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SUPREMO TRlBUHAL FEDERAL

ROMA E AMERICA
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STF00085896
COLLANA DI STUDI GIURIDICI LATINOAMERICANI

SCIENZA GIURIDICA
E SCIENZE SOCIALI IN BRASILE:
PONTES DE MIRANDA
A CURA DI
GAETANO CARCATERRA
MARCELLO LELLI
SANDRO SCHIPANI

00 li UNIVERSITÀ DI ROMA
DIPARTIMENTO DI STORIA E TEORIA DEL DIRITTO
CENTRO INTERDISCIPLINARE DI STUDI LATINOAMERICANI

CEDAM-PADOVA

S'rF00Q85896
riflessioni sulle assoc1az1oni non- riconosciute. Vi traspaiono, per un verso,
l'esperienza dei precedenti studi sociolagici; e, per altro verso, l'attenzione
per i problemi che oggi diremmo di politica de] diritto. Tuttavia tale sensi-
bilità non incrina mai il rigore dell'indagine giuridica. I « due mondi »
- quello giuridico e quello che giuridico non e - rimangono sempre di-
stinti, anche se non scollegati. ln particolare, non e qui ravvisabile quella PONTES DE MIRANDA: SISTEMA E CAUSALIDADE
commistione tra sociologia e diritto che talvolta e stata avvertita in altre TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR
opere di Pontes 8•
Forse - ma questa, pfü che una conclusione, e una intuizione che af•
fido alla prudente verifica di chi meglio di me conosce !'imponente produzione Pontes de Miranda é uma figura representativa do e s t i 1 o de pensa-
scientifica di questo grande giurista latinoamericano - lo sforzo di raziona- mento filosófico mais marcante na tradição brasileira: o ecletismo. Não
lizzazione che Pontes de Miranda si e imposto nel ridurre a sistema il monu- se trata obviamente de um pensador eclético no sentido em que a expressão
mentale Trattato di diritto privato lo ha indotto a rivalutare quella distin- é usada para designar um movimento filosófico que ocorreu de fato no sé-
zione tra « essere » e « dever essere » che in altre fasi del suo rigoglioso dina. culo XIX e que foi, por assim dizer, o primeiro a ser plenamente estruturado
mismo cogitatívo aveva ritenuto di poter superare.
no Brasil. Este ecletismo, o ecletismo espiritualista, como se chamou na
França e que teve em Victor Cousin seu grande propagador, marcou a
cultura brasileira de modo peculiar. Pontes de Miranda, evidentemente, não
é um eclético nesse sentido. Mas o é, sem dúvida, na forma como o ecletismo
penetrou em amplos setores da elite brasileira desde o século passado: !:J
e s t i 1o eclético de cultura, a que me refiro, está centrado numa amb1çao
de compor em unidade, não sem certo encanto verbal, o desejo de uma
filosofia emancipada, própria, peculiar, e a aspiração não menos viva de fundir
num só bloco doutrinas diversas, nem sempre compatíveis.
Pontes de Miranda pode ser considerado um pensador cujas linhas mes-
tras de preocupação estão enraizadas numa espécie de crença na ciência
como fundamento da filosofia. Sua capacidade fantástica de leitura fez com
que, simultaneamente, fosse a sua preocupação positivista, inspirada na :filo-
sofia do final do século XIX e início do século XX, aliada a contribuições
que vinham de um humanismo liberal, também marcante em sua obra.
Trata-se, na verdade, de uma conciliação difícil, mormente porque ele
reinvindica, em nome da universalização do fenômeno da sociedade, uma
posição contrária ao antropomorfismo. « A vida em sociedade - afirma em
sua Introdução à Sociologia Geral 1 - , não é exclusiva do homem; mas normal,
universal. Encontramo-la nos animais, nas árvores, nos próprios minerais, na
constituição da matéria, na mecânica atomística, na dinâmica dos eletrons ».
Neste sentido amplíssimo, encontraríamos sociedade onde existam fenômenos
coletivos. Assim, o fato social é visto por ele como r e I a ç ã o d e a d a P ·
t a ç ã o , o que vai permitir-lhe dizer que o fato religioso, moral, jurídico
ou de qualquer outra índole reduz-se, em última análise, a um p r o c e s s o
a d a p t a t i v o . Este processo é dinâmico e abrange tanto o indivíduo
em relação ao que ele chama de círculos sociais, como estes em relação aos
indivíduos e entre si. Círculo social é tanto o par sexual quanto uma nação.
