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Tra fede e storia.

Studi in onore di Don Giovannino Pinna è il terzo Quaderno della Fondazione


“Mons. Giovannino Pinna”, che raccoglie una serie di saggi, curati da studiosi provenienti
da Italia, Malta, Norvegia e Portogallo, e dall’America Latina: Argentina, Cile e Uruguay.

Studi in onore di Don Giovannino Pinna


I venti contributi ripercorrono alcuni dei principali filoni di ricerca seguiti da don Pinna
nel corso della sua attività di sacerdote e di studioso: le vicende della storia della Chiesa e

TRA FEDE E STORIA


dei suoi pastori, alcuni dei quali divenuti venerabili, beati e santi; le migrazioni; la Chiesa
e la società sarda; il tema della fede e dell’educazione delle famiglie; la salvaguardia del
creato; i conflitti e le forme di schiavitù dell’uomo.

Scritti di: Nelly Beatriz Nucci (Argentina), Siv Oltedal (Norvegia) e Carolina Muñoz
(Cile); Claudia Reyes-Quilodrán (Cile); Giampaolo Atzei; Martino Contu; Maria Grazia
Cugusi; Georges de Canino; Lorenzo Di Biase; Giuseppe Doneddu; Manuela Garau; Nicola
Melis; Carlo Pillai; Tomasino Pinna; Lauro Rossi; Giancarlo Zichi (Italia); Victor Mallia-
Milanes (Malta); Nunziatella Alessandrini (Portogallo); Susana Serpa Silva e Margarida
Vaz do Rego Machado (Portogallo); Mons. Pablo Galimberti Di Vietri (Uruguay); Daniel
Edgardo Ramada Piendibene (Uruguay).

a cura di Martino Contu, Maria Grazia Cugusi, Manuela Garau


Martino Contu, presidente della Fondazione “Mons. Giovannino Pinna”, è docente a contratto presso
l’Università di Sassari. Direttore della rivista scientifica «Ammentu. Bollettino Storico e Archivistico del
Mediterraneo e delle Americhe», è autore di oltre 170 lavori sui rapporti tra le realtà insulari del Mediterraneo
e l’America Latina e su tematiche di storia contemporanea.

Maria Grazia Cugusi, vice presidente della Fondazione “Mons. Giovannino Pinna”, è assegnista di ricerca in
Sociologia del diritto presso l’Università di Cagliari. Autrice di alcuni saggi, tra cui La vendetta barbaricina
nelle riflessioni di due penalisti sardi, in Giuseppe Lorini, Michelina Masia (a cura di), Antropologia della vendetta,
TRA FEDE E STORIA
ESI, Napoli, (in corso di stampa). Studi in onore di Don Giovannino Pinna
Manuela Garau, consigliere della Fondazione “Mons. Giovannino Pinna”, è assegnista di ricerca in
Archivistica presso l’Università di Cagliari. Autrice di una cinquantina di saggi di storia e archivistica, ha
recentemente pubblicato l’opera Il Patrimonio archivistico e librario della famiglia Aymerich, vol. I, Documenta,
Cargeghe 2014, con Cd-Rom allegato, contenente il II e il III volume. a cura di
AIPSA EDIZIONI Martino Contu, Maria Grazia Cugusi, Manuela Garau

ISBN 978-88-98692-24-8

QUADERNI DELLA FONDAZIONE


MONS. GIOVANNINO PINNA
-3-
Euro 14,00
AIPSA EDIZIONI
QUADERNI DELLA FONDAZIONE
MONS. GIOVANNINO PINNA

-3-

AIPSA EDIZIONI
I EDIZIONE

© 2014
Aipsa Edizioni
Via dei Colombi 31
Cagliari
Tel. 070 306954
e-mail: aipsa@tiscali.it
http: www.aipsa.com

I diritti di traduzione, di memorizzazione elettronica,


di riproduzione e di adattamento totale o parziale
con qualsiasi mezzo (compresi i microfilm e le copie fotostatiche)
sono riservati per tutti i paesi.

Quaderni della Fondazione “Mons. Giovannino Pinna”


Via Roma 4 - 09039 Villacidro
e-mail: fondazione.pinna@tiscali.it
diretti da Martino Contu

In copertina: Villacidro - Chiesa parrocchiale di Santa Barbara e Piazza Zampillo,


Cartolina dei primi anni del Novecento
Fonte: Collezione della famiglia Carta-Tatti, Villacidro

Finito di stampare nel mese di dicembre 2014


presso Rubbettino print Soveria Mannelli (CZ)
www.rubbettinoprint.it

ISBN 978-88-98692-24-8
2.

Os Italianos e a expansão portuguesa:


o caso do mercador João Francisco Affaitati (séc. XVI)
do Nunziatella Alessandrini

Estas páginas constituem o primeiro resultado de um projecto em curso1 que


pretende abordar os traços principais do percurso lisboeta de João Francisco Affaitati,
oriundo de Cremona, que, em Lisboa desde finais do século XV, pôs em movimento
um circuito económico e social de notável envergadura que beneficiou os seus filhos
e netos. A grande família que João Francisco criou em Lisboa, composta por cinco
filhos, dois rapazes e três raparigas, integrou-se na sociedade portuguesa enquanto
descendente de um homem de negócios de grandes qualidades que desenvolveu à sua
volta um ambiente comercial e familiar de cooperação e abastança.
Juntamente com os Marchionni, os Sernigi e, poucos anos mais tarde, os Giraldi,
a família Affaitati fazia parte do grupo de ricos investidores que contribuíram para
o bom andamento do recém-nascido comércio com o Oriente português. Por isso,
apesar de faltarem estudos sistemáticos sobre esta família, se excluirmos os breves
esboços monográficos de Virgínia Rau2, de Sergio Bertelli3 e de Prospero Peragallo4,
o nome de João Francisco Affaitati aparece frequentemente em obras sobre a expansão
portuguesa no Atlântico e no Índico. Para além destes textos, a família Affaitati é
mencionada, quer na historiografia relativa à comunidade italiana residente em
Lisboa desde a metade do século XV até às primeiras década do século XVI5, quer em
trabalhos que se debruçam sobre companhias mercantis e mercadores que integravam
as amplas redes comerciais em que os Affaitati estavam envolvidos. Assim, a obra de
Marco Spallanzani6 apresenta um importante núcleo de documentos do Archivo di
Stato di Firenze que informa, por um lado, do circuito de relações que os Affaitati

1. Projecto de pós-doutoramento financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia Elites mercantis e nobreza
portuguesa: o caso da família Affaitati de Cremona (sécs. XVI-XVII).
2. Dicionário de História de Portugal, (dir. Joel Serrão), vol. I, pp. 33-34.
3. SERGIO BERTELLI, Affaitati Giovan Francesco, in Dizionario Biografico degli Italiani, I, 1960, pp. 351-352.
4. PROSPERO PERAGALLO, Cenni intorno alla colonia italiana in Portogallo nei secoli XIV, XV, XVI, Stabilimento Tipogra-
fico Ved. Papini e Figli, Genova 1907, pp. 27-32.
5. Recordamos, entre outros, os trabalhos de Prospero Peragallo, Lúcio de Azevedo, Charles Verlinden, Virginia
Rau, Carmen Radulet, Marco Spallanzani, Nunziatella Alessandrini, Francesco Guidi Bruscoli.
6. MARCO SPALLANZANI, Giovanni da Empoli un mercante fiorentino nell’Asia portoghese, 1ª ed., S.P.E.S., Firenze 1984;
ID., Mercanti fiorentini nell’Asia portoghese, S.P.E.S., Firenze 1997.

