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3 Esta “determinação” para que os templos fossem “brancos”, pode possivelmente ser
entendida no comentário ghibertiano como uma alusão à ação contra a idolatria. Como
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infligiram grandíssima pena a quem fizesse alguma estátua ou alguma pintura e,
assim, acabou a arte estatuária, e a pintura e toda doutrina que nessa fosse feita.
Extinta a arte, os templos permaneceram brancos por cerca de seiscentos anos.
Começaram os Gregos debilissimamente a arte da pintura e com muita rudeza
nela produziram; assim como os antigos foram peritos, nesta idade [foram]
grosseiros e rudes. 4 Passaram-se trezentas e oitenta e duas olimpíadas 5 desde a
edificação de Roma.
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[2] Começou a arte da pintura a ressaltar na Etrúria. Numa aldeia vizinha da
cidade de Florença, que se chamava Vespignano, nasceu um menino, de
admirável engenho, que se tirava do natural uma ovelha. Passando por ali, pela
estrada que leva a Bologna, o pintor Cimabue 6 viu o menino sentado na terra que
desenhava sobre uma lage uma ovelha. 7 Admirou-se [Cimabue] muitíssimo com o
menino, tendo, com tão pouca idade, o saber fazer tão bem. Perguntou ao
menino, vendo ter ele, da natureza, a arte 8 , qual era seu nome. Este respondeu e
referred to by Ghiberti suggests itself. Ol. 382 = March 1135 – March 1140 (…) Ol. 408 =
1265 –1270 (…) Ol. 420 = 1325 –1330 (…) Ol. 438 = 1415-1420 (…) Ol. 440 = 1425 -1430
(…)”.
6 Há muito pouca documentação sobre este pintor, cujo nome aparece frequentemente
como Cenni (contração de Bencivenni) di Pepo, apelidado Cimabue. Teria estado em
Roma por volta de 1272 e em Pisa, entre 1301 e 1302 (A. Nicholson, Cimabue. A Critical
Study, Princeton, 1932), onde aparece como membro da Compagnia dei Piovuti. A única
obra atribuída como determinantemente sua é a figura de São João Evangelista no
mosaico absidial do Duomo de Pisa, obra pela qual recebeu pagamento em 1301.
7 As micronarrativas sobre os pintores e escultores que têm início neste parágrafo
parecem pertencer ao gênero prosopográfico, vida. A descrição dos feitos ou ações
daqueles está prescrita nos gêneros de narração propostos seja pela Retórica a Herênio,
seja pelo De Oratore, de Cícero, ou nas Instituições Oratórias, de Quintiliano, conhecido
desde o século XIV. Assim, o primeiro gênero de narração trata da causa que é exposta
“_ Cominciò l’arte della pittura a sormontare in Etruria (...)”. Para a constituição da
narrativa, o argumento do discurso pode se servir de feitos fictícios que poderiam ter
ocorrido (por exemplo, o menino Giotto desenhando uma ovelha sobre uma lage)
mesclados com pessoas que realmente existiram. A narração especifica além disso a
figuração dos modos de falar bem como a sua dramatização: ” _ Per nome io son
chiamato Giotto: il mio padre à nome Bondoni e sta in questa casa che è apresso. (...).” In
Lorenzo Ghiberti: I Commentarii. Ed. di Ottavio Morisani. Napoli, Riccardo Ricciardi, 1947.
Commentario Secondo, [2], p. 2. Sobre a mesma passagem confrontar também Giorgio
Vasari, op. cit., p. 117-118: “(...) Era l’anno MCCLXXVI nella villa di Vespignano uno
lavoratore di terre, il cui nome fu Bondone, il quale era tanto di buona fama nella vita e sí
valente nell’arte della agricoltura, che nessuno che intorno a quelle ville abitasse era
stimato più di lui. Costui, nello aconciare tutte le cose, era talmente ingegnoso e d’assai,
che dove i ferri del suo mestiero adoperava, più tosto che rusticalmente adoperati e’
paressino, ma da una mano che gentil fussi d’un valente orefice o intagliatore, mostravano
essere esercitati. A costui fece la natura dono d’un figliuolo, il quale egli per suo nome alle
fonti fece nominare Giotto. (...)”
