de prosa e “Convite”,
em forma de poema. (Orientação ao professor)
(Coleção LI, 5ª série, p. 13).
Não é difícil, aqui, estabelecer uma relação desta atividade com aquela já
analisada por nós, da coleção LM, em que se presenciou uma cisão entre forma e
conteúdo. Aqui a forma é designada estrutura e sua definição como a forma
empregada pelo escritor para desenvolver suas idéias não nos parece nada clara. O
escritor não desenvolve suas idéias mediante uma forma, que é estrutural.
Concordar com tal afirmação é como conceber que a criação artística está presa a
formas e estruturas a priori, nas quais ela vai ter que se encaixar. Já frisamos aqui
que a forma é a expressão da atividade criativa, determinada axiologicamente, de
um sujeito esteticamente ativo (Bakhtin, 1924/1975: 57). Assim, ao gênero poético,
concebido como obra estética e não apenas como obra exterior, como já
apontamos no segundo capítulo deste trabalho, não cabe uma “enformação” ou
“conformação”. Vejamos outros momentos:
222
1. O texto é um poema. Quais das características a seguir são próprias desse tipo de texto?
• È escrito em versos.
• Apresenta idéias distribuídas em parágrafos.
• A linguagem é objetiva, permitindo apenas uma leitura.
• A linguagem é subjetiva, permitindo várias leituras.
• Tem por objetivo informar.
• Tem por objetivo emocionar.
(Coleção LI, 6ª série, p. 9).
223
A coleção LI lança mão, ainda, em muitas atividades, da teoria das funções
da linguagem baseada nos trabalhos de Jakobson 115 , para explicar o fenômeno
poético. Como colocamos no segundo capítulo, as funções da linguagem estiveram
e estão presentes em muitos livros didáticos, sendo referência obrigatória para a
explicação e a compreensão dos fenômenos da linguagem, incluindo-se os poéticos.
Vejamos algumas atividades apresentadas:
a) Indique o que nos permite afirmar que a função da linguagem nele empregada é poética.
b) Reescreva o poema em linguagem referencial.
(Coleção LI, 8ª série, p. 175).
115
Encontramos a teoria das funções da linguagem desenvolvida por Jakobson no livro Lingüística e
Poética, de 1960, publicado no Brasil em Lingüística e Comunicação, São Paulo, Cultrix, 1969. Para
descrever o ato da comunicação, Jakobson acrescentou às três funções de Bülher (às quais
renomeia de referencial, expressiva e conotativa), mais três: a metalingüística (uma referência ao
próprio código), a poética (onde o enunciado, na sua estrutura material, é visto como tendo um valor
intrínseco, sendo um fim em si próprio) e a fática (estabelecer e manter contato com o interlocutor).
As críticas tecidas à proposta de Jakobson apontam para o fato de que, embora ele aborde questões
de poeticidade, seu modelo tem ainda um caráter mecanicista, ou seja, não tratando das relações
sócio-históricas e ideológicas da comunicação. Entretanto, a utilização feita pelos manuais didáticos
de suas formulações parece ter acentuado esta característica mecanicista, transformando as funções
da linguagem em uma outra gramática, a da comunicação, que tendeu a substituir, em algumas
obras, a gramática tradicional.
224
II. Comercial do futuro
telespectador, agarre esta
oportunidade
apartamentos com vista total
para apenas dois fundos de edifícios,
o silêncio de uma avenida expressa,
o tamanho de um quarto de empregada
de antigamente
Ulisses Tavares, Viva a poesia viva.
São Paulo, Saraiva, 1997.
Caracterize a linguagem desse texto
III.
a sujeira e a fumaça
estão conseguindo
o impossível
pássaros morrendo por falta de ar
peixe morrendo de sede no mar
Ulisses Tavares, Viva a poesia viva.
São Paulo, Saraiva, 1997.
225
gramática tradicional e muitos textos em gêneros poéticos apenas como pretexto.
Observemos mais um exemplo:
d) Meu ar de dominador
e) Dizia que eu ia ser seu dono
f) E nessa eu dancei!
Djavan
e) Todo menino do Pelô
Sabe tocar tambor
Samuel Rosa e Gerônimo
(Coleção LI, 6ª série, p. 45).
226
Como pudemos verificar, o exercício utiliza apenas fragmentos de textos, com
privilégio da utilização de trechos de letras de canção. Aliás, muitas letras de canção
aqui consideradas em nossa análise quantitativa, somando um total de 25 textos
para a coleção LI, são apenas fragmentos utilizados como pretexto, nos mesmos
moldes do modelo acima. Já das letras de canções para as quais se propõe alguma
atividade de leitura, a grande maioria vai explorar apenas as estratégias básicas de
leitura. Apenas na 8ª série, encontramos dois momentos em que são trabalhadas as
figuras de linguagem, porém de forma transmissiva e/ou com solicitação de
localização das figuras de linguagem nos textos ou mesmo em frases fora dos textos
trabalhados. Observemos os excertos:
5 Observe:
I. Maria, Maria é especial como um dom, uma certa magia.
1º elemento qualidade conectivo 2º elemento
comum comparativo
227
Questões sobre a letra de canção Casa Brasileira, de Geraldo Azevedo e Renato Rocha:
7. Ao se referir à televisão, o poeta usa uma metáfora, figura de linguagem que consiste no
emprego de uma palavra ou expressão em sentido diferente de seu significado próprio.
Identifique-a e transcreva-a.
(...)
Observe:
“Um pouco portuguesa, um pouco pixaim”.
Expliquem a metonímia presente nesse verso.
228
de união entre os interlocutores, isto é, ela só se realiza no processo de
compreensão ativa e responsiva (Bakhtin/Volochinov, 1929: 132).
Há uma preocupação constante nas atividades, nas coleções aqui analisadas
até então, de forma geral, com as imagens poéticas, com as metáforas, as
comparações. E, ainda não nos esquecendo de que tais recursos são recursos da
língua, vale frisar que na atividade estética estes não podem ser vistos ou estudados
ou compreendidos de forma abstrata, destacada do texto, em frases soltas. Notemos
que os exercícios de transformação de metáforas em comparação e vice-versa, no
primeiro excerto, partem de chavões e chegam a chavões, isto porque são frases
soltas, como coloca Bakhtin (1924/1975: 65), mais uma vez:
229
Em síntese, temos que a coleção LI aborda os textos em gêneros poéticos,
por um lado, apenas como pretexto para estudo gramatical e, por outro, centra-se
na exploração das estratégias cognitivas de leitura, pouco se detendo no estudo
dos recursos lingüísticos mais próprios dos gêneros poéticos e quando o faz,
restringe-se a considerações superficiais sobre a forma composicional ou
equivocadas sobre o uso das imagens poéticas. Além disso, a coleção procura o
caminho da teoria da comunicação, buscando na formulação jakobsoniana das
funções de linguagem as bases para a compreensão do texto poético. Vejamos, por
fim, as características da escolarização promovidas pela coleção ER.
7.1.3. A coleção ER
230
Integração com o vocabulário na imagem (ilustração) e na mensagem; no poder sonoro, na
escrita e no significado.(Coleção ER, manual do professor, p. 4)
Observar que a palavra está sendo analisada pela força que apresenta através
• do som
• do contexto;
• da sua formação;
• da imagem gráfica que pode sugerir
(Coleção ER, manual do professor, p. 9).
231
número de versos. São pequenos ”tratados” de versificação” sintetizados em
poucas páginas, porém de forma destacada dos textos de leitura, como um
conteúdo a ser apreendido, semelhantemente aos conteúdos gramaticais.
Assim, em várias atividades, em todos os volumes, aos alunos são
apresentadas questões envolvendo esta “força da palavra” ou solicitando
apreensões genéricas de forma bastante vaga. Selecionamos vários trechos para
demonstrar que isso é uma constante na coleção ER:
232
1. Além da cadência em cada verso, o jogo das palavras produz um efeito
impressionista com o uso de expressões denotativas. Veja:
“...verde-moita/ sob as cortinas/ da noite...”
a) Que cortinas são essas? Onde está a poesia nesses versos?
