Sei sulla pagina 1di 19
ARIEE CULTURA i CLEMENT’ Meet Cosac Naify, 2013 © Clement Greenberg, 1961, 1989 COORDENAGAO EDITORIAL Ana Carolina Ramos ASSISTENTE EDITORIAL Paulo Pirozelli PREPARAGAO Eliane de Abreu Santoro REvisAo Livia Lima e Maria Fernanda Alvares PROJETO GRAFICO Tereza Bettinardi propugao GRArIca Barbara Almeida Nesta edicao respeitou-se 0 novo Acordo Ortografico da Lingua Portuguesa. Dados Internacionais de Catalogagao na Publicagao (c1P) {Camara Brasileira do Livro, sp, Brasil) Greenberg, Clement [1909-94] Arte e cultura: Ensaios criticos Titulo original: Art and Culture Tradugdo: Oracilio Nunes Sao Paulo: Cosac Naify, 2015 320 DP. ISBN 978-85-405-0363-2 1, Arte moderna — Ensaios 2. Critica de arte 3. Critica literdria 1. Titulo 13-03397 pp 700.9 indices para catdlogo sistematico: 1. Arte e cultura: Ensaios criticos 700.9 COSAC NAIFY Amarca FSC®é [ 5 fa garanta de que a 3 im, 770, 2 madeia utizada na rua General Jardim, 770, 2° andar eee eee 01223-010 Sdo Paulo sp FSC | theo prevm as forestas ou aera ‘que foram gerenciadas de cosacnaify.com.br [rr] 3218 1444 isto | maneia arbientamente . Prgtagacate | correla, sociaimerte sta atendimento ao professor [11] 3823 6560 toniet PAE Saag, | © economicamente viavel, além de ouras fortes professor@cosacnaify.com.br Fsc* 6008008 J 49 Srigom controlada, CEZANNE [1951] A arte de Cézanne talvez nao seja mais a fonte transbordante de mo- dernidade que era ha trinta anos, mas permanece em sua novidade e no que se pode até chamar de sua elegincia. Apesar de toda a sua fa- miliaridade atual, permanece algo indescritivelmente vigoroso e ines- perado na forma como sua linha azul sinuosa é capaz de separar 0 contorno de um objeto de sua massa. Entretanto, o proprio Cézanne desconfiava muito da bravura, da rapidez — de todos os companheiros aparentes da elegancia. E no fundo ele era também muito inseguro da direcdo que adotava. Cézanne estava beirando a meia-idade quando teve a revelacio crucial de sua misso como artista. Entretanto, o que ele achava que Ihe fora revelado era basicamente incoerente com os meios que j4 ha- via desenvolvido para fazer sua descoberta e pé-la em pratica, e a qualidade problemética de sua arte ~ talvez a fonte de sua moderni- dade perene — resultava da necessidade, em ultima instancia, de revisar suas intencdes sob a pressdo de um método que evoluia como que em oposicao a elas. Ele estava fazendo a primeira tentativa ponderada e consciente de salvar o principio-chave da pintura ocidental — sua preo- cupagdo com uma expressdo ampla ¢ literal do espaco estereométrico — dos efeitos da cor impressionista. Havia percebido a inadvertida oclu- sdo pelos impressionists da profundidade pictérica; e foi porque ele tentou tio vigorosamente reescavar aquele espago sem abandonar a cor impressionista, e porque esse esforco, embora vao, era tao profun- | 73 damente refletido, que sua arte se tornou a descoberta ea reviravolta decisiva que foi. Como Manet, e com um apetite verdadeiro quase tao pequeno quanto o deste pelo papel de revolucionério, Cézanne mudou a direc&o da pintura no proprio esforco de fazer com que ela voltasse a seus velhos caminhos através de novas trilhas. Cézanne recebeu dos antigos mestres sua nogio de unidade pic- térica, do efeito final e realizado de uma pintura. Quando dizia que queria refazer Poussin segundo a natureza e “tornar 0 impressionismo algo s6lido e durayel como os antigos mestres”, ele aparentemente queria dizer que pretendia impor ao material cromético “bruto” pro- porcionado pelo registro impressionista da experiéncia visual uma composigio e uma estrutura como aquelas da alta Renascenga. As partes, as unidades atémicas, ainda deveriam ser supridas pelo mé- todo impressionista, considerado mais fiel & natureza; mas deveriam ser organizadas em um todo com base em principios mais tradicionais. Os impressionistas, tio coerentes em seu naturalismo quanto po- diam, haviam deixado a natureza ditar o projeto geral ea unidade da pintura junto com suas partes componentes, recusando-se, em teo- ria, a interferir conscientemente em suas impressdes oticas. Apesar de tudo isso, nao faltava estrutura as suas pinturas; na medida em que qualquer pintura impressionista em particular era bem-sucedida, ela atingia uma unidade apropriada e satisfatéria, como deve acontecer a qualquer obra de arte bem-sucedida. (A superestimagio por Roger Fry e outros do sucesso de Cézanne em fazer exatamente aquilo que dizia que queria fazer é responsdvel pela cantilena sobre a falta de estrutura do impressionismo. © que falta é estrutura escultural, diagramética e geométrica; em seu lugar, os impressionistas realizaram a estrutura por meio de acentuagao e modulagao de pontos e dreas de cor e valor, uma espécie de “composicao” que nao é intrinsecamente inferior