8 Refere-se aqui tópica antiga na qual a natureza é fonte da invenção. Esta tópica opera,
entre outros lugares, no Anônimo da Retórica a Herênio. Cf. Rhetorica Ad Herennium.
Harvard University Press, Cambridge-Massachusetts, 1989, III, XXII, 35 e 36, p. 218: “(...)
Docet igitur nos ipsa natura quid oporteat fieri. Nam si quas res in vita videmus parvas,
usitatas, cotidianas, meminisse non solemus, propterea quod nulla nova nec admirabili re
commovetur animus; (...) Docet ergo se natura vulgari et usitata re non exsuscitari,
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disse: _ Por nome sou chamado Giotto, o meu pai tem por nome Bondone e está
na casa logo ali, disse. Cimabue foi com Giotto ao pai, e tinha belíssima presença.
Pediu ao pai o menino: o pai era paupérrimo. Concedeu-lhe o menino e Cimabue
levou consigo Giotto que foi discípulo de Cimabue: tinha a maneira grega 9 que
novitate et insigni quodam negotio commoveri. Imitetur ars igitur naturam, et quod ea
desiderat id inveniat, quod ostendit sequatur. Nihil est enim quod aut natura extremum
invenerit aut doctrina primum ; sed rerum principia ad ingenio profecta sunt, exitus
disciplina conparantur.” Sobre a mesma tópica ver ainda o livro de Francisco de Holanda,
que traz passagem onde o engenho se associa ao infante. Cf. Da Pintura Antiga
Introdução e notas de Angel González Garcia. Imprensa Nacional-Casa da Moeda,
Lisboa, 1983, VII, p. 54-55: “(...) Parecerá por ventura que qualquer homem poderá ser
pintor, aprendendo; mas muito será enganado quem isto cuidar; porque, se alguma
sciencia ou arte n’este mundo para sua perfeição lhe foi necessario trazer a origem e
natural de seu nascimento, sem duvida nenhuma esta deve ser a arte da pintura. E não
somente para ser perfeito e consumado em tal sciencia e tão profunda lho convem com
uma nova graça nascer de Deos e de natural indole e rarissima; mas inda stimo que lhe é
necessario aver em seu pae e mãe algum lume de engenho n’esta ou em outra qualquer
nobre arte, ou alguma outra eicelencia de vertude; por que para dino de ser pintor mester
ha nascer pintor, pois o pintar não se aprende, mas sómente se póde crer que com o
mesmo homem nasce, isto sem se saber como, pois no inocente menino, que ha de ser
famoso n’esta profissão, tenho eu para mi que stá já enfundido e posta toda a
profundidade do saber que depois se ha n’elle de descubrir quando for o tempo de
exercital-o e descubril-o.”
9 A expressão “maneira grega” designa em finais do século XV o “estilo” e o “gosto”
daquilo que mais recentemente foi definido pelo termo “bizantino” ou
“constantinapolitano”, em conformidade com as modernas histórias da arte (v. Luigi Grassi
& Mario Pepe. Dizionario Dei Termini Artistici. TEA. Milano, 1994, p. 496). Panofsky, por
exemplo, propõe, a partir de Vasari, um léxico para os termos “maneira grega”, “maneria
velha”, “antigo” e “moderno”. Cf. E. Panofsky. Renascimento e Renascimentos na Arte
Ocidental. Editorial Presença, Lisboa, 1960, p. 60-61: “(...) Plenamente consciente duma
tal confusão e declarando explicitamente a sua intenção de ajudar os seus leitores a
melhor compreenderem a diferença entre vecchio e antico, Vasari forjou uma terminologia
algo incômoda mas não isenta de coerência. Assim, segundo ele, a expressão maniera
vecchia ( “estilo fora de moda”) deveria ser aplicada somente ao estilo dos greci vecchi e
non antichi (“os Gregos que pertenceram ao passado, mas não à antiguidade”),
equivalendo ao que nós chamamos estilo bizantino ou bizantinizante. A expressão
maniera antica (“estilo antigo”) deveria limitar-se à la buona maniera greca antica (“o bom
estilo grego antigo”), equivalendo ao nós chamamos clássico (...) E para distinguir a arte
da sua época quer do estilo “antiquado” da Idade Média, quer do “estilo clássico” da
Antiguidade, Vasari propõe que se lhe aplique o termo até então reservado para a arte da
Idade Média, ou seja, o termo moderno. Segundo a terminologia de Vasari, pois, tal
palavra já não denota um estilo oposto à “buona maniera greca antica”mas, ao contrário,
a “buona maniera greca antica” revivida, em contraste com a própria “buona maniera
greca antica”. Frequentemente acompanhado por epítetos como “bom” ou “glorioso”
(buona maniera moderna, il moderno si glorioso), o termo “moderno” torna-se, em geral,
sinônimo do estilo do “Renascimento” enquanto oposto ao estilo da Idade Média; (...)”. Em
Vidas, Giorgio Vasari faz uso de um artificio retórico, investindo a figura do mosaicista
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era, na Etrúria, de grandíssima fama. Giotto tornou-se grande na arte da pintura.