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mantinham com os mercadores italianos de Lisboa e de Florença e, por outro, ilustra
as conexões com as companhias comerciais florentinas em Bruges. A colaboração com
outra casa comercial de Lyon, a dos Gondi, é patenteada no estudo de Sergio Tognetti
que evidencia, de facto, «un intreccio di vicende umane, oltre che commerciali, per i
nostri occhi di straordinario rilievo»7. No que diz respeito ao panorama das ligações
locais com mercadores da «nação» florentina que, no período que nos interessa
mantinha uma estrutura bem organizada, este ressalta amplamente delineado na
investigação de Francesco Guidi Bruscoli8.
A falta de um estudo sobre a família Affaitati, nomeadamente sobre João Francisco
Affaitati, terá, eventualmente, duas razões. Em primeiro lugar pode prender-se com a
dificuldade em se encontrar o rasto desta família visto a documentação estar espalhada
em vários fundos. A pesquisa efectuada no arquivo da Igreja de Nossa Senhora do
Loreto da Nação Italiana de Lisboa, onde estão recolhidas as memórias antigas dos
italianos em Lisboa desde a segunda década do século XVI, não deu algum fruto,
e, com verdade, a recente publicação da história da Igreja do Loreto de autoria do
Padre Sergio Filippi9 veio corroborar a privação de notícias sobre a família Affaitati
e seus descendentes no dito arquivo. É agora compreensível, após termos tomado
conhecimento do percurso de extrema mobilidade dos membros desta família, que
os indícios deixados fossem resguardados em outros arquivos distritais e municipais
de Portugal. Em segundo lugar é de salientar uma certa confusão que se veio a
gerar devido aos casos de homonímia dentro da família, dificultando o trabalho dos
investigadores.

Segundo a história de Cremona de António Campo, publicada em 158510, João


Francisco Affaitati, nascido em Cremona na segunda metade do século XV de Carlo
Ludovico11, era irmão de Ludovico Affaitati a quem o imperador Carlos V fez mercê
do feudo do Ramanengo e do título de conde pela dedicação que este tinha mostrado
para com a casa de Áustria. Para além de Ludovico, João Francisco tinha pelo menos
mais dois irmãos: Luca12 e Tommaso, este último pai de João Carlos Affaitati de quem
falaremos mais adiante.
Não sabemos ao certo a data da chegada a Lisboa de João Francisco Affaitati, mas
se acreditarmos nas referências extraídas de um documento datado de 1644 em que

7. SERGIO TOGNETTI, I Gondi di Lione. Una banca d’affari fiorentina nella Francia del primo Cinquecento, Olschki, Firen-
ze 2013 p. 43.
8. FRANCESCO GUIDI BRUSCOLI, Bartolomeo Marchionni, “homem de grossa fazenda”. Un mercante fiorentino a Lisbona e
l’impero portoghese, Leo S. Olschki, Firenze 2014.
9. SERGIO FILIPPI, La Chiesa degli Italiani. Cinque secoli di presenza italiana a Lisbona negli archivi della chiesa di Nostra
Signora di Loreto, Fábrica da Igreja Italiana da Nossa Senhora do Loreto, Lisboa 2013.
10. ANTONIO CAMPO, Cremona fidelissima città et nobilissima colonia de Romani, per Hippolito Tromba & Hercoliano
Bartoli, Cremona 1585.
11. BERTELLI, Affaitati Giovan Francesco, cit.
12. Luca estava em Cremona e foi destinatário da carta de João Francisco enviada de Lisboa a 14 de Setembro de
1503, cf. MARINO SANUTO (a cura di), Diarii, in R. FULIN, F. STEFANI, N. BONAZZI, Visentini, Venezia 1879-1903, vol.
V, col. 133.

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se noticia a vinda do mercador italiano «há 150 anos»13, podemos colocar uma baliza
temporal por volta de 1494, o que coincide com as genealogias que indicam a presença
do italiano no reinado de D. João II e/ou no de D. Manuel I.
Na capital portuguesa, João Francisco mantinha a sua residência no bairro da
Sé, na Lisboa Oriental, sítio apreciado principalmente pelos mercadores, por estar
directamente ligado à praça onde se encontravam o Paço Real e os armazéns das
especiarias. Para além disso, o bairro encontrava-se bem perto da zona comercial
da capital, a Rua Nova dos Mercadores, onde tinham residência e/ou lojas os mais
abastados mercadores da altura14. As casas de Affaitati situavam-se «defronte de D.
Felipe de Sousa (…) e de Lucas Giraldi o velho»15.
Em casa de João Francisco Affaitati ficou alojado por duas vezes o mercador
florentino Giovanni da Empoli, por ocasião das viagens para a Índia de 1503 e de
1509. E é evidente o circuito comercial que estes mercadores mantinham num espaço
que englobava, para além da Itália, a Península Ibérica, o norte de Europa e a Ásia,
numa altura em que, como sublinha Spallanzani, «l’impero portoghese in Oriente era
ancora da costruire»16. Giovanni da Empoli, de facto, era agente da casa comercial
Frescobaldi e Gualterotti de Bruges, e foi por conta deles que se deslocou para Lisboa
onde embarcou numa armada rumo ao Oriente, em Abril de 1503. Para além dos
Frescobaldi e Gualterotti de Bruges, foram investidores nesta viagem os Gondi de
Lion. Em Lisboa, Giovanni da Empoli entrou em contacto com Marchionni e Sernigi,
afamados mercadores florentinos, e, nas suas estadas sucessivas na capital portuguesa,
conheceu o mercador florentino Luca Giraldi, também acolhido em casa de Affaitati17.
A relação de amizade entre Luca Giraldi e o Affaitati reforçou-se ao longo dos anos
e a confiança mútua foi uma mais valia para os negócios e para as relações sociais do
jovem mercador florentino.
Para além da casa em Lisboa, João Francisco era proprietário de terras nos
arredores de Lisboa: em Sintra, em Óbidos, no Carvalhal e no Bombarral. No
Carvalhal ainda hoje existe a Rua dos Lafetá, (o apelido Affaitati aportuguesado),
a Torre dos Lafetá e a Quinta dos Loridos18. João Francisco Affaitati nunca casou
mas teve cinco filhos, dois rapazes e três raparigas. Da acima mencionada D. Maria
Gonçalves nasceram Cosmo, Madalena, Lucrécia e Ignês. Da relação com D. Guiomar
Freire nasceu Agostinho.

13. Colecção particular da autora.


14. NUNZIATELLA ALESSANDRINI, PEDRO FLOR, Indícios, sinais e moradas dos Italianos “estantes” em Lisboa (séc. XVI), in N.
ALESSANDRINI, P. FLOR, M. RUSSO, G. SABATINI (orgs.), Le nove son tanto e tante buone che dir non se ne pò Lisboa dos
Italianos: História e Arte (sécs. XIV-XVIII), Cátedra Alberto Benveniste, Lisboa 2013, pp. 103-121.
15. ARQUIVO NACIONAL TORRE DO TOMBO (IAN/TT), Habilitações do Santo Oficio, maço 106, n. 1689.
16. SPALLANZANI, Giovanni da Empoli, cit., p. 21.
17. NUNZIATELLA ALESSANDRINI, Contributo alla storia della famiglia Giraldi, mercanti banchieri fiorentini alla corte di
Lisbona nel XVI secolo, em «Storia Economica», (3), 2011, pp. 377-407.
18. Quero aqui deixar alguns agradecimentos: ao Dr. Carmine Cassino, ao Dr. Francisco Mafra, ao Dr. Rui Mendes,
ao Dr. Gonçalo Nemésio ao Dr. Pedro Pinto, à Dra Fernanda Quadros.

