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Reconstrução do Método
Pablo Cânovas
Índice
2 – segundo problema: Lugar da Fenomenologia na Ordem do Saber [oferecer o quid est temporário e
aparente da Fenomenologia e apresentar o problema do seu quomodo est]
2.1. - Psicologia
2.2. - Semiótica
2.3. - Linguística
2.4. - Lógica
7 - Tomismo fenomenologico
7.1. - João de São Tomás
7.2. - Millan Puelles e os Llano
7.3. - Santa Teresa Benedita da Cruz
7.4. - Hildebrand
7.5 – Cornelio Fabro
8 - Fenomenologia na filosofia analitica
8.1 – Sellars, Haugeland, McDowell, Brandom e Peregrin
7 - Apel e Habermas
9.5. - Escola Dialógica de Erlangen
9 - Heterodoxia
9.1. - Ortega y Gasset
9.2. - Zubiri
9.6. - tratar rapidamente de opiniões menores de outros [Losev, Vicente Ferreira da Silva, voegelin,
henry michel, perenialismo, cassirer, weil]
À Carlos Nougué;
O qual sem suas aulas e livros, nada disso seria possível.
Primeira Parte
Ou Parte Introdutória
1. Que é Ciência?
A Ciência, nos ultimos tempos, tem cada vez recorrido mais à filosofia como mãe, como
auxiliadora nos mais difíceis problemas. Que é a revolução quântica na física senão uma revisão
filosófica da física clássica? Aliás, para confirmar o dito, bastaria dar uma olhada no Física e Filosofia1
de Heisenberg. Revisão filosófica, que por sua vez, carece de ainda mais revisões filosóficas! Que é a
metamatemática (ou o estudo de sistemas de lógica que fundamentam sistemas matemáticos) senão
filosofia? Não deve ser coincidência que quase todos grandes matemáticos do século tiveram alguma
relação com filosofia analítica. E, por fim, e dessa vez sem precedentes, que são os pedidos de socorro
oriundos da psicologia, biologia e outras ciências empíricos quanto ao problema mente e corpo? É,
como sabido, um dos problemas mais laboriosos de toda história do pensamento, e têm levado milhares
de cientistas a se aventurarem na filosofia bem como filósofos se aventurarem na ciência.
Ocorre, porém, que não é por mera ocasião dos tempos que a ciência se vê ora tão carente para
com a Filosofia e ora se vê tão avessa à ela 2. Desde a queda da letra e espírito de Santo Tomás de
Aquino nas cátedras universitárias o que ocorre não é mais ciência, senão que um abortivo desta, como
diz o grandíssimo Alvaro Calderón3. Explique-se: A Ciência, tal como vislumbrada pelo intelecto
angélico do Aquinate, não é diferente da Filosofia, que é um todo ordenado, onde cada parte subsiste
em uma anterior e aponta para a que lhe é posterior, como que num movimento helicoidal. Que é,
então, este todo?
O homem é um animal de ciências e artes. Que é isto? A ciência é o hábito especulativo por
excelência, é o conhecimento de algo (já constituído) em sua essência, razão e fim (i.e., suas quatro
causas), bem como aquilo que lhe é proprio ou lhe é acidental. A arte, por sua vez, dizemos que é um
1 HEISENBERG, Werner. Física e filosofia. 4ª. ed. Trad. Jorge Leal Ferreira. Brasília: Ed. da Universidade de Brasília,
1999, p. 9-42.
2 Veja-se os dizeres de um certo físico: "Muitos de nós não nos preocupamos mais com essas perguntas, entretanto,
questões como 'de onde viemos?' ou 'para onde vamos', que eram tradicionalmente questões filosóficas, hoje são
recorrentes exclusivamente para a ciência. Os filósofos atuais não têm estudado de acordo com as descobertas mais
recentes da física, e por isso, a filosofia está morta hoje." (HAWKING, Stephens. In: Google Zeitgeist, 2016).
3 CALDERÓN, Alvaro. La Naturaleza y sus causas, I, 2016 p. 105.
hábito prático e produtivo, onde a razão do homem, versando sobre alguma matéria, ordena-la-á a fim
de encerrar certa utilidade4. A arte, ao contrário da ciência, cria seu objeto (ou artefato) como produto
dessa ordenação.