Pontes de Miranda, com base nestas premissas, pretendeu instituir uma
radical objetividade no científico da sociedade, assegurando, em conseqüência,

1 PONTES DE MIRANDA, Introdução à Sociologia Geral, Rio de Janeiro, 1926.

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a. ~bjetividade no campo da ciência do direito. Sendo o fenômeno da socia- a) - uma concepção quase inorgânica, não antropomórfica nem biamór-
~ili?ade, q~': é condição do j u r í d i c o , um fenômeno que principia no fica do social;
l~m1ar do. fi~1co, ~os processos de agregação da matéria inorgânica, a concep-
çao do d1re1to ha de ter suas raízes nesta m a t h e s i s u n i v e r 5 a 1 i 5 b) - uma concepção normativa da técnica jurídica;
nem ~~tr?pocêntric~ nem biocêntríca. Neste sentido, afirma ele, assim como
nas c~enc:as na~rais, no período de sua expansão, ocorrera uma desantro- c) - uma concepção liberal e humanista da evolução.
po1:'g1zaçao, assim hoje deve ocorrer com as ciências humanas uma desbiologi-
zaçao. Desse modo, quando se transpõe uma fronteira entre uma ciência e Trata-se, obviamente, de três planos difíceis de serem trazidos a um
outra, ocorre uma metáfora, numa fase seguinte esta produção metafórica único denominador comum. De um lado, a ciência positiva do direito é con-
tem que s:r superada para que a ciência se restruture objetivamente. Quando siderada uma ciência causal e não finalista, posto que as relações sociais, seu
s: _denom1no_u a sociedade de o r g a n i s m o fez-se um paralelismo meta- objeto, não podem ser alteradas ou destruídas pela vontade de ninguém,
'.or1'.:o que nao '.ez avançar a e.'<plicação sociológica, embora tenha criado uma senão mediante outras forças. De outro lado, o direito é fenômeno de adap-
il~sao. de que isto acontencia. Daí a necessidade de se superar a metáfora tação ou corretivo dos defeitos de adaptação'. Entre as rela-
b10Ióg1ca. ções de adaptação, causais, e o caráter corretivo, se instaura uma tensão que
S_eri_a co~ 7ste propósito que ele, ao tentar fundamentar a ciência positiva precisa ser explicada.
do d!re1to, ~Ja ent~o: « Que é o direito? É o que estabelece a solução nos Principiemos por esclarecer a relação de adaptação quanto ao fenômeno
conflitos da vida social; ( ... ). Onde ele reside? Nos nossos espíritos? É muito jurídico. O direito é um fenômeno natural, função das formas e estados
frágil repositório para energias que domam a todos; e uma coisa é O direito sociais. Como fenômeno, ele se caracteriza pela relação de adaptação. Direito
e outra, a idéia, o sentimento do direito. Nos códigos e nas leis escritas? é conjunto de relações de adaptação entre os homens. Não se trata, porém,
Não; que n_ão precisa ~!e estar no papel para atuar, nem tudo que se lança de uma função mecânica, uma espécie de resposta do ser vivo às pressões
nos pergammhos, nos li_vros~ nos diários oficiais, ainda que leis se diga, me- do mundo exterior. Como explicar isso?
rece o nome d~ regra. Jurídica. Na sociedade? Sim; é ali que o haveis de Observa Pontes de Miranda que, sendo todas as relações de direito, de
encontr~r, na ~Ida social, um de cujos elementos é ele; e se quereis vê-lo, um lado direitos (subjetivos), de outro obrigações, a adaptação resulta do
prov~cai-o, fer:_-o, que não tarda;á o vejais no que ele tem de mais perceptível, fato de que cada parte consegue seus fins, d entro d a r e Ia ç ão j u r í -
~ue e a coerçao, ou no que ha de mais geral e revelador da solidariedade d i c a , por mais curto caminho e tempo, com menor perda de energia e-
metente aos corpos sociais, a garantia » 2 • menor esforço do que fora da relação jurídica. É óbvio que, naturalmente
Aten;e-se bem •. estas formulações. O texto lembra Jhering. Ultrapassa- falando, qualquer parte pode pretender o consentimento dos seus fins fora
lhe, porem, a _conceituação, pois não põe a tônica na coerção, que implica da relação de direito até com vantagem quanto a tempo, espaço e energia.
