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O

artista que teoriza.


Do confronto
ao
desconfronto

Jorge Abade

Portugal. Artista visual. Licenciado e Mestre em Pintura pela FBAUP
é Doutor pela Universidade Católica do Porto.


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Resumo

O artigo versa, essencialmente, sobre os principais problemas com que um artista se
depara quando faz investigação: a que é inerente ao ato criativo mas, principalmente,
a uma investigação paralela ou combinada com essa atividade de criação artística,
academicamente apelidada de científica, de cariz teórico. Indigita também, no
entanto, a pertinência dessa atividade dupla simultânea, nomeadamente por serem
empreendimentos que poderão estar mutuamente enredados.

Palavras-chave
criação artística, pintura, investigação, confrontro, desconfrontro


Resumen

El artículo versa esencialmente sobre los principales problemas con que un artista se
enfrenta cuando hace investigación: la que es inherente al acto creativo pero,
principalmente, a una investigación paralela o combinada con esa actividad de
creación artística, académicamente apodada de científica, Teórico. Indigita también,
sin embargo, la pertinencia de esta actividad doble simultánea, en particular por ser
emprendimientos que podrán estar mutuamente enredados.

Palabras clave
criación artística, pintura, investigación, enfrentamiento, desconfrontro




Aquele que tem como atividade a criação artística está, normalmente, intensamente
envolvido com o que produz, independentemente do seu grau de participação no
objeto-obra.1 A personalidade2 de cada um determinará se o seu relacionamento com
a criação é mais sofrido ou mais prazeroso, mas é inescapável o confronto com uma
essencialidade, a de concentrar as múltiplas convocações que se fazem. Gere-se assim
a pluralidade de planos com que tem de se lidar, gerando uma força tensional
confrontativa.3

Numa ação convergente para uma obra una (seja no plano particular de cada obra,
seja relativamente à sua obra em geral), o artista tem necessariamente que articular
múltiplos tipos de conhecimento,4 fazendo a sua concentração na singularidade da
obra que está a produzir.5 É uma missão que requer um enredamento vertiginoso

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entre o ser humano (criador) e a obra por ele produzida: pela intensidade, variedade
e entrosamento de procedimentos e conteúdos que têm de ser articulados; por se
tratarem de realizações que incluem informação e mediação perceto-sensitiva, no
cruzamento de todas as matérias convocadas e das que aparecem subitamente; mas
também, porque o artista carrega a responsabilidade de constituição e certificação da
obra legitimando-a, o que subsequentemente legitima o artista como tal.

Em muitos casos o ser não se afirma deliberadamente como artista, é o resultado e


consequência de uma progressiva compulsão para se constituir como tal. Com
maiores ou menores resistências e adiamentos da sua parte, acaba por cumprir, não
tanto um destino, mas a exploração de um ansiamento criativo. Esta disposição inata
não está exclusivamente relacionada com um qualquer virtuosismo, mas com um
caráter geral impulsivo6 de criação. Nutre uma sobrevivência a todas as resistências
que armadilham o percurso, ou inércias e dificuldades externas que o tentam
dissuadir. É por isso uma espécie de inevitabilidade que só sucumbe por desistência
do artista, ficando-se, nesse caso, na expectativa de uma retoma desse curso imposto
pela exploração da compulsão criativa. Existe, neste quase desígnio inato, uma força
tensional, que coloca o artista numa posição de inevitável confronto com a sua
necessidade e expectativa de criação.7

O acontecimento genuíno para a criação da obra converge solenemente para a sua


essência,8 isso não se deve exclusivamente à forma de construção vulgarmente
denominada de processo, muito menos a qualquer técnica ou procedimento –
acontece, principalmente, como resultado dos confrontos a que o artista se dispõe.9

As próprias matérias10, com as suas inércias à sua modelação, terão sempre também
uma dimensão de obstáculo. É, no entanto, da luta contra a inércia imposta pelas
matérias, que poderá nascer parte da invenção criativa, donde brota uma insubmissa
atividade inventiva. Mas se o artista sucumbir ao seu poder atractor niilista,
comprometedor de uma qualquer reação ou produção, esse fator desafiante
transformar-se-á em agente inibidor de criação – é tentadoramente desencorajador,
podendo levar a uma derrota do impulso criativo.11