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Em Lisboa, João Francisco Affaitati tornou-se num respeitado e rico comerciante
e, na data do seu falecimento, a 27 Abril de 1529, tinha arrecadado «grocissimos
cabedaes»19 consequência de negócios que revelam simultaneamente a ousadia e a
extrema aptidão comercial deste empreendedor. Perfeitamente integrado no meio
português bem como no grupo de mercadores italianos que na altura gozavam dos
significativos proventos vindos das descobertas portuguesas, Affaitati aproveitou a
senda italiana que desde meados do século XV tinha aberto caminho no negócio do
açúcar madeirense. O rei português, de facto, no intuito de alargar o mercado do açúcar,
tinha permitido a entrada de estrangeiros e, entre eles, os florentinos e genoveses se
mostraram os principais agentes comerciais. O comércio do importante entreposto
atlântico ficou sem nenhuma restrição régia a partir de 1508 mas, até aquela data, João
Francisco Affaitati já tinha feito negócios particularmente rendosos. A rede tinha a sua
base em Lisboa e os comércios eram levados a cabo através de feitores in loco a quem
o Affaitati dava procuração - de 1502 até 1529 uma série de procuradores, Gabriel
Affaitati, Cristóvão Bocolli, Rogerio Maffei, Cappelan de’ Cappelani20 e Luca Giraldi
trataram do comércio do açúcar por conta de João Francisco Affaitati. Em consórcios
com outros mercadores, procedia-se à distribuição do produto nas praças europeias:
foi juntamente com Girolamo Sernigi, João Del Giocondo e Francisco Corbinelli que
Affaitati arrematou, em 1502, 30.000 arrobas de açúcar relativas à escápula de Águas
Mortas, Liorne, Roma e Veneza21. Apesar de ter entrado, como veremos, no comércio
indiano, Affaitati manteve até à morte o tráfico atlântico do açúcar. Em 1520 e 1521
ainda encontramos dois contratadores: Affaitati e o mercador flamengo Janim Bicudo22
e temos notícia de que uma nau dele foi tomada pelos corsários franceses em 1523
enquanto se dirigia para o Mediterrâneo carregada de açúcar23. Pouco antes de falecer,
em Abril de 1529, João Francisco subscreve um contrato em que se obriga a comprar
todo o açúcar do rendimento real desse ano na Madeira, excepto a quantidade que era
necessária para a despesa da casa do rei, rainha, infantes e esmolas, mais ou menos
1600 arrobas24. O contrato foi estipulado no Funchal por Cappellan de’ Cappellani e
o procurador de Affaitati foi Luca Giraldi a quem tinha sido passada procuração a 10
de Outubro de 1527. Depois do falecimento de João Francisco, o contrato ficou activo
para os seus herdeiros25.

19. BIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL (BNP), Pombalina 688, Discurso histórico-juridico sobre a pureza do sangue da
família dos Lafetá, fl. 342.
20. Cappellan de’ Cappellani foi procurador do Affaitati no contrato de 1529 e a documentação foi transcrita por
SOUSA VITERBO, Artes industriaes e industrias Portuguesaz. A industria sacharina, “O Instituto”, Imprensa Nacional,
Coimbra 1908, pp. 302-308.
21. FERNANDO JASMINS PEREIRA, O Açúcar madeirense de 1500 a 1537. Produção e Preços, I.S.C.S.P.U., Lisboa 1969, pp.
81-82.
22. Ivi., p. 84.
23. Cf., VITORINO MAGALHÃES GODINHO, Os Descobrimentos e a economia mundial, 2ª ed., vol. IV, Presença, Lisboa 1981-
1982, p. 87.
24. As Gavetas da Torre do Tombo, vol. V, Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, Lisboa 1965, pp. 448-457.
25. Cappelan de’ Cappelani e João Gonsalves, procuradores dos herdeiros de João Francisco, notificaram, a 12 de
Março de 1530, a recepção de 3.568 arrobas de açúcar por parte do almoxarife da capitania de Machico na Ma-
deira. IAN/TT, Corpo Cronológico, parte II, maço 162, doc. 20.

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Entretanto, a seguir à abertura do caminho para a Índia, o novo comércio
com o Oriente vai acrescentar-se ao já variado leque das actividades de Affaitati,
consolidando o sucesso inicial. Segundo Ehrenberg26, João Francisco Affaitati foi o
primeiro comerciante estrangeiro a tentar entrar directamente no comércio com o
Oriente e, apesar de isto não ter sido possível devido ao monopólio régio, foi também
o primeiro a concluir contratos proveitosos com o rei português, aproveitando um
circuito de agentes comerciais na Península Ibérica, no Norte Europa e na Itália, que
lhe garantiam o monopólio frutuoso da revenda das especiarias. Como bem sublinha
Tognetti, «il commercio delle spezie non era un affare che una sola compagnia, per
quanto ragguardevole e capitalizzata essa fosse, poteva pensare di gestire in totale
autonomia. La maggioranza delle transazioni rivela quello che pare essere il requisito
fondamentale in questo settore: l’utilizzo della joint venture»27. Tognetti refere-se
à companhia dos Gondi mas veremos que a mesma estratégia foi praticada pela casa
Affaitati que se valia de uma vigorosa rede de filiais da própria casa e de relações
com outras casas comerciais situadas nos pontos nevrálgicos de distribuição das
especiarias. O circuito era de tal maneira bem orquestrado que se tinha criado um
verdadeiro mercado de compra, venda e escoamento das mercadorias que do Oriente
abastecia a Europa e vice-versa, «in una rete sovra-nazionale di relazioni di cui i
mercanti fiorentini costituivano elementi essenziali»28. As missivas enviadas pelo
feitor de João Francisco Affaitati, Matteo da Bergamo, são testemunhas dos lucros do
recém-nascido comércio oriental, assim como as informações que o próprio mercador
enviava ao irmão, para Cremona, comunicando os ganhos na compra das especiarias
e a sua participação com uma quota de dinheiro na armação dos navios29.
Atento observador e crítico agudo no que dizia respeito às falhas na condução
dos negócios, Affaitati tinha propostas para trazer melhorias que podiam beneficiar
os bolsos do rei e dos mercadores envolvidos no comércio de longa distância.
Consciente de que a escassez de numerário impedia negócios vantajosos, João
Francisco informava Pietro Pasqualigo, embaixador veneziano em Madrid, em carta
enviada de Lisboa a 26 de Setembro de 1502, dando conta de que as quatro naus de
João da Nova vindas de Calecut chegaram meio vazias porque os mercadores «non
portavano niuno denari di contanti (...) et questo regno de Cochin è poverissimo,
che non voleno se non danari de contanti»30. Por isso o rei tinha intenção de armar
outra frota de 8 a 10 navios para o mês de Janeiro seguinte. Dois navios da dita
frota, nomeadamente «quella de 450 et de 350 tonelli»31 estavam por conta de
alguns mercadores que iriam investir muito dinheiro em numerário para que «ben
le possino carichar de spiziaria»32.

26. Utilizo a versão francesa da obra de RICHARD EHRENBERG, Le siécle des Fugger, SEVPEN, Paris 1955, p. 155.
27. TOGNETTI, I Gondi, cit., p. 40.
28. GUIDI BRUSCOLI, Bartolomeo Marchionni, “homem de grossa fazenda”, cit., p. 76.
29. Cf. SANUTO, Diarii, cit., vol. IV, 1880, col. 663-666.
30. Ivi, col. 665.
31. Ibidem.
32. Ibidem.

