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~ CAPITULO 2- ASPECTOS BIOGRAFICOS DE JEAN-PAUL SARTRE 2. TRAJETORIA EXISTENCIAL Jean-Paul Sartre nasceu em Paris, em 1905 e veio a falecer nessa mesma cidade, em 1980, tendo como mote de vida a intelectualidade. “Comecei minha vida como hei de acabé-la, sem diivida, no meio dos livros. No escritério do meu av, eles estavam por toda a parte (J. Eu ainda nio sabia ler e ja reverenciava essas pedras erigidas” (SARTRE, 1964, p. 35), narra o proprio filésofo, apontando o horizonte intelectual no ‘qual foi criado ¢ que Ihe defini o horizonte de possbilidades de ser um ‘escritor, conforme descreve em seu livro autobiogrifico As palavras. Com dez anos jé tinha certeza de que queria escrever, redigindo suas primeiras linhas. Dai em diante a escrita tornou-se uma espécie de obsessio, uma atividade fundamental: escrevia horas a fio, sem cessar. Mesmo quando feito prisioneiro na guerra, Sartre deu jeito de convencer seus carcereiros 4 deixé-l escrever, produzindo, nesse ambiente, alguns de seus romances, pecas teatrais ¢ elaborando aspectos centrais de sua filosofia. Sartre viveu sua vida em um clima antropolégico marcado pela intelectualidade € contestaséo, estando sempre rodeado de amigos que compartilhavam dessa atmosfera, Em 1924, Sartre comesou a estudar filosofia na Ecole Normale Superieze, considerada na época a mais seleta ¢ intelectual instituigio de ensino superior da Franga. Ali tomou contato com os principais pensadores léssicos, bem como com boa parte dos pensadores cescritores de seu tempo. Foi nesse ambiente universitirio que ficou amigo de algumas pessoas que se 62. SaRTRB EAPSICOLOGIA CLC tomariam seus companheizos intelectuais: Poullion, Paul Ni 1u- Ponty, Lagache, entre outros. Conheccu, também, Simone de nea ra época também estudante de Filosofia, e que se tornatia a compankeira de sua vida, ocorrendo entre eles uma relagio de mediacao sociol6gica fundamen psec ea parcial aft, le obteve, em 1928, 0 certificado de Psicologia e de Histéria da Filosofia e, em 1929, os de Filosofia Geral, de Logica e de Soci (COHEN-SOLAL, 1985). Apés ser aprovade 20 extme de ‘Avene de Philosophie” (que seecionava professores para dar aulas nos Lye) Sartre foi inicado para dar aula em Le Have, permanecendo nesa cidade portuaria entre 1931 e 1936, apesar de passar quase todo seu tempo de | fg em Par Em 1936 dew alas em Lion e, em 1937, volta, finalmente, a Paris, para dar aulas no Lycée Pasteut. © jovern flsofo p ; assim, entre a cétedra e os livros. : fetta __ Quando estoura a Segunda Grande Guerra, Sartre € convocado para servi como meteorologista. Sua vida na guerra nfo o.mantinha ocupado Bor grande tempo, nfo tendo de realizar mut avidades, o que Ihe deizava muito tempo de fogs, provetedo paral e eserove. Em 194, € fio prsonsiz pelo ales, Meno ner condo, como jt haviamos ito anes ele au expago pare continuar suas aividades intlectai inclusive dedicando-se a estudar autores alemies como Heidegger, de quem the era fornecido os livzos. Consegue escapar em 1941, voltando 4 Patis, ao encontro de Simone outros amigos, com os quais funda 9 sr Secilmo © Liberdade’, destinado a atuar na Resisténcia Tancesa, elaborando escritos ¢ atividades contrérias & a 408 colaboracionistas, ae ‘A experiéncia da guerra marcaré profi : profundamente seu projeto intelectual, clima.gerado na Europa, pela guerra, indlenclard sobremaneira o existencialista, fa ialista, fazendo-se sentir em mui sua filosofia, ee Eumudei radicalmente de ponto de vistad le vista depois da Segunda Guerra Mundial, Eu poderia dizer, ums formula simples, queavida me ensinon “a forga das coisas’. [.] Assim, eu comecei a descobris a realidade da situasio do homem entre as coisas, daquilo que se chama de “terno-monde’, Aperece a experénca verdadeien a da sociedade. (SARTRE, 1972, p. 99). : CarirULO 2 ee 'A claboragio da nogio de engajamento, ou seja, a proposicio de que todas as atividades intelectuais ~, literatura, teatro, ate, filosofia~ devem ‘etar comprometides com a realidade social onde se inserem ¢ um dos fesultados dessa influéncia da Guerra sobre Sartre, Sob essa perspectiva fcomega a escrever ¢ a fazer encenar suas pesas teatrais, que sio criticas Gontundentes aos valores e modos de vida gerados pelo nazifascismo © pela nova organizagio cociocultural decorrente dos reatranjos politics ¢ eeondmicos advindos da Guerra e dos avangos do sistema capitalista. "Assim que acaba a Guerra, Sartte funda, junto com outros companbeiros, a revista Les Temps Moderne, dedicada a analisar os prebleras de sua época, revista que permanece ativa até hoje ¢ que foi muito importante no meio intelectual francés, Sartre, no pés-guerra, ‘genha uma notoriedade enorme e seu existenciaismo passa a sera filosofia da moda daqueles tempos. Sartre e Simone visjam o mundo divulgando ‘suas ideias e concepgoes, causando polémica por onde passam ao pregarem tum modo de pensar questionador, que pde em cheque 05 valores sociais predominantes. Sendo assim, as concepgbes sartrianas, que jé vinham sendo desenvolvidas, € que propunham a inseparabilidade do homem com seu tempo, seu mundo, seu semelhante, levam-no, na década de 1950, a firmar 0 compromisso do filésofo com uma atividade politica mais efetiva, fazendo-o aprorimat-se do Partido Comunista. Em 1956, no entanto, em fangio da intervengao soviética na Hungria, Sartre rompe com o partido passa a ser um critico ferrenho do stalinismo. Por esses anos, comesa a escrever virios artigos ¢ livros sobre 0 marxismo, por consideri-lo a Filosofia irrevogavel de nosso tempo, ainda que o faca em uma perspectiva critica, discutindo os impasses a sezem superados. Continua a envolver~ te ativamente na luta contra 2 opressdo da classe trabalhadora, contra 0 colonialismo e a favor das minorias, escrevendo varios ensaios sobre essas temiticas. Em 1964, recuse 0 Prémio Nobel com o qual tinha sido Isureado, por no querer ser “engessado” vivo. Sartre tinha clareza dos jogos. de poder e coetgio existentes no meio literério ¢ intelectual ¢, devido ao fato de sempre ter sido um resistente as adaptagbes ficeis a0 paradigma vigente, sua recusa foi uma forma de no permitir ser “engolido” pelo sistema, Em 1968, participa ativamente das barricadas de maio em Paris, ao considera, imprescindivel, naquele momento, luta ¢ 08 protestos dos -64- SaRTRR ea FSICOLOGKA CLINICA ‘estudantes contra a politica educacional francesa e 40 modelo sociocultural imposto pela burguesia. Nos anos 1960 ¢ 1970 Sartre compartilha de muitos movimentos sociais ¢ escreve muitos artigos de cunho social € politico, além da continuidade de sua produgio filos6fica. Em 1976, j quase cego, o flésofo permanece trabathando, junto com um secre Benny Levi, para o qual dita suas reflexées, Morre em 1980, deixando atris de si uma vasta obra, que vai desde ttatados sobre psicologia,filosofia e antropologia, até livros de literatura € teatro, romances autobiogrificos, ensaios politicos, artigos de andlise de problemas contemporineos. Sartre sempze foi polémico: odiado por uns, amado por outros, considerado, as vezes, uma das consciéncias mais licidas de nosso século, em outras, o grande “manipulador” da Javentude e, portanto, a “consciéncia odiada” (GERASSI, 1990), 0 filésofo cexistencialista ainda é atual. Suas concepgdes ¢ ideias sobre o homem e a sociedade ajudam a explicar o mundo contemporineo esfo um instrumental de andlise, fundamental para se compreender a complexidade da realidade ‘humana hodierna. Isso porque, como veremos adiante, Sartre colocou as bases do pensamento ocidental em outros termos dos vistos até entéo na filosofia e psicologia, ao oferecer subsidios fundamentais para a superagio da metafisica: sustenticulo ontolégico e antropolégico do sistema social vigente, aspecto que até o presente momento, infeliemente, ainda nao foi inteiramente suplantado, Os filésofos da pés-modernidade, entretanto, afirmam que as concepgées modernas, como as defendidas por Sartze acerca do sujeito, da historia, da inteligibilidade social, estfo superadas, estio “mortas”, ¢ que ‘lo mais oferecem substrato para explicar os processos contemporaneos. No centanto, é preciso estar atento ao contetido dessas criticas “desconstrutivas’, pois vem