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Ficha

Catalográfica

Autor
Guilherme Ávila

Criação e Editoração Eletrônica da Capa


Edson Santos de Souza
Editora Kiron

Produção Digital
Paulo de Tarso Soares Silva
Editora Kiron | editorakiron.com.br

A958a

Ávila, Guilherme

A arte mágica: a percepção em perspectiva; Guilherme Ávila. Brasília: Editora Kiron, 2014.

ISBN 978-85-8113-331-7

1. Arte. 2. Entretenimento. 3. Mágica. I. Título.

CDU 79
Sobre o autor

Guilherme Ávila se encantou pela Arte Mágica ainda na infância. Aos 12 anos, fez sua primeira
apresentação em público e ingressou na então Associação dos Mágicos de Brasília (AMBRA), onde
amadureceu seus conhecimentos e se destacou, apesar da pouca idade.
Atualmente com 22 anos, Guilherme é formado em Economia pela Universidade de Brasília e é
ilusionista profissional com 10 anos de carreira. Desenvolve shows de ilusionismo para entretenimento
corporativo e particular, foi fundador e professor do Curso de Ilusionismo de Brasília, membro fundador
da Academia Brasiliense de Mágica (ABM) e viaja com frequência para congressos de ilusionismo no
Brasil e no exterior, sempre buscando aprofundar-se nessa arte.
Para mais informações, visite www.guilhermeavila.com.br
Lista de figuras

Figura 3.1: Diferença esquemática entre um truque e um número de mágica.


Figura 6.1: Por dentro de um número de mágica.
Figura 6.2: Como que os elementos de um número de mágica (figura 6.1) estão interligados.
Figura 7.1: Forward Time Displacement.
Figura 7.2: Backward Time Displacement.
Figura 7.3: Análise do nível de interesse.
Figura 7.4: Pontos de clímax e o nível de interesse.
Figura 7.5: Formato não desejado da curva de interesse.
Figura 9.1: O processo de comunicação.
Figura 9.2: O processo de comunicação no caso específico da Arte Mágica.
Figura 9.3: Os cinco pisos da Pirâmide Mágica, segundo Juan Tamariz.
Figura 9.4: O modelo de pirâmide mágica segundo Henry Vargas.
A Eduardo, meu pai,
que tanto me ajudou desde o início de minha carreira,
e a Rita, minha mãe,
que além de ser a pessoa mais incrível que já conheci,
foi mais importante do que ela imagina
em tudo que já fiz na vida.

Eu quase que nada não sei, mas desconfio de muita coisa.


Grande Sertão: Veredas
Agradecimentos

Escrever este livro não foi um projeto ligeiro. Gostaria de agradecer a todos que me ajudaram e
incentivaram, de qualquer forma, a concretizá-lo. Não poderia deixar de agradecer especialmente a:

• Henry Vargas, por ter gentilmente contribuído não apenas com o prefácio, mas também com ideias
expostas na seção 9.4;
• Ozcar Zancopé e Juan Araújo, pela leitura prévia do livro e pelos valiosos comentários;
• Irene Lage, pela cautelosa revisão de todo o texto e pelos fantásticos insights;
• Eliana Ávila e Rita Ávila, pelas sugestões e comentários preciosos;
• Lisieux Amaral, pelo companheirismo e por toda paciência e compreensão com minha dedicação à
Mágica;
• Gabriel Ávila, meu irmão mais velho;
• Meus verdadeiros amigos, que tornam minha vida muito mais feliz (não vou citar nomes, pois eles
sabem quem são);
• Meu avô Geraldo Ávila (em memória), que mostrou-me que com esforço e dedicação é possível
escrever livros sobre nossos sonhos;
• Todos os mágicos do Brasil que valorizam e respeitam a Arte Mágica e me fazem ter orgulho de
ser mágico brasileiro.

Obrigado a cada um de vocês!


Prefácio (Henry Vargas)

Confesso que fiquei muito feliz e entusiasmado quando recebi o convite de meu grande amigo e autor
desta obra para introduzir seus pensamentos com este prefácio. O entusiasmo vem, certamente, de dois
motivos: o primeiro deles é a oportunidade de cooperar com este projeto, que almeja, acima de tudo,
contribuir com o crescimento da Arte Mágica no Brasil; o segundo está no tema central desta obra:
Teoria aplicada à Mágica, assunto infelizmente ainda é pouco discutido, estudado e respeitada em nosso
País, embora seja de extrema importância.
Lembro-me de que há alguns anos tive meu primeiro contato com um livro de mágica, que não
explicava nenhum “truque”. Hoje em dia talvez o considere um dos melhores livros que já li dentro da
literatura sobre mágica. Primeiro, porque foi a partir dele que comecei a mudar minha concepção sobre a
arte que praticamos. Em segundo lugar, porque ao terminar a leitura, percebi que, embora não tenha
aprendido nenhum número, tinha a convicta certeza de que havia me tornado um melhor artista, por haver
compreendido e aprendido os complexos atos que envolvem a Arte Mágica para poder aplicá-los a meu
processo criativo.
Depois de alguns anos de estudo, estou convencido da importância de se estudar Teoria e Filosofia
dentro da Mágica. Poucos ainda compreendem a complexidade dos limites e das dimensões da Arte
Mágica. Mas só nos tornaremos melhores artistas se compreendermos o que deve ser compreendido e
não somente reproduzirmos efeitos sem embasamento teórico e filosófico. Como diria um dos maiores
gênios da Mágica, Tommy Wonder, no primeiro livro de sua obra, a teoria é o instrumento necessário
para se polir um diamante encontrado em cada artista: o talento. Quanto mais se conhece, com maior
maestria se consegue polir e retirar as impurezas e, consequentemente, com maior vigor e brilho se
destacará o diamante.
O que está por vir neste livro talvez seja uma compilação dos maiores segredos para polir e deixar
com mais brilho ainda o talento de cada leitor. Aproveite a oportunidade da leitura e abra sua mente para
conhecer o pensamento de grandes teóricos da Arte Mágica, traduzido e comentado por um excelente
artista brasileiro que nos brinda com este grande projeto. Tenha a certeza de que a leitura será ao menos
produtiva por um motivo: aprenderemos a aprender, como já dizia o mestre René Lavand em suas obras:
“A primeira coisa que devemos aprender é a aprender. Discernir sobre as coisas que valem a pena e
desconsiderar, algumas vezes até depreciar, aquilo que não vale a pena”.
Ensine-nos, meu prezado amigo e autor, a Aprender a Aprender com esta leitura. Este é o segredo
para se construir grandes artistas!

Henry Vargas
Belo Horizonte, dezembro de 2011
Introdução

Aos doze anos, apaixonei-me pela Arte Mágica. Os assuntos teóricos e psicológicos da mágica
sempre me atraíram. Não apenas porque eles são, em si, fascinantes, mas porque descobri que estão
intimamente ligados à prática.
Os maiores gênios da mágica possuem ou possuíam embasamento teórico forte. Percebi, assim, que a
teoria era um meio pelo qual seria possível melhorar a prática, a performance. A filosofia budista diz que
se nosso pensamento está confuso, nossas ações serão confusas. Então como exigir uma melhor
performance se não temos clareza mental do que fazemos? Se não temos um pensamento correto
sustentando nossas ações?
Desde o início de meus estudos, no entanto, tive que recorrer a livros estrangeiros, pois não havia
nenhum livro no Brasil que tratasse a mágica de uma perspectiva desvinculada do aspecto mecânico da
arte. Os livros de mágica brasileiros se preocupam em ensinar números, nada mais. E mesmo esses são
poucos. Em 2006, Eduardo Peres quebrou o padrão e lançou um ensaio a respeito da originalidade na
Arte Mágica. Pela primeira vez, pude ler uma abordagem diferente escrita por um amigo e mágico
brasileiro. Que orgulho!
O maior propósito deste livro é contribuir com a literatura mágica brasileira. É impressionante que no
Brasil existam mágicos excelentes, mas ao mesmo tempo uma literatura mágica tão escassa. É claro que
não pretendo esgotar o assunto, mas sim apenas despertar interesse para esse tipo de raciocínio, que
parece ser esquecido, ainda, no meio mágico.
Infelizmente, o conhecimento comum sugere que esses temas são de importância menor. Poucos são os
mágicos que leem livros para aprender sobre mágica, e não para aprender números de mágica. Poucos
são os mágicos que leem visando à qualidade e não à quantidade.
Confesso que quando comecei a escrever este livro, pensei que haveria poucos leitores. Verdade ou
não, segui meu coração e escrevi. Escrevi, porque sei que existem interessados no assunto. Mágicos com
os quais, para minha felicidade, tenho ou já tive o prazer de conviver. Pessoas que podem ou não viver
pela mágica, mas que, com certeza, vivem para a mágica.
Este livro é fruto da minha paixão pela Arte Mágica e destinado a todas as pessoas e mágicos,
profissionais e amadores, que dão a ela o valor merecido. Escrevê-lo não foi apenas mais um projeto na
minha carreira. Foi a realização de um sonho.

Teoria e intuição

Eugene Burger costuma fazer uma analogia entre a teoria e uma canoa. Uma canoa serve para
atravessar o rio. Uma vez que se chega ao outro lado, nós a atracamos à margem; já atingimos nosso
objetivo. Uma canoa, em si, não possui utilidade alguma. Ela é um meio pelo qual é possível se atingir
um fim. Na mágica, pode-se pensar da mesma forma. É preciso investir em teoria não para saber sobre
teoria. Não! É preciso investir em teoria para obter uma melhor prática. A teoria é um meio pelo qual é
possível se obter melhores performances.
Não obstante, é importante falar sobre outro fator essencial, além da teoria: a intuição. Com certeza
deve existir aquele que, fazendo uso apenas da própria intuição, consegue deixar de lado as “regras”
teóricas e acertar na mosca, apresentando um ato fantástico. Eu nunca presenciei tal exceção. Todos os
mágicos que conheço e desenvolvem atos fenomenais fizeram um estudo minucioso de cada movimento,
de cada frase, de cada ação. Mas mesmo assim, a intuição conta muito para desenvolver uma boa
performance. O problema é que, para você começar a intuir, é preciso tempo e experiência. Mágicos
experientes conseguem ver um número e saber o que está faltando para aumentar seu impacto. Conseguem
assistir a uma performance de outro mágico e fazer uma boa aproximação de quais números poderiam
incluir em seu repertório pessoal ou se realmente determinada performance não tem nada a ver com seu
estilo. Para fazer essas aproximações, é preciso se conhecer; conhecer o próprio estilo de fazer mágica.
Somente assim é possível saber o que pode funcionar e o que pode se transformar em fracasso total.
Eduardo Peres, na página 38 de seu ensaio “Pensamento Original em Arte Mágica”livro-modificado,
cita um episódio interessante que ocorreu entre Tom Jobim e Chico Buarque: Tom Jobim, certa vez, disse
ao ainda garoto de vinte e poucos anos, mas já brilhante compositor, Chico Buarque: “estude teoria
musical sim, mas não deixe que lhe levem essa certa ignorância que lhe permite intuir”.
Siga sua intuição, seu “sexto sentido”. Muitas vezes você estará correto, mas não deixe de valorizar
os estudos teóricos. Eles nunca vão prejudicá-lo.
Neste livro, vou enfocar a teoria e outros aspectos além da parte apenas mecânica da Arte Mágica.
Por um motivo apenas: intuição não se ensina, desenvolve-se. Quanto mais estudo e mais tempo de
performance você tiver, melhor vai ser sua intuição a respeito de sua mágica.

Nomenclatura técnica

Ao longo do livro, o leitor notará o uso frequente de alguns termos técnicos em inglês. Confesso que
nunca preferi vocabulário estrangeiro quando existem opções semanticamente idêntica em nossa primeira
língua. Porém, quando se trata de termos técnicos, a maioria foi publicada e consolidada em inglês.
Justamente por isso, optei por mantê-los dessa forma. Deixo claro, portanto, que minha escolha em
utilizar vocábulos em inglês não teve a pretensão de conceder à obra um caráter mais intelectualizado.
Foi uma questão de necessidade, apenas.

Ideias e opiniões pessoais

Este livro, como todos os outros que analisam alguma forma de arte, é, na verdade, uma exposição de
ideias. Cabe ao leitor concordar com elas ou não. Peço, por gentileza, que não leia tudo que escrevi
como se fosse uma verdade absoluta. O maior aprendizado advém de se questionar o que lhe é oferecido
como verdade. Aliás, o questionamento é a força motriz por trás de todas as mudanças e revoluções. É,
também, a força que me motiva a escrever este livro.

Guilherme Ávila
Brasília, setembro de 2011
Parte I
O Mágico e sua Arte
Capítulo 1
Arte científica ou ciência artística?

A mágica é muitas vezes categorizada como uma forma de arte.1 Frequentemente, nós, mágicos, nos
referirmos a ela como a “Arte Mágica” ou até mesmo como a “Rainha das Artes”. Mas existem quem
acredite que a mágica é ciência e não arte. O mágico Dariel Fizkee, na introdução de seu livro The Trick
Brain, diz as seguintes palavras: 2

(...) Cada ciência tem seu próprio manual. E eu sou da opinião que a mágica é mais ciência do que arte. (...) Uma vez que a arte é,
na verdade, a habilidade na performance, eu prefiro pensar a habilidade na performance como entretenimento, diversão. Assim [eu
acredito que] a mágica é uma ciência, uma ciência na qual o conhecimento acumulado pode ser sistematizado e formulado com
referência a verdades gerais ou a operação de leis gerais (...)3

Confesso que quando comecei a ler pela primeira vez esse livro, aos 18 anos, fiquei espantado com a
certeza e a confiança inspiradas pelas palavras do Fitzkee. Há anos eu ouvia, sistematicamente, mágicos
de todo o mundo dizerem que a mágica é uma arte. Para mim, isso já era fato, e inquestionável. Como
pode o Fitzkee ter tanta certeza em sua afirmação, ao recategorizar a mágica como uma ciência? É
possível entender mais sobre o porquê desse ponto de vista, ao ler o livro por completo.
Esse livro procura mostrar um campo inexplorado da mágica até a época: a criação. Que os mágicos
devem ser criativos, todos sabem. Mas como atingir esse objetivo? Como chegar lá? Bem, o Fitzkee
propõe um revolucionário sistema denominado The Trick Brain (curiosamente, o mesmo nome do livro).
Resumidamente, é um sistema baseado em quatro etapas que, a partir da categorização dos efeitos
mágicos,44 dos fatores essenciais necessários a cada efeito, dos objetos possíveis de utilização e dos
métodos básicos para atingir cada efeito, permite a criação de novos números de mágica. É um processo
que estimula a imaginação para a criar novos números e novas combinações a partir de efeitos e métodos
já conhecidos. Esse é, segundo o próprio autor, o objetivo de seu livro.
Há várias definições de ciência, e creio que seja utópico querer impor uma definição exata e correta,
até porque elas não são imutáveis no tempo. Uma possível definição é livro-modificado Ciência é o
conhecimento claro e evidente de algo, fundado quer sobre princípios evidentes e demonstrações, quer
sobre raciocínios experimentais, ou ainda sobre a análise das sociedades e dos fatos humanos.5
No entanto, grande parte das definições são baseadas em três sentidos:

1. O saber, o conhecimento de certas coisas, que serve à condução da vida ou à dos negócios;
2. Conjunto dos conhecimentos adquiridos pelo estudo ou pela prática;
3. Hierarquização, organização e síntese dos conhecimentos através de princípios gerais (teorias e
etc.).

Com base no terceiro ponto, a tentativa pioneira6 de Fitzkee de isolar a parte mística do efeito
mágico, de sistematizar o conhecimento a partir de processos racionais e de inferir, daí, princípios e
teorias, pode ser considerada uma cientifização da mágica.
Porém não creio que apenas uma maior organização do raciocínio de determinada “coisa” seja
suficiente para considerar essa “coisa” uma ciência. Ora, um fotógrafo possui estratégias de cores, de
distância, de luz e de foco para tirar uma fotografia melhor. Uma escola de teatro ensina técnicas e teorias
sistematizadas para que os alunos apresentem uma peça mais atraente ao público. Então um fotógrafo é
um cientista? O teatro é uma ciência?
Voltando a Fitzkee, devo dizer que não concordo com sua afirmação de que “(...)a arte é, na verdade,
habilidade em performance (...)”. Acredito que a habilidade demonstrada no ato mágico7 não é arte, nem
ciência, obviamente. É o que em inglês é chamado de craft: uma habilidade técnica, um ofício. Por
curiosidade, procurei o significado mais exato de craft e encontrei o seguinte:

Descrever algo como craft equivale a percebê-lo em um estado intermediário de arte (que exige talento) e de ciência (que requer
conhecimento).8

É exatamente isso!
Vou dar mais um exemplo. Vamos analisar o caso de um pintor. A mistura e homogeneização das tintas
possuem base científica, correto? Mas a atividade de misturar tintas é uma mera habilidade, um ofício;
é o que definimos no parágrafo anterior como craft. Porém, se essa mistura de tintas na tela provoca uma
conexão entre o pintor e quem a vê, isto é, se por meio dessa mistura o pintor consegue transmitir suas
ideias e seu modo de enxergar o mundo às pessoas que veem a tela, então ele conseguiu fazer arte. Como
disse o dramaturgo irlandês George Bernard Shaw, Os espelhos são usados para ver o rosto; a arte para
ver a alma.
A ciência geralmente possui regras mais rígidas: 1 + 2 resulta em 3. Se você mudar a ordem para 2 +
1, o resultado será o mesmo. Na arte, 1 + 2 pode ter um resultado completamente diferente de 2 + 1,
porque na arte você é livre para expressar seus sentimentos e suas emoções. Dependendo da maneira
como se faz isso, pode-se obter um resultado completamente diferente, independente de qualquer regra e
lógica preestabelecida. Dostoevsky escreveu, em 1864:

Posso admitir que “dois vezes dois dá quatro” é algo excelente, mas se formos dar a cada coisa seu valor merecido, “dois vezes dois
dá cinco” é talvez algo de muito charmoso também.9

A evolução da ciência depende da organização social: em uma sociedade conservadora, é difícil se


fazer uma revolução científica. A arte não. Ela pode ser revolucionária independente da estrutura social
na qual está inserida.
Resumindo, muitas vezes os dois conceitos, ciência e arte, se confundem ao enfrentar escrutínio. No
caso particular da mágica, para alguns, o aspecto científico define os métodos escolhidos pelo mágico e
as teorias — muitas vezes psicológicas — utilizadas para reforçar o efeito mágico. O lado artístico, por
sua vez, remete à emoção sentida pelo espectador e ao sentimento surreal e inexplicável que brota na
plateia ao testemunhar um fenômeno que vai contra qualquer lei da natureza. Dessa forma, a mágica
incorpora, simultaneamente, aspectos artísticos e científicos. Se estudarmos a mágica de uma perspectiva
essencialmente científica, deixaremos de analisar importantes aspectos artísticos e vice-versa.
Apesar disso, a mágica, pela forma como é percebida pela plateia, possui um caráter artístico
infinitamente mais forte. Esse é o motivo pelo qual usarei o termo “Arte Mágica”.
Em que posição você, leitor, fica nessa dicotomia entre arte e ciência que envolve a mágica? Na
verdade, não acho que seja preciso. Até mesmo filósofos, antropólogos e sociólogos já desistiram de
discutir dicotomias. Acredito ser mais útil para mim, e creio que também para você, pensar em como
deixar nossa mágica mais apelativa e mais poderosa. Nossa mágica artístico-científica.

Notas:

1 A Arte Mágica, tal como é concebida nos dias de hoje, não é muito antiga. Apesar de existirem registros de números de prestidigitação
milênios atrás, alguns inclusive em papiros, provavelmente o primeiro livro que consta sobre números de mágica foi De Viribus Quantitatis,
escrito em italiano entre 1496 e 1508 por Luca Bartolomeo de Pacioli, um monge franciscano e matemático, com a ajuda de Leonardo da
Vinci. Apenas no século XIX, pela influência do mágico francês Jean Eugène Robert-Houdin, considera-se o início da ``Mágica Moderna’’
2 Esse comentário feito por Fitzkee gerou grandes controvérsias no meio mágico. Apesar de toda a trilogia escrita por Fitzkee ser, ao meu ver,
de grande valor, o volume 2 --- The Trick Brain--- é injustamente negligenciado por alguns mágicos, pelo fato do autor ter negado o caráter
artístico da mágica.
3 Tradução minha do livro The Trick Brain de Dariel Fitzkee, edição de 2009, página 1.
4 Ver apêndice A.
5 Essa frase é do pesquisador e autor Michel Blay.
6 Pioneira no sentido da mágica moderna. De acordo com a análise de Marcel Mauss, em Esquisse d’une théorie générale de la magie, um
processo distinto ocorrera na Grécia centenas de anos atrás. Nesse período, constata-se que a mágica _ pela forma como era entendida na
época proporcionou o desenvolvimento de vários ramos da ciência de hoje. Os mágicos, entendidos por Mauss como os alquimistas, astrólogos
e médicos da Grécia e da Índia, desenvolviam atividades que contribuíram com a astronomia, a física e a ciência farmacêutica, como hoje
conhecemos. Nesse contexto, foram nessas escolas de mágica que se desenvolveu a tradição científica e os métodos racionais utilizados ainda
hoje.
7 Refiro-me a um ato mágico como uma parte de um show que pode, ou não, englobar mais de um número de mágica. Por exemplo, o show
do Lance Burton possui vários atos: o ato da vela, o ato da gaiola do pássaro, o ato da cabine telefônica, etc.
8 Traduzido por mim da wikipedia. Texto original em inglês.
9 Traduzido por mim de seu livro Notes from Underground, capítulo IX. O texto em inglês soa melhor: “I admit that two times two makes four
is an excellent thing, but if we are to give everything its due, two times two makes _ve is sometimes a very charming thing too.”
Capítulo 2
A trilha da ilusão

Antes de entrar a fundo no propósito maior do livro, gostaria de discorrer um pouco sobre a arte da
ilusão. São pensamentos que me vieram à cabeça durante meu dia-a-dia e que têm tudo a ver com a Arte
Mágica.
O mágico é um mestre na arte de iludir. A pergunta é: como iludir? Como criar efeitos reais de falsas
verdades? A cada dia, percebo que esse processo é talvez mais complexo e, ao mesmo tempo, mais
simples do que parece.
A verdade é que as pessoas inventam a realidade. E não apenas inventam, como também acreditam no
que inventam. Deixe-me explicar melhor.
Somos expostos apenas a uma parte de determinada realidade. Inconscientemente, então, criamos o
que falta, para sentir que temos uma realidade completa. Isso ocorre diariamente, em nossos
relacionamentos pessoais e profissionais. Toda a nossa percepção do mundo não é e nunca será
completa. E justamente pelo fato de não estarmos cientes da realidade como ela é, criamos modelos,
teorias e filosofias para tentar explicar o todo, que, na verdade, tem uma parte escondida e
completamente fora de nosso alcance.
As pessoas percebem uma parte e criam um todo. Criam como? A partir das percepções do mundo,
adquiridas até então em sua vivência, suas experiências passadas, e em seus relacionamentos passados. A
forma pela qual as pessoas supõem como as coisas são ou serão é baseada em como as coisas foram.
Poucas pessoas quebram essa linha de raciocínio. Em economia, isso é chamado de “expectativas
adaptativas”.10
Só fui perceber o quanto esse fenômeno está intimamente ligado à mágica quando, uma vez, fiz um
número de cartomagia e disse a um espectador “Para isso vou usar agora um baralho...” e no mesmo
instante o espectador disse “Hum, ok... 52 cartas.” Na mesma hora, deu-me um estalo na cabeça e pensei
o quanto as pessoas fazem suposições e criam uma realidade que pode muitas vezes ser falsa. Repare que
uma simples ação de colocar um baralho na mesa gera inúmeras suposições! As pessoas assumem que:

1. O baralho é da mesma cor da caixa;


2. O baralho está completo, com 52 ou 54 cartas;
3. Não existem cartas repetidas;
4. As cartas possuem todas a mesma cor;
5. As cartas são todas feitas do mesmo material, geralmente papel;
6. O baralho pesa em torno de 100 gramas;
7. As cartas são todas impressas na face e no dorso;
8. etc...

E nenhum desses itens é necessariamente verdade. As pessoas em geral assumem isso apenas porque
nunca viram um baralho azul dentro de uma caixa vermelha, um baralho com duas cartas idênticas, um
baralho com um peso de ferro em seu interior, um baralho com cartas de face branca, etc.
Logo, as pessoas se autoiludem e fazem todo esse trabalho sozinhas! Cabe a nós, mágicos, apenas
mantê-las nesse mesmo rumo, na trilha da ilusão. É justamente por isso que mágicos competentes sabem
que frases como “Eu vou usar aqui um baralho normal, com 52 cartas, todas vermelhas...”, ou então,
“Tenho aqui uma moeda normal de 50 centavos”, não dão garantia ao espectador de que o baralho está
completo e de que a moeda é normal. Elas geram dúvidas onde existiam apenas certezas e desviam a
plateia da trilha da ilusão. Quando o mágico afirma algo, é um processo natural do espectador querer
duvidar e verificar se tudo aquilo é realmente verdade. Na arte da ilusão, omitir pode ter o mesmo valor
de afirmar. Gestos são, muitas vezes, mais poderosos do que palavras.
Esse é, a meu ver, o motivo pelo qual um número de mágica funciona. As pessoas criam uma
realidade que é completamente falsa. Isso ocorre constantemente durante um show de ilusionismo.
Lembro que, em Las Vegas, quando fui assistir ao show de Lance Burton, ele finalizou o espetáculo
dentro de um carro, que saiu voando pelo palco. Esse efeito é impactante justamente pelas suposições
que fazemos do carro. A plateia supõe que o carro possui quatro rodas de metal, motor, chassi de metal,
tanque de gasolina... e a verdade pode não ser essa. Um outro exemplo que me vem à cabeça é a linha de
garrafas Vanishing Bottles, lançada pelo mágico norte-americano Norm Nielsen. Aqueles que já
conhecem essas garrafas sabem que a plateia vai supor muita coisa, equivocadamente, a respeito delas. E
são justamente essas suposições tidas como verdadeiras, que permitem ao mágico aparentemente amassar
uma garrafa de vidro como se fosse uma bola de papel.
E justamente por esse processo ser espontâneo e intrínseco ao ser humano, eu disse acima que a
ilusão na Arte Mágica é mais simples do que parece. Veja bem, eu disse simples. Isso não implica que
seja fácil. E como será visto ao longo do livro, não é.

Notas:

10 Muito utilizada nos anos 80, após a crise do petróleo, as expectativas adaptativas são uma forma indutiva de explicar como os indivíduos e
empresas formam expectativas do mundo. De acordo com essa teoria, indivíduos e empresas julgam o futuro baseados no passado. Assim, se
a inação foi alta no ano passado, a princípio ela dever á também ser alta no próximo ano. Esse processo gera um ciclo vicioso, a chamada
inércia in acionária.
Capítulo 3
Mágica e truque

3.1 O efeito mágico

Suponha que você esteja em outro planeta. Um planeta em que as pessoas não tenham sentimento.
Como você explicaria aos habitantes desse planeta o que é angústia? O que é tristeza? O que é alegria? O
que é amor? Seria impossível.
Quando era criança e alguma dor me incomodava, logo corria para meus pais. Eles me perguntavam:
“Como é essa dor? Como é?” Não sabia como responder! Como explicar uma dor? Como explicar um
sentimento? É muito complicado definir o abstrato, definir uma sensação.
Estamos sentindo e sabemos como é a sensação dentro de nós, mas somos incapazes de descrevê-la
em palavras. Às vezes, as palavras são pouco poderosas. Clarice Lispector escreveu uma coisa
fantástica: Será preciso coragem para fazer o que vou fazer: dizer. E me arriscar à enorme surpresa que
sentirei com a pobreza da coisa dita. Mal a direi, e terei que acrescentar: não é isso, não é isso!
Deparo-me com o mesmo problema ao tentar dizer o que é mágica. Ok, então vou ser corajoso:
Para mim, mágica é algo não concreto. Uma pessoa não pode carregar uma mágica, não pode vender
uma mágica, não pode comprar uma mágica. É possível carregar um aparelho, um objeto — baralho,
bolas, lenço, moeda, pomba —, mas não uma mágica.
A mágica acontece na mente de quem vê. Mágica só existe no momento da performance.
É a sensação de encanto, de maravilha, causada particularmente por presenciar um fenômeno
completamente distante do mundo real. Abrem-se portas para um mundo completamente diferente, no qual
não existem leis nem regras, no qual as pessoas podem acreditar em qualquer coisa, sem medo de ser
criticadas. A mágica aproxima a mente de qualquer pessoa da mente de possibilidades infinitas de uma
criança, que não duvida do impossível e não procura explicação para o que não pode ser explicado.
Felizmente, não estamos em um planeta imaginário no qual os outros não sentem absolutamente nada.
Todos já sentiram angústia, tristeza, alegria e amor. E espero que todos sintam, algum dia, a mágica.

3.2 Mágica ou truque?

É muito comum, ainda mais entre leigos, o uso das palavras “mágica” e “truque” como sinônimos.
Nesse sentido, a palavra “mágica” seria apenas uma valorização linguística da palavra “truque”, mas o
significado seria o mesmo. Discordo disso. Para mim, existe uma grande diferença entre um truque e um
número de mágica. Usar o termo “truque” para se referir a uma “mágica” é um tanto pejorativo.
De agora em diante, vou utilizar a palavra “truque” para me referir a um “efeito mágico”,livro-
modificado desprovido de qualquer fator que provoque emoção e sentimento de encanto na plateia, isto é,
o truque seria uma “mágica” sem os aspectos artísticos dessa. Dessa forma, a palavra “truque”,
indevidamente empregada, pode subvalorizar o conceito de “mágica”. A figura 3.1 mostra esse raciocínio
de forma esquemática.
Figura 3.1: Diferença esquemática entre um truque e um número de mágica.

Fonte: elaboração própria.

Em minha tentativa de dizer o que é “mágica” na seção anterior, escrevi que ela aproxima a mente de
qualquer pessoa da mente de possibilidade infinitas de uma criança, que não duvida do impossível e não
procura explicação para o que não pode ser explicado. Isso é importante para manter a ilusão da plateia.
Um truque provoca no espectador a vontade de descobrir o segredo. É como se fosse um quebra-cabeças,
que pede “pelo amor de Deus” para ser solucionado. Uma mágica não. Ela é envolvida por uma
atmosfera, uma atmosfera mágica,11 que abre portas para um mundo completamente diferente do
conhecido, um mundo em que a imaginação se torna realidade e no qual as pessoas são convidadas para
entrar e simplesmente curtir.
Deixo claro aqui que um truque pode, sem sombra de dúvidas, ser “legal” de se ver. Aliás, bons
truques, se bem feitos, podem fazer você se tornar o centro das atenções em qualquer momento. É
interessante ver o truque “A vermelhinha”, em que o espectador deve seguir atentamente a posição de
uma carta vermelha entre outras duas pretas, e o truque dos três copinhos, no qual uma bolinha é
escondida em um dos três copos na mesa, e o espectador deve adivinhar qual o copo que contém a
bolinha.
Se você fizer um bom truque, a reação nos espectadores será algo como a expressão de surpresa
“Nossa! Você é rápido, hein? Não dá pra ver como você faz!”. Se você fizer uma boa mágica, irá se
deparar com uma reação do tipo “Foi uma das experiências mais incríveis por que já passei! Um
momento único. Obrigado!”
Qual o problema, então, de se fazer um truque? Quer saber minha resposta? Nenhum. A pergunta é:
“Qual é seu propósito?” Você quer que as pessoas se lembrem de suas mãos rápidas, passando bolinhas
de um copo para outro sem ninguém perceber ou que as pessoas se lembrem do fenômeno único e do
sentimento de encanto que jamais vão presenciar novamente?
Neste livro, vou deixar os truques de lado e vou me preocupar com a mágica. O motivo é bastante
simples: entretenimento não é exclusivo da arte mágica; outras artes também podem entreter. Porém,
apenas a arte mágica cria o que Juan Tamariz chama de The Magical Experience. Cabe a nós, mágicos,
proporcionar esse sentimento de maravilha e encanto porque se nós não o conseguirmos, ninguém mais
conseguirá.
Antes de concluir esta seção, deixo claro que discordo das explicações de alguns mágicos sobre
truques e sobre mágica. Há autores que possuem uma linha de raciocínio um tanto rígida sobre esse
assunto. Eles argumentam que um truque não possui propósito e não há sentido real em se executar um
truque. Então por que alguém com poderes mágicos iria perder tempo para fazer algo como uma
assembleia de ases12 ou então cortar uma corda para depois reconstituí-la? Sou contra esse raciocínio.
Primeiro, não são apenas truques que não possuem propósito. Alguns números de mágica também não
possuem propósito algum ao ser executado. Segundo, não acho, de maneira alguma, que um mágico só
deva fazer o que tiver um propósito no mundo real. Na seção 6.2.3, falo detalhadamente sobre o
propósito como elemento de um efeito mágico, e meu argumento ficará mais claro.

3.3 Habilidade técnica

Um número de mágica deve ser muito mais que uma demonstração de habilidade. Esconder o segredo
é apenas uma parte do objetivo de um mágico. Como disse Arturo de Ascanio,

Está na hora de acabar com o mito de que o único requerimento para se tornar um bom mágico é ter destreza nas mãos.13

No campeonato da Federação Internacional de Sociedades Mágicas (FISM)livro-modificado,14 por


exemplo, a comissão de jurados analisa seis aspectos da performance do competidor:

1. Habilidade técnica;
2. Showmanship / apresentação;
3. Entretenimento;
4. Rotina / valor artístico;
5. Originalidade;
6. Atmosfera mágica.

Como você acha que um competidor com apenas qualidade técnica seria avaliado?
Não estou alegando que a técnica mecânica do número não seja importante. De forma alguma! Ela é
tão importante que deve ser executada com perfeição. A técnica é condição necessária para a mágica, e
não condição suficiente: um número de mágica não existe sem o método mecânico, mas também não se
pode afirmar com certeza que o número vai existir com sua presença. O domínio apenas da parte técnica
não garante uma performance interessante para o público, não garante que vai emocionar as pessoas.
A preocupação são os outros aspectos do número, que dificilmente estão perfeitos. Aliás, o próprio
Tim Ellis — talentoso mágico australiano que já foi jurado do FISM mais de uma vez — disse que a
comissão do juri já parte do pressuposto de que a parte técnica está, no mínimo, boa. Ninguém é insano
ao ponto de ir competir no FISM com uma rotina de cartomagia e não saber fazer um bom controle de
carta ou apresentar uma rotina de moeda e fazer um empalme ruim.15 O juri quer ver mágica e supõe que
o competidor tenha, no mínimo, treinado a parte técnica de seu ato.
Em uma conversa com meu amigo Henry Vargaslivro-modificado, sobre sua experiênica em se
apresentar no Magic Castle16 e atuar em Las Vegas, ele me contou algo muito curioso. Disse que quando
foi competir no World Teen Champion of Magic, notou que um dos competidores possuía uma incrível
qualidade técnica. Sua rotina de manipulação estava tecnicamente impecável. Henry confessou, inclusive,
ter ficado intimidado com a performance dele. Porém, foi o Henry quem se classificou em primeiro lugar
no campeonato, ganhando o Lance Burton Award - World Teen Champion of Magic. O outro competidor
não tinha carisma, não contagiou a plateia com sua performance. Ele apenas demonstrou habilidade
técnica, mas não criou arte, não emocionou.
Um número de mágica deve ser desenvolvido para que o espectador se identifique com o que o
mágico está fazendo, como se aquilo fosse uma metáfora, uma imagem de algo em sua realidade. Pablo
Picasso, o famoso artista espanhol, escreveu uma coisa que eu acho fantástica: O artista deve surpreender
na maneira de convencer o público da inteira veracidade de suas mentiras.
E isso não pode ser feito apenas com habilidade técnica.
Sobre esse assunto, cito o exemplo de um número em particular: o das garrafas multiplicadoras. O
mágico possui um tubo em cada mão, ambos vazios, e há uma garrafa e uma taça em cima da mesa. O
mágico cobre a garrafa com um tubo, cobre a taça com o outro e eles trocam de lugar! No final, vão
saindo mais e mais garrafas de dentro dos tubos até ter em torno de oito garrafas em cima da mesa.
Esse é um número que sempre me intrigou. Mas poucos mágicos que o executam conseguem torná-lo
encantador. Um deles merece destaque: Lance Burton. Lembrei esse exemplo, porque vi um mágico
executando esse número ontem. Quem conhece o segredo sabe que a transposição da garrafa com a taça é
possível, porque na verdade o mágico trabalha com duas garrafas, uma embaixo de cada tubo. E as
garrafas não possuem fundo, ou seja, dá para esconder uma taça dentro de cada garrafa. Quando o mágico
levanta o tubo, ele pode levantar junto a garrafa, mostrando à plateia a taça, ou pode largar a garrafa, que
fica exposta para a plateia. Resumindo, o mágico possui uma garrafa, sem fundo, dentro de cada tubo,
enquanto que dentro de cada garrafa, há uma taça.
Dessa forma, se o mágico quer criar a ilusão de que a garrafa trocou de lugar com a taça, basta ele
fazer com que a plateia veja, no tubo esquerdo, a taça e, no tubo direito, a garrafa. Depois, com um passe
mágico, faz com que ela veja a garrafa no tubo esquerdo e a taça no tubo direito. Simples.
Repare que isso só possui efeito se a plateia acreditar que há apenas uma taça e uma garrafa. O
mágico de ontem, depois de fazer a garrafa e a taça trocarem de lugar, levantou os dois tubos e mostrou
as duas taças. A intenção dele era mostrar que, além de terem trocado de lugar, a taça, que era apenas
uma, virou duas. Para a plateia, isso destrói o efeito anterior. Inclusive, um amigo meu, leigo, que estava
a meu lado, comentou: “Ah, ele tinha duas taças”. O espectador não sabe como que você fez a troca, mas
sabe que existiam duas garrafas e duas taças.17
Lance Burton não comete esses erros. Muito pelo ao contrário: após demonstrar que a taça e a garrafa
trocaram de lugar, ele pegou um lenço amarelo e deu um nó em volta da garrafa. Mesmo assim, a troca
aconteceu. Não é apenas esse detalhe que é interessante na rotina do Lance. O número é uma homenagem
a Frank Sinatra, com um lindo fundo musical, e no final Lance faz um brinde a Sinatra, e Sinatra
responde. Impossível não se emocionar.
Por que existe essa diferença tão grande entre a rotina do Lance Burton e a rotina que vi ontem, sendo
que o truque é o mesmo? Porque o Lance parou para pensar no que estava fazendo. Sua rotina possui
embasamento teórico forte. Ele não ficou preso apenas ao truque, apenas à técnica. Como veremos na
seção 4.3, tudo foi planejado para causar o máximo de impacto e comover a plateia.

3.4 Por que truques?


Se apresentar uma mágica é tão melhor do que apresentar um truque, porque existem aqueles que
apresentam truques? Vejo duas respostas para essa pergunta.livro-modificado A primeira é: existem
pessoas que não sabem como fazer mágica. Estão completamente perdidas e não fazem a mínima ideia do
que fazer para reestruturar seus números. Muitas vezes, essas pessoas mal sabem que o que fazem é, na
realidade, truque. Nunca pararam para questionar seus números. A segunda é que, em alguns casos, fazer
truques é, sim, uma melhor solução. Em shows infantis, é mais comum se ver uma abordagem em torno de
truque do que de mágica. Crianças preferem truques. Como disse meu amigo Tio André, um dos melhores
animadores de festas infantis que conheço, criança gosta de brincar. Elas gostam de se sentir
familiarizadas com o mágico e de acreditar que pertencem ao mundo dele. Um número apresentado em
um contexto de mágica pode acabar assustando as crianças (já aconteceu comigo).
Outro caso é quando a mágica é usada como estratégia de venda. Mágicos que trabalham em feiras de
produtos e se apresentam em stands geralmente fazem truques e não mágica. Nesse caso, a presença do
mágico é com único propósito de entretenimento. Ele foi contratado para entreter e fazer propaganda de
determinado produto ou serviço. O fato de ele ser mágico está em segundo plano.
Mágicos que fazem table-hopping,18 livro-modificado entretendo o público de mesa em mesa com o
estilo de mágica close-up livro-modificado, geralmente, não sempre, fazem truques. Isso ocorre porque
esse tipo de trabalho obriga o mágico a ficar cerca de cinco minutos em cada mesa e é um tanto
complicado criar uma atmosfera mágica em tão pouco tempo. Dessa forma, muitas vezes, a única solução
para mágicos que atuam nessa área é resumir seu ato a vários truques, visando, ao menos, entreter o
público.
Eu também, muitas vezes, me deparo com situações semelhantes a essas duas últimas. Várias vezes
saí de uma apresentação e me perguntei se o que fiz foi mágico para a plateia. Às vezes, condições
exógenas ao show não permitem a oportunidade do mágico se entrosar com a plateia e criar um ambiente
agradável, propício a números de mágica.

3.5 Floreios

Uma das coisas que mais detesto quando faço mágica — e que acontecia com mais frequência em
meus primeiros anos de experiência com a mágica — é quando o espectador fala “Nossa, você é
rápido!”. Se foi rápido, não foi encantador, não emocionou, não foi mágica.
Como disse Dai Vernon, uma das maiores lendas da mágica close-up do século XX, com suas sábias
palavras: Confusion is not magic. Para que complicar?19 Qual o intuito de pedir ao espectador para
escolher uma carta, devolvê-la no baralho e depois fazer um salto triplo carpado com as cartas e mostrar
que a carta está no topo? Sinceramente, eu não sei.
Um dos primeiros passos para entender o procedimento da eficácia de um número de mágica é
entender o que se passa na cabeça do espectador. Quando uma carta é posta no meio do baralho, para o
espectador, ela está no meio. Quando o mágico faz umas “firulas”livro-modificado e uns cortes absurdos,
o espectador não sabe mais onde está a carta. Ela pode estar no meio, pode estar perto do topo, pode
estar perto da boca, ou pode estar exatamente no topo. Se o mágico mostra, então, que a carta está no
topo, o que aconteceu? Qual o efeito disso na mente de quem vê? Vamos parar para pensar. O efeito, na
ótica do espectador, é que a carta foi posta no meio do baralho e o mágico, com sua incrível habilidade e
destreza, fez uns cortes e conseguiu levá-la exatamente para o topo. Não foi nada mágico; não foi uma
coisa impossível. Foi uma coisa difícil. E eu vejo uma grande diferença de significado entre essas duas
palavras. Uma coisa impossível era o que você esperava atingir? Se é, tudo bem.
Quando você faz floreios — e me refiro a floreios como todo e qualquer tipo desnecessário de
manipulação incomum, que requer muito treino e habilidade manual —, o espectador logo pensa: “Opa,
esse cara é rápido”. Isso é muito comum em cartomagia e pode acabar com qualquer tentativa de se criar
um efeito mágico. Não é lamentável?
A maioria dos mágicos que necessitam constantemente demonstrar floreios são iniciantes ou
amadores. Justamente pela inexperiência e pela imaturidade, não compreendem o problema teórico por
trás de toda aquela bela manipulação desnecessária. Quando eu estava iniciando minha jornada na Arte
Mágica, também não conseguia enxergar o porquê das críticas contra floreios. Lembro, inclusive, de um
episódio que ocorreu em um fórum de discussão na Internet. O Andrély, mágico brasileiro residente em
Portugal, que na época já possuía anos de experiência, disse-me que a prática de movimentos por mera
demonstração de habilidade era inexperiência da minha parte e que, eventualmente, mudaria meus
valores. O tempo passou, e eu mudei.
Mudei, mas ainda pratico floreios. Já estudei muitos movimentos de gênios do floreio, como Jordan
Lapping, Kevin Ho e os irmãos Dan e Dave. Embora pareça contraditório em relação a meu pensamento,
não é. Não faço floreios quando faço mágica. Não misturo os dois, porque tenho a convicção de que o
floreio quebra, ou melhor, destrói um efeito mágico. Pratico floreios simplesmente para melhorar minha
técnica. Veja, o Jeff McBride sabe executar o coin roll20 com quatro moedas. Quatro! Mas, em seu show,
Jeff usa apenas uma. Ele sabe que ao praticar com quatro moedas, vai sentir mais facilidade quando
utilizar uma só.
Meu pensamento é o mesmo. Treino movimentos difíceis, cortes mirabolantes, double lifts do centro
do baralho, double lifts aéreos... e não uso nada disso em minhas apresentações. Nada. Garanto que se
você souber fazer n tipos de leques, quando você for abrir um leque simples, com o indicador ou dedão,
ele sairá muito melhor. Se você souber fazer diversos tipos de double lifts, vai saber fazer um double lift
simples com mais naturalidade. Como falei antes, você vai adquirir mais intimidade com as cartas.
Treinar movimentos difíceis facilita a execução de movimentos fáceis. Funciona pra mim.
Como disse uma vez o saudoso Tommy Wonder, muitas artes fazem coisas interessantes, muitas fazem
coisas belas, muitas fazem coisas difíceis, muitas fazem coisas curiosas. Mas apenas uma faz coisas
impossíveis: a Arte Mágica. Se você é um daqueles que apenas faz floreios, que pratica as complexas
coreografias do Extream Card Manipulation (XCM) que resumem tudo a cortes complicados e a
movimentos confusos e difíceis, tudo bem. Mas, por favor, não se promova a mágico.