39
Em 1502 o rei português aprestou uma frota consistente sob o comando de Vasco da
Gama. Entre os financiadores encontravam-se dois italianos, o florentino Bartolomeu
Marchionni e João Francisco Affaitati por conta do qual estava embarcado o seu feitor
Matteo da Bergamo. Ao contrário do que tinha acontecido na viagem de João da
Nova, os navios da armada de 1502 regressaram carregados de especiarias e outras
mercadorias como vem referido nas cartas que Affaitati enviou ao irmão Luca, em
Cremona, e ao embaixador veneziano em Madrid, Pietro Pasqualigo. O entusiasmo
do mercador italiano é patente na rapidez com que escreve, relatando as notícias em
tempo real. De facto, a 19 de Agosto, apenas 4 horas após a chegada de um navio da
armada, escreve a Pasqualigo: «questo giorno arivò uno de li navilii se expetavano de
India, et uno altro, che in sua compagnia veniva, se expecta ozi o domani»33. A 17 de
Outubro do mesmo ano noticia a Pasqualigo que «a li 11 di questo arivarono tutte
le altre (...)vengono richissime più assai di quello havea per opinione»34. Ao irmão
Luca, na carta de Setembro de 1503, ilustra detalhadamente os ganhos que se podem
tirar: «Fazo conto che noi, per li nostri ducati 2000 havemo, Le vignirano zercha
ducati 5000»35. A satisfação da coroa era de tal maneira que «Grande provisione se
fa de nova armata, che mancho de 25 nave non anderano questa volta, et la mazor
parte nave grosse, fra le qual anderà la nave Nonciata che è de portata de 800 tonell.
El re, insino questo dì non ha voluto dar licentia a niuno merchadante mandi lá»36.
Não é este o lugar para nos debruçarmos com a devida atenção sobre as missivas com
as ricas informações que Affaitati enviou de Lisboa. Apenas queremos, no entanto,
salientar a sua importante actividade de elo de ligação com a mãe-pátria e o seu papel
de transmissor de notícias reportando também relações de empresas com que não
estava directamente envolvido. No que diz respeito à sua participação na armada de
1502 e utilizando a informação por ele enviada a 19 de Agosto 1503 a Pasqualigo,
sabemos que «La mia vien in compagnia di le 15 che vengono con el capitanio don
Vasco»37.
Nos anos a seguir, o seu envolvimento nas armadas para a Índia continua e na frota
que partiu de Lisboa em Abril de 1506, dos 14 navios que a compunham dois eram
dos dois mercadores italianos, como escrevia Lunardo da Cá Masser «zoè una de B.º
fiorentino et una de zenovesi ne la qual participa la Faitati»38.

Não há dúvidas de que o comércio oriental fosse, sobretudo nas primeiras décadas
de Quinhentos, extremamente rendoso e que a participação dos florentinos tivesse
sido maciça. Quer se tratasse de grandes companhias quer de mercadores particulares,

33. Ivi, vol. V, col. 129-130.


34. Ivi, col. 842.
35. Ivi, col.134.
36. Ivi, col.843.
37. Ivi, col.130.
38. FRANCESCO GUIDI BRUSCOLI, Bartolomeo Marchionni: um mercador-banqueiro florentino em Lisboa (sécs. XV-XVI), in N.
ALESSANDRINI, P. FLOR, M. RUSSO, G. SABATINI, Le nove son tanto e tante buone che dir non se ne pò Lisboa dos Italianos:
História e Arte (sécs. XIV-XVIII), Catedra Alberto Benveniste, Lisboa 2013, p. 54.

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numerosos eram os negociantes florentinos que residiam e trabalhavam em Lisboa ou
que experimentavam directamente as longas viagens em busca de fortuna. A este
segundo grupo pertencia Piero di Andrea Strozzi39 que embarcou na armada de
Diogo Mendes de Vasconcelos em 1510. Falecido no Oriente a 22 de Outubro de
1522, Piero Strozzi deixou um avultado capital e o herdeiro, o irmão Carlo, residente
em Florença, ao se mexer para resgatar a herança, percebeu logo a dificuldade do
negócio. Carlo Strozzi compreendeu que não podia tratar do assunto sem se apoiar em
pessoas de confiança e que estivessem bem relacionadas no meio comercial lisboeta,
visto que o património acumulado por Piero Strozzi na Ásia consistia, na sua quase
totalidade, em pedras preciosas e especiarias que teriam sido transformadas em
numerário pelos funcionários da Casa da Índia. Quem melhor do que o estimado João
Francisco Affaitati podia reunir estas qualidades? Foi assim que Affaitati, juntamente
com Antonio del Maestro, e sob sugestão de Bernardo Gondi, se tornou procurador de
Carlo Strozzi para recuperar a herança em Outubro de 152240. A confiança para com
Affaitati é evidente na carta de Carlo Strozzi «perchè la fede ch’io ò in voi è grande, di
maniera siamo chonvenuti di dare questo charicho a voi»41. O negócio foi trabalhoso
e demorado e as várias fases constam da correspondência entre os dois42. Depois da
morte de João Francisco, Carlo Strozzi nomeará seu procurador Luca Giraldi.

O ano de 1514 representa uma data importante sendo o ano em que o sobrinho
de João Francisco, João Carlos Affaitati, filho de Tommaso Affaitati e irmão de João
Baptista Affaitati, se desloca para Antuérpia, desde 1499 sede da feitoria portuguesa
da Flandres, onde alcança uma posição de primeiro plano43. A partir deste momento,
as relações com a Flandres tornam-se muito mais estreitas. João Carlos Affaitati tinha
feito a sua aprendizagem comercial em Cremona, Veneza e Lisboa onde tinha estreitado
relações com os Mendes, família de cristãos-novos chegados à capital portuguesa após
o decreto de expulsão de 31 de Março de 1492. Henrique Nunes iniciou a casa Mendes
que prosperou no comércio de pedras preciosas e especiarias e após a morte dele
foram os filhos, Francisco em Lisboa e Diogo em Antuérpia, que tomaram conta dos
negócios. Não sabemos ao certo quando iniciou a colaboração entre os Affaitati e
os Mendes mas conhecemos o contrato estipulado em 1525 para o qual Francisco
e Diogo Mendes pagaram ao rei de Portugal cerca de um milhão de cruzados pelo

39. Sobre Piero Strozzi, mercador florentino no Oriente, veja-se SPALLANZANI, Mercanti Fiorentini, cit., pp. 181-236.
40. Ivi, p. 231.
41. ASF, Strozzi Sacrati, 484, Debitori, creditori e ricordi di Carlo Strozzi, B, c. 181; a carta foi transcrita por SPAL-
LANZANI, Mercanti fiorentini, cit., pp. 222-224.
42. Ivi, pp. 228-230.
43. O percurso do ramo da família Affaitati estabelecida em Antuérpia é delineado em JEAN DENUCÉ, Inventaire des
Affaitadi banquiers italiens a Anvers de l’année 1568, Anvers-Paris 1934.
Para sublinharmos a importância que João Carlos Affaitati alcançou em Antuérpia recordamos que em 1551, pou-
cos anos antes da sua morte, comprou, juntamente com Tucher, patrício de Nurnberga, agente dos Fugger e dos
Welser e instalado em Antuérpia desde 1519, o edifício Het Hof van Cruysinger que se tornou centro do negócio
bancário do alemão. Cf. GROTE LUDWIG, Die Tucher. Bildnis einer Patrizierfamilie, Munique 1961, apud ANNEMARIE
JORDAN, A Rainha colecionadora Catarina de Áustria, Círculo de Leitores, Lisboa 2012, p. 179, n. 2.