imbuidas de um cariter ideol6gico, no sentido de serem “a l6gica cultural do capitalismo tardio’, como bem demonstram Jameson (1997) © Harvey (1998), ou seja, ao pretenderem inverter os pressupostos da modernidade e de sua racionalidade, nfo fazem mais do que teproduzir 4 sua propria Iigica, sendo o discurso justificador das novas ondas lobalizantes. Dessa forma, as crticas de Sartre & racionalidade moderna e 8s estrutuzas da sociedade burguesa continuam atuais, mesmo no meio do discurso pés-moderno. Nos préximos itens, discutiremos 0 percurso tesrico de Sartre, as raizes a partir das quais foram geradas suas concepgdes revolucionirias, ccuotncto 2 bem como sua importincia para a filosofia ¢ a psicologia modernas € contemporaneas 2.2 OS CAMINHOS TSORICOS DE SARTRE Jean-Paul Sartze, desde o inicio de suas incursbes filoséficas, como javvimos, teve claras pretensbes de elaborar uma psicologia (BERTOLINO, 3995; MOUTINHO, 1995). Esse interesse foi gerado em fungio de variados fatores, entre eles, 0 seu reptidio & sociedade burguesa, por seus habitos e valores, repiidio que, para Sartre, nesses anos 1920, configurava~ se como uma rejei¢do 4 moral e & légica psicolégica que a sustentava, como 0 apego 20 individualismo, ao perfil do “homem sério", como chamava aqueles que se deixavam reger pela moral @ priori. Experimentava a necessidade de’ superar as concepgdes filossfcas, antropol6gicas © psicolégicas que embasavam a racionalidade dominante. Outro fator foi seu estudo da psicologia no curso de Filosofia, que acabou chamando sua ateagio e gerando seu desejo de aprofundar pesquisas sobre essa ciéncia, a fim de superar 0s equivocos que via flagrantes nas teotias psicoldgicas apreendidas. Dessa forms, pretendia criar uma psicologia que se opusesse aquelas compreensdes do humano que lhe pareciam, de um lado, abstratas « despregadas da realidade e, de outro, mecanicistas e causalistas. Descreve Simone que [1 o que intefessava antes de tudo eram as pessoas. A psicologia analitica e empoeirada que ensinavam na Sorbonne, ele desejava por uma compreensio conereta, logo sintética, dos individuos, Essa nogio ele tinka encontrado em Jaspers, cujo tratado de psicopatologia, escrito em 1913, fora traduzido em 1927; sendo que corrigira as provas do texto francés com Nizan. (BEAUVOIR, 1960, p. 52-53). (Os bidgrafos de Sartze fazem questo de salientar a importéncia da Psicologia em seu projeto intelectual. Cohen-Solal, por exemplo, assinala que a filosofia seria uma propedéutica para a psicologia ¢ para sua criagio romanesca. Nas revisées de “Psicopatologia Geral” de Jaspers, nas apresentayées de casos dos doentes do Hospital Sainte-Anne, [.] ‘SanTRE wASICOLOGACLICA em seu diploma de estudos superiores, quando sustentou, sta tese sobre “A imagem na vida psicologica”, Sartre decifrava, cobretudo, © campo da psicologia. (COHEN-SOLAL, 1985, p. 140). Esse seu interesse pela psicologia o coloca nos trilhos da Fenomenologia. Inicialimente, com a tradugio do tratado de psicopatologia Fenomenolégica de Jaspers, na qual encontrou, entre outras, a nogio de compreensio, em oposigio & de explicagto causal, tipica do positivismo, que tanto criticava. Depois, seu encontro com Husserl e Heidegger, que teve seu inicio com o famoso episédio, bastante divulgado, no café Bee de Gaz, em Paris, quando Raimond Acon, de retorno de seus estudos no Instituto Francés em Berlim, fala para seu camarada sobre a fenomenologia alema, mostrando como ela vinha 20 encontro aos anseios de Sartre (BEAUVOIR, 1960). O filésofo soticita uma bolsa para suceder Aron em Berlim, passando li o ano de 1933, quando teve oportunidade de pesquisar ssa flosofia ém suas fontes. Até 1938-1939, no dominio filoséfico, Sartre dedicarse-a basicamente & Ieitura e ao estudo de Husserl. Explorari 0 Meditasées cartesianas, 0 Ideias diretrizes para uma fenomenolegia, entze outeas obras. O primeiro texto que produziu, esbosando suas reflexes criticas sobre as contribuigdes filoséficas da fenomenclogia, escrito em 1934 e publicado somente em 1999, ¢o conbecido “Uma ideia fundamental da fenomenclogia ‘de Husserl: a intencionalidade’, no qual explora a idcia-chave que guiard sua filosofia e psicologia, a intencionalidade (COOREBYTER, 2000), que postula que toda “consciéncia é sempre consciéncia de alguma coisa”, ou seja, a consciéncia é sempre relagio a uma exterioridade, Essa nogio serve Para questionar o “mito da interioridade” ou, como ele designa nesse texto, a velha “Filosofia alimentar’, recolocando a filosofia sobre novas bases, A fenomenologia Ihe fornece “os meios de pér fim & ideia de representagiio e constituir assim uma nova psicologia, o que ele procurard fazer nos anos subsequentes — uma psicologia da imagem, da emogio, mesmo mais tarde uma ‘psicanilise existencial” (MOUTINHO, 1995, p. 163) Aos poucos, ¢ de forma cada vex mais contundente, Sartre it construindo sua critica a Hussezl, principalmente 2o idealismo pressuposto em toda a sua proposta fenomenolégica, até o momento em que precipitaré | sua ruptara com as ideias do referido fldsofo Sactre, em torno de 1939, passa a centrar seus estudos na obra de Heidegger, Ainda em 1931, ele e Simone estudaram 0 livro O gue é a ‘casiruro2 on metafisca, de Heidegger, mas acabaram por nio se deter em seus conceitos jnovadores. Em 1934, o mesmo acontece com sua leitura de Ser e zempo. xd redescobrir Heidegger somente depois de ter esgotado Husserl (MOUTINHO, 1995), quando de sua busca de novas fundamentagoes {que 0 mantivessem no “rumo em diregio 20 conereto”. Vai incorporando, ‘um apés outro, conceitos como ser-no-mundo, mundaneidade, nadificasio, temporalidade, mas sempre de forma critica, Essa aproximagao de Sartre da daseinsanalyse foi possibilitada por haver alguns pontos em comum. centre 08 dois fenomenslogos (COOREBYTER, 2000): 1) ambos eram ctiticos de Husserl quanto 20 fato de este ter-se mantido prisioneiro na problemstica da representacio; 2) Heidegger apoderou-se da nogio de intencionalidade de Husserl como via para romper com o seu ago cogito, da mesma forma que Sartre teri a intencionalidade como mote central, ainda que mantendo a nocio de ego ede cogito, porém recolocados em novas bases; 3) Heidegger reprova Descartes, Kant e Hlusserl, por nao terem ido muito longe no conhecimento da esséncia verdadeira da subjetividade, estando presos a0 subjetivismo, marcando que o ser do Dasein é totalmente Giferentes dos outros entes. Chegaré a ponto de abandonar os conceitos de consciéneia ¢ sujeito. Sartre também farsa critica ao subjetivismo marcari a especificidade do humano em relac&o aos outros seres, ainda que dentro de parimetros diferenciados dos de Heidegger, partindo da consciéncia como aspecto ontolégico irrefutivel, mantendo a nogio de sujeito como elemento essencial para se pensar uma nova psicologia. Masse, para Sartre, as contribuigées de Heidegger sio fundamentais, ainda assim ele as considera insuficientes em uma série de aspectos. Heidegger sera um ctitico de Sartre, asim como Sart o foi de Heidegger. “A linha de ruptura € sem retorno: Sartre integra o ‘ser-no-mundo’ em uma filosofia do eagito, da negatividade e da liberdade que Heidegger julgaré- metafisicamente regressiva’ (COOREBYTER, 2000, p. 80), ‘As frequentes andlises da relagio Heidegger/Sartre sio surpreendentes, segundo Coorebyter, por serem repetitivas ¢ desgastadas. Algumes argumentam que a obra de Sartre, O ser e 0 nada, simplesmente traduziria Heidegger em uma linguagem cartesiana, sem conseguirem compreender 4 ruptura que Sartre realizou com a filosofia cartesiana, como veremos adiante neste trabalho; outras usam 0 argumento da incompreensio de Sartre das teses de Heidegger, afirmando que o existencialista passou a0 -68- sanras largo das exigéncias de uma ontologia heideggeriana, sem entenderem que | ele construiu sua obra com parimetios diferentes dos do filésofo alemao, ‘De qualquer maneiza, a fenomenologia que Sartre foi aprender na Alemanha sera decisiva na constituigdo de sua obra. ‘A tese de conclusto de sua pés-graduagio em Berlim foi seu primeiro escrito sobre a psicologia fenomenolégica, sob a denominagio de La transcendence de Tego," publicado em 1936, Nele descreve a ontologia do eu e of processos de constituigio