Notas:

11 O termo muito utilizado por Arturo de Ascanio.


12 Assembleia de ases é um efeito clássico da cartomagia, com infinitas versões. O mágico bota os quatro ases na mesa e três cartas,
indiferentes, em cima de cada ás. Três dos ases na mesa somem. Para a surpresa do espectador, as três cartas em cima do quarto ás são os
outros três ases que tinham desaparecido instantes antes.
13 Trecho traduzido por mim, do livro do Ascanio The Structural Conception of Magic, página 55.
14 Os eventos do FISM ocorrem de três em três anos e é um dos maiores congressos internacionais de mágica. Somente quem é premiado no
FISM possui o título de Campeão Mundial de Mágica.
15 Até porque a competição do FISM não é aberta a qualquer um. Para competir, é necessário fazer parte de uma entidade filiada ao FISM e
uma autorização por escrito do presidente dessa entidade autorizando a participação. Caso o competidor não seja associado à nenhuma
entidade filiada ao FISM, é necessário a autorização por escrito de presidentes de entidades filiadas de três países diferentes.
16 O ‘Magic Castle’, em Hollywood, é a sede da Academy of Magical Arts. Apenas mágicos convidados possuem a honra de se apresentar
lá.
17 Esse caso é um exemplo perfeito do que chamo de exceder um efeito mágico. Vou discutir isso mais a fundo na seção 7.4.
18 Table-hopping: Modalidade de mágica close-up, na qual o mágico vai de mesa em mesa apresentando seus números para o público. Muito
comum em restaurantes, bares, coquetéis, e alguns tipos de eventos.
19 Na seção 7.4, será enfatizada com mais detalhes a importância da simplicidade na Arte Mágica.
20 Floreio feito por grande parte dos mágicos e manipuladores de moeda, em que o mágico passa uma moeda por cima de seus dedos, de um
dedo para o outro, continuamente.
Capítulo 4
Técnica e teoria

4.1 Definições essenciais

Aqui vai uma pergunta um tanto cruel: “Em um efeito mágico, o que é técnica e o que é teoria?”.
Pense primeiro e depois responda. Não leia os parágrafos abaixo sem tentar desenvolver sua própria
resposta.
Pronto? Já possui algo em mente?
Infelizmente, nunca me perguntaram isso até hoje. Acabei formulando a pergunta por necessidade
própria. Na verdade, a pergunta foi formulada devido a minha discórdia em relação ao pensamento
comum. Frequentemente, mágicos falam em “teoria mágica” quando discutem temas como desvio de
atenção, sugestão de imagens, off-beat, timing, etc. A meu ver, isso são técnicas. Não técnicas mecânicas,
como um empalme e um falso depósito, mas técnicas psicológicas. Relembre a figura 3.1.
Imagine um carrinho de brinquedo. Se você pegar um martelo e quebrar o carrinho, será possível ver
o que há por dentro, cada peça essencial para a existência dele: rodas, motor, chassi, etc. Sem chassi, não
há formato de carro; sem motor, o carro não anda. Porém veja que além dessas peças essenciais, existem
outras, que deixam o carrinho mais forte, mais resistente; deixam o carrinho mais bonito: a tecnologia dos
parafusos, os eixos, a cera que o fabricante usou para polir a pintura, a tecnologia dos pneus, etc.
A metáfora do carrinho pode ser aplicada a um número de mágica. Se esse número for constituído
apenas de técnica, será como um carrinho, com roda, chassi e motor. Se ele estiver à venda na vitrine de
um mercado, ninguém ficará entusiasmado a comprá-lo. A teoria é justamente as outras peças do carrinho.
Ela faz o número ser mais apelativo, mais atraente, mais emocionante. Um estudo teórico aumenta o nível
artístico de um ato.
Com esse raciocínio, a técnica do misdirection não faz parte de um pensamento teórico, mas de um
pensamento técnico. Essa técnica faz parte da mecânica psicológica do número; sem ela, o número não
existiria. Se você precisa de misdirection para empalmar uma bola em sua rotina de “bolas excelsior”21
e não o executa, as pessoas vão ver a bola sendo empalmada e não haverá efeito mágico algum. Seu
número falhou. Misdirection é como a roda de um carro: sem a roda, um carro perde sua função. Sem o
misdirection que seu número precisa, sua mágica deixa de existir.
A teoria serve para juntar todos os componentes essenciais de um número de mágica de forma
harmônica. É como uma corda, que entrelaça toras de bambu para formar uma jangada. Sem ela, as toras
ainda boiariam; seria possível atravessar o rio com elas, mas a travessia não seria eficiente como com
uma jangada.
Enquanto a técnica determina a existência de um truque, os estudos dos aspectos teóricos da mágica
são necessários para ser um melhor mágico e para ter uma melhor performance.
Você não precisa de teoria para que seu número exista. Sem ela, você ainda consegue fazer um bom
truque. Porém, sem ela, seria perda de tempo tentar fazer uma mágica.

4.2 Ação conjunta


“O que é mais importante, técnica ou teoria? Qual delas eu devo estudar primeiro?” Boas perguntas.
Ambas, técnica e teoria, devem fazer parte de um ato mágico. A técnica é, apenas, a parte mecânica
de um determinado número de mágica, enquanto que o embasamento teórico de cada número desenvolve
os outros aspectos extremamente importantes (Ver Seção 3.3 - Habilidade técnica) para a consolidação
do efeito mágico. Apesar de conceitos nada similares, elas devem coexistir e dar suporte uma à outra.
No capítulo 1, foi discutido o aspecto artístico da mágica. Foi visto que, se não houver conectividade
entre a mágica e os espectadores, se a mágica não criar emoção em quem a testemunha, ela pode,
infelizmente, ser resumida a apenas uma habilidade, um ofício que, por falta de uma palavra mais
apropriada no português, definimos como craft22.
Dessa forma, um estudo teórico prévio e detalhado tem como função fazer a transição de um simples
truque para um número de mágica. Em outras palavras, é o que distingue um “fazedor” de truques de um
mágico.

4.3 O raciocínio teórico

Vimos que um pensamento teórico é essencial para o sucesso de um número de mágica. Quando toco
nesse assunto com alguns colegas mágicos, percebo que ainda existe uma grande dúvida a respeito de
como usar a teoria nos números e sobre o caminho para utilizar um raciocínio teórico.
O primeiro passo para desenvolver um pensamento teórico é você simplesmente parar para pensar
sobre três coisas: sua mágica, seus espectadores e você. O objetivo é que você seja um artista
atraente,23 que sua mágica seja poderosa e que sua plateia se emocione.
Se um número é de forte impacto e consegue emocionar a plateia, mas depois ela nem sequer lembra
de você, então você criou um momento mágico para seu público — e isso é muito bom —, porém não
deixou sua imagem na memória deles. Isso é péssimo para sua carreira profissional! Por uma óbvia
estratégia de marketing, você precisa ser lembrado por seu público. Por outro lado, se você tem um
personagem interessante, mas sua plateia não fica encantada com seus números, então você não é mágico.
Quando desenvolvo um número, tenho como meta conectar essas três coisas. Se faltar uma delas, há
trabalho a fazer.
Praticar teoria é, com certeza, mais difícil que praticar técnicas. É um processo um tanto mais
abstrato. É necessário mais do que um esforço mecânico, mais do que treinar as mãos. É preciso treinar a
mente.

Notas:

21 Um número clássico, em que o mágico faz uma bola aparecer e em seguida faz diversas outras bolas aparecerem entre seus dedos, em
pleno ar.
22 Descrever algo como craft equivale a percebê-lo em um estado intermediário de arte (que exige talento) e de ciência (que requer
conhecimento) - Traduzido pelo autor a partir da Wikipedia. Texto original em inglês.
23 Atraente não na conotação estética. Atraente no sentido de interessante. Veja a discussão sobre ”personagens” na seção 5.3.
Capítulo 5
O mágico

5.1 Um ator

O público enxerga o mágico como uma pessoa que cria fenômenos impossíveis.
Robert Houdin, o “pai do ilusionismo moderno”, disse ainda no século XIX: Um mágico é um ator
fazendo papel de mágico.
Essa frase define muito bem como deve ser o comportamento do mágico em cena: ele deve simular
seus poderes fictícios. Ninguém possui poderes paranormais,24 ninguém consegue, de fato, burlar as leis
da natureza. Logo, um mágico é um ator. O mágico, como qualquer outro artista, deve convencer a plateia
de sua arte. É preciso, acima de tudo, acreditar no que está fazendo. É preciso adquirir uma mente de
possibilidades, como a de uma criança, que realmente acredita no impossível. Nas sábias palavras de
Pablo Picasso:
Todas as crianças são artistas. O problema é como continuar sendo artista depois que ela cresce.
Um dos principais problemas que eu reparo ao assistir à apresentação de alguns mágicos é a
incapacidade de convencer a plateia do que ele está fazendo. Isso é ainda mais frequente com os mágicos
amadores. A apresentação não transmite segurança. Não digo segurança de falar em público, mas
segurança de que o que aquilo é sério. É preciso mostrar seriedade. Mas não significa que sua rotina não
pode ser cômica e que seu personagem deve possuir uma personalidade séria. Significa que, seja lá que
tipo de personagem você está assumindo e que tipo de apresentação está utilizando, você deve valorizar
seu papel.
Já vi muitos números de mágica apresentados como se fossem a coisa mais boba do mundo, que o
amiguinho da escola ensinou, quebrando toda a atmosfera mágica impedindo que o número tenha sucesso.
O primeiro passo para valorizarem o que você faz é você mesmo dar o valor. Se fizer uma apresentação
como uma coisa boba e trivial, seus espectadores vão assumir que ela é boba e é trivial. Esse problema é
ainda mais fácil de se perceber quando o número é fácil, um número automático. Esqueça o grau de
dificuldade do número. O poder da mágica não depende, de forma alguma, de seu grau de dificuldade de
execução!
Eu já parei para pensar o porquê de alguns apresentarem números de mágica como se fossem algo
banal. Tudo me leva a crer que eles têm medo de errar. Se demonstrarem a importância do que estão
fazendo e errarem, vão passar vergonha. Assim, é mais cômodo mostrar que não é uma coisa tão
importante assim.
Se esse for, de fato, o problema, a solução é apenas uma: praticar. Confiança é uma das coisas mais
importantes para um mágico. A plateia sente quando você está confiante e quando você está inseguro.
Suas palavras, seus gestos, sua linguagem denuncia seu sentimento interior. Confiança só se adquire
quando você se reconhece competente.25
Fazer coisas impossíveis é sempre um desafio. Sua plateia não quer assistir uma coisa difícil. Isso um
malabarista, por exemplo, pode fazer. Sua plateia quer ver coisas impossíveis. E existe uma grande
diferença entre essas duas definições.
Vou contar uma tática que venho usado há bastante tempo. Parece simples, mas mudou minha forma de
atuar. Sempre que vou fazer mágica, seja em um show profissional ou apenas em uma situação informal
para amigos, tento mostrar um “milagre” para quem está me assistindo. Não um truque, uma mágica.
Procuro mostrar, nem que seja por apenas cinco minutos, uma coisa que eles jamais verão novamente.
Tento fazer daquele momento um momento único. Meu objetivo é que a pessoa chegue em casa e, antes de
dormir, lembre o que ocorreu. Quando a situação não é favorável para isso, deixo para uma próxima
oportunidade.
Lembre que você está fazendo parte de um grupo pequeno de pessoas que praticam a única arte que
faz coisas impossíveis. Faça valer!

5.2 “Convencer” e “acreditar”

Um conceito importante e muito mencionado em outros estudos teóricos da Arte Mágica é a distinção
entre “alguém estar convencido” e “alguém ter acreditado”.26 Penso que seja a base para a compreensão
do papel fundamental do mágico.
No vocabulário cotidiano, esses dois termos —“alguém estar convencido” e “alguém ter
acreditado”— provavelmente sejam quase sinônimos: se você convenceu alguém de alguma coisa, você o
fez acreditar em alguma coisa. Quando se trata de mágica, a semântica é distinta. Ao ler minha
explicação, parecerá uma diferença ínfima, porém na prática ela é enorme. Vou procurar ser o mais claro
e objetivo possível.
Em 1969, Henning Nelms, em seu livro Magic and Showmanship, trouxe para o campo da mágica um
conceito importante da Teoria da Literatura, introduzido no século XIX por Samuel Taylor Coleridge:
“Suspension of Disbelief”livro-modificado. Traduzido ao pé da letra, seria algo como “Suspensão da
Descrença”. É tudo o que um efeito mágico precisa fazer. Não se trata de fazer a plateia acreditar naquilo
que viu, mas parar de desacreditar; parar de resistir, parar de se opor, para se deixar levar. Não é que o
espectador passe a “acreditar” que uma moeda sumiu e sim que ele passe a se envolver a ponto de,
naquele momento, se deixar levar e se “convencer” de que viu a moeda sumir. Lembre que não estou
usando a palavra convencer como sinônimo de “acreditar”. Aqui, “deixar-se convencer” significa
permitir-se o envolvimento e deixar-se levar. A atmosfera mágica é extremamente importante para criar
essa condição.
Por outro lado, “acreditar” é bem diferente. O público “acredita” no fenômeno quando ele realmente
crê que o mágico é capaz de fazer aquilo. Para ser mais claro, o público “acredita” na mágica quando
crê, incondicionalmente, que tudo que ele viu é real e que o mágico possui, de fato, alguns poderes
paranormais. Nesse sentido, “alguém ter acreditado” é um estado mais forte do que “alguém estar
convencido”.
Diversas artes — como o teatro, o cinema e a ficção literária — se baseiam em “convencer” sem
fazer “acreditar”. Ao ler um poema ou um romance, não estamos acreditando fielmente na história que
está se passando. Estamos apenas convencidos do enredo que o autor criou, isto é, deixamos de
desacreditar que aquilo é tudo falso e nos envolvemos na história. Nenhum adulto “acredita” que o
Homem Aranha existe. Ao ver o filme, porém, estamos convencidos da existência do personagem.
Estamos convencidos que o Homem-Aranha sobe paredes e lança teia pelas mãos. Deixamos de
desacreditar que o super-herói não existe (Suspensão da Descrença). Uma criança, por outro lado,
facilmente confunde esses conceitos e passa a “acreditar” que o Homem Aranha existe.
Se dizer ao público que os mágicos são paranormais e possuem poderes extrassensoriais é
charlatanismo e antiético, então isso significa que na Arte Mágica precisamos apenas do conceito de
“convencer” e podemos ignorar o conceito de “acreditar”? Na verdade, não. Os dois termos devem ser
cuidadosamente aplicados em um ato mágico.
Por um lado, o mágico deve fazer as pessoas acreditarem que não existem mecanismos secretos; por
outro, deve apenas convencê-las do fenômeno de sua mágica. O espectador deve ter certeza
incondicional de que o mágico não está utilizando nenhuma aparelhagem secreta, nenhum movimento
falso, nenhum objeto especialmente fabricado. Essa é a parte em que ele deve acreditar. Quanto ao
fenômeno, ao efeito, o espectador deve apenas se “convencer” e se deixar levar por ele. Assim, quando
se trata do segredo (que é o método), a plateia deve “acreditar” que não existe nenhum. Quando se
trata do fenômeno, ela deve estar apenas “convencida” de sua existência. Em outras palavras, o
mágico deve ser capaz de simular a inexistência total de qualquer artifício secreto que possa provocar o
fenômeno. Deve ser capaz de fazer a plateia não duvidar do efeito e muito menos questionar sua
falsidade. Porém, em momento algum, a plateia deve crer na veracidade dos poderes simulados e
“acreditar” que o mágico é uma espécie de paranormal. Fazer a plateia “acreditar” no fenômeno seria
aproveitar-se da ignorância do público leigo quanto às técnicas de ilusionismo.

O papel fundamental do mágico

Apesar da expressão “alguém ter acreditado” ser um estado mais forte do que “alguém estar
convencido”, o primeiro não é condição suficiente para o segundo, isto é, não é verdade que se a plateia
“tiver acreditado” que não existe método vai, necessariamente, “estar convencida” do fenômeno. Podem
ocorrer casos em que o método funciona, mas o efeito falha, e a plateia simplesmente deduz como o
mágico fez determinada coisa. Em um exemplo simples, porém razoável, o mágico executa uma
transferência falsa de uma moeda da mão direita para a mão esquerda. A plateia pode “acreditar” que não
houve nenhum movimento falso e que a moeda está, de fato, na mão esquerda. Porém, no momento em que
o mágico abre a mão esquerda e revela a desaparição da moeda, a plateia pode supor que, na verdade, a
moeda está ainda na mão direita. A plateia não sabe como o mágico verdadeiramente fez — ela
“acreditou” que o mágico não fez uso de artifícios —, mas deixa de “estar convencida” do fenômeno por
ter conseguido uma explicação alternativa.
Dessa forma, é função do mágico garantir que a plateia não saiba como o fenômeno foi
verdadeiramente executado e que não tenha outras alternativas para explicar como aquilo pode ser
executado. Ou seja, o mágico deve fazer com que a plateia, sempre, não apenas “acredite” que não foi
utilizado um método, mas também “se convença” da veracidade do fenômeno. Na Seção 8.4: Estrutura,
retomo esse tema ao discorrer sobre a estrutura de um número de mágica.

5.3 “Eu” no palco

Como foi dito, o mágico é um ator. Quando se está em cena, é preciso assumir um personagem,
alguém que a plateia veja e perceba como o mágico. Uma das perguntas que iniciantes na Arte Mágica
mais fazem se refere à diferença entre a pessoa no palco27 e a pessoa na vida real. O mágico deve
possuir, no palco, as mesmas características que possui na vida real? Até que ponto essa mudança na
personalidade existe?
Bem, essa pergunta psicoanalítica é um tanto complicada. Existem artistas que mudam sua
personalidade, assumindo um estilo diferente do seu no dia-a-dia. Outros já incorporam um estilo mais
parecido com o seu natural. A verdade é que nunca nos desvinculamos completamente de nossa
personalidade natural. Ocorre que escolhemos nosso personagem para refletir as características que
queremos que a plateia perceba, enquanto escondemos outras. Tentamos transmitir o melhor de nós ao
público, mas não significa ser essa imagem que passamos.
Lembro muita bem de uma ocasião em que eu terminei um show e, depois, algumas pessoas da plateia
vieram falar comigo. Uma senhora me disse que adorou o jeito como eu me comportava no palco e que eu
não parecia com aqueles tipos de mágicos com ar de superioridade; eu tratava todos os contratempos,
inclusive antes do show, com um sorriso e uma alegria na postura.
Bem, na vida real, as coisas não são bem assim. Está certo que eu sou, e sempre fui, uma pessoa que
gosta muito de rir e tento inserir a comédia e o prazer em tudo o que faço, até quando me apresento com
uma personalidade séria. Eu sou assim, é o meu jeito. Não obstante, como todo ser humano, existem
coisas que me irritam e me tiram o sorriso do rosto. Mas, obviamente, eu não demonstro isso quando
estou no palco. Quando apresento, a plateia me acha a pessoa mais gentil do mundo, de bem com tudo e
com todos. Para os espectadores, é como se eu não tivesse problemas nenhum na vida. Obviamente, isso
não é verdade, acredite.
Veja, então, que a forma como sou no palco é um tanto diferente da forma como sou na vida real.
Quando estou fazendo mágica, assumo um personagem alegre, interessado nas pessoas, inteligente,
simpático, bem humorado e de espírito jovial e confiante. Isso é apenas um lado — o melhor lado — de
mim na vida real, e o lado que interessa no palco.
O mágico deve ter um personagem atraente. Atraente não no sentido de beleza, mas no sentido de
interessante. Os espectadores precisam gostar de você. Um perfeito exemplo disso é o admirável,
incrível e inacreditável mágico Juan Tamariz. Ele consegue contagiar o público não apenas com sua
mágica, mas também com a pessoa que ele é. Quem sabe é por isso que quase sempre recebe aplausos em
dobro.
Imagine só você fazendo coisas fantásticas, mas sendo repudiado por todos por ser uma pessoa
insuportável. Você simplesmente não teria público! É o mesmo caso com a maioria dos palestrantes e de
professores universitários: muitos deles tem um enorme conhecimento, mas são pessoas extremamente
entediantes de se ouvir. Sorte deles que não estão lá para entreter ninguém. Caso contrário, dariam aula
para as paredes.
Note que o modo como eu quero que a plateia me perceba é compatível com meu estilo de vida real.
Levando em conta minha idade e minha personalidade real, seria difícil assumir um personagem como o
de Eugene Burger ou convencer a plateia de que sou um mentalista sério, como faz Max Maven.
Com esse raciocínio, minha recomendação é que você descubra quem você é na vida real. Você é
engraçado? Você é sério? Você é introspectivo? Você gosta de que estilo musical? Tem talento para
contar piadas? Como é difícil fazer essa autoavaliação, comece a reparar como as pessoas o percebem,
como sua família e seu grupo de amigos enxerga você. Às vezes, a forma como a pessoa acha que é não é
a mesma como outras pessoas a percebem.
Não existe personagem ruim e personagem bom; é tudo uma questão de estilo. O personagem deve se
adequar ao indivíduo. Veja um exemplo de dois mágicos com a mesma área de atuação, mas de estilos
completamente opostos: René Lavand e Bill Malone. Qual personagem é melhor? Essa pergunta não se
aplica ao caso! São apenas estilos diferentes, igualmente interessantes. Seria um desastre o Bill Malone
tentar ser como o René Lavand e vice-versa, pois eles são indivíduos diferentes, com culturas, costumes
e vivências diferentes. O “indivíduo” estabelece linhas de fronteiras, nas quais o “personagem” deve se
enquadrar.
Muitos iniciantes na mágica recebem conselhos como “Seu personagem pode ser o que sua
imaginação decidir”. Na realidade, não é bem assim. Sim, você pode tentar ser o que você quiser, mas
não pense que basta copiar as frases de um mágico cômico para ter um ato tão engraçado como o dele ou
que basta fazer uma feição bizarra para ser tão bizarro como é Dan Sperry. Sua personalidade deve grifar
seu personagem.
Outro ponto importante é não limitar seu conhecimento em apenas mágica. Lembre que, acima de tudo,
você é um artista e precisa contagiar seu público. Procure assistir a filmes, a peças de teatro e a outros
tipos de shows. Leia livros de histórias diferentes. Saiba mais sobre os artistas que estão fazendo
sucesso. Fique por dentro das atualidades. Existem outras coisas na vida, além do conhecimento mágico
em si, que também compõe o perfil de um mágico. A plateia percebe sua riqueza interior!

5.4 Mágico por coração

Muitos dos mágicos que estão hoje no mercado trabalham apenas por motivos financeiros. Isso acaba
gerando uma quantidade significativa de profissionais ruins e de shows péssimos. Não gostaria de soar
muito clichê, mas vale relembrar a antiga máxima que diz “Quem faz por amor faz bem feito”.
Ser mágico é difícil. É uma das poucas profissões em que erros são inadmissíveis. Se um professor
cometer um pequeno erro no que escreveu ou no que falou, ele pode corrigir depois e tudo fica bem. Ele
continua sendo um bom professor. Se um músico cometer um pequeno erro em alguma nota, tudo bem,
erros são humanos. Ele continua sendo um bom músico. Porém, se um mágico errar alguma coisa, por
menor que seja, ele deixa de ser um bom mágico. Quando uma pessoa se diz “mágico”, ela está dizendo
que consegue realizar fenômenos impossíveis. Todos param o que estão fazendo e direcionam sua
atenção para ele. Uma pequena falha já tira o caráter de “impossível” e destrói toda a reputação do
mágico que cometeu o erro.
Se você não quer treinar e não quer se dedicar a apresentar um número com perfeição, então nem
pense em ser mágico. Para entreter pessoas, existem outras formas mais flexíveis em relação a falhas.
Deixe a mágica para quem quer se esforçar e tem coragem de assumir a responsabilidade da perfeição.
Um mágico deve pensar e agir como um atirador de elite: qualquer erro pode ser fatal.
O primeiro requisito para ser um mágico é ter determinação. É preciso determinar metas e trabalhar
arduamente para atingi-las. A pressa é seu pior inimigo nesse caso. Se você está apressado para
conseguir fazer shows e ganhar dinheiro, seus shows serão mal planejados, você vai cobrar um valor
irrisório por eles, não vai agradar a seu público, vai destruir sua reputação e a dos outros profissionais
no ramo. Esse é um ponto importante: um show ruim não só te prejudica mas prejudica, também, a todos
os outros colegas mágicos que tanto se dedicam para apresentar uma mágica de qualidade. Não é injusto
isso?
Uma vez, ouvi alguém dizer uma coisa muito parecida também com o que eu penso: “não fui eu que
escolhi ser mágico. Foi a mágica que me escolheu”. Existem dias em que fico o tempo todo ocupado com
a mágica e quando eu chego em casa eu ainda vou ensaiar, treinar outras rotinas ou escrever minhas
ideias. Eu sinto que a mágica tem alguma coisa que me provoca, que me chama, que me apaixonou. Ela
nunca significou pra mim um meio de exibição.

5.4.1 Los Siete Velos Mágicos

Em 2009, no Peru, participei de um seminário do Juan Tamariz denominado El Arte de La Magia, em


que ele comentou sobre sua teoria dos Los Siete Velos Mágicos. Essa teoria descreve os sete “mistérios
mágicos”, emoções sentidas pelo público, apesar de não se saber a origem da verdadeira existência
delas. Fiz várias anotações do que o Tamariz falou e guardei as notas de conferência distribuídas aos
participantes do seminário, especificando mais o assunto. Como esse conteúdo nunca foi publicado em
nenhum livro do Tamariz, vou comentar brevemente cada um de seus aspectos:

1. Mistério do amor ao que se faz

Uma pessoa que tem amor pela mágica conhece a história de sua arte, estuda os aspectos teóricos, lê
livros de outros mágicos, estuda outros pontos de vista e ensaia até a perfeição. Quem tem amor pela
mágica sempre procura melhorar cada vez mais seu ato. Isso tudo é feito por carinho, sem obrigação
alguma.
Esse carinho, essa dedicação e esse amor são percebidos pelo público. De alguma forma, que não se
sabe exatamente qual, a plateia percebe o nível de importância que o mágico dedica a sua arte.

2. Mistério do esforço

O esforço que você emprega em cada número na hora de atuar é percebido pela plateia. Um número
que não requer esforço particular do mágico, geralmente aparelhos comprados em que o mágico não fez
alteração nenhuma, não causa o mesmo efeito de outro, no qual o mágico investiu mais de seu amor.
Quanto mais de você tiver no que você faz, mais de você é transmitido à plateia.
Um número deve ser minuciosamente estudado; cada técnica deve ser ensaiada, o efeito deve sempre
ser melhorado e aperfeiçoado. Esse processo leva tempo; ele agrega esforço, amor, dedicação, carinho e
paixão ao número. Não se sabe o porquê, mas a plateia sente os números em que você investiu mais
esforço.

3. Mistério do conhecimento e da sabedoria

É importante saber sobre o que você está fazendo. Saiba o máximo possível sobre seus números:
quem inventou, variações anteriores, modificações e contribuições de outros mágicos. O conhecimento e
a sabedoria que você possui vai dar confiança a seus movimentos e a suas palavras. A plateia percebe
isso.

4. Mistério da energia

Tamariz fala da energia interior que o mágico emite. Não é causada por expressões faciais, pelo
ritmo das palavras, nem pelo tom da voz. É a energia que surge de dentro do artista, de seu bem estar com
o mundo, de sua boa forma física, de sua mente tranquila e de seus pensamentos positivos.
É importante estar bem alimentado, estar bem descansado e sentir-se seguro com o que faz. Quanto
mais alegre você estiver, quanto melhor estiver sua autoestima, quanto mais satisfeito você estiver com o
que você faz, quanto mais feliz você estiver consigo mesmo, melhor vai ser sua performance. Você vai
transmitir uma energia interior forte, que o público reconhece de forma positiva. Como a plateia percebe
isso? São sutilezas emanadas de sua presença.
5. Mistério da verdade

Segundo o próprio Tamariz, “Na arte do engano, o mais essencial é a verdade”. Que bela frase! Um
mágico deve ser autêntico. Suas emoções devem ser reais. Não adianta fingir saber sobre um assunto,
fingir gostar do que está fazendo, fingir estar alegre diante da plateia, fingir o conhecimento sobre seus
números, enfim, fingir ser quem você não é.
É preciso ser verdadeiro com seus números e com sua personalidade. Não copie os outros, não faça
plágios. A plateia sabe quando você possui sinceridade interior.

6. Mistério do mundo interior

Como disse na seção 5.3, o mágico deve ampliar seus conhecimentos e não ficar atrelado apenas à
mágica. Em 2004, no Congresso Brasileiro de Mágicos assisti a uma conferência do mágico espanhol
Juan Mayoral, que disse uma coisa muito valiosa: muitos mágicos, a maioria iniciantes, preocupam-se
apenas com a mágica e esquecem outras coisas que também compõem a vida. Essas pessoas acabam
criando dificuldade em ser criativas, pois não adquirem outra base e nem outro conhecimento não
correlacionado à mágica.
O mágico deve diversificar seu conhecimento. A plateia percebe quando ele possui pensamento
próprio, riqueza interior, opiniões sobre outros assuntos e outros temas. Conhecimento nunca é demais.
De alguma forma desconhecida, o público sente quando você possui ou não conhecimentos limitados e
pensamentos estreitos.

7. Mistério do amor às pessoas

O público para de fazer qualquer coisa para assistir a um mágico em cena. Ele devota sua atenção,
seu tempo, seu carinho ao que o mágico está fazendo. E o mágico deve retribuir isso, tendo não apenas
respeito, mas também amor a quem assiste a seu show. O mágico deve transmitir esse carinho e essa
atenção à plateia, já que, sem plateia, o efeito mágico não existe. É preciso gostar verdadeiramente de
seus espectadores. A plateia percebe essa alegria.
É preciso também ter amor a seus números e ter amor próprio. Nas palavras do Tamariz, “Um ato de
mágica é um ato de amor: amor ao público, amor ao mistério e amor ao mágico.”

5.5 O mágico e a plateia

Como foi dito na seção 3.1, mágica só existe no momento da performance. Isso implica, obviamente,
que o mágico depende de uma plateia para que sua arte exista. Em outras palavras, nós, mágicos,
dependemos de um público, de pessoas que cedem parte de seu tempo para nós; pessoas que podiam,
simplesmente, levantar e ir embora. Esse é um argumento mais que suficiente para exigir que o mágico
respeite a plateia.
Às vezes, não consigo compreender as atitudes de alguns mágicos. Por que é tão comum a construção
de números que exigem a presença de uma pessoa no palco para ser ridicularizada diante da plateia? Não
consigo entender por que construir números com o objetivo único de esculachar os espectadores. Por que
denegrir a imagem de um espectador que gentilmente se voluntariou para subir ao palco?
Sei que existem excelentes rotinas cômicas,28 muitas delas realizadas por mágicos mundialmente
famosos, que fazem uso de humor com um espectador com o intuito de fazer o restante da plateia rir. Não
há nenhum problema nisso. O humor é perfeitamente válido! O problema, acredito eu, é quando o mágico
ridiculariza o espectador, de forma que ele desça do palco se sentindo pior do que quando subiu.
Em shows infantis, é muito comum o mágico acidentalmente fazer a cueca de um dos meninos
voluntariados no palco aparecer entre dois lenços.29 Em minha opinião, esse é o típico exemplo de um
número que ridiculariza o espectador. Qualquer pessoa que compreenda o mínimo de psicologia de uma
criança, saberia que aquilo pode desenvolver uma total aversão da criança por shows de mágica. Ver
todos os colegas rindo de uma situação constrangedora pode ser traumático para uma pessoa de 10 anos.
Há tantos outros excelentes números para o público infantil, que simplesmente não consigo compreender
o porquê de escolher um que ridiculariza uma das crianças.
Para mencionar um segundo exemplo, recordo-me de um congresso de mágicos que ocorreu em Belo
Horizonte em 2007, o Encontro Mundial de Mágicos. Um mágico internacional, cuja identidade prefiro
preservar, convidou uma pessoa da plateia ao palco para auxiliá-lo em um número de cartas. Não me
recordo bem do efeito, mas lembro que, no final, o baralho era todo jogado para o ar e todas as cartas
caiam no chão. Parece mentira, mas o mágico, após encerrar o número, pediu para que o espectador
catasse as cartas do chão. O espectador obedeceu: catou uma por uma. Lembro desse episódio não
apenas porque foi uma atitude insana, mas porque o espectador que foi chamado ao palco é um amigo
meu, que, aliás, ficou bastante aborrecido com o que ocorreu. Será que fazer a plateia toda rir compensa
o preço de ridicularizar um espectador? Em minha opinião, não.
Todos os espectadores devem sair do show se sentindo melhor do que antes. Executar um número de
mágica deveria ser como entregar um presente: os espectadores devem se sentir beneficiados e não
prejudicados. Ridicularizar uma pessoa para ganhar atenção das outras pode ser uma estratégia
comercial, mas não inteligente.

5.5.1 Pressuposto indesejado

A maioria das pessoas, ainda mais aquelas que não esperavam ver um número de mágica, partem do
pressuposto que o mágico quer enganá-las, fazê-las de idiota. Infelizmente, isso é reforçado mais pela
atitude de alguns mágicos que, de fato, apresentam seus números como se fosse uma batalha entre o
mágico e a plateia, em que o mágico, obviamente, sempre ganha. Esse pensamento torna impossível o
sentimento de “Suspensão da Descrença” (ver seção 5.2) e, como consequência, destrói completamente a
possibilidade de construir a “atmosfera mágica”.
Um dos maiores desafios que eu tenho quando apresento, seja um show de uma hora ou um único
número de um minuto, é tentar quebrar esse raciocínio. Não quero aparentar um ar superior, de
prepotência, de arrogância. Pelo contrário, quero que a plateia goste não apenas do que estou fazendo
mas também de como estou fazendo e, principalmente, de como eu sou. Quero ter a plateia a meu favor e
não contra mim.
Para acabar com esse duelo, faço modificações em grande parte dos meus números. Elimino de meu
repertório todos os números cuja apresentação implica que eu e a plateia sejamos adversários. Na
maioria dos casos, consigo modificar a apresentação e o script30 para evitar sacrificar completamente o
número. Um exemplo perfeito e mundialmente famoso em que isso ocorre é a versão do René Lavand do
número “Covilhetes”. René pegou a antiga ideia de “Duas na Mão e Uma no Bolso”31 e a modificou
completamente, criando uma belíssima composição que mescla uma linda história e uma perfeita técnica.
A conotação inicial do número, que é claramente o mágico desafiando o espectador, foi completamente
modificada. Nessa versão, o mágico conta uma história para a plateia e, ao compartilhar um momento de
sua vida, executa um belíssimo número de mágica. A técnica é praticamente a mesma, porém o efeito foi
completamente modificado.
Faço também modificações necessárias para incluir uma maior participação dos espectadores. Além
disso, procuro sempre valorizar o papel de cada espectador, de forma que a plateia se sinta uma peça
fundamental — não apenas uma testemunha — para que o fenômeno impossível ocorra.
Dessa forma, tento fazer, mesmo que seja uma apresentação de um número apenas, a plateia curtir o
momento mágico e deixar de pensar que está em uma posição inferior a mim. Procuro sempre mostrar que
o momento da performance não é só meu, mas um momento nosso, meu e dos espectadores.

5.5.2 Apresentando para apenas uma pessoa

Fazer mágica para apenas uma pessoa é uma situação delicada. Creio que todos os mágicos já
passaram por essa experiência. Em raras exceções, eu sempre recuso me apresentar apenas para uma
pessoa.
Quando apresento um número de mágica para apenas uma pessoa, sempre tenho a sensação de que
está havendo um duelo entre mim e o espectador. É como se eu quisesse, de fato, enganá-lo. O espectador
sente-se em um teste, no qual tem certeza que será enganado, que será visto como inferior a mim. E isso é
uma das coisas que eu mais evito nas minhas apresentações.
Justamente por pensar que estou tentando enganá-lo, a percepção crítica de um espectador sozinho é
bem maior do que se ele estivesse em uma plateia, com outras pessoas. Ele se sente tão intimidado, que
procura fazer tudo para descobrir o segredo do número. A busca árdua pelo segredo o impossibilita de
presenciar um momento mágico, e a atmosfera mágica é completamente destruída. Fica impossível atingir
a “Suspensão da Descrença”, como comentado na Seção 5.2: "Convecer" e "acreditar". O espectador
passa a enxergar o número como um truque e não como uma mágica.
Como se não fosse o bastante, uma pessoa sozinha é infinitamente mais tímida do que quando inserida
em um grupo. Uma pessoa apenas não vai gerar os aplausos, o barulho, o sorriso, a emoção que uma
plateia normal geraria. E acredite, a energia do público é o combustível para o motor do mágico
funcionar. O resultado é que o número parece não ter sido tão impactante quanto realmente foi.
Esse mesmo raciocínio pode ser utilizado para explicar a reação bizarra que o homem de
determinados casais possui, quando se depara com um mágico apresentando um número apenas para os
dois. Por motivos culturais, o homem não quer se mostrar inferior a outro perante sua esposa ou
namorada. Dessa forma, ele reluta em apreciar o efeito mágico e, como se fosse regra, fica quase
impossível fazer mágica para um casal sozinho.
É necessário ter bastante experiência para lidar com essas situações. Caso seja impossível evitá-las,
é preciso saber escolher o repertório e modificar a abordagem de forma que seja possível estabelecer um
clima de igualdade entre o mágico e o espectador e demonstrar que um número de mágica não é, de forma
alguma, uma batalha intelectual.

5.6 Plágio e originalidade

O plágio na Arte Mágica é comentado pela maioria como algo extremamente maléfico e antiético. Eu
também não sou a favor. Porém, tenho uma visão ligeiramente diferente. Primeiramente, gostaria de
agradecer ao Eduardo Peres por expor excelentes ideias em seu livro “Pensamento Original em Arte
Mágica”, que tanto contribuiu para a literatura mágica brasileira.
De acordo com o Dicionário Michaelis, a definição de plágio é: 1. Cometer furto autoral,
apresentando como sua uma ideia ou obra, artística ou científica, de outrem.
2. Usar obra de outrem como fonte sem mencioná-la.
Partindo do pressuposto de que um mágico usa ideias para aplicar em números e os apresenta com
um determinado estilo de performance, um mágico pode plagiar outro de três formas: pode plagiar ideias,
plagiar números e plagiar um estilo.
O autor de um novo número de mágica geralmente o publica em uma revista, um livro ou um vídeo e
passa a ser reconhecido como o criador do número em questão. A comunidade mágica passa a ter
conhecimento do número e de seu autor.
O mesmo processo se aplica a novas ideias, apesar de ser um tanto mais delicado. As ideias são
detalhes muito sutis, que facilmente se perdem do criador e passam a ser de domínio de todos.
Um exemplo disso é o caso do famoso número “Baralho Invisível”.32 Ele era apenas uma forma de
apresentar o Ultra Mental Deck, variação que um mágico chamado Joe Berg criou em 1936 a partir do
Brainwave Deck, o qual foi popularizado pelo famoso Dai Vernon. A ideia de apresentar o Ultra Mental
Deck usando um baralho imaginário foi popularizada por Don Alan. E foi uma ideia tão boa que o Ultra
Mental Deck passou a ser conhecido como “Baralho Invisível” apenas pela forma de apresentação que
todos passaram a usar. O incrível é que o crédito de tudo isso vai muitas vezes para o próprio Don Alan,
embora a ideia original da apresentação, a ideia de simular o uso de um baralho imaginário exista desde
1942 e tenha sido de um mágico chamado Eddie Fields.
Para complicar ainda mais a história, o mágico Bill Abbot relata, em um livro que escreveu em 2008,
que viu uma apresentação muito similar à do “Baralho Invisível” em um filme(Oliver the Eighth)
lançado em 1934. Isso foi 8 anos antes do Eddie Fields ter sua ideia. Será que Fields plagiou a ideia? Ou
foram duas descobertas independentes? Ninguém sabe.
Felizmente, esse processo tem se tornado cada vez mais eficiente com o desenvolvimento da Internet
e de diversos outros meios de comunicação. Hoje em dia, um mágico consegue mais facilmente publicar
um número ou alguma ideia — geralmente variações de outro número — e ser reconhecido por sua
criatividade.
Quando se trata de estilo de performance, o caso é bem mais delicado. É muito complicado efetuar
um registro oficial dele. Na verdade, é impossível. Felizmente, existe o bom senso que, apesar de ser um
termo desconhecido por alguns, permite que a comunidade mágica em geral reconheça os criadores de
determinados estilos de performance. Não existe nada registrado sobre o estilo de fazer mágica do Lance
Burton. Porém, se virmos pessoas com o mesmo estilo de apresentação do Lance, será fácil reconhecer o
plágio e distinguir o plagiador do plagiado.
Leia novamente a definição de plágio e veja como é difícil aplicá-la à Arte Mágica. Uma coisa é
perceber quando um mágico copiou um número criado por outro mágico; outra coisa é dizer quando um
ato foi plagiado. A mágica não é um objeto simples de avaliação que permite dizer facilmente quando
ocorreu plágio ou não. Qualquer variação de um número, qualquer mudança infinitamente pequena, é
utilizada como argumento de originalidade.
O plágio de estilo é muito comum entre os iniciantes na arte. Nesse caso, eu vejo o plágio como um
fator limitador, mas inevitável. Não podemos exigir que um iniciante na Arte Mágica possua números
próprios, ideias próprias e um estilo de apresentação próprio. Um amador tem um ou vários ídolos e é
natural que ele siga um caminho pelo qual acredita que vai atingir o mesmo patamar de seu ídolo. Assim,
o plágio do estilo de performance acaba sendo inevitável, infelizmente. É natural que, com o passar dos
anos, o iniciante adquira experiência e descubra mais sobre seu estilo particular, desprendendo-se
paulatinamente de seu ídolo.
A grande crítica que eu faço aos defensores estritos da originalidade é a consequência da pressão
excessiva nos iniciantes a fim de eles desenvolverem números próprios. Alguns iniciantes, seja pela
pressão ou por uma questão de ego, esforçam-se para seguir o caminho contrário e fazem o máximo para
ser originais e criar números novos. O reflexo disso são números mal estruturados, baseados em
princípios fracos, que não possuem um forte apelo perante o público.
O que eu vou falar agora é um tanto controverso, eu sei. Mas assuntos polêmicos sempre são
construtivos. Em sua opinião, leitor, o que é melhor para a Arte Mágica: mágicos executando números
fortes de outros mágicos ou mágicos executando números fracos, porém originais? Acredito, fielmente,
que seja a primeira opção. Eu simplesmente não vejo o porquê da preocupação excessiva de alguns
mágicos em desenvolver números originais. Acredito que o processo criativo, que leva à originalidade,
deve ser espontâneo e não forçado. O primeiro erro que se pode cometer ao tentar ser original é impor a
si a obrigação de sê-lo.
A preocupação em possuir um repertório completamente original acaba por prejudicar a Arte Mágica
na maioria dos casos. Não por causa da originalidade, obviamente, mas porque os mágicos que procuram
originalidade muitas vezes procuram, apenas, originalidade e deixam de pensar no outro lado da mesma
moeda: o apelo ao público. Ao fim, a preocupação fica apenas em garantir que o determinado efeito ou
método nunca tenha sido publicado por nenhum outro artista.
Eu digo isso com total confiança, porque é o que tenho observado já há alguns anos. Essa ocorrência
é muito frequente também com técnicas mecânicas em cartomagia. Muitos mágicos fazem uso de técnicas
que são claramente piores e menos eficientes que outras, mas mesmo assim, teimam em utilizá-las para
honrar o mérito próprio. Quanta pretensão.
Não digo que originalidade é ruim, de forma alguma! Mas a busca por originalidade deve sempre ser
feita paralelamente à busca por impacto mágico. De nada adianta ser autor de um número novo no
mercado, mas um número ruim.33
Assim, vou fazer uma proposta diferente: vamos procurar ampliar nosso conceito de originalidade,
estendendo-o também, às ideias e às apresentações, em vez de apenas aos números. Um mágico não se
destaca dos outros apenas pela originalidade de seus números. Há outros fatores infinitamente mais fortes
que definem como o mágico faz e não o que o mágico faz.
Veja o exemplo do Criss Angel, mágico que fez muito sucesso, principalmente com o público leigo.
Opiniões individuais à parte,34 o Criss Angel é, sem dúvida, um excelente artista; ele quebrou
paradigmas. E veja que seu sucesso não está exatamente na originalidade dos números, até porque grande
parte deles não são de sua própria autoria; seu sucesso está na originalidade em seu estilo de
performance de suas ideias. O mesmo raciocínio se aplica ao David Blaine.
A originalidade de um número de mágica é apenas um fator adicional à carreira “acadêmica” do
mágico. Nada indica que a originalidade de um número está ligada a seu impacto. Ser original é muito
mais importante para o sucesso perante a comunidade mágica do que para o sucesso perante o público
leigo. Primeiro, devemos nos preocupar em ser um bom mágico e apresentar uma boa mágica, para
depois ser um bom mágico com números originais. O importante é que o número que você escolher para
executar, caso não seja criação sua, seja compatível com seu personagem.35
Um ponto que reforça esse argumento é a existência de diferentes vocações. Existem mágicos que,
claramente, possuem vocação para criar números, ao passo que a vocação de outros pode ser apresentar
números. Veja o exemplo de dois mágicos conhecidos: Bill Malone e Kevin Parker. Kevin Parker possui
uma mente brilhante para criar números, porém não possui igual talento para executá-los. Bill Malone,
por outro lado, consegue modificar o número de diversos outros mágicos — na maioria números criados
por Ed Marlo — e apresentá-los de uma forma única, que mágico algum consegue fazer igual. São dois
tipos de criatividade distintos, cada um com seu valor. Outro exemplo disso, aqui no Brasil, é meu grande
amigo Rafael Titonelly, um artista nato. Quem já o viu apresentando reconhece seu talento. Ocorre que a
maioria dos números que compõem seu show não foram criados por ele. A singularidade de seu ato está
na eloquência do personagem, na apresentação dos números, no humor do script, na forma pela qual
Titonelly adapta números já conhecidos para encaixar com seu tipo de performance. Originalidade! Para
citar mais um caso, lembro a incrível dupla brasileira Vik e Fabrini, com seu ato mundialmente famoso.
Grande parte dos números que compõem o ato de 8 minutos são simples e não foram todos criados pela
dupla. O grande destaque, novamente, é na forma como os números são apresentados e na forma como a
dupla interage com cada efeito mágico. O ato é tão surpreendente que, em 1988, Vik e Fabrini ganharam o
primeiro prêmio no campeonato do FISM, na categoria Magia Geral.
Não digo isso para que o leitor se sinta confortável em apresentar, somente, números de outros
mágicos em versões modificadas. Pretendo apenas deixar claro que a apresentação, por ser uma forma de
interpretação, deve também ser contabilizada no balanço criativo de um mágico. Como disse Ascanio,
“(...) a interpretação, portanto, é um ato de criação.”36 Agora, é claro, que seria ótimo se todos
conseguissem ser bons criadores e bons apresentadores, como é o caso de Tamariz, Jay Sankey, Simon
Aronson e muitos outros, inclusive brasileiros.
Fazendo uma analogia com a música, não há problema algum em um músico tocar músicas de outro
compositor, desde que o estilo musical seja compatível com sua personalidade de artista. Imagino que, se
a Marisa Monte se aventurasse a cantar um funk ou um rap, seria um fracasso. O objetivo do músico não
é ter músicas originais, mas sim contagiar a plateia com sua forma de fazer música. Tocar uma boa
música, mesmo que ela seja de outro compositor, é preferível a fazer composições próprias e tocar uma
música que deixa a desejar. Da mesma forma que um músico iniciante, procurando ser original vai, muito
provavelmente, criar músicas ruins, um mágico iniciante, também procurando ser original vai, muito
provavelmente, criar números fracos.
Basicamente, existem cinco alternativas:

1. Ser um mágico que usa ideias de outros mágicos, que as aplica em números de outros mágicos e os
apresenta com um estilo de outro mágico;
2. Ser um mágico que usa suas próprias ideias, que as aplica em números de outros mágicos e os
apresenta com um estilo de outro mágico;
3. Ser um mágico que usa suas próprias ideias, aplica-as em seus próprios números e os apresenta
com um estilo de outro mágico.
4. Ser um mágico que usa suas próprias ideias, aplica-as em números de outros mágicos e os
apresenta com seu próprio estilo.
5. Ser um mágico que usa suas próprias ideias, aplica-as em seus próprios números e os apresenta
com seu próprio estilo.