(...)
c) Na 4ª estrofe há uma comparação. Novamente impressionista. Qual
é? (...)
e) Pernilongos e violinos. Duas palavras combinadas em novo
impressionismo poético. Justifique
(Coleção ER, 6ª série, p. 221).
1. Fazendo uma leitura atenta da música de Noel Rosa, busque a força das
palavras no significado, som e imagem que ela repassam.
a) Quais palavras na primeira estrofe, segundo seu ponto de vista, têm força de
sentimento?
(...)
d) O título tem força no conjunto dos versos? Por quê?
(Coleção ER, 7ª série, p. 9).
233
2. Comente o ápice poético na penúltima estrofe.
(Coleção ER, 7ª série, p. 206).
7. Que contexto existe nas expressões: alma atrofiada, corpo precisa se regenerar?
(Coleção ER, 8ª série, p. 74).
7. A saudade pode devorar? De que forma? É uma maneira impressionista de dizer as coisas.
Comente.
(Coleção ER, 7ª série, p. 206)
Não sabemos qual a razão do uso, pelos livros desta coleção, de uma
terminologia tão difusa e inconsistente. Parece-nos, e isto é uma hipótese mais
otimista, que se procurou “traduzir” em termos como “força”, “ponto culminante”,
“ápice”, “impressionismo/impressionista” alguma terminologia mais teórica,
afastando a compreensão das características dos enunciados poéticos de qualquer
metalinguagem, mas o resultado é que as atividades deixam-nos a impressão de
que estamos “pisando em ovos” ao estudarmos os textos em gêneros poéticos aqui
apresentados. De outro lado, parece uma tentativa de abstração absurda, em que
termos são usados de forma inconsistente e inadequada, como a palavra
“contexto”, utilizada na questão Que contexto existe nas expressões: alma
atrofiada, corpo precisa se regenerar (Note-se que o realce em negrito é do
próprio livro) ou Lendo Classificados, o que você percebe no contexto dos versos?.
Há uma pressuposição que mistura, nas atividades desta coleção, leitura de
poemas e sentimento que provoca no leitor, mesmo assim a formulação ainda vai
indagar se o aluno sentiu poesia na unidade. Pensamos que tais atividades nas
234
formulações aqui elencadas vão na contra-mão de tudo o que procuramos afirmar
desde o início deste trabalho. A compreensão do poético é totalmente colocada na
subjetividade do aluno, na psique do contemplador, como bem afirma
Bakhtin/Volochinov (1926). Conceber a compreensão do fenômeno poético
unicamente pela subjetividade e através dos seus efeitos na psicologia individual é
negar a natureza social da arte. Lembremos, com Bakhtin/Volochinov (1929: 121),
mais uma vez, que o centro organizador de toda enunciação, de toda expressão,
não é interior, mas exterior: está situado no meio social que envolve o indivíduo.
Vygotsky (1926/ 2001: 49) também, ao discorrer sobre psicologia e arte, nos
esclarece melhor a questão:
235
A poesia nos versos ou na prosa – Uma arte poética
O que são gomos, o suco, a casa, a cor e a semente na elaboração de um trecho poético?
(Coleção ER, 6ª série, p. 138).
É claro que falamos aqui de tendências, pois cada coleção, na verdade, não
vai apresentar tais abordagens de forma pura, todas vão trabalhar, também, ainda
que de maneira incipiente e/ou equivocada, com aspectos da forma composicional
dos textos poéticos.
Entrevemos, contudo, que não houve uma progressão em termos do ensino-
aprendizagem dos gêneros poéticos entre as coleções das séries iniciais e as séries
de 5ª a 8ª séries. As coleções de 5ª a 8ª séries, de maneira geral, enfocam os
236
aspectos formais e em nada se detém nas considerações sobre os diferentes
gêneros, o que, de alguma forma, ocorre de 1ª a 4ª série, principalmente na coleção
AML.
Surpreendente, a nosso ver, o ensino dos aspectos poéticos parece estar
melhor organizado nas coleções de 1ª a 4ª séries, assim como as coletâneas se
encontram mais atualizadas, já que de 5ª a 8ª temos uma presença marcante de
poemas, para poucas letras de canção e ausência absoluta de tradição oral. Além
disso, pudemos verificar que os livros de 1ª a 4ª séries não pecam pela quantidade
sem qualidade, como ocorreu com as coleções de 5ª a 8ª séries, que se perdem em
atividades longuíssimas, intercaladas pelo discurso autoral cuja necessidade,
acreditamos, de uma “explanação” sobre o fazer poético acabou por prejudicar a
qualidade do trabalho com os textos em gêneros poéticos.
Caso nos perguntemos se os modos de tratamento aqui apresentados aos
gêneros poéticos auxiliam na formação do leitor literário de 5ª a 8ª séries, podemos
afirmar com certeza absoluta que não, mas não unicamente por uma ou outra
abordagem privilegiar um aspecto do poético em detrimento de outros, e sim pelo
fato, primeiramente, de que não são substancialmente planejadas ou assumidas
pelos autores. Tais abordagens apresentam várias lacunas e inconsistências, como
demonstramos nos diversos exemplos do discurso autoral e, também, podemos
dizer que estes modos se referem somente aos pouquíssimos momentos que os
livros didáticos aqui analisados vão tratar dos enunciados poéticos como tal, pois,
em sua maioria, as atividades designadas podem ser, indiferentemente, as mesmas
para outros gêneros.
Assim, o conjunto de aspectos que compõe o processo de escolarização dos
textos em gêneros poéticos nestas coleções de livros didáticos das séries finais –
expressos aqui de forma quantitativa e qualitativa, resulta no que Soares (2001)
denomina, e com a qual concordamos, por uma escolarização inadequada que
237
Conclusão
__________________________
Este trabalho buscou desde o início fazer convergir duas vias: na primeira,
tentamos compreender as formulações do Círculo de Bakhtin sobre o discurso
poético para que pudéssemos fundamentar o nosso enfoque teórico dos gêneros
poéticos, no contexto de nossa pesquisa, tendo em vista as necessidades criadas
por nosso objeto de pesquisa. A outra via foi, naturalmente, a investigação das
formas de escolarização dos gêneros poéticos nas obras didáticas examinadas,
selecionadas de acordo com nossa metodologia de pesquisa. Compreendemos que
na confluência destes dois caminhos esteve sempre a nossa preocupação em
procurar respostas para a questão da formação do leitor literário, seja na dimensão
teórica, concebendo os gêneros poéticos como gêneros discursivos e objetos
estéticos, seja na dimensão didática, entendendo-os em sua condição de gêneros
escolarizados.
Os diferentes modos de abordagem do poético pelos livros didáticos, pelo
que pudemos depreender em nosso processo de análise, espelham, por um lado,
as indecisões teóricas que envolvem os processos de produção dos materiais
didáticos a respeito da concepção do literário e, sobretudo, do poético, como
pudemos comprovar, por exemplo, pelas incursões impróprias do discurso autoral
nas coleções em termos do tratamento dos gêneros poéticos. Por outro lado, é
importante ressaltar que a ação autoral que mobiliza os diferentes gêneros numa
obra didática, articulando-os a um discurso autoral e inscrevendo-os num espaço
discursivo marcado por uma determinada apreciação valorativa dos processos de
ensino-aprendizagem de língua materna, tem tido poucas alternativas que possam
reorientar a didatização do discurso literário em suas inúmeras manifestações.
A obra didática apega-se, na maioria das vezes, como pudemos verificar em
nossa análise de atividades, aos estudos tradicionais oriundos da teoria literária,
atravessados por concepções formalistas que privilegiam os aspectos da forma
composicional sem se preocupar com a construção dos sentidos do texto ou com
uma leitura que promova uma ampliação da visão do aluno sobre os processos
estéticos de criação dos objetos poéticos, e desprezando, por outro lado, os
contextos sócio-históricos em que se inscrevem as produções literárias que
compõem as coletâneas.