41
monopólio da pimenta que transaccionavam por toda a Europa44. João Francisco
Affaitati devia estar contemplado no contrato porque numa carta que Marino Sanuto
envia a Gaspare Contarini a 7 de Fevereiro de 1525 informa que Affaitati, juntamente
com alguns alemães, tinha nas suas mãos a maior parte do mercado das especiarias e
sobre «13 milia cantara de piper a ducati 34 ! el cântaro; 400 cantara de garofoli a 50
ducati el cântaro; 700 cantara di canela a ducati 65; 2000 cantara di gengeri a ducati
30», detinha a quantitade de «7500 cantara di piper aspectano al Faità, et di resto
secundo la instessa proportione»45.
Para além disso, no testamento de João Francisco, redigido a 23 de Abril de 1529, lê-
se que este devia dinheiro a Francisco Mendes46 por uma quantidade de 233 quintais de
pimenta que tinha sido enviado para a Flandres «de dous contratos em que tinha em hum
o quarto e noutro ho terço» e mais «quinze quintais de canela e quinze de cravo»47. Intui-
se que a ligação Affaitati-Mendes fosse mais estrita do que se possa pensar mas, estando
esta investigação ainda em curso, apresentámos nestas páginas apenas alguns dados
que se estendem em três diferentes direcções. Em primeiro lugar, há uma coincidência
de datas na presença em Lisboa e Antuérpia das duas famílias – Mendes em Lisboa em
1492, Affaitati em 1494; Mendes em Antuérpia em 1512, Affaitati em 1514. Em segundo
lugar, embora seja uma pista ainda incipiente, há uma coincidência no que diz respeito
às relações matrimoniais: Francisco e Diogo Mendes casaram, respectivamente, com
Beatriz de Luna48 e com a irmã dela, Brianda de Luna. A terceira irmã de Luna, Guiomar,
casou com o mercador Francisco Vaz que, na década de Quarenta se encontrava em casa
da cunhada Beatriz de Luna em Veneza49. Embora estejamos já em meados do século
XVI, todos estes nomes aparecem no testamento de João Francisco Affaitati em 1529,
indicando um inter-relacionamento de longa data. Segundo informa Bastos Mateus
acerca de Francisco Vaz, embora não se tenham dados genealógicos documentados,
«numa perspectiva endogâmica, típica nestas famílias sefarditas, nos leva a equacionar
a possibilidade de serem familiares muito próximos»50. Ainda aparece o nome de João
Mendes, presumivelmente irmão de Francisco e Diogo, mercador morador em Évora,
no papel de testemunha no acto de aprovação do testamento de João Francisco a 23
de Abril de 1529 e é citado como devedor do mercador italiano51. Outros nomes de

44. R. VAN ANSWAARDEN, Les Portugais devant le Grand Conseil dês Pays-Bas (1460-1580), Fondation Calouste Gulben-
kian-Centre Culturel Portugais, Paris 1991, pp. 259-268.
45. SANUTO, Diarii, cit., t. XXXIX, 1894, col. 203.
46. Sobre a figura deste rico e afamado mercador cristão-novo veja-se o estudo de SUSANA BASTOS MATEUS, Poder e ne-
gócio na Lisboa de Quinhentos: o caso de Francisco Mendes Benveniste, em «Cadernos de Estudos Sefarditas» (Lisboa),
n. 14 (no prelo).
47. Pela importância do documento e pelo estado de deterioração em que se encontra, achamos importante proceder
a sua publicação em apêndice.
48. Sobre Beatriz de Luna, mais conhecida pelo seu nome judaico Grácia Naci, há uma vasta bibliografia, importa as-
sinalar, entre outros, os estudos de C. ROTH (1990), H.P. SALOMON e A. DI LEONE LEONI (1998); A.A. BROOKS (2003);
M. BIRNBAUM (2005); H.P. SALOMON (2005); E. MUCZNIK (2010); A. M. LOPES ANDRADE (2011); S. BASTOS MATEUS
e P. MENDES PINTO (2011).
49. Cf. BASTOS MATEUS, Poder e negócio na Lisboa de Quinhentos, cit.
50. Ibidem.
51. ARQUIVO HISTÓRICO DO PATRIARCADO DE LISBOA, códice 894, fl. 8.

42
cristãos-novos se encontram nas relações comerciais de João Francisco, como é o caso
de Gonçalo Fernandes, pai de Duarte Gomes, Tomás Gomes e Guilherme Fernandes
que irão desempenhar funções de confiança ao serviço da Casa Mendes-Benveniste52.
Outra ligação à família dos Luna é a de João Baptista Affaitati, filho de Leonardo
Affaitati, irmão do nosso João Francisco, o qual «foi hua das principaes pessoas na
cidade de Cremona no anno 1551 (…) e cazou com D. Izabel da Caza dos Lunas,
nobilissima e principal de Hespanha»53.
O envolvimento de João Francisco Affaitati na economia portuguesa manifesta-
se com destaque na carta de quitação de 22 de Outubro de 152054. Neste documento
lê-se que o mercador de Cremona tinha recebido em pimenta, nos anos de 1508 até
1514, um valor total de 117.004.880 reis, isto é, 25.740.000 reis nos anos de 1508 até
1510 por 3.000 quintais de pimenta ao preço de 8.580 reis cada quintal que lhes fora
entregue como cobertura do dinheiro por ele empregue pelo pagamento das despesas
dos lugares de África e pelo pagamento dos mantimentos dos Desembargadores e
dos oficiais da Casa da Suplicação e do Cível, mais, 68.640.000 reis nos anos de 1511
até 1514 por 8.000 quintais de pimenta ao mesmo preço por quintal para cobrir o
dinheiro adiantado pelos mesmos pagamentos. Em 1514 recebeu 22.624.880 reis pelo
dinheiro antecipado a liquidar o que a coroa devia para a remuneração dos guardas e
caçadores. Veja-se que a relação com a corte portuguesa era muito estreita e que o rei
frequentemente se dirigia ao italiano para obter dinheiro líquido.
Para além das especiarias eram outras as mercadorias que integravam o circuito
com as casas comerciais florentinas de Lion, Bruges e Antuérpia. Através de alvarás
de pagamentos entregues a Silvestre Nunes, enviado para administrar a Feitoria
da Flandres, onde chegou a 16 de Novembro de 1513, temos conhecimento de que
João Francisco Affaitati importava cobre de Antuérpia, comprado aos Fugger,
para ser enviado para a Índia. De facto, Affaitati forneceu 6000 quintais de cobre
em 1514 destinado à Índia na armada do ano seguinte e, a 9 de Junho de 1515,
foi-lhe encomendado «que nos fizesse vir dessas partes certa soma de cobre»55.
Quem tratava da compra por conta de Affaitati eram Antonio e Filippo Gualterotti
que adquiriram 6394 quintais, 3 arrobas e 25 arráteis de cobre que foram pagos,
uma parte através do feitor Silvestre Nunes e o restante a Raffaello de’ Medici
«estante» em Bruges nas feiras da Pentecostes e de Setembro56. As duas casas

52. Cf. A. MANUEL LOPES ANDRADE, A Senhora e os destinos da Nação Portuguesa: o caminho de Amato Lusitano e de Duarte
Gomes, em «Cadernos de Estudos Sefarditas» (Lisboa), n. 10 e 11, 2011, p. 91.
53. Colecção particular da autora.
54. ANSELMO BRAAMCAMP FREIRE, Cartas de Quitação de D. Manuel, em Archivo Histórico Portuguez, vol. III, Lisboa
1903, p. 393.
55. ANSELMO BRAAMCAMP FREIRE, Maria Brandoa, a do Crisfal, em Archivo Histórico Portuguez, vol. VI, 1908, p. 394.
Ver também: MARIA JOSÉ FERRO TAVARES, Das sociedades comerciais de judeus e italianos às sociedades familiares de
cristãos-novos. Exemplos, em N. ALESSANDRINI, M. RUSSO, G. SABATINI, A. VIOLA, Di buon affetto e commerzio-Relações
luso-italianas na Idade Moderna, CHAM, Lisboa 2012, p. 28.
56. Ibidem. Em Lisboa estava presente um membro da casa Gualterotti, Alberto, que encontramos como testemunha
no momento da redacção do testamento de João Francisco Affaitati a 24 de Abril de 1529. Cf. ARQUIVO HISTÓRICO
DO PATRIARCADO DE LISBOA, códice 894, fl. 9v.