Fuja da opção 1 e procure estar na opção 4. Se você atingir a opção 5, executando números fortes,
você zerou o jogo.
Dessa forma, pensar que o plágio é apenas mágicos executando números de outros mágicos é desviar
o foco de um problema muito mais importante: a banalização dos efeitos no mercado de mágica do
Brasil. Isso, sim, me preocupa. Quando um mágico comercializa um número e diz ser o criador, quando
na verdade quem criou foi outra pessoa, ele está cometendo um dos mais graves tipos de plágio. Um
desrespeito aos direitos autorais e a todos nós que praticamos a Arte Mágica.
É essencial que os mágicos brasileiros se conscientizem desse problema e procurem combatê-lo. O
plágio não pode ser visto como normal e inevitável. Precisamos conhecer mais sobre nossa Arte,
pesquisar mais sobre os números que fazemos, para dar os créditos aos que merecem. Ser criativo não é
fácil. Os criadores precisam ser reconhecidos.

Notas:

24 Até hoje não há nada comprovado.


25 No capítulo 11 será discutido melhor como treinar um número de mágica.
26 Em obras escritas em língua inglesa, os termos usados são “convince someone” e
“deceive someone” respectivamente.
27 Utilizo o termo “pessoa no palco” para me referir a “pessoa atuando como mágico”,mesmo que seja em situações que não envolvem o uso
real de um palco, como uma performance em proximidade com a plateia.
28 Como, por exemplo, o clássico número da “Guilhotina”, que o mágico coloca o braço do espectador, ou a cabeça dele, em uma guilhotina.
No final, é claro, o espectador sai intacto.
29 É claro que isso é apenas uma simulação. A cueca que aparece entre os dois lenços não é a cueca verdadeira.
30 Sobre o script, ver seção 9.3.
31 A apresentação de "Duas na Mão Uma no Bolso" pode ser feita também com moeda, com guardanapos, com palitos de fósforo etc. É
basicamente o mágico apresentando três objetos ao espectador, sendo que dois deles vão para a mão do mágico e um vai para o bolso.
Quando o mágico pergunta quantos objetos ele tem na mão, o espectador responde "dois" e ele prova que o espectador está errado, mostrando
que os três estão na mão dele. Isso é repetido mais uma vez. Na terceira vez, quando o espectador supostamente já entendeu o que vai
ocorrer, ele diz que o mágico tem três objetos na mão. Quando o mágico abre a mão ela está vazia. O segredo do número é apenas uma
sequência de transferências falsas, sendo que, na terceira fase, o mágico faz uma transferência falsa de dois objetos simultaneamente. Eu não
gosto desse tipo de abordagem em um número de mágica, pois ele gera um confronto entre o mágico e o espectador. É como se o mágico
estivesse querendo provar, a qualquer custo, que é mais esperto. O espectador se sente rebaixado durante todo o número. Comentamos sobre
isso na seção 5.5.1.
32 O efeito, a grandes rasgos, é que uma carta pensada pelo espectador aparece virada no meio do baralho, sem nenhum movimento suspeito.
Um milagre.
33 Sobre a discussão a respeito de existir ou não números ruins, consulte a seção 10.1.
34 Nessa discussão, vou me abster da polêmica sobre o uso de recursos de vídeo e truques de câmera.
35 Sobre a importância de ter um personagem original, Oscar Wilde, famoso escritor irlandês, disse: “Be yourself. Everyone else is already
taken”. Traduzindo, a frase teria o sentido de “Seja você mesmo. Todos os outros já foram escolhidos.”
36 “(...) interpretation, therefore, is an act of creation.”
Parte II
Por Dentro do Número de Mágica
Antes, algumas palavras

Nesta parte do livro, dou mais atenção ao número de mágica em si e às técnicas não mecânicas
envolvidas no momento de performance.
Fiz questão de explicar meus argumentos por meio de exemplos práticos. Quando uso um número de
mágica como exemplo, a parte “comentários técnicos” contém o conteúdo suficiente para que as técnicas
necessárias à respectiva execução sejam entendidas. Salvo algumas exceções, não explico
minuciosamente como executar as técnicas mecânicas dos números, pois não é esse meu intuito. Isso seria
assunto para outro livro. Justamente por isso, fiz o possível para utilizar exemplos de números simples,
que não utilizam técnicas complicadas ou revolucionárias, de forma a evitar ficar estagnado na mecânica
dos números.
Não obstante, indiquei, inclusive por meio de algumas notas de rodapé, fontes de informações
confiáveis nas quais o leitor poderá consultar e aprender as técnicas mencionadas, caso não as conheça.
Não estou alegando que a técnica mecânica não possui importância. Como disse na seção 3.3, ela deve
estar perfeita! Porém, como não é esse meu motivo de preocupação, fiz questão de usar técnicas simples.
Peço ao leitor que entenda os números utilizados de exemplo no livro como um meio didático pelo
qual é possível demonstrar algo que, indo além da técnica mecânica, é o assunto mais importante dessa
obra.
Capítulo 6
A ótica interna

6.1 Fragmentando um número de mágica

Se eu perguntasse a um artista plástico quais elementos constituem um quadro, isto é, quais são os
fragmentos que, juntos, compõem uma tela de pintura, imagino que muito provavelmente ele ficaria sem
resposta. Não existem “subcomponentes” de um quadro, não existem elementos que, sozinhos, possuam
existência própria. Um quadro é resultado da composição de diversas coisas, seja lá quais forem, de
forma que nenhuma delas faz sentido se analisada sozinha. Por exemplo, o que é uma única gota de tinta
no papel? É no máximo um borrão. Mas um conjunto de gotas espalhadas de uma certa forma, com a certa
inspiração do pintor, pode vir a ser a Mona Lisa.
Podemos ter o mesmo raciocínio com um número de mágica. O que constitui um número de mágica?
Em outras palavras, se um número de mágica fosse algo concreto, palpável, possível de ser separado em
diversas partes para descobrir sua estrutura interna, o que veríamos? Essa pergunta pode não fazer
sentido à primeira mão, pois assim como o exemplo dado sobre a pintura, um número de mágica é uma
“composição” — termo utilizado por René Lavand. Em um nível teórico, no entanto, essa pergunta pode
sim fazer sentido, e confesso que demorei bastante para conseguir uma resposta satisfatória. Peço ao
leitor um pouco de imaginação, de forma que seja plausível, na teoria, pensar em dividir um número de
mágica em várias partes.
Pouco foi escrito sobre o que constitui, verdadeiramente, um número de mágica. Porém, nada em
língua portuguesa, infelizmente. Alguns autores — mágicos competentes como por exemplo Dariel
Fitzkee, Henning Nelms, Darwin Ortiz, Arturo de Ascanio e Roberto Giobbi — já explicitaram opiniões
a respeito desse assunto e contribuíram significativamente para meu raciocínio. Mas como opiniões são
influenciadas por valores individuais, o resultado obtido nem sempre é um consenso. Neste livro, vou
comentar a abordagem que faz sentido para mim, da forma pela qual eu entendo a Arte Mágica.

Figura 6.1: Por dentro de um número de mágica.


Fonte: elaboração própria.

Se fosse possível pegar um objeto chamado “número de mágica” e parti-lo ao meio para observar o
que há dentro dele, acredito que veríamos quatro coisas: o método, o efeito, a apresentação e a estrutura
(figura 6.1). Isoladamente, cada componente pode ser definido da seguinte forma:
Método é o conjunto de técnicas, mecânicas e não mecânicas,37 utilizadas para viabilizar o número.
Sem o método, o número não existiria na prática. Seria impossível fazer uma moeda sumir sem algum
método que tornasse possível esse fenômeno. Obviamente, o método deve ser oculto do ponto de vista do
espectador. Como foi dito na seção 5.2, a plateia deve acreditar que nenhum método foi utilizado.
Efeito é uma parte do número acessível à plateia; é o que a plateia absorve. Se após o show você
perguntar a um espectador qual o número que ele mais gostou, ele irá descrevê-lo com base no efeito,
pois é o que ele percebe. Não faria sentido algum um leigo descrever um número com base em seu
método ou em sua estrutura, pois ele não está ciente de sua existência, e nem deveria estar. Como disse,
eu gosto de subdividir o efeito em quatro categorias, que serão explicadas em minuciosos detalhes na
próxima seção.
Apresentação é a forma pela qual você demonstra o número à plateia. A apresentação está em função
do personagem do artista, dos equipamentos utilizados, do ambiente no qual se está apresentando, das
características da plateia, dos elementos musicais, etc. Assim como o efeito, é também um elemento
acessível à plateia.
Estrutura é o elemento mais sutil, mas de extrema importância.38 A estrutura, assim como a
apresentação, “ataca” a percepção psicológica da plateia. Porém a estrutura atua antes do momento de
performance, ao contrário da apresentação, do misdirection e de outras técnicas não mecânicas. A
estrutura de um número é a forma pela qual ele é construído. Ela prevê a coordenação correta de cada
ação, determina o porquê do uso de cada equipamento, define o propósito e o exato momento de cada
movimento, definindo o lugar físico de cada objeto que será utilizado no ato. Por ser um conceito que
merece atenção em especial, reservei a seção 8.4, para tratar exclusivamente da estrutura de um número
de mágica.
Esses componentes estão interligados e se complementam, sendo bastante complicado analisá-los
separadamente. O número de mágica não existiria na ausência de qualquer um deles. Antes de ver a forma
pela qual os componentes são mutuamente dependentes, vamos analisar primeiro cada uma das
subdivisões do efeito: personagem, fenômeno, propósito e prova. Veja a figura 6.1.

6.2 Os elementos do efeito mágico

Acredito fielmente que não há uma fórmula secreta para se fazer mágica. Não existe alguma coisa
palpável que você possa seguir a cada passo e, no final, ter um belíssimo efeito mágico. Experiência e
intuição contam muito nesse processo, e isso só se consegue com o tempo.
No entanto, há alguns itens que, se estudados, tornarão sua mágica mais clara, tanto para plateia
quanto para você, mágico. Costumo dizer que esses itens são os elementos que definem o efeito mágico.
São quatro: personagem, fenômeno, propósito e prova. Vou explicar cada um em detalhes.

6.2.1 Personagem

Aqui entram todas as pessoas que fazem parte de seu número. Faça uma lista de cada pessoa que vai
participar, inclusive você. Anote todas as exigências. Pode ser de qualquer sexo, ou de qualquer idade?
Pode estar vestindo qualquer roupa? Se for um número de palco, escreva o local exato no qual cada um
deles deve ficar.
Defina o papel de cada um, inclusive o seu. Você vai ser um mentalista? Vai ser uma pessoa que sabe
manipular cartas? Vai ser um mágico no estilo clássico, de circo? Vai ser um comediante?
E o espectador? Ele estará no palco fazendo o quê? Vai ser um aprendiz? Uma testemunha? Um
mágico?
Quando você está no palco, não é hora de ficar pensando em qual lugar do palco o espectador deve
ficar, se ele precisa estar de terno ou não, se pode ser criança, etc.
Para deixar mais claro, vou dar alguns exemplos de rotinas que ficaram famosas nos últimos anos, nas
quais os personagens estão bem definidos. O Latko, jovem mágico argentino, possui um ato chamado The
Side of The Road, em que ele sofre um acidente de moto, e a moto fica completamente destruída. Durante
o ato, Latko vai executando seus números para reconstruir a moto. Ele deixou bem definido seu
personagem: um mágico motoqueiro.
Outro exemplo, agora na categoria de close-up, é o ato Historia de un Jugador, do famoso René
Lavand. René faz o papel de um contador de histórias, um mágico que já passou por muitas experiências
na vida e compartilha, com seu público, a história de um trapaceiro, o “Kumanês”.
O Michael Finney, famoso por seu estilo cômico, faz o número “Card on Forehead”39 e consegue
muitas risadas. Ele faz o papel de um cara engraçado, que tira “sarro” de todos. O espectador que está no
palco tem um papel mais passivo, uma pessoa que não faz a mínima ideia do que está acontecendo, mas
ri, porque toda a plateia está rindo também. Quando você tiver a oportunidade de ver Michael executar
esse número, repare que o espectador sempre está à direita dele, e isso não é à toa. É a posição correta
na qual o ângulo de visão não permite que o espectador perceba que a carta já está grudada na testa de
Michael.

6.2.2 Fenômeno
Pense no que você está propondo à plateia. Em uma rotina de mentalismo, você pode mostrar como
sua mente consegue ler pensamentos alheios ou como induzir alguém a pensar em alguma coisa. São
conceitos completamente diferentes. Em uma rotina com algemas, você pode apresentar um efeito de
escapismo ou de violação da impenetrabilidade. Novamente, são conceitos diferentes. Qual é o fenômeno
que você quer transmitir ao público?
Pare e raciocine sobre sua mágica. Qual é o fenômeno que você está propondo? Vários mágicos se
aventuraram a fazer uma lista de todos os possíveis efeitos mágicos. Para mim, uma das mais completas
listas é a de Dariel Fitzkee, que você pode consultar no apêndice A, no final do livro. Olhe para ela e
tente identificar o fenômeno de cada número de mágica de seu próprio repertório. Se você não souber,
sua plateia também não vai saber. Como diz o ditado: “Se você não sabe para onde está indo, nunca
chegará lá.”

6.2.3 Propósito

Por que você está apresentando esse fenômeno para a plateia? Qual é seu motivo? A resposta é, na
maioria das vezes, pessoal. Se você não se condicionar a responder essa pergunta em relação a todo seu
repertório, um espectador pode achar uma resposta e outro espectador pode achar outra, completamente
diferente, indicando que sua performance está confusa.
Se você está apresentando um número de cartomagia em mesas de poker em Las Vegas, seu propósito
pode ser, por exemplo, “alertar as pessoas para não serem trapaceadas”. Em uma rotina em que pedaços
de papel se transformam em notas de dinheiro, seu propósito pode ser “mostrar o que um mágico faz
quando esquece a carteira”.
Essa questão da necessidade de definir um propósito coerente gera controvérsias. Se você fizer essa
pergunta para todos os números em seu repertório, a maioria das respostas vai ser “uma mera
demonstração”. Muitos mágicos criticam essa resposta. Para eles, muitos números não possuem sentido
nenhum e, justamente por isso, não deveriam ser executados. O argumento é que se você fosse mágico,
não ia perder tempo fazendo esse tipo de coisa, como, por exemplo, descobrir em que carta o espectador
pensou.
Como disse na Seção 3.2: Mágica ou truque, sou contra esse pensamento. Ele faria sentido se eu
concordasse com a premissa de que a plateia acredita que o mágico possui super poderes. E eu discordo
disso (acredito que a maioria dos mágicos discordam). Quando faço um número de mágica, não espero
que os espectadores acreditem que sou de outro planeta.
Do mesmo modo, quando faço uma rotina de mentalismo, não espero que a pessoa acredite que sou
paranormal; quando digo as cores das cartas sem olhar para elas, não espero a plateia acreditar que eu
consigo sentir cores pelo tato. É o mesmo raciocínio que expliquei na seção 5.2, quando discuti a
diferença entre “fazer alguém acreditar” em algo e “convencer alguém” de algo.
Deixe-me fazer uma pergunta a você, leitor: quando você assiste a um filme e um personagem
importante morre, você se emociona, fica triste e pode até chorar. Mas por que você chora se o ator ainda
está vivo? Por que você chora se você sabe que ele, na verdade, não morreu? Um show de mágica é
como um filme ou uma peça de teatro. O espectador está convencido de que você, no papel de mágico,
consegue saber o que ele escreveu em um pedaço de papel. Mas ele não acredita, e seria desastroso você
tentar fazê-lo acreditar, que você consegue, de fato, ler pensamentos. Usando a filosofia de Juan Tamariz,
um efeito mágico possui desenvolve-se em três fases consecutivas: o rompimento com a razão, o jogo
com a imaginação e a volta à razão. Se não houver a terceira fase, deixa de ser arte, deixa de ser mágica.
Seria charlatanismo, uma atitude antiética.
Uma pessoa que assiste a uma peça, a um filme ou a um show de mágica está diante de duas
realidades diferentes: uma é a realidade dos personagens, da história; outra é a realidade do ator, do
mundo fora da sala de espetáculo. Ilusão é tudo que é preciso para as pessoas acreditarem que o Batman
é um super-herói e que Max Maven lê mentes, mas que Christian Bale e Philip Goldstein, seus
respectivos intérpretes, são pessoas comuns.
Logo, se eu não quero que o espectador acredite que eu tenha super poderes reais, eu posso, sim,
fazer uma mágica cujo propósito seja “mera demonstração”. Para quê Juan Tamariz executa o número
“canivetes camaleão”? Apenas por demonstração! Para quê David Copperfield atravessou a Muralha da
China? Ele não estava preso no país sob a penalidade de uma rigorosa ditadura militar, que não permitia
a ninguém fugir e, fazendo uso de seus poderes, ele atravessou a muralha. Não. Foi apenas uma
demonstração. Nunca tive a oportunidade de perguntar a ele, mas tenho certeza de que o Copperfield não
pretende convencer o mundo de que ele atravessa paredes. Novamente, nosso objetivo, como mágico, não
deve ser fazer a plateia acreditar fielmente nos fenômenos que estamos apresentando. Basta ela deixar de
desacreditar neles. É a “Suspensão da Descrença”.
Voltando, então, ao assunto de se definir o propósito de um número, eu acho que é interessante, sim,
ter motivos para se realizar alguma coisa. O número de mágica Self Tying Shoelace40, criado por Jay
Noblezada, é um exemplo disso. Você pode andar pela rua com o cadarço desamarrado até que alguém o
pare para avisar. Você, tendo “acabado de descobrir” a situação, sacode o pé e resolve o problema. Com
certeza, isso é muito mais forte do que você chegar para o espectador e dizer: “Olhe! Meu cadarço está
desamarrado. Mas eu consigo consertar... Pronto!” Outro exemplo é um dos números que deram fama ao
talentoso mágico japonês Cyril Takayama, no qual ele retira um hambúrger do cardápio de um
restaurante, no meio da rua. Da forma como foi executado o número, o propóstito do Cyril foi “matar a
fome”.
Quando conta ao espectador que seu cadarço está desamarrado ou que está com fome, você está
contando para ele algo que ele tem capacidade de vivenciar por si próprio. Um escritor descreve uma
cena fazendo seu leitor vivenciar a experiência dela. Dizer que uma paisagem é linda não tem graça, mas
descrever a paisagem e as sensações que ela provoca faz o próprio leitor vivenciar essa paisagem.
Porém, não são todos os números que precisam, necessariamente, ter um propósito. Alguns
argumentos do tipo “Para que botar uma carta no meio se o objetivo é levá-la no topo? Não seria mais
fácil, então, não ter posto no meio?” e “Para que se acorrentar se o objetivo é escapar das correntes?”
não se aplicam. O objetivo não é ter a carta no topo, mas sim mostrar que ela pode sair do meio e ir para
o topo. O objetivo não é ficar livre das algemas, mas sim demonstrar que se pode escapar de algemas em
poucos segundos. Repito: mágica é uma arte. Ser arte já é um ótimo motivo para ser demonstrada. O
Cirque du Soleil não possui motivo para um trapezista ser lançado metros para cima e cair equilibrado
em cima de uma corda.
Nas palavras de Rafael Benatar, mágico e músico venezuelano: Se você faz algo que parece ser
simplesmente impossível, as meras implicações já representam um propósito suficiente.41

6.2.4 Prova

Como você prova que o fenômeno impossível ocorreu? Como provar que você consegue executar o
que está prometendo? Essa é a verdadeira prova de fogo para qualquer mágico.
Quando um mágico se submete a ser acorrentado e a escapar em poucos segundos, o efeito deve ser
apresentado de modo que a plateia acredite ser ele, o mágico, um escapista de fato. Se a plateia
desconfiar que ele tinha uma chave extra para o cadeado ou que, na verdade, o nó da corda não estava
apertado o suficiente ou, então, que a pessoa acorrentada não é a mesma que escapou, o efeito mágico vai
por água abaixo.
Com certeza, deve haver um efeito que você executava ou executa, o qual nunca fez a plateia reagir
como esperado. Há uma enorme chance de que esse problema exista porque a prova de seu efeito era
ruim. Analise com detalhe a forma como você prova seu fenômeno. Quem sabe ela não é convincente
como você achava.
É importante salientar que esse processo dificilmente chega ao fim. Sempre, quase sempre, é possível
reforçar a prova de um número.
Na página 267 do volume 2 do livro do Tommy Wonder The Books of Wonder, ele comenta sobre sua
contribuição para a evolução do um número de mágica Next of Boxes. É um número clássico em que um
objeto, geralmente um relógio, some e aparece dentro de uma caixa que estava dentro de outra, e essa,
por sua vez, estava dentro de outra. Tommy pegou a ideia de uma apresentação explicada no livro
Modern Magic Manual, de Jean Hugard, e adaptou uma versão para seu estilo. Ficou bom. Na verdade,
ficou ótimo. Mas para Tommy, ainda não estava perfeito. Ele fez, então, uma outra, com uma apresentação
mais curta e mais direta. Modificou, também, o mecanismo de funcionamento das caixas. A segunda
versão ficou ótima. Na verdade, ficou excelente. Mas para Tommy, ainda não estava perfeito. Ele criou
uma terceira versão, na qual em nenhum momento ele toca na caixa. Essa versão ficou excelente. Na
verdade, ficou perfeita. Mas para Tommy, ainda poderia ser melhorada: o objetivo dele era desenvolver
um método em que o próprio espectador executasse as ações de abrir as caixas e, ao fazer isso, o relógio
entrasse para dentro das caixas, sem se dar conta disso. Infelizmente, Tommy faleceu em 2006 e não pôde
concluir essa meta. Mas não duvido que ele conseguiria.

6.3 Interação entre os elementos

Agora que já vimos todos os elementos que compõem um número de mágica, vamos analisar a
interdependência entre eles, isto é, a forma pela qual cada elemento interfere e interage com outro. Veja a
figura 6.2.

Figura 6.2: Como que os elementos de um número de mágica (figura 6.1) estão interligados.
Fonte: elaboração própria.

Vamos analisar cada uma das linhas pontilhadas numeradas, algumas de único sentido e outras de
sentido recíproco:

1. O método influencia a prova. Na Seção 7.1, vou comentar sobre “controles de ordem” e
“controles de desordem”, dois métodos distintos para se controlar uma carta. Em uma rotina de
Carta Ambiciosa (como a explicada na Seção 7.1), a prova é “quando o espectador estala os dedos,
uma carta assinada que estava no centro do baralho aparece no topo”. Essa prova é completamente
dependente do método escolhido. Um “controle de desordem” não vai tornar a prova tão eficaz
quanto um “controle de ordem”.
A prova influencia o método. Ao criar um número novo, podemos pensar, primeiro, na prova e,
depois, no método. Vamos supor um número no qual o fenômeno seja “penetração” e a prova seja
“uma moeda atravessa uma mesa de vidro, até cair do outro lado e atingir o chão”. Nesse caso,
temos que achar um método que viabilize a prova, escolhida a priori. Podemos usar uma flipper-
coin ou uma casquilha, por exemplo. Ainda no mesmo fenômeno, caso a prova seja “um cigarro
atravessa o centro de uma moeda”, o método teria de ser outro, completamente diferente.
2. A apresentação influencia a personagem. Podemos pensar em um caso no qual o mágico queira
fazer um número de escapismo, com um clima de suspense e drama. Será necessário, então, assumir
um personagem compatível com o número. Um exemplo perfeito desse caso é o próprio
Copperfield. Em alguns números, ele invoca um personagem mais cômico e extrovertido; em outros,
um personagem mais sensual e introvertido. Cada apresentação exige características específicas do
personagem.
A personagem influencia a apresentação. Inúmeros são os casos de mágicos que adaptam rotinas
de outros, mas mudam completamente a apresentação de forma a torná-la compatível com sua
própria personagem. Lembro ter visto, uma vez, o mágico norte-americano Rich Marotta apresentar
o número Don’t Rob a Magician que, na verdade, é apenas uma forma modificada de apresentar a
versão Ring, Watch and Wallet, de Tommy Wonder.42 Rich Marotta, caracterizado por seu estilo
cômico, adicionou elementos de comédia ao número para ser compatível com seu estilo de
performance.
3. O fenômeno influencia a apresentação. Dependendo do fenômeno a ser demonstrado, será
necessária uma apresentação específica. O fenômeno “leitura de pensamento” exige uma
apresentação completamente diferente que a exigida pelo fenômeno “antigravidade”.
4. O propósito influencia a apresentação. No exemplo do número Self Tying Shoelace, utilizado
anteriormente, o mágico quer mostrar como resolver o problema de um cadarço de sapato
desamarrado. Para esse propósito, ele desenvolve uma apresentação que pode ser, por exemplo,
entrar no palco e de repente tropeçar no cadarço.
5. A prova influencia a apresentação. Quando David Copperfield teve a ideia de atravessar uma
parede (que é a prova do fenômeno “penetração”), ele criou uma apresentação: executou o número
na Muralha da China, com todos vendo a sombra de seus braços atravessando a parede, logo depois
seu corpo e, depois, suas pernas.
6. A estrutura influencia a prova. Mesmo que o método esteja perfeito, a plateia pode descobrir o
segredo do número, caso a estrutura deixe a desejar. A plateia pode perfeitamente ser iludida pela
técnica, mas descobrir como o número foi executado por simples dedução. Um exemplo bem
simples em que isso pode acontecer é fazer um falso depósito para uma moeda sumir e continuar
com a moeda empalmada na mão. O espectador pode ser iludido pelo falso depósito, porém
deduzir como o número ocorreu. Se a estrutura for fraca, a prova será fraca, o número será fraco
(na Seção 7.3.2, cito esse mesmo exemplo do desaparecimento de uma moeda e, na Seção 8.4,
sugiro diversas soluções para esse problema).
7. A estrutura influencia a apresentação. Quando um número requer uma determinada estrutura para
funcionar, muito provavelmente a apresentação deverá ser adaptada. Veja a rotina de Bolas de
Espuma na Seção 6.4, com o nome de “A Mágica da Vida”. Vários dos movimentos explicados na
parte de comentários técnicos exigem uma determinada estrutura.43 Para atingi-la, criei uma
apresentação que fosse compatível: a história de duas bolas de sexos opostos.
A apresentação influencia a estrutura. Às vezes, a ideia de como reestruturar algum número vem
justamente da apresentação utilizada. Dependendo dessa apresentação, a estrutura deve ser
modificada.
8. O fenômeno influencia a prova. Isso é bastante óbvio. Como dito na Seção 6.2.4, a prova é que
faz o espectador acreditar que o fenômeno ocorreu. Pela própria definição, ela é função do
fenômeno em questão.
9. O fenômeno influencia o personagem. Fenômenos como “anti-gravidade”, “ação e reação
harmônicas”, “controle mental”, “percepção extrasensorial” e outros geralmente44 estão
relacionados a personagens mais misteriosos, enigmáticos e introvertidos. Já outros fenômenos
podem exigir personagens com características distintas.
10. O método influencia a estrutura. Em alguns números, seja por falta de conhecimento de outras
variedades de métodos ou por alguma inconveniência em usá-los, a estrutura precisa ser
modificada. Um exemplo perfeito disso está mais adiante, na Seção 7.3.2, que aborda a diferença
entre dois objetos que desaparecem: uma gaiola e uma moeda. Veja que os métodos empregados
são diferentes. Logo, exigem estruturas diferentes. No caso em particular da moeda, o método é
“menos eficiente”, o que acaba por exigir uma estrutura “mais eficiente”.
6.4 Perspectiva prática

Adquira o hábito de pegar cada número de seu repertório e fazer as perguntas: Quem? O quê? Por
quê? Como? Isso vai lhe dar respostas que nem mesmo você, que executa o número, sabia. Muito menos o
seu público!
A forma como esses quatro elementos são escolhidos é o que torna um número diferente de outro. É
possível ter dois truques idênticos e transformá-los em dois efeitos mágicos distintos, apenas
manipulando esses elementos.
Repare que os elementos “propósito” e “prova” são subordinados ao elemento “fenômeno”. Ao
desenvolver um efeito, é necessário, primeiro, saber o fenômeno que será apresentado, para depois
refletir sobre o propósito e a prova. Vamos ver alguns exemplos:

A Mágica da Vida

As bolas de espuma já eram utilizadas como final loads em rotinas de Cups and Balls no século
XVIII, mas seu uso como elemento independente na mágica se deu há pouco tempo. Atualmente, as “bolas
de espuma” são, sem sombra de dúvida, um dos acessórios mais utilizados por mágicos. Infelizmente, a
maioria das rotinas com bolas de espuma são apresentadas em forma de truque, como ocorre em lojas de
mágica, nas quais o vendedor nem sempre é um mágico. Eu procuro fugir dessa linha. Veja meu script
para esse número no Apêndice B.1.
Efeito: o mágico chama um espectador ao palco para ajudá-lo. Tira do bolso um pedaço de papel e,
com um isqueiro, queima-o, fazendo aparecer uma bola laranja. Essa bola é pressionada no meio,
transformando-se em duas bolas idênticas. O mágico põe uma bola na mão esquerda e outra na mão
direita. Magicamente, as duas vão para uma mesma mão. Ele tenta o mesmo com a mão do espectador.
Mas a bola que estava na mão do mágico some e não aparece dentro da mão do espectador e sim, na
dobra de seu braço, que estava flexionado. O mágico tenta de novo e dessa vez sim, as duas bolas vão
parar dentro da mão do espectador que, inicialmente, estava fechada, segurando apenas uma delas. O
mágico pega as duas bolas, juntando-as na mão do espectador e diz que a verdadeira mágica é a mágica
da vida. Quando o espectador abre a mão, tem três bolas: pai, mãe e filho.
Personagens: mágico em um estilo cômico e mais um espectador, preferencialmente do sexo
feminino, que deve estar de manga comprida.
Fenômeno: transformação, produção, transposição, penetração e produção novamente.
Propósito: mostrar como dois objetos inanimados podem ter características de seres vivos.
Prova: são várias etapas:
Transformação: um pedaço de papel em branco, que eu chamo de “aglomerado de células de
celulose geneticamente modificadas”, entra em contato com fogo e muda de cor, de forma e de tamanho,
até virar uma bola laranja. Repare que eu apresento essa etapa como uma transformação e não como uma
produção. Os dois conceitos são completamente diferentes, como se pode comparar no próximo caso.
Produção: a bola é pressionada no centro com o dedo, até se dividir em duas idênticas e de sexos
opostos, que sempre tendem a ficar juntas.
Transposição: uma bola que estava em minha mão some e aparece presa na dobra do braço do
espectador.
Penetração: uma bola consegue atravessar a mão do espectador para se juntar à outra, de sexo
oposto.
Produção: as duas bolas, de sexos opostos, são postas na mão do espectador e, em alguns segundos,
aparece uma terceira bola: um filho.
Comentários técnicos: eu entro em cena já com as duas bolas escondidas nas mãos. Para justificar a
mão fechada, a mão esquerda segura um isqueiro, e a mão direita segura um pedaço de flash paper. Na
verdade, cada mão está com uma bola escondida, empalmada. Para uma bola desaparecer da minha mão
e aparecer na mão do espectador, basta fazer um falso depósito. O método que uso para fazer a bola
aparecer na dobra do braço do espectador é o que o mágico Gregory Wilson ensina em seu vídeo On The
Spot, durante o número Sponge Napkins. Esse método é mais fácil de ser aplicado em um momento de
off-beat,45 criado perfeitamente pela situação cômica da etapa anterior, quando o mágico “falha” em
tele-transportar a bola de uma mão para outra (ver script no Apêndice B.1).
Para empalmar a terceira bola, eu uso uma técnica também ensinada por Gregory no mesmo vídeo:
começo a apresentação com uma bola extra escondida na axila. Para empalmá-la, basta cruzar os braços
em um momento de off-beat ou em alguma hora em que o foco de atenção dos espectadores não seja
você. O momento de off-beat, nesse caso, é quando o espectador percebe que a bola apareceu na dobra
do braço dele. Imediatamente, o espectador e a plateia relaxam e é exatamente a hora que cruzo os braços
para empalmar a terceira e última bola. Na etapa seguinte, mostro as duas bolas para a plateia, segurando
cada uma com meu polegar e indicador, enquanto a terceira bola está empalmada na mão direita. Quando
o espectador escolhe uma das bolas para segurar, deposito duas: a que ele escolheu e a que estava
empalmada. Para fazer sumir a bola que sobrou comigo, faço um falso depósito na mão esquerda e então,
minha mão direita imediatamente segura o antebraço esquerdo do espectador, na tentativa de fazer com
que a bola, que ele acha que está na minha mão esquerda, atravesse a mão esquerda dele. Repare que eu
deixo minha mão direita ocupada com algum motivo plausível: segurar o antebraço do espectador, para
que sua mão fique parada. Isso é crucial nessa etapa da rotina. Se eu fizer o falso depósito na minha mão
esquerda e não ocupar minha mão direita com alguma ação que justifique ela ficar fechada, a atenção da
plateia logo após a desaparição da bola estará exatamente minha mão direita. E é justamente isso o que
eu não quero. Na Seção 8.4, ao discutir a estrutura de um número, explico detalhadamente esse
processo de segurar o antebraço do espectador.
Depois que as duas bolas aparecem na mão do espectador, minha mão direita larga o punho dele, com
uma bola ainda empalmada. Então, junto as três bolas — o espectador acha que são apenas duas — para
fazer a aparição final. A última etapa é a primeira e única vez em que a plateia percebe a presença da
terceira bola. A rotina faz muito uso das técnicas de concentração e relaxamento, que serão discutidas no
capítulo 4.
Repare que essa rotina possui vários fenômenos. Eu nunca tinha parado para pensar nisso até eu
escrever detalhadamente os elementos desse efeito! Procuro provar cada um deles da melhor forma
possível e apresentar a rotina de forma que o espectador perceba a sequência das ações como uma
história que proporciona um experiência mágica e não como um mero truque.
Os próximos dois números são exemplos práticos e simples de que é possível apresentar dois efeitos
mágicos completamente distintos, utilizando exatamente o mesmo método. Pressupondo que o leitor
conheça o princípio da carta guia,46 não haverá dificuldade em entender a mecânica dos números.

Impressão Digital na Carta

Efeito: o espectador escolhe uma carta e a deixa perdida no baralho, com vários cortes sucessivos. O
mágico examina os dedos do espectador e tenta reconhecer sua impressão digital em alguma carta do
baralho. Após um tempo, ele identifica a carta escolhida.
Personagens: o mágico e um espectador qualquer.
Fenômeno: identificação.
Propósito: mostrar que a impressão digital é uma marca única.
Prova: o espectador escolhe uma carta, e o mágico a identifica entre as outras apenas por meio da
impressão digital do espectador.

Memória Extraordinária

Efeito: com o mágico de costas, o espectador escolhe uma carta e a deixa perdida no baralho, com
cortes sucessivos. O mágico pede para o espectador abrir o baralho em faixa sobre a mesa, para que ele
possa memorizar a ordem das cartas. Feito isso, o mágico torna a virar de costas e pede ao espectador
para mudar a carta que ele escolheu de posição, abrindo o baralho em faixa na mesa novamente. O
mágico torna a olhar as cartas e, em poucos segundos, diz a carta escolhida, pois ela é a única que não
está na ordem anterior.
Personagens: o mágico e um espectador qualquer.
Fenômeno: memorização.
Propósito: demonstração.
Prova: o mágico memoriza uma ordem do baralho e é capaz de identificar a única carta que foi posta
propositalmente fora da ordem pelo espectador.
Tente reproduzir esses dois efeitos. Ao executá-los, é fácil perceber que eles são completamente
distintos, mesmo fazendo uso do mesmo método! O “fenômeno” é diferente, mas o “método” utilizado é
exatamente o mesmo (carta guia). A única diferença mecânica entre eles é que, no primeiro, o mágico
passa a ter ciência da identidade da carta escolhida apenas no momento em que ele está tentando
reconhecer a impressão digital do espectador em cada carta do baralho; no segundo, o mágico fica ciente
da carta escolhida quando diz que vai memorizar a ordem do baralho. O segundo efeito faz uso do lapso
temporal entre o segredo e o efeito — vou ser mais específico sobre esse conceito na seção 3.3.
Vale salientar, no entanto, que a apresentação também é diferente. Quando o fenômeno muda, muitas
vezes é necessário mudar a apresentação.

Notas:

37 O capítulo 8 aborda especificamente as técnicas não mecânicas.


38 Recomendo ler o fabuloso livro Designing Miracles do Darwin Ortiz, que enfoca apenas a estrutura dos números de mágica, que ele chama
de design.
39 Uma carta escolhida pelo espectador aparece pregada na testa do mágico. Na versão do Finney, toda a plateia percebe, menos o
espectador que está no palco.
40 O mágico está com o cadarço desamarrado e, apenas mexendo o pé, consegue amarrar o sapato.
41 Trecho traduzido por mim de uma entrevista com Rafael Benatar no livro Scripting Magic, escrito por Pete McCabe. Página 245.
42 Apesar de ter ficado famoso nas mãos de Tommy Wonder, a versão original desse número pertence ao mágico Oswald Williams.
43 Na página 131, faço uma descrição completa da estrutura do número “A Mágica da Vida”.
44 Sim, é claro que existem exceções!
45 Off-beat é o momento em que a plateia está com a atenção relaxada, sem focar atenção no que o mágico faz. Ver seção 8.1.2.
46 Ver Roberto Giobbi, Card College volume 1, capítulo 10.
Capítulo 7
Estratégias de maximização

Depois que um número está tecnicamente pronto e ensaiado, ele pode ser executado para uma plateia.
Mas será que o número já está da melhor forma possível? Será que o número oferece à plateia todo o seu
potencial? Na maioria dos casos, ainda há como torná-lo mais impactante.
Gosto de classificar o impacto de um número de duas formas: o impacto potencial e o impacto
efetivo. O impacto potencial é o impacto máximo que um número pode gerar, enquanto que o impacto
efetivo é o impacto que o número efetivamente gera. É verdade que:
Em 99% das vezes, a desigualdade é estrita, isto é, o impacto efetivo dificilmente consegue ser igual
ao impacto potencial. O objetivo de qualquer mágico deve ser chegar a 1% dos casos em que o impacto
efetivo é exatamente o impacto potencial. Nesse caso, o mágico conseguiu extrair o máximo possível do
impacto de um número.47
É difícil definir um critério de avaliação para determinar o quão próximo o impacto efetivo está do
impacto potencial. Estabelecer uma regra cardinal de avaliação desses conceitos seria impossível, pois a
mágica é uma arte e não deve ser avaliada por esses meios. A solução é usar a intuição. Existem números
em que o impacto efetivo está claramente aquém do nível potencial. Por outro lado, há números em que é
difícil pensar em alguma solução para aumentar ainda mais o impacto.48
Algumas estratégias exploram o efeito mágico mais a fundo e permitem extrair um impacto mágico
maior. Umas são um tanto intuitivas, outras necessitam de análises mais detalhadas. Vou comentar, nas
próximas seções, estratégias que estudei e outras que descobri nesses anos de dedicação à mágica.
Vale ressaltar que muitos mágicos utilizam essas estratégias intuitivamente. Esse capítulo é um estudo
teórico que muitas vezes é substituído por uma excelente intuição.

7.1 Participação da plateia

Um número é mais poderoso quando conta com a presença de alguém da plateia. O voluntário pode
auxiliar o mágico a executar o número — papel de ajudante— ou então ele mesmo acaba fazendo tudo
sozinho — papel de mágico.
Em 2009, fui a Las Vegas assistir a alguns shows. É notável como os mágicos do showbusiness sabem
que tudo que envolve os espectadores maximiza o efeito mágico. No começo do show de Penn&Teller,
por exemplo, antes de os dois aparecerem, uma bela música de fundo ecoa no teatro e uma enorme caixa
de madeira está palco à vista de todos. A equipe de produção convidou os espectadores para subirem no
palco e mexer na caixa, abrir, tocar e bater. Qualquer um podia conferir se a caixa era caixa comum e se
estava vazia. De repente, a música parou. Penn entrou no palco, disse algumas palavras e, logo em
seguida, Teller saiu de dentro da caixa de madeira!
Se a plateia não tivesse sido convidada a conferir a caixa, o efeito não teria sido o mesmo. Não sei se
é apenas impressão minha, mas quando reparo nos maiores mágicos do showbusiness, hoje, noto que seus
números permitem participação da plateia, o show exige interatividade. O público espera interatividade.
Sempre digo que uma das formas para se tornar um melhor mágico é ser um bom ouvinte. Presto muita
atenção à reação que cada número de meu repertório causa ao público. Os números de que a plateia mais
gosta são aqueles que o próprio espectador fez, ou então, cujos efeitos aconteceram nas mãos de alguém.
Se você faz algum número com bolas de espuma, sabe do que eu estou falando. O público fica
fascinado. Às vezes, as pessoas dizem que gostaram mais das “bolinhas” do que um outro número
dezenas de vezes mais difícil de executar. Por que a rotina de bolas de espuma descrita na Seção 6.4, é
tão impactante? Porque envolve o espectador na mágica! As bolas atravessam a mão dele, aparece na
dobra do braço dele e se multiplicam na mão dele. Já vi algumas versões de rotinas com bolas de
espuma feitas apenas pelo mágico. Um exemplo é o clássica rotina “Duas na Mão e Uma no Bolso.”49
Ninguém mais toca nas bolas, a não ser o próprio mágico. Isso é um showmanship pobre, pois joga fora a
maior virtude das bolas de espuma, que é justamente deixar a mágica acontecer com o espectador.
Outro exemplo clássico que geralmente incorpora participação da plateia é a “Carta Ambiciosa”,
número popularizado por Dai Vernon.50 Vamos analisar este número com detalhes.