Em outros momentos, o livro didático vai enveredar por uma abordagem
estilística restrita aos territórios textuais das obras, com prejuízo dos discursivos,
num tratamento centrado na exploração das estratégias cognitivas básicas de
leitura que em nada vai diferenciar a abordagem dos gêneros poéticos do estudo
promovido pelos livros para outros gêneros. Nestas atividades, pudemos verificar
um esforço do discurso autoral em parafrasear o que se compreendia por um “fazer
poético” e traduzir, em outros termos, os sentidos das ligações verbais significantes,
no dizer de Bakhtin (1924/1975: 65), ou seja, uma tentativa de explicação ao aluno
do que é uma metáfora, uma comparação, uma antítese, etc. Acreditamos que esta
seja uma preocupação dos livros didáticos porque estes concebem, certamente, tais
figuras como conteúdos importantes a serem aprendidos quando se trata do texto
literário. Entretanto, não se pode esperar que o aluno se instrumentalize para a
leitura do texto poético apenas memorizando figuras de linguagem, localizando
figuras no texto ou em frases soltas e sem que se explore o sentido da utilização
desses procedimentos lingüísticos na totalidade do enunciado poético.
Uma abordagem subjetivista, centrada nas emoções e na imaginação do
leitor, também teve seu espaço, sendo encontrada em duas coleções de ambos os
níveis: a coleção LPT, de 1ª a 4ª séries, e a coleção ER, de 5ª a 8ª séries.
Pensamos ser esta a abordagem mais frágil do texto poético, pois exime a ação
autoral de qualquer ensino sobre os gêneros poéticos, de qualquer exploração dos
aspectos lingüísticos dos textos: tudo se forma ou na psique do aluno, que “sente a
poesia”, de modo subjetivo, ou num processo interacional induzido, e igualmente
subjetivo, em que o aluno é convidado, junto com seus colegas, a discutir e
“desfrutar” dos prazeres da leitura dos textos poéticos.
Não queremos negar aqui o caráter lúdico, de prazer, da leitura literária, mas
trata-se de uma situação escolar, de aulas de língua materna, algo que supõe no
mínimo que os usos dos recursos lingüísticos sejam trabalhados na compreensão
dos efeitos de sentido dos textos poéticos em vez de considerá-los “artefatos”.
Por fim, encontramos ainda uma abordagem “comunicativa” que, como
buscamos demonstrar, vai retomar a questão das funções da linguagem de
Jakobson. Esta posição, acreditamos, é uma saída para uma ação autoral que não
239
quer privilegiar os aspectos formais nem a subjetividade, pendendo para os
aspectos do processo comunicacional entendido nesses termos. Esta é contudo
uma estratégia traiçoeira (no dizer de Grijó, 2004), pois não explora nenhum
aspecto comunicacional, não trabalha com a relação entre interlocutores,
procedendo apenas a um ensino transmissivo das diversas funções da linguagem e
propondo questões de aplicação. Além disso, é sabido que a função poética da
linguagem, na visão jakobsoniana, concebe o texto poético como um jogo de seus
próprios elementos, como um fim em si, subtraindo-lhe a dimensão histórica e social
e mesmo estética. Infelizmente, é mais um conteúdo com que o aluno tem que
deparar em seu caminho de formação como leitor literário, mas que não surte efeito
algum, resultando apenas em mais terminologia a ser memorizada (e
posteriormente, com razão, esquecida) para as provas de leitura e interpretação
textual.
Os procedimentos didáticos usados têm na maioria das coleções uma
orientação transmissiva, principalmente no caso das coleções de 5ª a 8ª séries, em
que o discurso autoral vai se encarregar de discorrer a respeito do que julga serem
aspectos fundamentais para a compreensão dos enunciados poéticos, como
aspectos relativos à versificação, por exemplo. Exige-se com freqüência a paráfrase
como resposta para muitas das atividades, como se, ao repetir o que “se entendeu”
do texto, o aluno pudesse compreender o que está além de sua superfície e
apreender disso algum procedimento estético. Esta estratégia parece muito mais
um movimento que visa favorecer a “decifração” do texto poético, este concebido
como um texto dificultoso, hermético – e caso o aluno seja capaz de “trocá-lo em
miúdos” o objetivo de ensino já estará atingido, ao menos para esses manuais.
Temos a nosso favor, além disso, o fato de Grijó (2004), em sua pesquisa,
que também enfoca gêneros poéticos em livros didáticos de 5ª a 8ª séries, chegar a
conclusões semelhantes sobre as atividades propostas:
240
Outra característica que compõe o quadro didático e que pudemos notar nas
coleções analisadas é a da falta de organização do ensino em relação aos textos
em gêneros poéticos, algo que, em nossa analise, dificultou até mesmo a
depreensão dos modos de abordagem predominantes. Tanto em termos da
incidência e da distribuição irregulares dos gêneros entre os diferentes volumes,
feitas sem nenhuma lógica ou critério, até a sua desvalorização, pelos livros
didáticos, que os utilizam mais como apoio a outras atividades de estudo
gramatical, ou alimentação temática para produção textual, do que efetivamente
para as atividades das seções de leitura e compreensão textual, percebemos uma
falta de planejamento para a apresentação dos conteúdos, não havendo uma
preocupação com retomadas ou com uma progressão no ensino.
Acrescenta-se a isso o fato de que muitos textos, principalmente as letras de
canção presentes nas coleções de 5ª a 8ª séries (de resto, apenas em duas), são
apresentados de forma fragmentária, sem títulos e apenas como uma base para
exercícios de gramática, principalmente de análise sintática. Acresce que, como
salientamos na conclusão da análise de nossas coleções, não observamos uma
progressão entre os níveis de escolaridade entre as coleções de 1ª a 4ª séries e as
coleções de 5ª a 8ª séries, o que denota também uma desorganização nas
propostas curriculares no que tange ao ensino-aprendizagem dos gêneros poéticos.
Tendo em vista o quadro aqui apresentado, defendemos que um ensino de
textos poéticos pode ser minimamente planejado e organizado, bem como
fundamentado teoricamente, sem que haja privilégio de um elemento sobre outro,
como o elemento formal, comunicacional ou lúdico. No tocante a isso, o que o
Círculo de Bakhtin nos ensinou, na releitura de suas obras voltadas para a
discussão não só do discurso poético como também da natureza da linguagem,
salientando as tarefas da análise estética, é que, em primeiro lugar, há de se
considerar o enunciado poético como um todo, uma unidade em sua singularidade,
mas absolutamente localizado em um tempo e em um espaço próprios. No dizer do
próprio Bakhtin (1924/1975):
241
estético sinteticamente, no seu todo, compreender a forma e o conteúdo na sua
inter-relação essencial e necessária: compreender a forma como forma do
conteúdo, e o conteúdo como conteúdo da forma, compreender a singularidade
e a lei de suas inter-relações. Só com base nessa concepção é possível delinear
o sentido correto para uma análise estética concreta das obras particulares.
(Bakhtin, 1924/1975: 69).
116
Pensamos quanto a isso que à Lingüística Aplicada caiba um estudo como o que desenvolvemos
aqui, de investigação da complexidade dos usos dos diversos enunciados nos mais diferentes
contextos.
242
Como pudemos verificar nas coleções examinadas, como quer que sejam
trabalhados, em nenhum momento os textos poéticos são tomados, de fato, como
gêneros discursivos. O que marca as coleções é a presença de pequenos trechos
do discurso autoral que no máximo tentam explicar a forma composicional de certos
gêneros, ou alguns poucos aspectos de suas condições de produção, como
ocorreu, por exemplo, na coleção AML da 1ª a 4ª série. Mas o que é necessário
para que ocorra o tratamento como gêneros discursivos? É possível um ensino que
se baseie na concepção de gênero poético como gênero discursivo? É possível
uma organização do ensino dos textos em gêneros poéticos nos livros didáticos?