ou menos “estrutural” do que a outra.) Por mais comprometido que es- tivesse com o motivo na natureza em toda sua exuberancia, Cézanne ainda sentia que ela nao podia proporcionar espontaneamente uma base suficiente para a unidade pict6ricas o que ele queria tinha de ser mais enfAtico, mais tangivel em sua articulag4o, e portanto suposta- mente mais “permanente”. E precisava ser lido a partir da natureza. Os antigos mestres haviam suposto que os membros e articula- ges do projeto pictérico deveriam ser tio claros quanto os da arqui- 741 tetura. O olho deveria ser conduzido através de um sistema ritmica- mente organizado de convexidades e concavidades no qual gradagoes variadas de luz e sombra, indicando reentrancia e saliéncia, eram dis- postas em torno de pontos de interesse. Acomodar as formas planas, sem peso, produzidas pelos toques chapados da cor impressionista a esse sistema era obviamente impossivel. Seurat demonstrou isso em seu Uma tarde de domingo na ilha da Grande Jatte, assim como na maior parte de suas outras composigées de grupo terminadas, onde os planos recuados sobre os quais ele coloca suas figuras servem — como notou Sir Kenneth Clark — para fazé-las parecer silhuetas de papelio. O método pontilhista, hiperimpressionista, de preenchimento de cor de Seurat podia conseguir uma ilusdo plausivel de espaco profundo, mas nao de massa ou volume dentro dele. Cézanne inverteu os termos desse problema e buscou ~ mais como 0s florentinos do que como seus estimados venezianos — obter primeiramente massa e volume, ¢ como seu subproduto a profundidade espacial, o que ele pensava poder fazer convertendo o método impressionista de registro de variagdes de luz em um modo de indicar as variagées na dirego dos planos das super- ficies sdlidas. Ele substituiu 0 modelado tradicional de luz e sombra por um modelado com as diferencas supostamente mais naturais — e impressionistas — de cores quentes e cores frias. Registrando com um toque diferente de tinta cada grande mu- danga de diregio pela qual a superficie de um objeto definia a forma do volume que ela continha, ele comegou, com quase quarenta anos, a cobrir suas telas com um mosaico de pinceladas que chamavam tanta atengao para o plano fisico da pintura quanto os toques mais grosseiros ou “virgulas” de Monet, Pissarro e Sisley. A superficialidade desse plano era apenas mais enfatizada pelas distorcdes do desenho de Cézanne, que comecaram de forma temperamental (Cézanne nunca conseguiu dominar uma lizha escultural), mas se tornaram um mé- todo novo, mais em extensao do que em espécie, de ancorar volu- mes e espacos ficticios no padrdo da superficie. O resultado era uma espécie de tens&o pictérica que nao encontrava similar no Ocidente desde a arte do mosaico romano tardio. Os pequenos retAngulos de pigmento sobrepostos, dispostos sem nenhuma tentativa de fundir suas bordas, trouxeram a forma pintada para a superficie; ao mesmo tempo, o modelado e a configuragao produzidos por estes mesmos retangulos CEZANNE | 75 devolviam a forma a profundidade ilusionistica. Uma vibra¢ao, infi- nita em seus termos, era estabelecida entre a superficie pintada literal do quadro e 0 “contetido” estabelecido por tras dela, vibracdo esta na qual reside a esséncia da “revolugao” cézanniana. Os antigos mestres sempre levavam em conta a tens4o entre a superficie e a ilusdo, entre os fatos fisicos do meio e seu contetdo figu- rativo — mas, em sua necessidade de ocultar a arte com a arte, a tltima coisa que eles queriam era explicitar essa tensao. Cézanne, a despeito de si proprio, havia sido forcado, em seu desejo de salvar a tradicao dos meios impressionistas — e ao mesmo tempo fazendo uso deles -, a tornar a tenso explicita. A cor impressionista, ndo importa 0 modo como fosse tratada, dava a superficie pictorica o valor que lhe era devido como entidade fisica num grau muito maior do que a pratica tradicional. Cézanne foi um dos pintores com maior capacidade de com- preender a pintura cujas observacées foram registradas. (O fato de que ele tivesse essa capacidade em relaco a muitas outras coisas foi obscurecido por sua excentricidade e pela profunda e autoprotetora ironia com que ele tentava, na tiltima parte de sua vida, parecer con- formista em assuntos que nao diziam respeito & arte.) Mas a inte- ligéncia nao garante ao artista uma consciéncia precisa do que ele esta fazendo ou do que realmente quer fazer. Cézanne superestimou © grau em que uma concepeao poderia se sedimentar numa obra de arte e controla-la. Conscientemente, ele estava buscando a comunica- ¢do mais exata de suas sensacées dticas da natureza, mas clas deve- tiam ser ordenadas de acordo com certos preceitos em nome da arte com um fim em si mesma — um fim para o qual a verdade naturalista era apenas um meio. Comunicar suas sensagées 6ticas com exatidao significava trans- crever, da forma como ele pudesse, a distancia de seu olho até cada parte do motivo, transcrevé-la na menor faceta-plano em que ele pu- desse decompé-la. Também significava suprimir a textura, a lisura ou aspereza, a dureza ou maciez, as associagGes tateis das superficies; significava ver a cor prismatica como a determinante exclusiva da posicdo espacial — e da posigao espacial acima e além da cor local ou dos efeitos transitérios da luz. O fim pretendido era um impressio- nismo escultural. 