43
comerciais, Gualterotti e Raffaello de’ Medici, como nos informa Tognetti, «erano
strettamente interconnesse, al punto da apparire una il proseguimento dell’altra
con una differente ragione sociale»57. A 6 de Outubro de 1515 foi dada comissão
a João Francisco Affaitati «para nos comprar lá em Flandres o cobre que nos é
necessário pera armada da India do anno que vem»58, e a 5 de Fevereiro de 1516 foi
estipulado o contrato do cobre com o mercador italiano por cinco anos, a 12.000
quintais cada ano59.
Os serviços prestados à Coroa garantiram-lhe, a 28 de Outubro de 1520, incluindo
seus feitores e criados, a concessão, por parte do rei D. Manuel I, dos cobiçados
privilégios dos Alemães60 aos quais, para o efeito, foi acrescentada uma cláusula que
definia o grau de consideração em que era tido o mercador italiano: enquanto que os
alemães gozavam dos privilégios por tempo certo, João Francisco teria gozado deles
em vida. A 23 de Julho de 1524, sensivelmente cinco anos antes da morte do italiano, o
rei D. João III confirmou os ditos privilégios61, comprovando a complacência da corte
e o seu reconhecimento para com João Francisco.
Como se pode averiguar, João Francisco Affaitati, como era costume entre os
mercadores italianos, não se dedicava apenas ao comércio especializado de um
só produto mas experimentava uma vasta gama de mercadorias que, por um lado,
davam lucros diversificados e, por outro, salvaguardavam situações de risco face à
eventual queda da procura. Este dinamismo impulsionou, como bem salienta Vitorino
Magalhães Godinho, a primeira fase das viagens das descobertas62, incrementando
o mercado com negócios paralelos, como a procura de escravos, negócio rendoso a
que já se tinham dedicado Marchionni e Corbinelli desde finais do século XV63. A
presença do mercador cremonês não escapa a este tráfego visto o seu nome aparecer
no contrato estipulado em 1526 entre Stefano Spínola e o rei sobre 600 «peças» de
escravos pelas quais se havia de obrigar João Francisco Affaitati64.
Assim, é lógico que Lope Hurtado, embaixador espanhol em Lisboa, tivesse noção
da influência do Affaitati no mercado português e a resumisse nestas palavras: «Acá
no pueden hazer cosa buena sin ele»65.

O capital líquido e de bens de raiz acumulado pelo mercador italiano ao longo de


três décadas de actividade foi reconvertido eficazmente em «capital» social permitindo
a inserção na nobreza portuguesa da sua prole; uma estratégia premeditada onde a

57. TOGNETTI, I Gondi, cit., p. 42.


58. BRAAMCAMP FREIRE, Maria Brandoa, cit., p. 395.
59. Ibidem.
60. Sobre os privilégios dos alemães, veja-se JEAN DENUCÉ, Privilèges commerciaux accordés par les Rois de Portugal aux
Flammands et aux Allemands, em Archivo Histórico Portuguez, vol. VII, Lisboa 1909, pp. 310-319, 377-392.
61. IAN/TT, Chancelaria D. João III, L. 4, fl. 21v.
62. Cf., VITORINO MAGALHÃES GODINHO, História da expansão no mundo, Lisboa 1938.
63. GUIDI BRUSCOLI, Bartolomeo Marchionni, cit., p. 47.
64. IAN/TT, Corpo Cronologico, parte II, maço 131, doc. 154.
65. A.A. MARQUES DE ALMEIDA, Capitais e Capitalistas no Comércio da Especiaria. O Eixo Lisboa-Antuérpia (1501-1549).
Aproximação a um estudo de Geofinança, Edições Cosmos, Lisboa 1993, p. 50.

44
riqueza acumulada ia ser transformada em poder social: «la ricchezza come nobiltà, la
nobiltà come potere»66. Deve ter sido exactamente este o propósito de João Francisco
Affaitati quando instituiu os dois morgadios e presenteou o resto da descendência
com avultadas quantias de dinheiro.
A instituição de morgadios como estratégia social e económica para a afirmação
de uma família era um evento frequente entre os grupos sociais abastados. Através
da vinculação dos bens, ou de parte deles, em morgadios pretendia-se, por um lado,
prevenir e evitar a dispersão em partilhas do património fundiário segurando-o no
seio da família e, por outro, reforçava-se a sua importância com uma forte carga
simbólica. Não é de subestimar uma outra característica da vinculação de bens em
morgadios já que a legislação proibia que fossem atacados pelos credores, o que era
uma maneira de se precaver perante possíveis falências. Os bens de raiz e as terras
constituíam um património importante, fonte de rendimento não negligenciável,
cujos proventos ajudavam à manutenção das instituições que perpetuavam a
memória da família67. O regimento de 1514 é significativo enquanto fortalece o
sentido da instituição dos morgadios através da produção de documentação relativa
aos bens vinculados a que eram obrigados os administradores. Assim, são conhecidos
os bens que formavam o morgadio que João Francisco deixou ao filho Cosme, até
porque, ao tornar-se num caso de contenda, produziu uma ampla documentação que
remete a situações familiares intrincadas. A abastança de João Francisco Affaitati
permitiu-lhe instituir dois morgadios encabeçados, respectivamente, pelos filhos
Cosme e Agostinho. No testamento já citado estavam definidos os termos dos dois
morgadios que o instituidor pretendia fundar. O primeiro morgadio era constituído
por bens de raiz comprados no reino de Portugal ou «em lugares dos senhorios del
Rey por onde quer que se acharem»68 e era explicitamente decidida a quantidade
de fazenda que devia ser empregue «Pera comprar hos ditos bens de raiz e asim
como se acharem bens pera comprar asim se tirara da dita fazenda a dita terça»69.
Os bens vinculados ao dito morgadio eram constituídos pela «quinta dobedos
que he cabeça do dito morgado e o juro dalfandega desta cidade de Lisboa e outra
quintaa no termo de Sintra com suas pertenças e huas casas nesta cidade na rua das
esteiras»70. A «quinta dobedos» aqui mencionada era, como se lê mais à frente no
mesmo documento, «a dos louridos»71. Segundo comprova o nome e o documento
datado de 10 de Outubro 1430, a quinta foi originariamente de propriedade de João

66. ALDO DE MADDALENA, La ricchezza come nobiltà, la nobiltà come potere (secoli XV-XVIII): nodi storici e storiografici
(Dal “mito della borghesia” al “mito dell’aristocrazia”?), em ANNALISA GUARDUCCI (a cura di), Atti della “Dodicesima
settimana di studi”, 18-23 Aprile 1980, Istituto Internazionale di Storia Económica “F. Datini” Prato, Le Mon-
nier, Firenze 1990, pp. 325-358.
67. Sobre a instituição dos morgadios em Portugal cf. MARIA DE LURDES ROSA, O morgadio em Portugal sécs. XIV e XV,
Editorial Estampa, Lisboa 1995.
68. Testamento em apêndice, fl. 4.
69. Testamento em apêndice, fl. 4v.
70. ARQUIVO HISTÓRICO DO PATRIARCADO DE LISBOA, Códice 894, fl. 151.
71. Ivi, fl. 235.

