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Narciso

Dentro de mim me quis eu ver. Tremia,


Dobrado em dois sobre o meu próprio poço...
Ah, que terrível face e que arcabouço
Este meu corpo lânguido escondia!
 
Ó boca tumular, cerrada e fria,
Cujo silêncio esfíngico bem ouço!
Ó lindos olhos sôfregos, de moço,
Numa fronte a suar melancolia!
 
Assim me desejei nestas imagens.
Meus poemas requintados e selvagens,
O meu Desejo os sulca de vermelho:
 
Que eu vivo à espera dessa noite estranha,
Noite de amor em que me goze e tenha,
.... Lá no fundo do poço em que me espelho!
 
José Régio, “Narciso”, Biografia. Lisboa: Portugália, 1969.
 

- Alusão ao mito de Narciso

Narciso – era um deus formoso desejado por todas as ninfas, mas ele não desejava nenhuma.
Um adivinho, Tirésias, preveniu que este só viveria se não contemplasse a própria imagem. Um
dia, quando regressava de uma caçada, sentou-se junto a uma fonte para beber água e
refrescar-se. Nesse momento, viu a sua imagem reflectida na água cristalina. Ao ver a sua
imagem apaixonou-se por si mesmo e acabou por morrer. Após a sua morte, foi
metamorfoseado em flor, à qual foi dado o nome: narciso.

Neste poema, José Régio recorre ao mito de Narciso, mas adapta-o à sua realidade. No mito,
Narciso apaixonou-se pela imagem refletida, mas, sendo ele um e não dois, tal nunca seria
possível.
O “eu” poético sente necessidade de se ver a si próprio, não fisicamente, mas para ver o seu
verdadeiro “eu”, a sua alma. O poeta não se olha numa fonte como o deus, mas procura através
da introspecção chegar a esse “eu”. O poço é algo profundo e escuro; é aí que procura conhecer
o seu verdadeiro “eu”, a sua interioridade que contrasta com o aspeto frágil do corpo (“este meu
corpo lânguido”). Tal como Narciso era conhecido pela sua formosura, temos aqui o “eu” poético
que também se descreve como um jovem belo (“Ó lindos olhos sôfregos, de moço”)
fisicamente, mas com o objetivo de estabelecer um contraste com o sofrimento e a
angústia que vive interiormente (“Numa fronte a suar melancolia!”). Predomina a ideia
de um poeta angustiado e incompreendido. Contudo, ao continuarmos a leitura do
poema, verificamos que não passava da imaginação, pois era assim que desejava e que
transparecia nos seus versos “requintados e selvagens”. Na realidade, ele deseja essa
união entre o seu “eu” exterior e interior. Deseja esse conhecimento do seu interior, mas
nos últimos versos o “eu” poético parece não acreditar que esse dia chegue.
 
O NARCISO
O desenho impreciso
De cada rosto humano, reflectido!
Mas o velho Narciso
Contínua fiel e debruçado
Sobre o ribeiro...
Porque não há-de ver-se inteiro
Quem todo se deseja revelado?
Devorador da vida lhe chamaram,
A ele, artista, sábio e pensador,
Que denodadamente se procura!
A movediça e trágica tortura
De velar dia e noite a líquida corrente
Que dilui a verdade,
Quiseram-lhe juntar a permanente
Ironia
Desse labéu de pérfida maldade
Que turva mais ainda a imagem fugidia.
.
In "Cântico do Homem" (Coimbra, 1950)
Miguel Torga

Na obra “Cântico do Homem” de Miguel Torga, podemos encontrar um poema com o


mesmo título do de José Régio. Miguel Torga, tal como José Régio, faz alusão ao mito de
Narciso. O poeta telúrico introduziu algumas alterações ao mito, pois refere-se a Narciso
como “o velho” que se olha num ribeiro e não numa fonte. Contudo, aqui podemos ver
alguns traços em comum com o poema de José Régio. Há uma persistente preocupação com
o autoconhecimento. O “eu” poético procura não num único momento, mas ao longo da
vida esse conhecimento total, “Porque não há de ver-se inteiro”. O poeta, tal como no
poema de José Régio, deseja e procura denodadamente (com coragem) a sua verdade, ter a
verdadeira imagem de si, mas parece nunca conseguir.
O recurso a este mito permite aos poetas refletir sobre a dualidade de um conhecimento
exterior e interior. Os dois poetas fazem referência à composição poética e ao artista que
procura insistentemente esse conhecimento por meio da introspecção.

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