Acreditamos que sim. Em primeiro lugar, não se pode desconsiderar, caso se
faça de fato a opção por um ensino discursivo, de cunho bakhtiniano, a noção de
tema. O tema, na visão de Bakhtin, não se refere estritamente ao assunto tratado
pelo poema, que é da ordem do cognitivo e do ético, como ele bem coloca em 1924,
remetendo mais propriamente a uma construção e reconstrução de sentidos que
estão totalmente circunscritas pelo contexto extraverbal. Recordemos aqui a letra
de canção Soneto, de Chico Buarque, trabalhada por nós brevemente no segundo
capítulo deste trabalho. O tema, ali, está ligado (assim como qualquer tema, na
acepção bakhtiniana) a um contexto sócio-histórico específico, que foi o da ditadura
militar em nosso país. O tema, portanto, não é reiterável, pois singulariza o
enunciado poético em questão, e quando afirma que tema é uma reação da
consciência em devir ao ser em devir, Bakhtin/Volochinov (1929: 129) quer acentuar
exatamente o caráter de historicidade dos enunciados.
Uma reação em devir é nada menos o que esperamos da leitura de um texto.
O tema não é um dado pronto, não existe a priori, existe somente na confluência, no
encontro do autor-criador e do autor-contemplador. Pensamos que neste encontro,
ou em seu centro, está a ação autoral do autor do livro didático, numa situação
específica que é a escolar. Ele, mesmo sem o querer, dirige olhares, dirige leituras,
cria gosto e desgosto diante da leitura. O processo dialógico que aqui se estabelece
entre o leitor-aluno e o autor-criador da obra poética tem este terceiro, a posição
autoral do livro didático valorativamente marcada, que vai apontar para um ou outro
aspecto e vai dizer ao aluno que o texto poético é isso e não aquilo, vai mostrar:
veja isso e não perceba aquilo. E não exploramos aqui a ação mediadora do
professor, que é igualmente interlocutor do livro didático, tal como o são os
243
avaliadores do PNLD, assim como não nos ocupamos da influência que a recepção
por tantos interlocutores tem na autoria dos livros didáticos.
Por isso é que advogamos uma abordagem que abranja o enunciado poético
de forma discursiva, atentando para os aspectos do seu processo de produção,
para as dimensões sócio-históricas, mas também para os aspectos da forma
composicional e para as escolhas lingüísticas que configuram o estilo autoral ou o
estilo marcado pelo gênero.
Relembrando a confusão da estética material, apontada por Bakhtin
(1924/1975), entre as formas arquitetônicas e as formas composicionais, afirmamos
que, para o ensino do texto literário, do texto poético, o que se visa, ainda de
maneira muitas vezes equivocada e incompleta, são as formas composicionais que
realizam as arquitetônicas, e nunca se chega à consideração destas últimas, que só
seriam desveladas na construção dos temas, no sentido bakhtiniano. Assim, uma
organização do ensino dos gêneros poéticos como gêneros do discurso deveria
prever um enfoque didático tripartido entre tema, forma composicional e estilo, e
explorar de forma múltipla os múltiplos processos de (re)ssignificação promovidos
nos textos em gêneros poéticos, através de leituras variadas, de textos
significativos, de procedimentos intertextuais e interdiscursivos.
Mas, além disso, pensamos ser possível trabalhar por grupos de gêneros
poéticos, como fizemos aqui, podendo explorar, de forma didática, as relações
intergenéricas que se estabelecem entre eles e as características das diferentes
apropriações, localizando-os pelos pontos cardeais do tempo, do espaço e do valor,
para a construção das atividades de leitura, e visando sempre à construção dos
sentidos do texto pelo aluno. A elaboração de agrupamentos de gêneros está
intimamente relacionada, como bem frisa Barbosa (2001), à necessidade de
escolha e/ou definição de quais gêneros serão tomados como objetos de ensino,
em determinado contexto escolar, levando-se em conta questões curriculares
inerentes à instituição escolar, bem como as necessidades e possibilidades de
aprendizagem dos alunos envolvidos.
Pelo amplo espectro de gêneros que se apresentam nos diferentes contextos
sociais, acreditamos que definir critérios, elaborar agrupamentos, propor uma lógica
para o estudo das diferentes características dos gêneros, bem como oferecer
subsídios teóricos para uma progressão para o ensino em diferentes níveis parece
244
otimizar o trabalho pedagógico, tornando-o mais eficiente. Obviamente, qualquer
agrupamento vai ser pautado por critérios específicos, que, uma vez adotados,
priorizam algumas características em detrimento de outras. Barbosa (2001) nos
alerta para esse fato:
245
Assim, os pesquisadores apresentam cinco agrupamentos de gêneros,
definidos por domínios sociais de comunicação e relacionados a partir de aspectos
tipológicos e capacidades de linguagem dominantes exigidas dos enunciadores:
246
versificação, de toda a ciência da literatura, sendo portanto difícil não encontrar
descrições, em alguns casos minuciosas, das configurações poemáticas.
Quanto ao terceiro critério, embora seja difícil ajustar um nome que englobe
“as capacidades de linguagem dominantes implicadas na mestria” dos textos
poéticos, ao menos nos termos propostos pelos autores, podemos vislumbrar
exercícios de linguagem especificamente voltados para a ressignificação incessante
da palavra. Contudo, como um enunciado por excelência, cada poema é um poema,
e na criação de cada um o poeta lança mão de uma combinação única de
estratégias textuais/discursivas. Talvez pudéssemos falar em “versejar”, mas pode
soar “antigo”; talvez pudéssemos falar em “linguajar”, mas pode soar amplo e
pretensioso. Os verbos poetar, poetificar, poetizar e sonetear também constam do
Dicionário Aurélio e poderiam então ser considerados.
Mas o que interessa, na verdade, não é encontrar uma palavra certa que
traduza a capacidade de linguagem dominante no fazer poético – se é que há uma
dominante. O que interessa nem é mesmo propor um agrupamento novo e melhor
para um conjunto que estaria, a alguns olhos, incompleto, no caso genebrino.
Mesmo contra-argumentando favoravelmente aos gêneros poéticos, critério a critério
da proposta genebrina, o que resta saber, contudo - e sobre isto é preciso repensar
este modelo – é se os gêneros poéticos “curvam-se” aos agrupamentos, se suas
múltiplas possibilidades poderiam ser sempre previstas em um modelo pré-
configurado. No caso, agrupar não constitui, pensamos, o problema crucial, que é
antes o de estabelecer critérios que possam abarcar as características do objeto
poético (se isso sempre for possível) e em que prioridade, para todos os casos. A
esfera artística, berço da criação poética, impera neste momento, e a didatização
parece tornar-se impraticável.
Uma sugestão é a que fizemos ao final do terceiro capítulo desta tese: que os
grupos não sejam formados por um critério formal, mas pensados em termos de
seus cronotopos e de suas apropriações intergenéricas, sempre tendo em vista o
conceito bakhtiniano de memória de gênero. Assim, antes de pensarmos em
capacidades de linguagem – que estão intimamente ligadas, a nosso ver, ao devir
da corrente verbal, ao momento e ao processo de atualização das leituras, num
espaço discursivo dos interlocutores – tem-se de pensar nos gêneros em si como
247
objetos estéticos, dentro dos limites e possibilidades que se nos apresentam para a
didatização.
É oportuno, ao falar de esfera, passar agora à proposta de agrupamentos
sugerida por Barbosa (2001). Retomando a ordem metodológica colocada por
Bakhtin para o estudo da língua (Bakhtin/Volochinov, 1929) 117 , a autora, em sua tese
de doutoramento Trabalhando com os gêneros do discurso: uma perspectiva
enunciativa para o ensino de língua portuguesa, advoga que o critério norteador
para se agruparem gêneros deverá ser as esferas de atividade humana em que
estes são produzidos. Para sua proposta de agrupamento, portanto, ela irá
selecionar algumas esferas, colocando em destaque a esfera escolar e, por
conseguinte, os gêneros secundários. É importante frisar que a autora concebe esta
proposta não como uma proposta fechada, mas sujeita a sugestões e revisões.