Calderón explica que “ambas, ciência e arte, se especificam em razão de seus
sujeitos, mas o sujeito especifíca a ciência como a forma determina a matéria
(pois o intelecto é como uma matéria plástica que pode receber a forma das
coisas naturais), enquanto o sujeito especifica a arte como o fim determina o
agente”5
Sendo assim, as artes se dividem da mesma forma que se dividem gêneros operativos do
homem: Atos corporais, atos apetitivos e atos da razão. Os primeiros, se referem, é claro, às operações
motoras, transeuntes ou ad extra, do homem. A arte que se ocupa da ordenação de atos corporais é a
arte servil, que se divide, ainda, em mecânica (como a marcenaria) ou arte de uso (como a equitação). A
ultima operação do homem é a racional, uma ação imanente ou ad intra, que começa no interior do
homem e termina no interior do homem (tal qual a lógica, que inicia-se na razão e tem termino na
mesma razão). Por fim, a arte que se ocupa dos atos apetititivos é a prudência, que é a ordenação
particular da razão sobre a vontade livre, para que se distingua a boa escolha da má escolha nas
situações particulares da vida, portanto, a prudência é como o análogo artístico da moral ou ética, e seu
produto ou artefato é o bem particular de cada decisão da vontade.
Importante notar que arte não é o mero produzir ou agir, mas o produzir ou agir por excelência.
Ora, para que seja a arte útil, uma arte precisa recair sobre uma matéria concreta e extrair daí algo de
novo, uma obra particular e individuada. Essa extração se dá por meio da aplicação de uma forma a
uma matéria, e, como já dito, é justamente a ciência que se atualiza segundo a forma na matéria. Sendo
assim, arte e ciência se confundem ou se reduzem uma a outra? Não, porém, podemos dizer que toda
arte possui algo de científico ou recebe algo da ciência. Essa parte científica (que, insista-se, é somente
parte da arte, e não a arte em si) da arte é o que fora chamado durante a escolástica de parte ut docens,
enquanto a parte de fato produtiva é a parte ut utens6. Padre Alvaro Calderón dá-nos exemplo que “a
4 SCHERER, Daniel. A Raiz Antitomista da Modernidade Filosófica. Brasília: Edições Santo Tomás, 2017, p. 32.
5 CALDERÓN, Alvaro. Lógica Mayor apud SCHERER, Daniel in A Raiz Antitomista da Modernidade Filosófica.
Brasília: Edições Santo Tomás, 2017, p. 32.
6 Uma recomendação de tradução poderia ser com o uso de neologismo: parte docente e utente.
prudência docens é a ética, e a ética utens é a prudência”7, ou seja, a contraparte artística, individual e
produtiva da ética é a prudência, e a contraparte científica e universal da prudência é a ética.
Depreende-se como corolário inescapável que, para que haja arte, i.e., boa produção do artefato, é
necessário haver ciência sobre a matéria informada e sobre as causas do artefato, que é justamente o
trabalho da ciência. Nougué, ao tratar da arte serviçal liberal de traduzir, diz: “ A Tradução começa a
ser arte quando aquele que a pratica domina o sujeito de sua arte com respeito a suas causas e efeitos,
partes e propriedades; para a partir disso, repita-se, poder instituir regras ou normas”8.
A ciência, segundo é a “certeza alcançada demonstrativamente, de uma maneira etiológica, faz
do conhecer um verdadeiro saber, isto é, um conhecer científico” 9. Podemos dizer que a ciência é a
perfeição dos atos intelectivos pela luz natural (sendo menor, é claro, ainda inferiores que as
maravilhosas perfeições alcançadas pela luz sobrenatural ou pela lumen gloriae). Millan Puelles expõe
perfeitamente, em termos psicológicos, como se chega à posse do saber científico:
A ciência é o ato no sujeito que aqui e agora realiza a operação intelectual que
constitui o conhecimento científico. O fato mesmo da demonstração como
operação cognoscitiva é o ato científico realmente exercido por um sujeito
determinado. As verdades científicas são objetos das demonstrações que lhes são
respectivas, efetuadas por um sujeito que igualmente poderia não efetuá-las; e,
em consequência, o ato mesmo da demonstração, ainda que realmente não
adcione nada às verdades, perfecciona o sujeito que, deste modo, pode conhecê-
las de maneira científica. Tal ato deixa também, no sujeito, uma disposição,
sobreposta a sua potência intelectual, que se inclina à demonstração, adquirindo-
na, portanto, de modo incoativo, a virtude de inferir conclusões na mesma
matéria. Quando essa disposição se perfecciona mediante novas demonstrações,
deixa de ser mera disposição e se converte em hábito. O hábito científico perfeito