ce;t? voluntar_1smo, mas nas próprias relações sociais. Na verdade, ao con- Mas rompe•se, nesse caso, a relação jurídica e o custo global se altera em
tra~10 de Jhermg, o elemento coercitivo representa um elemento despótico, desfavor do social. Nesse sentido, a efetivação do direito é força social em
rest?uo. que ~everá_ se_r e~pung~do ~- O direito, assim, como expressão do função de eficácia: colocação ou retirada de providências. O direito é, assim,
e?uil~r10 social_é md1_c~t1v~, n~o Imperativo; mas é um sistema de orga- uma das adaptações do homem à vida em sociedade tendo por fim destruir
mzaçao das_relaçoes soc1a1s h1stoncamente variável: nesse objetivo desenvolve- ou minorar, pela garantia e pela coação, os efeitos ou causas de certos defeitos
se do S e I n para o S o I_ 1e n , ~aq~ilo que é nas relações sociais para de adaptação reputados como os mais graves 6 •
o que_ d e v e s e r nos d1:ames tecmco-normativos. O ajustamento entre A matéria social é, assim, composta de relações sociais, como os corpos
os dois planos - o da teor1a (Ciência Positiva do Direito) e o da técnica o são de moléculas. O caráter social das relações jurídicas, de estrutura se-
(~ogmática fu;id(ca) - será feito com a eliminação progressiva da e n e r - melhante até às relações inorgânicas, explica o vínculo jurídico, que não
g_ I .ª 4a u t o r 1 t a r I a que se transforma em persuasão racional (energia repousa em qualquer forma teleológica de uma vontade psicológica (inten-
CIVIi) •
ção das partes) que Pontes de Miranda considera preconceito metafísico 7 ,
· Vê-se por aqui que o projeto de uma ciência do direito em Pontes mas numa espécie de adequação objetiva de fenômenos. Esta adequação se
de Miranda é constituído de três planos: manifesta espontaneamente em costumes os quais revelam regras jurídicas,
2
as mesmas que podem ser estudadas e descobertas por quem procure o
• PoNT~s DE MIRANDA, Sistema d-e Ciência Positiva do Direito segunda edição I
Rio de Janetro, 1972, 72. ' ' '
.: PONTES DE MIRANDA, Sistema cit., I, 203.
5 PON1'ES DE MIRANDA, Sistema cit., I, 202.
PONTES DE MIRANDA, lntrodttção à Política Cientifica, ed. Garnier, Rio de Janei-
ro, 1924. 6 Sistema cit., II, 129.
1 Sistema cit., IV, 27.
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STF BlBL\OTEC~
direito, cientificamente; nos fatos sociais. Mas as relações jurídicas são sociais
Tenha-se presente, portanto, que as regras jurídicas têm por objecto a
também no ·7entido de que i n t e n t a m prover à adaptação (sem que se
coexistência dos homens, isto é, as relações sociais no sentido de processo
d~va tomar 1sto como uma expressão teleológica), sendo, então, corre -
social de adaptação do homem ao meio. Mas, além disso, o direito, como
t 1 v o s da adaptação. Aqui o vínculo jurídico repousa no grau de eficácia
vimos, é também um cor r.e ti v o dos processos de adaptação. Como
~ de ac:rto, ou desacerto, da regra jurídica aí revelada para ajustar ou conci- entender isto?
liar os mteresses humanos que na emergência estão presentes 8•
Afirma Pontes de Miranda 12 que o direito, ao corrigir defeitos de adapta-
Pode-se entender, em conseqüência, que para Pontes não há diferença
ção, serve imediatamente à luta pela vida. Antes de conhecer o direito, diz
essencial entre lei jurídica e lei científica, extraindo-se a regra contida nas
ele, vivem - no os indivíduos 13 • Mas nem o direito que eles vivem é o
relações sociais ou r e e 1 a m a d a s por eles, como se extraem das outras
melhor que poderiam viver. Sendo o homem um ser cognoscente, o direito
relaç~e 7 a~ .demais leis do 1;1~ndo. A única diferença, diz ele, está em que conhecido e sistematizado atua sobre o social, facilitando os processos de
na le1 1urid1ca o aspe_cto. teorice e prático são concomitantes. A lei é, pois, adaptação. Trata-se de um efeito reflexivo do direito sobre si mesmo, que
uma regra causal-explicativa, mas a sua utilização tem caráter imperativo.
permite um aparelhainento melhor do homem para a própria coexistência.