A tabela 118 a seguir procura traduzir o agrupamento de gêneros nas esferas
que nos interessam para este trabalho:
117
Disso decorre que a ordem metodológica para o estudo da língua deve ser o seguinte:
1. As formas e os tipos de interação verbal em ligação com as condições concretas em que se
realiza.
2. As formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados, em ligação estreita com a
interação de que constituem os elementos, isto é, as categorias de atos de fala na vida e na
criação ideológica que se prestam a uma determinação pela interação verbal.
3. A partir daí, o exame habitual das formas da língua na sua interpretação lingüística habitual
(Bakhtin/Volochinov, 1929:124).
118
Reproduzimos aqui um excerto. A tabela completa pode ser vista na tese de Barbosa (2001: 153-
155). Nela, encontramos a designação de outras esferas (e seus respectivos gêneros), a saber:
Ciência, Escola, Imprensa, Publicidade, Jurídica, Política e Produção e Consumo.
248
ESFERAS SOCIAIS DE CIRCULAÇÃO EXEMPLOS DE GÊNEROS ORAIS E ESCRITOS
• Quadrinha
• Parlenda
ESFERAS PRIVADAS • Adivinha
• Trava-língua
• Piada
• Receita
• Diálogos
• Relatos de experiências vividas
• Poemas
• Conto popular
LITERATURA • Conto maravilhoso
• Conto de fadas
• Lenda
• Fábula
• Narrativa de aventura
• Narrativa de ficção científica
• Narrativa de enigma
• Romance noir
• Crônica literária
Quadro 1 – Agrupamentos de Gêneros segundo Barbosa (2001) - Excerto
119
A autora procura, ainda, cruzar um outro critério: a finalidade ou objetivo do enunciador/autor tendo
em vista a posição que ocupa na esfera em questão (Barbosa, 2001: 155-156).
249
agrupados) em relação ao que Bakhtin denomina um domínio cultural sobre
fronteiras:
Não se deve, porém, imaginar o domínio da cultura como uma entidade espacial
qualquer, que possui limites, mas que possui também um território interior. Não
há território interior no domínio cultural: ele está inteiramente situado sobre
fronteiras, fronteiras que passam por todo lugar, através de cada momento seu,
e a unidade sistemática da cultura se estende aos átomos da vida cultural, com o
sol se reflete em cada gota. Todo ato cultural vive por essência sobre fronteiras:
nisso está sua seriedade e importância; abstraído da fronteira, ele perde terreno,
torna-se vazio, pretensioso, degenera e morre (Bakhtin, 1924/1975: 29).
120
Na verdade, isso não é um procedimento novo no mundo das letras, pelo contrário. Bocheco
(2002: 66-67) ressalta a utilização do material folclórico por escritores de todas as épocas, como
Goethe, Selma Lagerlof, os modernistas brasileiros de primeira fase, entre outros. Em relação à
poesia infantil, coloca: O diálogo da poesia infantil com o acervo folclórico faz parte do projeto de
incorporação do cotidiano infantil à poesia de anos mais recentes. A oralização da linguagem, o
aproveitamento de temas e motivos da poesia popular, são recursos importantes, neste caso, pois
estabelecem coma criança a cumplicidade de linguagem e de repertório cultural. Ricardo Azevedo,
em artigo no seu site www.ricardoazevedo.com.br (captado em 12/02/2004) também é enfático ao
dizer que enxergar as manifestações populares como um acervo de recursos temáticos e formais,
pode tornar o estudo da cultura popular não uma pesquisa sobre fórmulas tradicionais mortas e
ultrapassadas mas sim, uma importante e viva referência para o estudo da literatura,
particularmente a chamada “infantil”.
250
explore as diferentes manifestações culturais a que os nossos jovens estão
familiarizados, mas não se restrinja a elas. Trata-se de abrir o leque de
possibilidades para uma real formação do leitor literário que, imaginamos aqui, seja
capaz de apreciar e compreender a Geléia Geral, de se divertir com a Festa do Apê,
de ler sonetos de diversas épocas e diversos autores, de estabelecer relações,
perceber semelhanças e diferenças, de compreender criticamente as obras de sua
época e de seu horizonte imediato, bem como de outras épocas, ampliando seu
horizonte social, tornando-se participante de todo um universo cultural.
É mister instrumentalizar o aluno como leitor literário que se forma, de fato,
mas que possa também seguir sendo leitor autônomo pela vida afora, longe dos
muros da escola. Acreditamos que os livros didáticos podem desempenhar um
papel fundamental nesse processo, de forma muito mais incisiva, organizada e
adequada do que a apresentada nas obras que temos, hoje, em nossas salas de
aula.
Essa maneira de explorar os gêneros poéticos como objeto estético, no
sentido aqui desenvolvido, tem assim por fundamento, como o demonstrou a
pesquisa, de um lado entender os 3 critérios de definição do gênero - tema, estilo e
forma composicional - à luz da ação autoral arquitetônica, e, de outro, o uso de
critérios de definição das especificidades desses gêneros sem classificações
rígidas, e sempre a partir do reconhecimento de que, sem a devida contextualização
do gênero trabalhado, toda didatização é empobrecedora, como o provou
exaustivamente nossa análise das coleções, e todo e qualquer texto se vê reduzido
a objeto autárquico.
Logo, a simples reprodução de um dado texto não é portanto um trabalho com
gêneros, mas antes uma descontextualização que atende a objetivos que uma
abordagem discursiva em verdade recusa, precisamente ao demonstrar que há mais
coisas envolvidas no gênero do que o texto. Portanto, o modo de trabalhar os
gêneros poéticos aqui sugerida, tendo em vista todo o nosso processo de pesquisa,
é a consideração dos gêneros poéticos como objetos estéticos que, pela ação
autoral, podem ser entrevistos em suas arquitetônicas, tomando sua compreensão
dentro de um processo dialógico, no encontro do autor-criador e do autor-
contemplador e resultando numa didatização que explore, de forma ampla, os
espaços discursivos dos gêneros em toda a sua tensa e dinâmica complexidade.
251
Referências bibliográficas
_____________________________
253
BATISTA, A. A. G. (2003). A avaliação dos livros didáticos: para entender o
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). In R. Rojo & A. A. G. Batista
(orgs.) Livro didático, letramento e cultura da escrita. Campinas, SP:
Mercado de Letras.
BOSI, A. (2000) O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Companhia das Letras.
254
_______________ (2001) Guia de Livros Didáticos – 5ª a 8ª séries. Brasília, DF:
MEC.
BUNZEN , C. & R. ROJO. (2005) Livro didático de língua portuguesa como gênero
do discurso: autoria e estilo, mimeo.
255
CEREJA, W. R. (2004) Uma proposta dialógica de ensino de literatura no ensino
médio. Tese de Doutorado. São Paulo, PUC-SP.
256
___________________ (2001). A escolarização da literatura forma leitores? In: VI
Congresso Brasileiro de Lingüística Aplicada: a linguagem como
prática social. Belo Horizonte: ALAB.
FARACO, S. (org.) (1997). Livro dos sonetos 1500-1900. Porto Alegre: L & PM.
257
HAUSER, A (1953). História social da arte e da literatura. São Paulo: Martins
Fontes, 2000.
JOLLES, A. (1976) Formas simples: legenda, saga, mito, adivinha, ditado caso,
memorável, conto, chiste. São Paulo, Cultrix.
258
MARCUSCHI, L. A. (2003). “A questão do suporte dos gêneros textuais”. (mimeo).
259
PRIVAT, J. M. (1995) Socio-logiques des didactiques de la lecture. IN J. L. Chiss; J.
David & Y. Reuter (dir.) Didactique du Français: état d’une discipline.
Paris: Nathan, 1995. (Pédagogie). 133-145. Tradução Provisória de Anna
Rachel Machado.