Carta Ambiciosa

Efeito clássico: uma carta assinada pelo espectador é posta no meio do baralho e, quando ele estala
os dedos, a carta sobe para o topo. Isso é repetido algumas vezes, de forma que o fenômeno se torna cada
vez mais impossível. No final, a carta é posta abaulada no centro e, mesmo assim, quando o espectador
estala os dedos, ela sobe, e abaulada.
Personagens: o mágico e um espectador qualquer.
Fenômeno: transposição.
Propósito: demonstração.
Prova: quando o espectador estala os dedos, uma carta assinada que estava no centro do baralho
aparece no topo.
Comentários técnicos: há várias formas de se executar a “Carta Ambiciosa”. Não é meu objetivo
comentar com detalhes o método padrão de execução. A grandes rasgos, é apenas uma sequência de
métodos diferentes para botar uma carta no meio do baralho e fazê-la aparecer no topo. Isso pode ser
feito por meio de trocas de cartas (switches) ou por meio de controles.
Gosto de classificar os controles em dois tipos: “controle de desordem” e “controle de ordem”.
Controle de desordem é aquele em que o mágico manipula explicitamente todas as cartas para controlar
uma ou várias, em caso de um multiple shift. Controle de ordem é aquele em que uma ou várias cartas são
controladas, mas, aparentemente, o mágico não fez nada com o baralho. Na ótica da plateia, há controle
de desordem quando as cartas são embaralhadas e/ou cortadas, após uma carta escolhida ser posta no
meio. É controle por meio de um overhand shuffle ou embaralhamento americano, double undercut, etc. Já
em um controle de ordem, a carta escolhida é devolvida ao baralho e o mágico não manipula nada. É o
Hofzinzer’s Spread Control, controle usando o Clip Shift, Cherry Control, The Pass, etc. Lembro que essa
análise é sempre feita do ponto de vista da plateia. Para a plateia, o mágico não manipula nada em um
controle de ordem. Isso não significa que o mágico, de fato, não manipulou nada.51
Note que, depois de um controle de desordem, o espectador não sabe mais onde está a carta. Ela pode
estar no topo, pode estar na boca, pode até mesmo continuar perto do centro. Mas em um controle de
ordem, o espectador jura que a carta está exatamente no local para onde foi devolvida no baralho,
geralmente no centro.
Não estou dizendo que controles de ordem são melhores que controles de desordem. Cada caso é um
caso. Cabe ao mágico saber escolher a opção certa para cada momento. No número “Carta Ambiciosa”,
deve-se usar apenas controles de ordem, por motivos óbvios: o objetivo é o espectador acreditar que a
carta está no centro do baralho. Cada um possui seus métodos de controle preferidos; não vou comentar
sobre eles.
Veja que, na ótica do espectador, a carta sobe porque ele estala os dedos. O efeito psicológico é
muito forte! Além disso, há o elemento surpresa no final, que é perfeitamente antecipado pelas sequências
anteriores (na seção 3.5, vou falar sobre a surpresa antecipada, que é uma outra estratégia de
maximização). Quem sabe é por isso que esse número fez e faz tanto sucesso.
Porém, acho importante falar sobre o princípio da gradação, comentado também na seção 3.4. Seja lá
quais forem seus métodos preferidos para montar sua rotina de “Carta Ambiciosa”, tenha em mente
manter uma gradação entre cada etapa. Monte a sequência de tal forma que vá ficando cada vez mais e
mais impossível executar o fenômeno. Nunca deixe que uma etapa ser seja mais fraca que a anterior.
Sempre intensifique sua prova!
Gostaria que você refletisse, leitor, acompanhando o raciocínio que venho desenvolvendo. Consulte o
apêndice A e pense qual fenômeno que sua rotina de Carta Ambiciosa prova? Transposição ou
penetração? Sua prova está de acordo com isso?

7.2 Afirmações distorcidas

Seria ótimo se o mágico fizesse uma moeda desaparecer de forma que o espectador pensasse que ela
desapareceu dentro de sua própria mão. Ou então que o espectador acreditasse que ele próprio
embaralhou as cartas, que ele fez a mesa levitar no palco sozinha, que ele pensou em qualquer carta do
baralho. Para conseguir esse efeito, basta usar sugestões de imagens, falar coisas falsas de forma a
sugerir, psicologicamente, que elas são verdadeiras.
“Afirmações falsas” são aquelas que são completamente falsas, que afirmam algo sem uma gota de
verdade. Chamo de “afirmações semifalsas” aquelas que afirmam uma coisa para que, intencionalmente,
se subentenda outra. São aquelas que afirmam um fato verídico mas intencionalmente subentendem um
conto de fadas. Elas são verdadeiras para “a parte” mas mentirosas para “o todo”.
Porém se você pegar um baralho para fazer um número e disser, no final, “e o melhor, foi você que
embaralhou!” sem ter, de fato, deixado a pessoa embaralhar, ela certamente notará uma irregularidade.
Não vai funcionar. Justamente por isso, essa técnica também faz uso de afirmações verdadeiras.
Essa estratégia é incrível. Consiste em construir um script para um número que tenha afirmações que
podem ser verdadeiras ou não. Construindo o script com cuidado e escolhendo afirmações adequadas, o
espectador não será capaz de distinguir uma afirmação verdadeira de uma falsa, muito menos de uma
semifalsa. Como ele vai se lembrar das verdadeiras, aceita todas como verdadeiras. Juan Tamariz é
mestre nisso. Em vários de seus números de cartomagia, observo que o espectador acha, ou melhor, jura
que embaralhou as cartas. Na verdade, quem embaralhou foi o próprio Tamariz.
Esse princípio de mesclar afirmações verdadeiras com afirmações falsas e semifalsas tem uma
virtude ainda maior no longo prazo. O espectador vai contar para outras pessoas o que ocorreu de
maneira completamente deturpada, modificando completamente o número e, 99% das vezes,
intensificando o seu efeito.
Quando eu tinha 13 anos, executei, para minha família, um número em que uma carta escolhida
atravessa uma janela de vidro. Até hoje uma tia, que estava presente, comenta sobre esse número com as
pessoas, dizendo coisas do tipo “o Guilherme falou para eu olhar pra janela, vi que não tinha nada no
vidro”, “eu dei o baralho pra ele e ele decidiu fazer isso na hora” e “eu pensei no dez de paus e quando
ele jogou o baralho no vidro a carta estava do outro lado”. Na verdade, nenhum desses fatos aconteceu. O
tempo passou e ela simplesmente não lembra os detalhes do número.
O uso dessa estratégia permite que a pessoa distorça os fatos para melhor sem precisar esperar anos,
como ocorreu com minha tia.
O próximo exemplo é um número que eu tenho feito bastante, com excelentes resultados. A ideia de
soletrar o nome do espectador e aparecer a carta escolhida é bem antiga, mas uso uma apresentação
diferente e uma técnica que, particularmente, nunca vi ninguém usando para esse propósito. Não
subestime esse número. Acredite, é sensacional.

Um Pouco de Você

Efeito: o espectador apenas olha uma carta do baralho e fica pensando nela. A carta não é tocada por
ninguém, nem pelo mágico, nem pelo espectador. O baralho está na mesa, de face para baixo. O mágico
fala para o espectador pensar no nome dele e embaralhar as cartas enquanto continua a pensar em seu
próprio nome. Quando o espectador estiver satisfeito com o que fez, o mágico diz a ele “Você está apenas
pensando em uma carta, que só você sabe. E ela pode está em qualquer lugar do baralho, até porque você
embaralhou as cartas antes e depois! Na verdade, a posição que ela está depende da forma como você
embaralhou. Mas lembre que quando você embaralhou as cartas, você estava pensando em seu nome,
certo? E isso influenciou suas ações implicitamente. Eu quero tentar fazer isso sem tocar em nada e
usando um pouco de você. Soletre seu nome, como se cada carta equivalesse a uma letra. Mas antes, diga
a todos qual é a sua carta, em voz alta”. O espectador fala a carta e começa a soletrar seu nome, passando
uma carta a cada letra. Quando chega na última letra, o mágico pega a carta e diz “Na vida, quando nós
temos pensamentos positivos sobre nosso futuro, atingimos nossas metas. Com as cartas é a mesma
coisa.” O mágico vira a carta. É justamente a carta na qual o espectador estava pensando.
Personagens: o mágico e o espectador.
Fenômeno: identificação.
Propósito: mostrar como que o pensamento positivo pode influenciar o futuro.
Prova: o espectador pensa em uma carta específica e embaralha todas pensando nela. Quando ele
soletra seu próprio nome, a carta após a última letra é justamente a carta escolhida.
Comentários técnicos: primeiro, lembre de deixar os dois curingas no baralho. Para executar o
efeito, use qualquer técnica que o espectador apenas olhe uma carta, sem ninguém tocar nela, e que você
depois consiga saber qual carta é. Isso é possível por meio de vários métodos, inclusive alguns tipos de
forces em que o espectador não precise tocar na carta. Eu gosto de usar um peek,52 explicado em
detalhes no vídeo In Action volume 1, do Gregory Wilson. Seguro o baralho na mão esquerda e, com meu
dedo indicador direito, vou passando as cartas até ele dizer “para”. Nesse momento, eu estou olhando
para trás. Quando o espectador manda parar, ele memoriza a carta do centro e então eu faço o peek. Para
o espectador, eu estive sempre olhando para trás e não faço a menor ideia de qual carta ele tem na
cabeça. Quando já sei qual é a carta pensada, entrego as cartas para serem embaralhadas. Quando o
espectador termina de embaralhar, finjo ter acabado de lembrar que os curingas estão no baralho. Pego o
baralho e vou passando as cartas em faixa nas mãos para retirá-los. Durante a ação de retirar os curingas,
uso o Hofinzer’s Spread Cull53 para secretamente colocar a carta em que o espectador está pensando na
posição exata do nome dele.54 Prontinho.
Para os comentários que seguem ficarem mais claros, escrevi na descrição do efeito umas frases do
script. Não deixe de consultar o script completo que eu uso no Apêndice B.5.
Vamos analisar algumas afirmações do script:
• “Você está apenas pensando em uma carta, que só você sabe.”
Repare que a primeira afirmação fala uma coisa que é verdade, mas se refere a outra que é mentira.
Quem ouve, acha que a pessoa simplesmente pensou na carta, sem nenhuma interferência do
mágico. Veja que o efeito não foi tão justo assim. Se o espectador simplesmente pensasse em uma
carta, seria impossível saber qual é ela sem usar outros recursos. Sim, o espectador está pensando
em uma carta, mas antes eu fiz com que ele a visse. Esse fato eu omiti. Obviamente que quem vê
uma coisa, pensa nela! Até o espectador que fisicamente escolheu uma carta, que pegou uma carta
com suas próprias mãos, está, de certa forma, “pensando na carta”. Assim, a primeira afirmação
“Você está apenas pensando em uma carta” é semifalsa; a segunda, “que só você sabe”, é
verdadeira.
• “E ela pode estar em qualquer lugar do baralho, até porque você embaralhou as cartas antes e
depois!”
Sim, o espectador embaralhou as cartas antes e depois, mas antes e depois do quê? Eu não
relembro, em momento algum, que parei uns segundos para retirar os curingas do baralho depois de
o espectador ter embaralhado pela segunda vez. Isso é uma afirmação semifalsa.
• “Eu quero tentar fazer isso sem tocar em nada e usando um pouco de você.”
A primeira afirmação (“Eu quero tentar fazer isso sem tocar em nada”) é falsa: eu acabei de tocar
no baralho para separar os curingas! A segunda afirmação é verdadeira. Repare que aqui ocorre um
lapso temporal entre o segredo e o efeito (seção 3.3) e um misdirection temporal (seção 4.2.4).

Vale comentar algo importante: deve estar bem claro para o espectador que a carta está na posição do
nome dele, porque ele embaralhou as cartas pensando no próprio nome. Cuidado para não parecer que a
carta estava em qualquer posição e, ao estalar os dedos, ela foi para a posição exata do nome do
espectador. Nada contra essa abordagem, mas é um efeito completamente diferente. Se a abordagem fosse
essa, não faria sentido algum dizer ao espectador para embaralhar as cartas pensando no próprio nome.
Tenha em mente, outra vez, o fenômeno que está sendo proposto!
Comentei, há alguns parágrafos, que Tamariz usa muito essa técnica. Vale a pena comentar sua
abordagem. Quando ele executa algum número em que o baralho deve iniciar em uma determinada ordem
— usando o princípio da Mnemônica55 ou seu famoso número Tripla Coincidência por exemplo —,
geralmente começa com o baralho no sétimo out-faro.56 Ao sentar à mesa, ele pega o baralho do bolso,
tira-o da caixa e começa a executar um outro out-faro: o oitavo! Mas ele não completa o
embaralhamento. Quando as cartas estão apenas com as extremidades intercaladas, ele abre o baralho em
faixa na mesa e diz ao espectador “Não, não... eu quero que você faça isso. Empurre as cartas assim, pra
ter certeza de que elas estão mesmo sendo misturadas...”. O espectador faz. Ele ainda pede ao espectador
para fazer alguns cortes. Como depois de oito out-faros 52 cartas voltam à posição inicial,57 Tamariz
volta a ter o baralho exatamente na posição que ele deseja. Antes do clímax, ele ainda fala: “Foi você
quem cortou e embaralhou as cartas!” Veja que isso é uma afirmação verdadeira, seguida de uma
afirmação falsa: o espectador lembra que cortou o baralho, mas não consegue lembrar que, na verdade,
ele apenas empurrou as cartas. Quem definiu a forma como elas estariam intercaladas foi o próprio
Tamariz. O espectador aceita a frase como duas afirmações corretas. Juan Tamariz é um gênio da Arte
Mágica.
Além de Tamariz, outros artistas, principalmente mágicos que atuam no ramo do mentalismo,58 fazem
muito uso dessa técnica. Repare nas apresentações de Max Maven e de Derren Brown, por exemplo. Eles
fazem afirmações falsas e semifalsas constantemente.
Comece a usar essa estratégia e você verá como o poder da sua mágica vai aumentar. Sua plateia vai
guardar memórias de “verdadeiros milagres”. Sabe o que eu falo quando vejo alguém descrevendo um
desses falsos milagres a outras pessoas? Nada. Eu confirmo tudo. Tudo.

7.3 Lapso temporal e intervalo de importância

Vi, uma vez, uma apresentação do mágico Derren Brown, na qual ele colocou, no canto do palco, um
banco com uma banana em cima e disse, ainda no começo do show, que alguém vestido de gorila entraria
a qualquer momento para pegar a banana e ninguém perceberia. Passados uns dez minutos, Derren
chamou a atenção para a banana. Não estava mais lá. Ele pediu à plateia que quem tivesse visto o gorila
no palco pegando a banana levantasse a mão. Ninguém levantou. Foi projetada no telão a filmagem do
show minutos antes: um gorila entrou no palco e pegou a banana. Ninguém viu. Derren disse que iria
fazer novamente. Depois de uns minutos, deu para ver claramente um gorila entrando no palco. A plateia
grita “O gorila! O gorila!” O gorila para de andar, e quando ele tira a máscara... é o próprio Derren
Brown.
Além do incrível domínio da atenção da plateia, Derren conseguiu separar com maestria o momento
do segredo do momento do efeito. Quem vê pela primeira vez não consegue perceber o momento em que
ele sai do palco e se veste de gorila, porque ele desenvolveu o ato propositalmente nesse sentido: o
segredo ocorre antes de a plateia estar preparada para ele ocorrer.
A plateia sempre acha que o segredo ocorre logo antes do efeito. Para ela, a causa da mágica — o
suposto segredo, o método — antecede em um intervalo de tempo pequeno a consequência — o fenômeno
impossível que ocorreu, o efeito. Se conseguirmos quebrar essa lógica, podemos despistar a forma
racional de pensar da plateia, e o número fica infinitamente mais forte.59 Isso é uma grande vantagem!
Mas para quebrar essa lógica de pensamento, precisamos saber, exatamente, o intervalo de
importância de cada número. Intervalo de importância é o intervalo de tempo em que a plateia consegue
associar as ações ocorridas como causa do efeito, como método. Todas as ações que o mágico executa
dentro do intervalo de importância podem ser entendidas pela plateia, errônea ou corretamente, como
causa do efeito. Todas as ações que ocorrem fora do intervalo de importância não são identificadas como
causa do efeito. Por sorte dos mágicos, é possível descobrir exatamente qual é o intervalo de importância
de cada número.
Como regra geral, podemos dizer que o intervalo de importância é aquele que compreende a
última vez em que a plateia viu a situação inicial e a primeira vez que a plateia viu a situação final.
Em um número no qual uma moeda desaparece, por exemplo, tudo que ocorre entre a última vez em que a
plateia viu a moeda e a primeira vez que a plateia percebeu sua ausência pode ser interpretado como
causa da desaparição. Esse momento é exatamente o intervalo de importância do número.
Alguns números possuem a vantagem de ter, naturalmente, um intervalo de tempo que separa o
segredo do efeito. O espectador não consegue saber quando ocorreu a causa de determinada
consequência, e isso é ótimo! Em grande parte dos números nos quais isso não ocorre, é possível
reestruturar o número de forma que os movimentos verdadeiramente correlacionados ao método estejam
fora do intervalo de importância.
O número “Memória Extraordinária”, tem a virtude de o método ocorrer fora do intervalo de
importância, de modo que sua construção não permite ao espectador deduzir o segredo. É impossível o
espectador perceber que, no momento de memorizar a ordem do baralho, você passou a saber a
identidade da carta escolhida. O ato de olhar as cartas para identificar a carta guia é perfeitamente
justificado pelo fenômeno de memorização no qual o efeito se baseia. Em outras palavras, o método
utilizado (identificação por meio de uma carta guia) ocorre antes do fenômeno. Repare que o número
“Impressão Digital na Carta” não possui essa vantagem. O mágico passa a saber a carta que o espectador
escolheu no mesmo momento em que ele a revela aparentemente por sua impressão digital. É possível,
porém, repensar o número, a fim de acabar com essa desvantagem ou, pelo menos, diminuí-la. Uma das
formas de se fazer isso é não parar assim que achar a carta escolhida, ao simular estar procurando pela
impressão digital do espectador nas cartas. Desenvolva mais a ação, crie um suspense, crie um drama.
Evite o espectador perceber que havia alguma coisa que sinalizou a você “Pare! Essa é a carta!”. Tente
deixar o efeito o mais real possível.
Veja este próximo número:

Ring Flight

Efeito: o mágico pede uma aliança emprestada. Em segundos, a aliança some em sua mão. O mágico
pega uma bolsinha de guardar chaves que estava em seu bolso de trás, fechada por um zíper. Ao abrir a
bolsa, em um dos ganchos para as chaves, está a aliança do espectador!
Personagens: o mágico e outro espectador.
Fenômeno: transposição.
Propósito: demonstração
Prova: uma aliança some e aparece presa em um dos ganchos de uma bolsinha porta-chaves.
Comentários técnicos: esse número faz parte do repertório da maioria dos mágicos de close-up.
Quando assisti ao show de David Copperfield, ele executou esse número. O segredo é basicamente um
reel — carretel que permite você esticar um fio e, ao liberar a tensão, ele é recolhido automaticamente. A
bolsinha porta-chaves possui um reel dentro, em outro compartimento, e um dos ganchos, na verdade, é a
extremidade do fio do reel. Para realizar o efeito, o mágico primeiro puxa o gancho o suficiente para que
ele fique para fora da bolsa, que é fechada quase totalmente com o zíper e posta no bolso de trás. É bom
estar vestido de blazer ou jaqueta, para que o reel percorra um caminho por dentro da jaqueta e ninguém
perceba por outros ângulos.
Quando algum espectador se oferece para emprestar a aliança, o mágico puxa discretamente a ponta
do fio — o gancho — e fica com ele secretamente em mãos. Quando ele pega a aliança, prende-a no
gancho. Isso é feito enquanto ele diz algo como “Nossa, bonito seu anel. Tem muito tempo que você usa
ele?” ou qualquer outra coisa que tire o foco de suas mãos por um tempo. Quando o fio é liberado, o reel
puxa a aliança para dentro da bolsinha, e a impressão é de que a aliança desapareceu. O mágico pega a
bolsinha no bolso de trás e abre o zíper. A plateia vê diversos ganchos com chaves penduradas e apenas
um com um anel pendurado, que é justamente a aliança do espectador.
Quando a aliança some é exatamente o momento em que o método ocorre: o reel puxa a aliança. Se
for utilizado um lenço para fazer a aliança sumir, é possível criar um intervalo de tempo que separa o
momento em que o reel puxa a aliança e o momento em que ela some. Basta deixar um lenço na mão
esquerda (se você for destro) e, com a mão direita, simular botar a aliança no centro do lenço. A mão
direita deixa o reel recolher o fio, e a mão esquerda fecha e vira o lenço ao contrário, deixando a palma
da mão para baixo. Nesse momento, o espectador acredita que a aliança ainda “existe”. Os dedos da mão
esquerda podem também fazer uma mímica para realçar ainda mais esse fato, como se a aliança estivesse
no meio do lenço. O lenço pode ser posto numa taça de vinho e pode-se usar um flash paper ou algo
parecido para mostrar que a aliança sumiu.
Com essa abordagem, o espectador dificilmente vai lembrar que a aliança já havia sumido minutos
antes e que nunca entrou em contato com o lenço.

7.3.1 Forward Time Displacement e Backward Time Displacement

Darwin Ortiz utiliza os termos Forward Time Displacement e Backward Time Displacement para as
duas únicas possibilidades de separar a causa (método) da consequência (fenômeno). Todos as formas de
se separar o método do fenômeno podem ser enquadradas em algum desses dois conceitos.
Forward Time Displacement é quando a causa ocorre antes do intervalo de importância, isto é, o
intervalo de importância é deslocado para frente. Backward Time Displacement é quando a causa ocorre
depois do intervalo de importância, isto é, o intervalo de importância é deslocado para trás. Antes de
prosseguir, analise as figuras 7.1 e 7.2.

Figura 7.1: Forward Time Displacement.

Forward Time Displacement: a causa ocorre antes do intervalo de importância. O intervalo de importância é deslocado para frente.
Fonte: elaboração própria.

Figura 7.2: Backward Time Displacement.


Backward Time Displacement: a causa ocorre depois do intervalo de importância. O intervalo de importância é deslocado para trás.
Fonte: elaboração própria.

A única diferença entre as figuras é o momento em que ocorre a causa. O leitor deve estar se
perguntando como é possível, na figura 7.2, a causa susceder a consequência, já que, em um processo
natural, a causa antecede a consequência. Isso é possível por um motivo apenas: as figuras reportam ao
momento em que a plateia acha que o fenômeno ocorreu. É tudo uma questão de percepção — não
importa o momento em que o fenômeno verdadeiramente ocorreu, mas sim o momento em que a plateia
acha que ocorreu. Esse é o motivo pelo qual, no Backward Time Displacement, a causa ocorre depois do
fenômeno. Na realidade, a causa do fenômeno ocorre depois de a plateia achar que o fenômeno ocorreu,
marcando o encerramento do intervalo de importância.
Tanto no número “Memória Extraordinária” quanto no número “Ring Flight”, a causa ocorre antes do
intervalo de importância: o mágico sabe a identidade da carta escolhida antes de o espectador achar que
ele sabe, e a aliança não está mais no lenço, antes mesmo de a plateia pensar que ela desaparecerá. Em
ambas as situações, fez-se uso de um Forward Time Displacement.
Um outro exemplo de Forward Time Displacement é o número de desaparição de uma gaiola de
pombos, conhecida também pelo nome “Super Star”. O mágico cobre uma gaiola que abriga diversos
pombos com um lenço. Com o lenço por cima da gaiola, o mágico a ergue até a altura de sua cabeça e
solta tudo ao ar. A gaiola desaparece em pleno ar, e apenas o lenço cai de volta em suas mãos. O segredo
desse número é que na verdade a gaiola nunca esteve em baixo do lenço. Quando o mágico cobre a gaiola
com o lenço, sua estrutura se dobra em um compartimento secreto no topo da mesa, ou tripé. O formato de
uma gaiola que a plateia enxerga em baixo do lenço é, na verdade, apenas uma leve estrutura rígida que
está embutida no interior do tecido do lenço. Quando o mágico aparentemente lança a gaiola ao ar, o que
ele está fazendo é apenas lançando o lenço, pois a gaiola nunca saiu de cima da mesa. A plateia sempre
vai procurar uma explicação de como a gaiola desapareceu em pleno ar e jamais suspeitará da mesa na
qual a gaiola estava em cima. Uma ideia genial, não?
Exemplos práticos de Backward Time Displacement são menos comuns, porém igualmente eficazes.
Grande parte dos números de mentalismo fazem uso dessa técnica. Veja um exemplo bastante conhecido:

Número Pensado

Efeito: o mágico diz ao espectador que vai tentar ler um pensamento dele. Pede, então, que o
espectador pense em um número qualquer, entre 0 e 1000. O mágico diz ter captado a informação e
escreve o número em um papel. Quando o espectador revela o número escolhido, é exatamente o número
escrito!
Personagens: o mágico e um espectador.
Fenômeno: leitura de pensamento.
Propósito: demonstração.
Prova: o mágico escreve em papel um número pensado pelo espectador.
Comentários técnicos: esse número pode ser executado de diversas formas. Uma das mais fáceis e
eficientes é usar um equipamento chamado Thumb Writer60 — uma espécie de lápis que fica fixo no
polegar de uma das mãos. Com um Thumb Writer, é possível escrever coisas curtas em um papel sem que
ninguém perceba, pois apenas o polegar se movimenta.
Para executar o efeito, o mágico primeiro pede ao espectador para pensar em um número qualquer
entre 0 e 1000. Agora, é tudo uma questão de atuação. Com um lápis, o mágico apenas simula escrever o
número em uma folha de papel. Na verdade, a folha permanece em branco. Feito isso, o lápis é deixado
sobre a mesa, de forma que a plateia pense que não é mais possível escrever nada no papel. Depois que o
espectador diz o número pensado, o mágico o escreve no papel com o Thumb Writer, que está em seu
polegar. O papel é mostrado à plateia, confirmando que o mágico “leu” a mente do espectador.
Apesar de ser uma mecânica simples, é um número que exige um cuidado especial em sua
apresentação. Não deixe de dar atenção à psicologia que o número exige: quando o mágico escreve no
papel o número, a plateia deve realmente acreditar que o mágico já está ciente do número pensado. É
como se o mágico estivesse escrevendo apenas para provar que ele realmente sabe o número pensado.
Ao pedir ao espectador para revelar o número, o mágico diz “Diga a todos, bem alto, qual foi o número
que você pensou”, — como se o espectador devesse revelar à plateia o número pensado e não ao
mágico, pois ele, teoricamente, já sabia. É como se o fato de o mágico ouvir o espectador contar à plateia
o número em que pensou fosse totalmente irrelevante. Na verdade, é o que garante que a mágica funcione.
É muito importante compreender a relevância desses pequenos detalhes antes de apresentar o número,
pois são eles que geram toda a ilusão. Acompanhe o script completo desse número na Apêndice B.4 e
observe as palavras utilizadas. Esse número pode ser um fracasso ou um milagre, tudo depende de como
será apresentado.
Há diversas outras variações desse método. A empresa americana de equipamentos mágicos Magic
Smith criou a versão Super Sharpie, que é, basicamente, a mesma ideia mas o equipamento permite que o
número seja escrito em tinta e não apenas em grafite. Dessa forma, o mágico pode fazer sua previsão
usando uma caneta permanente e não um lápis. É uma pequena modificação, mas reforça bastante a prova
do fenômeno.
“Número Pensado” é um perfeito exemplo do uso de Backward Time Displacement. O mágico diz já
saber o número no qual o espectador pensou. Na verdade é um blefe, pois ele só fica sabendo o número
pensado depois que o espectador mesmo conta! Somente aí o mágico vai, verdadeiramente, escrever o
número no papel. É, portanto, um caso em que o método ocorre depois do fenômeno; o mágico escreve no
papel após o espectador achar que o número já tinha sido previsto. Ao analisar a figura 3.2, não é difícil
perceber que o intervalo de importância desse número termina quando o espectador acredita que o
número já foi escrito no papel e o lápis está sobre a mesa. A partir desse momento, a plateia não dá mais
atenção ao que o mágico faz com o papel, propiciando um momento perfeito para o número ser escrito
com o Thumb Writer segundos depois.
Apesar de menos frequente que o uso do Forward Time Displacement, a técnica do Backward Time
Displacement é também bastante eficaz e depende bastante da capacidade do mágico de atuar. A plateia
precisa estar convencida de que o fenômeno já ocorreu, mesmo que não seja verdade. A partir de então,
cria-se um momento adequado para a verdadeira realização do método, do qual a plateia jamais
suspeitará.

7.3.2 Ausência do lapso temporal

Quando não há um lapso temporal a separar a causa do efeito, estamos tratando de uma situação em
que o método ocorre exatamente no intervalo de importância. Existem excelentes números nos quais o
método ocorre durante esse intervalo. Isso não significa que esses números são ruins. Efeitos visuais,
como color changes e aparições/desaparições instantâneas geralmente não possuem lapso temporal
algum. Em alguns casos, porém, isso pode ser um tanto grave.
Em um exemplo simples, suponha que você pegue uma moeda com a mão direita e faça um falso
depósito simulando que a moeda foi posta na mão esquerda. Se logo em seguida você abrir a mão
esquerda para mostrar que ela desapareceu, a plateia vai conseguir associar o movimento do falso
depósito ao efeito, o desaparecimento da moeda. Isso ocorre porque o falso depósito ocorreu no
intervalo de importância, e é o típico problema de um número mal estruturado. Por outro lado, na clássica
rotina de desaparecer uma gaiola de passarinho, o mágico segura com as duas mãos uma gaiola de metal
e, de repente, PAF! A gaiola some. Nesse caso, o segredo para a gaiola sumir ocorreu exatamente no
momento em que a gaiola sumiu. O método, geralmente alguma espécie de reel, ocorre exatamente no
intervalo de importância.
Por que em ambos os números, o método ocorre no intervalo de importância e apenas o número da
desaparição da moeda está mal estruturado? Bem, para responder essa pergunta, terei de ser mais
detalhista quanto à estrutura de um número. A seção 4.4 aborda exatamente esse assunto e continua o
contraponto entre o número da desaparição da gaiola e o número da desaparição da moeda.

7.4 Gradação de interesse e Clímax

“Interesse” é o nível de atenção da plateia no que o mágico faz. A atenção que a plateia devota ao ato
mágico é função de diversos fatores: os fenômenos que os números propõem, a credibilidade da prova,
os equipamentos utilizados, o tom de voz do mágico, a interatividade com a plateia, a linguagem corporal
e as expressões faciais do mágico, suas movimentações em cena, etc. É sempre preciso ter em mente que
o interesse da plateia em algo é altamente efêmero. Pela regra geral, tudo que passa a ser monótono perde
interesse,61 e a plateia sempre deve ter um interesse crescente na performance do mágico, tal como
mostra a figura 7.3.

Figura 7.3: Análise do nível de interesse.


O ideal é gerar uma tendência crescente do interesse ao longo do tempo de performance: quando o tempo de performance aumenta,
o interesse também aumenta. O tempo de performance pode ser um número de 3 minutos, um número de 10 minutos ou até mesmo um
show de uma hora.
Fonte: elaboração própria.

O clímax é o momento mais forte do número. É o momento de êxtase, em que a plateia se encanta e
eleva seu interesse. Mas nem todo fenômeno impossível que ocorre em um número é um clímax. O
espectador pode não elevar seu interesse se o mágico for incapaz de criar uma condição para que isso
ocorra. Todo número possui, ou deveria possuir, um ou mais momentos de clímax. Veja a figura 7.4.

Figura 7.4: Pontos de clímax e o nível de interesse.


Repare como o interesse deve seguir ao longo de uma tendência crescente. Inevitavelmente, há momentos de menor interesse e de
maior interesse (clímax), mas a tendência de inclinação da curva deve ser sempre ascendente.
Fonte: elaboração própria.

Um ato de mágica é, por definição, a realização de fenômenos impossíveis. Porém, a plateia sozinha
não é capaz de distinguir o grau de importância entre esses fenômenos, porque não consegue hierarquizar
uma sequência de fenômenos. Isso não seria problema algum se o sucesso de um ato não dependesse da
gradação crescente de interesse. É papel unicamente do mágico criar o momento de clímax e
estabelecer uma gradação de importância em suas ações.
Essa análise pode ser feita em uma perspectiva interna e por uma perspectiva externa. Na perspectiva
interna, a análise se limita ao número de mágica, enquanto que na perspectiva externa, a análise é mais
ampla, porque contempla o show como um todo. Na maioria das vezes, é priorizada apenas a perspectiva
interna, e isso é um grave erro. É de extrema importância não apenas que um número em si desperte um
interesse crescente, mas que o show, como um todo, também o faça.
A plateia nunca deve diminuir seu interesse pelo o que o mágico faz.62 Um erro frequentemente
cometido quando se menospreza a perspectiva externa do interesse é começar o show com um número
fortíssimo, de alto impacto. Incluir o número mais forte do show logo no início não é uma estratégia
muito inteligente, pois seria muito difícil, quase impossível, evitar que o interesse da plateia decresça ao
longo do show. A figura 7.5 mostra esse problema.

Figura 7.5: Formato não desejado da curva de interesse.


Quando o número de abertura é muito impactante, o clímax é muito forte e se sobrepõe aos clímaxes dos próximos números. Atingir
um patamar de interesse alto como o ponto A logo de início torna difícil mantê-lo. Caso os números subsequentes não sejam
impactantes o suficiente, o interesse cairá até o ponto B. Será necessário um intervalo de tempo considerável até atingir novamente o
nível inicial de interesse, o ponto C.
Fonte: elaboração própria.

O ideal é que o primeiro número seja interessante o suficiente para prender a atenção dos
espectadores e necessário para estabelecer a empatia entre o mágico e a plateia, para assim garantir a
credibilidade do mágico. Seu impacto não deve ser forte o bastante a ponto de comprometer o interesse
pelos próximos números.
Como foi dito no primeiro parágrafo, o momento em que algo impossível ocorre pode não ser um
clímax do número. Com frequência, isso pode ser proposital, como vai ser discutido mais adiante. O
problema é que há números que são apresentados sem clímax algum, o que é um grave erro. Um número
sem clímax perde o cerne de sua existência. É exatamente o caso descrito na seção 5.1 é quem é, em que
o mágico carece de acreditar em suas próprias ações e apresenta um número de mágica como se fosse
algo trivial. Para que o clímax exista, não basta apenas executar algo impossível. O mágico deve
preparar o terreno e estabelecer condições que o viabilizam.
Para explicar melhor o que estou querendo dizer, vamos analisar alguns dos números utilizados como
exemplo até então:

1. A Mágica da Vida

Veja que essa rotina com bolas de espuma possui mais de um clímax. O principal, entretanto, é a
aparição da terceira bola na mão do espectador. A rotina foi construída respeitando o princípio da
gradação, de forma que cada fenômeno é mais forte que o anterior. Esquematicamente:
Uma bola aparece quando se queima o papel → a bola é dividida em duas → as bolas são postas em
mãos separadas e acabam ficando juntas (CLÍMAX!) → uma das bolas aparece na dobra do braço do
espectador → uma bola atravessa a mão do espectador (CLÍMAX!) → aparece uma terceira bola na mão
do espectador, que estava fechada(CLÍMAX!).
Como já disse, os fenômenos por si sós, não possuem uma ordem hierárquica. Cabe ao mágico
intensificar seu próprio interesse ao longo da rotina, de forma a fazer o espectador perceber que cada
etapa é mais importante que a anterior, até atingir o clímax final. O espectador só vai sentir um
interesse crescente na rotina se o mágico demonstrar, por meio de sua apresentação, que as etapas
estão ficando cada vez mais intensas. O espectador não entenderá que há três clímax se o mágico não
atuar para mostrar esse propósito.
Nesse caso, a forma pela qual o mágico demonstra seu interesse é essencialmente por meio de seu
tom de voz, de sua expressão facial e de sua linguagem corporal. Quando executo o número, momentos
antes de o espectador abrir a mão e descobrir que existe uma terceira bola na mão dele, eu começo a
falar com pausa menor entre as palavras, minha sobrancelha se eleva, meu olho fica mais aberto e toda a
minha linguagem corporal transfere interesse na mão do espectador, fechada. Quando o espectador abre
as mãos, o clímax é forte e o impacto é imensamente maior.
Se você leu o script da rotina no Apêndice B.1, deve ter reparado que existe um momento em que o
mágico falha ao tentar teletransportar uma bola de sua mão para a mão do espectador. Isso é claramente
uma etapa mais fraca que a anterior, mas é justificada pelo fato de criar um momento de tensão e de
consecutivo relaxamento, necessário para, logo em seguida, colocar a bola na dobra do braço do
espectador, sem que esse perceba. Essa técnica de tensão e relaxamento será discutida em detalhes na
seção 4.1.2.

2. Impressão Digital na Carta

Esse número possui um único clímax: a descoberta da identidade da carta. Apesar de ser um efeito
bastante simples, cabe ao mágico intensificar o clímax de forma que o efeito se intensifique. Juan Tamariz
é um perfeito exemplo de como pegar um número simples de cartomagia e intensificá-lo, gerando um
clímax maior que o comum.

3. Memória Extraordinária

Esse também é um caso em que há apenas um único clímax, que é a descoberta da carta no final. Esse
número é um exemplo ótimo de como a plateia pode facilmente perder o interesse por um número. O
momento em que você simula memorizar a sequência das cartas é extremamente monótono para a plateia.
Cabe a você modificar a apresentação e tornar o momento mais interessante. Vale dizer que esse é um
ótimo exercício. Tente executar o número para alguém e note se a apresentação ficou monótona ou se as
pessoas continuaram com interesse pelo que você estava fazendo. Se notou uma queda brusca no
interesse, é necessário mudar a estratégia de apresentação.

4. Carta Ambiciosa

Esse número possui vários momentos de clímax. Cada vez que a carta é colocada no centro do
baralho e sobe ao topo é um clímax diferente. O mágico deve desenvolver uma apresentação na qual sua
conduta em cena demonstre um interesse cada vez maior nas etapas que estão por vir. Como o fenômeno é
sempre o mesmo (transposição), uma das estratégias mais utilizadas é a intensificação do nível de
dificuldade. À medida que a prova do fenômeno vai ficando mais difícil, a plateia vai ficando mais
interessada no número. O fato de, na etapa final, a carta ser posta abaulada no meio do baralho comprova
isso. Veja a sequência das etapas de uma rotina geral:
Uma carta assinada é posta no centro do baralho e sobe para o topo (CLÍMAX!) → novamente ela é
posta no centro e sobe para o topo (CLÍMAX!) → agora o próprio espectador a coloca no centro e ela
sobe para topo (CLÍMAX!) → o mágico bota ela virada, de face para cima, no centro e ela sobe para o
topo (CLÍMAX!) → o mágico dobra a carta para que ela fique abaulada e, mesmo assim, ela sobe ao
topo (CLÍMAX!).

5. Ring Flight

São dois pontos fortes nessa rotina: o primeiro é o momento em que a aliança desaparece, e o
segundo é o momento em que ela aparece dentro do porta chaves. A rotina pode ser apresentada de duas
formas: com dois ou com um único clímax. No primeiro caso, o mágico desperta interesse no fato de a
aliança ter desaparecido, como se isso fosse por si só um número de mágica. Momento depois, ele abre a
bolsinha de guardar chaves e mostra que a aliança apareceu presa em um dos ganchos. O segundo caso é
quando o mágico faz a aliança sumir sem dar muita importância a esse fato e, logo em seguida, mostra
que ela está dentro da bolsinha, sendo esse o clímax final.
Note que tudo depende da forma como a apresentação foi desenvolvida e como o mágico se
comporta.

6. A Vida, As Cartas

Como se pode perceber ao ler o script Apêndice B.2, o número foi construído de forma que o
primeiro efeito — a carta que está na mesa (o passado) é a carta gêmea da carta escolhida (o presente)
— não seja um clímax forte da rotina. O clímax principal é a parte final do número, quando se revela a
última carta que completa a quadra. Isso é verdade devido às palavras ditas pelo mágico, as quais que
deixam evidente a importância maior da parte final do número.

7. Os Covilhetes

Na rotina simples apresentada, existem três clímax, de igual impacto. O mágico deve apresentar a
rotina como se cada etapa fosse, de fato, mais difícil que a passada. Obviamente que nas versões mais
elaboradas desse número, o clímax final não é esse, mas sim, a aparição dos final loads, bolas gigantes
ou qualquer outro objeto diferente como frutas, água, areia e até mesmo pequenos animais.
Em casos excepcionais, um número pode ter dois efeitos, que acontecem de uma só vez. Nesse caso,
há um clímax duplo, e o espectador não consegue absorver com exatidão os dois efeitos, e um deles se
perde. A solução, então, é fazer um esforço para separar os dois efeitos, mesmo que seja por poucos
segundos, de forma que a plateia seja capaz de desfrutar dos dois momentos de clímax, em vez, de um
apenas. Veja o próximo número.

Triunfo

Efeito: o espectador escolhe uma carta do baralho e a devolve no meio, de modo que ela fique
perdida entre as demais. O mágico separa o baralho em duas partes, uma com a face para cima e a outra
com a face para baixo. Essas duas partes são embaralhadas no estilo americano. O espectador vê
claramente que o baralho está todo bagunçado, com cartas de face para cima e outras, de face para baixo.
Quando o mágico estala os dedos, o baralho todo volta a ficar em ordem, com exceção de uma carta: a
escolhida pelo espectador.
Personagens: o mágico e um espectador.
Fenômeno: restauração / ação e reação harmônicas.
Propósito: mostrar que existe uma sincronia entre a mão do espectador e as cartas do baralho.
Prova: após o baralho ter sido misturado com cartas com face para cima e cartas com face para
baixo, ele volta a ficar em ordem.
Comentários técnicos: esse número é um clássico da cartomagia. Foi criado por Dai Vernon e
recebeu o nome Triumph por utilizar o Triumph Shuffle, método de embaralhar as cartas em falso
inventado por Vernon. A primeira publicação desse número foi em 1946, no edital Stars of Magic,63
série 2, número 1. Com o passar dos anos, diversas variações foram criadas para o método de
embaralhar as cartas com face para cima e cartas com face para baixo. Há, basicamente, três formas de
executar esse embaralhamento:

1. Simular o embaralhamento: na realidade, as cartas não são embaralhadas. O que garante a ilusão
de que um monte possui apenas cartas face para cima e o outro possui apenas cartas face para baixo
são apenas as cartas da boca ou do topo, que estão alternadas. O resto das cartas, porém, estão
todas na mesma ordem. Um modo bastante comum de executar o efeito dessa forma é usando o
Tenkai Optical Revolve. Outra forma é usando o Zarrow Shuffle.64
2. Embaralhar as cartas parcialmente: o mágico embaralha as cartas, mas não as enquadra
completamente. Dessa forma, é possível separar as cartas com face para cima das cartas com face
para baixo, voltando à posição inicial. Essa é justamente a ideia original do Triumph Shuffle
publicado por Dai Vernon. Michael Ammar explica com detalhes esse método no volume 1 de sua
série de vídeos Easy to Master Card Miracles. Outra forma de se fazer isso é por meio do Pull-
Through Shuffle.65 Reza a lenda que esse era o método que Vernon realmente usava. Esse método é
um tanto mais complicado de se executar que o Triumph Shuffle. O mágico espanhol Dani DaOrtiz
também faz uso de um embaralhamento parcial de cartas para executar esse efeito. Vale a pena
conferir a genialidade do método usado por DaOrtiz.66
3. Embaralhar as cartas completamente: esses métodos são os mais difíceis e, por isso, os mais raros.
O baralho é realmente embaralhado com cartas face para cima e com cartas face para baixo e volta
a ficar em ordem. Kostya Kimlat publicou o Culligula Triumph, que utiliza um método criado por
ele chamado Roadrunner Cull, uma forma mais avançada de se executar o cull. Outro método para
essa terceira forma é o utilizado por Pit Hartling em seu número Master of the Mess,67 na verdade
uma aplicação fantástica do embaralhamento faro. Se você tiver a oportunidade de assistir a esses
dois números, repare que o Culligula Triumph é quase que instantâneo, enquanto que o Master of
the Mess exige uma apresentação mais longa.
Além de variações no método, existem também diversas variações no efeito “Triunfo”. Vale a pena
ver a fantástica aplicação do Joshua Jay em seu número Trumped Triumph, publicado no volume 3
de sua série de videos Close-up Up Close.

Veja que, teoricamente, ocorrem dois efeitos simultâneos: o baralho inteiro volta a ficar de face para
cima e uma única carta fica de face para baixo. Se o baralho for aberto em faixa na mesa, o espectador
não diferencia os dois efeitos. A solução, então, é coordenar os movimentos e as falas: “Se eu estalar os
dedos, o baralho inteiro volta a ficar em ordem (...)”. Nesse momento, o baralho é aberto em faixa na
mesa até a metade, aproximadamente, de forma que a plateia não perceba ainda a carta que está de face
para baixo. Espere a plateia apreciar esse momento. E em seguida prossiga espalhando as cartas dizendo
“(...)ops, por exceção de uma! Por exceção de uma! Qual foi sua carta?”. Dessa forma, o espectador
consegue distinguir os dois efeitos, e o impacto fica mais forte.
Certifique-se de que os momentos de clímax estejam corretamente definidos e que tanto os números
individuais quanto o show por completo estejam estruturados para manter um interesse crescente. Isso é
uma forte estratégia de maximização!