Trata-se de uma fórmula curiosa, através da qual Pontes procura conciliar Deve-se compreender que esta tortuosa forma de demonstração da natu-
o s e _r ; ~ d e v e r ~ e r da regra jurídica sem violar a sua subordinação ralidade do fenômeno jurídico coloca afinal como um problema não resolvido
ao ~rmc1p10 da. causalidade. A regra jurídica, diz ele 9, é uma realidade, a questão da liberdade humana em face desta estrita causalidade que domi-
ela e, mas a medida do seu ser é a sua r e a li z a ç ã o. É o estabelecimento na o universo em Pontes de Miranda. Tudo que já foi, diz ele 14 , comprova
de regras de conduta, cuja i n c i dê n c ia é independente da adesão da- o determinismo, o que vai ser comprova a liberdade. Tentando conciliar
queles a que a incidência da regra possa interessar, que faz do Direito um os dois termos, afuma Pontes que o princípio da liberdade e a causalidade
processo de adaptação social. A regra jurídica é um e n u n c i a d O e são as duas feições, uma espiritual e outra material, do mesmo fenômeno;
a q u i. 1o q u _e s e r e a 1i .'. a do enunciado. Existe nela, tanto quanto uma subjetiva e outra objetiva. Nesse sentido não haveria contradição entre
nas leis naturais~ uma probabilidade - em grau menor, é verdade _ que a elas nem no presente nem no passado. É só na perspectiva do futuro que a
torna uma relaçao causal.
contradição surge. Mas como o futuro é só perspectiva, quando esta se rea-
Chamando a atenção para algo que ele entendia como uma confusão da liza, a contradição desaparece.
ciência jurídica alemã, Pontes discute, assim, a estrutura da regra jurídica A determinação causal do homem, da sociedade e do direito se põe,
d~ um~ forma peculiar. Trata-se de um imperativo ou de um enunciado portanto, do ângulo objetivo. O próprio homem, ao encarar-se como_ objeto,
hipotético? Sua resposta é: nem um nem outro. A incidência da lei ocorre percebe-se como causalmente determinado. Ao afumar o seu próprio eu ,
n~ mundo dos fatos sempre. Ela é fato do pensamento. Já o ate n - porém, crê - se I i v r e. A liberdade surge, na verdade, porque o _homem,
d i me n to das regras pode ser de probabilidade maior ou menor. Final- sendo um ser que tem de se adaptar para viver, toma esta adaptaçao como
~ente, dado ~ seu _nã;' ~ten~mento, o~or.re a atividade do Estado que pre- um f i m e, tudo o que faz para alcançá-lo, como um m e i o . Assim, ao
vine ~uan:o a res1_stencia a regra, D1stmguem-se assim três aspectos da projetar a relação meio/fim sobre a relação causa/efeito, surge a liberdade.
r';_gr~ Jurídica, relac10nados mas diferentes: a) o de sua razão de ser (inci- Tudo é, pois, uma questão de enfoque: a relação meio/fim é prosp~c_tiva,
dencia), _h) o d~ seu atendimento (probabilidade), c) o de sua aplicação donde o sentido futuro da liberdade que, no entanto, se torna determm1smo
(prevença? .à resistência). A regra jurídica, pois, enuncia algo sobre os causal toda vez que o fim se realiza.