260
ROJO, R. H. R. & G. S. Cordeiro (orgs.) (2004) Gêneros orais e escritos na
escola. Campinas: Mercado de Letras.
261
_______. (2005a). Ética e estética – na vida, na arte e na pesquisa em ciências
humanas. In: BRAIT, B. Bakhtin: Conceitos-chave. São Paulo: Contexto, p.
103-121.
SPINA, S. (2002) Na madrugada das formas poéticas. São Paulo: Ateliê Editorial.
________ (1998 a) Música popular e urbana. In Revista Livro Aberto. São Paulo:
Editora Cone Sul, Ano II – n.º 7 – março - abril, 1998.
262
TOMACHEVSKI, B. (1925) Temática. In Eikhenbaum et al. Teoria da literatura –
formalistas russos. Porto Alegre: Editora Globo, 1971.
ZUMTHOR, P. (1997). Introdução à Poesia Oral. São Paulo: Hucitec Educ, 1997.
263
PROCÓPIO, M. M. S. & I. M. O. PINTO et ali. (2003). Letra, Palavra e Texto -
Língua Portuguesa; São Paulo: Editora Scipione.
Sites consultados:
www.avelinoaraujo.com.br
www.chicobuarque.com.br
www.docedeletra.com.br
www.roteirosonline.com.br
www.itaucultural.org.br
www.mec.gov.br/sef/estrut2/pcn/pdf/livro02.pdf
www.mec.gov.br/sef/estrut2/pcn/pdf/portugues.pdf
http://www.realhiphop.com.br/materias/materia_pretoghoez-miri.htm
www.ricardoazevedo.com.br
www.usinadosom.com.br
264
ANEXOS
QUADRO DOS GÊNEROS, TEXTOS, AUTORES E ATIVIDADES – COLEÇÃO PPLL – 1ª SÉRIE
Gênero/ Título Posição do Autor Atividades propostas Página
1) Poema: O que é que eu Complementar Pedro Bandeira • Atividade Oral (Roda de 9-10
vou ser Conversa)
2) Poema: O menino rola a Principal Málus • Apreensão temática 13-16
bola • Apreensão do gênero
• Apreciação afetiva
• Atividade lúdica:
Desenho
• Atividade Lúdica: Jogral
3) Letra de Canção: ABC do Complementar Rubinho do • Atividade Lúdica: cantar 78
amor Vale • Rever/fixar as letras do
alfabeto
4) Poema: Que sujeira! Complementar Pedro Bandeira • Antecipação de 89
informações (Roda de
Conversa e Roda de
Sugestões)
5) Poema: A bruxa Complementar Geonice Valério • Apreensão da forma 94-98
Sbruzzi gráfica (poema/prosa)
• Comparação entre dois
textos qto à forma
gráfica
• Treino de escrita: ditado
6) Poema: Segredos para Complementar Cora Rónai • Atividade lúdica (Divirta- 110-
um feitiço se lendo o poema sobre 111
feitiço!).
• Alimentação temática
para produção textual
7) Adivinha: Sem título Complementar Não indicado • Antecipação de 117
informações
• Atividade lúdica
8) Poema: Os Poemas Principal Mário Quintana • Apreciação afetiva: O 119
que você sentiu ao ouvir
o poema
9) Poema: Você já viu? Principal Alexandre • Apreciação estética 121-
Azevedo (Qual parte do poema 127
chamou mais sua
atenção? Por quê)?
• Inferência global (Título)
• Atividade Lúdica (ilustrar
versos do poema)
• Apreensão do uso de
sinais de pontuação no
poema
• Produção textual:
Produzir um verso
• Conhecimento
lingüístico: Flexão de
número
10) Poema; Aninha A Principal Nancy Ortencio • Localização e cópia de 129-
muriçoca informações 132
• Apreciação estética
• Produção de inferência
simples
• Atividade lúdica: ilustrar
o poema
11) Trava-línguas Complementar Ricardo • Atividade lúdica 135
Azevedo
12) Parlendas Complementar Não indicado • Atividade lúdica 136
35) Poema – Sem título Complementar Angela Leite de • Motivação para 145
Souza produção textual:
Construa um poema de
nunca acabar...p. 145
36) Parlenda – Sem título Complementar Domínio • Leitura (não há 148
Popular (Neusa solicitação de atividade
Caccese de para este texto)
Matos)
37) Poema Concreto Complementar Arnaldo • Leitura em voz alta; 150
Antunes • Exploração de recursos
gráficos
38) Poema – O Girassol Complementar Elias José • Localização de 151
informações
39) Poema Visual - Sol de Complementar Alda Beraldo • Atividade lúdica; 153
letras • Exploração do
conhecimento do
alfabeto;
• Exploração de recursos
gráficos
40) Poema – A lua no Complementar Paulo Leminski • Atividade lúdica: 155
cinema ilustração do poema
41) Poema - A dança da Complementar Paulo Leminski • Epígrafe de unidade 157
chuva
42) Cantiga Popular – Complementar Domínio • Atividade lúdica: cantar 160
Pezinho Popular e dançar
(Folclore do • Reescrita de estrofe da
RS) canção;
• Reconhecimento e
fixação da cedilha
43) Poema - Centopéia Complementar Wania • Localização e cópia de 162
Amarante informações
44) Cantiga de Roda - Complementar Folclore • Atividade lúdica: cantar 163
Valsinha das palmas Brasileiro e reconhecer o ritmo
ternário da valsa
45) Poema – Sem título Complementar Lalau e • Exploração de recurso 168
Laurabeatriz estilístico: metáfora
46) Parlenda – A dança das Complementar Domínio • Atividade lúdica: 176-
caveiras Popular dramatização 177
• Exploração de recursos
estilísticos: rimas
47) Parlenda (mnemonia) – Complementar Domínio • Atividade lúdica: brincar 178
Sem título Popular com os números através
da parlenda
48) Letra de canção: A noite Complementar Hélio Ziskind • Exploração do conteúdo 179
no castelo temático do texto:
personagens
assombrados
49) Cantiga de ninar – Tutu- Complementar Domínio • Ativação do 182
marambá/ Nana nenê Popular conhecimento prévio
50) Cantiga popular – Sem Complementar Folclore • Atividade lúdica: cantar 186
título Brasileiro
QUADRO DOS GÊNEROS, TEXTOS, AUTORES E ATIVIDADES – COLEÇÃO AML - 2ª SÉRIE
Gênero/ Título Posição do Autor Atividades propostas Página
1) Letra de Complementar Paulo Tatit/ Zé Tatit • Epígrafe para antecipação do 8
Canção – Uma conteúdo da unidade;
estória • Atividade lúdica: decorar a
letra de canção
2) Cantiga Complementar Sem indicação • Atividade lúdica: brincadeira 14
Popular – Música com os dedos das mãos
dos dedinhos acompanhada pela canção
3) Adivinha - Sem Complementar Alfredo Garcia • Atividade lúdica 21
título •
4) Poema – Complementar Wania Amarante • Exploração do vocabulário; 26
Dúvida • Localização e cópia de
informações;
• Exploração do conteúdo
temático;
• Produção de inferência
5) Poema – Sem Complementar Paulo Seben • Epígrafe de abertura de 46
título unidade, relacionada ao tema
Conto de fadas
• Observação: este poema que
tem uma forma composicional
que retoma as formas de
parlendas
6) Poema – Conto Principal Leo Cunha • Localização e cópia de 53
de Falda informações;
• Produção de inferências
• Ativação de conhecimento
prévio
• Apreciação valorativa: Você
concorda com a opinião de
Mafalda sobre o nome
escolhido por sua madrinha?
Justifique sua resposta. (p.