O excesso no impacto

Às vezes, tentar aumentar o impacto de um número acrescentando mais etapas (clímax adicional) pode
ser um desastre. Para explicar melhor uma forma simples pela qual isso pode ocorrer, darei o exemplo
do número “Os Covilhetes”, nome em português para o clássico Cups and Balls.
O leitor provavelmente já sabe, mas seria negligência minha não alertar: existem várias versões
belíssimas do Cups and Balls.68 Diversos mágicos já foram premiados, alguns inclusive no FISM, com
rotinas de Cups and Balls extraordinárias. Neste livro, não vou discutir a mecânica do número, nem a
melhor forma de executá-lo. Aliás, escolhi a mais simples. Meu propósito ao usar “Os Covilhetes” como
exemplo é apenas apontar um erro muito frequente. Caso você tenha interesse em se aprofundar nesse
número, que, particularmente, acho fascinante, compre o livro ou os dois volumes de DVDs de Michael
Ammar The Complete Cups and Balls. Ammar cobre o assunto com bastante profundidade.

Os Covilhetes

Efeito: o mágico mostra à plateia três copos e três bolinhas. Coloca uma das bolinhas em cima de um
copo e os outros dois copos por cima, cobrindo a bolinha e formando uma “torre” com os três copos.
Quando ele levanta os copos, mostra que a bolinha atravessou o primeiro copo e já está na mesa. O
mágico cobre essa bolinha com um copo e coloca a segunda bolinha em cima. Com os outros dois copos,
o mágico cobre novamente a segunda bolinha. Quando levanta os copos, ele mostra que a segunda bolinha
também atravessou o copo, juntando-se à primeira. Finalmente, o mágico cobre a primeira e a segunda
bolinha com um copo e coloca a terceira bolinha por cima. Com os outros dois copos, ele cobre a
terceira bolinha e, quando levanta os copos, ele mostra que todas as três bolinhas estão na mesa.
Personagens: o mágico.
Fenômeno: penetração.
Propósito: demonstração.
Prova: três bolas atravessam o fundo de um copo.
Comentários técnicos: como disse, essa é uma versão bem simples entre muitas outras que essa
rotina oferece. Eu até já vi esse número à venda em kits de mágica para crianças. Por isso, não vou
descrever passo à passo o procedimento mecânico, pois isso ocuparia tempo desnecessário. Basta saber
que, na verdade, são utilizadas quatro bolas, e o mágico as manipula de forma que a plateia sempre vê
três. Nessa versão simplificada do Cups and Balls, não é preciso nenhuma transferência falsa, nenhuma
varinha mágica e nenhuma das várias técnicas utilizadas em outras versões mais complexas do número.
Voltemos à questão de exceder o impacto mágico. Eu já vi um mágico estalar os dedos no final do
número e mostrar que uma quarta bola magicamente apareceu. Essa é, obviamente, a bola extra que o
mágico escondeu o tempo todo. A ideia é terminar o número limpo: em vez de ter que esconder a quarta
bola no final, faz dela um impacto extra na rotina e aproveita para entregar tudo ao exame da plateia.
Acredito que não é preciso pensar muito para entender que esse final é completamente inconsistente
com o número. Quando a quarta bola aparece, o espectador não sabe de onde ela veio. Ok. Mas ele sabe
que você tinha uma quarta bola escondida o tempo inteiro e, por isso, foi criada a ilusão de que as bolas
atravessaram os copos. Mostrar a quarta bola no final é destruir todo o efeito do que foi apresentado.
Deveria parecer óbvio.
Se o mágico não analisar o efeito psicológico por trás do número, para ele esse final é um impacto
adicional, positivo. E, na verdade, não é. É exatamente o contrário!
Vejamos outro exemplo. Suponha uma rotina de magia infantil em que o mágico pega um coelho,
coloca-o em uma caixa anteriormente mostrada vazia e a cobre com um lenço. Quando o mágico retira o
lenço, o coelho se transformou em uma pomba. Para o espectador, o fenômeno que ocorreu é
transformação. Mas o que ocorreria caso o mágico, na tentativa de tornar o número mais impactante,
mostrasse que o coelho se transformou em uma pomba e, logo em seguida, com um passe de mágica,
mostrasse que o coelho apareceu novamente? Não é difícil perceber que o efeito mágico gerado pela
transformação do coelho em uma pomba foi completamente destruído. A plateia agora sabe que ele tinha
dois animais — um coelho e uma pomba — e, com alguma aparelhagem, conseguiu esconder um e
mostrar o outro. Não existe mágica nenhuma nisso. Mesmo que a plateia não saiba como a aparelhagem
funciona, ela sabe que havia dois animais desde o início, e o fenômeno da transformação vai por água
abaixo.
Esses dois exemplos são, propositalmente, bem simples. Com o mínimo de estudo teórico da Arte
Mágica, eles não aconteceriam. Existem, porém, situações em que detectar a falha de superexceder um
efeito mágico é um tanto mais difícil. Vou dar dois exemplos, ambos de cartomagia, nos quais a linha que
separa um limite aceitável de uma inconsistência é bem tênue.
O primeiro exemplo trata do “Baralho Rádio”, ou Svengalli Deck.69 Existem vários efeitos possíveis
com o “Baralho Rádio”. Um dos menos inteligentes, e infelizmente dos mais utilizados, é simular uma
rotina de “Carta Ambiciosa” — sem o espectador assinar a carta escolhida — e, no final, mostrar que
todas as cartas se transformaram na carta escolhida. Por que? Bem, se o espectador acabou de presenciar
que a carta escolhida, por exemplo um ás de espadas, vai sempre para o topo, não faz sentido nenhum o
baralho inteiro ser ás de espadas. É como fazer a famosa rotina cômica de “Carta Ambiciosa” do
Gregory Wilson,70 que utiliza um baralho inteiramente branco. Não estou dizendo que um leigo não vai
gostar do final do número. Claro que vai! Ele nunca viu um baralho todo de ás de espadas; isso é
novidade para ele. Porém, a primeira sequência de efeitos, a “Carta Ambiciosa”, seria completamente
destruída.
Vi, uma vez, uma rotina de cartomagia que enganou meu raciocínio completamente. Não tive ideia de
como foi possível executar certas partes da rotina. Quando fui ver o segredo, o mágico usou, em uma
parte da rotina, um “Baralho Rádio”. Mas ele foi esperto: em momento algum ele mostrou o que os
mágicos mais conhecem do “Baralho Rádio”, que é o baralho inteiro ficar da mesma carta. Esse mágico
usou o “Baralho Rádio” para outro propósito e conseguiu despistar, inclusive, os mágicos.
O segundo exemplo é uma rotina composta por dois números de cartomagia executados
consecutivamente. A rotina pode ser descrita da seguinte forma: o mágico entra em cena com um baralho,
executa o número da “Carta Ambiciosa”, e, como clímax final, executa o número “Carta no Teto”.
Segue abaixo o número “Carta no Teto”, em uma situação na qual é apresentada de forma
independente:

Carta no Teto

Efeito: o mágico diz que quer deixar uma marca permanente no local do show. Para isso, pede ao
espectador para escolher uma carta do baralho e assinar seu nome na face. A carta é posta claramente no
centro do baralho, e o baralho é posto nas mãos do espectador. O mágico mostra um elástico de prender
dinheiro e o entrega para exames. O elástico é usado para amarrar o baralho, de forma que todas as
cartas fiquem presas. O mágico pega o baralho e o lança para cima, até atingir o teto. O baralho todo cai,
mas uma carta fica pregada no teto: a carta assinada.
Personagens: o mágico e um espectador.
Fenômeno: atração e penetração.
Propósito: deixar uma marca permanente no local do show.
Prova: o mágico lança no teto um baralho que está com uma carta assinada no centro. O baralho cai,
mas a carta fica pregada no teto.
Comentários técnicos: a carta assinada deve ser controlada para o topo do baralho. Os métodos
mais diretos são um double lift, simulando que a carta está indo no meio do baralho, ou então um controle
de ordem, como expliquei na Seção 7.1. Repare que, para esse número ter sucesso, é preciso que as
pessoas acreditem que a carta realmente está no centro, motivo pelo qual eu recomendo um controle de
ordem ou então um double lift ou top change. Qualquer dúvida a respeito deste fato compromete o
impacto do número: a plateia pode não saber exatamente como a carta ficou presa no teto, mas vai saber
que ela já estava no topo. O método utilizado para fazer a carta grudar no teto já é conhecido pela grande
maioria dos mágicos. Vou me abster de comentar sobre isso, para podermos seguir para um assunto mais
importante.
Como já foi comentado, o número “Carta Ambiciosa” possui, como efeito básico, uma carta assinada,
que é posta no meio e sempre aparece no topo do baralho, provando, na maioria das vezes, o fenômento
da transposição. Veja que, depois das várias fases da rotina, o espectador está convencido de que a carta
sobe realmente para o topo do baralho a seu comando.
É justamente por isso que sou contra a execução do número “Carta no Teto” como etapa final do
número “Carta Ambiciosa”. Ora, se o espectador testemunhou a carta indo para o topo várias vezes
consecutivas, vai ter todos os motivos para supor que a carta ficou presa no teto porque já estava no topo
antes! E isso é o bastante para comprometer todo o sucesso do número. As pessoas podem não saber
exatamente como a carta ficou grudada no teto, mas saberão, com certeza, que ela ficou no teto porque
estava já no topo do baralho.
Compreendo que a escolha da execução do número “Carta no Teto” como etapa final da “Carta
Ambiciosa” é feita com o intuito de dizer à plateia algo como: “A carta sobe tanto, que pode ir inclusive
para teto”. Os mágicos que o executam com esse objetivo fazem com a melhor das intenções, mas estão
estragando o clímax da “Carta no Teto” sem ter consciência disso. Sim, os dois números são excelentes.
Porém não devem ser apresentados nessa ordem. Os efeitos psicológico deles não são compatíveis.

7.5 Surpresa antecipada

Grande parte dos números de mágica são construídos para causar surpresa à plateia. A ideia comum é
que um fato inesperado gere um impacto maior no número.
Vou dizer uma coisa que contradiz o que você deve já deve ter ouvido. Aprendi por experiência
própria, resultados puramente empíricos: a plateia não “gosta” de surpresas. Para ser mais preciso, ela
não consegue absorver uma surpresa.
Quando um efeito ocorre de forma completamente inesperada, é como um choque para a plateia e,
muitas vezes, ela não consegue absorver exatamente o que está acontecendo. É claro que algo inesperado
possui um apelo infinitamente maior que algo totalmente esperado. Porém, dependendo do quão
inesperado for o fenômeno, é muito provável que a plateia não compreenda o que está se passando, e isso
diminui significativamente o impacto do efeito mágico.
Ora, como se apoderar do inesperado sem perder impacto no efeito? Existe um jeito: elaborar
números com surpresas, mas de forma que elas sejam levemente antecipadas. Esse princípio da surpresa
antecipada é bem sutil. Por isso, vou fazer um esforço para ser o mais claro possível.
Veja o exemplo da minha rotina com bolas de espuma, na Seção 6.4. O clímax final é a aparição da
terceira bola, correto? Vamos supor que a apresentação seja da seguinte forma: no final do número, o
mágico coloca as duas bolas na mão do espectador e pede para ele fechar as mãos. O mágico estala os
dedos e pede para o espectador abrir as mãos. Quando ele abre, aparece a terceira bola.
Você concorda que seria uma surpresa inesperada a aparição da terceira bola? Ninguém imaginava
que iria aparecer outra bola na mão do espectador. Se a bola aparecesse, seria como uma “pancada” na
cabeça da plateia, que perderia o foco principal do número. Muito provavelmente, as pessoas nem
estariam olhando para a mão do espectador no momento em que a terceira bola apareceu. Geraria
desentendimento.
Como fazer então? Se você leu o script de “A Mágica da Vida” no Apêndice B.1, deve ter percebido
que minha apresentação não é dessa forma. Desde o começo do número, reforço a ideia de que uma
bolinha é macho e a outra é fêmea, o que já indica a possibilidade de formarem um casal. Durante o
número, a plateia percebe que a tendência é as duas sempre ficarem juntas. No final do número, quando
coloco as duas bolinhas na mão do espectador, eu digo: “Mas agora, a melhor parte... se eu puser as duas
bolas, macho e fêmea, na sua mão, que é um lugar escurinho, quentinho, apertadinho... acontece a coisa
mais milagrosa: a mágica da vida!” Nesse momento, o espectador entende que algo diferente vai ocorrer.
Ele já tem uma pista, mesmo que quase inconsciente, de que algo está por vir. O centro de interesse passa
a ser a mão do espectador e não qualquer outra coisa. Quando a terceira bola aparece, a plateia já está
olhando para a mão do espectador, apreciando com exatidão o efeito mágico.
Note que o objetivo é fazer com o que o espectador antecipe uma ação e não fazer com que ele a
adivinhe. No exemplo das bolas de espuma, a aparição da terceira bola é uma surpresa antecipada. O
espectador sabia que algo estava por vir, mas não sabia exatamente o quê.
Veja que uma surpresa controlada requer um domínio da atenção do público. No capítulo 4, vou
discorrer melhor sobre esse assunto.
Números que envolva o fenômeno “transposição”, a surpresa antecipada é bastante utilizada. Veja
alguns exemplos de números clássicos que seguem essa linha:

1. Nota no Limão: o mágico pede emprestado uma cédula de dinheiro, cujo número de série foi
anotado pelo espectador. A nota é destruída (queimada, rasgada, etc...) e, depois, aparece dentro de
um limão, exatamente com o mesmo número de série.
2. Carta na Carteira: uma carta assinada desaparece e aparece, em seguida, dentro do compartimento
fechado por um zíper no interior de uma carteira.
3. Nest of Boxes (exemplo dado na Seção 6.2.4 do número executado por Tommy Wonder): o mágico
pede um relógio de algum espectador emprestado. O relógio é destruído e, depois, aparece dentro
das engrenagens de um despertador que, por sua vez, estava dentro de uma caixa que permaneceu na
mesa o tempo todo.

Nesses três exemplos, a aparição dos objetos nos lugares impossíveis não deve ser uma surpresa
completamente inesperada. O mágico deve elaborar uma apresentação que dê dicas, de forma que seja
possível a plateia inferir, até certo ponto, o que vai ocorrer.
No caso do exemplo 1, utilizo uma ideia que tive anos atrás: faço a nota se transformar em sementes.
A plateia olha as sementes e, no começo, não entende coisa alguma. É ai que eu olho para as sementes,
com cara de quem está confuso, e depois direciono meu olhar para o limão que estava o tempo inteiro em
cima da mesa ou nas mãos de algum espectador. Minha expressão facial é a de quem não está acreditando
e uso o script silencioso (veja seção 9.3.1) para dizer: “Se as sementes estão nas minhas mãos, então
dentro do limão está...”. Nesse ponto, a plateia já passa a ter uma ideia do que vai ocorrer. A ideia não
está completamente consolidada, porque afinal ela nunca viu objetos aparecerem dentro de uma fruta. É
nessa hora que pego uma faca e peço o limão de volta. A expectativa de surpresa só vai aumentando...
aumentando... aumentando... até o ponto em que a plateia vê um papel verde dobrado no interior do
limão: CLÍMAX!
O exemplo 2 é um dos números de que eu mais gosto do meu repertório. Pessoalmente, prefiro utilizar
o sistema da carteira Tom Mullica,71 pois ela fica o tempo inteiro nas mãos da plateia desde o começo
do número. Em minha rotina, uma carta escolhida e assinada, de repente, fica com a face completamente
branca. A plateia logo quer saber onde foi parar a carta assinada. Eu desenvolvi a rotina para que o
espectador suspeite que a carta está na carteira. O espectador cria essa ideia, mas duvida dela, pois seria
impossível qualquer objeto aparecer dentro da carteira que ele próprio está segurando. É nesse ponto que
eu abro a carteira, com ambas as mãos vazias, e de dentro dela eu retiro outra, de tamanho menor,
tornando o número ainda mais impossível. Abro também a carteira menor e dentro dela há um
compartimento com um zíper. De dentro do compartimento eu tiro uma carta. O dorso é o mesmo do
baralho que eu estava utilizando. O espectador fica na dúvida se a carta é a carta assinada. Esse é o
momento em que viro a carta e revelo a assinatura: CLÍMAX!
No exemplo 3, a melhor forma de entender a surpresa antecipada é assistir a apresentação do próprio
Tommy Wonder. Ele não perde a oportunidade de extrair o máximo de impacto de seus números. Depois
que o relógio do espectador some, Tommy olha para uma caixa que estava o tempo inteiro em cima de
uma mesa e diz: “Não fique triste, tenho um presente para você. E o presente é aquela caixa. Eu nunca
cheguei perto dela. Eu nunca toquei nela e não vou tocar”. Nesse momento, dá para escutar pelo DVD um
“aaahhhh...” da plateia, que acabou de ter uma ideia do que vai ocorrer. Ela ainda está bastante duvidosa,
mas já possui uma imagem do que está por vir. Tommy entrega a caixa para o espectador, fechada com um
cadeado. A expectativa aumenta. Dentro da caixa há um relógio e, dentro das engrenagens do relógio, está
o relógio do espectador. CLÍMAX!

7.6 Momentos simbólicos

No livro best seller “Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas”, Dale Carnegie, palestrante
especialista em relacionamentos pessoais, menciona seis maneiras de fazer as pessoas gostarem de você.
Uma delas é: “Lembre-se que o nome de uma pessoa é para ela o som mais doce e importante que existe
em qualquer idioma”.
Já reparou que quando alguém o chama pelo nome, você se sente mais importante? Lembro muito bem
de estar assistindo aula na faculdade, e uma professora, quem não tinha a mínima ideia sobre ela ter
conhecimento de minha existência, se referiu a mim pelo nome: Guilherme. Seria eu mesmo? Seria
impossível não ficar contente por ter sido chamado pelo nome.
Usar o nome do espectador para fazer um número de mágica é uma estratégia extremamente
inteligente. Eu uso algumas formas para descobrir o nome de alguém, quando estou fazendo mágica.
Talvez possa aproveitar algumas delas:

1. Para aqueles que estão frequentemente em situação de table-hopping, este método é bastante
intuitivo, mas bem eficaz. Eu abordo a mesa, faço minha apresentação e na hora de dizer meu nome,
falo: “Prazer, Guilherme” com um tom de voz e um olhar demonstrando que estou esperando alguma
resposta. A pessoa percebe isso e diz o nome dela. Eu ouço o nome dela, mas demonstro não dar
muita atenção. Vou logo me apresentando às outras pessoas da mesa. Nesse momento, sei o nome do
espectador e, dependendo do intervalo de tempo que tiver, ele mal vai lembrar de que foi ele
mesmo quem me falou seu nome;
2. Quando estou fazendo cartomagia, às vezes peço para alguém escolher uma carta do baralho e
mandar outra pessoa, alguém do grupo de amigos, escrever o nome na carta. Deixo bem explícito
para ela pedir para essa outra pessoa escrever o nome e não assinar, pois preciso conseguir ler o
que está escrito depois. Assim que o segundo espectador escreveu o nome na carta, você prossegue
com o número para o primeiro espectador, mas já tem ciência do nome de uma outra pessoa da
plateia, sem nunca ter perguntado diretamente;
3. Já me ocorreram situações em que eu fico no local onde será o show fazendo a recepção das
pessoas e conversando um pouco com os convidados, antes de começar a atuar. Nesse momento,
procuro fazer um esforço para lembrar o nome das pessoas, pois posso precisar saber o nome de
alguém da plateia “em secreto”, para algum número durante o show;
4. Esta é uma técnica que uso bem raramente, mas já me trouxe bons resultados. Na mesma situação
do ítem 3, tento perceber, no evento, quem conhece quem. Às vezes, fica bem fácil identificar um
grupo de amigos. Quando alguém do grupo se distancia dos outros, eu me aproximo dele e puxo
algum assunto. Durante a conversa, falo algo como: “Pois é, uma pessoa aqui me falou uma coisa
bem interessante sobre isso. Não lembro bem do nome dela, era aquele senhor ali...”, e a pessoa
com quem eu estou conversando fala 90% das vezes algo como “O Paulo?” Depois, faço um
número para o tal do Paulo usando seu nome. Mas lembre-se, em momento nenhum digo “eu não
sabia o seu nome, certo?”, até porque a chance de o espectador com quem você teve a conversa
inicial estar por perto é bem grande. Eu apenas dou a entender que eu não sabia o nome dele.

Na Seção 7.2, dei o exemplo do número “Um Pouco de Você”. Relembre o efeito e veja que o número
possui um impacto muito maior do que outros de adivinhação, apenas porque envolve o nome do
espectador! O efeito para o espectador é que ele embaralhou as cartas pensando no nome dele e, ao fazer
isso, a carta em que ele estava simplesmente pensando parou na posição exata do nome dele. A pessoa se
sente envolvida, sente-se parte de um milagre. Isso tem um impacto mágico muito forte!
Não obstante, usar o nome do espectador não é a única forma de criar um momento simbólico para a
plateia. Na verdade, tudo que o espectador consegue associar à sua vida, todo e qualquer tipo de
metáfora que faça sentido para sua realidade, é simbólico para ele.
Em 2009, fui ao Peru participar de um evento da Federação Latino Americana de Sociedades
Mágicas (FLASOMA). Depois do congresso, em um trem indo para Machu Picchu, estava discutindo com
meu grande amigo EdRocha sobre a arte de se adicionar significado a um número de mágica. Peguei um
número que me veio à cabeça: Another Quick Coincidence,72 do Allan Ackerman (explicado logo
adiante). É um número bom de cartomagia, mas, como a maioria dos efeitos de cartomagia, é um tanto
insignificante. Decidimos, então, fazer desse número algo mais emocionante e significativo, que
envolvesse mais o espectador. Então, desenvolvemos o efeito “A Vida, As Cartas”.

Another Quick Coincidence

Efeito: o mágico põe uma carta qualquer do baralho na mesa. Lá, ela fica. O espectador escolhe outra
carta do baralho, sem olhar por enquanto. O mágico pede ao espectador para introduzir a carta, sem olhar
ainda, em qualquer lugar do baralho, deixando metade dela para fora. Feito isso, o mágico diz que é hora
de ver a carta escolhida. Quando ele vira a carta do espectador, deixando-a na posição escolhida,
descobrem que a carta é um ás de ouros. Por incrível que pareça, a carta que estava na mesa durante todo
o tempo é um ás de copas, exatamente a carta gêmea do ás de ouros. O mais surpreendente é que, apesar
de ter sido o espectador que definiu o local onde o ás de ouros ficaria, ele escolheu colocá-lo justamente
entre os outros dois ases!
Personagens: o mágico e um espectador.
Fenômeno: identificação.
Propósito: demonstração.
Prova: o mágico consegue achar os quatro ases de um jeito surpreendente.
Agora o mesmo número, mas com um script diferente:

A Vida, As Cartas

Efeito: o mágico afirma que o baralho é muito mais do que apenas um objeto para jogos. Diz que as
cartas são uma metáfora da vida, e o baralho pode ser utilizado para diversas coisas, inclusive para
mostrar a interação entre passado, presente e futuro.
O mágico pede ao espectador para escolher seu passado. O espectador toca em uma carta e a coloca
virada na mesa: é o ás de paus. O mágico diz ao espectador que ele vai agora escolher seu presente. O
espectador escolhe então outra carta, mas não vê qual é. Para definir o futuro, o mágico pede ao
espectador para introduzir a carta que simboliza o presente, no meio do baralho, em qualquer lugar. Feito
isso, o mágico revela, então, a carta que simboliza o presente. Para surpresa de todos, o presente é o ás
de espadas, a carta gêmea do passado, mostrando que o passado influencia o presente. E quando o
mágico vira as duas outras cartas do baralho, entre as quais o presente foi colocado, elas são exatamente
os outros dois ases: uma escolha no presente determina o futuro! (ver script no Apêndice B.2)
Personagens: mágico e espectador.
Fenômeno: identificação.
Propósito: mostrar como as cartas podem ser uma metáfora da vida.
Prova: o mágico faz uma escolha presente do espectador ser influenciada por algo que ele fez no
passado, e mostra que uma dedisão tomada no presente pode determinar o futuro.
Comentários técnicos: vou explicar apenas o número “A Vida, As Cartas”, porque a mecânica é a
mesma para Another Quick Coincidence. Para compreender melhor a explicação, sugiro, antes, ler o
script completo no Apêndice B.2.
Comece com os quatro ases no topo. Se você tiver feito outro número com os ases antes, controle-os
para o topo. Caso esse seja o primeiro número, use o Hofzinser Spread Cull ou qualquer outro método,
como o Green Angle Separation, do Lennart Green, ou Lorayne’s Great Divide, do Harry Lorayne, ou
qualquer outro com o qual você se sinta seguro. Agora que os ases estão no topo, certifique-se de que os
ases de cores iguais estejam juntos, lado a lado. Faça um corte e mantenha um break. E procedimento é
feito enquanto eu explico sobre o que é o conceito de “cartas gêmeas” e falo sobre a interação entre o
passado, o presente e o futuro. É tempo de sobra.
Diga ao espectador que ele vai começar com o passado. Peça para ele escolher uma carta, mas force
a carta do break. Essa carta é o primeiro ás, o que estava no topo do baralho. Diga que todos conhecem o
passado, então ele deve deixar a carta com a face para cima na mesa. Corte novamente o baralho no
break, devolvendo os três ases para o topo. Faça algum corte ou embaralhamento falso, se quiser. Note
que o ás do topo agora deve ser da mesma cor do ás que acabou de ser forçado.
Fale ao espectador que agora ele escolherá o presente. Force novamente o próximo ás — que deve
ser da mesma cor do ás do passado —, mas não revele a carta ainda. Nesse momento, o espectador está
apenas segurando o segundo ás. Os próximos dois ases devem voltar para o topo (com algum corte ou
qualquer outro movimento). Controle um deles para baixo. Agora um ás está na boca e outro no topo,
ambos da mesma cor. Enquadre o baralho e peça para o espectador pegar a carta que está com ele, que
representa o presente, e indroduzir em qualquer posição do baralho, para determinar o futuro. Feito isso,
o que você vai fazer agora é um movimento do Bill Simon chamado Business Card Move.73
Esse movimento é bem trivial, mas como não é explicado na maioria dos livros de cartomagia, vou
comentá-lo aqui: o baralho deve estar em sua mão, na posição mechanics grip, com um ás no topo e um
ás na boca, ambos da mesma cor, e um ás enfiado no meio do baralho, mas com metade para fora (out-
jogged75). Sua mão direita se aproxima das cartas com a palma voltada para cima e com o polegar
paralelo ao chão, apontando para a esquerda, e todos os quatro dedos juntos, também paralelos ao chão e
apontados para a esquerda. O polegar da mão esquerda vai passando as cartas e a mão direita as recebe,
na posição descrita acima. O polegar esquerdo vai empurrando as cartas até chegar a carta que está out-
jogged. A mão direita retira as cartas recebidas (que estavam acima da carta out-jogged) e, a fim de
pegar a carta do out-jog, a mão direita vira até ficar com a palma da mão para baixo. Quando essa mão
tornar a ficar com a palma voltada para cima, a carta deve estar ainda no out-jog e de face para cima,
mas no topo do monte da mão direita. O monte da mão esquerda vem por cima do monte da mão direita,
deixando a carta novamente out-jogged no centro.
Para o espectador, você apenas virou a carta. Ninguém é capaz de deduzir que a carta está agora entre
os ases que estavam na boca e no topo.
Quando executo o Business Card Move, espero um tempo para mostrar o efeito final. Da mesma
forma que quando se executa o “Force em Cruz”, deve-se esperar um intervalo de tempo para revelar a
carta do force, de forma que o espectador não consiga associar essa carta a sua posição original, deve-se
também esperar um intervalo de tempo, após executar o Business Card Move, para que o espectador não
lembre a forma como você virou a carta. Como veremos mais à frente, essa estratégia chama-se
misdirection temporal.
Compare os scripts de Another Quick Coincidence e de “A Vida, As Cartas”. Note como os dois
efeitos, que surgiram do mesmo truque, possuem impactos completamente diferentes para a plateia!
Seja sincero: se você fosse um leigo, qual efeito te emocionaria mais?
Vou reforçar meu ponto: um número de mágica não precisa ter um propósito. Eu não disse que o
número “A Vida, As Cartas” é melhor que o Another Quick Coincidence; eles são simplesmente
diferentes. Cada um é mais adequado a determinada situação. Claro que é melhor fazer um número com o
maior apelo significativo possível para o espectador, mas às vezes, as condições não permitem isso.
Com o mesmo raciocínio descrito na seção 3.4, seria praticamente impossível você apresentar “A Vida,
As Cartas” em uma situação de table-hopping, ou então em uma festa com música alta.
Seria total incompetência da minha parte terminar esta seção sem comentar sobre um artista
específico. Ele é francês, mas vive no Brasil desde 1997. É mágico e contador de histórias; um artista.
Estou falando de Eric Chariot.
Eric é mestre em criar histórias que proporcionam um momento simbólico para a plateia. Ele não faz
truques, faz mágica. Cria uma atmosfera mágica por meio de seus contos que convida todos a assistirem
sua mágica com o que Henning Nelms denominou “Suspensão da Descrença”, termo que usei
anteriormente, na página ??. Seu talento é incrível. Ele consegue pegar um “simples” truque e fazer dele
uma grande mágica. Eu acho que Eric é um artista que deveria ser mais reconhecido por seu trabalho.
Quem sabe isso não ocorre porque seu estilo não é comercial o suficiente para atingir o mercado, que se
preocupa com o que o povo quer ver na TV em canal aberto?
Não estou querendo dizer, de forma alguma, que um número de mágica precisa ter uma história por
trás. Eu não tenho histórias para todo meu repertório. Aliás, é a minoria de meus números que envolve
algum tipo de história. Posso dar exemplos de diversos outros mágicos que não contam histórias em
todos os seus números, mas mesmo assim maximizam ao máximo cada efeito: Juan Tamariz, Tommy
Wonder, Lance Burton e Michael Ammar. Contar uma história é apenas uma das diversas formas de
criar um momento simbólico para a plateia. Porém isso deve ser feito por quem sabe contar histórias,
senão fica forçado. Funciona com o Eric, mas não significa que daria certo com todos.

Notas:

47 A análise do impacto potencial é o ponto de partida para a discussão abordada na seção 10.1, que discute ‘’números ruins’’.
48 Se você tiver oportunidade, assista Juan Tamariz executando o número Triple Coincidence. Eu, particularmente, não consigo pensar em
outra forma de apresentar o mesmo número para causar um impacto ainda maior do que Tamariz consegue. Outro exemplo é o número Fly, do
David Copperfield. Ele conseguiu extrair o máximo de impacto de uma levitação. Copperfield não levita. Ele voa.
49 A apresentação de Duas na Mão Uma no Bolso pode ser feita também com moeda, com guardanapos, com palitos de fósforo, etc. É
basicamente o mágico apresentando três objetos ao espectador, sendo que dois deles vão para a mão do mágico e um vai para o bolso.
Quando o mágico pergunta quantos objetos ele tem na mão, o espectador responde dois e ele prova que o espectador está errado, mostrando
que os três estão na mão dele. Isso é repetido mais uma vez. Na terceira vez, quando o espectador supostamente já entendeu o que vai
ocorrer, ele diz que o mágico tem três objetos na mão. Quando o mágico abre a mão ela está vazia. O segredo do número é apenas uma
sequência de transferências falsas, sendo que, na terceira fase, o mágico
faz uma transferência falsa de dois objetos simultaneamente. Eu não gosto desse tipo de abordagem em um número de mágica, pois ele gera
um confronto entre o mágico e o espectador. É como se o mágico estivesse querendo provar, a qualquer custo, que é mais esperto. O
espectador se sente rebaixado durante todo o número. Comentamos sobre isso na seção 5.5.1.
50 Alguns armam, erroneamente, que foi o próprio Dai Vernon que inventou esse número. Na verdade, pesquisas recentes indicam que Dai
Vernon apenas adaptou o número, que foi criado pelo mágico francês Gustav Alberti, para seu método próprio.
51 Em seu livro The Structural Conception of Magic, Ascanio utiliza o termo false movements para todos os movimentos secretos que
imitam um movimento verdadeiro, e secret actions para todos os movimentos secretos que ocorrem por si só na ótica da plateia o mágico não
fez nada. Usando a terminologia do Ascanio, um controle de ordem seria um secret action para a plateia, o mágico não fez absolutamente
nada com o baralho e um controle de desordem seria um false movement para a plateia, o mágico embaralhou e/ou cortou as cartas.
52 Peek ou Glimpse: “espiar” a carta. Técnica para saber a identidade de uma carta, sem a plateia notar.
53 Roberto Giobbi, Card College volume 1, página 187.
54 Para saber como descobrir o nome do espectador, veja a seção 7.6
55 Juan Tamariz, Sinfonía en Mnemónica Mayor.
56 Se você tiver interesse sobre o embaralhamento faro, consulte Roberto Giobbi, Card College volume 3. A abordagem do Giobbi é curta e
eficiente, boa pra iniciantes. Para informações mais detalhadas, ver o volume 2 do livro que o Stephen Minch escreveu sobre o trabalho do
Alex Elmsley, The Collected Works of Alex Elmsley. Alex Elmsley teve contribuição valiosa com a técnica faro de se embaralhar cartas,
principalmente no que diz respeito ao cálculo matemático envolvido nesse embaralhamento. Ed Marlo, em sua publicação Faro Notes, que é
exatamente o capítulo 6 do livro The Revolutionary Card Techinique, uma coletânea de trabalhos do Marlo, aborda com detalhes o
embaralhamento faro e algumas fascinantes aplicações. Vale ressaltar que aqui no Brasil temos o Rafael Tubino, estudioso do embaralhamento
faro, que inclusive realiza um workshop no assunto.
57 O número de out-faros necessários para fazer o baralho voltar ao normal varia em função do número de cartas. Para um baralho com 52
cartas, 8 out-faros deixam a posição das cartas inalteradas.
58 Efeitos de mágica que simulam ser consequência de poderes mentais.
59 Ascanio também usa a técnica de criar um lapso temporal em seus efeitos. Em seu livro The Structural Conception of Magic, ele chama
esse lapso temporal de Parenthesis of Forgetfulness _ momento em que o mágico executa outras ações e faz uso do script para distanciar o
segredo do efeito. Esse princípio é também chamado de time misdirection por mágicos americanos. Ambos os conceitos são exatamente os
mesmos.
60 Os termos Nail Writer, Thumb Writer e Swami Writer se referem a pequenas modificações de um mesmo equipamento. O conceito é
exatamente o mesmo.
61 A monotonicidade será estudada mais adiante (no final da seção 8.1.2) como uma das técnicas não mecânicas de ganhar e perder atenção
da plateia.
62 Existe uma exceção para essa regra. Na seção 8.1.2, serão discutidas aplicações e também os perigos do uso proposital da queda de
interesse com o intuito de se executar um movimento secreto.
63 Stars of Magic era uma série que publicava manuscritos dos mágicos mais famosos na categoria close-up entre 1940 e 1950. Hoje, os
direitos autorais dos manuscritos estão nas mãos do mágico norte-americano Meir Yedid.
64 Embaralhamento criado por volta de 1940 pelo mágico Herb Zarrow, encontrado em detalhes no volume 3 do livro Card College, do
Roberto Giobbi.
65 Uma explicação detalhada do Pull-Through Shu_e pode ser encontrada no livro Card College volume 3, do Roberto Giobbi.
66 A versão de Dani DaOrtiz chama-se Trinfo en Abanico.
67 Esse número está no livro Card Fictions, em inglês; ou Carto_cciones, em espanhol. É um dos melhores livros de cartomagia que já li até
hoje. Simplesmente fantástico.
68 Dai Vernon, Johnny Ace Palmer, Jason Latimer, Tim Ellis, Ferenc Galambos, Michael Ammar, David Williamson, Tommy Wonder, Gazzo,
etc.
69 Baralho muito vendido em kits de mágica para crianças. É composto de 26 cartas diferentes e 26 cartas iguais. Vamos supor que as cartas
iguais sejam todas ás de espadas. Todos os ases de espadas possuem a borda superior cortada milimetricamente menor que as demais cartas,
de forma que, ao abrir as cartas em cascata, é possível mostrar o baralho inteiro com cartas diferentes ou, caso mude a posição do baralho,
mostrar o baralho inteiro formado por ases de espadas.
70 Point Blank, encontrado no vídeo Pyrotechnic Pasteboards.
71 Vários outros mágicos desenvolveram sistemas diferentes para a carta na carteira: Fred Kaps, Barry Price, Steve Draun, etc.
72 Você pode assistir esse efeito no vídeo The Las Vegas Card Expert, do próprio Ackerman, ou então no vídeo Easy to Master Card
Miracles volume 5, do Michael Ammar.
73 O mágico venezuelano Rafael Benatar possui uma interessante variação desse movimento. O baralho, em vez de ficar nas mãos do
mágico, fica aberto em faixa na mesa.
75 Uma carta está out-jogged quando ela está com uma porção para fora do baralho no sentido da plateia. Uma carta está in-jogged quando
ela está com uma porção para fora do baralho no sentido do mágico.
Capítulo 8
Técnicas não mecânicas

Como foi dito no capítulo 3 e mostrado na figura 3.1, um número de mágica depende não apenas de
técnicas mecânicas, mas também de técnicas não mecânicas. Ao contrário de um empalme, de um falso
depósito, ou de um saque de pombo, as técnicas não mecânicas não dependem de habilidades manuais,
mas sim, do conhecimento cênico e psicológico sobre a mágica, sobre a plateia e sobre si mesmo.
Fitzkee disse: O maior objetivo do mágico deve ser a mente do espectador. Seu principal dever é
garantir que a mente do espectador interprete as coisas do modo como o mágico deseja que seja
interpretado.76
Esse objetivo é impossível de ser atingido apenas com técnicas mecânicas, por mais perfeitas que
elas sejam. Tal como vimos no capítulo 3, a técnica mecânica não é capaz, sozinha, de criar arte nem de
emocionar.
Infelizmente, muitos mágicos negligenciam o estudo “não mecânico” da Arte Mágica. Qualquer estudo
a esse respeito costuma ser resumido a misdirection. Como veremos logo adiante, na seção 4.2,
misdirection, de fato, é uma das mais importantes técnicas não mecânicas. Porém, ela é muito mal
interpretada, provavelmente devido à distorção conceitual feita por alguns manuais e livros introdutórios
da Arte Mágica. Se misdirection é o desvio da atenção da plateia para que o mágico faça algo
despercebido,77 estudar essa técnica sem antes estudar o controle da atenção não faz sentido algum.
Vamos começar?

8.1 Controle da atenção

Basicamente, há duas formas de controlar a atenção da plateia: por meio do relaxamento e por meio
da concentração. Antes de analisar essas duas formas de controle de atenção, vamos primeiro estudar
dois conceitos que fundamentam toda essa teoria: a “fonte de informação” e o “centro de interesse”.

Fonte de informação

O que leva a plateia a compreender um número de mágica do início ao final e, consequentemente, o


show inteiro são as fontes de informações que ela absorve. A fonte de informação, como o próprio nome
diz, é o canal que traz informação à plateia. Em cada momento do número, a plateia está sujeita a uma
fonte de informação. Quando o mágico faz sua assistente levitar, a fonte de informação é o corpo da
assistente. Quando o mágico fala, a fonte de informação é seu rosto, mais precisamente sua boca. Quando
o mágico embaralha as cartas, a fonte de informação é o baralho. Em outras palavras, a fonte de
informação é o lugar para o qual mágico quer que a plateia olhe.
Uma teoria diz que não se processa mais de uma fonte de informação ao mesmo tempo. Caso a plateia
esteja sujeita a mais de uma fonte de informação, é impossível para o mágico saber qual delas será
processada, uma vez que elas competem entre si. Isso pode criar uma confusão na mente do espectador.
Repito a famosa frase de Dai Vernon, Confusion is not magic.
Veja um exemplo prático. Na Seção 6.4, explico minha rotina com bolas de espuma, que chamo de “A
Mágica da Vida”, cujo script completo está no Apêndice B.1. Começo o número perguntando à plateia
que objeto ela acha que estou segurando (na verdade é um flash paper). Nesse momento, a fonte de
informação é meu rosto, especificamente meus lábios. Assim que faço a pergunta, fico em silêncio
deixando a plateia olhar para minha mão e formular uma resposta. Fico em silêncio, pois sei que agora a
fonte de informação é minha mão segurando o objeto. Eu quero que as pessoas olhem para o papel e não
para meu rosto.
Logo em seguida, falo: “Na verdade, isso não é um simples pedaço de papel. É um aglomerado de
células de celulose geneticamente modificadas”. Nesse momento, a fonte de informação precisa voltar a
ser meu rosto. Repare, no script, que falo isso antes da queima do flash paper e não durante. Se eu falar
no mesmo momento em que queimo o flash paper, é óbvio que a claridade emitida pelo fogo vai chamar
mais atenção do que minha voz. A plateia, muito provavelmente, não vai processar minhas palavras, pois
ela foi exposta a duas fontes de informações distintas.
Para entender melhor a importância das fontes de informações, lembre-se da teoria que apresentei no
capítulo 2 sobre a “Trilha da Ilusão”. A plateia faz suposições a respeito de tudo a ela exposto,
suposições que, evidentemente, se originam das próprias fontes de informações que ela processa.
Sabendo disso, o mágico deve elaborar com cuidado as fontes de informações do número, de forma a
induzir a plateia a criar as corretas suposições, precisamente aquelas que ele quer.
Durante a apresentação do número Vanishing Bottle (já utilizado como exemplo no próprio capítulo
2), o mágico pega uma garrafa e a coloca dentro de uma sacola de papel. Nesse momento, a fonte de
informação só pode ser uma: o conjunto formado pela sacola de papel, pela garrafa e pelas mãos do
mágico. Essa fonte de informação faz a plateia supor que a sacola é de papel, que a garrafa é de vidro e
que a garrafa está sendo posta dentro da sacola. Essas três suposições, verídicas ou não, são
fundamentais para que o número tenha impacto. Caso haja outro acontecimento no palco, atuando como
uma segunda fonte de informação e competindo pela atenção da plateia, os espectadores podem não
prestar atenção àquilo que o mágico desejaria que ela prestasse, e o número, com certeza, seria um
fracasso.

Centro de interesse

Se a fonte de informação representa o foco para onde o mágico quer que a plateia olhe, o centro de
interesse é aquele para onde a plateia quer olhar. Diversos motivos, conscientes e inconscientes,
podem atrair a atenção dos espectadores: cor, luz, som, estética, humor, linguagem corporal do mágico,
movimento, características do personagem, etc. Cabe ao mágico fazer uso desses elementos para
conquistar a atenção da plateia. É importante lembrar, no entanto, que nada permanece como centro de
interesse por muito tempo. Sempre chega o momento da monotonicidade, quando a plateia perde o desejo
de dar atenção a determinada coisa ou a determinado lugar. Apesar de parecer uma situação sempre ruim,
há casos em que o mágico precisa alcançar a monotonicidade. Estudaremos melhor a técnica da
monotonicidade adiante, na seção 4.1.2.
É óbvio que, em uma performance ideal, a fonte de informação de cada momento deve coincidir
com o centro de interesse, de modo que o foco para o qual o mágico deseja a atenção dos espectadores
seja justamente o ponto para onde eles querem olhar. Repare na sutileza dessa definição. Não se trata,
simplesmente, daquilo a que os espectadores dão atenção, mas sim daquilo a que eles querem dar
atenção. Fazer a plateia olhar para determinado lugar é fácil. Difícil é fazer ela querer olhar para
determinado lugar. É como a antiga brincadeira de dizer para os amigos “olhe o elefante rosa!” No
primeiro momento, todos olham, mas depois que a pessoa percebe que foi enganada, jamais vai cair na
armadilha novamente. Quando se trata de um número de mágica, as consequências são mais severas: além
de o espectador não mais cair nessa estratégia, ele percebe que perde uma parte crucial do número,
justamente o momento do “segredo”. Ele pode não saber o que ocorreu enquanto olhava em outra direção,
mas sabe que ocorreu alguma coisa. A atmosfera mágica é completamente destruída, e os espectadores,
frustrados, não estarão mais convencidos78 da ilusão.
Portanto, é dever do mágico fazer com que a plateia queira dar atenção às fontes de informações, para
ela não se sentir enganada. A plateia jamais deve pensar que foi induzida a olhar em determinada
direção. Ela jamais deve questionar os lugares para onde ela deu atenção, muito menos se decepcionar
com eles. A fonte de informação em um determinado instante deve sempre coincidir com o centro de
interesse daquele instante.