76 | Os habitos de visio de Cézanne - seu modo, por exemplo, de en- caixar como num telesc6pio o plano intermediério ¢ o primero plano, de inclinar para a frente tudo aquilo no objeto que se encontrava acima do nivel do olho - eram tao inadequados aos esquemas arquiteténicos profundos dos antigos mestres quanto os habitos de visio de Monet. Os antigos mestres elidiam e deslizavam & medida que se moviam pelo es- pago, que eles tratavam como 0 continuum frouxamente articulado que 0 senso comum pensa que ele é. No fim, o objetivo deles era criar 0 espaco como um teatro; o de Cézanne era dar ao préprio espago um teatro. Seu foco era mais intenso e ao mesmo tempo mais uniforme que © foco dos antigos mestres. Uma vez que 0 “interesse humano” havia sido excluido, toda sensa¢ao visual produzida pelo objeto tornava-se igualmente importante. Tanto a pintura como pintura quanto 0 es- paco como espago tornavam-se mais cerrados ¢ intensos — distendidos, por assim dizer. Um efeito dessa distensdo era empurrar 0 peso de toda a pintura para a frente, comprimindo suas convexidades e concavida- des e ameacando fundir o contetido heterogéneo da superficie numa Ginica imagem ou forma cujo contorno coincidia com o da prépria tela. Assim, o esforco de Cézanne para conduzir 0 impressionismo ao escultural se transferia, na pratica, da estrutura da ilusio pictérica para a configuracao da propria pintura como objeto, como superficie plana. Cézanne obteve “solidez”, é verdade; mas trata-se tanto de uma solidez bidimensional ¢ literal quanto de uma solidez figurativa. O verdadeiro problema parece ter sido ndo como refazer Poussin de acordo com a natureza, mas como relacionar - mais cuidadosa ¢ explicitamente do que Poussin ~ cada parte da ilusao de profundidade a um motivo de superficie dotado de atributos pictéricos ainda supe- riores. A ligac&o mais firme da ilusdo tridimensional a um efeito deco- rativo de superficie, a integracio de plasticidade e decoracao — este era © verdadeiro objetivo de Cézanne, quer ele o dissesse ou nao. E aqui criticos como Roger Fry o leram corretamente. Mas aqui, também, a teoria enunciada por ele contradizia bastante sua pratica. Até onde eu sei, nem uma vez em seus comentarios registrados Cézanne mostra alguma preocupagdo com o elemento decorativo, exceto — e as pala- vras so ainda mais reveladoras porque parecem espontdneas — para se referir a dois de seus antigos mestres preferidos, Rubens e Veronese, como “os mestres decorativos”. CEZANNE | 77 Nao é de surpreender que ele reclamasse até seu ultimo dia de sua incapacidade para “realizar”. O efeito para o qual seus meios tendiam nio era aquele que ele concebera em seu desejo de organizacio maxima de uma ilusio de solidez e profundidade. Toda pincelada que acompa- nhava um plano ficticio em uma profundidade ficticia recuava—em razio de seu carater persistente e inequivoco de marca feita por um pincel — para 0 fato fisico do meio; ¢ a forma e a posicio desta marca lembra- vam a forma e a posic&o do retangulo plano que estava sendo coberto com © pigmento que saia dos tubos. (Cézanne, mais do que qualquer outro, queria uma arte “elevada”, mas nao hesitava em evidenciar a tangibilidade do meio. “E preciso ser um pintor através das préprias qualidades da pintura”, ele disse. “E preciso usar materiais toscos.”) Por muito tempo ele abarrotou suas telas, tateando, com medo de trair suas sensacg6es por omissao, temendo ser inexato por ser incom- pleto. Muitas de suas presumidas obras-primas do final da década de 1870 e da década de 1880 (deixo de lado os feitos protoimpressionistas de sua juventude, alguns dos quais so a0 mesmo tempo magnificos e proféticos) sao redundantes, comprimidas demais, carentes de unidade porque carentes de modulagdo. Sentem-se as partes, a execugio 6 ge- ralmente exata, mas geralmente hé muito pouco do tipo de sentimento que se precipita em um todo instantaneo. (Nao é de surpreender que tantas de suas pinturas inacabadas estejam entre as melhores.) $6 nos iltimos dez ou quinze anos de sua vida é que pinturas cujo poder é completo e original saem do cavalete de Cézanne com regularidade. Entao, finalmente, o meio se realiza. A ilusio de profundidade é cons- truida com o plano da superficie mais vivamente, mais