53);
• Atividade lúdica: dramatização
• Reescrita do texto através de
paródia
7) Poema- Complementar Hardy Guedes A. • Sem atividade proposta para 59
Livrinho de Filho este texto
Histórias
8) Letra de Principal Toquinho e Mutinho • Localização e cópia de 70-71
Canção – Os informações;
super-heróis • Exploração do vocabulário
(sinônimos);
• Atividade lúdica:
dramatização;
• Reescrita do texto através de
paráfrase
9) Poema – O Principal Thiago de Mello • Exploração de aspectos de 102
primeiro estruturação do texto poético:
astronauta estrofe;
• Reescrita : recontar o poema
em forma de história em
quadrinhos: uso do discurso
direto e indireto ;
• Reescrita: paráfrase:
“transposição” da poesia para
a prosa
• Produção de inferência
10) Poema – Complementar Elias José • Reescrita do texto: recriar o 128
Viagem poema
11)Poema - Complementar Sérgio Caparelli • Atividade lúdica: ilustração do 150
Limerick do poema;
Computador • Produção textual : escrever
um limerick
12) Poema – Principal Luís Pimentel • Localização e cópia de 152
Bicho solto informações;
• Produção de inferências;
• Atividade lúdica:
dramatização;
• Exploração do vocabulário
QUADRO DOS GÊNEROS, TEXTOS, AUTORES E ATIVIDADES – COLEÇÃO AML - 3ª SÉRIE
Gênero/ Titulo Posição do Autor Atividades Propostas Página
1) Adivinha – Complementar Alfredo Garcia • Epígrafe de unidade 9
Sem título
2) Poema – Principal Tatiana Belinky • Exploração da forma 10-11
Medoliques composicional: estrutura do
limerick;
• Produção textual: reescrita
dos limeriques através de
paráfrase;
• Exploração de conteúdo
temático: tema medo;
• Exploração do vocabulário
3) Adivinha – Complementar Sem indicação • Atividade Lúdica; adivinha 20
Sem título relacionada ao tema que está
sendo trabalhado na unidade:
dente/dentista
4) Letra de Complementar Cláudia Dalla Verde • Localização e cópia de 21
Canção – A e Flávio de Souza informações;
refrescante • Produção de inferências;
sensação • Exploração do vocabulário
5) Poema – Sem Complementar Guto Lins • Exploração de recursos 37
título: do livro Q visuais (gráficos);
barato (ou a • Exploração da polissemia
metamorfose)
6) Poema Complementar Augusto de Campos • Produção textual; 42
Concreto – Sem • Exploração de recursos
título gráficos: significante;
“metamorfose da palavra”
7) Adivinha – Complementar Sem indicação • Atividade lúdica 43
Sem título
8) Adivinhas - Complementar Sem indicação • Atividade lúdica; 61
Adivinhações • Exploração das figuras de
para quem morre linguagem: ambigüidade e
de medo de água hipérbole
9) Poema: são 3 Principal Elias José/ Nani • Exploração de aspectos da 75
poemas sem textualidade: atribuir título aos
títulos poemas;
• Ativação de conhecimento
prévio;
• Exploração de recursos
estilísticos: rima;
onomatopéia;
• Produção textual: reescrita;
10) Parlenda – Complementar Folclore Brasileiro • Epígrafe – antecipação de 86
Sem título conteúdo a ser trabalhado na
unidade
•
11) Poema - Complementar Elias José • Exploração de relações 91
Medo intertextuais: poema e HQ;
• Produção de inferências
12) Adivinha – Complementar Sem indicação • Epígrafe - antecipação do 99
Sem título conteúdo a ser trabalhado na
unidade: tema escuridão
25) Poema: Sem título Complementar Carlos Queiroz • Pretexto para estudo 90
(fragmento) Telles gramatical (oração
subordinada adverbial)
26) Poema: Sem título Complementar Elias José • Pretexto para estudo 90
(fragmento) gramatical (oração
subordinada adverbial)
27) Poema: Sem título Complementar Carlos Queiroz • Pretexto para estudo 90
(fragmento) Telles gramatical (oração
subordinada adverbial)
28) Poema: Sem título Complementar Elias José • Pretexto para estudo 90
(fragmento) gramatical (oração
subordinada adverbial)
29) Poema: Sem título Complementar Ilka Brunhilde • Pretexto para estudo 90
(fragmento) Laurito gramatical (oração
subordinada adverbial)
30) Poema: Sem título Complementar Gonçalves Dias • Pretexto para estudo 93
(fragmento) gramatical (oração
subordinada adverbial)
31) Poema: Queda Complementar Antônio Carlos • Pretexto para estudo 94
Tórtoro gramatical (oração
subordinada adverbial)
32) Poema: Sem título Complementar Caetano Veloso • Pretexto para estudo 119
(fragmento) gramatical (oração
subordinada
substantiva)
33) Poema: Sem título Complementar Carlos • Pretexto para estudo 119
(fragmento) Drummond de gramatical (oração
Andrade subordinada
substantiva)
34) Poema: Sem título Complementar Carlos • Pretexto para estudo 119
(fragmento) Drummond de gramatical (oração
Andrade subordinada
substantiva)
35) Poema: Sem título Complementar Carlos • Pretexto para estudo 119
(fragmento) Drummond de gramatical (oração
Andrade subordinada
substantiva)
36) Poema: Sem título Complementar Pablo Neruda • Pretexto para estudo 120
(fragmento) gramatical (oração
subordinada
substantiva)
37) Poema: Sem título Complementar Junqueira • Pretexto para estudo 120
(fragmento) Freire gramatical (oração
subordinada
substantiva)
38) Letra de Canção: Casa Principal Geraldo • Exploração do 127-
Brasileira Azevedo e vocabulário 128
Renato Rocha • Produção de inferências
• Localização e cópia de
informações
• Imagens: metáfora e
metonímia
• Comparação de
informações
39) Poema: Adormecida Complementar Castro Alves • Pretexto para estudo 143-
gramatical (orações 144
subordinadas; funções
morfológicas)
• Imagem: Prosopopéia
ou personificação
40) Poema: Aves de Complementar Castro Alves • Imagem: Prosopopéia 144
arribação ou personificação
41) Poema: Pronominais Complementar Oswald de • Apreensão global (título) 147
Andrade • Comparação de
informações
• Estudo gramatical:
função morfossintática
de palavras do poema
42) Geléia Geral Suplementar Gilberto Gil e • Audição da canção 149-
Torquato Neto • Intertextualidade 150
discursiva (manual do
professor)
43) Letra de canção: Vento Principal Renato Russo • Localização de 152-
no litoral informações 153
• Produção de inferências
• Apreensão global
44) Letra de canção: Serra Complementar Walter Franco • Comparação de 154-
do luar informações 155
• Produção de inferências
45) Poema; Nel mezzo del Complementar Olavo Bilac • Exemplar de gênero 155-
Cammin (soneto) 156
• Localização e cópia de
informações
• Produção de inferências
• Apreensão global
• Comparação de
informações
46) Poema (Haicai) Sem Complementar Sem indicação • Exemplar de Gênero: 164
título Haicai
47) Poema: Complementar Carlos Queiroz • Texto para exemplificar 165
Declacla...claração Telles função da linguagem
emotiva ou expressiva
48) Poema: Sem título Complementar Ilka Brunhilde • Texto para exemplificar 167
Laurito função fática da
linguagem
49) Poema: O poema Complementar Mário Quintana • Texto para exemplificar 168
função poética da
linguagem
50) Poema: Exortação Complementar Castro Alves • Texto para exemplificar 168
função poética da
linguagem
51) Poema: O último poema Complementar Manuel • Texto para identificar 169
Bandeira funções da linguagem
predominantes
52) Poema: Conselho de Complementar Léo Cunha • Texto para identificar 169
família funções da linguagem
predominantes
53) Poema: Sem título Complementar Carlos • Exemplo de estrofe com 170
Drummond de verso pentassílabo ou
Andrade redondilha menor
54) Poema: Sem título Complementar Cora Coralina • Exemplo de estrofe com 170
verso heptassílabo ou
redondilha maior
55) Poema: Sem título Complementar Jorge de Lima • Exemplo de estrofe com 170
verso decassílabo ou
heróico
56) Poema: Sem título Complementar Luís de • Exemplo de estrofe com 171
Camões verso dodecassílabo ou
alexandrino
57) Poema: Sem título Complementar Sílvia Orthof • Exemplo de estrofe com 171
versos monossilábicos
58) Poema: Sem título Complementar Casimiro de • Exemplo de estrofe com 171
Abreu rimas alternadas
59) Letra de canção: Complementar Tom Jobim e • Exemplo de estrofe com 172
Desafinado Milton rimas emparelhadas
Mendonça
60) Letra de canção: Sem Complementar Chico Buarque • Exemplo de estrofe com 172
título e Gilberto Gil rimas interpoladas
61) Poema: Trem de ferro Complementar Manuel • Poema para 172
Bandeira exemplificar ritmo
62) Poema Fragmento: Sem Complementar Casimiro de • Identificação de número 173
título Abreu de sílabas métricas
63) Poema Fragmento: Sem Complementar Gonçalves Dias • Identificação de número 173
título de sílabas métricas
64) Poema Fragmento: Sem Complementar Gonçalves de • Identificação de número 173
título Magalhães de sílabas métricas
65) Poema Fragmento: Sem Complementar Vinícius de • Classificação quanto à 173
título Moraes posição das rimas
66) Poema Fragmento: Sem Complementar Mário de Sá • Classificação quanto à 173
título Carneiro posição das rimas
67) Letra de canção: Sem Complementar Lupicínio • Texto para identificar 174
título Rodrigues funções da linguagem
predominantes
68) Poema: Sem título Complementar José Marti • Texto para identificar 174
funções da linguagem
predominantes
69) Poema: Vapt-vupt Complementar Ulisses Tavares • Identificação de funções 175
da linguagem
• Reescrita de poema em
linguagem referencial
70) Poema: Comercial de Complementar Ulisses Tavares • Identificação da função 175
futuro da linguagem
71) Poema: Sem título Complementar Ulisses Tavares • Identificação de funções 176
da linguagem
• Reescrita de poema em
linguagem referencial
71) Poema: Eu Complementar Fernando • Análise da estrutura e 176
Pessoa da linguagem
(número de sílabas, rimas,
estrofes, função de
linguagem)
72) Poema: A rosa de Complementar Vinícius de • Apreensão global 182-
Hiroshima Moraes • Localização e cópia de 183
informações
• Produção de inferências
• Análise de metáfora (ex.