faz que o sujeito que têm-no seja capaz de descorrer por si mesmo na respectiva
7 CALDERÓN, Alvaro. Logica Mayor. Apud SCHERER, Daniel in Raiz Antitomista da Modernidade Filosófica.
8 NOUGUÉ, Carlos. A Arte de Traduzir in Estudos Tomistas: Opusculos II. 2020, p. 23.
9 PUELLES, Millan. Fundamentos de Filosofia I. Madrid: Ediciones RIALP, 1955, P. 171-172.
ciência, e [também seja capaz de] advertir e eliminar os erros que possam se
entrelaçar com a posse da ciência.1011
Segue Millan Puelles que, embora este ato ou hábito seja simples, a ciência enquanto sistema é
um conjunto, um complexo ou todo, ordenado pela razão em vista da unidade real da coisa. Explique-
se: os atos da inteligência podem capturar senão um aspecto da coisa capturada, como, por exemplo,
pode capturar o cheiro do passaro em um ato, pode seu som em outro, sua imagem noutro e sua
essência em outro. A maneira que a ciência une esses atos é por uma articulação lógica da razão, mas,
não é como criação pura da razão, senão que é em vista da unidade extramental da coisa, que adquire
unidade por sua forma, sua essência, princípio coordenativo das partes materiais.
Ademais, a especificação de ciências, como já dito, é análogo à especificação da matéria por
meio da forma. Complica-se a questão aqui, em vista de que alguns autores se degladeiam em busca da
melhor terminologia para significar essa especificação. Alguns, como o já citado Millan Puelles e
Jacques Maritain falam de um objeto formal da ciência, enquanto outros dizem haver, em verdade, um
sujeito formal. Contudo, não entremos nesta questão por enquanto. Basta saber, pelo momento, que
ambos significam a mesma coisa. Veja-se os dizeres de Carlos Nougué, por exemplo:
10 Importante notar que a ciência não tem erros, visto que é perfeição, senão que os erros que residem nela ao modo de
privação, em razão da insondabilidade da realidade e das limitações cognitivas do homem.
11 PUELLES, Millan. Fundamentos de Filosofia I. Madrid: Ediciones RIALP, 1955, p. 172.
12 NOUGUÉ, Carlos. A Arte do Belo. Brasília: Edições Santo Tomás, 2016. p. 156.
Em suma: A ciência, na vida do homem, é um ato ou hábito intelectual que busca as causas;
Enquanto sistema, são entes de razão que coordenam conteúdos com fundamento na unidade real das
coisas mesmas e, por fim, quanto ao conteúdos mesmos, são proposições verdadeiras conformadas com
realidades extramentais.
Passando adiante, as ciências se dividem da mesma forma que o gênero se especifica, isto é,
segundo a redução ao ato por certa forma. No caso da ciência, esta forma é o já exposto sujeito formal.
Uma ciência sem sujeito formal não é ciência, senão que abortivo desta, apenas em potência para ser
ciência. Embora não seja assunto deste livro tratar disso, mas sirva-se de exemplo: A chamada
psicologia terapêutica ou não é ciência ou se reduz à ética. Por que? Bem, veja-se antes que esta
pretende. Pretende a psicologia terapêutica ordenar as paixões do homens de modo que não lhe cause
neuroses, psicoses ou alienações de si. E o que a ética pretende? Pretende justamente isso, claro,
alterando alguns termos viciados da psicologia. Veja-se o excerto de Dom Tiago Sinibaldi sobre a
Moral:
O objeto da moral é constituído pelos atos humanos, enquanto, pelas regras da
moralidade, se hão de dirigir para o nosso último fim. - Por isso, a Moral – é uma
ciência prática, porque aplica os conhecimentos às operações, - e distingue-se das
outras duas partes da Filosofia, que são a Lógica e a Metafísica, porque a Moral
regula os atos da vontade, ao passo que a Lógica dirige os atos de inteligência, e
Metafísica estuda os entes reais.13
E seguirá Scherer:
13 SINIBALDI, Thiago. Elementos de Filosofia, IV. Florianópolis: Instituto Santo Agostinho, 2021, p. 6.
confundirem, ao tratá-las, planos epistemológicos distintos, como o médico e o
ético.