obsessivamente em mente; as facetas-plano saltam para a frente e para tras entre a superficie e as imagens que elas criam, e no entanto elas formam uma coisa 86, seja com a superficie seja com a imagem. Os toques regulares de tinta, distintos porém aplicados de forma suméria, vibram e se ex- pandem num ritmo que abraca a ilusao assim como o padrao plano. O artista parece relaxar sua exigéncia de exatidao de matiz ao passar do contorno para o fundo, e nem suas pinceladas nem suas facetas-plano ficam tao enfeixadas como antes. Circulam mais ar e luz através do es- paco imaginado. A monumentalidade nao é mais assegurada ao prego de uma falta de ar sufocante. A medida que Cézanne escava em maior profundidade por tras de seus contornos fragmentados por azul ultra- 78 | mar, toda a pintura parece desnudar-se ¢ depois cobrir-se. Repetindo em todas as suas partes a forma retangular que a circunda, a pintura também parece esforgar-se para explodir as dimensdes daquela forma. Se tivesse morrido em 1890, Cézanne ainda seria enorme, mas mais em inovagdo do que em realizacdo. A unidade completa, triun- fal, que coroa a visdo do pintor, a unidade oferecida como um tinico som produzido por muitas vozes e instrumentos — um tinico som de variedade instantanea, porém infinita —, este tipo de unidade aparece em Cézanne com muito maior frequéncia nos tltimos anos de sua vida. EntZo, certamente, sua arte realiza algo bastante diferente da- quilo que ele dizia que gostaria que ela realizasse. Embora talvez ele pense tanto quanto antes sobre seus problemas, pensa muito menos na sua execugdo. Tendo atraido jovens admiradores, ele se expande um pouco, seus comentarios sao anotados e ele escreve cartas sobre seu “método”. Mas se ento ele ndo confundiu Emile Bernard, Joachim Gasquet e outros dentre seus ouvintes, confunde-nos hoje, a nés que s6 podemos ler o que ele tinha a dizer. Prefiro, no entanto, pensar com Erle Loran (a cujo Cézanne’s Composition devo mais do que alguns insights sobre a importancia essencial do desenho de Cézanne) que o proprio mestre se encontrava bastante confuso em sua teorizacdo a respeito da arte. Mas ele no reclamou que Bernard, com seu apetite por teorias, 0 forcava a teorizar demasiadamente? (Bernard, por sua vez, critica Cézanne por pintar demais segundo a teoria.) No final ele continuou a insistir na necessidade do modelado e da completude e exatidéo na transmissao das proprias “sensaces”. Ele afirmou seu ideal, com uma autoconsciéncia além do comum, como um casamento entre 0 trompe-l’oeil ¢ as leis do meio, e lamentou seu fracasso em atingi-lo. No mesmo més em que morreu ele ainda re- clamava de sua incapacidade para “realizar”. Na verdade, 0 que sur- preende mais, em vista da abstragiio coerente de suas iiltimas grandes pinturas, é ouvir Cézanne dizer que havia feito um “pequeno pro- gresso”. Ele condenaya Gauguin e Van Gogh por fazerem pinturas “planas”: “Eu nunca quis e nunca vou aceitar a falta de modelado ou de gradacio; é um absurdo. Gauguin nao era um pintor; ele s6 fazia pinturas chinesas”. Bernard o retrata como sendo indiferente & arte dos primitivos da Renascenga; eles também, aparentemente, eram planos demais. Entretanto, o caminho do qual Cézanne dizia ser 0 CEZANNE | 79 pioneiro, e pelo qual esperava resgatar o desejo tradicional do Oci- dente pelo tridimensional, tanto da névoa impressionista quanto do decorativismo de Gauguin, levou diretamente, nos cinco ou seis anos apés sua morte, a um tipo de pintura téo plana como no se via no Ocidente desde a Idade Media. © cubismo de Picasso, Braque ¢ Léger completou o que Cézanne havia iniciado. O sucesso do cubismo livrou seus meios de tudo o que pudesse ter restado de problematico neles. Por ter exaurido tio poucas de suas intuig6es, Cézanne péde oferecer aos cubistas todos os recursos para uma nova descoberta; eles precisaram despender pouco esforco proprio tanto para descobrir como para redescobrir. Esta foi a sorte dos cubistas, 0 que ajuda a explicar por que Picasso, Léger e Bra- que, entre 1909 e 1914, puderam produzir uma sucessdo praticamente ininterrupta de “realizagdes”, classicas na suficiéncia de sua forca, no ajuste de seus meios a seus fins. A honestidade ¢ a tenacidade de Cézanne sao exemplares. Na ver- dade, diz cle, a grande pintura deve ser produzida da forma como fi- zeram Rubens, Veldzquez, Veronese ¢ Delacroix; mas minhas proprias sensacGes e capacidades nao correspondem As deles, e eu s6 posso sentir e pintar da forma como consigo. E assim ele fez por quarenta anos, diariamente, em seu métier limpo ¢ cuidadoso, molhando seu pincel em terebintina entre as pinceladas para lava-lo, e depois depo- sitando cada pequena porgiio de tinta no lugar determinado. Foi uma vida de artista mais heroica do que a de Gauguin ou a de Van Gogh, apesar de todo o conforto material. Pense-se no esforco de abstracao e de visdo necessario para analisar cada parte de cada motivo em seu menor plano vidvel. Depois havia as crises de confianga que tomavam Cézanne quase todos os dias (também em sua paranoia ele foi um precursor). Mesmo assim, ele nao enlouqueceu completamente: persistiu em seu préprio ritmo sedentario, e sua absorcao no trabalho o recompensou pela ve- Thice prematura, a diabetes, a obscuridade e 0 vazio indecifravel de sua vida longe da arte. Ele se considerava um molenga, um “boémio”, apavorado com as dificuldades rotineiras da vida. Mas tinha persona- lidade, e perseguia os desafios mais formidaveis que a arte da pintura podia lhe oferecer em sua época. 