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[3] [Giotto] trouxe a arte nova, 11 abandonou a rudeza dos Gregos, sobrelevou-se
excelentissimamente na Etrúria. E fez egregíssimas obras, especialmente na
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cidade de Florença e em muitos outros lugares, e teve muitosdiscípulos, todos
eles doutos, êmulos dos antigos Gregos. Viu Giotto na arte aquilo que os outros
não lhe acrescentaram. Trouxe a arte natural e com ela a gentileza, não saindo
das medidas. 12 Foi peritíssimo em toda a arte, inventor e achador 13 de muita
doutrina, que ficara sepultada por cerca de seiscentos anos. 14
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Quando a natureza quer conceder alguma coisa, concede-a sem nenhuma
avareza. Este[Giotto] foi copioso em todas as coisas, laborou com afresco sobre
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parede, laborou com óleo em tábua. 15 Elaborou o mosaico da nave de São Pedro
em Roma 16 ; pintou com a própria mão 17 a capela e a tábua de São Pedro, em
Roma 18 . Pintou muito egregiamente a sala do rei Humberto com homens
famosos, em Nápoles; pintou no Castelo do Ovo. 19 Pintou na igreja, isto é, tudo
nela é de sua mão, na Arena de Pádua. É de sua mão uma Glória Mundana. 20 E
no Palácio da Parte 21 há uma história da fé cristã e muitas outras coisas havia no
referido palácio. Pintou na igreja de Assis, na Ordem dos Frades Menores, quase
15 A execução de pintura sobre tábua, que a distingue das feitas em parede e linho, é
referida frequentemente em Plínio. Cf. Pline L’Ancien, op.cit., XXXV, XXXVI, 77, p. 69-70:
“(...) Huius auctoritate effectum est Sicyone primum, deinde in tota Graecia, ut pueri
ingenui omnia ante graphicen, hoc est picturam in buxo, docerentur recipereturque ars ea
in primum gradum liberalium.” Cf. Pline L’Ancien, op.cit., XXXV, XXXVI, 92, p. 76: “(...)
Pinxit et Alexandrum Magnum fulmen tenentem in templo Ephesie Dianae uiginti talentis
auri. Digiti eminere uidentur et fulmen extra tabulam esse – legentes meminerint omnia ea
quattuor coloribus facta - ; manipretium eius tabulae in nummo aureo mensura accepit,
non numero.”
16 O mosaico para a Navicella, encomendado pelo cardeal Stefaneschi, e executado por
volta de 1298, foi uma das obras mais célebres de Giotto. Cf. Giorgio Vasari, op.cit., p.
122: “(...) Fu di sua mano la nave del musaico, fatta sopra le tre porte del portico, nel
cortile di San Pietro, la quale fu maravigliosa, et in quel tempo di tal disegno, d’ordine e di
perfezzione, che le lode universalmente datele da gli artefici e da altri intendenti ingegni
meritamente se le convengono.”
17 Na frase “_ e di sua mano dipinse la cappella e la tavola di san Pietro in Roma”
(Morisani, p. 33), a expressão “pintar com a própria mão” louva a execução da obra toda,
à diferença das obras em que muitos colaboram.
18 Em Vidas, de Vasari há menção da pintura da tribuna de São Pedro e não de tábua.
Cf. Giorgio Vasari, op.cit., p. 122: “(...) Fecelo dunque il predetto papa venire a Roma,
onorandolo grandemente e con premi riconoscendolo, dove fece la tribuna di San Pietro et
uno angelo di sette braccia, dipinto sopra l’organo, e molte altre pitture (...)”.