8.1.1 Concentração da atenção

Até agora, vimos que o controle da atenção da plateia é importante para garantir que ela se concentre
no número de mágica e dê atenção ao que o mágico deseja ser percebido. A ideia principal é, novamente,
que o centro de interesse coincida com a fonte de informação referente a cada instante de tempo.
Porém, a técnica de concentrar a atenção da plateia não é uma ferramenta que se limita, apenas, a
garantir que a plateia veja o que precisa ser visto. Ela permite, também, que a plateia não perceba o que
o mágico não quer que seja percebido. Isso pode soar estranho, pois tentar esconder um movimento por
meio da concentração da atenção dos espectadores parece ser inconsistente. O que torna isso possível é
que a atenção da plateia é concentrada em outro local, fora da zona onde ocorre o movimento secreto.
Isso é uma importante lição: em alguns casos, o mágico pode esconder um movimento fazendo a
plateia concentrar sua atenção em outro ponto, fora do espaço onde ocorre o movimento que se
pretende esconder. Em outras palavras, não se faz a plateia perder a concentração a fim de executar um
movimento secreto; pelo ao contrário, faz-se a plateia concentrar a atenção sim, porém, em outro local.
Na prática, isso ocorre sempre que os espectadores falam coisas assim: “Como isso é possível? Eu
estava olhando tudo, prestando atenção em tudo!” Agora já sabemos que a resposta para isso é um tanto
simples: os espectadores estavam prestando muita atenção, mas não ao ponto no qual ocorria o
movimento secreto.
Vale a pena retomar uma ideia já apresentada na seção anterior. A estratégia de esconder um
movimento secreto por meio da concentração da atenção da plateia em um ponto distinto evita o
sentimento do público de que o mágico tirou sua atenção para benefício próprio. Ao contrário, a plateia
vai sentir que estava prestando atenção em todo o momento, que estava olhando para o local correto e
que ocorreu um verdadeiro milagre, pois ela jamais tirou os olhos daquilo que o mágico fazia.

Como concentrar a atenção da plateia

Ok! Sabemos que conseguir concentrar a atenção da plateia é importante, mas ainda resta uma
pergunta fundamental: como fazer isso? A regra geral é que, para conquistar a atenção da plateia, é
preciso oferecer a ela algo interessante. É claro que o conceito de interessante é um juízo de valor, que
muda de acordo com cada espectador. Por isso, cabe ao mágico perceber o tipo de cada plateia, para ele
conseguir apresentar coisas que sejam particularmente interessantes para cada uma. Um público infantil
possui um gosto diferente do público adulto que, por sua vez, tem um gosto diferente do de um público
adolescente. Um equipamento interessante para uma plateia de crianças pode não ser interessante para
uma plateia de adolescentes e vice-versa.
Não obstante, existem recursos considerados universalmente interessantes que podem ser explorados,
a fim de conseguir cativar a atenção da plateia em determinado local: cor, luz, som (barulho, música e
tom de voz), estética,79 movimento, personagem, etc. Um lenço de cetim vermelho é mais interessante do
que um lenço preto de algodão, pois vermelho é uma cor mais chamativa, e o cetim possui mais brilho
que o algodão. Fazer uma cascata (em inglês, spring) com as cartas é mais interessante do que ficar
apenas com o baralho na mão, pois a cascata gera movimento e barulho. E é claro que quanto mais
diversificadas e peculiares forem as características do personagem, mais a plateia vai se interessar pelo
que o mágico faz. Todos esses recursos podem ser adicionados ao show, de forma a concentrar a atenção
da plateia no local e no momento desejados.
Outra forma de cativar a atenção da plateia é criar expectativas. Quando os espectadores acham que
algo está prestes a ocorrer, eles automaticamente concentram a atenção. No número “Carta Ambiciosa”,
por exemplo, a plateia tem a expectativa de que a carta vai subir para o topo do baralho. Logo, ela
concentra sua atenção a fim de constatar se o fenômeno vai realmente acontecer. A cada etapa, a plateia
está mais concentrada. É importante frisar que não basta o fenômeno ser poderoso; é preciso que a
expectativa do fenômeno seja poderosa também: quanto mais a plateia acreditar que determinada coisa
vai acontecer, mais ela constrói sua expectativa e mais fácil fica conseguir a atenção da plateia. Se o
fenômeno ocorrer de surpresa, é impossível garantir a concentração da plateia no local correto. É por
isso que comentei anteriormente a respeito da “surpresa antecipada” como estratégia de maximização de
um número de mágica. Quanto mais os espectadores anteciparem o pensamento de que algo vai ocorrer,
mais eles concentram sua atenção e mais o fenômeno final é reforçado.
Essa estratégia de criar expectativas a fim de conseguir a atenção é utilizada até mesmo quando o
fenômeno esperado não ocorre. O mágico promete que determinado fenômeno vai ocorrer, levando a
plateia a concentrar sua atenção e, no final das contas, o que foi prometido não ocorreu. A plateia se
decepciona, e a atenção é relaxada. Isso gera uma onda de tensão e relaxamento que pode também ser
utilizada em benefício do mágico. Mais adiante será retomado o conceito dessa onda e darei mais
aplicações.
Vale ressaltar que toda essa estratégia para atrair a atenção da plateia é completamente irrelevante,
caso os espectadores não percebam que o mágico está interessado, que o mágico está concentrado.
Nenhum mágico consegue o interesse dos espectadores em algum ponto, se ele mesmo não
demonstrar interesse nesse mesmo ponto.

8.1.2 Relaxamento da atenção

A estratégia de relaxar a atenção da plateia para benefício do mágico é mais intuitiva do que a
estratégia de concentrar sua atenção, vista anteriormente. É fácil pensar que uma plateia desatenta
facilita, para o mágico, a realização de movimentos secretos. No jargão mágico, utilizamos o termo off-
beat para se referir ao momento do número em que a plateia está relaxada, com pouca atenção no que o
mágico está fazendo. Já fiz referência a essa palavra na Seção 6.4.
É importante frisar o seguinte: sempre que a atenção da plateia estiver relaxada, é preciso, logo em
seguida, concentrá-la. A atenção da plateia deve sempre ser guiada para um determinado caminho,
de forma que nenhum espectador fique com o pensamento solto. Mesmo que seja interesse do
mágico relaxar a atenção por um certo momento, é preciso retomá-la logo em seguida. Se a plateia
ficar muito tempo relaxada, torna-se cada vez mais difícil reconquistar sua atenção.
A estratégia de relaxar a atenção possui certos inconvenientes. Um deles é que fica impossível
controlar para onde os espectadores estão olhando, se eles estiverem com a atenção relaxada. Há a
possibilidade de um ou mais espectadores, por acidente, olhar justamente para onde o mágico não queria.
Se ele relaxa a atenção da plateia para empalmar uma carta com sua mão direita, existe uma
probabilidade, por menor que seja, de alguém olhar justamente para sua mão direita e perceber o
empalme sendo executado. A ideia é que, se a atenção é relaxada, o olhar das pessoas circula por
diferentes locais e pode cair justamente no local errado.
Uma forma de evitar que isso ocorra é esperar o instante certo para relaxar a atenção da plateia e
executar o movimento. Caso se perceba que existem pessoas olhando para onde não devia,80 o mágico
deve manter a atenção relaxada e aguardar até o momento correto de executar o movimento secreto. Se
ainda assim o problema não se resolver, é preciso mudar de técnica. Veja que essa técnica de esperar o
momento correto não faz sentido quando a atenção da plateia está concentrada. Como já disse, nada
permanece interessante por muito tempo. Quando a atenção está concentrada, não se deve esperar para
executar a ação planejada.
Outro inconveniente é que, ao contrário da técnica de concentração, há possibilidade de a plateia
perceber que o relaxamento foi intencional, com o propósito de o mágico realizar alguma ação secreta.
Para evitar isso, basta ele retomar a atenção da plateia para o mesmo foco no qual ela foi relaxada.
Suponha que o mágico esteja com um objeto em suas mãos, um baralho, por exemplo, em um ponto X do
espaço. A plateia está inicialmente concentrada no ponto X. A fim de realizar algum movimento secreto
com as cartas, o mágico relaxa a atenção da plateia. Logo após, antes de retomar a concentração da
plateia, ele deve voltar com as mãos e o baralho para o ponto X, de forma que ela não perceba nenhuma
mudança na configuração visual. Se a plateia retomar a atenção e perceber que agora o baralho está em
um ponto Y, ela vai interpretar, mesmo que não seja verdade, que algo ocorreu. Assim, a regra básica ao
retomar a atenção é sempre procurar manter a mesma configuração visual do momento anterior ao
relaxamento da atenção. Dessa forma, o período de relaxamento vai ser completamente esquecido pelo
inconsciente dos espectadores, e a plateia jamais vai questionar que mágico fez algum movimento
suspeito.

Como relaxar a atenção da plateia

Existem basicamente três formas de provocar relaxamento, de induzir um momento de off-beat. A


primeira delas é com a introdução de um elemento exógeno ao número, como o humor. Esse é um recurso
bastante utilizado como técnica de relaxamento, pois é intrínseco ao ser humano reduzir sua atenção e seu
foco de percepção diante de uma situação cômica. A risada — mesmo que não exteriorizada em grandes
gargalhadas — provoca na plateia um brainstorm de imagens, o que é perfeito para tirar o foco de
atenção da plateia sobre o mágico.
Vale lembrar, no entanto, que humor não é necessariamente algo falado, sempre traduzido em forma
piada. O mágico também pode, e deve, explorar a comédia em situações, gestos e ideias. Um exemplo
simples disso é a antiga gag,81 que alguns mágicos utilizam ao fazer um número de mentalismo. O
mágico diz a um espectador: “Tenho aqui um quadro com uma palavra escrita do outro lado. Seria
impossível alguém saber o que eu escrevi. Você sabe o que está escrito?” E o espectador então responde:
“Não”. O mágico vira o quadro e está escrita a palavra “não”. A situação em si é cômica, pois o mágico
criou uma expectativa de um número de mágica, e o resultado foi uma previsão boba que daria certo sem
talento mágico algum. É claro que isso gera risadas, e ele pode se aproveitar desse relaxamento para
realizar alguma ação que não deve ser percebida pela plateia.
A segunda forma de promover relaxamento é por meio de uma tensão prévia. O mágico pode criar
uma situação tal que a plateia fique com sua atenção cada vez mais concentrada em determinado lugar ou
objeto. Quando o mágico libera a tensão, automaticamente a plateia relaxa; após o período de tensão,
sempre segue o relaxamento. Essa é a onda de tensão e relaxamento.
Mas como criar tensão? É simples, basta criar expectativas. O mágico deve criar condições para que
a plateia descubra qual será o fenômeno final, qual será o “gol”. Na grande maioria das vezes, isso não é
dito verbalmente, mas é expressado para a plateia durante a apresentação do número. A plateia acredita e
ao mesmo tempo duvida que o fenômeno vai ocorrer, gerando uma expectativa para o fenômeno final. Os
espectadores ficam tensos, curiosos para ver se o que eles estão supondo vai realmente acontecer. Por
meio de recursos como a linguagem corporal, o script e o tom de voz, o mágico reforça a tensão e
estimula ainda mais a curiosidade da plateia. Chega a um ponto em que todos estão tensos, ansiosos para
descobrir se o fenômeno vai, de fato, ocorrer. Nesse momento, o mágico realiza o fenômeno e a plateia
relaxa.
Novamente, vemos a importância da “Surpresa Antecipada”, técnica já discutida na Seção 7.5.
Quando a plateia espera um resultado, ainda mais quando esse resultado é impossível de ocorrer, ela
devota toda sua atenção e concentração ao final do número. É como assistir a um filme de drama, que
prende nossa atenção para descobrir como será o final da história. Ficamos tensos durante todo o filme,
até que no final... relaxamos. A ideia é variar a intensidade de concentração, formando picos e vales:
onda de tensão e relaxamento. Assista às performances de Juan Tamariz e Tommy Wonder e repare como
esses mestres fazem uso dessa onda a seu favor.
A terceira forma de relaxar a atenção da plateia é por meio da realização de um efeito mágico forte.
Quando os espectadores vivenciam um forte número de mágica, o sentimento de maravilha toma conta de
todo o seu processo mental. Ocorre, então, o que chamamos de misdirection de intensidade, quando a
intensidade da emoção é forte e não há espaço no pensamento dos espectadores para eles se preocuparem
com pormenores e questionar as ações que seguem. E isso ocorre mesmo sem o mágico ter feito esforço
para construir tensão; basta o impacto mágico ser forte. Um forte efeito mágico, por si só, já satisfaz o
inconsciente da plateia, e ela automaticamente relaxa, gerando um momento de off-beat. A seção 4.2.3
retoma a técnica do misdirection de intensidade.

Monotonicidade

A “monotonicidade” é uma técnica diretamente derivada do relaxamento da atenção. Essa técnica


funciona porque a plateia, sempre que acha algum ponto monótono, relaxa a tenção nesse ponto — um
objeto, um local, ou uma ação. Assim, é possível fazer com que um ponto interessante deixe de ser o
“centro de interesse”, deixe de cativar a atenção da plateia.
Alguns mágicos são críticos quanto ao uso da monotonicidade como meio de relaxamento da atenção.
A fundamentação dessa crítica é a seguinte: se o mágico quer tirar a atenção da plateia do ponto X, em
vez de tornar a apresentação monótona e relaxar a atenção nesse ponto, é melhor que ele concentre a
atenção dela em um ponto Y, distante do ponto X. A monotonicidade, então, implica um custo muito alto:
a plateia perde o interesse no número. Em minha opinião, esse argumento faz todo sentido e muitas vezes,
de fato, outros recursos que não tornem a apresentação monótona são preferíveis. Porém, acredito que
seja possível limitar o foco da monotonicidade em determinados pontos — lugar, objeto ou ação —,
como cobertura para movimentos secretos e não tornar o número monótono. Mesmo que o leitor não seja
um total adepto dessa técnica, estudar a monotonicidade pode ajudar, ao menos, para evitá-la.
A principal forma de tornar uma ação monótona é por meio do excesso de repetição. Mágicos
constantemente fazem uso de excesso repetição para retirar a atenção da plateia. Veja alguns exemplos
práticos:

• Em seu famoso número de cartomagia Sam The Bellhop, Bill Malone conta à plateia uma história
enquanto embaralha as cartas. Ele embaralha as cartas durante todo o número, do começo ao fim.
Como o número exige que os embaralhamentos sejam falsos, a ideia de executar embaralhamentos
consecutivos é muito inteligente. A plateia deixa de prestar atenção ao ato do embaralhamento e
passa a prestar atenção em outros pontos do número. O embaralhamento, por ser repetido várias
vezes consecutivas, escapa da atenção da plateia.
• Todo mágico que executa a técnica de false deal82 está fazendo uso da monotonicidade, mesmo
que inconscientemente. No começo da distribuição, quando as cartas estão realmente saindo do
topo do baralho, os espectadores prestam atenção a elas. Chega um momento em que o movimento
se torna monótono, e os espectadores relaxam a atenção. É aí que o mágico realiza falsas
distribuições.
• Muitos mágicos, quando vão executar um falso depósito com um objeto, têm o costume de
transferir o objeto de uma mão para a outra umas 3 ou 4 vezes, antes de realizar o falso depósito. O
intuito é repetir a ação até que os espectadores se acostumem, e ela se torne monótona. Quando os
espectadores já não prestam mais tanta atenção no movimento, o mágico executa uma transferência
falsa.

A técnica da monotonicidade também é utilizada, mais raramente, em ocasiões que não exigem
movimento. Nesse caso, não se utiliza repetição, mas sim imobilização. Uma coisa estática, imóvel, fica
monótona depois de um certo tempo. Suponha, por exemplo, que você perceba que um dos espectadores
da plateia está olhando para suas mãos e isso te impede de realizar determinado movimento secreto com
o baralho. Por mais que você converse e se movimente, o tal espectador não desvia o olhar da sua mão.
Uma possível solução é parar de movimentar a mão, tornar o baralho imóvel. Quando o espectador
perceber que o baralho está parado há bastante tempo em sua mão, ele cansa de dar atenção. Nesse
momento, o movimento secreto pode ser executado.
Para concluir a discussão, vale lembrar que uma ação monótona é diferente de uma ação confusa. Os
espectadores podem relaxar a atenção de um movimento simplesmente porque o acharam confuso. É
preciso tomar cuidado e jamais confundir monotonicidade com confusão. Confusão, apesar de também
diminuir a atenção da plateia, é totalmente indesejável, pois impede a compreensão do número.

Uso moderado do relaxamento e da concentração

Tanto a técnica de concentrar a atenção quanto a de relaxar a atenção devem ser utilizadas. Tommy
Wonder recomendava utilizar o mínimo de concentração e de relaxamento possível, apenas o suficiente
para cobrir movimentos suspeitos, de modo que se fosse utilizada qualquer intensidade menor, o segredo
seria exposto.
Acho que parece razoável adotar essa regra apenas quando a concentração e o relaxamento estão
sendo utilizados como cobertura para movimentos secretos. Nesse caso, quanto menos melhor, pois isso
impede a plateia de perceber o uso proposital dessas técnicas para benefício do mágico. Porém, quando
elas são utilizadas para reforçar o impacto do número, isto é, utilizadas como estratégia de maximização,
não vejo o porquê da restrição. Quanto mais tensão for construída, mais expectativa é gerada e mais
impacto terá o efeito final.

8.2 Misdirection

Agora que os conceitos de “fonte de informação”, “centro de interesse”, “concentração” e


“relaxamento” já estão bastante claros, podemos iniciar nosso estudo a respeito da técnica de
misdirection.
Sem sombra de dúvidas, misdirection é uma das técnicas mais comentadas e discutidas pelos
mágicos. Está presente em quase todos os livros sobre a Arte Mágica, desde os mais básicos até os mais
avançados. É considerada a peça fundamental para que qualquer número de mágica tenha sucesso.
O renomado mágico Jean Hugard disse: O princípio do misdirection desempenha um papel tão
importante na Mágica que pode-se afirmar que Mágica é misdirection e misdirection é Mágica.
Não obstante, trata-se de uma técnica mal compreendida. Acredito que isso ocorre por dois
importantes motivos. Primeiro, a própria palavra misdirection induz a uma compreensão equivocada do
conceito. Como veremos a seguir, de acordo com a etimologia da palavra, misdirection implica perder a
atenção, tirar a atenção. Na verdade, não é exatamente assim que essa técnica funciona. Segundo,
misdirection é, na maioria das vezes, reduzido apenas ao nível físico do número de mágica. Como será
mostrado adiante, o misdirection pode ser aplicado também de outras formas, com mais sutileza e mais
complexidade.
Antes de prosseguir o estudo desse importante conceito, é preciso compreendê-lo corretamente.

Misdirection revisitado

Do inglês, misdirection é uma palavra composta de duas partes: mis, que significa “perda”; e
direction, que significa “direção”. Misdirection, portanto, significa perder a direção, perder a atenção.
Aplicada ao meio mágico, misdirection significa tirar a atenção do espectador. Tommy Wonder,
insatisfeito com a compatibilidade desse significado, brilhantemente redefiniu esse conceito. Para ele, o
termo deveria ser apenas direction, pois não é possível tirar a atenção do espectador de um determinado
ponto. O que é possível de ser feito é redirecionar a atenção do espectador para outro ponto. Portanto, a
técnica não é desviar a atenção da plateia para fora de um determinado ponto, mas sim redirecioná-la
para outro ponto. Quem estuda misdirection buscando um método de fazer a plateia instantaneamente
parar de concentrar sua atenção em determinado ponto está no caminho errado.
Concordo plenamente com Tommy, mas a palavra misdirection já se consolidou no vocabulário
mágico de todo o mundo, e creio ser insensato querer mudá-la. Peço ao leitor, portanto, que ignore a
etimologia da palavra e que compreenda a seguinte definição:
Misdirection é a técnica de redirecionar a atenção dos espectadores de um ponto X para um ponto Y,
de forma que o desvio de rota seja natural e completamente despercebido pela plateia.
É por esse motivo que eu disse, no início deste capítulo, que para compreender a técnica de
misdirection, é preciso, primeiro, compreender o comportamento da atenção, isto é, como a atenção se
concentra e como ela relaxa. Depois que se entende como a atenção cresce e se dissipa, é mais fácil
compreender como ela pode ser redirecionada.
Apesar de o conceito de misdirection ser apenas um, essa técnica pode ser estudada em várias
situações distintas. Para garantir uma abordagem mais detalhada, optei por dividir essa seção em
subseções, cada uma tratando de um caso específico de misdirection. No entanto, é importante ter em
mente que cada um desses casos corresponde, apenas, a uma particularização do caso geral, ou seja, o
objetivo continua sendo estudar o redirecionamento da atenção dos espectadores.

8.2.1 Misdirection físico

Como já disse, misdirection é um conceito mal compreendido por dois motivos: primeiro, pela
questão etimológica; segundo, pela tendência de compreendê-lo, apenas, com base em elementos físicos.
Na verdade, os gestos, os movimentos e a linguagem corporal compõem apenas um tipo de misdirection,
que neste livro denominaremos misdirection físico. Apesar de todos esses elementos físicos atuarem em
conjunto durante a performance — um fornecendo suporte para o outro —, por motivos didáticos, vou
tentar separá-los para explicar melhor o conceito de misdirection físico:

• Gestos — Todo número de mágica exige um determinado conjunto de gestos. Sabendo disso, o
mágico pode aproveitá-los ou modificá-los a seu favor. Gestos podem ser úteis para fazer com que
o “centro de interesse” coincida com a “fonte de informação”. Caso a plateia não esteja com a
atenção em determinado foco, aponte, movimente os braços e o tronco, indique à plateia para onde
ela deve olhar. Quando os gestos indicam que determinado ponto é alvo de interesse, a plateia
concentra sua atenção a fim de descobrir se, de fato, o ponto é interessante.
Portanto, usar os gestos como misdirection parece ser um tanto intuitivo: o mágico deve selecionar
gestos que direcionem a atenção da plateia para outro ponto, fora do foco onde ocorre o movimento
secreto.
• Movimento — É regra básica segundo a qual tudo que está em movimento chama atenção. Logo,
tudo que tem movimento pode se tornar um “centro de interesse”. O mágico deve utilizar o
movimento a seu favor, tirando-o do que não deve ser alvo de interesse e acrescentando-o ao que
ele deseja tornar interessante.
Dai Vernon disse uma vez que “O movimento maior cobre o movimento menor”.8 O motivo pelo
qual isso é verdade é que, novamente, o movimento é fonte de interesse. Quando há dois
movimentos simultâneos, um pequeno e o outro maior, é claro que a plateia consegue notar apenas o
maior. Sabendo disso, o mágico pode, por exemplo, segurar um garfo com a mão esquerda e
entortá-lo, sem que a plateia perceba, se ele utilizar essa mesma mão para arregaçar a manga do
braço direito. Essa regra explica também o sucesso do topit,9 ou seja, a desaparição e a aparição
de objetos sempre ocorrem cobertas por um movimento maior com os braços.
• Linguagem corporal. ”Misdirection coreográfico” (choreographic misdirection) é a expressão
utilizada pelo mágico norueguês Jarle Leirpoll para se referir ao misdirection que se obtém por
meio de movimentos corporais. A linguagem corporal é um conceito mais complexo do que os
gestos, pois contempla movimentos mais sutis, particulares de cada pessoa, como a forma de andar,
a forma de sentar, a forma de mexer os braços. Compreender sua própria linguagem corporal é um
importantíssimo passo para se entender a importância da naturalidade na Arte Mágica. A
naturalidade será estudada mais adiante, na Seção 8.3, como uma técnica não mecânica.

8.2.2 Misdirection verbal


Chamamos de “misdirection verbal” a técnica de usar as palavras como recurso de controle da
atenção. Isso pode ser feito por meio de uma pergunta, de uma afirmação ou de uma curta piada. No
número “A Mágica da Vida”, por exemplo, o mágico inicia com a mão direita segurando um flash paper,
enquanto a mão esquerda precisa secretamente empalmar uma bolinha. Falar à plateia que o que está na
mão direita não é um papel, mas sim um aglomerado de células de celulose geneticamente modificadas
(ver script no Apêndice B.1), é o suficiente para atrair a atenção dela para a mão direita, enquanto a
outra mão fica livre para executar o movimento secreto.
Na seção que discute o relaxamento da atenção, comentei a respeito da eficiência de uma gag para
relaxar a atenção da plateia. Na verdade, isso a pura aplicação da técnica de misdirection verbal.
Michael Close, famoso mágico norte-americano, disse: Uma vez que eles pensam que é uma gag, eles
fecham a mente.83
Isso demonstra que o mágico pode fazer uso de frases com humor para redirecionar a atenção do
espectador para outro ponto, fora de onde ele pretende fazer o movimento secreto.

Ricochet (Tommy Wonder)

No volume 1 do livro Books of Wonder, Tommy Wonder apresenta brilhantemente um belíssimo


conceito, o Ricochet, derivado da técnica de misdirection verbal. É, na verdade, uma solução para o
frequente caso em que um espectador não tira os olhos de um determinado ponto.
Suponha que você esteja fazendo algum número, o qual em determinado momento, exige que se
execute um movimento manual, e esse movimento precisa ser feito quando ninguém estiver olhando. Ou
seja, é necessário que a atenção da plateia esteja concentrada em outro foco. Caso contrário, ela notará
que algo estranho ocorreu, e o efeito mágico será completamente destruído. Suponha, também, que o
momento de realizar esse movimento chegou, e você percebe que um espectador, digamos o espectador
A, não tira os olhos de suas mãos. Por mais que você use técnicas de concentração para prender a
atenção de A a outro local, ou técnicas de relaxamento para amenizar o nível de concentração dele, nada
funciona. Nem mesmo a monotonicidade — deixar as mãos paradas até ela deixar de ser interessante —
funciona. Você, então, opta por utilizar um misdirection verbal: perguntar algo ao espectador A, de forma
que, para responder, seja necessário ele levantar o olhar e, consequentemente, deslocar a atenção das
suas mãos. Também não funciona. Nada faz o espectador A tirar a concentração de suas mãos.
A solução é utilizar a técnica do Ricochet. Você continua fazendo uso do misdirection verbal, mas em
vez de direcionar uma pergunta ao espectador A, você a direciona para outro espectador da plateia, um
espectador B. Quando uma pergunta é direcionada para alguém, todos ficam curiosos para saber a reação
do espectador que foi indagado, e a atenção é toda concentrada nele. Esse espectador é o novo “centro de
interesse” da plateia. Se a pergunta for direcionada para o espectador B, até mesmo o espectador A vai,
muito provavelmente, concentrar sua atenção no espectador B. O motivo pelo qual isso funciona é que a
decisão do espectador de olhar para suas mãos a fim de descobrir o segredo é um processo voluntário.
Não adianta direcionar perguntas a ele, pois ele perceberá que o propósito é desviar sua atenção. Quando
uma pergunta é formulada a outra pessoa, a técnica se torna bem mais sutil. O espectador A não percebe
que a pergunta foi propositalmente elaborada para que ele se concentre na pessoa para a qual a pergunta
foi formulada. Muito inteligente, não?

8.2.3 Misdirection de intensidade


Comentei a respeito do misdirection de intensidade na Seção 8.1.2, mas repetirei a ideia. Quando o
efeito mágico é forte, a plateia imediatamente relaxa — inicia um momento de off-beat. A emoção é
intensa, a ponto de, momentaneamente tirar a capacidade de percepção dos espectadores, fazendo com
que a plateia fique temporariamente com os sentidos “frágeis”. Sabendo disso, o mágico pode fazer uso
desse estado, para realizar algum movimento secreto. Como a plateia está temporariamente frágil, sua
atenção jamais estará concentrada no que o mágico está fazendo.

8.2.4 Misdirection temporal

“Misdirection temporal” é um termo criado pelo mágico americado Harry Lorayne. A ideia é,
basicamente, utilizar o tempo para redirecionar a atenção do espectador.
Essa ideia já foi discutida anteriormente, na seção 7.3, quando apresentei o lapso temporal como
estratégia de maximização. Relembre o que é o conceito de lapso temporal, mais especificamente o
Forward Time Displacement e o Backward Time Displacement. Note que é um recurso de misdirection
temporal, pois ele faz o espectador raciocinar de uma forma que o impossibilita desvendar como o
fenômeno impossível ocorreu. Quando o mágico estrategicamente separa a causa (o segredo) da
consequência (o fenômeno), a plateia não consegue encontrar onde o segredo ocorreu, simplesmente
porque as pessoas sempre procuram a causa em um intervalo de tempo próximo da consequência.
Um exemplo prático e simples de compreender o misdirection temporal é a famosa técnica de forçar
uma carta do baralho, o “force em cruz”.84 Esse force exige, obrigatoriamente, um período de tempo
entre o momento em que o espectador corta o baralho e o momento em que o mágico entrega a carta
“livremente escolhida”. Esse tempo é crucial: em sua ausência, a plateia facilmente desconfiaria de que a
carta da cruz não é uma carta que estava no centro do baralho.

8.2.5 Misdirection mental

A plateia constrói, mentalmente, uma sequência de pistas a partir do que ela vê. Esse processo é
involuntário e ocorre sem que ela perceba. No final do número, quando o fenômeno impossível ocorre, os
espectadores revisam todo o processo mental na tentativa de descobrir o segredo. Misdirection mental85
é a técnica de despistar não os olhos e a atenção da plateia, mas o processo mental que cada espectador
constrói. O propósito é fazer com que, por mais que os espectadores raciocinem passo a passo, eles
jamais vão concluir como o fenômeno impossível foi realizado.
Para redirecionar o processo mental da plateia, é preciso fazer com que ela dê importância ao ponto
errado. Não me refiro ao nível visual, fazendo a plateia olhar no ponto errado, mas sim ao nível mental,
fazendo a plateia concentrar seu pensamento no ponto errado. Deixe-me explicar melhor como isso é
possível, primeiro por meio de um exemplo fora do contexto mágico. Leia essa historia: Pedro entrou em
uma loja com 1000 reais. Ele comprou um perfume, que custava 175 reais; um casaco, que custava 220
reais; e um chapéu, que custava 100 reais. Mais tarde, ele passou no banco e sacou mais 500 reais, e foi
direto ao aeroporto comprar uma passagem de avião, que custou 800 reais. Qual o nome do protagonista?
É claro que qualquer pessoa que ouvisse essa história jamais saberia o nome do protagonista (lendo é
mais fácil de perceber), pois ninguém dá atenção a esse fato. O ouvinte pode até mesmo fazer as contas
matemáticas na cabeça e saber que o saldo final do Pedro é de 205 reais, mas jamais iria lembrar que o
protagonista se chama Pedro. A história é contada como se os objetos comprados e seus respectivos
valores fossem importantes, e o nome do protagonista fosse irrelevante. Sua mente foi enganada.
Em um contexto mágico agora, é preciso fazer a mente da plateia se preocupar com fatos que não são
importantes para explicar como o número foi realizado. Sempre que a plateia reconstruir as pistas, ela
lembrará apenas o que é irrelevante para descobrir o segredo.
Todos os espectadores, quando presenciam um fenômeno impossível, fazem perguntas para si mesmo,
como: “Ele deixou essa caixinha na mesa antes de eu assinar a carta. Como ela foi parar lá dentro?” ou
“Como minha aliança levitou se eu passei a mão por cima e vi que não tinha nenhum fio?” O objetivo do
mágico não é fazer os espectadores pararem de formular perguntas, até mesmo porque, apesar de parecer
uma excelente solução, é impossível. Não há como fazer uma pessoa simplesmente parar de pensar em
uma coisa X. Há, entretanto, como fazer a pessoa passar a pensar em uma coisa Y. Assim que ela pensa
em Y, ela esquece X. Portanto, o objetivo do mágico é fazer com que os espectadores formulem as
perguntas erradas, e o misdirection mental torna isso possível. Por mais que a plateia faça perguntas, ela
jamais vai chegar à resposta correta, pois a pergunta, em si, está errada.

Uso abundante do misdirection mental

Anteriormente, quando estudamos o relaxamento e a concentração, disse que essas duas técnicas
devem ser utilizadas com moderação. Quando queremos criar misdirection por meio da concentração
e/ou relaxamento, é preciso tomar cuidado para que a plateia não desconfie que caiu em uma
“armadilha”, ou seja, a dose de concentração e/ou relaxamento deve ser a mínima possível. Tão pequena
que, se fosse utilizada um pouco menos, o segredo seria exposto.
Ao contrário, quando se trata de misdirection mental, deve-se utilizar a maior intensidade possível. A
mente dos espectadores deve sempre estar longe do caminho correto, aquele que leva ao segredo. Quanto
mais longe, melhor. Logo, quanto mais misdirection mental, melhor. Procure sempre estruturar cada
número de seu repertório de forma que a plateia sempre faça a pergunta errada e, assim, por mais que
reconstruam as pistas, jamais chegarão ao segredo.

8.3 Naturalidade

Dai Vernon disse: “Seja natural”.86 Todos os mágicos ouvem que é preciso ser natural, que é preciso
agir com naturalidade. Mas afinal, o que é ser natural?
Ser natural é fazer os movimentos secretos como se fizesse qualquer outro tipo de movimento. É
preciso compreender a própria linguagem corporal para os movimentos secretos serem corretamente
inseridos nesse padrão, e a plateia não perceber a diferença entre os movimentos secretos e os
movimentos comuns. A frase de Vernon, apesar de curta, é bastante significativa.
Todas as técnicas, sem exceção, precisam ser naturais. Basta um simples movimento (como o
empalme de uma moeda) não ser natural para rapidamente ele ser detectado pelos olhos dos
espectadores. Nesse caso, a plateia imediatamente foca a atenção no ponto onde o mágico não desejava,
atrapalhando completamente a tática de controle da atenção e destruindo a atmosfera mágica.
Alguns mágicos acreditam que a naturalidade é uma característica nata, que você pode ou não possuir.
Isso é um grande mito! A naturalidade é uma técnica que precisa ser praticada para ser adquirida. Não
duvido que alguns podem ter uma maior facilidade em ser natural, mas tenho certeza de que, com o
treinamento correto, todos conseguem agir naturalmente.
Vale apontar o frequente caso em que um mágico, entusiasmado com o sucesso dos números
apresentados por outro, copia a performance desse e executa os números exatamente da mesma forma. O
problema é que os movimentos de uma determinada pessoa podem não ser compatíveis com a dinâmica
corporal de outra. Lembre-se: o que é natural para um indivíduo pode não ser para outro. A
linguagem corporal das pessoas é diferente! Essa é uma importante lição que serve para explicar por que
mágicos plagiadores de rotinas tendem ao fracasso. Da mesma forma que um comediante não deve contar
piadas exatamente como outro, e que uma banda de música não deve tocar exatamente como outra, um
mágico também não deve executar números exatamente como outro. É tudo uma questão de
compatibilidade. Compatibilidade entre o que você apresenta e quem você é.

Espelhamento

O “espelhamento” é uma técnica utilizada para evitar que uma ação se torne um centro de interesse.
Quando uma ação é independente, isto é, quando uma mão se move sozinha independente de outra, o
movimento imediatamente chama atenção da plateia. Quando as ações são espelhadas, ou seja, quando as
duas mãos executam o mesmo movimento simultaneamente, a atenção da plateia é dividida entre os dois
movimentos ou até mesmo diminuída. Dessa forma, o espelhamento é uma técnica diretamente
relacionada à naturalidade.
Sabendo disso, podemos ensaiar rotinas espelhando as ações que desejamos não ser percebidas pela
plateia. Tommy Wonder, por exemplo, fazia uso do espelhamento para trocar um baralho por outro, sem
que a plateia percebesse. Tommy ficava com o baralho em sua mão esquerda e, em um momento de off-
beat, introduzia ambas as mãos no bolso do paletó. A mão esquerda largava o baralho A e a mão direita
pegava um baralho B. As mãos saíam do bolso e voltavam à posição inicial, como se nada tivesse
ocorrido.87 É claro que, se a mão direita ficasse parada e apenas a mão esquerda fosse para o bolso
efetuar a troca, esse movimento despertaria a atenção da plateia. Quando a ação é espelhada, ela parece
ser mais casual.

8.4 Estrutura

Estrutura é uma técnica?

Na Seção 6.1, examinamos os elementos de um número de mágica. Veja a figura 3.1 e lembre que a
“estrutura” foi definida como um desses elementos. O leitor deve estar se perguntando por que incluir
essa seção dentro de um capítulo sobre técnicas não mecânicas que, na verdade, pertence ao “método” de
um número de mágica e não à “estrutura”. Bem, a verdade é que a estrutura está intimamente ligada ao
método, como a linha número 10 da figura 2.2 mesmo explica. Apesar de ter considerado a estrutura um
elemento à parte na figura 3.1, ainda vejo uma grande semelhança entre o estudo da estrutura e o estudo
de outras técnicas não mecâncias. Por esse motivo, resolvi incluir uma seção exclusiva sobre a estrutura
dentro do capítulo sobre técnicas não mecânicas.

A estrutura de um número

Como disse muitas palavras atrás, mesmo que a parte técnica do número esteja perfeita, é ainda
possível a plateia descobrir como o número foi feito. Usando as terminologias da seção 5.2, podemos
dizer que existe a possibilidade de a plateia “acreditar” no método, mas “não se convencer” do
fenômeno. A estrutura, a apresentação e as técnicas, como o misdirection, todos servem para atuar no
psicológico da plateia e garantir que o número tenha sucesso. Porém, o que diferencia a estrutura desses
demais fatores também psicológicos é que a estrutura existe antes mesmo do momento de
performance. Todos os outros fatores que interferem na psique da plateia só podem existir durante a
performance: não é possível intensificar ou relaxar a concentração da plateia sem estar executando algum
número, muito menos criar um momento de off-beat. A estrutura, por sua vez, existe antes mesmo do
momento de performance, pois ela é inerente à forma como o número foi construído e não como o número
é apresentado.
Quando os mágicos tentam tornar seus números mais fortes, na maioria das vezes eles investigam o
que há de errado com as técnicas mecânicas ou então com o misdirection. Se a plateia não está
convencida de que um objeto sumiu, por exemplo, o mágico logo procura melhorar sua técnica mecânica
(um empalme por exemplo) ou então melhorar seu desvio de atenção. Muitas vezes, porém, o problema
pode estar na forma como o número foi construído, e uma alteração nas técnicas seria ineficaz. A verdade
é que um número ruim tem grande probabilidade de ser um número mal estruturado. Fazendo uma
analogia, podemos pensar que nada adianta ter o melhor tijolo para construir uma casa, se as pilastras e
as vigas principais forem fracas. Com certeza, a casa vai ser frágil. Justamente por isso, talvez esse seja
um dos assuntos mais importantes deste livro.
Vamos analisar um exemplo prático. Na seção 7.3.2, que discute o “lapso temporal” e o “intervalo de
importância”, comentei sobre dois números: a desaparição de uma moeda e a desaparição de uma gaiola
de passarinho.
A diferença entre o exemplo da desaparição da gaiola e o exemplo da desaparição da moeda é que
esse exige uma reestruturação, enquanto que aquele não. Essa análise é um tanto sutil, pois o problema
incide no pensamento da plateia, depois que o objeto sumiu. Fazer uma moeda sumir por falso depósito
implica uma natural desconfiança do público nas mãos do mágico. Se esse mostra que a esquerda está
vazia, a atenção da plateia se dirige para a mão direita, por melhor que tenha sido sua técnica mecânica e
não mecânica — o falso depósito e o misdirection respectivamente. Acreditar que um falso depósito e
um bom direcionamento da atenção do público são suficientes para não se preocupar mais com a mão
direita é uma grande ingenuidade. No caso da desaparição da gaiola, o caso é completamente diferente.
Por fazer uso de um método distinto, a gaiola desaparece sem deixar vestígio algum. Ela simplesmente
passa a não existir no planeta. Tudo é feito de mangas arregaçadas. Ao contrário de desaparecer uma
moeda por meio de um empalme, o número de desaparição da gaiola termina sem deixar suspeitas. Em
jargão mágico, you end clean.
Como, então, solucionar o problema de desaparição da moeda? Há duas formas: mudar o método ou
reestruturar o número. Sugestões para mudança do método: sleeving, topit, Pentium Vanish, Pitch and
Ditch, reel, pull, etc. Quem sabe até uma “lavagem de mão” resolveria. Sugestões para reestruturar o
número: incluir outro objeto no número, como uma caneta por exemplo, que serviria de elemento
adicional de interesse. Isso deixaria a mão direita ocupada e com algum propósito plausível de ficar
fechada. Outra sugestão seria simular a necessidade de um isqueiro, que está no bolso, após a
transferência falsa. Ao retirar o isqueiro com a mão direita, a moeda pode ser secretamente depositada
no bolso, sem qualquer vestígio.
Note que, teoricamente, a estrutura do número é feita antes do momento da performance. O mágico
apresenta o número já sabendo que vai precisar de um isqueiro, que está propositalmente no bolso.
Vamos ver outro exemplo. Na Seção 6.4, dei o exemplo de uma rotina com bolas de espuma. Na
apresentação da maioria dos mágicos, uma bola desaparece segundos depois de um falso depósito. Como
um falso depósito com bolas de espuma, mesmo que bem feito, dificilmente é um movimento
completamente natural, o espectador pode ter ideia do que ocorreu, pois ele conecta o momento em que a
bola sumiu ao movimento que achou levemente estranho. Se não houver outras estratégias para despistar
o raciocínio do espectador, o efeito mágico se enfraquece.
Sabendo disso, estruturei o número de forma que todos os passos de falso depósito fossem cobertos
com outras ações, tornando simplesmente impossível da plateia perceber minha mecânica. Veja:

1. Primeiro falso depósito: coloco uma bola em cada mão e elas terminam juntas, na mesma mão.
Quando minha mão direita faz o falso depósito na mão esquerda, ela imediatamente, com a bola
empalmada, pega a segunda bola na mesa com os dedos indicador e polegar. Nesse momento, a
atenção da plateia está na segunda bola e não na minha mão direita, que está fechada. A segunda
bola também fica dentro da mão direita, junto com a primeira. Quando eu abro minhas duas mãos,
as duas bolas estão juntas;
2. Segundo falso depósito: coloco uma bola na minha mão e a outra na mão do espectador. A minha
bola some e aparece na dobra do braço dele. Como no primeiro caso, logo após minha mão direita
fazer o falso depósito na mão esquerda, ela imediatamente pega a segunda bola na mesa com o
indicador e o polegar. Minha mão direita tem motivo suficiente para ficar fechada, pois ela está
segurando a segunda bola apenas com os dois dedos e mostrando-a à plateia. Agora, a mão direita
larga a segunda bola na mão esquerda do espectador e pede para ele fechar a mão e dobrar o braço.
Quando eu largo a segunda bola na mão do espectador, acabo de perder o motivo que tinha para
minha mão direita ficar fechada, segurando secretamente uma das bolas. Por isso, ao largar uma
bola na mão do espectador, minha mão direita vai imediatamente em direção a seu braço e deposita
a bola empalmada na dobra do braço. Como já foi dito, isso tudo é feito ao pedir para ele dobrar o
braço;
3. Terceiro falso depósito: uma das bolas fica na mão do espectador, e a outra fica comigo. Eu simulo
empurrar a bola que está comigo contra o dorso da mão do espectador e, no final, as duas aparecem
juntas. Nessa etapa, eu já estou com a terceira bola. A plateia vê apenas duas, mas minha mão
direita está com uma terceira empalmada. Cada mão segura uma bola com o indicador e o polegar.
Novamente, essa posição é um motivo plausível para a mão direita ficar fechada, com uma bola
secretamente escondida. Quando coloco a bola da mão direita na mão do espectador, adiciono
secretamente a bola empalmada. Agora o espectador está segurando duas bolas, mas acha que é
apenas uma. Para fazer a bola que está comigo desaparecer por meio de um falso depósito, teria
que deixar a bola empalmada na mão direita. Mas seria muito difícil justificar a mão direita estar
fechada, porque agora não tenho nenhuma bola disponível para ficar segurando. A solução que criei
foi fazer o falso depósito da mão direita para a mão esquerda e, imediatamente, segurar o antebraço
do espectador (antebraço esquerdo) com minha mão direita. Para a plateia eu estou segurando
firmemente o antebraço para mantê-lo parado enquanto tento pressionar a bola para atravessar a
mão do espectador. Mas obviamente, isso é apenas um motivo para minha mão direita não ficar à
toa, em uma posição que não seria nada natural.

8.5 Timing

Timing é um termo em inglês, porém universalmente utilizado pelos mágicos. Por ser um conceito
bem subjetivo, é difícil explicar em palavras. Uma definição simples, mas eficiente, é a feita por
Ascanio:
Timing é a técnica de se executar cada ação no momento correto, com a intensidade correta, e demonstrando o nível de interesse
correto.88

Para compreender a importância dessa técnica, basta refletir a respeito do fato de que um número bem
executado é, entre outros fatores, um número em que cada movimento foi executado em seu momento
correto.
Repare que incluí o timing como a última técnica deste capítulo. O motivo pelo qual optei por isso é
que, para se compreender o uso prático do timing, é preciso, antes, compreender a teoria do controle da
atenção e a teoria do misdirection, bem como alguns conceitos derivados de ambas, como: centro de
interesse, off-beat, monotonicidade, naturalidade, etc.
Ter um bom timing é compreender exatamente os momentos de concentração e de relaxamento (off-
beat) do show, de modo que seja possível executar os movimentos no momento certo, não apenas os
movimentos secretos, mas também os que devem ser percebidos pela plateia, para que ela absorva cada
fonte de informação. Ter um bom timing é compreender qual o grau de importância que cada movimento
exige, de forma a criar exatamente a dose de concentração ou de relaxamento desejada; é saber coordenar
o momento de fala, o momento de silêncio e o momento de executar um movimento secreto, fazendo com
que tudo pareça ser natural.
Resumindo, de nada adianta dominar outras técnicas, mecânicas e não mecânicas, sem ter um bom
timing. É ele que garante a coordenação de tudo, de modo a não existir nenhuma “peça” solta, e a
sincronia total. Executar um número fora do timing é como cantar uma música fora do ritmo.

