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Eu preferiria não
fazer um prefácio.
(ou, Um prefácio para um Bartleby qualquer)
Centro de Comunicação e Expressão
Departamento de Língua e Literatura Estrangeira
LLE7021 - Literatura Ocidental I - André Fiorussi
Matheus Lima Alcantara
Florianópolis, Maio de 2018.
Matheus Lima Alcantara - “Eu prefiriria não fazer um prefácio”
Sobre
Prefácio
Em Bartleby, Melville constrói pouco a pouco a rotina de um escritório
comum na icônica Wall Street. Os personagens de costumes cíclicos, falas prontas e
atitudes previsíveis são pouco a pouco enraizados no dia-a-dia do pequeno local de
trabalho. A atividade principal em si - os títulos de propriedade, crédito e hipotecas -
difere muito daquela imagem atribulada à qual associamos a atividade financeira da
bolsa de valores mais conhecida do mundo. O narrador em si, não deseja nada além
da segurança. Nada de riscos, emoções ou grandes projetos. Em sua companhia
então, os dois escriturários Peru e Alicate e o fiel-escudeiro-menino-de-recados
Biscoito de Gengibre mantém a rotina não atribulada. Uma indigestão na manhã,
um pouco de calor e destemperamento à tarde são o auge do desvio na calmaria
esperada. Nada que as fachadas cinzentas e monótonas não dessem conta de
regularizar com o tempo.
E é nessa rotina, nesse balé simplório que o narrador - dono do
escritório - se vê necessitado de mais um profissional. Surge então Bartleby, o
terceiro escriturário no escritório e o objeto deste breve conto. Inicialmente um
profissional eficiente, Bartleby se mostra na verdade como mais do que o esperado,
a partir do momento que profere pela primeira vez sua famosa frase: “I would
prefer not to”. Seu patrão, se vê preso em uma encruzilhada moral. Como punir
alguém que se nega algo de forma tão sóbria, paciente e até mesmo respeitosa?
Em terra de homens de negócios, a razoabilidade é lei. E portanto
Bartleby vai criminosamente se esgueirando sem querer querendo pela vida no
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Matheus Lima Alcantara - “Eu prefiriria não fazer um prefácio”
trabalho. Ou pelo trabalho que parece perturbar a sua vida. A negação de Bartleby
se torna regra e o narrador se vê confrontado com diversos problemas morais que
atribui a Bartleby. Como homens corretos - “com todo o respeito senhor” - o
narrador, os outros escriturários e até o officeboy se mostram incrédulos quanto à
postura de Bartleby. Se o leitor preferir concordar com o narrador, pode-se notar
uma certa melancolia na vida de Bartleby. Se preferir não, Bartleby é só uma
personagem que pensa diferente de todos os outros.
À primeira vista, Bartleby soa só como uma pessoa estranha, que
“preferiria não” fazer o que quer que se quisesse que ele fizesse. Entretanto o
escriturário é tão conciso e decidido em sua “política” que sua determinação beira
níveis conceituais. Não fosse os pequenos biscoitos de gengibre e o pedaço de queijo
escondido em seus pertences, Bartleby não realizaria nenhuma atividade biológica
durante todo o conto que não fosse respirar.
O leitor poderia então querer saber que diabo de conceito seria esse de
um homem que se nega tanto a performar qualquer tarefa, que quase nega a sua
própria humanidade. Isso depende muito de quem esse mesmo leitor prefere ouvir.
Para os psicólogos, Bartleby provavelmente seria algum tipo de depressivo. Para os
médicos, um louco. Para os comunistas, talvez Bartleby signifique a resistência do
operário ao patrão. Uni-vos! Fazei nada!
Independente da interpretação ela não me pertence. Eu preferiria não.
É curioso ouvir os ecos de Bartleby - ao negar quiçá sua própria
existência - e sentir que tudo soa como uma performance. A performance da
narrativa nesse sentido, escolhe falar do nada. Do não fazer. Ela nega o conteúdo ao
leitor, apresentando em contraposição uma reflexão forçada. Por que Bartleby nos
incomoda tanto? Alguns riem, alguns roem unhas, chacoalham pernas, mordem
canetas e batucam ao ler a história do escriturário que preferiria não ser um
personagem. O que nos resta é analisar o silêncio.