45
Annes Lourido a quem o mosteiro de Alcobaça doara terras junto do Bombarral72.
O solar veio depois a pertencer a João Francisco Affaitati e foi propriedade da
família, através da descendência de Inês de Lafetá, até metade do século XVII. A
primogenitura garantia ao filho Cosme a posse do morgadio mas, ao mesmo tempo,
obrigava-o a assegurar a sucessão através de descendentes legítimos. O testamento,
neste caso, falava claramente: no caso em que Cosme não deixasse descendentes, o
morgadio devia ser assegurado pelo meio-irmão Agostinho e, caso este já tivesse
falecido, a posse seria passada à filha mais velha de João Francisco Affaitati e irmã
de Cosme de Lafetá.
Foi, portanto, Cosme de Lafetà, quem administrou o morgadio dos Lafetás até à
morte ocorrida em 1578, e aumentou as suas posses no Carvalhal como mostra um
documento de 4 de Março de 1552 em que a Igreja de Santa Maria de Óbidos troca
umas terras que possuía no limite do Carvalhal por outras de propriedade de Cosme
de Lafetà, situadas na aldeia de S. Mamede73. Casado com D. Joana de Noronha, filha
de D. Francisco de Sousa, da casa de alta linhagem dos Sousa do Prado, Cosme de
Lafetá não teve descendência legítima e a sucessão do morgadio foi algo problemática,
gerando uma contenda entre a filha mais velha do instituidor, D. Inês de Lafetà, e o
neto, filho de Agostinho de Lafetá e homónimo do avô, João Francisco de Lafetá.
O processo resolveu-se em 1584 a favor de D. Inês de Lafetá que, casada com D.
Leonardo de Sousa, passou, em 1588, já viúva, a procuração da administração ao filho
varão D. João de Sousa que foi, assim, o 3º sucessor do morgadio. Em 1609, D. Ana de
Mendonça, mulher já viúva de D. João de Sousa, era tutora do filho menor D. João de
Sousa Silveira que foi o 4º administrador do morgadio dos Lafetás. O 5º administrador
foi Manuel de Sousa, que morreu sem sucessão, passando assim a administração às
mãos da irmã D. Elvira de Mendonça, condessa de Pontevel, por ter casado com Nuno
da Cunha de Ataíde, conde de Pontevel.
Embora sem descendentes legítimos, Cosme de Lafetá teve dois filhos fora do
casamento: D. Luiza de Lafetá, que foi freira em Odivelas, e Lourenço de Lafetá. É
com a descendência deste último que se desemboca nos Lafetá Aranha: Agostinho de
Lafetá Aranha, natural da freguesia de S. Pedro do lugar do Carvalhal, era filho de
António de Lafetá, neto de Octávio de Lafetá, e bisneto de Lourenço de Lafetá.
O segundo morgadio era constituído por 5 contos de reis com os quais se deviam
comprar bens de raiz e seria encabeçado pelo filho Agostinho e seus descendentes.
Assim, após a morte de Agostinho – não sabemos a data certa, apenas que ocorreu
muitos anos antes da do meio-irmão Cosme – foi o filho varão João Francisco de
Lafetá – o mesmo que foi envolvido na contenda do primeiro morgadio com Inês de
Lafetá – que herdou o segundo morgadio.

72. IAN/TT, Mosteiro de Alcobaça, maço 19, doc. 459. O mosteiro de Alcobaça era, desde o século XIV, senhor de um
extenso domínio que tinha sido ampliado a partir da primitiva doação de D. Afonso Henriques em 1153. Cf. IRIA
GONÇALVES, O património do Mosteiro de Alcobaça nos séculos XIV e XV, Universidade Nova, FCSH, Lisboa 1989, pp.
19 e seg.
73. IAN/TT, Colegiada de Santa Maria de Óbidos, maço 18, doc. 162.

46
Para além dos dois morgadios, João Francisco, o velho, deixou a cada uma das
filhas que na altura em que o testamento foi redigido ainda não estavam casadas, a
considerável quantia de 5 contos de reis que serviu para consolidarem a sua posição
social através do casamento com membros de famílias da nobreza portuguesa. A
anexação a casas da nobreza através do casamento das filhas era um procedimento
comum e, de facto, a casa Affaitati perpetuou-se em Portugal através da descendência
gerada pelas três filhas. Já adiantámos que a filha mais velha, D. Ignês, passou a fazer
parte da linhagem dos Sousa ao casar com D. Leonardo de Sousa; Magdalena de
Lafetá, casou com D. João de Sande, senhor de Punhete, antigo nome de Constância
e, finalmente, Lucrezia de Lafetá casou com o primo João Carlos Affaitati, senhor,
como já adiantámos, de uma grande fortuna em Antuérpia. No entanto, e apesar
de uma eventual estratégia matrimonial prévia, ressalta a preocupação do pai João
Francisco com a felicidade das filhas no codicilo ao testamento em que se faz menção
à possibilidade de a filha Lucrécia se casar com o sobrinho João Carlo – facto que
depois se concretizou. João Francisco dá a sua bênção com a advertência de que a filha
fosse «diso contente porq quero que neste casso se quer a sua vontade». Também
se preocupa com a mãe das raparigas, Maria Gonçalves, mandando que «meu filho
cosmo manterá sua mai Maria gonsalvez homradamente em sua cassa e com suas
filhas ate se casarem»74.

Pouco mais de trinta anos esteve João Francisco Affaitati em Lisboa onde gerou
um avultado circuito de negócios, «depois de Bartolomeo Marchionni, vai Giovanni
Francesco ocupar o primeiro plano desses meios capitalistas cosmopolitas»75, e uma
descendência que, assim como a de Marchionni, foi tida fora do casamento, mas que,
com a força do dinheiro e o bom nome do pai, se foi relacionando com as melhores
famílias da nobreza portuguesa.
A 23 de Abril de 1529, no convento de S. Domingos de Benfica, então nos arredores
de Lisboa, o mercador italiano João Francisco Affaitati, doente, ditava as suas últimas
vontades pensando na arquitectura da vida futura dos seus filhos e dos seus criados e
escolhendo como sua sepultura o dito convento.

74. ARQUIVO HISTÓRICO DO PATRIARCADO DE LISBOA, Códice 894, fl. 7v.


75. MAGALHÃES GODINHO, Os Descobrimentos, cit., vol. III, p. 208.

47
TESTAMENTO DE JOÃO FRANCISCO DE LAFETÁ76
Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Códice 894, fls. 4-6

Nota: o documento encontra-se muito deteriorado. É constituído por 3 fólios. O primeiro,


rasgado na margem exterior, não permite uma leitura sequencial. No entanto, quando a
reconstituição das palavras não deixava margem para dúvidas, procedeu-se à sua inserção que
foi assinalada em itálico. No caso em que a introdução das palavras em falta podia tornar o
sentido do texto subjectivo demais, assinalou-se o rasgo do papel. O sublinhado ao longo do
texto não é nosso.