Interação conjunta entre as técnicas não mecânicas

Embora intuitivo, vale lembrar que todas as técnicas e conceitos apresentados neste capítulo devem
funcionar conjuntamente. É bastante complicado analisar uma delas isoladamente. A abordagem que
escolhi fazer neste livro, separando cada conceito em seções, é uma preocupação muito mais didática do
que realista. Na prática, deve-se dominar todas essas técnicas e compreender todos os conceitos. Dessa
forma, fica até difícil pensar em um deles separado dos demais. Como pensar em desviar a atenção sem
pensar em como controlá-la? Como pensar na estrutura de um número de mágica sem ter em mente o
timing do número? Como ser natural, sem ter em mente todas as outras técnicas? Impossível.
Portanto, peço que o leitor raciocine a respeito deste capítulo, sempre tendo em mente a interação de
cada técnica com as demais e a consequência final no número, que é o maior objetivo.

Notas:

76 Dariel Fitzkee, Magic by Misdirection, página 185. Tradução minha.


77 Essa é a definição genérica de misdirection feita pelos livros introdutórios. Comoveremos adiante, existe um problema conceitual nessa
definição.
78 A palavra “convencidos” se refere à semântica adotada na seção 5.2.
79 Quando se trata de cativar a atenção da plateia por meio da estética, o bonito e o feio são interessantes. Basta fugir do comum, fugir do
normal.
80 É óbvio que isso só faz sentido quando o mágico consegue enxergar com nitidez seus espectadores, geralmente em uma situação de close-
up. Em um show com muitas pessoas, ainda mais se a plateia estiver mal iluminada, Fica impossível para o mágico perceber para onde as
pessoas estão olhando. Apesar de não conseguir enxergar cada espectador, o mágico pode, da mesma forma, planejar suas ações a fim de
conduzir o olhar da plateia.
81 Gag é uma palavra em inglês, que já virou um jargão comum entre os mágicos, inclusive brasileiros. Uma gag pode ser uma frase, uma
piada, uma situação, uma pergunta, uma imagem ou qualquer perspicácia de humor.
82 False deal é um termo universalmente utilizado não apenas por mágicos, mas também por aficionados por trapaças com cartas. Como o
nome já indica, consiste em falsamente distribuir cartas para os jogadores, isto é, manter a aparência de que as cartas estão sempre saindo do
topo do baralho. Na verdade, as cartas podem ser distribuídas de uma segunda posição (second deal), da última posição (bottom deal), ou de
alguma outra posição no centro do baralho (center deal).
83 A frase original é “Once they think it’s a gag, they close off their brains”.
84 O force em cruz é um dos métodos mais fáceis de se forçar uma carta. Apesar de sua simplicidade, é ainda utilizado por muitos mágicos,
inclusive pelo Michael Ammar. Para mais detalhes sobre esse force, consulte o livro do Roberto Giobbi Card College, volume 1, página 85.
85 Em inglês, é utilizado o termo thematic misdirection.
86 A frase original é “Be natural”.
87 Comentei sobre esse procedimento anteriormente, na página 116. Quando a atenção for retomada, é preciso voltar à mesma configuração
visual que existia antes. Dessa forma, a plateia não percebe que ocorreu algo durante o momento de off-beat.
88 The Structural Conception of Magic, página 60.
Parte III
Por Fora do Número de Mágica
Capítulo 9
Apresentação de um número

9.1 O Processo de comunicação

Para entender a dinâmica entre o que o mágico faz e o que a plateia percebe e para entender as
técnicas e os métodos utilizados para interferir nesse processo, é importante estudar o complexo ato da
comunicação, que compreende um emissor, uma mensagem, um receptor, um canal, um código e um
referente:89
Emissor — aquele que transmite a mensagem codificada, dando início ao processo de comunicação;
Mensagem — a informação contida, o conteúdo. Pode ser: a descrição de fatos, ideias, emoções, etc;
Receptor — aquele que recebe a mensagem e a decodifica, ou seja, que a compreende; Código —
conjunto de signos utilizados na transmissão e na recepção da mensagem; Canal — meio físico pelo qual
o emissor envia a mensagem ao receptor. Pode ser: o oral (a fala), o escrito (carta), o gestual
(movimentos); Referente — assunto ao qual a mensagem se refere.
Basicamente, é o processo pelo qual um emissor envia uma mensagem codificada a um receptor por
meio de um canal. O receptor recebe e decodifica a mensagem. A partir daí, ele envia uma resposta ao
emissor a qual, em termos técnicos, é chamada de feedback. A figura 9.1 mostra isso com detalhes.
O feedback, ou resposta, pode ser comprometido ou impedido por um ruído na comunicação. Ruído é
tudo que torna o processo de comunicação deficiente. Ele pode ocorrer com qualquer um dos elementos
do processo: emissor, receptor, mensagem, código, canal e referente. Quanto menos ruído houver no
processo, mais eficiente ele será.

Figura 9.1: O processo de comunicação.


Fonte: Elaboração própria.

9.2 O Processo de comunicação na Arte Mágica

Bem, o que isso tem a ver com a Arte Mágica? Tudo. Como foi discutido no capítulo 1, fazer arte é
criar, é expressar aquilo que se cria. Arte é a expressão da criatividade em qualquer forma, seja na
pintura, na escultura, na literatura, na dança, na fotografia ou em um número de mágica. Logo, qualquer
forma de arte é um processo de comunicação.
A maior prova de que a execução de um número de mágica é um ato de comunicação é o fato de que é
possível interagir com pessoas independente de diferenças etárias, culturais e linguísticas, apenas por
meio de um número de mágica. É possível transmitir ideias, passar mensagens e causar emoções sem
dizer uma única palavra. Cada número executado constitui um processo de comunicação separado.
No caso específico da Arte Mágica, os elementos do processo de comunicação podem ser definidos
como:
Emissor — o mágico;
Mensagem — o propósito de cada número de mágica (ver figura 6.1);
Receptor — a plateia;

Código — as palavras, os gestos, as expressões faciais e a linguagem corporal do mágico;90


Canal — o número de mágica;
Referente — assunto ao qual o número de mágica se refere.
Utilizando essas definições, pode-se adaptar a figura 9.1. Veja agora a figura 9.2.

Figura 9.2: O processo de comunicação no caso específico da Arte Mágica.


Fonte: Elaboração própria.

O que você, mágico e emissor do processo, faz é percebido pela plateia por sua linguagem verbal, o
que você fala, e não verbal, sua expressão facial e sua linguagem corporal. O código utilizado pelo
mágico não é apenas a palavra, mas também a simbologia. Os sinais não verbais estão carregados de
emoções e atitudes interpessoais.
O canal, por meio do qual a mensagem é enviada à plateia (receptor) é o próprio número de mágica.
A plateia vai testemunhar o número de mágica e vai decodificar as palavras e a linguagem corporal
do mágico, para absorver a informação, ou seja, aquilo que ele quis transmitir com seu número. A
informação é justamente seu propósito, como discutido na Seção 6.2.3.
Em um exemplo prático, lembre do número em que David Copperfield atravessa a Muralha da China
(citado anteriormente na Seção 6.2.3). Vamos tentar situar os elementos da comunicação: Emissor —
David Copperfield; Mensagem — demonstração; Receptor — a plateia presente no local e todos os
tele-espectadores que assistiram pela televisão; Código — os gestos, a movimentação e a linguagem
corporal de Copperfield; Canal — o número de mágica (atravessar a Muralha da China); Referente —
Muralha da China.
No número “A Mágica da Vida” (rotina com bolas de espuma explicada na Seção 6.4), os elementos
do processo de comunicação podem ser definidos como: Emissor — o mágico; Mensagem — mostrar
como dois objetos inanimados podem ter características de seres vivos; Receptor — o espectador
voluntário e toda a plateia que assiste ao número; Código — as palavras, os gestos, a movimentação e a
linguagem corporal do mágico; Canal — o número de mágica (“A Mágica da Vida”); Referente —
objetos com características de seres vivos.
Após ter recebido a mensagem, a plateia dá seu feedback, que será a reação ao que presenciou. Cabe
ao mágico analisar o feedback e deduzir se a mensagem foi compreendida. Você conseguiu transmitir o
que queria? A reação obtida foi compatível com a esperada? Sua plateia riu, chorou ou ficou calada?
Na verdade, a análise do feedback não pode ser resumida apenas à reação física da plateia (risadas,
lágrimas, espanto, silêncio, etc). A reação psicológica da plateia (reação interna de cada espectador)
é de fundamental importância! Na seção 5.2 foram discutidos os conceitos de “convencer” e
“acreditar”. Para lembrar o leitor, segue abaixo um trecho importante da Seção 5.2: (...) quando se trata
do segredo (que é o método), a plateia deve “acreditar” que não existe nenhum. Quando se trata do
fenômeno, ela deve estar apenas “convencida” de sua exiência. Em outras palavras, o mágico deve ser
capaz de simular a inexistência total de qualquer artifício secreto que possa provocar o fenômeno. Deve
ser capaz de fazer a plateia não duvidar do efeito e muito menos questionar sua falsidade. Porém, em
momento algum, a plateia deve crer na veracidade dos poderes simulados e “acreditar” que o mágico é
uma espécie de paranormal.
Retomando esses conceitos, pode-se concluir o quão importante é garantir um bom processo de
comunicação com a plateia. Se houver ruídos, a plateia pode, por exemplo, indevidamente “acreditar” no
fenômeno, em vez de, apenas, se “convencer” dele. Como já foi dito à Seção 6.2.3, não queremos, por
exemplo, que a plateia “acredite” que David Copperfield é algum tipo de fantasma que atravessa
paredes. Queremos somente que a plateia se “convença” do fenômeno: de que, naquele momento, ele
conseguiu atravessar a Muralha da China. Essa reação psicológica da plateia deve ser interpretada por
meio do feedback que o público (receptor do processo) dá ao mágico (emissor do processo).
Para que um efeito mágico tenha sucesso, é importante definir com clareza esses elementos da
comunicação e compreender o que se passa na mente da plateia. O propósito (informação da mensagem)
está definido? O código está limpo, sem ruídos? O receptor compreendeu sua mensagem? Qual foi o
feedback?
Como o feedback é a última etapa do processo, é possível definir o objetivo maior do mágico:
garantir o feedback desejado. Se o mágico consegue despertar na plateia a reação que esperava,
então ele conseguiu eliminar ruídos, seu número foi bom e seu propósito foi claro. O objetivo foi
alcançado.

9.3 Usando scripts

O script de um número de mágica é basicamente o diálogo entre o mágico e determinado espectador


ou a plateia, que vai ocorrer durante a execução do efeito. Para alguns, o objetivo de um script é apenas
definir a parte verbal do número e evitar falar coisas como “hum...” e “é...”, quando se está diante de uma
plateia.
Sim, um script também tem esse objetivo. Porém, sua finalidade é muito maior que isso: o script é
fundamental para um bom processo de comunicação (ver figura 9.2). Além de auxiliar a eliminação de
ruídos e garantir que o espectador interprete com mais exatidão o que você está transmitindo, o script
clareia os pensamentos a respeito do efeito e deixa seu número mais poderoso. Ele ajuda a compreensão
e a visualização do fenômeno que se pretende provar, além de permitir a verificação de sua prova, se ela
é eficaz como você acha que é.
Vários aspectos podem interferir na compreensão de um ato mágico pela plateia: o objetivo do
mágico, as técnicas de maximização utilizadas, as técnicas de controle de atenção, a linguagem verbal e a
não verbal, etc. Porém, um dos que mais interferem nesse processo é a interpretação que o próprio
mágico faz de suas ações. Lembre-se: o que você interpreta de suas ações é essencial para determinar o
que a plateia vai interpretar delas. Tendo em mente o processo de comunicação, tal como ilustrado pela
figura 9.2, pode-se imaginar que um ruído no emissor (uma má interpretação do mágico do que ele
mesmo está fazendo) compromete todo o processo de comunicação (má interpretação do número de
mágica pela plateia). Um script evita muito o surgimento de ruídos no emissor e na mensagem e, assim,
garantir um processo de comunicação eficiente!
John Lovick disse uma coisa interessante: se você tiver costume de seguir um script e filmar seus
shows, vai ser mais fácil descobrir o que funciona com a plateia e o que não funciona. Você consegue
acompanhar, passo a passo, o que falou e fez e pode identificar o que deve permanecer e o que deve ser
alterado.
Não quero dizer, de forma alguma, que você deve seguir seu script de “cabo a rabo”. Se você fizer
isso, a plateia vai perceber, por exemplo, a estrutura mecânica da frase, a falta de naturalidade no
diálogo. Duvido que você nunca tenha participado de alguma palestra na qual o palestrante parecia um
robô falando. Já vi isso milhares de vezes; é entediante.
Um script existe exatamente para evitar isso. E ele tanto define e marca os pontos importantes do
diálogo como um todo, como também permite que se fuja da ideia central, para depois voltar. Imagine se
você não tivesse a mínima ideia do que falar e inventasse alguma coisa de improviso. Caso ocorresse
alguma externalidade, algum espectador inconveniente da plateia atrapalhasse o show ou algo inesperado
com os equipamentos, você perderia a concentração e não teria a mínima noção de como voltar ao
assunto. Mas com um script, você ganha a segurança de poder flexibilizar o diálogo e sempre voltar ao
assunto principal. Fica mais fácil falar com espontaneidade. É como se você quisesse sair de um ponto A
e chegar a um ponto B, tendo que passar por situações imprevistas e desconhecidas que podem variar a
cada show. Mas, com o script, jamais o deixariam perdido.
O uso do script permite que o mágico se encontre sempre, mesmo diante de situações inesperadas. O
script não interfere na espontaneidade, e a plateia deve sentir como se fosse a primeira vez que você
utilizasse aquelas palavras. Ela deve sentir o frescor de seu diálogo, mesmo que ele seja de longa data.
Se você duvida que isso seja possível, lembre que na melhor cena do seu filme favorito e no show de
Stand Up Comedy que você mais gosta os atores utilizaram um script. O que eles falam, apesar de
parecer espontâneo, já estava pré-definido e decorado há bastante tempo.
Resumindo, um script não serve somente para criar histórias para cada número em seu repertório. Ele
serve, principalmente, para traçar um objetivo e permitir que você o alcance mais facilmente. Faz com
que o processo de comunicação (descrito na seção anterior) fique livre de ruídos e falhas.
Um script deve ser escrito do ponto de vista da plateia. É o que a plateia percebe de seu número. Se
uma determinada ação está no script, é porque a plateia a viu ou pelo menos deveria ter visto.
No apêndice B, disponibilizei meus scripts utilizados nos números que comentei ao longo do livro.
Como disse na seção 5.6, não vejo problema algum em pegar ideias de apresentação, de abordagens e de
efeitos mágicos de outros artistas. Grande parte das estruturas de números que ficaram famosos são
baseadas em ideias de outros mágicos (dei o exemplo do Baralho Invisível na seção 5.6). Se você
aproveitar alguma coisa de meus scripts, ótimo! Vou ficar feliz. Mas por favor, não cometa plágio, não
copie. Plágios de script são facilmente percebidos. Invista em suas ideias; será muito mais proveitoso.
Eu garanto! Lembre-se de que o script deve sempre estar de acordo com a personalidade do mágico.
Copiar o script de outro mágico é o caminho para o fracasso. É como tentar ser mais elegante vestindo a
roupa de outra pessoa. Uma roupa que fica bonita em alguém pode não ficar bonita em você, pois é muito
provável que você tenha um porte físico diferente e um estilo de se vestir diferente.

9.3.1 O Script silencioso

Como foi dito páginas atrás, o mágico deve ser um ator. Porém, não é tão simples convencer pessoas
de que você é um mágico, capaz de realizar fenômenos impossíveis. Não surpreendentemente, uma das
maiores dificuldades do mágico é justamente atuar.
O fator que mais contribui para a falta de credibilidade em um ato de mágica é a incompatibilidade
entre o que o mágico fala e o que ele sente. Podemos perceber, na prática, inúmeros exemplos nos quais o
mágico não expressa o que ele fala por meio de sua expressão facial e da linguagem corporal. É como
dançar fora do ritmo da música. Isso é muito comum, pois a preocupação maior é, injustamente, a
linguagem verbal, esquecendo-se que, na verdade, em torno de 80% da comunicação ocorre por meio da
linguagem não verbal. Quando se tem em mente apenas o que vai ser falado, é possível cair na armadilha
de ser afetado pelos sentimentos e sensações do momento, os quais, muitas vezes, são completamente
diferentes dos sentimentos e sensações que o número está propondo. Logo vem a pergunta: como dar
credibilidade ao número para mostrar à plateia que você está fazendo algo “realmente” verdadeiro?
O script silencioso é uma técnica que resolve consideravelmente esse problema. É muito utilizada
por atores, porém pouco conhecida pelos mágicos. Basicamente, a ideia é escrever um script também
para seus pensamentos, em vez de se preocupar apenas com sua fala, como no script usual. Eu aprendi o
script silencioso quando fazia aulas de teatro e só depois disso descobri que já existiam alguns registros
dessa técnica no meio mágico.
Quando temos definido um script para o que vamos pensar, garantimos que as expressões corporais
vão ser coerentes com a fala e com os gestos. Logo, em um número de mentalismo, por exemplo, o
mágico vai realmente expressar sua própria sensação de mistério e de certeza (ou de incerteza) sobre o
futuro. Em um número de levitação, o mágico vai expressar seu próprio encanto com a maravilha de estar
fazendo levitar um objeto. Nada adiantaria fazer um número de mentalismo, se nem mesmo você acredita
no que está ocorrendo ou fazer um objeto levitar, se que nem você acredita que é capaz de fazer algo
levitar sem um fio.
Dessa forma, o script silencioso predefine o pensamento do mágico em determinados momentos do
ato, de forma a evitar o distanciamento entre as sensações que o número deveria passar e o que o mágico
está, de fato, sentindo.
Outra vantagem do script silencioso é a maior segurança que ele propicia em possíveis adversidades
durante o show. Quando ocorre algum fator exógeno, o raciocínio do mágico pode ser perturbado e,
muitas vezes, ele pode perder o foco da parte emocional do número. Se um espectador inconveniente
atrapalhar a performance ou algum equipamento cair no chão e quebrar, é muito provável que o mágico
perca o foco do pensamento. O script silencioso garante a você saber exatamente o que pensar e quando
pensar, independente de condições adversas.
Para exemplificar na prática, vou citar dois números já utilizados de exemplos ao longo do livro e
escreverei alguns trechos de um possível script silencioso. Como exercício, deixo para o leitor a tarefa
de escrever o script silencioso completo.
No número “A Mágica da Vida”, há uma parte em que o mágico tenta passar invisivelmente uma
bolinha de sua mão para a mão do espectador, mas, na verdade, sua bolinha vai parar presa entre o braço
e o ante-braço desse espectador. Para facilitar a compreensão, esse momento ocorre exatamente no
Apêndice B.1, no trecho “Ana abre a mão mas só aparece uma bola. Quando ela estende o braço ela
descobre que a outra bola está na dobra do braço dela!”. Quando apresento o número e pela forma como
está escrito o script, esse acontecimento deve ser inesperado. Era como se algo realmente tivesse dado
errado. Logo, meu script silencioso é: Uai, cadê a bolinha? Cadê? Eita, tá no cotovelo dela! É... alguma
coisa deu errado aqui...
Isso é exatamente o que eu estou treinado para pensar exatamente no momento em que Ana abre as
mãos e não encontra as duas bolinhas dentro.
No número “Memória Extraordinária”, ao fingir estar procurando a carta após o espectador tê-la
mudado de lugar, um bom script silencioso seria: Cadê a carta... 5 de paus, 9 de copas, 4 de ouros, valete
de paus... qual carta será que foi mudada de lugar? Será que foi o oito de ouros? Não, acho que não. Ah,
já sei!
“Falar” esse trecho mentalmente garante que você vai apresentar uma expressão facial como se
realmente estivesse procurando alguma falha na ordem das cartas. Se o espectador não se convencer de
que você realmente memorizou a ordem das cartas, o número inteiro vai por água abaixo: ele pode não
saber como você encontrou a carta escolhida, mas vai ter certeza de que não foi por meio de sua
memória.

9.4 A Pirâmide Mágica

No capítulo 6, analisamos os vários elementos que, a meu ver, compõem um número de mágica. Como
foi dito, todos os elementos são, no conjunto, essenciais para que o número de mágica tenha sucesso.
Sozinhos, eles seriam pouco poderosos.
Entretanto, é fácil perceber que nem sempre existe, na performance dos mágicos, um completo
equilíbrio entre esses elementos. Muitas vezes, um deles se destaca. Por exemplo, existem mágicos que
são conhecidos pela genialidade do “método”, como era EdMarlo, um estudioso de cartomagia. Seus
números são conhecidos, ainda hoje, pela técnica revolucionária. Outros mágicos são conhecidos pela
“apresentação”, como é o caso de Michael Finney. Existem ainda aqueles que são conhecidos pela
“personagem”, como por exemplo, Rudy Coby. Enfim, apesar de todos os mágicos (os mágicos
competentes) dependerem do conjunto dos elementos, muitas vezes um desses elementos acaba tendo um
maior destaque perante os demais. O que se destaca é justamente o determinante do estilo de cada um.
Isso gera a dúvida que a maioria dos estudantes da Arte Mágica costuma ter: em qual dos elementos devo
investir mais?
Essa pergunta é muito delicada e não cabe a ninguém tentar respondê-la. Acredito que é muito mais
uma questão de intuição do que de regra. Depende de cada um.
Não obstante, algumas teorias formulam uma ordem hierárquica para os elementos, ou seja, definem
níveis de importância entre eles. É claro que os elementos não são sempre fixos, variam de acordo com a
concepção de cada mágico, como foi dito no capítulo 2. A teoria que fundamenta esses níveis de
importância é chamada de “Pirâmide Mágica”.
Há vários modelos de pirâmides. Porém, um dos modelos com o qual eu mais me identifico é o
definido por Juan Tamariz, representado na figura 9.3.91 Nada impede que você procure outros modelos
de pirâmide, como por exemplo, o modelo do Roberto Giobbi.92 Reforço que são apenas modelos, ou
seja, não são representações fiéis da realidade. Servem mais para reflexão do que para ser estritamente
obedecido.

Figura 9.3: Os cinco pisos da Pirâmide Mágica, segundo Juan Tamariz.


Fonte: Elaboração própria.

A pirâmide de Juan Tamariz é formada por cinco pisos e cinco elementos: apresentação, emoções,
método, efeito e personagem. Vamos analisar cada um deles, em ordem crescente de importância: Quinto
piso : apresentação. É o que a plateia vê. Aqui entram os acessórios, a música, o cenário, o diálogo, as
gags, as cores, etc. É como se faz. Quarto piso : emoções. É o que a plateia sente. É o domínio da curva
de interesse (ver seção 7.4) e o uso correto das pausas, etc. Assim como o quinto piso, é também como
se faz. Terceiro piso : método. Pode ser elegante, genial, impensável, invisível, bem construído, etc. O
método, como já visto na figura 2.1, é oculto à plateia. É o que a plateia não vê, mas é o que torna viável
o fenômeno impossível. É o que se faz. Segundo piso : efeito. São características do efeito: a construção,
a adequação (ao mágico, ao público e à circunstancia), o impacto (número inovador, número
revolucionário, número clássico) e o simbolismo. Assim como o terceiro piso, o efeito é o que se faz.
Primeiro piso : personagem. São características do personagem: a comunicação, a empatia, o carisma, a
potência, a presença, o mundo exterior e interior, a riqueza pessoal, a sensibilidade. O primeiro piso trata
de quem faz.
É notável que, ao contrário dos demais modelos de pirâmides, Tamariz define como primeiro piso a
personagem do mágico. Isso não significa, obviamente, que os outros pisos podem ser esquecidos: sem
eles seria impossível chegar ao topo da pirâmide! Significa apenas que, na visão de Tamariz, o mais
importante é a personagem, ou seja, como o mágico é. Cabe ao leitor concordar ou não com essa visão.
Mas mesmo discordando, vale refletir o quanto que é importante o mágico ter uma personagem
interessante, e o público gostar não só do que você faz, mas também de quem você é.
Note também que o segundo piso (que junto com o primeiro compõe a base da pirâmide) é o efeito. O
método é apenas o terceiro piso. Isso significa que, na ótica do Tamariz, o efeito do número é primordial.
De nada adianta um método elegante e revolucionário, se o efeito é fraco. O mágico precisa sempre focar
na maximização do efeito; o método é apenas um caminho para atingir esse objetivo. Faz sentido, não?

A Regra de Ascanio
O famoso Arturo de Ascanio, conhecido como “pai da cartomagia espanhola”, é autor da famosa
regra segundo a qual um número de mágica é 20% técnica e 80% apresentação. Essa crença levou muitos
mágicos a crerem no ditado “Não existe número ruim. Existe número mal apresentado.”93
Volte ao modelo da pirâmide de Juan Tamariz e veja que a regra de Ascanio, de acordo com Tamariz,
não é válida. Para melhorar um número, não basta investir em apresentação. A apresentação, de acordo
com esse modelo da pirâmide, não constitui 80% de um número. Recordo-me de uma pergunta do mágico
Henry Vargas ao Tamariz feita no FLASOMA 2009, questionando a compatibilidade de seu modelo de
pirâmide com a tal regra de Ascanio. A pergunta fazia total sentido, ainda mais se lembrarmos que
Tamariz era discípulo de Ascanio. A resposta foi exata: Tamariz simplesmente não concordava. Lembro,
inclusive, de Tamariz fazendo uma analogia com um prato de comida: o que adianta servir um prato
belíssimo (uma ótima apresentação — cores, luzes, música) se o gosto da comida é ruim (o efeito é ruim,
com pouco impacto)?
Não pretendo fazer o leitor concordar ou discordar dessa teoria. A reflexão, por si só, já é bastante
construtiva.

Um segundo modelo de pirâmide

Figura 9.4: O modelo de pirâmide mágica segundo Henry Vargas.

Fonte: Elaboração própria.

Em seu artigo “A Fenomenologia da Arte Mágica”, Henry Vargas comenta a respeito de um modelo de
pirâmide em estrutura tridimensional, fruto de inspiração da famosa obra de Hegel, “Fenomenologia do
Espírito”.94 O interessante a respeito desse modelo de pirâmide é que não pressupõe qualquer nível
hierárquico.
Relembre que, no modelo anterior (aquele proposto por Tamariz), os elementos eram todos
importantes para a formação da unidade final (o número de mágica). Porém, ainda havia hierarquia entre
eles, de tal forma que o “personagem” é mais importante, por exemplo, que a “apresentação”. Agora, ao
contrário, não existe hierarquia alguma. Isso pode ser percebido na própria concepção geométrica da
pirâmide, tal como reporta a figura 9.4.
Note que cada um dos elementos95 — pessoa, método e efeito — reparte uma mesma porção da
pirâmide inteira, a Arte Mágica. Nesse modelo, não há o conceito de “topo” e “base”. Tal como
reportado no artigo, é tudo baseado na “dialética de implicação”: os elementos se implicam e são
igualmente necessários para a formação da pirâmide inteira.

Notas:

89 Esse modelo vem sendo debatido desde os anos 70 (ver, por exemplo, Hall 2005), mas continua sendo válido para os propósitos deste livro.
90 Para compreender melhor como o mágico pode fazer uso de gestos, de expressões faciais e de sua linguagem corporal para comunicar-se
com o público, consulte o fabuloso livro Los Cinco Puntos Magicos escrito por Juan Tamariz.
91 Juan Tamariz explicou seu modelo da Pirâmide Mágica em seu Seminario sobre “El Arte de La Magia”, em Lima, Peru. A figura 9.3 é uma
réplica do desenho feito pelo próprio Tamariz em sua nota de conferência. Nenhum dos termos originais foi alterado.
92 A Pirâmide Mágica do Roberto Giobbi pode ser encontrada no volume 4 da coleção Card College, de sua autoria.
93 Logo em seguida, na seção 10.1, esse ditado será discutido de forma mais minuciosa.
94 Escrito em 1806, pelo filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel.
95 Não vou comentar a respeito de cada um desses elementos, pois eles foram discutidos no modelo anterior de pirâmide e também no
capítulo 6.
Capítulo 10
Selecionando o repertório

10.1 Números ruins

Muitos mágicos acreditam no pressuposto de que “Não existe número ruim. Existe número mal
executado”. A premissa dessa crença é o pensamento de que tudo que potencializa um número de mágica
entra em ação no momento de performance, ou seja, passa a existir depois de o número ter sido criado.
Em outras palavras, os fatores que agregam qualidade a um número de mágica não dependem da
concepção original do número, mas sim, da forma pela qual o mágico lida com a performance. Em minha
opinião, esse é um dos maiores mitos que existem na Arte Mágica. Sim, acredito que existam, de fato,
números ruins.
Como já foi mencionado na Seção 7, que discute estratégias de maximização, um número de mágica
tem um “impacto potencial” e um “impacto efetivo”, de forma que o impacto efetivo é sempre menor ou
igual ao impacto potencial. Não tenho dúvidas de que o impacto efetivo de um número pode aumentar de
acordo com a performance do mágico. Dois mágicos podem executar o mesmo número e, apenas pelo
diferencial da apresentação, conseguirem impactos distintos. Ou seja, um número de mágica pode ficar
melhor (do ponto de vista do público) se um mágico com maior habilidade de performance executá-lo.
Por outro lado, por melhor que seja a apresentação do mágico, ele jamais vai conseguir superar o
impacto potencial do número. Esse impacto é uma qualidade fixa que depende, fundamentalmente, dos
elementos que constituem o número (ver figura 2.1). Acreditar que o único fator capaz de aumentar o
impacto é a apresentação é enxergar apenas um lado da moeda. Existem outros fatores, também de crucial
importância, que estão presentes no “efeito”, no “método”, e na “estrutura” do número.96 Esses fatores
não podem ser ignorados.
Para exemplificar, analise esses dois efeitos:

1. O mágico descobre uma carta escolhida por meio de um número matemático de cartomagia;
2. O mágico pega uma aliança e a faz levitar.

Não é difícil perceber que o segundo efeito possui um impacto potencial maior que o primeiro. O que
diferencia os dois é, basicamente, o efeito. O efeito da levitação implica até mesmo uma simbologia
muito mais apelativa à plateia do que um número matemático de cartomagia. Porém, nada impede que o
impacto efetivo do primeiro seja maior que o impacto efetivo do segundo. Se Dani DaOrtiz fizer um
número matemático e um mágico pouco experiente fizer uma aliança levitar, não tenho dúvidas de que, na
ótica da plateia, o maior sucesso poderia ser o do número matemático. DaOrtiz saberia criar um clímax,
saberia manter o interesse da plateia crescente, saberia fazer o efeito parecer totalmente impossível. Já o
mágico amador, por outro lado, poderia não ter o cuidado de pegar uma aliança emprestada, para que a
plateia não desconfiasse que era um objeto especial. Poderia não conseguir provar à plateia a
inexistência de fios que pudessem promover a levitação. Repare que todos esses fatores estão presentes
no momento da performance, ou seja, atuam sobre o impacto efetivo.
Vamos ver outro exemplo. Agora, dois números com o mesmo efeito:

1. O mágico coloca sua assistente de palco dentro de uma caixa e simula cerrar a caixa ao meio. No
final, ela está intacta;
2. Kevin James pega uma serra elétrica e, acidentalmente, serra sua ajudante de palco no meio. No
final, ela está intacta.

Ambos os números possuem o mesmo efeito, serrar uma pessoa ao meio e reconstituí-la. Note, no
entanto, que simplesmente colocar uma pessoa dentro de uma caixa e simular serrá-la com um serrote,
como é o caso do primeiro número, não é suficiente para convencer a plateia do fenômeno. O segundo
número, por outro lado, é completamente convincente. Kevin James simula cortar sua assistente
acidentalmente. No momento em que a serra elétrica atravessa o corpo da assistente, a metade do corpo
imediatamente cai. A metade superior do corpo anda pelo palco apenas com as mãos, e a plateia enxerga
que não há nada entre o chão e a cintura, agora cortada, da assistente. A ilusão é simplesmente perfeita.97
O que diferencia então os dois números? Por que Kevin James ficou mundialmente famoso com essa
variação (entre outras belíssimas criações)? A resposta é: o método é diferente. O método do segundo
consegue provar o fenômeno melhor do que o método do primeiro. Não tenho dúvidas de que o segundo
número é, de fato, melhor que o primeiro. O diferencial de impacto potencial é tão grande que fica difícil
pensar em algum caso no qual o impacto efetivo do primeiro seja maior do que o do segundo.
Com esse raciocínio, fica mais fácil aceitar que existem números ruins. Não é difícil encontrar
números extremamente mal estruturados, números com um método um tanto óbvio, números cuja “prova”
não é eficaz. Números dos quais, em grande parte, existem variações centenas de vezes melhores. Por que
então os mágicos não optam pelas versões melhores? Por que alguns insistem em apresentar versões
piores, tentando compensar melhorando a apresentação? Fica a pergunta...

10.2 Pensamento de um economista

Não lembro onde li uma entrevista com Fabrini, da dupla Vik e Fabrini, na qual ele falava das
perspectivas da dupla para o futuro. O que me chamou a atenção na entrevista foi um testamento de
Fabrini, dizendo que, se fosse preciso fazer poucos segundos de malabarismo em algum momento do
show, ele estudaria malabarismo até atingir a perfeição.
Isso identifica um pensamento que contraria a prática de muitos mágicos. A maioria dos praticantes da
Arte Mágica deixa de melhorar a qualidade de um número ou de uma performance, para não arcar com os
custos envolvidos. O pensamento comum é que não vale a pena aumentar o impacto de um número se os
custos envolvidos98 aumentarem mais que proporcionalmente. Para um economista, esse pensamento
pode fazer sentido: é preciso analisar o custo-benefício de um projeto, a fim de averiguar se ele é viável.
Para um artista, porém, isso não faz o menor sentido. Da mesma forma que um pintor deve dar o melhor
de si em cada pincelada, um mágico deve dar o melhor de si em cada segundo de seu show. Se for
necessário treinar anos para aperfeiçoar uma técnica, e se essa técnica for essencial para executar um
determinado número, que assim seja. O que importa é o efeito final, tal como será percebido pela plateia.

10.3 Simplicidade e facilidade


Uma das lições mais importantes que aprendi nesses anos de estudo da Arte Mágica é o quão
importante é ser simples. O quão importante é, para um mágico, fazer efeitos simples. Nesse contexto, a
palavra “simples” se refere à percepção que a plateia possui do número. Um número é tanto mais
simples quanto mais fácil for para a plateia assimilar seu conteúdo e desfrutar do fenômeno impossível.
Um número simples é aquele que mexe com emoções primárias, que consegue facilmente despertar o
interesse da plateia, que é simbólico para o ser humano. Por outro lado, um número complicado possui
várias etapas, vários comandos, vários movimentos desnecessários. É um número em que a plateia pode,
até mesmo, se confundir durante a execução do efeito. Dependendo do nível de complicação, os
espectadores podem, inclusive, perder o interesse pelo que o mágico está executando. Citando novamente
a famosa frase de Dai Vernon, “Confusão não é mágica”.
Um número de mágica simples não significa que seja fácil de executar. Pelo contrário, simplicidade e
facilidade andam em caminhos contrários. Fazer uma moeda sumir apenas passando a mão sobre ela
pode ser mais difícil do que fazer um elefante desaparecer em um palco cheio de fumaça, com cortina e
com recursos de palco.
Quanto mais complicado o efeito, mais fácil é a execução. Quanto mais simples for o efeito e quanto
mais limpo for o método, mais difícil é a execução. Exemplos perfeitos da simplicidade aplicada à Arte
Mágica eram os números apresentados por Tommy Wonder. Caso o leitor ainda não tenha visto Tommy
executar os números Ring, Watch and Wallet e Next of Boxes, especialmente a terceira versão,
recomendo que procure os vídeos, pois vale a pena. É impressionante como Tommy Wonder conseguia
simplificar todos os números que passavam por suas mãos. Não havia nenhum movimento suspeito,
nenhum objeto desnecessário, nenhum comando excedente. Para a plateia, era como se estivesse
ocorrendo um verdadeiro milagre. Tudo era tão simples!
É claro que para criar toda essa simplicidade, a mente genial de Tommy Wonder desenvolvia métodos
inovadores. Quem conhece os mecanismos por trás dos números Ring, Watch and Wallet e Next of Boxes,
por exemplo, sabe do que estou falando. São números com uma mecânica complexa e um método difícil.
A parte complicada, o método, importa apenas para o mágico, Tommy Wonder. Para a plateia, é claro,
tudo é simples. Esse é o objetivo!
Um exercício fundamental é analisar cada número do repertório e perguntar a si mesmo o que se pode
fazer para tornar o efeito mais simples para a plateia. Para atingir a simplicidade, muitas vezes é preciso
aumentar o grau de dificuldade do “método” e da “estrutura”. Mas, como já foi discutido na seção
anterior, um mágico não deve economizar esforço. O que importa é, apenas, o que a plateia absorve, o
que a plateia percebe. Se para simplificar o efeito for necessário mudar de método e se dedicar a outras
técnicas, isso deve ser feito. Quem disse que é fácil ser mágico?

Um problema na cartomagia

A questão da simplicidade é um dos grandes problemas que vejo na cartomagia. Salvo algumas
exceções, os números de cartomagia são muito complicados. É preciso que os espectadores memorizem
cartas, fiquem atentos a determinada sequência de naipes, façam contas matemáticas; enfim, os
espectadores precisam pensar demais. Depois de alguns minutos, isso pode se tornar exaustivo. Esse é
um dos motivos pelos quais muitas pessoas possuem um pouco de aversão a números de cartomagia.
Muitos números de cartomagia visam, apenas, descobrir uma carta escolhida. Mas para atingir esse
objetivo, são necessários tantos passos, tantos movimentos e tantos comandos, que o efeito se torna
complicado demais. A grande pergunta é: se você realmente fosse capaz de realizar fenômenos
impossíveis, necessitaria de uma apresentação tão complicada para descobrir uma carta escolhida?99 Ou
simplesmente diria ao espectador “Você pensou no oito de paus!”?
Como sou apaixonado por cartomagia, essa é uma pergunta que faço a mim mesmo constantemente. Às
vezes, olho meu repertório e me surpreendo com a falta de simplicidade de alguns números. Há alguns
anos, venho reestruturando todos os meus números para que eles fiquem o mais simples possível. Se faço
um número de mentalismo utilizando um baralho, quero que o efeito fique tão limpo que os espectadores
pensem que sou capaz de fazer aquilo não apenas com um baralho, mas também com outro objeto. Minha
meta é que o baralho pareça ser um objeto como qualquer outro e não um que, apenas com ele, sou capaz
de realizar fenômenos impossíveis.
Para atingir essa meta, muitas vezes é preciso recorrer a técnicas e recursos infinitamente mais
complicados. Mas como essa complicação importa apenas para mim, e o efeito final percebido pela
plateia será mais simples, tenho certeza que vale a pena.

Notas:

96 Já discutimos os conceitos de “efeito”, “método”, “estrutura” e “apresentação” no capítulo 6.


97 Outros mágicos também executam esse mesmo efeito de forma bastante convincente. A versão de Penn and Teller é também muito
curiosa.
98 Não me refiro a custos financeiros. Refiro-me a custos de dedicação pessoal: treino, comprometimento, ensaio, etc.
99 Vale a pena assistir a performance do mágico Lu Chen no segundo episódio do evento Essential Magic Conference. Sinceramente, acho
difícil um número de cartomagia ser mais simples que aquilo. Lu Chen é um gênio.
Capítulo 11
O processo de treinamento

Para que uma performance atinja um nível de excelência, é preciso passar por um processo árduo de
treinamento. A famosa frase de Thurstone confirma:100 “Os três segredos da mágica é praticar, praticar e
praticar.” Portanto, é importante ter em mente as diversas etapas que constituem o processo de
treinamento e compreender exatamente como executá-las.
Na primeira seção deste capítulo, vou comentar sobre o que a maioria dos mágicos já sabe. Resolvi
escrever apenas para não passar em branco, mas acredito que não seja novidade. As próximas seções
serão mais úteis.

11.1 Praticando técnicas mecânicas

Há várias formas de se treinar a técnica mecânica. Não vou ser muito detalhista por acreditar que a
maioria das pessoas com o mínimo de familiaridade com a mágica já ouviu falar do assunto desta seção.
Ao aprender uma técnica nova, tente executá-la para si mesmo. Quando já tiver dominado a parte
mecânica do movimento, comece a executá-la na frente do espelho. O intuito agora é observar os ângulos
nos quais o movimento é seguro e se o movimento está, de fato, correto. Isso é muito importante:
certifique-se de que está praticando o movimento corretamente. Acredite: não é nada agradável você
investir dias, meses e até anos em uma técnica e descobrir que o movimento está errado.
Quando tiver confiança na mecânica e souber que o movimento está correto, filme-se executando a
técnica. O espelho pode ser bastante útil em determinadas ocasiões. Porém, ele possui um ângulo
limitado. O que você enxerga no espelho não é exatamente o que a plateia vê. Já quando você filma, é
possível ter uma visão muito mais real do ponto de vista da plateia. Aconselho fortemente a filmar a
mecânica de cada número, de preferência de vários ângulos diferentes. Você será capaz de perceber
exatamente o que a plateia enxerga.
Após esses passos iniciais, procure executá-la na frente de alguém. Muitas vezes, eu desenvolvo um
simples número de mágica que utiliza a técnica, de forma a mostrar à pessoa uma mágica e não apenas o
movimento técnico em si, que não faria sentido algum a um leigo. Vale a pena ressaltar que é importante
escolher alguém de confiança: um parente ou um amigo. Lembre que, a essa altura do campeonato, há uma
possibilidade razoável de o movimento falhar. Você quer alguém que compreenda, se algum erro ocorrer.
No meu caso, essa pessoa é minha linda e maravilhosa mãe, que tem toda a paciência do mundo para
assistir movimentos ainda crus e, além de tudo, ainda me dá palpites. Incrível ela, não?
Após treinar algumas vezes com uma pessoa de confiança e constatar a eficácia do movimento, aí sim,
pense em adicionar o movimento a seu repertório técnico.
Lembre-se que é sempre válido praticar essas técnicas no dia-a-dia. A prática durante as atividades
do cotidiano faz o cérebro automatizar os movimentos e, como consequência, eles se tornam mais
naturais.

11.2 As técnicas não mecânicas


Essas técnicas são mais difíceis de ser praticadas. Ao contrário das técnicas mecânicas, técnicas não
mecânicas não podem ser praticadas por repetição exaustiva, e muito menos é possível a consulta a
alguém de confiança. Justamente por isso, elas são excluídas do plano de treinamento da maioria dos
mágicos. A ideia comum é que é necessário praticar apenas o lado “físico” (parte mecânica) de um
número, enquanto o lado “abstrato” (parte não mecânica) resolve-se automaticamente no momento de
performance. Isso é um grave erro!
É preciso ter em mente que um número de mágica depende igualmente das técnicas mecânicas e não
mecânicas. Ambas precisam estar perfeitas. Um número com apenas a parte mecânica ensaiada está
condenado ao fracasso. Durante o processo de treinamento, certifique-se de que:

• Você compreendeu o timing dos movimentos. De nada adianta os movimentos estarem todos
perfeitos, se você não é capaz de executá-los no ritmo sequencial que o número exige. Para isso,
evite treiná-los separadamente. Depois que cada movimento estiver perfeito, treine sempre o
número inteiro, do começo ao fim. Isso facilita compreender como cada movimento está inserido, o
que vem antes e o que vem depois. É necessário saber não apenas como executar o movimento B,
mas também como sair do movimento A e ir para o movimento B e como sair de B e ir para o
movimento C.
• Você está ciente dos momentos de concentração e de relaxamento. Eles são essenciais para aplicar
o misdirection na dose e no momento necessário.
• Você sabe cada movimento manual e corporal necessário para a execução do número. Eles podem
auxiliar gerando os momentos de relaxamento e de concentração.
• Que você tem em mente o script e a forma exata de sincronia entre suas palavras e os movimentos
manuais/corporais. Além de garantir um bom timing, essa sincronia auxilia também o misdirection
verbal.
• Você sabe o que pode ser um “centro e interesse” da plateia e o que deve ser uma “fonte de
informação”. Certifique-se que cada “fonte de informação” é também um “centro de interesse”.

É claro que essas técnicas não podem ser praticadas na frente de um espelho. Novamente eu reforço o
fato de que o espelho está longe de ser o suficiente para treinar um número de mágica.

11.3 Praticando um número de mágica

Ao contrário de uma técnica mecânica, um número de mágica só pode ser melhorado por meio de
performances sucessivas, ou seja, a prática exige uma plateia. Tendo em vista que a Arte Mágica é um ato
de comunicação, para compreender o impacto de um número é preciso analisar o feedback da plateia.
Temos então um problema: se a única forma de melhorar um número é apresentá-lo várias vezes, qual
será o momento em que um número está pronto para ser apresentado pela primeira vez? Essa é uma ótima
pergunta. Acredito que um número deve ser apresentado pela primeira vez quando a técnica mecânica
estiver perfeita e quando você estiver ciente de todos os outros elementos que constituem o número, tal
como mostra a figura 6.1. Apesar de a única forma de praticar e de melhorar o número ser a performance,
é possível, com um bom treinamento teórico, possuir uma certa intuição a respeito desses elementos e da
interação entre eles, mesmo não possuindo treinamento prático. Isso já é suficiente para garantir uma
apresentação de estreia.
Um número de mágica dificilmente atinge a perfeição. Depois de cada performance, quase sempre é
possível refletir e concluir como melhorar o impacto final. Mágicos profissionais constantemente
modificam a estrutura, o método, a técnica, o script e a apresentação de cada número em seu repertório.
Cada performance é um aprendizado. Aprenda a “ouvir” a plateia e a descobrir o que pode ser feito para
que cada número fique ainda mais potente.