da personalidade. Ali demonstra que uum dos grandes impasses da filosofia e psicologia, até entio vigentes, é a nao diferenciagio entre as dimensdes da “consciéncia” e do “ego”, que sto considerados como sindnimos em muitos casos. Partindo das concepgdes de Husserl, ainda que tecendo-Ihe criticas em aspectos centrais de sua teoria, Sartre estabelecer uma distingSo essencial entre essas duas dimensdes do hhomem, demonstrando que o go, 20 contririo do que se afirmava, nfo é imanente 4 consciéncia, ou seja, no é seu habitante, nem seu contetido, tas sim, objeto do mundo, ser transcendente. Essa abordagem possibilita que coloque as condigées de superacio do solipsismo (o sujeito sustentado em si mesmo, 0 mundo sendo desdobramento da perspectiva pessoal de cada um), bem com a chamada “ilusdo substancialista” (a consciéncia considerada como uma substancia em si), conceitos sempre presentes nas filosofias idealistas. ‘A partir de entio o caminho torna-se inreversivel. As posigdes defendidas em La transcendence de Tego seguirio se aprofundando no restante de seus estudos, Suas obras, destacadamente as de cunho floséfico | © psicol6gico, constituem-se em um conjunto articulado de concepgves ontolégicas, antropol6gicas, psicolégicas e metodolégicas. Vejamos como cle conclui La transcendence: ‘pareceu-me sempre que uma hipétese de trabalho tio fecunda como o materialismo histérico nao exige de nenhum ‘modo como furdamento essa absurdidade que é 0 materialismo metafisico. Nao é necessirio, com efeito, que o objeto preceda o sujeito para que os pscudovalores espirituais se desvanecam ¢ para que moral reencontre suas bases na realidade” (SARTRE, 1965, p. 86). Atentemos para 0 conjunto do pensamento de Sartre, tendo em vista que em seu primeiro livzo, de 1936, jé aparece a discussio acerca do © Tradusido para o portugues, em 1994, pela editora Colibri, de Lisboa, sob o titulo (palatal lacia e cattut02 -09- naterialismo hist6rico que aprofundard somente em suas wtimas obras, Question de méthode « critique de la raison dialectique, publicados em toro de 1960. As suas tiltimas pesquisas, como querem alguns de seus criticos, tnjo negam suas teses anteriores; na verdade as complementam, acrescendo aspectos menos explorados anteriormente. Portanto, consideramos um fequivoco a afirmacto de que existem “dois Sartres’,o de O ser e 0 nada Co de A critica da razdo dialética, como pregam muitos de seus criticos (BORNHEIM, 2000). Laing Cooper (1982, p. 14) explicam que “as posigées-chaves das primeiras obras se conservam nas mais recentes, nas através de uma transformaco dialética, como um momento de sintese mais atual”, O préprio existencialista, em numerosas entrevistas (GARTRE, 1972, 1976), afirma que hi entre 0 Thanseendéncia e Flaubert uuma linha de continuidade em sua obra. Dizem seus biblidgrafos que *{,.) La transcendence de Pego contém em germe a maior parte das posigoes filosdficas que desenvolverd em L’étre et le neant ¢ termina por aquilo que se poderia chamar de um programa de toda sua obra filosofica« vir, até a Critique de la raison dialectigue e a morale sempre em curso de elaborasio’ (CONTAT; RYBALKA, 1970, p.50. = Feita essa pequena digressio, para alertar para o necessétio “olhar de conjunto” para a obra sartriana, voltemos & histéria de sua trajetoria tedrica. Somente em 1938 seri publicado seu romance La nausée!* que dle jé vinha redigindo desde 1933-1934. Romance centrado na nogio de contingéncia, ou seja, do confronto do sujeito com a gratuidade da existéncia, do embate com seus contornos materiais, objetivos, que narra a historia de Roquentin, que softe de uma “metamorfose insinuante horrivel de todas as sensagées, pasando por um verdadeiro proceso terapéutico, no sentido da alteragao do seu modo de se langar no mundo € da redefinigao de seu projeto de ser, na medida em que havia se complicado psicologicamente justamente por experimentar esse projeto invisbilizado. Sartre, nessa obra, insere uma sésie de reflexdes flos6ficas, ainda que em Tinguagem literéria, que aparecerfo em suas obras futuras. Inclusive, um dos fatos que o levou a escrever o La psyebé, cujo fragmento publicado foi 0 Esquise de une théorie des émations, foi a tentativa de elucidagto técnica de sua expressio literdria em La nausée. Taritlado 4 nduea em portugues, tm impress brasileira pela Nova Fronsirs, Rio 4e Jancieo, Sa eae OTT a SaRrRH BA SICOLOGIA cLENTEA Em 1935/1936, ainda sob forte influencia da fenomenologia de Husserl, dedica-se a estudar as questdes ligadas 4 imagem mental, escrevendo uma obra cuja introdugdo foi publicada, em 1936, sob o titulo Limagination,§ na qual faz. uma revisto das principais teorias existentes sobre a psicologia da imaginagio, Em 1940, é publicado o restante dessas reflexses, sob 0 titulo de L'imaginaive; em que Sartre descreve sua propria compreensio dos fendmenos do imaginatio, Pastindo da nosdo de intencionalidade (toda consciéncia é sempre consciéncia de alguma coisa), concebe a imaginagio como uma das formas de a consciéncia se relacionar com 0 mundo, nesse caso com um objeto ausente ot inexistente. Portanto, a consciéncia imaginante nio é algo que se d& no interior do sujeito, mas na sua relagdo com o mundo, Vemos aqui os caminhos trilhados por Sartre para tentar construit uma nova pstcologia, que desembocam, nos anos de 1937 e 1938, no seu tratado sobre La Pyyché, cuja pretensfo era clucidar a realidade humana a partir da existéncia concreta do sujeito. No entanto, segundo Bertolino (1996, p. 13) “teve de se rever a meio caminho, devido aos obsticulos de ordem técnica’. Seria necessirio resolver, primeiramente, questdes de ordem ontolégica (teoria do ser da realidad) ¢ antropol6gica (teoria do ser do homem), para depois resolver as questées do psicol6gico, Sartre nos explica, em seu Etquisse d'une théorie des émotions,” que foi 0 fragmento, publicado em 1938, das quatrocentas paginas que jé havia escrito do referido tratadot a Psicologia, encarada como ciéncia de certos fatos humanos, lo pode ser um comes, porque os fator peiquicos coon que nos dleparamos nunca slo os primeiros. Séo sim, na sua estrutura ‘essencial, reagdes do homem contra o mundo, (..] Se desejarsnos fandar uma Psicologia, teremos de ir bem mais alto do que 0 Psiquico, mais alto do que a situagfo do homem no mundo; teremos Ae ir até & origem do homem, do mundo e do psiquico. (SARTRE, 1938, p. 18). Bdlipio brasleire no fascculo sobre Sartee na colesto “Os Pensadores’, da Nova (Cultura, intitulada A imaginapdo 1 Bist brasileira de 1996, da Bd, Ace, Sto Palo sob titulo O imaginai pio fenomenclgice da imaginasio. J Em portugues olive fi editado em 1975, pela Ed, Presenga, de Lisboa, com o titulo Eidos de uma tora das emogdet n- ccaviruvo2 Portanto, Sartre defronta-se com uma questio técnica séria. Constata que no conseguiria revolucionar a psicologia, como pretendia, ce ndo refizesse as bases filoséficas dessa ciéncia, se nio Ihe constituisse sutra ontologia, que viabilizasse a compreensio da realidade, do homern, fem uma outra perspectiva da até entio vigente. : E durante a Guerra, enquanto soldado encarregado da meteorologia ce, depois, como prisioneiro, que Sartre comesa a esbosar as primeiras ideias de sua ontologia, retomando algumas reflexes produzidas para 0 La pryché. O resultado dessa empreitada filosofica, deserito em um livro de memérias, intitulado Les carnets de la dréle de guerre;* obra somente publicada apés sua morte, apareceré em seu livro, Lidtre e le néant ~ essai Tontologie phénoménolegique,® publicado em 1943, através do qual realiza a proposicio de uma nova ontologia. Nesse livro dialoga com os autores fenomenolégicos, como é o caso de Husserl e Heidegger, apoiando-se em muitas de suas noses, ao mesmo tempo em que os critica profundamente. Aprofunda a concepslo de consciéncia adquirida em Husserl, agora concebida como dimensio transfenoménica do sujeito, a regio do ser que designa de “‘para-s”, 0 absoluto de subjetividade, no substancial. A outra regio do ser se refere ’s coisas, ou a0 “emi, 0 absoluto de objetividade, Esses dois absolutos sio relativos um a0 outro. Define-se, assim, a dialética do sere do nada, ou da objetividade e da subjetividade, Outrossim, como decorréncia dos eaminhos