80 | MARC CHAGALL [1946] A grande mostra retrospectiva da arte de Marc Chagall no Museum of Modern Art, na primavera de 1946, deixa claro que seu dom natural, se ndo suas grandes realizagGes, o coloca entre os verdadeiros grandes artistas de nossa €poca. Alguns se tornam pintores controlando ou des- viando-se de seus dons — ¢ até atingem a grandeza -, mas Chagall, com toda sua falta de jeito, nasceu para a pintura, para a tela, para o quadro. As pinturas mais antigas da mostra, realizadas antes de 1910 — sob a influéncia, me parece, do expressionismo alemao ¢ de Muni- que -, estabelecern aquilo que permanece estrita e caracteristicamente como a cor de Chagall. A primeira pintura que estabelece seu estilo, entretanto, é O casamento, 1910 — uma das melhores obras em toda a mostra, apesar de toda a sua confusio —, que jé revela a influén- cia dominadora do cubismo, entao apenas iniciado. Dai em diante, o desenvolvimento de Chagall esta sincronizado com o da Escola de Paris. © cubismo lhe fornece seu estilo, sua concepeao plastica, sua disciplina estética, e os efeitos do cubismo permanecem até quando qualquer sinal visivel dele parece ter desaparecido. Matisse, com o passar do tempo, 0 ensina como unificar sua cor. Mas Chagall se atém ao modelado de luz e sombra do cubismo até mesmo quando sua cor a mais pura, mais plana e mais imediata; retilineo em suas primeiras e melhores pinturas, esse modelado muda mais tarde para ondulacées suaves de cores quentes e frias ao longo dos eixos de volumes e planos. E em suas pinturas mais recentes ainda resistem tracos fantasmaticos | 145 daqueles padres de angulos retos, tridngulos abertos, cortando volu- mes € espago, que governaram mais manifestamente seu motivo no inicio, Chagall é original em suas concepgées plasticas e em sua icono- grafia, mas é impensavel sem o cubismo. Ele entende Picasso e Matisse muito melhor do que todos os de- mais seguidores nao latinos da Escola de Paris seus contemporaneos. Ao lado de Mondrian, Chagall proporciona a melhor evidéncia da capacidade da Escola de Paris para assimilar tendéncias estrangeiras, no importa de que proveniéncia, e enriquecé-las ¢ concretiza-las. © trabalho mais forte de Chagall ¢ 0 maior niimero de realizages bem-sucedidas se deram entre 1910 € 1920, periodo em que Matisse, Picasso, Braque e Gris também se encontravam em seu Apice. Uma nova concepcao de realidade e uma nova acumulacio de energia cria- tiva, iniciadas e progressivamente organizadas desde 1900, tinham, as vésperas da Primeira Guerra Mundial, amadurecido num grande es- tilo histérico que inverteu decisivamente a direcio da arte pictérica ocidental. A premissa da ilusdo e da representacao era eliminada, e se afirmava que a génese ¢ 0 processo da obra de arte eram o que deveria ser oferecido com maior relevancia a atengdo do espectador. Como essa estética repudiava o acabamento, o polimento, a ele- gancia da superficie, a falta de jeito inicial de Chagall tornou-se nesse periodo um fator a ser capitalizado. E, de fato, a exposi¢ao franca e despreocupada de sua gaucherie foi um elemento indispensdvel a forca de suas pinturas em seu melhor periodo. Superficies grosseiras, tinta empastada, motivo tosco em linhas cruzadas ¢ losangos, contrastes flagrantes entre aspereza ¢ delicadeza, entre tons pretos ou terrosos cores primdrias complementares — tudo isso somado 4 virtude, da mesma forma como um atabalhoamento semelhante, ainda que menor, se somava, na mesma época ¢ no mesmo local, & graca de Juan Gris. O atabalhoamento de Chagall era em parte uma funcdo de sua si- tuacdo, equilibrado como ele estava entre a cultura que o havia formado como individuo e aquela que estava moldando sua arte. O conforto e a facilidade so atingidos ou através do crescimento dentro da cultura dominante ou, no caso de um imigrante, rendendo-se e negando-se in- teiramente. Se vocé for alguém do Leste europeu em Paris, e se mantiver assim independentemente do tipo de arte que pratica, entao vocé esta fadado a cometer erros de gosto — proveitosos ou danosos. Chagall é 116 | abundante em ambos. Seu “sobrenaturalismo”, com seu deslocamento de gravidade, anatomia e opacidade, é, como a rudeza primitiva de seu métier, um erro positivo em todos os sentidos, embora possa, ter cho- cado os primeiros observadores como excessivamente declamatério e teatral. Mas Chagall também era capaz de produzir vistas de cartio- -postal e fotografias de casais roménticos sob a ilusdo, aparentemente, de que estes constituiam poesia lirica segundo a mancira aprovada no Ocidente. E a excentricidade provinciana de alta qualidade desses cartées-postais — cujo espirito esta tao surpreendentemente em harmo- nia com os cartées-postais comerciais daquele periodo — s6 reforga 0 seu mau gosto. Nos anos 20, Chagall se dedicou a assimilar a cozinha e a sua- vidade francesa com a obsessao de um homem sentimental ¢ desajei- tado aprendendo a dancar. Superou a dureza provinciana que antes lhe havia sido de tanta valia. Ele poliu, suavizou e refinou sua arte; ¢, ao mesmo tempo, a sentimentalizou e embelezou ~ relativamente. Nessa época ele era suficientemente sofisticado para evitar 0 mau gosto. E ainda assim, a despeito das muitas belas pinturas em azul, vermelho, verde, rosa e branco — as naturezas-mortas que um Matisse mais amavel poderia ter pintado, e os casais flutuando com deliciosos buqués -, Chagall nunca se recompensou com algo que fosse pelo me- nos to valioso quanto a precariedade que ele sacrificou. Sua pintura deixou de ser uma aventura no sentido em que as de Picasso e de Ma- tisse ainda so; ela se concentrou numa rotina da ordem das pinturas de Segonzac, Vlaminck, Derain e Utrillo. Entretanto, deve-se apontar como uma desculpa parcial para Chagall o fato de que ele também foi vitima de uma tendéncia geral que apanhou muitos outros mestres da Escola de Paris depois de 1925. Naquele momento também Picasso se tornou mais suave e de alguma forma desorientado; Braque comecou a se repetir com uma “docgura” cada vez maior; Matisse, quando sua influéncia se espalhou, passou a recapitular seu passado; até Gris, antes de morrer, em 1927, tinha atenuado seu vigor inicial; e Léger, tornando-se cada vez mais eclético, estava se distanciando do alto padrao que atingira em telas como La Ville c Le Grand Déjeuner. (Bonnard, Mondrian e Mir, entretanto, continuaram a progredir.) A idade heroica da arte moderna havia ter- minado; seus herdis haviam chegado a um acordo com o hedonismo MARC CHAGALL | 117 pessimista que entdo reinava na propria sociedade, e os aspirantes mais jovens da Escola de Paris haviam se voltado para o surrealismo € o neorromantismo. Chagall era simplesmente parte do fendmeno ge- ral. Mas, como De Chirico naqueles mesmos anos, ele aderiu 4 “quali- dade da pintura” além da poesia. grande Crucifixdo branca e Violoncelista, de 1939, sio quadros fortes - particularmente 0 segundo -, e o mais recente Revolugao (que nao se encontra nesta mostra de 1946) demonstra uma unidade impressionante. Mas o grosso da ultima producdo de Chagall sofre cronicamente de falta de concentragao e empenho. Percebem-se qua- lidades pictéricas, mas nao obras de arte completas, nao unidades in- tensas que partem de sma experiéncia, e nao da experiéncia em geral, e subordinam todas as qualidades gerais 4 impressao particular total. Em ultima anilise, as realizacdes de Chagall sao incomensuraveis com seus dotes verdadeiramente enormes. Até mesmo em sua primeira e melhor fase ele no conseguiu expressar formulagées definitivas, fi- nais e conclusivas. Suas obras-primas, diferentemente de muitas de Matisse, Picasso e Gris do mesmo periodo, deixam ainda algo a ser dito; ou falta a elas uma unidade tltima e inevitavel, ou entao elas sé a atingem por meio de um afrouxamento do nivel, por meio da suavi- zacao académica. O atabalhoamento inicial de Chagall, ao mesmo tempo que signi- ficava forca, representava algo impuro — ele foi longe demais tentando enfatizar a singularidade de sua personalidade, sem saber a que ponto humilhar-se e modificar e disciplinar sua expresso de modo que ela se tornasse apta a ocupar seu lugar na ordem social chamada beleza. Depois de algum tempo o artista precisa parar de dizer: “Aceitem-me como sou”. Mas mesmo em seu periodo “doce”, Chagall nao péde pa- rar de dizé-lo — ndo péde parar de nos pedir que aceitassemos a mera qualidade desorganizada como obra de arte. Isso quanto a sua pintura. Seu trabalho em preto e branco € uma outra hist6ria. Chagall é absolutamente grande nas gravuras e pontas- -secas, um mestre para as geragGes futuras no modo como coloca seus desenhos na pagina e distribui seus claros e escuros. Aqui seu acade- micismo impuro revela-se muito util; e sua falta de jeito ndo repre- senta mais um componente necessario da forga de sua personalidade. Aqui sua obra emerge fresca, pura — e humilde. Sua severidade passio- 118 | nal, seu desejo de aceitar a disciplina nao encontram paralelo em seus éleos. Pode ser em parte porque o meio preto e branco depende de uma tradigéo que Chagall entende mais instintivamente do que a tra- digdo da pintura ocidental — desta tiltima ele tem em geral uma nogao por demais operativa. Nao se deve esquecer que quando Chagall chegou a Paris pela primeira vez ele precisou assimilar simultaneamente 0 passado ¢ 0 presente da pintura ocidental, ao passo que ja se encontrava fami- liarizado com o passado das artes graficas através das reproducées. Além disso, o preto e branco, desde o impressionismo, sempre ficou um pouco atrds da pintura, e portanto mais sensivel as tendéncias académicas. A revolugdo do pés-impressionismo foi necessaria para permitir que Chagall proclamasse seu génio de Maler, mas nao foi ne- cessdria nenhuma revolucdo para preparar seu caminho como artesio em preto e branco. Seja como for, e apesar de todas as reservas, a arte de Chagall permanece um feito, seja na pintura a dleo seja em preto e branco. Que um homem do enclave judaico das provincias do Leste europeu tenha absorvido e transformado de forma to rapida e tao genuina a pintura parisiense numa arte propria — e uma arte que retém a marca da cultura historicamente remota de onde ele provém -, esse é um feito heroico que pertence a idade heroica da arte moderna. MARC CHAGALL | 119 ACRISE DA PINTURA DE CAVALETE [1948] A pintura de cavalete, a pintura movel pendurada numa parede, é um produto particular do Ocidente, sem nenhum correspondente verda- deiro em outras partes do mundo. Sua forma é determinada por sua fungao social, que é precisamente estar pendurada em uma parede. Para apreciar a singularidade da pintura de cavalete, basta comparar seus modos de unidade com os da miniatura persa ou da pintura de painel chinesa, nenhuma das quais se equipara a cla na independéncia em relac&o as exigéncias da decoragao. A pintura de cavalete subor- dina 0 efeito decorativo ao dramatico. Ela recorta a ilusdo de uma ca- vidade em forma de caixa na parede atrds de si, e dentro desta, como uma unidade, ela organiza aparéncias tridimensionais. Na medida em que o artista achata a cavidade em nome da padronizagao decorativa € organiza seu contetido em termos de planaridade e frontalidade, a esséncia da pintura de cavalete - que ndo é a mesma coisa que sua qualidade ~ esta a caminho de ser comprometida. A evolucao da pintura moderna, comegando com Manet, é cons- tituida em grande parte pela evoluc4o para um comprometimento desse tipo. Monet, Pissarro e Sisley, os impressionistas ortodoxos, atacaram os principios essenciais da pintura de cavalete por meio da consisténcia com que aplicaram cores distintas; a operacao dessas cores permanecia a mesma por toda a pintura, cada parte da qual era tratada com o mesmo tipo e énfase de toque. O resultado tornou-se um retangulo de tinta regularmente e firmemente texturizado, que 1 1st tendia a atenuar os contrastes ¢ ameacava — mas s6 ameacava — redu- zir a pintura a uma superficie relativamente indiferenciada. As consequéncias do impressionismo ortodoxo nao se resolveram coerentemente a tempo. Seurat levou o divisionismo a uma conclusio logica, produzindo a partir dele algo quase mecanicamente sistema- tico, mas em seu desejo de clareza de design ele afastou a cor pura de sua tendéncia inerente a uma superficie relativamente indiferenciada, a utilizou para um novo tipo de contraste de luz e sombra. Em- bora ainda tornando a pintura mais rasa, ele continuow a estruturé-la sobre formas dominantes. Cézanne, Van Gogh, Gauguin, Bonnard ¢ Matisse continuaram a reduzir a profundidade ficticia da pintura, mas nenhum deles, nem mesmo Bonnard, tentou algo tao radical em sua violagdo dos principios tradicionais de composicao quanto fez Monet na metade e na ultima fase de sua produgao. Pois independentemente de quanto a pintura se torne rasa, na medida em que suas formas se- jam suficientemente diferenciadas em termos de luz e sombra, e sejam mantidas em equilibrio dramatico, ela permanecera uma pintura de cavalete. Era precisamente nesses pontos que a tiltima prdtica de Mo- net ameacava a convencao da pintura de cavalete, e agora, vinte anos apés sua morte, sua prdtica se tornou o ponto de partida para uma nova tendéncia na pintura. Essa tendéncia aparece na pintura all-over, “descentralizada”, “polifonica”, que depende de uma superficie composta de elementos idénticos ou muito semelhantes que se repetem sem uma variagao marcada de uma borda a outra da pintura. E um tipo de pintura que prescinde, evidentemente, de comeco, meio e fim. Embora a pintura “all-over” , quando bem-sucedida, ainda seja pendurada numa parede com efeito dramitico, ela se aproxima muito da decoracao — do tipo visto em padrdes de papel de parede que podem se