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Na convicção que escolheu usar o melhor meio para os seus objetivos, o artista
acredita gerir um agenciamento mútuo, entre a forma como manifesta as suas
inquietações e o que de melhor e único tem para oferecer ou manifestar. Aí, o próprio
meio é um conteúdo desassossegado e, o núcleo do desassossego12 uma substância
participante no conteúdo da obra. As suas ações concentram sucessos e qualidades,
mas também os infortúnios, fragilidades, descontinuidades e perplexidades
(convertendo o desfavorável em matéria de interesse para a obra), integrando-os
nesse ato para uma convergência (processual, objetual, objetiva, mas subjetiva
também).13

Quem lida com o confronto da criação, multiplica os confrontos quando decide


teorizar essa criação ou algum assunto paralelo.

Há uma dificuldade de distanciamento, relativamente à sua obra e seus assuntos,


quando o artista faz uma teorização paralela a essa atividade. É recomendável que,
sem perder a sua personalidade artística14, consiga também fazer a fuga ao seu Ser-
artista, para ter igualmente uma capacidade de análise e formulação
descomprometida. Compreensivelmente, o lado autoral do Ser-artista pode ser
tentado a resguardar-se na sua ação teorizadora, fazendo alguma militância das suas
escolhas, aproveitando para encontrar algum conforto de legitimação mútua nessa
dualidade obra/teoria.

É aceitável e até recomendável, no entanto, que se mantenha fiel a uma convicção


unívoca, que articula tanto na sua criação como no seu exercício teorizador. Seria
mesmo motivo de desconfiança, que poria em causa a unidade do pensamento e
crença nele, assistirmos a posicionamentos distintos entre a ação criadora e
atividade teórica.

Uma ameaça ou desconforto que o artista poderá sentir, no seu próprio exercício
teórico-exploratório, é uma espécie de espionagem do seu Eu teorizador. Um
metediço endógeno, desconfortável ou até confrontativo, naquilo que produz
artisticamente. Possibilita, como efeito positivo, o exercício autocrítico, ensaiando
um certo deslocamento interno relativamente ao seu universo criador, permitindo
interrogá-lo.

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Compete ao artista ter cuidado, quando teoriza ou declara, para não comprometer as
ininteligibilidades da obra e dos modos de criação. Não para forçar secretismos, mas
por terem áreas que devem permanecer incólumes, irresolúveis, dispostas a uma
interpretabilidade e fruibilidade. Não deve nisso ser implicada uma corrupção do
dinamismo exploratório, pelo próprio artista, na procura de um conforto legitimador,
realizando um desvirtuamento do produzido na criação da obra.

Apesar do seu alto grau de comprometimento com as matérias artísticas,


nomeadamente com as da sua obra, e havendo naturais reservas quanto à isenção da
ação teorizadora – se um outro qualquer se sente autorizado para explorar e
manifestar-se relativamente à obra de um artista, porque não o próprio deixar um
testemunho especulativo sobre o que faz, se estiver garantido que não compromete a
sua explorabilidade? Esse exercício não terá proveito se tentar revelar os velamentos
que dão interesse à obra;15 mas, poderá ser de grande benefício se manifestar
intenções, motivações e processos, contextualizando e agilizando o acesso à
explorabilidade da obra; já em relação a resultados, poderá ser pretensioso o próprio
fazer juízos de valor.

Também poderá ser valoroso, por parte de um artista, aproveitar o seu testemunho
experimentado (um saber: conhecimento envolvido), para se pronunciar sobre
generalidades artísticas – se souber tornar inteligíveis as experiencias porque passa,
nessa conflagração abstracta e complexa da criação. O seu testemunho terá
inevitavelmente um cunho de experiência individual: com uma orientação facciosa
será perigosamente tendencioso; será singular quando convenientemente orientado,
candidatando-se a um seguro acrescento de conhecimento paralelo à sua obra,
eventualmente contribuindo para um pequeno engrossamento de um conhecimento
artístico axial.