que jé vinha trilhando, a obra é perpassada por discussbes de ordem psicolégica. Varios temas fandamentais como 0 homem-no-mundo, a temporalidade psiquica, 48 relagées com 0 corpo, o projeto de ser, a liberdade humana, sto alt desenvolvidos. Mais especificamente no capitulo intitulado “Psicandlise Existencial”, descreve uma proposta metodolégica para clucidar, “de forma rigorosamente objetiva, a escelha subjetiva pela qual cada pessoa se faz pessoa” (SARTRE, 1943, p. 662). eee Em fangéo de sua intengio de constrair wma nova psicologia, nfo £6 em terms tescene, mes também metodeligcos, vsbilizando um instrumental tedrico-pratico que possibilitasse a compreensio rigorosa tide de um homem, Sartre pare para a realzasio de exmpreendimentos Dildrio de uma guerra estranba, em Portugués. Editado pela Nova Froateira, Rio de Janeizo, » A edigio brasileira ¢ de 1997, pela Vozes, Petropolis, sob 0 titulo O sere madas esbeyo Ae ontolegia fincmencgice. “72. Sanrmus asICOLoGIA CLINIC | biogrificos. Dedicar-se-4 a escrever biografias de escritores conhecidos, para, através da anilise de suas obras e dos dados de suas histérias, claborar a compreensio antropoligica e psicol6gica dos personagens escolhidos. Seus livros Baudelaire, de 1947, e Saint Genet: comédien et ‘martyr, de 1952, slo seus primeiros ensaios para viabilizar sua psicologia. Compreender o “destino” eleito por esses dois escritores, a partir do embate com as contingéncias que os cercavam, esclarecendo como sua escolha fundamental expressava-se ern suas obras, foi um dos objetivos centrais do existencialista. Nessas obras aparecem muitas discussées em relagio a problematica psicolégica enfrentada por seus biografados ¢, portanto, sobre 4a questo da psivopatologia, por ele concebida em uma logica diferente da psiquidtrica e psicanalitic Outrossim, a influéncia fundamental em seu pensamento de autores como Hegel e Marx, somada as questbes enfientadas por Sartre nos anos 1950, advindas de seu engajamento politico, bem como da necessidade interna de sua teoria aprofundar aspectos que ainda estavam por ser mais bem elucidados, levaram-no a se debrugar sobre temiticas como a préxis individual e coletiva, a historia, adialética, a série e os grupos organizados, 4 instituigio, a burocracia. Tais elaboragées apareceram em seu Critigue de Ia raison dialetique, publicado em 1960. Na introdugao a essa grande obra, chamada de Question de méchade,# o existencialista volta a aprofundar sua proposigio acerca das possibilidades metodolégicas do conhecimento conereto da realidade humana. Nessa introdusio também debate com © marxismo, apontando que este deve rever suas bases antropolégicas, sob pena de “perder o homem’, desumanizar-se, por aplicar andlises progressivas, generalizantes, que tém um desprezo absoluto ao singular e & subjetividade, aspecto central da realidade humana. Por fim, Sartre realiza o trabalho que jé vinha planejando desde a época em que escrevera sua proposta de uma ‘psicanilise existencial”, em Litre et le néant: a monusmental biografia sobre Flaubert, com mais de trés mil piginas, publicada em 1971, intitulada de L’idiot de la famille? ern 4% Baigio brasileira de Seine Gene autre marti pela Ves, em 2002, % His uma edigéo brulee recente, langada no inkeio de 2002, du Critica da nozdo ialitien Iivzo Questa de mad existe hi mais tropa em eg no Brasil, endo um dos texts da colegfo “Os Pensadores 2 0 idiots da feria, como seria sun posivel tradupto para 0 portagus, ainda no tem eclisfonesa lingua 18. ccantrovoz aque realica uma sintese de todas as reflexes tedrico-metodolégicas que elaborou no conjunto de sua obra. Procura unir a psicanélise, no sentido de esclarecimento do ser de um sujeito individual, reportando-se & sua historia, A sua infancia, com a andlise marsista, no sentido de uma légica dialética empregada na compreensio do contexto cultural, contemporinea dda constituigio desse escritor, buscando com isso mostrar a validez de sua proposta de uma ‘psicanilise existencial” ‘Tem-se af 0 caminho teérico percorrido por esse pensador, que conseguit, enfim, realizar seu intento. De fato, Sartre constzuiu uma teoria e uma metodologia que colocam a psicologia sobre novas bases. Tal realizagao se deveu a rigorosidade dos seus estudos e & sua perspicécia erm compreender que a revolugio proposta comecava por rever os fundamentos ontolégicos e antropolégicos dessa ciéncia. Ele abriu veredas que permanecem, para serem percorridas, desveladas e concretizadas. - CAPITULO 3 - ‘A ONTOLOGIA FENOMENOLOGICA DE SARTRE 3. ONTOLOGIA E EPISTEMOLOGIA Sartee, em O ser ¢0 nada, questiona-se sobre quais ensinamentos a ontologia pode oferecer a psicanilise. Afirma que ela pode defini, antes de tudo, a origem verdadeira das significagdes das coisas ¢ de sua relacio com a realidade humana (SARTRE, 1943). A ontologia, portanto, descortina © horizonte de racionalidade no qual a psicologia ea psicandlise deve se inscrever. Dessa forma, para compreender em Sartre a proposicio de ‘uma nova psicologia bem como a sua metodologia intitulada “psicandlise cxisténcial” faz-se nevessirio verificarmos, ainda que de forma breve, em que consiste sua ontologia fenomenolégica. Sendo assim, devemos nos remeter 20 O ser ¢ 0 nada, a obra que sintetiza as reflexdes do francés no que diz respeito a sua proposta de ‘uma nova ontologia, como bem diz seu subtitulo: “ensaio de ontologia fenomenolégica’, Iniciado em 1939 e publicado em 1943, esse livro & uma continuidade do seu projeto tedrico jé em elaboragio em seus livros anteriores, conforme ja haviamos assinalado. Ele representa uma espécie de sintese das pesquisas filosbficas realizadas por Sartre desde 1933 (CONTAT, RYBALKA, 1970). Em seu ensaio, Sartre afirma que a Fenomenologia & © método de investigacéo que permite colocar a filosofia em um novo patamar rumo “ao concreto”, possibilitando romper ‘com as concepgses abstratas, subjetivistas, metafisicas, desde que feita ‘uma profunda revisso nos caminhos adotados por Huser, recolocando sua filosofia, novamente, em ditegio “as coisas mesmas”, na medida em -76- SanrRs BA SIcOLOGtA cuiNtCA que a realidade exterior havia sido “esquecida” entre parénteses, quando esse fil6sofo transformou sua “redusio fenomenolégica’ na constatagao apodictica”* do “eu transcendental”, preservando, com isso, 0 idealismo que tentava contestaz, O ser ¢ 9 nada contém uma vasta discussio critica acerca das “teorias do ser da realidade” (ontologias) das “teorias do conhecimento” (epistemotogias) que sustentam 0 Pensamento Moderno, definidas por Sastre como metafisicas™ e, portanto, como fundamentos que propéem erguntas ¢ respostas que no podem ser objeto de experiéncia, ou ainda, que realizam a postulagio de um ser infinito e divino, criador de todo ente finito, muito além da realidade (BRUGGER, 1977, p. 268). Com isso, inviabilizam a concretizagio da Cincia. Ao mesmo tempo, Sartre propée ali uma nova ontologia, coerente com 0s avangos cientificos do século XX. Contempla, também, as reflexdes produzidas para o tratado sobre “La psyche”, que havia abandonado por razées téenicas, no qual vinha iscutindo uma nova psicologia, Sartre buscou romper com racionalismo predominante na Filosofia, sustentada, em sua grande parte no “mito da razio”® quer dizer, na concepgio de que hé uma razio a priori que tudo determina, cabendo & ciéneia apenas desvelé-la. Propée, com isso, uma ruptura com © pensamento grego e ocidental (BERTOLINO, 1995). O Pensamento Moderno tem como questio central a problemitica do conhecimento: suas Possibilidades, sua relagio com a objetividade, sua veracidade, etc. Isso % Apodictica é uma verdade autoevid ita de chivids viet nade vidas, que sti al mesma Dens firms abate equlda ds deal verde: Notes, cm io opens Husted ce mantém dentro do pensamento castesiano, conforme nos descreve Fragata (985 2}chegs ene snug dot Sn per chee % Stee diate oie Iman (1997) al que design como “oe ends seman mati’ comeat pio cen «seu dino adel cos cee € corp qe anton ma consti das chs dips maior nesses ea Imecniy, reprint, Poon a entender que Sart conde scan ae un stem pear ou vl coco mii» pcm ek tam abst, sce eatin 00 materia, ue devas 6 descniden «sce dialética da realidade humana. ie ieee ace ® Conforme