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Santos fortes: Raízes do Sagrado no Brasil
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Santos fortes: Raízes do Sagrado no Brasil

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Até pouco tempo atrás, as "vidas de santos" (ou hagiografias) eram um gênero literário consolidado e popular.

Em nossa sociedade contemporânea, aparentemente secularizada, esse tipo de livro saiu de moda. Hoje, olhamos com um pouco de desconfiança, alguma estranheza e até descaso as pessoas que dedicam suas vidas à Religião, que fazem votos de castidade ou de pobreza, de obediência ou de silêncio. Ao mesmo tempo, entretanto, continuamos religiosamente entregando nossas vidas em holocausto aos deuses que idolatramos. Quem não conhece fiéis do Deus-Consumo, beatas da Deusa-Fama, pastores do Divino-Mercado?

Nesse contexto, essa nova coleção de "Vidas de Santos" é um livro iconoclasta, justamente por não ser uma hagiografia católica tradicional, mas sim um livro leve e divertido, ecumênico e sincrético, escrito especificamente para o público leitor brasileiro do século XXI, sobre o fenômeno social da nossa religião popular. Os Santos Fortes não são necessariamente os mais famosos, os mais devotos, os mais inspiradores, e sim os mais brasileiros. São os nossos Santos de várzea, nossos Santos de raiz, nossos Santos moleques. São os Santos da nossa vida, os Santos das nossas ruas, os Santos da nossa cultura.

São os Santos de todas as nossas religiões. Porque aqui descobriremos que:

• Para o Espiritismo, São João Batista era a reencarnação do Profeta Elias, que depois reencarnou como Allan Kardec;

• Que Iansã é Santa Bárbara, que São Jorge é Ogum e que Oxóssi é São Sebastião (ou vice-versa!);

• Que Santo Antônio é militar de carreira no Exército e que sua última promoção, a Tenente-Coronel de Infantaria, foi assinada por Dom João VI no Rio de Janeiro;

• E até mesmo que alguns de nossos Santos mais Santos na verdade não são Santos (mas é claro que são), como o Padre Cícero.

Conhecer nossos Santos Fortes é conhecer um pouco mais sobre nós mesmos, nossas avós e nossas filhas, nossos medos e nossas prioridades, de onde viemos e para onde estamos indo.
Alex Castro
LanguagePortuguês
PublisherAnfiteatro
Release dateOct 9, 2017
ISBN9788569474364
Santos fortes: Raízes do Sagrado no Brasil

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    Santos fortes - Leandro Karnal

    santos.

    1

    São Jorge:

    salve, santo guerreiro!

    E ra uma vez um santo que enfrentou um dragão com seu cavalo branco: isto parece uma fábula infantil. Dragões não existem, nem unicórnios e nem duendes. Um santo que é apresentado matando um dragão (ou seja, trata-se de um santo sauróctone) é, por definição racional, um santo fantasioso.

    Santos sauróctones, como São Jorge e São Marcelo de Paris, pertencem a um tipo de narrativa medieval não muito presa ao mundo do concreto. São as muitas legendas, histórias de claro fundo simbólico ou fantasioso.

    Papa Paulo VI, o melancólico arcebispo de Milão encarregado de encerrar e implementar as decisões do Concílio Vaticano II na década de 1960, resolveu racionalizar um pouco este universo. Para dor de muitos fiéis, o papa disse que o culto a estes santos de pouca base histórica comprovável não seria mais obrigatório na Igreja Universal (católico, na sua raiz grega, quer dizer universal). Em linguagem de burocratas, é como se chefe tivesse declarado estas festas pontos facultativos. O 23 de abril, dia de São Jorge, poderia ou não ser comemorado. Surgiu daí a lenda de que o papa o teria descanonizado. Não foi o que ocorreu. O santo guerreiro apenas sofreu um downgrade teológico para o mundo oficial do clero. Os ventos do concílio imaginaram que modernização significava retirar um pouco do caráter mágico das práticas católicas e garantir narrativas mais plausíveis com o mundo contemporâneo.

    O papa pode mandar na Igreja, mas não nos corações dos fiéis. O culto a Jorge não retrocedeu em nada. Na exata contramão de Roma, a cidade do Rio de Janeiro declarou feriado o dia de São Jorge. Isto nascia da grande devoção ao santo entre cariocas e fluminenses, e também da associação entre o católico Jorge e o orixá Ogum do candomblé. Por fim, quem sabe, nascia da vontade de alguns políticos em montar no branco cavalo de Jorge e galgar os montes do prestígio eleitoral. Jorge decaía na Cidade Eterna e crescia na Cidade Maravilhosa. Como diria o paciente Jó, Deus dá e Deus tira, bendito seja o nome do Senhor.

    As narrativas sobre Jorge são antigas, desencontradas e, há muitos séculos, a dúvida sobre a autenticidade da sua vida é forte. Teria nascido na Capadócia, região da atual Turquia, e sido criado na região de Lida, hoje Estado de Israel. Durante a feroz perseguição do imperador Diocleciano, a última que o cristianismo sofreria, Jorge foi

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