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IMAGENS FIEIS RODRIGO LACERDA A natureza, o tempo, a vida ea morte — bem como a passagem de uma para a outra ~ a famil io alguns dos temas . © poder terreno, entre outros, com que os povos estao obrigados a lidar. F, embora suas culturas cireulem ¢ freqiientemente até se comuniquem, no tempo ¢ no espago, nenhuma dé para estas questOes uma resposta exatamente igual 4 da outra, Os historia dores tém um nome para tais eixos infinitamente variiveis do pensamento humano: “estruturas de longa duragao”. Para alguns, longuissima. Ollivro de José Bassit nos coloca diante de um desses topicos obrigaté- rios: a religiosidade. No caso, claro, da cultura brasileira. Também € claro que desse tronco saem mil ramificagdes possiveis, sub-temas, como por exemplo a origem ea iconografia da nossa f6, a institucionalizagao religio- sa © as manifestagdes exclusivamente populares, a anulagdo dos sentidos € da razio em nome da espiritualidade, o sofrimento nesse mundo, o futuro, da religiao na era do cientificismo, as herangas culturais do passado ete. ete. Ao falar de religiao no Brasil é inevitavel recuar ao momento de sua incorporagdo ao império portugues. Pois, se é verdade que os indios foram os primeiros por aqui —com seus prprios deuses, crengas, rituais € sim- bologias ~, nem o espirito mais politicamente correto do mundo pode dizer que a cultura indigena prevaleceu, ao fim de trezentos anos de colo- nizagao. Para o bem ou para o mal, foi a matriz cultural de origem euro- péia, catélica, portuguesa, que moldou a base de nossas referencias reli- giosas mais disseminadas ¢ que determinou o jeito como a maioria do povo brasileiro vive a dimensao espiritual A sensibilidade que permeia o trabalho de José Bassit, portanto, tem sua raiz no modelo colonial que nos coube. Para demonstrar 6 primeiro caso, basta ver a foto em que um negro, sem camisa, com as mios acor- rentadas, em primeiro plano, de costas para a lente, ergue os bragos em diregao a um padre no altar, de frente mas desfocado, em segundo plano [rG. 23), Essa reencarnagao virtual da escravatura fala por si mesma. Demonstrando a procedéncia européia mais geral, aparecem outros dois rituais. Num deles, os peregrinos caminham com pedras na cabega talvez representando a matéria em si, a inescapavel limitagao da existéncia humana, ou 0 peso dos s ‘us proprios pecados [r1G. 28]. Mas o importante é notar que, no santuario de Fatima, em Portugal, véem-se peregrinos che- gando com as mesmas pedras na cabeg Em alguns paises da Europa Central, segundo consta, isso também ocorre. As culturas viajam, ¢ junto com elas, entre varias coisas, os costumes religiosos. Em outro ritual, de casas na igualmente curopeu de nascenga, 0s figis colocam miniatur: cabega [F16. 1), 0 que remonta as priticas religiosas da cidade italiana de Loreto (mas nao s6 de li), onde as “Santas Casas” equilibradas no alto da cabega remetem a lenda si .gundo a qual, no século xitt, os anjos, temero- sos com a chegada dos sarracenos a Nazaré, removeram a casa da Virgem, tornou simbolo de devogao e protesao. Nés, que moramos em apartamentos com televisdes, controles remo- tos e antenas parabélicas, que falamos em telefones celulares ¢ temos aces- so as maravilhas curativas da medicina de ponta, nés que, enfim, vivemos devidamente embebidos na adorasdo contemporanea pela ciéncia, sofre- mos um choque ao ver algumas das fotografias de José Bassit. Isto porque 0 catolicismo europeu como um todo, e a religiao de nosso passado colo- nial em particular, carregam uma dose violenta de dor e sofrimento, peni- téncia e castigo, culpa e humilhagao. E a permanéncia do passado no pre- sente € chocante. A despeito das diferengas sociais e regionais entre nés e os aqui fotografados, nossa sensibilidade sente-se agredida ao ver documenta- dos auto-flagelos tio “primitivos” ¢, pelo menos em tese, “anti-contempo- rineos”, sendo praticados por homens ¢ mulheres de nossos dias. Esse € 0 primeiro impacto documental deste livro. Mas nao para por af, No trabalho de José Bassit parecem co-existir dois grandes grupos de regis- tro documental, ¢ ambos nos atingem, ora chocando, ora inspirando um certo distanciamento critico. Num deles prevalece a forca da situagao composta pelos elementos fotografados, forga esta que pode advir de um toque ou bizarro, ou pitoresco, ou misterioso, ou macabro etc. No outro, prevalece a expressividade human os olhares, as bocas, as rugas, o ges- tual, Sao fotos de personagens, Algumas das fotos de situagdes se destacam. Um senhor de aparéncia deitado no conspicua, camisa xadrez, relégio e cabelo bem penteado, chao, cortando propositalmente o caminho da procissao [r16. 