Cada teste de uma série de 40 testes, em média, foi iniciado como um evento
independente após um atraso determinado pela própria prontidão de cada sujeito
para prosseguir; não havia limite no tempo em que os sujeitos fossem agir; foi-
lhes dada a opção de piscar os olhos se necessário. Para cada ensaio, os sujeitos
foram convidados a realizar uma simples flexão rápida do pulso ou dos dedos em
qualquer momento que sentirem o "impulso" ou o desejo de o fazer; o momento
era para ser inteiramente "ad lib," ou seja, espontânea e totalmente endógena 15
Este não é o lugar para debater a questão do livre arbítrio versus determinismo
em relação a uma ação voluntária aparentemente endógena que se experimenta
subjectivamente tão livremente desejada(ver Eccles 1980; Hook I960; Nagel
1979; Popper & Eccles 1977). Contudo, é importante salientar que os presentes
resultados e análises experimentais não excluem o potencial para uma
responsabilidade individual "filosoficamente real" e livre-arbítrio. Embora o
processo volitivo possa ser iniciado por atividades cerebrais inconscientes, o
controle consciente do desempenho motor real dos atos voluntários
definitivamente continua a ser possível. As conclusões devem, portanto, ser
tomadas não como sendo antagónicos ao livre arbítrio, mas como afetando a
visão de como o livre arbítrio pode funcionar. Os processos associados à
15 LIBET, Benjamin. Unconscious Cerebral Initiative and the Role of Conscious Will in the Voluntary Action. In The
Behavioral and Brain Sciences, 1985, p. 529-566.
responsabilidade individual e ao livre arbítrio "operar" não para iniciar um ato
voluntário mas para selecionar e controlar resultados volicionais [..]
Alguns podem ver a responsabilidade e o livre arbítrio como operativos apenas
quando os atos voluntários seguem uma deliberação consciente mais lenta de
escolhas alternativas de ação. Mas, como já acima referido, qualquer escolha
volitiva não se torna uma ação voluntária até a pessoa se mover.16
O que poderiamos dizer a Libet, no campo metodológico, é que, muitas vezes, para concluirmos
as coisas que concluímos, tomamos premissas que nunca nos fazemos cônscios. Por exemplo, se digo
que algo na minha frente é água, tomei como premissa, mesmo que nunca me torne cônscio disso, que
isto que está em minha frente é H2O. Sendo assim, que premissas Libet teria na manga para concluir o
que concluiu? Ou será que não posso nem me perguntar isso? Já que, sendo Libet um cientista, teria
acesso absoluto a realidade, falando assim de fatos que nós, meros filósofos, nunca teríamos acesso.
Para nossa sorte, Libet já nos fez o favor de nos dar a sua definição de atos voluntários e de vontade.
Segue o dito:
16 Ibidem.
implicações que são relevantes para as teorias mente-cérebro serão extraídas da
descoberta.17
Libet, ao recorrer à sua suposta neutralidade operacional e instrumental, não faz nada demais.
Não só não faz nada, como nem verdadeiramente neutro é. Se perguntassemos aos cientistas: Por que
razão, então, procuram a neutralidade científica? Dizer-nos-iam com fervor: Porque é este o método
científico! E, facilmente responderíamos: Qual a razão por trás do método científico, então? Todo
cientistia responde uníssono: Porque é ele que nos leva à verdade. Sim! Perfeito! Então, não é
neutralidade que queremos, mas a verdade. Ocorre, no entanto, que o método científico mesmo não
está mais suficientemente sustentado na Verdade, mas em ideais de neutralidade, instrumentalidade,
quantificação e tantas outras premissas implícitas que escapam ao escopo de nossa presente obra. Ora,
amar a verdade não é ser neutro, não é ser indiferente, senão que é justamente o contrário, é justamente
pender com todo fervor que conseguir àquilo que é verdadeiro. Enfim, o que quero dizer é que a ciência
precisa sim ser revista. Não um revisionismo literário, conspiratório, lúdico, político ou ideológico,
não. Mas um revisionismo cujo epicentro é a Verdade. E como, então, sabemos que a ciência está longe
da verdade? Bem, alguns sinais aparentes saltam a vista. Primeiro, há quase 500 anos nenhum cientista
obedece a mãe da Ciência mesma, que é a Filosofia, a tal ponto que a Ciência hoje se vê separada da
filosofia18. A fim de exemplo: Ora, todos nós ao lermos um documento do século XVI que tenha escrito
algo como “isto é água”, não suporíamos nós todos, agora que sabemos a Verdade, que ele fala de
H2O? Muito embora o escritor de tal documento imaginário não tivesse nem sequer notícia do que é
um hidrogênio, não quer dizer que o que ele tenha escrito não deva ser revisado com base na Verdade e
nela somente. Assim, os que leem atualmente este escritor, já imputam à ele algo que não sabia, pois
estes já sabem que é verdade.