Fl. 4
Em nome de ds Amen Diguo eu Joam Francisquo de Lafeta, que eu faço e ordeno
meu testamento no modo e maneyra que se segue; e Primejramente encomendo a
minha alma a Ds que a criou e Rogo a bem aventurada snora Virgem Maria que
queira ser rogadora, por mi a seu bento filho que se queira a merçe dela, e a levar
(rasgado) em sua gloria Ámen. Primeiramente Mando minha alma do meu corpo sair
o dito meu corpo (rasgado) sepultado em ho mostr.o de bem fiqua ante ho altar de
(rasgado) nosa snora que esta junto com a porta onde tan (rasgado) E mando q me
façao meu enterramento honestamente segundo parecer a meus testamenteiros não
curando d(rasgado)somente ho façao honestamente como dito he/asim (rasgado) das
misas e offícios que se houuerem de dizer com outras coussas que se costumam fazer
ao tempo dos enterramentos.
Item tomo a terça de todos meus bens Por onde quer (rasgado) achados a qual
deixo a Cosmo de lafeta meu filho (rasgado) do aos meus testamenteiros que abaixo
serão de (rasgado) da dita terça comprem bens de raiz em estes (rasgado) de Portugal
e em lugares dos senhorios del Rey por onde quer que se acharem quais lhes mais
prouver (rasgado) parecerem pera deles se fazer hum morgado p(rasgado) to Cosmo
de lafeta meu filho e seus descendentes (rasgado) abaixo será declarado, a qual terça
que asim toma (rasgado) se dela fazer ho dito morgado como dito (rasgado) nem
aportara da dita minha fazenda (rasgado)pra dos ditos bens pera ho dito morgado
passados quatro annos de tpo de meu (rasgado) diamte e passado o dito tempo dos
ditos (rasgado) tirara e aportara tanto da dita terça q (rasgado)
Fl. 4v.
Pera comprar hos ditos bens de Raiz e asim como se acharem bens pera comprar
asim se tirara da dita fazenda a dita terça de manejra que se não tirara nem aportara
mais pera compra dos ditos bens que aquilo que foçe necessario pera os comprar ate a
dita terça serto dia empregada nos ditos bens de raiz e esto passados os ditos quatro
annos como dito he. Por quanto quero e mando (rasgado) da ha dita minha fazenda e

76. Agradeço ao Dr. Ricardo Aniceto do Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa pela autorização da publicação
do documento.

48
bens que eu tiver e me (rasgado) ençerem ao tempo de meu falecimento ate hos ditos
quatro annos não serem passados andem todos iumtos (rasgado) istiquos sem se partir
nem se deles fazer devisam (rasgado) e pera esta fazenda andar como compre para
bem (rasgado) proveito de meus filhos mando e ordeno que luca Giraldes e Ioam p.o
e Ioam Carlo a tenhao e governem (rasgado) oçeem e tratem dentro dos ditos quatro
annos a (rasgado) e de manejra que não possam todos Juntos ter es (rasgado) quero
e me praz que hos dous deles o façao a (rasgado) ho aviam todos tres de fazer. Item
mando e quero que passados os ditos quatro annos meus testamenteiros a partem da
dita minha fazenda cinco contos de reis e os empregarão em bens de raiz (rasgado)
onde quer que forem achados em estes Reynos e senhorios de Portugal os quais bens
asim comprados serão emtregues ha agostinho de lafeta meu (rasgado) elle e pera
seus descendentes que dele (rasgado) e vierem pelo modo e manejra seg.te (rasgado)
o dito agostinho meu filho cassado (rasgado) hos legitimos e naturais que lhe devao
(rasgado) os ditos bens que asim forem comprados fl.5 dos ditos cimquo contos ele
agostinho os aja pera sempre e os pesua e faça delles o que lhe aprouuer e falecendo
elle sem filhos ou netos e outros descendentes legitimos e naturais em tal casso quero
e mando que hos ditos bens que asim forem comprados dos ditos cimquo contos se
tornem ao dito morgado que deixo ao dito Cosmo de lafetada E asim ande todo iunto
e o tenha e pessua dito Cosmo com aquelas clausulas e condiçois (rasgado) ha de ter
e pesuir o dito morgado segundo baixo se declarara/ e sendo casso que o dito Cosmo
ao tal tempo seja falecido, avera os ditos aquele que ao tal tempo tiver segundo minha
ordenança ho dito morgado/ E andara tudo pera todo o sempre sem se poder vendere
doar e enlhear peça nenhuma do dito morgado (rasgado) dos ditos bens a ele adiuntos
per nenhum modo e manejra via que Seia asim pelo dito Cosmo (rasgado) pelo dito
Agostinho. / Item mando aos meus testamenteiros que dem a minhas filhas Maria
madanela e Inês cimquo contos de Reis cada hua pera seus cassamentos os quais
(rasgado) tregarão do dia que cassarem ha hum anno (rasgado) seguinte, E entre ha
houtra mais fazenda que ficarem per meu falecimento faço nelles universal erdejro o
dito Cosmo de Lafetá meu filho os quais quero que aia e pessua todo sempre e faça delles
o que lhe aprouuer e lhe bem parecer e pera se este fl. 5v. melhor e mais intejramente
comprir como eu quero e mando rogo muito e encomendo ao dito Luca e Joam p.o e
Ioam carlo que seiao meus testamenteiros e cumpram este meu testamento asim e da
manejra como eu aqui tenho ordenado e mandado e porquanto o dito Ioam carlo esta
hora em frandes e não poderia ser presente pera ajudar a cumprir este testamento
mando que o dito Luca e Ioam p.o ho cumpram he executem e tenham cargo e governo
da dita minha fazenda que se achar em estes Reynos e nos reynos de Castela e em
quoais quer outras partes ho dito Ioam carlo das cousas e mercadorias de frandês
asim das que la tem como das que lhe de qua (rasgado) cem daqui em diante e por que
pelos tempos não (rasgado) duvida acerqua da sobceçam do dito morgado asim deixo
ao dito Cosmo de lafeta e a seus descendentes e asim dos bens que se ao dito morgado
am de ajuntar no caso que ho dito agostinho (rasgado) sem descendentes legitimos
e naturais Ej por bem e mando que per falecimento do dito Cosmo (rasgado) os bens

49
e morgado venhao ao seu filho varão mais velho legitimo e natural e dahi em diante
pellos seus descendentes per linha masculina conjuntos e não avendo descendentes do
dito Cosmo coniuntos per linha masculina como dito he soçedera o dito morgado femea
se ha hi houver (rasgado) conjuntos per linha femenina em defeito de conjuntos per
linha masculina/ se hão tempo do falecimento do dito Cosmo de lafeta lhe ficar filho
(rasgado) não soçederia filha femea no dito morgado. Fl.6 Posto que seia mais velha e
se tiver neto filho de filho e tiver filha todavia soçedera ho neto e não ha filha e se tiver
neto filho de filho primogenito ja morto e tiver filho segundo genito vivo socedera
no dito morgado ho dito neto filho do primo genito morto e não ho segundo genito
vivo e asim se regulara dahi por diante em todos os descendentes do dito Cosmo que
ho dito morgado houuerem de soçeder/ E com estas declarações condiçõis houve
por findo e acabado este testamento e minha ultima vontade e mando e quero que se
cumpra e guarde asim e tão inteiramente como nelle he conteudo e declarado e per
este testamento ei por cassos, ritos e anulados quoais quer houtros testamentos que
hate o presente tenha feito codecillos e qualquer houtra ultima e deradejra vontade
sem embargo de quoais quer clausulas derrogatorias nelle conteudas porque tudo
revoguo e ej por nhum so’ (rasgado) quero que este valha e tenha e effeito e outro
n(rasgado) E por certeza desto asinei aqui// Joam fr. (rasgado).

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