4)
• Apreciação de valores
éticos
73) Letra da canção: A Suplementar Renato Russo • Alimentação temática 183
Canção do Senhor da para reflexão sobre o
Guerra (fragmento) tema guerra
74) Poema Concreto: Complementar Marcos Silva • Contextualização sobre 186-
A(R)MAR(?) poema concreto 187
(exemplar de gênero)
• Figura de linguagem:
antítese
• Produção de inferências
75) Poema Concreto: Sem Suplementar Décio Pignatari • Exemplar de gênero 187
título (Beba coca cola) (poema concreto)
76) Poema: Os poemas Complementar Mário Quintana • Exemplar de gênero 188
• Observação sobre
opinião de Mário
Quintana sobre os
poemas
77) Poema: Sem título Complementar Luís de • Exemplar de gênero 188
Camões • Apreciação estética
78) Poema: Sem título Complementar Carlos • Exemplar de gênero 188
Drummond de • Apreciação estética
Andrade
79) Letra de canção: Sem Complementar Tom Jobim • Exemplar de gênero 188
título • Apreciação estética
80) Letra de canção: Sem Complementar Caetano Veloso • Exemplar de gênero 188
título • Apreciação estética
81) Poema: Sem título Complementar Carlos • Exemplar de gênero 188
Drummond de • Apreciação estética
Andrade
82) Poema: Sem título Complementar Cora Coralina • Exemplar de gênero 188
• Apreciação estética
83) Letra de canção: Sem Complementar Gilberto Gil • Exemplar de gênero 189
título • Apreciação estética
84) Poema: Sem título Complementar Fernando • Exemplar de gênero 189
Pessoa • Apreciação estética
85) Poema: Sem título Complementar Castro Alves • Exemplar de gênero 189
• Apreciação estética
86) Poema: Sem título Complementar Vinícius de • Exemplar de gênero 189
Moraes • Apreciação estética
87) Poema: Sem título Complementar Haroldo de • Exemplar de gênero 189
Campos • Apreciação estética
88) Letra de canção: Sem Complementar Samuel Rosa, • Exemplar de gênero 189
título Léo Zaneti e • Apreciação estética
Chico Amaral
PRODUÇÃO DE POEMA - - • PRODUÇÃO DE 193
POEMA COM FORMA
FIXA E COM VERSOS
LIVRES (ex. 5)
89) Letra de canção: Wave Complementar Tom Jobim • Pretexto para estudo 194
(fragmento) gramatical (oração
subordinada; função
sintática do pronome
que)
90) Letra de canção: Complementar Chico Buarque • Pretexto para estudo 194
Carolina (fragmento) gramatical (oração
subordinada; função
sintática do pronome
que)
91) Poema: Sem título Complementar Carlos Queiroz • Pretexto para estudo 194
(fragmento) Telles gramatical (oração
subordinada; função
sintática do pronome
que)
92) Letra de canção: Esse Complementar Tom Jobim • Pretexto para estudo 195
seu olhar (fragmento) gramatical (oração
subordinada; função
sintática do pronome
que)
93) Letra de canção: Marina Complementar Dorival Caymmi • Pretexto para estudo 195
(fragmento) gramatical (oração
subordinada; função
sintática do pronome
que)
94) Letra de canção: Complementar Lulu Santos • Pretexto para estudo 195
Tempos modernos gramatical (oração
(fragmento) subordinada; função
sintática do pronome
que)
95) Letra de canção: Dois Complementar Rita Lee e Tom • Pretexto para estudo 196
mil e um modernos Zé gramatical (oração
(fragmento) subordinada; função
sintática do pronome
que)
96) Letra de canção: Complementar Roberto de • Pretexto para estudo 196
Tatibitati (fragmento) Carvalho e Rita gramatical (oração
Lee subordinada; função
sintática do pronome
que)
97) Letra de canção: Complementar Chico Buarque • Pretexto para estudo 196
Trocando miúdos e Francis Hime gramatical (oração
(fragmento) subordinada; função
sintática do pronome
que)
98) Letra de canção: Livros, Complementar Caetano Veloso • Pretexto para estudo 196
livros, livros (fragmento) gramatical (oração
subordinada; função
sintática do pronome
que)
99) Letra de canção: Minha Complementar Carlos Lyra e • Pretexto para estudo 196
namorada (fragmento) Vinícius de gramatical (oração
Moraes subordinada; função
sintática do pronome
que)
100) Letra de canção: Complementar Paula Toller e • Pretexto para estudo 197
Amanhã é 23 (fragmento) George Israel gramatical (função
sintática do pronome
que)
101) Poema (fragmento): A Principal Fernando • Produção de inferência 207
criança que fui chora na Pessoa • Apreciação de valores
estrada éticos
QUADRO DOS GÊNEROS, TEXTOS, AUTORES E ATIVIDADES – COLEÇÃO ER – 5ª SÉRIE
Gênero/ Título Posição do Autor Atividades propostas Página
Texto
1) Letra de canção: Dentro Complementar Rosy Greca • Exemplo de texto 8-9
de um mundo para conferir “A
força da palavra”
• Sugestão de
audição da música,
no livro do professor
17) Poema: Sonho real Suplementar Elias José • Leitura livre 109
26) Poema: Sem título Suplementar Carlos • Leitura livre (“Para 184
Drummond de refletir”)
Andrade
38) Poema: Sonho doido Suplementar Elias José • Leitura livre 245
QUADRO DOS GÊNEROS, TEXTOS, AUTORES E ATIVIDADES – COLEÇÃO ER – 6ª SÉRIE
Gênero/ Título Posição do Autor Atividades Propostas Página
Texto
1) Poema: Os mistérios de X Principal Ziraldo • Dramatização 14
• Exploração do
vocabulário
• Produção de
inferência