Há a compulsão para ver na pintura um particular poder revelatório, uma substância


indizível, particularmente no seio do seu magma ininteligível, além da sua
materialidade e visualidade. Essa potencial revelação, a ser ponderada, acontecerá
inevitavelmente numa convergência entre a sua existência e a de uma verdade

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própria (pictórica).16 Isto é: num acutilante enfoque sobre si própria, por tudo o que
concentra na unidade de ser pintura, principalmente por se questionar, funcionando
aí como uma máquina autopoiética.17

Esse requisito inato para a pintura ser arte, decorre da forçosa e desconfortável
persistência e necessidade em se desafiar, questionar a sua natureza, sobretudo a
partir de dentro: de si enquanto pintura, num incessante desejo desassossegado. É
aqui que um artista pintor, com o seu conhecimento envolvido, pode aportar uma
experiência incomparável a uma investigação teórica da pintura, por conhecer
endogenamente essa natureza auto-confrontativa da pintura quando quer ser arte.

A produção artística nunca cessou de promover um seu autoquestionamento: de


forma mais ou menos silenciosa mas omnipresente, com momentos de clarividência
e intencionalidade variáveis, identifica-se este requisito como componente
transversal do ser arte. Esse gesto auto-confrontativo, da arte para ser arte, tem
como consequência um questionamento reflexivo das próprias noções de arte –
principalmente através das indagações que a produção leva a cabo, na abertura e
integração de novas possibilidades (artísticas e de teorização). Esta não é uma
diligência exclusiva do último século ou dos últimos dois séculos (como alguns
tendem a considerar), mas adensou-se consideravelmente e principalmente
autonomizou-se, provocando o exercício de a arte se dobrar sobre si própria. A arte
já não precisa de “pretextos” (assuntos a si externos), interroga-se e afirma-se a
partir de si e para si, passou a bastar-lhe o confronto consigo para ter legitimidade
existencial – encontrou o seu inabalável caminho de desconforto permanente, sem
necessidade de agenciamentos, passando a ter validade apenas pelo confronto
consigo própria.

A práxis artística, sendo inquestionavelmente investigação artística, tem ainda uma


posição de charneira relativamente à investigação em arte, vive numa dialética:
situa-se entre o ter um índice de ascendência com a teoria, de forma mais ou menos
assumida; e, poder tornar-se assunto para teorização.18 Seria imprudente afirmar
uma prevalência da práxis sobre a teoria a ou vice-versa, especialmente para o
artista que também teoriza – essa é uma questão impossível de apurar em termos

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generalizantes –, a primazia de uma sobre a outra, ou não haver qualquer tipo de


predomínio, dependerá das escolhas de cada um.

A forma como o artista reage à teoria, a que possui pelos seus estudos, sendo apenas
uma parte do seu lastro criativo (de suma importância, mas compreensivelmente
parcial), é simultaneamente constituidora e alvo de discussão pela própria criação
(artística e de investigação teórica, no caso de ser um artista que teoriza). Então essa
teoria latente19 interessa duplamente e ambiguamente ao artista: para aportar
conhecimento ao que desenvolve, como matéria constitutiva (principalmente na sua
componente intelectual), mas principalmente como matéria dinâmica que o processo
criativo sujeita a mutações ou mesmo à desconstrução.

Há nesta atitude uma sucessão sequencial contínua e sincopada de


formação/exoneração; numa progressão em espiral helicoidal, de destituição e
desmistificação de paradigmas, para erigir ou criar a possibilidade de novos
paradigmas artísticos e teóricos. Criação artística e teoria da arte ou na arte,
legitimam e desvirtuam ininterruptamente outras criações, passadas e futuras.

Na sua natural apetência para a sublevação relativamente a dogmas (formas


artísticas estabelecidas, ou teorias cristalizadas), toda a autêntica investigação
artística ou em arte se dá num processo de teoria e contra-teoria20 – esta é mais uma
forma de confronto nada confortável, das mais geradoras de instabilidade, matéria
tensional produtiva para a criação.21

O estabelecido em arte e sua teoria está sujeito a uma extrema efemeridade. O tão
necessário conhecimento, até o saber (que implica um envolvimento)22, devem ser
também não-conhecimento e não-saber (colocando-se à disposição de serem postos
em causa e ensaiando contrainformações). Só terão interesse se sobre eles
conseguirmos ter o rasgo do juízo crítico e indagatório. Ao estarem sempre sujeitos e
sujeitarem-se a si próprios à constante reinvenção, colocam-se num desconforto e
persistência tensional, vivificadora. Têm o desígnio e compulsão de reinvenção

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constante como disposição inata, pelo que os seus confrontos serão ininterruptos,
gerando uma essência de confronto e desconforto com compleição criadora.