desrto por Jeat-Perie Ve rece Verant et seus vsis vos, ene cles Mito € Sociedade na Grecia Antiga (1992), et ccartroto 3 qed porque a modernidade traz no seu zeitgeist a exigeacia de cientificidade, ‘A Géncia gerou um processo de conhecimento que nunca tinha existido na humanidade ¢ que Ihe possibilitou uma mudanga radical no sistema de relagées econdmicas, politicas ¢, sem duivida, sociais. Dessa forma, a cera moderna é a era cientifica. Sartre caminharé no horizonte da questo cexpressa por Marx nas teses sobre Feuerbach: “os filésofos se limitaram a interpretar 0 mundo de diferentes maneiras, 0 que importa é agora transformé-lo” (MARX, 1987, p. 14). Ou sefa, era preciso fazer filosofia questionar seus prdprios rumos, exigindo-Ihe uma reviso das teorias do conhecimento vigentes até entio, que vinham servindo para a manutengio do status quo. O Pensamento Moderno tentou resolver o problema doconhecimento de maneira a incluir a ciéncia como conhecimento legitimo. Seré que conseguiu fazé-lo? Essa é a pergunta obsecante para o autor francés, que inicia a “Introdusao” de O ser eo nada a explicitando nos seguintes termos: “o pensamento moderno realizou progresso considerivel 20 reduzir 0 existente asérie de aparigSes que o manifestam. Visava-se com isso suprimir certo ntimero de dualismos que embaragavam a filosofiae substitu‘-los pelo monismo dos fendmenos. Ieso foi alcangado®” (SARTRE, 1997, p. 15) ‘A Filosofia que mais claramente expressa a tentativa de superar 0 dualismos é a de Husserl. Através da proposi¢ao de que as aparigdes nada cocultam, mas, na verdade, revelam o ser dos existentes, a Fenomenologia pretende terumacessoimediato’ realidade, rompendo comoabstracionismo presente nas teorias idealistas. Nessa acepsio “a aparéncia remete a série total das aparéncias ¢ nio @ uma realidade oculta que drena para si todo © ser do existente” (SARTRE, 1997, p. 11). Se nfo acreditarmos mais no “ser-detris-da-aparigéo’, o fenémeno tornar-se~é pleno de positividade. ‘Dessa forma, o er de um existente € exatamente o que o existente aparent, Dessa relacio transparente entre a aparéncia e o ser dos existentes é que se postula a ideia de fenémeno para Husserl, que passa a ser compreendido ‘como um ser que é indicativo de si mesmo, que nao oculta nada e que Pode ser conhecido através da série de suas aparigdes. “Voltar as coisas mesmas” seria, de infcio, entio, voltar aos fenémenos, descrevé-Ios na suas diversas aparig6es, pois eles nada ocultam: sio a revelacio daquilo que si em esséncia. Este € 0 ponto de partida para qualquer fenomenologista. + Zeingeseéaespititodotempo”,expressio usada por Edwing Boring( WERTHEIMER, 1982), -78- SanTRE wAStcoLocta cules O que seria, nessa acepeio, a esséncia das coisas? Seria, como desdobra- ‘mento, aquilo que preside alégica das aparigées,arazdo da série (SARTRE, 1997). Pretendia-se, com essas concepses, dissolver uma série de dualismos que dominam o pensamento filoséfico: o que opée exterior a interior, pois ‘io hé mais o entendimento de que hé uma pele superficial que dissimule averdadeira natureza do objeto; 0 que distingue patincia de ato, pois agora “tudo estd em ato’; ¢, finalmente, o que opse existincia a esséncia, pois agora “a aparéncia nio esconde a esséncia, mas a revela: ela é a esséncia” (SARTRE, 1997), Sartre assinala os avangos realizados pelo pensamento moderno, principalmente pela fenomenologia, na diresio da resolugéo da problemitica do conhecimento; no entanto, constata que este nfo conseguiu avangar até © rompimento definitivo com a metafisica. Nessa critica, situa essa flosofia como © momento de maior avango do pensamento moderno, pois ela expée os elementos que poderiam resultar na sua superagio, 0 que s6 no conseguiu realizar, no entanto, por manter aspectos centrais da metafisica, permanecendo, assim, dentro de sua Iégica. Deve-se partir, portanto, da fenomenologia, mas fazendo-the a devida revisio dos fundamentos, O caminho para resolver © conhecimento cientifico, esclarcce Bertolino (1996b), no por razbes ideolégicas, mas por razées de ‘ordem técnica, devem passar por Husserl. Isso porque o problema do conhecimento é um fendmeno, quer dizer, é algo que se di e aparece. O fendmeno implica sempre um sujeito cognoscente e um objeto cognoscivel, ‘ou seja, envolve sempre dois polos, © noético ¢ 0 noemitico, Ndo vamos ter nenhume filosofia, nenhuma epistemologia, até hoje, que conseguiu trabalhar o problema do conhecimento e encaminhar a questio da ciéncia sem partir desses dois elementos constitutives do conhecimento; sem iss0 ‘io ha conhecimento, Essa é exatamente a acepcio de Hussed, 0 fendmeno indica esses dois polos. Claro que a tese de Husserl de que 0 fendmeno “acontece no mundo da consciéncia” faz com que ele perca o caminho, traia a ealidade. Porém, independentemente disso, Sartre, por razées de ordem técnica, trabalhard em sua ontologia com a nogdo de fendmeno e com a Fenomenologia. A Fenomenologia aponta, portanto, novas solugses para a questio do conhecimento, distantes do idealismo e do realismo que dominavam 8 filosofia, 20 romper com os dualismos (esséncia/aparéncia, poténcia/ cavitanos “7 ato, alma/orpo) que a corsoem. No entanto, Sartre critica que todos esses ualismos acabaram por ser convertidos pela fenomenologia em um tinico no do finite infinito: sea aparigio é fnita, singulas, a série de aparigoes 6, no entanto, infnitas se 2 aparigdo se revela tinica para um sujeito em perpétua mudanga, este pode, no entanto, multiplicar seus pontos de vista go infinito. Como é possivel, entfo, ter-se seguranga do conhecimento, se & sempre possivel olhi-lo dos mais diversos angulos, questiona- ceo préptio Husserl? Como ¢ viavel o conhecimento de um objeto, se a série de aparigées € infinita? O méximo a que podemos chegar € em aproximacoes da verdade, pois 0 conhecimento absoluto dos fendmenos @ impossfvel. Portanto, a visbilidade do conkecimento cientifico, nessa perspectiva, € questionada,jé que este tipo de conhecimento tem como principio fundamental sustentar-se no objeto, ou seja, seu tinico recurso € 0 prpso objeto. No entano,nesa gia, so aco a ele € reset pela mukiplicidade de suas apargées, 0 conhecimento tonna-se invivel Na busca da verdade resta-nos, portanto, o recurso & divide, como nos mostra o método cartesiano. Bssa légica, acima descrita, se concretiza no aque Sartre designa de “recurso ao infinito” (BERTOLINO, 1996). Sendo assim, Hussed, através da redugdo fonomenoligica, pretende chegar & esstacia das coisas. No entanto, ao constatar que 0 objeto se mostra por penis, ou aparigbes,€ que estas tém infnitas possbildades, rmantém-se na Logica acima exposta, afirmando que € impossivel apreendet sera partir das suas aparigées, pois ter-se-in que as aprecnder de uma 6 vez, o que & impossivel, tamando a evidéncia apoditica impraticdvel ¢ inviabilizando o fazer cientifico. “Quem me garante, portanto, ue através desses aspectos sucesivos, dos quais nenhum deles, 6 por si, € capaz de me oferecer 0 objeto na sus realidade integral, se me anuncia de fato uma 4 mesma coisa? Quantas vezes nos iidims eom as aparéncias, vndo- nos eigndos a corsigraguilo que anes conserva como evident! (HUSSERL apud FRAGATA, 1985, p. 103) Essa pergunta de Husserl é Axes dese “recurso so infinite’ 20 car no equvoco epstemag9 de considerar que, por nfo se poder conhecer 0 universo como um todo, ‘io se pode conhecer a parte dele a que se tem acesso, © autor alemo, 4 fim de solucionae © problema do conbecimento, apela, entio, para 0 ‘mundo da imanéncia, deixando o mundo transcendente “entre pavénteses Quer dizer, na medida em que ndo conseguiu resolver o problema do conhecimento com recurso ao objeto, Hussetl fez 0 caminho tradicional da =80- SARTRE BA FSICOLOGKA CLINIC metafisica, indo resolver a questio com recurso ao sujeto, permanecendo atrelado a0 idealismo (BERTOLINO, 1996b), Dessa forma, a esséncia das coisas sera, para ele, a ideia que tenho a respeito delas; e, assim como Descartes, que chega através da dedug40 4 nogo de Deus como fundamento liltimo do conhecimento, Husserl chegaré a nogio de um eu transcendental, como fonte absoluta do conhecimento, como caldeirdo das esséncias. “E de mim mesmo, do meu eu transcendental... que o mundo objetivo