Imagimenos nós quão grandes coisas Libet teria alcançado se, ao invés de apelar à neutralidade,
recorresse ao espírito e letra de Santo Tomás de Aquino. O trabalho do revisionista, então, é olhar para
experimentos como o de Libet, ou qualquer outra descoberta de qualquer tipo, e colocar as lentes que
apenas a filosofia comum da Santa Igreja Católica é capaz de proporcionar. A fim de nos fazermos
sonhar, apenas, nos pergumentos: Que faria Libet se tivesse lido que “Ora, o principio formal primeiro
17 Ibidem.
18 Antes que se pense que isso é algo ruim somente pra Ciência, não o é. A filosofia sofreu e sofre bastante. A chamada
Filosofia Continental e todas suas crias (marxismo, pós-estruturalismo, existencialismo, etc.) são as mais vís criações
em terreno fertil. Ervas daninhas plantadas em jardíns suspensos.
é o ente e o verdadeiro universal, objeto do intelecto. E, portanto, por este modo de moção, o intelecto
move a vontade, apresentando-lhe o seu objeto19” ou que “É forçoso que o motivo seja proporcionado
ao móvel e o ativo, ao passivo, e a essência da potência passiva mesma está em ser ordenada ao que lhe
é ativo […] resulta que o apetite intelectivo é potência diferente do sensitivo.20”
E é justamente isso que queremos: Revisar a fenomenologia. Cremos, aqui, que seja ela uma
descoberta utilíssima, mas, até agora, raramente foi usada com o cuidado que este saber merece.
Sentimos que a fenomenologia tenha sido como brinquedo novo de criança: O brinquedo pode ser
maravilhoso, mas, pela falta de cuidado da criança, ela acabará quebrando-no. Seriamos nós melhores
que um Husserl, Marleu-Ponty ou mesmo um Sartre? Não, nunca! Porém, estes seguiram a revolução
filosófica que lhes precederam (intencionalmente ou não) 21. Para tal fim é mister que tenhamos, em
nossa mente, uma idéia bem clara do que é Filosofia e Ciência, e como devemos buscá-las.
a alma racional, por ser a mais perfeita das almas do mundo natural, engloba as potências da alma vegetal e animal. A
alma animal também engloba potências de alma vegetal.
23 Cf. La Naturaleza y sus Causas, I, 2016. p. 103.
consideradas em si mesmas podem dar origem a uma ciência diferente, já que o
específico não decorre per se, mas per accidens do genérico. Assim, a
cosmologia se distingue formalmente da física geral, na medida em que toma
como sujeito não a entidade móvel simpliciter, mas a entidade móvel secundum
lócum.24
Como pode, então, ser uma ciência parte da Filosofia e ser, ao mesmo tempo, abortivo de
ciência? Façamos aqui uma distinção visando solução dessa suposta contradição. Ora, podemos
considerar uma ciência de dois modos, sendo o primeiro o ato ou hábito particular do homem que
chamamos ciência. Deste ponto de vista, a ciência é parte da vida, biografia, do homem. Podemos,
também, considerar a ciência segundo aquilo que é a espécie e gênero, aquilo que é objeto do ato ou
hábito científico, tal qual o ato de conceber tem por o objeto o conceito. Segundo aquele primeiro
modo, de fato, a ciência de fato mal existe nos dias de hoje, pois o hábito científico está deformado, o
vaso do intelecto moderno está rachado. Cientistas não mais querem ouvir os ensinamentos da
Filosofia, que, como já vimos, a ciência é parte. Porém, se aqueles que se julgam fazer ciência, não
fazem segundo a natureza da própria ciência (que é, diga-se, ser filósofica), não fazem mais ciência.