fatos, pos~uv:_ ou negativamente. Trata-se de enunciado que nada tem a ver Poder-se-ia objetar, contudo, que, a aceitar-se esta explicação sobre a
com a aphcaçao da regra pelo Estado em caso do não atendimento. A tutela liberdade, conseqüentemente a responsabilidade jurídica não teria um _fun-
do Estado é que se exprime numa forma hipotética: se não - A então a damento. Isto porque ainda que se admitisse o caráter prospectivo da liber-
sanção S. E onde estaria o aspecto imperativo? Responde Pontes de Miranda dade, a responsabilidade teria de ter caráter retrospectivo: o homem res~onde
que ~e trata apen~s de uma questão de formulação de técnica jurídica 10, pelo que fez e não pela virtualidade do que pode fazer em face do que e. Em
ou seJa a formulaçao legal na forma imperativa é simples meio técnico que outras palavras, se o homem se crê livre apenas na perspectiva do futuro
não se confunde com o próptio direito 11 • '
mas nunca é livre na perspectiva do que aconteceu, a responsabilidade pelo
que fez não teria por base a liberdade, mas a causalidade. A conclusão seria,
8 Sistema cit., IV, 20. assim, no mínimo incompreensível: o homem é responsabilizado pelo que
9
PONTES DE MIRANDA, Comentário à Constitt1ção de 1967, R. T., São Paulo, 1973,
!, 30.
10 Sistema cit., I, 222.
Sistema cit., III, 255. 12
11 Sistema cit., III, 259. 13 Sistema cit. 1 III, 141.
14 Sistema cit., 11 106,
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causalmente tinha de fazer e não poderia deixar de ter feito. Como enfrenta capaz ou, nos corretivos dos erros de adaptação, como elemento expurgado"·
Pontes de Miranda esta questão? Responsabilidade é, pois, um mecanismo pelo qual o ser humano se
Observa ele, antes de tudo 1\ que nos códigos penais e civis há sempre adapta ao seu meio. Responsabilidade é um sistema de adaptação peculiar
regras j_urídícas q~e. supõem a livre determinação da vontade, ao passo que ao ser humano, sendo a responsabilidade individual um sistema peculiar às
as teonas determm1stas mostram o crime como produto das influências sociedades modernas, que a evolução social poderá inclusive fazer desapa-
atuantes. Daí surgem duas posições inconciliáveis entre os filósofos do direito. recer. Ou seja, independentemente da questão do determinismo e da liber-
Uns .dirão que o hom':m é livre, podendo fazer ou não fazer algo e que, dade, o homem é responsável. O fundamento da responsabilidade não é a
por isso, deve ser castigado ou punido. É o livre-arbítrio, que Pontes con- liberdade em oposição ao determinismo. Determinismo ou liberdade e uma
sidera um elemento d e í s ta observável nas legislações. Outros dirão que questão distinta da responsabilidade. Aquela é uma questão de perspectiva
o homem não é livre. O ato é produto e não surto espontâneo: não se podia e temporalidade na relação sujeito/objeto típica dos estados avançados de
não ter querido ou não fazer o que se quis ou o que se fez ou ter praticado evolução. Já a responsabilidade é uma questão de adaptação do homem ao
o que não se praticou. meio, cujas raízes são muito mais antigas.
Diante destas duas possibilidades, pondera Pontes de Miranda que não A questão da liberdade/ determinismo é uma questão filosófica que se
s6 a conciliação é possível em termos de determinismo/liberdade, mas também revela como uma pseudo-oposição à luz da ciência. A questão da responsa-
que a questão da responsabilidade independe do problema da liberdade. bilidade é uma questão sociológica que nas origens nada tem a ver com a
Não há, diz ele, entre a vontade do criminoso ou do doente e a do homem anterior. Por isso Pontes de Miranda louva os códigos civis modernos que
1: 1
,, normal ou do não-delinqüente qualquer diferença quanto à liberdade: um e se eximem de apreciar a questão do livre arbítrio, evitando conceituá-lo
,,
outro estão sujeitos à d e t e r m i n a ç ã o , na perspectiva objetiva do legalmente 19 • Seria o caso do Código Civil Brasileiro de 1916 que, segun-
" 1
passado, e, 1 i v r e s , na perspectiva subjetiva do futuro. E a responsabili- do ele, se limita a declarar o direito geral de personalidade (art. 2º), a
dade? « A responsabilidade é sistema atual de solução; incapaz, o que não igualdade civil independentemente de nacionalidade ou origem (art. 3°), fixa
é apto para ele » 16, numa frase que é, no mínimo, enigmática. Ora, pergun- o começo da vida civil e a proteção pré-natal (art. 4º e 1718) e apenas
tamos, que significa isto? enumera os absoluta e os relativamente incapazes, (art. 5° e 6°), sem falar em
Citando o filósofo americano W. P. Montague 17, Pontes diz que, de um livre determinação da vontade e outros pressupostos metafísicos semelhantes.