haure todo 0 seu sentido e valor existencial.” (FRAGATA, 1985, p. 113). Conforme Sartre destaca, o ‘noema” (objeto) se torna, assim, um correlativo irreal da “noese” (esséncia), considerada, essa sim, como a verdadeira realidade; assim como fae Berkley com a sua maxima “esse et percpi™, que reduz 0 ser da realidade a0 ato de percepsio do sujeito, representando uma posisio marcadamente ideol6gica. Sartre concorda com a constatagdo de que a realidade objetiva é infinita; © homem no conhece, em todos os aspectos, onde 0 universo comega ¢ onde termina; por exemplo, pode haver milhares de galéxias que mio conhecemos. A principal argumentagio do existencialista concentra-se na afirmagao de que, apesar dessa infinitude, 0 homem conheve objetivamente a realidade. O sistema solar, por exemplo, ndo 0 conhece completamente, pois isso ¢ impossivel, mas objetivamente, sim: 0 movimento dos planevas, suas étbitas, seus satélites, ete. E néo é por que no conhega “todo” 0 universo que aquilo que a cigneia jé sabe a respeito dele se torna sem sustentagio, frdgil, revogivel. Portanto, nio precisamos conhecer a totalidade da série, que sempre serd infinita, para conhecermos objetivamente os fenémenos, que sio singulares, finitos (BERTOLINO, 19966). Sartre expressard sua compreensio sobre a relagio finito/infinito, singular/universal discutindo a relagao entre “fendmeno de sex” ¢ “ser do fendmeno’, que adiante descreveremos. Alerta, assim, sobre o equivoco da Fenomenologia e do Pensamento Moderno, que acabaram por confundir ® aspecto ontolégico com 0 epistemolégico (BERTOLINO, 19964). Diz Sartre (1997, p. 21): “se, de fato, toda metafisica presume uma teoria do conhecimento, em troca toda teoria do conhecimento presume uma metafisica. Significa, entre outras coisas, que um idealismo empenhado cxniroi0 3 a1- em reduzir 0 set a0 conhecimento que dele se tem deve, previamente, comprovar de algum modo o ser do conhecimento”. f ‘A metafisica faz um esforso para estabelecer verdades a respeito do ser da realidade (ontologia), enfatizando o processo de conhecimento (epistemologia);e nisso, confunde diferentes planos conceituais. ‘A metafisica tenta resolver 0 problema do ser langando mo do problema doconhecimento, como quem tentasse resolver o problems do po que queimou ao forno investigando o floric das roseiras. [.] Quer dizer, quando trabalhou 0 processo do conhecimento pensou que havia esclarecdo a realidade do ser, o ontol6gico, (1 estabelecendo esse equivoco epistemolégico. (BERTOLINO, 1996, p. 23) (Ou seja, a0 descrever a relagao entre o sujeito cognoscente ¢ 0 objeto cognoseivel, 2 metafisica deduziu estar chegando 2 verdade sobre 0 ser da realidade. Os filésofos consideravam, por exemplo, que se a série de aparigbes é infinita e a esséncia é a razio da série, logo, o “ser” deve ser infinito, eterno, imutivel, incognocivel. Foi-se em busca, entio, de ume causa primeira que determinasseo ser da realidade: um “motor imével” & maneira de Aristoteles, “Deus onisciente” maneira de Descartes, 0 “eu twanscendental” & maneira de Husserl. Confundiu-se, assim, 0 aspecto conceitual com o ontol6gico: inito ¢ infinito no sfo tipos de seres, sio dois conceitos, mateméticos inclusive. Infinito designa “o que nfo tem comego nem fim’, 0 que, no entanto, néo significa “eterno”. Por exemplo, o universo € infinito, mas néo é eterno (BERTOLINO, 1996b). Com essa passagem deum plano ao outro, 2 ontologia, logicamente, tormou-se “metafsica’, no sentido de que o ser da realidade esti além da realidade objetiva, oculta alhures e absohutamente determinante daquela. E a teoria do conhecimento, Por conseguinte, tomou-se causlista, reducionista, no sentido de que, ou © sujeito 60 sustentéculo da realidade e do conhecimento (ealismo), ou a realidade se impée e determina o suite e 0 conhecimento (realismo). Em ambos os casos, perde-se a dialética da relagdo sujeito/objeto, pressuposto do conhecimento. E desta dialética que trataré Osere e nada, distinguindo claramente o que ¢ 0 aspecto ontolégico do que € 0 aspecto epistemolégico. Sartre parte da descrigdo do ser que primeiro encontramos nas nossas investigagSes ontologicas, 0 ser da aparizd, iso significando que parte do fonémeno de ser, pois & como temos acesso imediato ao ser, através daquilo -82- SanrRe eA Pstcovocta cute, que nos aparece (fendmeno). Questiona o pensador se, realmente, através do fendémeno singular, conseguimos conhecer o ser, ou seja, chegar 4 sua _ vuniversalidade, & sua esséncia. Segundo os postulados heideggerianos, a realidade humana ¢ sempre éntico-ontoldgica, quer dizer, podemos sempre ultrapassar 0 fenémeno até seu ser. “Mas a passagem do objeto singular para a esséncia é a passagem do homogeneo para o homogéneo. Dé-se 0 ‘mesmo com a passagem do existente para o fendmeno de ser?", questiona- se 0 fildsofo (SARTRE, 1997, p. 19). ‘Vejamos melhor, pois 0 autor francés critica as concepgdes de Heidegger ¢ Husserl, para os quais o fendmeno é umn tipo de ser (6ntico ~ ente) que remete a outro tipo de ser, 0 ontolégico, a sua esséncia, 20 seu sentido, Para os fildsofos alemies, a “esséncia” é outra coisa que 0 “fendmeno” ou, o “ser” & outro que o “ente’; ou ainda, a “noese” (esséncia) & distinta do “noema” (objeto), como vimos acim. Dessa forma, em ambos, temos a passagem de um tipo de ser a outro, permanecendo no dualismo finito/infinito. Sartre discutiré que devemos, previamente, estabelecer a relacio entre o ser ¢ 0 fendmeno, para que possamos continuar a refletir sobre 42 questo da ontologia: “se o ser dos fendmenos ado se soluciona em um fendmeno de ser ¢, contudo, ndo podemos dizer nada sobre o ser salvo consultando este ferimeno de ser, a relagio exata que une o fendmeno de ser ao ser do fendmeno deve ser estabelecida antes de tudo” (SARTRE, 1997, p. 20). O ser nio se encontra escondido por detris do fendmeno, pois este no € uma aparéncia que oculta a esséncia. Ao atingir 0 fendmeno, © existente, atinjo, ao mesmo tempo, o singular e o universal, o finito e 0 infinito, a existéncia ¢ a esséncia. Nio sto dois tipos de seres, é 0 mesmo se afirma Sartre. E preciso compreender que o ser do fendmeno (universal = esséncia = razio da série) nfo se reduz ao seu aparecer (fendmeno = objeto = singulas); dessa forma, o fendmeno exige um fundamento que seja transfenomenal, ou seja, que vi além de si préprio, mas, no entanto, 66 é possivel atingir esse fundamento através do fendmeno; no se conhece 0 ser anio ser através daquilo que aparenta. Isto significa que o fendmeno de ser €0 ser do fendmeno séo coextensivos. Sartre demonstra que o ser no € uma qualidade do objeto, nem © sentido do objeto, o set nto € exterior ao fendmeno, como se fosse sua qualidade ou significagao. Isto quer dizer que nio dé para conceber o ser casiro10 3 -23- istinto do fondmene deser. Assim, para conhecer aesséncia de um objeto, seu ser, tenho que partir da descricio dos varios perf aparentes, 20 constatar que aquilo que o faz “sero que é” nfo esté em nenhum outro lugar além do proprio objeto, na sua materalidade, no seu uso. Portanto, sua esséncia nfo é diferente do que ele aparenta. Assim, ao buscar a esséncia, niio passo de tum tipo de ser (objetc) outro (eseéncia). No entanto, € preciso atentar que aesséncia de um objeto é muito mais do que suas aparigdes; 0 ser de um cobjeto nfo se reduz as descrigbes que slo feitas dele, ele & sempre mais do {que elas. Dessa forma, “o ser é simplesmente a condigdo de todo desvelac” (SARTRE, 1997). Afirma mais: “as precedentes considerag6es presumem que 0 ser do fenémeno, embora coextensive ao fendmeno, deve escapar & condigéo fenoménica ~ na qual alguma coisa s6 existe enquanto se revela ~ e que, em consequéncia, ultrapassa e fundamenta o conhecimento que dele se tem” (SARTRE, 1997, p. 20). Dessa forma, as coisas se dio por perfis (ou aparig6es), sendo que cada uin deles remete 20s demais. No entanto, cada perfil jéé, por sis6, um ser transcendente, e ndo simplesmente “matéria impressionével subjetiva’. ‘A partir do perfil remete-se ao ser. Eis af a relagio entre 0 ser do fenémeno 0 findmeno de ser. cles sio coextensivos, O'ser no se oculta por detris do fendmeno; na verdade, nele se revela, porém ndo se reduz a cle, O fendmeno exige a transfenomenalidade