A ciência e a filosofia não tem o mesmo objeto formal. Sem dúvida, de um ponto
de vista material, ciência e filosofia se aplicam ao mesmo objeto: o mundo e o
homem (objeto material). Mas cada disciplina estuda este objeto comum sob um
aspecto que lhe é proprio (objeto formal).A ciência se aquartela na determinação
das leis dos fenômenos. A filosofia quer conhecer a natureza profunda das coisas,
suas causas supremas e seus fins derradeiros 27
Por mais que exista certa similaridade com a opinião destacada acima, a conclusão dessa
passagem pode ser dupla: Ou a ciência é naturalmente falsa, por ser meramente estudo de fenômenos,
ou a filosofia é que é, visto que não se pode chegar no transfenomênico. Então, para evitar tal problema
nos controlemos em dizer somente que as ciências filosóficas tratam das causas ultimas e as ciências
particulares tratam das causas próximas, que dependem por sua vez das últimas.
26 MERCIER, Cardeal Desiré Joseph. Logique: §1; 5, diz o seguinte: A filosofia é a ciência da universalidade das coisas.
As ciências particulares aplicam-se a um grupo sempre mais ou menos restrito de coisas; a ciência geral, a filosofia,
abrange todas elas.
27 JOLIVET, Regis. Curso de Filosofia, 1953, p. 18-19.
Tendo tudo isso em mente, daremos uma breve olhada sobre as principais disciplinas da Ciência
Tomista e suas partes.
1.2.1 – Lógica
A matéria da lógica são os atos da razão, mas seu sujeito formal são entes de razão ou intenções
segunda. Para ser ainda mais específico, não qualquer ente de razão, mas relações de razão com
fundamento in re que levam o homem ao conhecimento da verdade e da ciência. Não poderia ser
qualquer ente de razão, pois a gramática também versa sobre entes de razão como sílabas, substantivos,
ou orações coordenadas adversativas, que não existem na realidade extramental, senão que possuem
existência somente na mente que os pensa e, sendo assim, o ente de razão específico que a lógica trata é
a relação de razão com fundamento -= e que tem por fim a ciência.
Millan Puelles, ao explicar esse fato, começa dizendo o que é necessário para toda arte (i.e.,
atividade humana que estabelece normas diretivas para a produção de algo).
Como se verá mais a frente, a fenomenologia, objeto desta obra, tem grande relação com a
psicologia, razão porque a veremos com mais calma agora.
1.2.3 – Psicologia
Por ser a psicologia parte da Física Geral, seus objetos são materialmente os mesmos (tal qual o
gênero do homem e do cachorro são materialmente os mesmos), conquanto a psicologia obtenha um
tratamento especial sobre a alma, que têm poder de mover a si mesma 36, principalmente a alma
humana, mais excelente de todas as almas. Dom Thiago Sinibaldi chama a ciência da alma de
Antropologia, e diz que deve ela ter lugar especial entre as ciências pois é a síntese de todos os entes
visíveis37, razão por que não é estudada somente pela luz da biologia38.
1.2.5 – Metafísica
Desta vez, daremos voz a Cornélio Fabro:
O objeto material, isto é, aquilo sobre o qual trata a metafísica, são todos os seres
que de algum modo existem. Mas, como sabemos que são seres e que existem?
Não estamos supondo que haja uma metafísica antes de iniciá-la se damos por
certo que coisas existem e que são seres? É justamente o contrário, que o ser
enquanto ser nos seja totalmente desconhecido antes da metafísica, como pode
esta começar carecendo de seu objeto? Antes da metafísica estão a experiência e
o conhecimento prático, as ciências e artes, e técnicas das coisas materiais, os
problemas culturais… isto é, o âmbito das considerações regionais, para usar o
termo de Husserl.
[...]
O objeto formal quo da metafísica é o ser enquanto ser (ens in quantum ens). Não
o fato de existir um indivíduo (não pode haver ciência do individual), senão que
o ato de ser, aquele princípio atuante pela qual a natureza ou essência é esta ou
aquela natureza, de este ou aquele ser. 42