19 Há uma passagem mais extensa sobre esta história em Vidas de Vasari. Cf. Giorgio
Vasari, op.cit., p.123: “Ma per tornare a Napoli, fece Giotto nel Castello dell’Uovo molte
opere, e particolarmente la capella che molto piacque a quel re, dal quale fu tanto amato,
che si pigliava a piacere di vederlo lavorare e d’udire i suoi ragionamenti; (...).” Trata-se
aparentemente tanto em Ghiberti quanto em Vasari da Capela de Santa Bárbara pintada
no Castelo Novo e não no do Ovo.
20 Cf. Giorgio Vasari, op. cit., p.127: “Apresso, andato di nuovo a Padoa, oltre a molte
altre cose e capelle ch’egli vi dipinse, fece nel luogo dell’Arena una Gloria mondana, che
gl’arrecò molto onore e utile. (...).”
21 Provavelmente, jamais tenha existido um afresco de Giotto no Palácio de Parte Guelfa,
em Florença, lugar que pode ter sido confundido com o Palácio da Razão, em Pádua. Cf.
Giorgio Vasari, op.cit., p.120: “(...): e nel palazzo della Parte Guelfa di Firenze, é di sua
mano una storia della fede cristiana in fresco dipinta perfettamente;(...).”
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toda a parte de baixo. Pintou a Santa Maria dos Anjos, em Assis. Na Santa Maria
de Minerva, em Roma, pintou um crucifixo em uma tábua. 22
[4] Obras que por ele foram pintadas em Florença: pintou na abadia de Florença
23 , sobre a entrada da porta, em um arco, uma meia Nossa Senhora, com duas
figuras ao lado, muito egregiamente. Pintou a capela maior e a tábua. Na Ordem
dos Frades Menores, quatro capelas e quatro tábuas. Pintou muito
excelentemente em Pádua, nos Frades Menores. São doutíssimas nos Frades
Humilhados 24 , em Florença, onde havia uma capela, um grande crucifixo e quatro
tábuas feitas muito excelentemente: numa, havia a dormição de Nossa Senhora
com anjos e com doze apóstulos e Nosso Senhor em volta, feita muito
perfeitamente. Há ali uma tábua grandíssima com uma Nossa Senhora sentada
sobre um trono com muitos anjos à volta; vi 25 , sobre a porta que dá para o
claustro, uma meia Nossa Senhora com o menino no braço. E em São Jorge, uma
tábua e um crucifixo. Nos Frades Pregadores há um crucifixo e uma tábua
perfeitíssima de sua mão; ainda há ali muitas outras coisas. Pintou para
muitíssimos senhores. Pintou no Palácio de Podestá de Florença; em seu interior
fez a comuna sendo roubada 26 , e a capela de Santa Maria Madalena. Giotto
mereceu grandíssimo louvor. Foi digníssimo em toda a arte, também na arte
estatuária. As primeiras histórias que estão no edifício, que ele edificou, do
campanário de Santa Reparata foram por sua mão esculpidas e desenhadas; no
22 Nesta passagem, se apresenta o “topográfico”, que confirma a autoria, que é, por sua
vez, no discurso histórico de Ghiberti, constitutivo do louvor epidítico.
23 A obra de Giotto na abadia de Florença é comentada, além de Ghiberti, pelos
anônimos de Antonio Billi e de Magliabecchi.
24 Em Vasari, esta passagem está mais clara. Cf. Giorgio Vasari, op.cit., p. 125: “Dipinse
Giotto ai frati Umiliati d’Ognissanti di Firenze una capella e quattro tavole, e fra l’altre in
una la Nostra Donna con molti angeli intorno e col Figliuolo in braccio, et un Crucifisso
grande in legno; da ‘l quale Puccio Capanna, pigliando il disegno, molti per tutta Italia ne
lavorò, avendo presa molto la pratica e la maniera di Giotto (...).”
25 O uso da primeira pessoa no texto de Ghiberti se refere a um procedimento discursivo
em gênero epidítico. Nada impede, contudo, que se trate também de uma referência
topográfica.