lado, deve-se levar em conta uma relação de potencialidade que tanto inclui Embora, na evolução humana, a questão da responsabilidade tenha sido
a presença virtual retrospectiva de certa causa em seu efeito como a pre- proposta em termos de liberdade/determinismo, o correto entendimento da
sença virtual de um efeito em sua causa; de outro, uma definição de cons- questão, para Pontes, deve, portanto, ultrapassar o que lhe parece uma
ciência como a presença potencial ou implicativa de uma coisa em lugar ou explicação não-científica. É na luta pela sobrevivência enquanto manifesta-
em tempo em que esta coisa não é atualmente presente: a consciência es- ção evoluída de estruturas que encontramos em relações orgânicas e inor-
t~nde-se no presente, no passado e no futuro; a consciência é capaz, poten- gânicas, que está o fundamento da responsabilidade. O mecanismo da res-
cialmente, de pensar e querer o que não é atualmente presente e passado. ponsabilidade é social, mas sua origem é biológica, mesmo física. É um
Assim, o homem é responsabilizado pelo que objetiva e determinadamente fez mecanismo que atua mesmo contra a vontade dos que agem e independen-
enquanto uma atualização daquilo que potencialmente sempre esteve presente temente de qualquer prospecção dos sujeitos. Mecanismo de adaptação, esta-
na sua consciência subjetivamente livre. E o que é a responsabilidade? bilizante, fixador, a responsabilidade é sempre a mesma, como é sempre o
A responsabilidade não é nem uma entidade metafísica, ligada ao livre- mesmo o oxigênio que há na fruta, no ar, na água: os componentes é que
arbítrio, nem uma expressão vaga e imprecisa para distinguir entre compor- se diferenciam.
tamentos psicologicamente normais e patológicos, mas um fenômeno social. Em suma, Pontes de Miranda sustenta até onde possa esta forte atitude
Também ela se explica como um fenômeno de adaptação, causalmente deter- naturalística, em que o fenômeno jurídico é um fato da natureza, da mesma
minável. Trata-se de um processo de reação e defesa, cujas raízes estão na natureza e estrutura dos fatos físicos-naturais, Enquanto um sistema de
vingança e que expressa, no homem desenvolvido, pela reação sancionadora. relações e de conciliação ou composição de forças, o direito tem algo em
No direito, diz Pontes, o que é responsável, isto é, mais amplamente, o que comum com o mundo orgânico e até mesmo com os sólidos inorgânicos,
é suscetível de sanção, é o que, nas relações de adaptação, se revela como in- sendo a causalidade o seu princípio sistemático de organização. Trata-se
de um naturalismo reducionista, pois não apenas sustenta que tudo o que
existe é n a t u r a 1 , isto é, pertencem ao complexo da natureza, mas so-
15Sistema cit., I, 129.
16Sistema cit., I, 131.
17
W. P. ~ONTAGUE, Essays in hono1· of William James, New York, 1908, 105 e 1s Sistema cit., IV, 235.
The Neto Realtsm, New York, 1912 1 281. PONTES DE MIRANDA, Sistema cit., I, 232. 19 Sistema cit., I, 131.

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bretudo que qualquer fenômeno no mundo deve reduzir-se e explicar-se
como e mediante uma entidade natural. É o caso do direito.
Qual, afinal, o juízo que se pode fazer sobre a tese de Pontes de Miránda
que caracteriza o direito como fenômeno natural e a ciência jurídica como
ciência causal? Em primeiro lugar pode-se dizer que ele paga tributo a PARA UMA TEORIA GERAL DO DIREITO
um naturalismo do século XIX que dominou inconteste' o espírito da cultura A PARTIR DA ANÁLISE DOGMÁTICA
no início do século XX. Senhor de uma cultura e erudição polimorfas, Pontes DA OBRA DE PONTES DE MIRANDA
encara o saber jurídico como uma verdadeira enciclopédia das ciências.