repetir indefinida- mente -, e na medida em que a pintura “all-over” permanece uma pin- tura de cavalete, 0 que ocorre de certo modo, ela contamina a nogio do género com uma ambiguidade fatal. Neste momento, nao estou pensando em Mondrian em particular. O seu ataque a pintura de cavalete foi bastante radical, apesar de toda sua inadverténcia, e as pinturas de sua maturidade estao ostensiva- mente entre as mais planas entre todas as pinturas de cavalete. Mas ele ainda insiste em formas dominantes e contrapostas, como as que sao 182 | proporcionadas por linhas retas que se interseccionam e blocos de cor, ea superficie ainda se apresenta mais como um teatro ou um cendrio de formas do que como uma pega de textura tnica e indivisivel. A pintura all-over, “polifonica”, com sua falta de oposigdes explicitas, talvez seja antecipada por Mondrian, mas nesse sentido ela também é antecipada pelo cubismo analitico de Braque e de Picasso ¢ por Klee, ¢ mesmo pelo futurismo italiano (embora mais como uma premoniciio vivida, gragas a exaltacdo decorativa que o futurismo fez do cubismo analitico, do que como fonte ou influéncia). Portanto, nao se trata aqui de uma excentricidade ou capricho na evolugo da arte moderna. A diversidade dos lugares em que a pintura “all-over” apareceu desde a guerra é suficiente para atestar isso. Em Paris a tendéncia a pintura “polif6nica” ja se fizera sentir em algumas das telas maiores de Jean Dubuffet, e aqui e ali nas obras de varios dos outros artistas expostos na Galerie Drouin. Outro expoente, pelo menos em parte, da pintura “all-over” é um refinado artista uruguaio, Joaquin Torres-Garcia. Nos Estados Unidos chegou-se a ela de forma mais ou menos independente por meio de artistas de origem e temperamento tao diferentes como Mark Tobey, Jackson Pollock, 0 dltimo Arnold Friedman, Rudolf Ray, Ralph Rosenborg e Janet Sobel. As paisagens maiores de Mordecai Ar- don-Bronstein, da Palestina, tendem igualmente a ter uma composi¢ao “polifOnica”, mesmo que seja s6 porque os temas a partir dos quais Ar- don-Bronstein trabalha sao por si s6 estruturados “monotonamente”; mas 0 que € significativo é que ele ouse aceitar essa monotonia. Emprestei conscientemente o termo “polifénico” da musica, en- corajado a fazé-lo pelo uso que Kurt List e René Leibowitz fazem dele em sua critica de musica, com referéncia particular aos métodos de composi¢ao de Schoenberg. Daniel-Henry Kahnweiler, em seu im- portante livro sobre Gris, j4 buscou estabelecer um paralelo entre cubismo e a misica dodecafonica, mas em termos tao gerais que sio quase despropositados: o sr. Kahnweiler torna isto simplesmente uma questao de devolver a ordem ou a “arquitetura” a artes ameacadas pela “informidade”. © paralelo que vejo é mais especifico. O termo usado por Mon- drian, “equivalente”, € apropriado neste caso. Assim como Schoenberg, faz com que cada elemento, cada som da composigao tenha igual im- portancia — diferente, mas equivalente —, também o pintor “all-over” ACRISE DA PINTURA DE CAVALETE | 183 torna todos os elementos ¢ todas as dreas da pintura equivalentes em acento e énfase. Como o compositor dodecafénico, 0 pintor “all-over” tece sua obra de arte em uma malha cerrada cujo esquema de unidade € recapitulado em cada um de seus nés. O fato de que as variacies de equivaléncia introduzidas por um pintor como Pollock sejam as vezes to ténues que A primeira vista nds possamos ver no resultado nao equi- valéncia, mas uma uniformidade alucinatéria, s6 reforga o resultado. A propria nogao de uniformidade € antiestética. Entretanto, mui- tas pinturas “all-over” parecem dar certo precisamente em virtude de sua uniformidade, sua pura monotonia. A dissolugao do pictérico em mera textura, em sensacao manifestamente pura, em uma acumulacao de repeticgées, parece representar e responder a algo profundamente enraizado na sensibilidade contemporanea. A literatura oferece para- lelos em Joyce e em Gertrude Stein, talvez até mesmo nas cadéncias dos versos de Pound e nas dissonancias comprimidas de Dylan Tho- mas. O “all-over” talvez responda ao sentimento de que todas as dis- tingGes hierdrquicas foram, literalmente, exauridas e invalidadas; de que nenhuma drea ou ordem de experiéncia é intrinsecamente superior, em qualquer escala final de valores, a qualquer outra 4rea ou ordem de experiéncia. Ele pode expressar um naturalismo monista para o qual nao hé coisas primeiras nem tiltimas, e que reconhece a distingZo entre o imediato e 0 nao imediato como a tinica definitiva. Mas, por enquanto, tudo que podemos concluir é que o futuro da pintura de cavalete como veiculo da arte ambiciosa tornou-se problematico. Ao usar essa convengao como o fazem —¢ nao podem deixar de fazé-lo -, artistas como Pollock estao a caminho de destrui-la. 184 |

Potrebbero piacerti anche