O silêncio que verte - seja do autor, do narrador ou do leitor - é o mesmo
que verte quando somos obrigados a esperar. Uma inquietação, um incômodo
natural pela falta de desfecho. Engraçado é que quase cem anos depois, John Cage
decidiu nos cutucar mais uma vez com esse mesmo silêncio. A peça em três
movimentos 4’33’’ (Quatro Minutos e Trinta e Três Segundos), de “instrumentação”
livre, foi apresentada pela primeira vez em 1952, e o conteúdo da peça não passa do
mesmo intervalo de tempo do mais puro, absoluto e torturante silêncio - um “Eu
preferiria não tocar” - Executado “virtuosisticamente” por diversos instumentistas
até a contemporaneidade, 4’33’’ nos abraça com a nossa própria inquietude. O
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silêncio do performer nos arranca o som. A fala. O canto. A ação. Assim como
Bartleby nos arranca da cadeira ao se recusar a tocar a música do homem moderno.
Talvez jogar o busto de Cícero pela porta fosse uma forma menos sutil de
negar as narrativas até então recorrentes. Talvez fosse a forma do narrador de jogar
tomates na epopéia de Bartleby. Falar de deuses, heróis, grandes acontecimentos e
grandes sentimentos não é nada para Melville, que prefere falar dos homens
pequenos. Por que falaríamos da raiva de Aquiles se podemos falar da apatia de
Bartleby? Ou por que sofrer com Werther se podemos observar de longe a
singularidade do jovem escriturário e ver os sofrimentos de todos que o rodeiam? Se
Bartleby já é algo além de um personagem, que seja performance. A performance do
não. Da negação. Um homem anão.
Anão performance, eu adicionaria “com todo o respeito”.
“Gostaria de mais uma xícara de emoção senhor?”
“Eu preferiria não”
Os gregos talvez nunca entenderiam o que se passava na cabecinha de
Bartleby. Ou melhor ainda, o que se passava nas cabeças de seus colegas e patrão,
quando, afrontados com o “não” claro e amaciado, não viram saída. Não havia
cerveja ou expulsão ou sanatório que pudesse convencer Bartleby a preferir fazer
alguma das tarefas que lhe propunham. O comportamento de Bartleby é tão
desviante do esperado que todos que convivem com ele tempo suficiente parecem se
descobrir contagiados pelo seu modo de pensar. Se a doença pega com tanta
facilidade, talvez não seja tão doença assim.
Então, caríssimo leitor, ler Bartleby é um deleite para a sua curiosidade
mais mesquinha e ordinária de ser humano. Ao mesmo tempo em que você é
apresentado à uma situação totalmente nova, o espaço se mostra totalmente
simplório. Só mais um escritório qualquer, de um advogado qualquer, com uma
fachada pouco iluminada qualquer, que por acaso sofreu a interferência de um
escriturário qualquer. Melville nos mostra que o ordinário é maravilhoso, e a
solidão destes homens, pelo visto também é ordinária. Pelo jeito o que resta à eles é
a leitura noturna de grandes feitos, de grandes sentimentos de amor, enquanto
durante o dia se copia a hipoteca de algum milionário de Wall Street.
Mas não se engane aquele que achar que o ofendo com a mesquinhez do
homem! Não! Somos apenas reféns, homens desamparados, que não encontraram
ainda nosso próprio efeito Bartleby para chamar de nosso!
“Ah, Bartleby! Ah, humanidade!”
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Matheus Lima Alcantara - “Eu prefiriria não fazer um prefácio”
Referências Bibliográficas
MELVILLE, Herman. Bartleby, The Scrivener: A Story Of Wall-street. The Piazza
Tales, 1856. - disponível em:
http://www.gutenberg.org/ebooks/15859 (acessado em 06/05/2018)
MELVILLE, Herman. Bartleby, o Escriturário - Uma história de Wall Street (Trad:
Cássia Zanon), Le Livros.
Wikipedia. Bartleby - The Scrivener - disponível em:
https://en.wikipedia.org/wiki/Bartleby,_the_Scrivener (acessado em 06/05/2018)
BORGES, Jorge Luis. Prólogo Bartleby, el escribiente, Biblioteca de Babel, Ediciones
Siruela, 1997 - disponível em :
http://borgestodoelanio.blogspot.com.br/2016/05/jorge-luis-borges-prologo-bartleby-el.
html (acessado em 06/05/2018)
Wikipedia. 4’33’’ - disponível em:
https://en.wikipedia.org/wiki/4%E2%80%B233%E2%80%B3 (acessado em 06/05/2018)
Imagem de pesquisa textual “is bartleby” - disponível em:
https://www.google.com/ (acessado em 06/05/2018)
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