Neste sentido, também a teoria é um lugar de permanente confronto. Contudo, tal


como na criação artística, é que aí reside a sua vitalidade e dinamismo – se artista e
teórico, ou artista-teórico não estão dispostos a este tipo de conflagração edificadora,
então não são dignos do exercício dessa sua atividade.

Fig. 1 - Jorge Abade, Standing Still, 2017, óleo sobre tela, 40 X 30 cm


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Fig. 2 - Jorge Abade, À Catarina, 2017, óleo sobre tela, 50 X 40 cm

Fig. 3 - Jorge Abade, Jo, 2017, óleo sobre tela, 30 X 30 cm

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Fig. 4 - Jorge Abade, Transição, 2017, óleo sobre tela, 30 X 40 cm

Fig. 5 - Vista da exposição na Galeria da FBAUP, durante o ICOCEP 2017

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Fig. 6 - Jorge Abade, "folha de sala", Galeria da FBAUP, durante o ICOCEP 04/2017

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Referências

ARNHEIM, Rudolf. Arte & percepção visual: uma psicologia da visão criadora. São
Paulo: Livraria Pioneira Editora, 2004.

ARNHEIM, Rudolf. O poder do centro: um estudo da composição nas artes visuais.


Lisboa: Edições 70, 1990.

BAUDRILLARD, Jean. O crime perfeito. Lisboa: Relógio D´Água, 1996.

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix – O anti-édipo. Capitalismo e esquizofrenia. Lisboa:


Assírio & Alvim, 2004.

DUCHAMP, Marcel – “The creative act”, in: Theories and documents of contemporary
art: a source book of artists' writings. Califórnia: University of Califórnia Press, 1996,
pp. 818-819.

HENRIC, Jacques. La peinture et le mal. Paris : Exilis Éditeur, 2000.

MARIN, Louis. To destroy painting. Chicago: The University of Chicago Press, 1995.

PESSOA, Fernando. Livro do desassossego. Porto: Assirio & Alvim, 2016.

PIZON, Pierre. Le rationalisme dans la peinture. Paris: Dessain et Tolra, 1978.

STEINER, George. Gramáticas da criação. Lisboa: Relógio D’Água, 2002.

VIRILIO, Paul; LOTRINGER, Sylvère. The Accident of Art. Los Angeles: Semiotext(e),
2005.

WOLLHEIM, Richard. Painting as an Art. New Jersey: Princeton University Press,


1990.

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Notas

1 Já Pizon se pronunciou sobre a intensidade com que o artista trabalha para pintar com um genuíno

valor artístico, não só na produção da obra mas na sua relação com o mundo: “A arte da pintura
representa uma atividade humana grave e profunda, pois resulta de explorações que o artista dirige
dentro da misteriosa imbricação de reencontros, da sua sensibilidade com o mundo exterior, e donde
a agitação emocional assim ressentida se amplifica no seu espírito, de modo a provocar a invencível
necessidade de fixar a expressão pelo meio da pintura.” PIZON, Pierre – Le Rationalisme Dans la
Peinture. Paris: Dessain et Tolra, 1978. p. 200. [tradução nossa].
2 Conjunto de características psicológicas genéricas individuais e individuantes que determinam os

principais padrões de pensar e agir. Particularidades pessoais ou traços de personalidade que, mais
duradouras ou mais dispostas a mutação, orientam determinações mais ou menos padronizadas de
comportamento.
3 Jacques Henric é categórico em apresentar a tensão como resultado singular no confronto de

contrários, na pintura, caracterizando-a como uma tensão energética, explícito no seguinte momento
de La Peinture et Le Mal: “A pintura é então esse momento provisório, efémero, essa trama frágil, essa
tensão enérgica entre forças contrárias." HENRIC, Jacques – La Peinture et Le Mal. Paris: Exilis Éditeur,
2000. pp. 36-37. [tradução nossa]. Não será estranho que, a partir deste pressuposto, se conceba o
próprio ato de pintar como ocorrendo numa certa força tensional criativa, no próprio confronto do
convocado para que aconteça.
4 Paul Virilio, em The Accident of Art, assegura mesmo haver aí um acidente, afirmando que o acidente

da arte é o acidente do conhecimento: “É parte do acidente do conhecimento. O acidente da arte é o


acidente do conhecimento.” VIRILIO, Paul; LOTRINGER, Sylvère – The Accident of Art (tr. Michael
Taormina). Los Angeles: Semiotext(e), 2005. p. 109. [tradução nossa].
5 Algo já observado por Rudolf Arnheim no seu Arte e percepção visual, como temos oportunidade de