27]. Esta cer- cado de perna ¢ pés, ¢ vem se aproximando 0 padre e outro membro da hierarquia eclesistica, na reta para pisoted-lo, Em outra foto, por motivo desconhecido, pessoas estao estiradas no chao diante do altar de uma pe- quena igreja, com seus corpos em varios graus dé auto-abandono [116.19 apenas uma, de pé, parece rezar em dire¢ao as imagens, ¢ portanto de cos tas para a lente, enfatizando, gracas exatamente a sua naturalidade, 0 nosso estranhamento diante da cena. Numa terceira, um homem deitado na cova, prestes a ser enterrado, sob os dizeres “a cruz dada por Deus”, é observado por uma mulher que, numa pose ingela, segura um retrato de Jesus [r16, 94). Detalhe: 0 homem na cova nao parece estar morto. Nesses répidos exemplos, sobressai um elemento insdlito; estd patente a sinceri- dade de gestos extremados nos atos de devogao, mas esse préprio cardter extremo é relativizado, por outro elemento na imagem, que perturba o lima de fanatismo, ou pela simples auséncia de plicagao para “prome: 2, distancia- sas” tao além do racional, Choque’, ironia por tris da lent mento critico? Nio faltam, nesse nivel documental, narrativo, criticas mais ou menos sutis a certa hipocrisia eclesistica. Um padre ¢ uma crente, sentados num banco ruistico~sendo que ele, que acabou de ouvir a confissao da mulher, cobre a boca com uma das mios € cochicha ao seu ouvido, ¢ ela se inclina para preservar o segredo das santas palavras [F1G. 85]. Ambos sao observados, € de muitissimo perto, por cinco outras crentes, que em fila aguardam sua vez no confessionario improvisado. A privacidade é quase nenhuma. A ima- gem divide-se em duas: do lado esquerdo predomina o espago vazio, com as figuras do padre e da crente no centro; do lado direito os elementos huma- nos, que nao preenchem todo 0 quadro, fazendo 0 contraponto. A oposigao entre dois planos contiguos é marcada demais para que o efeito critico nao se configure. A seguir, vemos uma ceriménia numa igreja luxuosa [F16. 49] |, relu- zente, com autoridades eclesidsticas enfileiradas a esquerda da imagem, num cendrio absolutamente formal, institucional, “elevado”, que con- trasta com tudo mais que se vé no resto do livro, cuja énfase est na reli- giosidade popular. Por fim, na esteira das fotos dedicadas a situagdes, ¢ a critica, a comer- alizagio da fé é explicitada, na forma de uma vendedora que retine no mesmo mostrudrio icones religiosos ¢ discos de cantores populares, duplas sertanejas ¢ outros com os hinos dos times de futebol [F16. 67). Também as personagens documentadas por José Bassit tém forga. E compoem talvez 0 grupo mais amplo de imagens. A mie de santo, de Jongos cabelos grisalhos, que enquanto di um passe possui um olhar fixo € impressionante [r1G. 6s}; © sertanejo em close diante de uma igreja cujos tragos arquiteténicos estio demarcados por fileiras de pequenas limpadas, enquanto a luz da fotografia sublinha seu perfil com um leve risco preto, que contrasta com as linhas iluminadas do edificio sagrado [116. 60]; 0 homem de tragos arabes com um lengo amarrado na cabega (um companheiro mascarado ¢ de cabega baixa a sua direita), dono de as duas velhas cobertas um olhar vagaroso, quase melancélico [F16. 82 com rendas amarradas bem rente ao pescogo, o que transforma seus ros- tos em circulos quase perfeitos, as duas muito parecidas, porém uma possuindo um ar plicido, e a outra, caolha, uma express io diagonal e incisiva [116.3 um menino que tem penduradas no pescogo uma chu- peta e uma cruz, em si jé uma mensagem bastante direta, mas que se revela completamente se nos fizer lembrar da famosa foto em que um menino tem uma chupeta na boca ¢ esta fummando um cigarro [F16. 81 menina de olhos imensos, seriedade absoluta, coroa na cabega € maos a” africana de olhar misterio- posicionadas para a reza (11. 54]; a “prin so, com duas imensas trangas que Ihe caem da touca por sobre os ombros [t16. 35}; 0s trés peregrinos, o jovem, 0 adulto ¢ o velho, todos de cabelos compridos, os dois tiltimos de barba, todos segurando um bastao (uma cruz, talvez?), tendo cru 5 estampadas no peito de suas tinicas brancas, sendo que o velho tem um olhar que impressionaria 0 proprio Antonio Conselheiro (r1G. 95)

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