Textualmente diz ele que, para conhecer o direito, é preciso convocar todas ALOYSIO FERRAZ PEREIRA
as ciências. Ora, isto dá à leitura uma impressão de ecletismo indigerível,
posto que o leitor tem dificuldade de montar o sistema que dali deve
emergir. Talvez a chave para a sua compreensão esteja na tese da causalidade A teoria geral do direito de Pontes de Miranda assenta sobre a sua fi-
e naturalidade do fenômeno, mas a presença forte das técnicas de aplicação losofia do direito; e esta, por sua vez, não é mais do que a sua :filosofia
do direito desenvolvidas pela ciência dogmática e usadas em sua obra jurí- geral enquanto se volta para o direito, a fim de compreendê-lo e explicá-lo.
dica stricto sensu provocam inúmeras perplexidades. Fica-se, afinal, com a Aqui somente trataremos de sua teoria geral do direito, a partir da análise
impressão de que, como muitos positivistas do século XIX, o ilustre autor de algumas de suas teorias, que estruturam as dogmáticas particulares de que
tentou uma acrobacia impossível: passar do indicativo ao normativo, sem ele cuidou. Àquelas suas filosofias só nos permitiremos talvez alguns raros e
qualquer intermediário. Assim, se, de um lado, parece conseguir uma har- breves olhares, na medida em que forem indispensáveis ao entendimento
monia da ciência do direito com as demais ciências naturais, sua obra dogmá- da teoria geral e das dogmáticas regionais. Também nos imporemos igual
tica parece, de outro lado, produzir um pensamento à parte, não obstante abstenção a respeito de sua atividade no campo de ciências outras que não
os esforços do autor em vinculá-los, como se vê nas introduções que prece- o direito.
dem obras como os Comentários à Constituição ou o Tratado de Direito O meu primeiro princípio metódico, nesta comunicação, será o de en-
Privado. carar a teoria geral do direito e as noções fundamentais da dog!X\ática do
Como modelo explicativo do direito, o sistema de relações de adaptação mesmo modo como uma e outras se desprendem e se confirmam no conjunto
por ele proposto, não se revela operacional quando projetado, com preten- da obra jurídica de Pontes de Miranda. Vale dizer que não vou deter-me
sões científicas, sobre as necessidades dogmáticas. Quando muito acaba por nas obras e teorias em que o Autor ergueu os seus projetos científicos, que
produzir uma espécie de cientificismo paradoxalmente liberal, em nome do foram posteriormente realizados no todo ou em parte, ou abandonados,
qual Pontes de Miranda aponta os erros de legisladores, tribunais, administra- aperfeiçoados ou superados, ao longo de sua rica experiência de homem e
dores, comentadores, os quais, por ignorarem o caráter social e causal do de jurista. Não me sobra tempo, nesta abordagem, para focalizar a evolução
fenômeno, propõem soluções normativas inaceitáveis. Sua idéia é de que a do nosso Autor, determinar-lhe fases e, entre elas, comparar-lhes as caracte-
ciência liberta o homem do jugo tirânico da ignorância. Tese perigosa, quando rísticas.
se pensa que, ao contrário, a verdade afumada com a intransigência do rigor, Minha visada será sincrônica. E procurarei reter o que me parece consti-
limita o diálogo, perverte o consenso e estatui, como base da convivência, tuir nessa obra realizada, profusa e complexa, alguns pontos entre os mais
a adesão incondicionada. salientes, algumas de suas articulações vitais.
Não procuro ser original. Neste trabalho, « je prends mon bien 011 je le
trouve ». Em primeiro lugar, obviamente, os textos de Pontes de Miranda
que parecem relevantes aos meus fins; em seguida, para ser breve, utilizo
resumos de alguns juristas que vêm aprofundando, com esprírito crítico e
entusiasmo, o estudo meticuloso de suas obras. À sua frente, devo referir
o MM. Juiz do Tribunal de Alçada de São Paulo, dr. Mozar Costa de Oli-
veira. Entre os autores por mim utilizados cumpre-me referir: drs. Sergio
Sérvulo da Cunha, Antonio Carlos de Oliveira Carneiro, Cristina Lino Mo-
reira, Mário Müller Romiti, Ricardo Ramos, Edwilson Alexandre Loureiro
e o já mencionado prof. Costa de Oliveira. A todos. eles declaro o meu dé-
bito e gratidão.
Postos entre parênteses os resultados e as posições de Pontes de Mi-

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