ver no seguinte excerto: “O encontro entre o artista e o seu mundo está sempre particularmente
carregado de uma tensão muito alta, porque o seu resultado deve satisfazer três condições. Tem de
fazer justiça aos «factos», quer dizer, à maneira normal de ver as coisas. Também tem de encaixar na
mundividência peculiar do criador. E, por fim, tem de apresentar a estrutura mais simples que possa
obter-se para um tão complexo conjunto de condições.” ARNHEIM, Rudolf – Arte & Percepção Visual:
Uma Psicologia Criadora (tr. Ivonne Terezinha de Faria). S. Paulo: Livraria Pioneira Editora, 2004. p.
297.
6 Não se tratando de uma disposição patológica, como são caracterizados normalmente os impulsos na

dificuldade de autocontrole, tem um caráter de ativo estímulo para a ação criadora. Uma imanente
força propulsora no incitamento desse tipo de produção de ações.
7 Baudrillard, logo no início de O Crime Perfeito, assegura que o artista está sempre próximo dessa sua

ideia de crime perfeito, justamente através da possibilidade do nada dizer: “Também o artista está
sempre próximo do crime perfeito, que é o de não dizer nada. Mas separa-se dele, e a sua obra é a
marca desta imperfeição criminosa.” BAUDRILLARD, Jean – O Crime Perfeito (tr. Silvina Rodrigues
Lopes). Lisboa: Relógio D´Água, 1996. P. 23. O que alimenta a dialética tensional entre o fazer e o não
fazer, enraizada no interstício da própria práxis artística, ampliando-se depois quando acontece a
possibilidade de atuar teoricamente a partir dessa práxis.
8 Richard Wollheim, em Painting as an Art, sustenta esta ideia, dirigindo essa essência do fazer para

um significado próprio na pintura, mas adverte que esse significado pode ser diferente para o artista,
como seguidamente aparece testemunhado: “Por outras palavras, o artista faz uma pintura: o modo
como ele a faz confere-lhe um significado: mas este ato de fazer pode também ter um significado para
si, algo distinto do significado que quer conferir à pintura pelo modo como a faz.” WOLLHEIM, Richard
– Painting as an Art. New Jersey: Princeton University Press, 1990. p. 249. [tradução nossa].
9 Louis Marin radicaliza esta possibilidade no seu To Destroy Painting. Afirma a prevalência e solidez

da verdade pictórica, particularmente quando o confronto resulta na destruição da pintura: “O que é


fundamental, então, é a verdade da pintura mesmo quando o trabalho por si destrói a pintura, porque,
como dissemos, não é meramente verdade, é intensamente verdade.” MARIN, Louis – To Destroy
Painting (tr. Mette Hjort). Chicago: The University of Chicago Press, 1995. p. 112. [tradução nossa].
10 Aqui a designação matéria não se refere apenas à matéria física, mas as todas as matérias ou

conteúdos que compõem a obra.

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11 A própria obra, na sua essência mais íntima e abstrata, tem uma aura de niilismo, como muito bem o

sintetizou Steiner em Gramáticas da criação: “Ao mesmo tempo que exprime na sua essência a sua
vitalidade, a força de vida e o prodígio da criação, a obra de arte é acompanhada por uma dupla
sombra: a sua possível ou preferível inexistência, a do seu desaparecimento.” STEINER, George –
Gramáticas da Criação (tr. Miguel Serras Pereira). Lisboa: Relógio D’Água, 2002. p. 41.
12 Tem um potencial tensional e dinâmico. Uma carga de inquietude intrínseca, que imprime um valor

ativo à obra no seu núcleo imanente e de imanência. Aproveita-se ainda o valor deste termo
desassossego, ao longo do artigo, na forma como que Fernando pessoa insinuou a sua definição no
Livro do Desassossego; isto é: enquanto impulso fundacional inquieto de grande vontade de
manifestação e expressão, expiando assim uma angústia existencial – Cf. PESSOA, Fernando – Livro do
Desassossego. Porto: Assirio & Alvim, 2016.
13 Neste ponto, acerca deste assunto, Duchamp tem direito a uma revisitação, pelo seu incontornável