do ser, ou seja, que o ser seja muito mais do que o seu aparecer, mas nao enquanto oculto, enquanto outro ser, mas enquanto irredutivel Isso posto, compreende-se que 0 ser no se redux: ao combecimento que dele se tenha; é anterior a ele e nfo pode ser absorvido por ele, jé que 0 conhecimento é uma das formas do ser aparecer, é umn fendmeno- de-ser. As coisas existem independentes do homem, formando, assim, a realidade bruta, indiferenciada. Porém 0 homem, ao se relacionar com ela, 4 destaca como fendmeno, como aparigio, produzindo conhecimento. O fendmeno de ser & consequéncia fitica da existencia do homem. Assim, © objeto conhecido, por mais que s6 aparega para a consciéncia, nio pode ser absorvido por ela, absorvido pelo conhecimento, ele é outro que 0 conhecimento; somos obrigados, com isso, a reconhecer-Ihe um ser: mesmo que eu quisessereduziz esta mesa umasintese deimpressOes subjerivas, seria necessrio constatar que a mesa se revela, enquanto mesa, através dessa sintese, da qual €0 limite transcendente, a razio € 6 objetivo. A mesa estéa frente do conhecimento endo pode ser Sanne SA psiconosia cunts assimilada a0 conhecimento que dela se tenba. (SARTRE, 1997, p.28) Resta-nos esclarecer 0 que € esse ser. Primeiramente € preciso marcar que o ser existe independente do homem, Esteja alguém 2 olhar para.a drvore ou nfo, protegendo-se do sol em sua sombra ou nfo, a drvore continua sendo o que é. O ser no € consciente de si, nem se distingue de outro: uma 4rvore nfo ¢ para si mesma, nem uma pedra é algo para uma drvore, nfo ha entre elas relacio possivel (quem estabelece a relagio € a consciéncia, como veremos adiante), Elas sfo em-si. As coisas nao Precisam das outras ou do homem para existir, simplesmente s4o 0 que sio, A mesa nfo necessita de mais nada para ser mesa, a nio ser em “si mesma’, Sendo assim, as caracteristicas descritas por Sartre (1997) para 0 ser sfo as seguintes: ~ oer esti pleno de si mesmo e, portanto, é opaco a si mesmo, ow seja, o ser & em-sis © ser é si mesmo, significa que néo & nem passividade nem atividade, é inerente a si; que o ser € plena positividade; = 0 ser é macigo, ndo tem fora, nem dentro; ~ oer é uma sintese de si consigo mesmo 0 ser desconhece a alteridade, no mantém relacio com 0 outro; © ser no é nem posstvel, nem necessétio, ele simplesmente é io Essas caracteristicas definem a regio do ser ou do em-si, segundo a contologia sartriana, Sendo assim, o ser em-si constitui, pois, 9 absolut” seine pois, o absolute” de Porém, 0 ser em-si nfo eagota a explicagio da realidade, pois ele sempre se daa conhecer, aparece para alguém, E af que surge a outra regio indescartavel da realidade: a da consciéncia, que constata 0 ser. ‘Mas, antes de entrarmos na descrigéo que Sartre dedica a dimensto da subjetividade, vamos, ainda, refletir acerca das consequéncias que suas (poten Baguio aS itredutivel, inelutavel da realidade. 7 cconsiderado como aspecto 0 ser € 0 que &,* principio contingente do em-si, que quer dizer ccantronos afirmagées sobre 0 ser trazem para a historia do pensamento moderno. ‘Tao mostrar que 0 ser do fenémeno & coextensivo a0 fendmeno de ser, ou gia, 20 demonstrar que 20 se verficar um dos elementos da série tem-se fnto a sua dimensio singular quanto 2 universal, Sartre est mostrando que 0 ‘ecurso a0 infinito’ se faz impossivel quando se trata do existente, fondmeno que esti ai e é indicativo de si mesmo” (BERTOLINO, 19960). ‘Tals esclarecimentos da relagio entre o ser do fendmeno eo fenémeno de ser promovem urna alteracio nas concepgdes das ciéncias e podem possbilitar a mudanca do sistema de relagdes modernas. Primeiraments, por alterarem o plano da ontologia. Para esclarecer etn que consiste 0 ser da realidade (ontologia), ndo € mais necessirio recorrer & metafisica, que pressupde que o ser da realidade, sua esséncia, esté alhures, para além da sealidade concreta, Parte-se das coisas mesmas, pois é apoiando-se nas singulatidades que se chega ao ser, do singular se chega ao universal Nao € preciso ter um universal « priori, como acontece na maioria das filosofias que partem de abstragbes. Sécrates, por exemplo, pressupde que 0 conhecimento deve se sustentar em “irredutiveis’ ~ justiga, verdade, beleza, etc, = nogées a priori, inscritas em um c&u inteligivel, que deve guiar todos os atos humanos. Sartre nega essas abstiagbes, esse idealismo, 20 ter como ponto de partida a realidade concreta. “Na prépria mulher voce encontra o que é uma mulher, na prdpria parede, no proprio ventilador, na préptia flor, voce constata o que essas coisas sio” (BERTOLINO, 1996b, grifo nosso). Em segundo lugar, por alterarem o plano epistemolégico. Se permanecermos no recurso ao infinite, nfo conseguiremos ter seguranga do conhecimento que produzimos, pois uma coisa pode ser sempre outra ‘que nio aquela que verificamos que seja, na medida em que o acesso a ela infinito, inconstante, impossivel. Nio sto vidveis as verdades objetivas. Com a proposta sartriana, © conhecimento objetivo se viabiliza, parte~ se do singular para o universal e do universal volta-se ao singular. O conhecimento esta amarrado A propria ontologia do objeto, ou seja, nas suas propriedades ¢ ndo na ideia que dele faco. O conhecimento € segundo, & produzido, Viabiliza-se, dessa forma, a ciéncia eo conhecimento cientifico. Enfim, com essas alteragdes, € possivel pensar em suas consequéncias para a psicologia, para a pedagogia, para a antropologia, que finalmente podem pensar no homem enquanto sujeito do conhecimento e, portanto, -86- Sanne 8 APsicotocra cLinica a historia, Tais desdobramentos atingem diretamente as relagdes sociais, J4 que tais ciéncias as instrumentalizam. Precisamos, agora, estudar o outro aspecto complementar da ontologia sartriana, 3.2 A CONSCIENCIA ENQUANTO POLO DA SUBJETIVIDADE ‘Como haviamos mencionado anteriormente, 0 ser em-si néo se relaciona com os outros seres, esgota-se em ser “si mesmo”; no reconhece a alteridade; existe independente do homem. No entanto, ele s6 aparece para alguém, °6 € organizado por alguém. Ou seja, para que 0 ser seja posto em questi, para que a realidade bruta, indiferenciada, se organize, tornando-se mundo, é necessiria a existéncia dessa outra regio ontologica, designada como consiéncia. Dessa forma, a consciéncia um componente indescartavel da realidade, € outro absoluto Sendo assim, Sartre considera a compreensio da conscitncia como elemento fundamental de uma ontologia; parte da nogio de intencionalidlade de Husserl, levando-a as iltimas consequéncias, coisa que esse fil6sofo nio realizou, pois como jé vimos, permaneceu no idealismo. Sendo assim, em Sartre, afirmar que “toda consciéncia é sempre consciéncia de alguma coisa” € afirmar que a consciéncia € sempre relagio a um objeto transcendente, mesmo que esse objeto seja uma outra consciéncia, uma imagem, um delitio. As coisas nio estio na consciéneia, sequer a titulo de representacao, A transcendéncia é a caracteristica essencial da conscigncia. Sartre € categ6rico 10 argumentar: “o primeito passo de uma filosofia deve Set, portanto, expulsar as coisas da consciéacia e restabelecer a verdadeira relagio entre esta e 0 mundo, a saber, a consciéncia como consciéncia Posicional do mundo. Toda conscidncia € posicional na medida em que se franscende para alcangar um objeto, ¢ ela se esgota nessa posicio mesma” (SARTRE, 1997, p. 22) Toda consciéncia ¢ um scontecimento pleno ¢ concreto no mundo. O prazer, excmplo utilizado por Sartre, nio pode se dissolver por detrés da consciéncia que se tem dele; néo hé primeizo uma consciéncia que receberia depois a afeesio (prazes), como também nfo hé antes um prazer que receberia depois a qualidade de consciente. Dessa forma, o prazet nto € uma representagio, nem 0 conteiido de uma consciéncia; o prazer é ato, -- carino3 tem. Sendo assim, a consciéacia se spdivisivel coma consiéncia que dele se tem, Send aro» um “estourar pare o mundo”, como diz Huser, Desa forma, a enrciencia nfo € possvel antes de sr, ela s6 na medida em que ax ‘cconsciénciaé assim, uma plenitude de existincia posto que s6 existe na onscigncia 6 assicn, ida em que aparece. er is ebllce ce, anim a rlagfo fundamental ence conscitncia © do: “2 consciéneia e 0 mundo surgem simultaneamente: exterior por ceséncia, o mundo é por esséncia relativo a ela. E que Husserl comsiden 2 consciénia um fio iedutivl que nznhuma imagem fica pode fepresentar. Exceto talvez, a imagem répide ¢ obscura de um estoars (SARTRE, 1968, p. 29). He ; on ssa form, oexstencaist afrma que aconscincia nao cet a issolver as coisas na consciéncia. Aquelas sto do, i que nto se pode dissolver as coisas na rntesa ent e, portato, dosto, nem sve propriedade, nem Sea conte ote, - lagax em que e sea devore, seja. Mas estio a vé-la no proprio ‘ seeeye amino ne taio do psc retocid pelo alo, vnte lguas da costa mediterranea. Nao poderia entrar na vossa consciéncia, porque fo é da mesma nsturera que” SARTRE, 1968.29) Outs, a constiéncia note troy, ¢ pura relaso is coisa € eve Insane pata o mundo «esa imposbldade de er usa que «conte 2m consciéncia. A consciéncia é, assim, um vazio total, no sentido 2 a wearpartncin. A consis nfo pode portant se em- pore se ela teria o mesmo extaruto do chet, seria substan, esinedisin consign mesma. A coneinsa, 20 ser pure rela a alguma cot constiuse como sendo distancia de si, ramipril ne epee amc dove x ar a nosh , como para-si (com essa expressto pretende dar a nos vier, de ees ‘ny que caracteriza a consciéncia, diferente do ser em-si que € donc, fchado em si mesmo). Sua consincn fo ¢ abstr imo Prstendia Desares a conc como reba prsante, & 5 fo de ser um des consciéncia, portanto,é presenga as, no sentido de se dh ser em yelagdo a i rteome, +6 s¢ dé na medida em que se wai A identidade consigo mesma, tipica do em-si, nega qualquer ‘esblesimen : develasiesia pena asi ipa do paces implica uma sur inpalpéel no ser, cle est em frente de si, absolutamente em relagio, perpetuament em questio (SARTRE, 1997). : seTodas eons verfcagdes leva 0 existencialista a estabeloer uma distingdo findamental entre consiéncia conbecimento, normalmente -88- ‘Sagraa £ a sicoLoctacuttica considerados, por quase toda filosofia e epistemologia, como sinénimos; eritica, com isso, aquilo que chamari da “ilusio da primacia do conhecimento”. As filosofias, de uma maneira geral, entendem que “tomar consciéncia” é a mesma coisa que “tomar conhecimento”. Assim fizeram as teorins idealistas e racionalistas, que reduziram a realidade as ideias, considerando a consciéacia de conscigncia como um conhecimento de conhecimento. Até mesmo os marxistas, ao se embasarem na dialética da nature7a, nfo conseguiram romper com essa equiparasio, considerando, por exemplo, a passagem de conhecimentos como sindnimo de “conscientizar”, N« psicologia, entdo, essa sinonfmia foi determinante em boa parte de suas concepeses. Os reflexos dessa situasio se fazem sent, por exemplo, na teoria das cepresentagdes, na qual a consciéncia da realidade € wma fepresentagio, uma ideia acerca desta realidade. Ascim, arelafodohomem com o mundo, com a realidade, fica reduzida as ideias e caimos, de novo, no racionalismo. A psicandlise freudiane ¢ as psicologias humanistas, por exemplo, foram construidas em cima dessa sinonimia entre consciéncia € conhecimento, tanto que 0 objetivo das psicoterapias de base analitica ¢ © das humanistas € proporcionar a “autoconsciéncia” compreendida como “autoconhecimento”. Sartre demonstra que o que caracteriza a consciéncia & ser relagao a, O conhecimento, que advém da reflexio, apenas uma das formas possivels de ser da consciéncia, do sujeito se relacionar com o mundo, mas no a Unica. A percepedo, a imaginagio, a emogao sio, também, consciéncias ¢€ sfo irredutiveis e auténomas em relagdo a reflexdo e 20 conhecimento, Quando percebo um objeto, estabeleso uma relacao imediata com ele, sou consciéncia percipiente dele e nao preciso da instancia da reflexao para que Posse pereebé-lo, O existencialisea concebe, dessa fori, consciénciae que Slo pré-reflexivas, ou seja, anteriores ontologicamente & relexdo: “assim, no hd primacia da reflexio sobre a consciéncia refletida, esta ndo 6 revelada 8 ¢i por aquela. Ao contritio, a consciéncia néo reflexiva torna possivel a reflexdor existe um cogite pré-reflexivo que é condigio do cogit cartestano” (SARTRE, 1997, p. 24), Tentemos compreender, Primeiro € preciso destacar que toda Consciéncia ¢ posicional do objeto, que dizer, toda consciéncia é consciéncia de alguma coiss. Quando percebo uma teia de aranha no teto, quando Penso na sujeira da casa, quando imagino morar numa outra casa, sou consciéncia dessa teia, dessa sujeira, dessa outra casa. Nao hé consciéncia 89- cantroio3 sem objeto. Ao mesmo tempo, ta consciéncia comscéncia (de) que dizes, sou conscigneia que percebo a tia, que penso na sujeira, que imagino outra casa. Nao significa aqui que a consciéncia conbepa asi mesma. Essa situasio ao ¢ de orem do concent, Por iso, 0” exh cote putas Sigific, sn a mansparénia de consis paca si mesma. Se chegar alguem eme pergutaro que estou ized, digo logo, sem pes, “etou vendo ma tei de stan no et. Cuando eon Sendo cons, exemple citado pelo préprio Sartre, e alguém me interrompe e me questiona sobre a minha ago nesse momento, imediatamente respondo, sem nem mesmo precisa pene, estou contando” Des fora, oct pt refleive, o8 seja, a constatagdo de que hé consciéncias que tem prioridade ono i em relagzo a consciencia de reflexao (la ¢ uma atividade de segundo gran), bem como a constatagio de que nao existe consciéncia que seja ee de si mesma, so postulados fundamentais para compreender a proposta de superago das concepgées metafsicas, implementads por Sartre A consciéncia nio é um modo particular de conhecimento, explica Sartre, que poderia ser chamado de sentido interno ou conhecimento de si elaé, naverdade a dimensio de ser transfenomenal do sujeito. Dessa forma, a consciéncia €0 polo da subjtividade, constituiva da zealidade. Por iso, € muito importante superar a interpretago da consciéncia como sindnimo de conhecimento: “a reusio da consciénia 2 conbecmento, com feo, Presume introduzir na consciéncia a dualidade sujeito-objeto, tipica conhecimento” (SARTRE, 1997, p. 23). Sartre chama novamente a tengo vara a nossa de dstingir a questo ontolgie (consi como regiio constitutiva da realidade) da questio epistemologica (a produgto conhecimento como fruto da relagio sujeito/objeto). A consciéncia é totalmente irredutivel ao conhecimento que dela se tenha; portanto, ela € transfénomenal. Sendo assim, cla escapa 20 conhecimento e o fundamenta. A consciéncia acaba por set aquilo para 0 qual todas as coisas aparecem; é 2 condigio de todo conhecer, 0 fundamento cntolégico do conhecimento. ne Chegamos, entdo, a consistencia da regio ontolégica da conscinda: la € » absoluto de subjetividade, ou seja, 0 aspecto subjetivo indescartivel da tealidade. : Como desdebramento dessa concepsio, Sartre afirma que toda ontologia ¢ antropologia devem partir do cagito; isso orgue 0 ponto de partida deve ser a subjetividade, por razGes estritamente filos ‘Santas zAstcovocta euitcn (GARTRE, 1996, 19876). Dessa forma, como inicio, néo pode existir outra verdade que a colocada pelo cogito: penso, logo existo; € a verdade da consciéncia que se apreende a si mesma. E 0 que haviamos traduzido, mais acima, como a transparéncia absoluta da consciéncia para si mesma. “O. cogito [.] € unicamente, do ponto de vista metodolégico, o momento da comprcensio, porque a compreensio é 20 mesmo tempo consciéncia de si como compreensio” (SARTRE, 1987b, p. 87). Dessa forma, tem-se que partir dele, constatando a verdade irrevogivel que ele traz, mas para logo adiante abandoné-lo. Nao se pode cair no substancialismo e no idealismo cartesiano. O existencialista, ao refletir sobre as proposighes da fenomenologia de Heidegger, da qual varias concepg6es Ihe sio caras, argumenta que 0 alemao estava de tal modo persuadido de que o ew penso de Descartes, retomado por Husserl, era uma “armadilha para tontos”, que evitou utilizar se da consciéncia em sua descri¢io do Dasein. Sartre (1997) discute que Heidegger, pretendendo evitar tal fenomenismo descritive, que conduz a0 isolamento antidialético das esséncias, aborda diretamente a analitica existencial, sem passar pelo cogito. Mas o darein, por ter sido privado desde 2 origem da dimensto da consciéncia, jamais reconquistaré essa

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