Automatização

No início do treinamento de um número, é normal a preocupação com todos os pormenores, com cada
movimento técnico, com cada etapa do número. É preciso ter em mente, no entanto, que durante a
performance essas etapas precisam estar automatizadas, de forma que elas não causem uma preocupação
excessiva. No momento de execução, é necessário preocupar-se não apenas com as mãos, mas também
com o corpo, com a mente e com o coração.

Incluindo um número novo no show

Ao apresentar um número pela primeira vez, existe a probabilidade, mesmo que seja ínfima, de
ocorrer algum imprevisto. Sabendo disso, não é uma boa ideia inseri-lo como número de abertura nem de
encerramento. Uma estratégia muito utilizada por grande parte dos mágicos é incluir o número de estreia
entre dois outros números, em cuja apresentação já se tenha confiança. Caso ocorra algum imprevisto,
fica muito mais fácil contornar a situação. Não é uma estratégia inovadora, mas é eficiente.

Feedback audiovisual

Da mesma forma que é importante filmar a execução da técnica mecânica, é fundamental registrar em
vídeo a performance para o público. Muitas vezes, o que nós planejamos no ensaio é bastante diferente
daquilo que ocorre em uma situação real de performance. O nervosismo, o comportamento real da plateia
e os imprevistos podem distorcer bastante o que esperávamos que acontecesse.
Crie o hábito de filmar o máximo de apresentações que você conseguir, principalmente aquelas em
que você acrescentou algo de novo. Depois, assista ao vídeo com calma e repare nos seus gestos, na sua
fala, na sua expressão facial, na reação da plateia e nos momentos em que ocorrem os movimentos
secretos. O que foi ensaiado está de acordo com o que foi executado diante da plateia? Será que é
preciso alguma modificação na técnica, na apresentação e na estrutura? O “impacto efetivo” está próximo
ou muito distante do “impacto potencial” (ver Seção 7)?

11.4 Praticando o script

Para praticar um número de mágica, como já foi dito, é importante filmar o número em situação real
de performance. Como fazemos então para praticar o script do número? A resposta parece ser óbvia:
basta assistir ao video e prestar atenção no discurso, nas palavras. O problema é que, de modo geral, a
imagem do vídeo se sobrepõe ao efeito do áudio, de forma que o áudio não consegue competir com a
imagem. Isso prejudica nossa percepção de certos detalhes do script. Ficamos muito atentos aos
movimentos executados (linguagem não verbal) e, consequentemente, diminuímos a atenção no que
estamos falando (linguagem verbal).
Eugene Burger recomenda um modo bastante simples de evitar que a nossa percepção a respeito da
linguagem verbal seja comprometida pela linguagem não verbal do vídeo. Basta não olhar para a
imagem. A ideia é deixar de lado o que estamos fazendo e focar a atenção no que estamos falando.
Discipline-se a apenas ouvir o que você fala durante todo o show. Será que suas palavras estão de
acordo com o script planejado? O que você fala é interessante de se ouvir? Se não houvesse nenhuma
imagem, isto é, se o show ocorresse em total escuridão, a plateia se interessaria por o que você fala
apenas?
Faça o teste e surpreenda-se. Muitas vezes podemos melhorar substancialmente a escolha de nossas
palavras! Lembre que quanto mais longa for sua apresentação, mais atenção você deve ter com a
qualidade do script. Se o que você fala, apenas, já é interessante ao público, quando você adicionar
recursos visuais, seu show vai ficar ainda melhor!

11.5 Nota para cartomagos

Rotinas de cartomagia, principalmente as rotinas de mesa, exigem um treinamento longo, com o


mágico constantemente olhando para as cartas. Ao apresentar o número a uma plateia, é muito comum que
ele fique olhando, também, apenas para as cartas, com o rosto direcionado para a mesa. A sintonia visual
entre o mágico e a plateia é totalmente quebrada, o que dificulta o controle do interesse e,
consequentemente, o controle da atenção.
Para evitar que isso ocorra, utilizo um procedimento que, se não me falha a memória, aprendi com o
mágico americano Daryl. Em meu local de treino, colei recortes de revista do rosto de várias pessoas na
parede. Os recortes simulam espectadores me olhando e ajudam para que eu pratique o número e
mantenha um contato visual com várias direções.

11.6 Treinamento mental

Há uma estratégia que também utilizo há bastante tempo e nunca ouvi outros mágicos falarem a
respeito. Eu chamo de “treinamento mental”. Descobri isso quando sofri um acidente de bicicleta aos 14
anos. Com os braços engessados, era impossível treinar qualquer coisa. Durante um mês e meio, sobrou-
me apenas imaginar como seria executar determinado movimento. Imaginava como seria a posição de
cada dedo, quais seriam as partes mais fáceis e as partes mais difíceis. Imaginava como o movimento se
encaixaria com outras ações e como que isso iria interferir em minha linguagem corporal.
Quando me livrei do gesso, consegui executar os movimentos novos com naturalidade em tempo
recorde! Esse exercício mental se mostrou eficiente. A partir de então, sempre paro para refletir sobre a
técnica e mentalizá-la antes de “botar a mão na massa”.
Esse procedimento é ainda mais eficiente para treinar números. Procure sempre fazer um treinamento
mental dos números, imaginando a interação entre todos os seus elementos (efeito, método, apresentação
e estrutura). Essa prática pode facilitar não apenas a compreensão, a priori, de como o número deve ser
executado, mas também para desenvolver ideias que possam melhorar ainda mais o impacto mágico.

11.7 A prática é inevitável

Na Arte Mágica, a prática é inevitável. Um mágico deve ter, acima de tudo, determinação e
compromisso de treino. Não obstante, já ouvi alguns colegas dizendo que acham tedioso treinar e, por
isso, treinam o mínimo possível, o suficiente para poder apresentar sem erros. Apesar de ser um
argumento completamente sem nexo, pois o processo de treinamento nunca atinge o fim, é um argumento
que, infelizmente, existe.
Sugiro que essas pessoas procurem pensar no processo de treinamento como se fosse uma trilha para
chegar a uma cachoeira: para prestigiar a maravilha da cachoeira, é preciso caminhar. Façamos então, da
caminhada, um momento agradável, um momento de prazer. Se caminharmos sempre de olhos fechados e
com pressa de chegar ao fim, podemos deixar de descobrir trilhas alternativas que podem levar a
cachoeiras desconhecidas, ainda mais bonitas.

Notas:

100 Howard Thurstone (1869-1936).


Parte IV
Apêndices
Apêndice A
Categorias de efeitos mágicos de Dariel Fitzkee

Até onde se tem conhecimento, a ideia inicial de se criar categorias que enquadrassem todo e
qualquer efeito mágico surgiu no século XX. Em 1924, Thomas Page Wright, mágico amador, publicou na
revista The Sphinx uma lista de 14 categorias, que englobariam todo efeito de cartomagia até então
criado. Anos depois, em 1932, Samuel Henry Sharpe, tradutor do famoso livro Hofzinser’s Card
Conjuring, e Winston Freer publicaram, individualmente, a relação de suas respectivas categorias de
efeitos mágicos, não restritos à cartomagia. Em 1944, Dariel Fitzkee, inspirado nas relações anteriores,
publicou sua própria lista de 19 categorias. Finalmente, em 1969, Henning Nelms publicou sua
classificação,101 também muito interessante.
Parei para refletir sobre várias delas e achei a de Fitzkee mais completa. Pode haver efeitos que não
se enquadram em nenhuma dessas categorias, mas eu nunca vi.
Nada impede você de tentar montar sua própria lista de categorias. Aliás, acho que seria um excelente
exercício. Mas como material complementar à seção 6.2, aqui vai a lista proposta por Fitzkee.102
1. Produção — engloba todos os efeitos de aparição, criação e multiplicação.
2. Desaparição — algo que estava no campo de visão da plateia passa a não estar mais.
3. Transposição — mudança de lugar físico, tele-transporte.
4. Transformação — quando algo muda de cor, tamanho, forma, identidade, etc.
5. Penetração — uma matéria passa por dentro de outra, atravessa outra, violando a lei da física de que
“Dois corpos não ocupam o mesmo espaço no mesmo intervalo de tempo”.
Restauração — algo que foi total ou parcialmente destruído ou então colocado em caos volta a sua
forma inicial.
7. Animação — dar movimento a corpos inanimados.
8. Antigravidade — envolve levitação e mudança na sensação de peso.
9. Atração — poder de atrair objetos. Uma “aderência” misteriosa.
10. Ação e reação harmônicas — quando dois “algos” (pessoas ou objetos) demonstram sintonia nos
movimentos.
11. Invulnerabilidade — quando algo é a prova de qualquer dano físico.
12. Anomalia física — contradição de normas e reações físicas normais da natureza.
13. Falha do espectador — o espectador não consegue atingir um determinado objetivo ou executar uma
determinada ação devido a uma interferência misteriosa do mágico.
14. Controle mental — quando o mágico demonstra domínio perante objetos inanimados ou animados,
por meio de sua mente.
15. Identificação — descoberta de alguma identidade — pessoa ou objeto.
16. Leitura de pensamento — alguém lê o pensamento de outra pessoa.
17. Transmissão de pensamento — alguém projeta ou transmite seu pensamento à outra pessoa.
18. Predição — quando ações ou fatos futuros são preditos.
19. Percepção extra sensorial — todos os tipos de percepções anormais, sem ser fenômenos mentais.
Simula a existência de outros sentidos, além dos cinco básicos.

Notas:

101 Magic and Showmanship, página 102.


102 Para mais detalhes, consulte o livro The Trick Brain.
Apêndice B
Scripts

Aqui vão meus scripts completos de alguns dos números que usei de exemplo ao longo do livro. Não
tenho scripts definido de todos os números citados, até porque nem todos os números que usei de
exemplo fazem ou já fizeram parte do meu repertório.
Um script geralmente é escrito com o nome das pessoas que fazem parte do diálogo. Teoricamente, eu
deveria ter escrito “Guilherme” em vez de “mágico”, já que o script foi escrito por mim. Mas acho que o
leitor se sentiria distante do diálogo ao ficar lendo “Guilherme” fez isso, “Guilherme” fez aquilo, então
generalizei: “mágico”. Dessa forma, o leitor vai se identificar melhor com o diálogo. Além disso, para
não usar nomes como “Fulano”, “Ciclano” e “Beltrano”, utilizo alguns nomes específicos para me referir
a determinados tipos de espectadores.103
Apesar de não usar todos esses nomes neste livro, costumo utilizar os seguintes nomes próprios para
construir meus scripts:

• Mágico: quem está executando o número.


• Espectador: um espectador, que pode ser do sexo feminino ou masculino;
• Ana: um espectador do sexo feminino;
• Bia: um segundo espectador do sexo feminino;
• André: um espectador do sexo masculino;
• Bernardo: um segundo espectador do sexo masculino;
• Alguém: qualquer espectador da plateia, que não se sabe o nome.

Não estranhe a escrita fora dos padrões formais da língua portuguesa. Para facilitar a assimilação do
script, costuma-se escrever da mesma forma como se fala. Por exemplo, expressões como “tá” e “pra”
acabam substituindo “está” e “para”, respectivamente.

B.1 A Mágica da Vida

O mágico está com um pedaço de papel na mão direita e um isqueiro na mão esquerda
mágico
Alguém tem ideia do que é isso aqui em minhas mãos?
Algum espectador responde
alguém
Um pedaço de papel!
mágico
É. É o que todos falam. Na verdade, isso não é um simples pedaço de papel. Isso é um aglomerado de
células de celulose geneticamente modificadas.
O mágico faz cara de “malandro”
mágico
Diretamente da Alemanha.
E eu digo geneticamente modificadas porque se eu esquentar...
O mágico queima o papel com o isqueiro
mágico
... muda a forma, a cor, a textura e o tamanho... até virar uma bola laranja!
O mágico mostra a bola laranja pra todo mundo. E larga o isqueiro na mesa.
mágico
O melhor de tudo é que se você pressionar no centro...
O mágico bota a bola na palma da mão esquerda e pressiona ela no centro com seu indicador direito.
mágico
... ela vai se dividindo... em duas!
O mágico mostra as duas bolas pra plateia
mágico
Exatamente idênticas!
Eu preciso de alguém pra me ajudar aqui... alguém... você! Pode ser?
O mágico convida uma mulher, que esteja de manga comprida.
mágico
Qual seu nome?
Ana
Ana.
mágico
Muito prazer, Ana.
Dê uma olhada nessas bolas, veja se está tudo certo com elas, se é o que parece ser... São idênticas,
correto?
Ana
Sim, sim. Idênticas.
mágico
Eu vou lhe contar um segredo, Ana. Na verdade, elas não são idênticas. Uma delas é macho e a outra é
fêmea. Dê uma olhada!
Ana examina mais...
mágico
É porque uma delas tem um negocinho saindo pra fora... ai eu sei que é a macho.
Ana dá risadas
mágico
Não, não, brincadeira, brincadeira...
Mas veja bem. Se eu botar a bola macho numa mão e a fêmea na outra mão, mesmo mantendo as mãos
separadas, sem chegar perto... elas ficam juntas!
O mágico abre as mãos e mostra que as duas bolas estão na mão direita.
mágico
Mas fazer em minha mão é fácil, porque eu sou o mágico. O difícil é fazer na sua! Então, por favor,
escolha a que você quer que fique em sua mão: macho ou fêmea?
Ana escolhe uma das duas opções
Ana
Fêmea.
mágico
Ok, vou deixa a macho comigo e a fêmea com você. Se eu estalar os dedos em cima da minha mão... e
estalar os dedos em cima da sua mão... elas...
O mágico e a Ana abrem as mãos. Nada aconteceu.
mágico
... trocam de lugar!
O mágico faz cara de que deu errado, mas está simulando estar surpreso.
mágico
Agora a fêmea está comigo e a macho está com você! Incrível!
A plateia ri.
mágico
E eu ainda sou pago pra fazer isso! Não, não, não... acho que não estalei os dedos o suficiente. Vamos
tentar fazer de novo. A macho fica comigo, a fêmea fica com você. Dobre seu braço pra mim, por favor.
Ana deixa a bola na mão esquerda e flexiona o braço, como se estivesse segurando ainda com mais força.
mágico
Se eu jogar minha bola pra cima...
O mágico simula jogar ela pra cima, a bola desaparece.
mágico
Ela dá sete voltas e meia no ar e cai... dentro da sua mão. Abra a mão por favor, devagar.
Ana abre a mão mas só tem uma bola dentro. Quando ela estende o braço, descobre que a outra bola está
na dobra do braço dela!
mágico
Oops! Desculpe, joguei pra cima e acabou caindo no lugar errado. Vamos de novo. Escolha: macho ou
fêmea?
Ana
Macho.
mágico
Ok, a macho fica com você. Uma bola vai aí dentro. Feche a mão com bastante força.
O mágico mostra claramente a outra bola
mágico
A fêmea fica comigo. Na última vez eu joguei pra cima e caiu no lugar errado. Desta vez, eu vou ser um
pouco mais preciso.
O mágico dá duas batidas nas costas da mão do espectador
mágico
Sua mão é meio dura, mas vou tentar. Deixe eu ver ser a bola atravessa...
O mágico pressiona a bola contra as costas da mão do espectador.
mágico
Atravessou!
O mágico mostra que a bola não está mais lá.
mágico
Abra sua mão, por favor.
Ana abre e mostra as duas bolas lá.
mágico
Mas agora a melhor parte... se eu colocar as duas bolas, macho e fêmea, na sua mão, que é um lugar
escurinho, quentinho, apertadinho... acontece a coisa mais milagrosa: a mágica da vida!
O mágico estala os dedos.
mágico
Abra a mão, por favor.
Ana abre e mostra que tem três bolas na mão dela.
mágico
Pai... mãe... e filho!

B.2 A Vida, As Cartas

O mágico está com um baralho em mãos.


mágico
O baralho tem uma história bem interessante. Existem várias teorias que tentam explicar a origem e o que
levou esse simples objeto a se tornar tão utilizado em todo o mundo. Alguns pesquisadores dizem que,
apesar de haver evidências de jogos utilizando desenhos em papel na China antiga, o baralho foi, na
verdade, desenvolvido por um pintor francês, por encomenda do rei Carlos VI, da França. Mas por muito
tempo, algumas perguntas e dúvidas sobre o baralho ficaram sem resposta. Por exemplo: por que 4
naipes? Por que somente cartas vermelhas e pretas? Por que a ideia do valete, da dama e do rei? E o
curinga, o que que tem a ver? Será que foi tudo uma escolha aleatória? Há gente que acha que sim, há
quem ache que não. Não se sabe o que é mito e o que é verdade.
Por exemplo, os quatro naipes representam as classes sociais da época: ouros era a burguesia, espadas
eram os militares, copas era o clero e paus eram os camponeses. O baralho tem metade das cartas pretas
e metade vermelhas, porque o mundo está sempre metade de noite e metade de dia. Se você contar valete
como 11, dama como 12 e rei como 13, chega-se a 364 combinações. O curinga, que na verdade
representava os palhaços dos castelos medievais, existe pra completar 365, o número de dias em um ano.
Mas eu sei o que vocês estão pensando... que o baralho tem dois curingas. É, na verdade o segundo existe
pra representar o ano bissexto.
O que a maioria das pessoas não sabe é que o baralho foi criado, também, para representar fielmente as
interações entre o passado, o presente e o futuro. Vou mostrar pra vocês.
Vamos pela ordem, começando pelo passado.
O mágico aponta para um espectador qualquer.
mágico
Você! Pegue uma carta para mim, por favor?
Espectador
Sim.. essa!
mágico
Como essa carta é fruto de uma decisão que você já tomou, ela representa o seu passado. E como todo
mundo conhece seu passado, a gente vai revelar sua carta aqui.
O mágico vira a carta que o espectador escolheu e a deixa virada em cima da mesa.
mágico
O ás de paus. Tudo bem. Agora, vamos para o seu presente. Vou passar meu dedo aqui pelas cartas, e
você fala “para”, quando quiser. Ok? Vai lá.
O mágico passa o polegar pela quina das cartas...
Espectador
Para!
mágico
Aqui? Ou quer que eu passe um pouquinho mais? Você é quem sabe!
espectador
Não, eu quero ai mesmo.
mágico
Ok! Pegue então sua carta. Como ela representa seu presente, algo que está acontecendo agora, que você
ainda não conhece, você não vai olhar a carta.
Espectador
Tá bom.
O mágico enquadra o baralho em suas mãos, de face para baixo.
mágico
Agora, por favor, introduza essa carta onde você quiser no baralho; pode ser realmente em qualquer
lugar.
O espectador escolhe algum lugar e introduz a carta, deixando-a ela com a metade das costas para fora.
mágico
Aí? Vou lhe dar novamente a chance de mudar de ideia. Quer colocar um pouquinho mais para cima? Um
pouquinho mais para baixo?
Espectador
Sim, quero mudar.
O espectador muda a carta, colocando-a um pouco mais para baixo.
mágico
Aí mesmo? Satisfeito?
Espectador
Sim, satisfeito.
mágico
Bem, olhe só que incrível. Com as cartas, assim como na vida, quando você convive com seu passado,
ele acaba influenciando as decisões que você toma no presente. Lembre que você podia ter falado “para”
em qualquer lugar, mas você falou “para” justamente...
O mágico vira de face para cima a carta que o espectador introduziu no meio, deixando ainda metade
para fora.
mágico
...no ás de espadas! Justamente a carta gêmea do ás de paus, que é seu passado!
Espectador
Nossa!
mágico
Mas não só isso, não só isso! Lembre que você podia ter colocado a carta em qualquer lugar no baralho.
Inclusive, você até mudou de ideia, não foi?
Espectador
Foi.
mágico
Pois é. Com as cartas, assim como na vida, da mesma forma que seu passado influencia no seu presente,
as decisões que você toma no presente...
O mágico abre o baralho em faixa na mesa.
mágico
... determinam completemente...
O mágico pega a carta à direita e à esquerda do ás de espadas, e vira as duas cartas.
mágico
... o seu futuro!
As cartas viradas são o ás de ouros e o ás de copas.
Espectador
Incrível!
mágico
Com os quatro ases na mesa, quem sabe o que as cartas querem mostrar é que seu destino é ganhar em um
jogo de poker!

B.3 Another Quick Coincidence

O mágico está com um baralho em mãos.


mágico
Antes de tudo, deixe eu perguntar uma coisa: vocês sabem o que são cartas gêmeas? Alguém sabe? Cartas
gêmeas são cartas do mesmo valor, mesma cor, mas de naipes diferentes. Por exemplo, 9 de paus e 9 de
espadas, 5 de copas e 5 de ouros... enfim, 7 de paus e 7 de?
Alguém
Espadas!
mágico
Exatamente.
mágico
Você! Qual é seu nome?
O mágico aponta para uma pessoa da plateia e ela diz o nome.
mágico
Eu quero tentar fazer uma coisa aqui envolvendo o baralho e um pouco de coincidência. Você acredita em
coincidências?
Espectador
Sim, acredito.
mágico
Eu também! Que coincidência!
Risadas...
mágico
Vamos fazer o seguinte, então: quero começar deixando uma carta na mesa aqui... uma carta que ninguém
saiba qual que é, nem eu, nem você, nem ninguém. Essa!
O mágico pega o baralho e larga uma carta qualquer em cima da mesa, com a face para baixo.
mágico
Agora eu preciso que você escolha uma carta para mim, pode ser?
Espectador
Pode.
mágico
Ok! Então, pegue qualquer carta do baralho, sem olhar.
O mágico passa as cartas, e o espectador escolhe uma.
mágico
Perfeito. Veja bem, o baralho possui 52 cartas. Tirando a que você pegou, sobraram 51 cartas comigo. Se
a gente for contar os espaços entre cada duas cartas, existem 50 espaços diferentes, 50 possibilidades
distintas.
O mágico enquadra as cartas.
mágico
Por favor, pegue sua carta e a insira em qualquer lugar, de forma que ela ocupe qualquer um dos espaços.
O espectador pega a carta que escolheu e a empurra contra o baralho enquadrado, de forma que a carta
fique com a metade ainda para fora.
mágico
Perfeito! Então você escolheu a carta que quis e colocou onde quis, certo?
espectador
Certo.
mágico
Vamos então ver pela primeira vez a carta que você escolheu.
O mágico vira de face para cima a carta que estava com a metade para fora.
mágico
O 3 de paus.
mágico
O mais incrível é que a carta que eu tinha deixado antes na mesa, que ninguém mecheu, ninguém tocou,
é...
O mágico vira a carta da mesa.
mágico
O três de espadas! Justamente a carta gêmea do três de paus!
espectador
Impressionante!
mágico
Mas quem sabe isso poderia ser uma coincidência. O que eu realmente não consigo entender é que você
colocou sua carta onde você quis no baralho. Eu até te dei a opção de mudar de lugar, e você não quis. Eu
só não sei como que você colocou sua carta entre...
O mágico mostra as duas cartas à direita e à esquerda do três de espadas.
mágico
O três de copas e o três de espadas!

B.4 Número Pensado

O mágico entra em cena com uma folha de papel e um lápis.


mágico
As pessoas sempre perguntam se os mágicos conseguem ler pensamentos. É claro que...
O mágico faz uma expressão facial de como se não fosse possível ler pensamentos.
mágico
... é possível!
A plateia ri.
mágico
Vamos fazer um teste agora, então. Senhor, em que dia você nasceu?
espectador
17 de agosto.
mágico
Hum... então você é leonino?
espectador
Sim, leão.
mágico
Ok. Leoninos... pessoas egocêntricas...
O mágico fica pensativo.
mágico
Vamos fazer o seguinte: pense em um número entre 0 e 1000. Qualquer número entre 0 e 1000!
espectador
Estou pensando.
mágico
Você concorda que seria impossível eu ou qualquer outra pessoa saber o número que você pensou,
correto?
espectador
É, seria impossível.
mágico
Leoninos são criativos e confiantes...
O mágico fica pensativo.
mágico
Ok, ok, ok! Não mude de ideia, certo?
O mágico pega o lápis e anota o número na folha, de forma que ninguém consiga ler.
mágico
Perfeito, acho que é isso.
O mágico coloca o lápis em cima da mesa.
mágico
Pela primeira vez, pode falar o número que você estava pensando. Fale bem alto, para que todo mundo
escute.
espectador
713.
mágico
713?
espectador
Sim, 713.
mágico
Então, você é realmente leonino!
Quando o mágico mostra o outro lado do papel, está escrito justamente o número 713.

B.5 Um Pouco de Você

O mágico pega um baralho e o coloca na mesa.


mágico
Fazer mágica com baralho é um pouco complicado, porque às vezes as pessoas acham que quando a
pessoa pega e toca numa carta, o mágico manipula a posição em que ela está e só assim o número de
mágica acontece... é exatamente isso!
O mágico ri.
mágico
Não, não... na verdade não tem nada a ver. Para provar isso, quero tentar fazer uma coisa da forma mais
justa possível. Deixa eu ver alguém pra me ajudar aqui... Você! Pode ser?
Ana
Sem problemas.
mágico
Por favor, embaralhe as cartas.
Ana embaralha as cartas e as deixa na mesa.
mágico
Ana, eu quero que você escolha uma carta. Mas se você tocar na carta, as pessoas podem achar que eu
manipulei alguma coisa. Pra evitar esse tipo de coisa, quero que você apenas pense numa carta. Como as
pessoas frequentemente assinam as cartas, eu não sei se esse baralho está completo. Pra não correr o
risco de você pensar em uma carta que não está nesse baralho, vou passar meu dedo pelo baralho assim e
você fala “para” onde quiser. Quando você falar “para”, eu paro e você olha a carta. E depois você
mesmo vai embaralhar as cartas, mas pensando em seu próprio nome, tá certo?
Ana
Ok.
O mágico segura o baralho com a mão esquerda, olha para trás e, com o indicador da mão direita, passa
as cartas, uma por uma, pelo canto superior direito.
Ana
Para!
mágico
Aqui? Nessa carta? Ou quer que eu passe um pouco mais?
Ana
Quero um pouquinho mais.
O mágico passa um pouco mais.
Ana
Para! Aí tá bom.
mágico
Ok! Então olhe a carta e memorize ela. Os outros podem ver também, se quiser.
mágico
Abra sua mão, por favor. Pegue o baralho e embaralhe as cartas, mas faça isso pensando em seu nome.
Mentalize seu nome enquanto embaralha as cartas.
Ana embaralha as cartas e deixa o baralho na mesa.
mágico
Pronto? Aliás, deixe eu tirar os curingas desse baralho.
O mágico pega o baralho e vai passando as cartas separando os curingas.
mágico
Os curingas causam confusão na mente das pessoas, vai ser melhor tirar eles... Pronto!
O mágico deixa o baralho na mesa.
mágico
Beleza. Você está apenas pensando em uma carta, que só você sabe. E ela pode estar em qualquer lugar
do baralho, até porque você embaralhou as cartas antes e depois. Na verdade, a posição em que ela está
depende de seu embaralhamento. Mas lembre que, quando você embaralhou as cartas, você estava
pensando no seu nome, certo?
Ana
Certo.
mágico
E isso influenciou suas ações implicitamente! Eu quero tentar fazer isso sem tocar em nada, e usando um
pouco de você. Soletre seu nome, como se cada carta equivalesse a uma letra. Mas antes, fale para todos
sua carta em voz alta.
Ana
Nove de copas.
mágico
Beleza. Pode começar a soletrar seu nome.
A Ana começa a soletrar, tirando cada carta do topo do baralho para cada letra do seu nome.
mágico
Na vida, quando a gente tem pensamentos positivos sobre o futuro, atingimos nossas metas.
O mágico pega a próxima carta do topo do baralho e não a revela ainda.
mágico
Com as cartas é a mesma coisa.
O mágico vira a carta. É o nove de copas.

Notas:

103 Ideia que tive ao ler o livro do Pete McCabe, Scripting Magic.
Bibliografia comentada

Em vez de adicionar uma bibliografia comum, resolvi fazer um breve descritivo das obras que
serviram de inspiração para escrever este livro: uma bibliografia comentada. Como elas serviram para
mim, espero que sirva para você, leitor, no sentido de lhe ajudar a conhecer mais dessa maravilhosa arte,
que é a mágica.
Se o leitor notar a falta de dados em algumas referências, como, por exemplo, a ausência de editora,
não pense que foi erro de digitação. Por se tratar de um assunto bastante específico, alguns mágicos
publicam livros por conta própria, sem vínculos com editora, nem registro ISBN. Por esse motivo, muitos
livros são encontrados apenas em grandes lojas especializadas em artigos de mágica.

1. Ascanio, Arturo de. The Structural Conception of Magic. Libros de Magia, Madri, 2005.

Ascanio é conhecido como o “Pai da cartomagia espanhola”, e, sem dúvida, uma das mentes mais
pensativas já conhecidas até então na Arte Mágica. Ascanio faleceu em 1997, mas deixou importantes
registros de suas ideias, pensamentos e criações. The Structural Conception of Magic é o primeiro livro
da coleção de quatro volumes,104 chamada de The Magic of Ascanio. Entre os outros volumes dessa
coleção, esse é o único que não se prende unicamente à explicação de números de mágica.
O livro é, na verdade, uma coleção de notas de conferência e manuscritos do Ascanio, que não tinham
sido publicados até sua morte. Todo o trabalho da organização do material foi feito por Jesús Etcheverry
e Laura Avilés, que fizeram questão de incluir curiosas entrevistas e conversas informais com o Ascanio.
O livro apresenta a ótica de Ascanio a respeito de importantes conceitos sobre técnica, naturalidade,
timing, misdirection, psicologia, construção, criatividade e estudo da mágica. Muitos conceitos e termos
foram criados e fundamentados pelo próprio Ascanio. Acredito que seja um dos livros mais importantes
sobre teoria da Arte Mágica já escrito.

2. Burger, Eugene. The Theory and Art of Magic. Linking Ring Magazine, novembro, 2000.

Eugene Burger é um mágico singular. Sua mágica é contagiada por seu conhecimento de história,
filosofia, mitologia e religião. É autor de fascinantes artigos e de 15 livros a respeito da Arte Mágica.
Seu trabalho contém não apenas belos conceitos de mágica, mas também diversas informações sobre
outras áreas do conhecimento.
The Theory and Art of Magic foi um artigo publicado conjuntamente com Larry Hass, Ph.D em
filosofia e mágico profissional.105 A leitura dá uma visão do papel social da mágica e do mágico, a
percepção do público e a metáfora da transformação, que está sempre presente na Arte Mágica.

3. Burger, Eugene. Being Me. Genii Magazine, abril, 1999.

Esse artigo é uma discussão breve e interessante sobre a questão do personagem assumido pelo
mágico, assunto abordado na seção 5.3.
4. Burger, Eugene. Editing Our Scripts. Genii Magazine, abril, 2000.

Nesse artigo, Eugene Burger comenta a respeito do script no número de mágica. Apesar da discussão
ser breve, é interessante ver o exemplo de um script próprio do Eugene e sua evolução com o passar de
alguns anos.

5. Burger, Eugene. Performing Stunts and Performing Magic. Genii Magazine, junho, 2000.

É um artigo curto e objetivo a respeito da excessiva demonstração de habilidade em números de


mágica (ver seção 3.5).

6. Burger, Eugene. A Few Thoughts About Theory. Behind the Smoke & Mirrors, setembro, 2001.

Esse artigo foi publicado no jornal Behind The Smoke and Mirrors,106 um jornal especializado em
assuntos teóricos da Arte Mágica e pensamentos criativos. Eugene Burger faz breves comentários sobre a
teoria na Arte Mágica, esclarecendo o mal entendido entre teoria e prática e fortalecendo a importância
do estudo teórico.

7. Burger, Eugene. Magical Presentations. Genii Magazine, abril, 2000.

Eugene Burger fornece algumas dicas de como organizar a apresentação de um número de mágica e
como melhorá-lo. Fala brevemente da evolução do script de um de seus famosos números, e fornece uma
importante dica de como praticar o aspecto verbal do show (o script).

8. Fitzkee, Dariel. Showmanship for Magicians. Lee Jacobs, São Francisco, 1943.

Dariel Fitzkee é autor de diversos livros e manuscritos. Os mais conhecidos, no entanto, fazem parte
da famosa “Trilogia de Fitzkee”. São três volumes de livros: Showmanship for Magicians, The Trick
Brain e Magic by Misdirection, respectivamente. Embora tenham informações extremamente relevantes,
muitas delas jamais exploradas até então, muitos mágicos, notoriamente, não concordam com as ideias
expostas por Fitzkee. Independente de concordar ou não, considero essa trilogia leitura obrigatória para
qualquer mágico.
O primeiro livro da trilogia, Showmanship for Magicians, aborda a questão da performance, ou seja,
o modo pelo qual a mágica deveria ser apresentada. Fitzkee procura explicar, diante de uma perspectiva
moderna, como a mágica deveria ser apresentada, e por que ela não é tão popular para a massa como
outras formas de entretenimento. O livro descreve e exemplifica importantes conceitos, tais como: a
comédia, a conquista da atenção do público, o planejamento de uma rotina, os diversos tipos de plateia, o
business do mágico, etc.

9. Fitzkee, Dariel. The Trick Brain. Lee Jacobs, São Francisco, 1944.

Esse é provavelmente o livro mais polêmico da trilogia, pelo fato do Fitzkee explicitar que considera
a mágica uma ciência e não uma arte. Independentemente do posicionamento de qualquer mágico a esse
respeito, é, sem dúvida, uma leitura de fundamental importância. Dariel Fitzkee, pela primeira vez na
história, apresenta uma abordagem sistematizada da Arte Mágica. A lista de categorias de efeitos
mágicos criada por ele foi, inclusive, a lista na qual me fundamentei para escrever este livro (ver
apêndice A).

10. Fitzkee, Dariel. Magic by Misdirection. Lee Jacobs, São Francisco, 1975.

Esse livro é um dos mais completos manuais sobre misdirection. Todos os conceitos sobre essa
técnica são minuciosamente explicados e exemplificados. A leitura já havia sido recomendada, inclusive,
pelo saudoso Tommy Wonder.

11. Giobbi, Roberto. Card College vol 2. Hermetic Press, 2000.

O segundo volume da série dá continuidade ao volume anterior, explicando minuciosamente outras


técnicas e números de cartomagia. Ao final do livro, porém, há um capítulo que aborda exclusivamente
assuntos teóricos. É bastante interessante compreender a ótica de Giobbi quanto ao timing, ao
misdirection, à apresentação, à construção de rotinas, ao papel do mágico, e etc.

12. Giobbi, Roberto. Card College vol 4. Hermetic Press, 2000.

Da mesma forma como fez no volume 2, Giobbi reservou um espaço no final do volume 4 para
assuntos teóricos. O capítulo 54 trata exclusivamente da “Estrutura da Arte Mágica”, onde Giobbi
explica seu modelo de Pirâmide Mágica. Um conteúdo valiosíssimo.

13. Hall, Stuart. Encoding, Decoding. Culture, Media, Language: Working Papers in Cultural
Studies, 1972-79. London: Routledge, 2005[1980].

Stuart Hall é um teórico cultural jamaicano que contribuiu com obras chave para os estudos da cultura
e dos meios de comunicação. Esse livro não trata de mágica, mas apresenta um “Modelo de Comunicação
de Massas”, diferente do usual “Modelo de Comunicação Interpessoal”. Resolvi incluí-lo como
referência bibliográfica "porque citei como nota no Capítulo 9 no intuito de mostrar ao leitor que existem
outros modelos de comunicação, mais complexos que o utilizado aqui para fundamentar o capítulo 9.1.

14. Leirpoll, Jarle. Choreographic Misdirection. Magic Magazine, julho, 1997 .

Jarle Leirpoll é um mágico norueguês, estudioso da percepção do público. Apesar de não muito
conhecido no cenário mágico, ele é autor do bem comentado livro Pocket Power e de diversos outros
artigos sobre misdirection, manipulação da atenção e timing. Nesse artigo, publicado na famosa Magic
Magazine, Leirpoll explica sua teoria a respeito do misdirection coreográfico, termo que citei na Seção
8.2.1 quando comentei sobre a linguagem corporal do mágico. É um excelente artigo, que retoma vários
conceitos importantes e apresenta outros inovadores. Vale ressaltar que Leirpoll oferece importantes
conselhos para aplicar a técnica do misdirection em apresentações na televisão.
15. Leirpoll, Jarle. Magic as a Martial Art. Magic Magazine, outubro, 2001.

Esse é outro excelente artigo escrito por Leirpoll. É um conteúdo totalmente inovador e inusitado.
Jarle Leirpoll faz uma analogia entre a Arte Mágica e a arte da luta, mais especificamente, o Aikido. O
objetivo é demonstrar que as concepções de “ataque”, “defesa” e “equilíbrio” no Aikido podem ser
brilhantemente aplicada na mágica. É uma leitura que até mesmo facilita a compreender o conceito de
misdirection mental (conceito que expliquei na Seção 8.2.5).

16. Mauss, Marcel. Esquisse d’une théorie générale de la magie. Anné sociologique, 1902.

Marcel Mauss é sociólogo e antropólogo francês, considerado o “pai” da etnologia francesa. Esse
livro é um estudo antropológico da mágica como fenômeno cultural e de sua evolução desde as
sociedades “primitivas” (termo utilizado pelo próprio autor) até hoje, manifestada em pensamentos e
comportamentos sociais. O livro mostra o poder da mágica em diversas culturas e a relação com a
sociedade e a religião. A concepção de “mágica” utilizada pelo autor não é a mesma da que estamos
acostumados. Nossa concepção trata a “mágica” como uma arte de entretenimento, direcionada a uma
plateia. A abordagem de Marcel Mauss trata a “mágica” como fenômenos de “magia”, isto é, que
envolvem algum tipo de crença (remédios curandeiros, alquimia, astrologia e rituais). Apesar de ser um
assunto muito complexo e uma leitura nada fácil, o livro traz muito conteúdo sobre a evolução da
“mágica” na antiguidade e o poder que os “mágicos” exerciam na sociedade. O livro contribui,
sobretudo, para entender como a “mágica” foi responsável pela evolução da ciência. Esse livro foi
traduzido para o inglês, com o nome de A General Theory of Magic.

17. Macknik, Stephen; Martinez, Susana. Sleights of Mind: What the Neuroscience of Magic
Reveals about Our Everyday Deceptions. Henry Holt and Co, Novembro, 2010.

Stephen Mackik e Susana Martinez são um casal que fundaram a disciplina da “neuromagia”, um
estudo nerurocientífico da Arte Mágica. Foi traduzido para o português, com o nome de “Truques da
Mente: o que a mágica revela sobre nosso cérebro”, pela editora Zahar. É um livro recente, que foi parar
em minhas mãos por indicação do meu amigo e mágico Ozcar Zancopé. Apesar de tê-lo lido após o
término do meu livro, resolvi incluir nas referências bibliográficas porque existem muitos assuntos
semelhantes pelos quais o leitor pode se interessar. Uma leitura intrigante, curiosa e muito bem
fundamentada.

18. McCabe, Pete. Scripting Magic. 2007.

Pete McCabe não é um mágico profissional, mas seu trabalho nesse livro é de fato surpreendente. O
assunto do livro é apenas um: o script. O objetivo de McCabe não é ensinar a escrever um script, mas
sim ensinar como escrever melhores scripts. O livro é repleto de ideias fenomenais e de entrevistas
exclusivas com diversos outros mágicos, entre eles Michael Ammar, Guy Hollingworth, John Lovick,
Jamy Ian Swiss e Teller. Recomendo fortemente.

19. Nelms, Henning. Magic and Showmanship: A Handbook for Conjurers. Dover Publications,
1969.
Henning Nelms é autoridade em showmanship. Considero que foi um dos melhores livros que já li
sobre a Arte Mágica. Diversos temas são abordados: o papel do mágico, o papel do espectador, estrutura
dramática de um número de mágica, comportamento e postura no palco, script silencioso, misdirection e
outras técnicas de atenção. Com sua vasta experiência como diretor de teatro, Henning Nelms conseguiu
inserir em um único livro uma miscelânea de assuntos importantes para qualquer um que se considere
mágico. Uma leitura obrigatória para todos que possuem o mínimo interesse sobre a Arte Mágica.

20. Ortiz, Darwin. Designing Miracles. A-1 Magicalmedia, 2006.

Darwin Ortiz é provavelmente um dos maiores estudiosos de cartomagia. Possui diversas publicações
sobre números com cartas e técnicas de trapaças em jogos. Alguns mágicos não sabem, no entanto, que
Darwin Ortiz escreveu duas importantíssimas obras que não tratam de técnicas e números de cartomagia:
Strong Magic e Designing Miracles.
Designing Miracles aborda apenas o conceito da “estrutura” de um número de mágica (ver figura
6.1), chamado por Ortiz de design. O livro apresenta técnicas preciosíssimas para que um número possa
ser melhor estruturado. Recomendo fortemente.

21. Ortiz, Darwin. Strong Magic. Kaufman and Greenberg, 1994.

Strong Magic ensina como obter melhores performances, como executar uma mágica mais forte. É um
excelente livro que incide sobre o importante elemento da “apresentação” (ver figura 6.1): um estudo
minucioso de como fazer um número de mágica ser mais impactante e encantador para o público.

22. Sankey, Jay. Beyond Secrets.

Beyond Secrets é uma coletânea de diversos pequenos artigos sobre os mais variados temas
relacionados à Arte Mágica. Uma leitura rápida e com informações relevantes.

23. Tamariz, Juan. Los Cinco Puntos Magicos. Frakson, Madri, 1981.

Juan Tamariz é provavelmente a pessoa mais conhecida entre os mágicos. Originalidade, inteligência
e carisma são atributos marcantes nesse artista completo e de criatividade e talento indescritíveis. Além
de ser competente como mágico, é também autor de diversos livros, artigos e manuscritos nunca
publicados, que tratam não somente de técnicas mecânicas e números de mágica, mas também de história
da Arte Mágica, teoria e princípios inovadores.
Nesse livro, Tamariz escreve a respeito de cinco fatores essenciais para uma performance de sucesso,
os “cinco pontos mágicos”: o olhar, a voz, as mãos, o corpo, e os pés. Tamariz explica por que os “cinco
pontos mágicos” são essenciais para se comunicar com a plateia e para transmitir a ilusão do impossível.
Uma leitura rápida e obrigatória para todos os mágicos.

24. Vargas, Henry. A Fenomenologia da Arte Mágica. Mimeo. 2011.


Meu grande amigo e autor do prefácio deste livro me mostrou seu artigo ainda não publicado,
intitulado “Fenomenologia da Arte Mágica”, baseado na obra de Hegel: “Fenomenologia do Espírito”.
Quando li, imediatamente pedi permissão para citá-lo no livro, já que o conteúdo enriquece o debate da
seção 9.4, que aborda a teoria da “Pirâmide Mágica”. Henry apresenta um modelo diferente de pirâmide,
que não pressupõe uma hierarquia de importância. Um artigo curto e objetivo.

25. Wonder, Tommy. Books of Wonder vol 1. Hermetic Press, Amsterdam, 1996.

Tommy Wonder é, sem dúvida, uma das mentes mais brilhantes da mágica que já existiram.
Infelizmente, faleceu cedo, aos 52 anos. O legado de Tommy, no entanto, perdurará ao longo de toda a
história a Arte Mágica. Sua originalidade estendia-se não apenas ao que fazia, mas também ao que
pensava. Ler Tommy Wonder é ler o que há de melhor na teoria Mágica. Os dois volumes do Books of
Wonder mesclam com maestria a prática e a teoria. São simplesmente fantásticos.
O primeiro volume aborda, logo no primeiro capítulo, teorias a respeito da técnica de controle da
atenção da plateia. Logo em seguida, Tommy continua com outros temas interessantíssimos, sempre
exemplificados na prática com a explicação de seus famosos números. Uma leitura fascinante.

26. Wonder, Tommy. Books of Wonder vol 2. Hermetic Press, Amsterdam, 1996.

O segundo volume dá continuidade ao primeiro, abordando diversos outros temas fundamentais para
qualquer mágico, como: a sensibilidade da plateia, a diferença entre mágicos amadores e profissionais, a
ciência dos aplausos, a perfeição de um número, as características de um bom mágico e diversos outros.
Assim como no primeiro volume, Tommy permeia toda a discussão com a explicação de seus números,
muitos deles verdadeiras obras primas.

Notas:

104 A coleção foi traduzida do espanhol para o inglês pelo mágico venezuelano Rafael Benatar.
105 Eugene Burger e Larry Hass são também professores na escola McBride Magic & Mystery School, em Las Vegas.
106 Esse jornal era publicado pelo mágico David London, e vigorou de 1998 a 2001. Infelizmente, não há notícias de quando o jornal voltará a
existir.
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