testemunho na sua palestra proferida em Huston no ano de 1957, sob o título de The creative act – “No
ato criativo, o artista vai da intenção à realização através de uma cadeia de reações subjetivas totais.
Esta luta através da realização é uma série de esforços, sofrimentos, satisfações, recusas, decisões, que
não podem nem devem ser inteiramente auto-conscienciosas, pelo menos no plano estético. O
resultado desta luta é a diferença entre a intenção e a sua realização, a diferença ao qual o artista não é
alheio.”. In STILES, Kristine; SELZ, Peter (org.) – Theories and Documents of Contemporary Art: A
Source Book of Artists´ Writings. Berkeley: University of Califórnia Press, 1996. p. 819. [tradução
nossa].
14 Características identitárias autorais, as axiais direções individuantes na forma como pensa e age

criativamente.
15 Curiosamente, num aparente paradoxo, o velamento é uma propriedade positiva, pois é nele que se

encontra parte do mistério. O exímio velamento não só encobre como se encobre ou dissimula. Muitas
vezes a pintura é um acumular de velamentos, aqui reside um dos seus confrontos consigo própria e
do artista com uma orgânica da criação. Mas, na pintura, beneficia-se de um hábito técnico de fazer
velamentos, que se repercute numa prática constante de os fazer mentalmente também. Existe uma
tendência para o seu uso em todos os domínios e planos da obra. Esse mistério, um conteúdo invisível,
tem também uma dimensão indizível – como é ininteligível é também impossível de racionalizar –, não
está sujeito a dogmas instituídos, pertence a uma substância intrínseca auto-velada.
16 Louis Marin relacionava a ideia de potencial ou potência com um nível de representação que

considerava haver sempre na pintura: “[…] A pintura é uma potência, e o discurso na pintura é o efeito
ou impressão deixada pela sua potência ao nível da representação.” MARIN – To Destroy Painting. p.
105. [tradução nossa].
17 Em O Anti-Édipo – Capitalismo e Esquizofrenia, Deleuse e Guattari afloram esta problemática da

produção autopoiética na produção desejante, embora com um caráter geral (não especificamente
artístico): “A ligação da síntese conectiva, objecto parcial-fluxo, tem, portanto, uma outra forma: a do
produto-produzir. O produzir está sempre inserido no produto – é por esta razão que a produção
desejante é produção de produção, tal como qualquer máquina é máquina de máquina.” DELEUZE,
Gilles; GUATTARI, Félix – O Anti-Édipo - Capitalismo e Esquizofrenia (tr. Joana Moraes Varela e Manuel
Carrilho). Lisboa: Assírio & Alvim, 2004. 2004, p. 11.
18 É desaconselhável imputar uma precedência, quer à práxis quer ao exercício de estudo e formulação

teórica, visto não haver um modelo fixo nos perfis processuais de trabalho dos artistas. A própria
forma de se chegar à produção não é feita por caminhos únicos: há artistas que se desenvolvem como
tal através de um mais acentuado exercício prático, como há outros que chegam à produção artística
através dum percurso teórico. Deve ser salientado, no entanto, que um autêntico trabalho de
produção artística articula uma dialética entrosada entre práxis e teoria.
19 Imanente na sua obra, na forma como como a integra e a trabalha, mas também no lastro que

proporciona para desenvolver a sua atividade teórica (quando além de artista também produz
pesquisa teórica).
20 Não no sentido estrito de estar contra a teoria, mas de a desafiar: leva-la além do que ela apresenta,

questionando a pertinência e validade da referente propondo alternativas, ou então, desenvolvendo


continuidades.
21 Diz Arnheim o seguinte sobre a importância da tensão, no seu poder do Centro: “A tensão entre

duas tendências antagónicas, tentando encontrar o equilíbrio constitui o verdadeiro condimento da


experiência humana e qualquer manifestação artística que não consiga responder a esse desafio

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parecer-nos-á deficiente.”. ARNHEIM, Rudolf – O Poder do Centro: Um Estudo da Composição nas Artes
Visuais (tr. Maria Elisa Costa). Lisboa: Edições 70, 1990. p.19.
22 O saber, que trabalha e articula conhecimento, assenta numa desassossegada atitude de

investigação, de envolvimento, quer seja prático/criativa ou de índole teórica. Esse desassossego é


inevitavelmente confrontativo e gera um desconforto fértil para a criação, quer de obra ou obras quer
de teoria.

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