Santo Agostinho: Educação e Teologia
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Santo Agostinho - Antonio Patativa de Sales
Aquino.
Algumas palavras...
Começo a apresentação deste livro sobre Agostinho de Hipona (354-430) com as suas próprias palavras, conforme o De catechizandis rudibus (I, 2,3): Entristeço-me de que minha língua não baste ao meu coração
, porque é assim que me sinto ao ter que falar, ainda que de modo breve, sobre o Doutor da Graça.
O que dizer de um cor inquietum que nos provoca a cada linha de sua brilhante escrita, refletindo sobre Deus, sem deixar de nos lembrar – o tempo todo – que, também, devemos fazer uma espécie de autoanálise; ele que, nas Confissões, diz ter-se tornado um problema para si mesmo (Conf., X, 33). Ao buscar a Deus e, ao mesmo tempo, reconhecer-se como um problema, Agostinho abre um espaço imenso para a interioridade, mas, nela, não se fecha de forma egoísta; também se abre à transcendência.
É este Agostinho que peregrina entre a interioridade e a transcendência, como não poderia deixar de ser, que aparece no livro do Dr. Antonio Patativa de Sales, teólogo, escritor e professor de filosofia, que nos oferece uma reflexão sobre educação e teologia no pensador de Hipona.
Por mais que se escreva sobre Agostinho, o que só revela a sua importância, o livro de Patativa tem o mérito de abordar dois temas pouco trabalhados pelos estudiosos agostinianos, ao menos os de língua portuguesa: os temas da pedagogia e da lógica, que se unem sob o título: Santo Agostinho: Educação e Teologia.
A primeira parte do livro traz como novidade não necessariamente o tema (o ensino), mas a obra escolhida para a abordagem, o De catechizandis rudibus. Nela, vemos um Agostinho pedagogo
preocupado em mostrar a eficácia do ensino, ao ponto de afirmar que às vezes somos obrigados a descer das alturas do pensamento e demorar-nos na lentidão das sílabas... (De cat. rud., I, 10,15), tendo a consciência muito clara de que é necessário bem conduzir aqueles aos quis se ensina.
Na segunda parte dá-se o oposto; ou seja: o que há de novo não é a obra abordada, mas o tema e uma possível influência sofrida por Agostinho – que Patativa indica já no título: o aristotelismo agostiniano
(ponto não pacífico entre os especialistas agostinianos). Argumentando, o autor mostra, dentre outras coisas, como Agostinho se utiliza (no De doctrina christiana) dos silogismos, para destacar as vantagens do conhecimento da lógica.
A lógica é útil em se tratando de seguir uma determinada metodologia ou um determinado método, que não deve se dissociar da vivência prática; por isso, Patativa afirma (na parte sobre o ensino) que antes de querermos educar a outrem, é preciso que nos eduquemos a nós mesmos
; e, na parte sobre a lógica, que esta não se esgota na dialética, mas na evidenciação da graça, que também deve ter ‘uma lógica’
. Por fim, unindo educação e teologia está o amor, e nele se reflete o homo viator que, em seu desejo de conhecer, se mostra disponível para a transcendência sem abandonar a imanência, afinal, como Patativa afirma com muita propriedade, "o primado do amor (‘Ama e faz o que quiseres’) tem o peso de: ‘Ama, e assim não poderás fazer senão o bem’". Parabenizo o autor pelo livro e recomendo a sua leitura.
Profa. Dra. Maria Simone Marinho Nogueira
(Curso de Filosofia e PPGLI/UEPB)
Campina Grande, maio de 2020.
Preparação para a vida, preparação para a morte: pedagogia e catequese no De catechizandis rudibus
¹
V. Caridade preste atenção.
É questão importante, grande questão.²
Na medida do possível,
viro-me do avesso para vocês.³
Em O mito de Sísifo (1942), de Albert Camus (1913-1960), há esta citação:
Nunca vi ninguém morrer pelo argumento ontológico. Galileu, que possuía uma verdade científica importante, dela abjurou com a maior das facilidades deste mundo, logo que tal verdade pôs a sua vida em perigo. Fez bem, em certo sentido. Essa verdade não valia a fogueira. Qual deles, a Terra ou o Sol, gira em redor do outro, é-nos profundamente indiferente. A bem dizer, é um assunto fútil. Em contrapartida, vejo que muitas pessoas morrem por considerarem que a vida não merece ser vivida. Outros vejo que se fazem paradoxalmente matar pelas ideias ou pelas ilusões que lhes dão uma razão de viver (o que se chama uma razão de viver é ao mesmo tempo uma excelente razão de morrer). Julgo, pois, que o sentido da vida é o mais premente dos assuntos – das interrogações.⁴
O argumento sucede a questão inicial (e principal) colocada à filosofia: a questão do suicídio; e do suicídio filosófico, conforme o autor, requerido pela religião. Em Santo Agostinho (354-430), e apesar de todos os séculos que o separam do escritor francês, questões de vida ou morte transitam em uma delicada ponte
estendida
entre o tempo e a eternidade – noção que, como já tratamos em outro artigo⁵, é um axioma necessário à resposta da fé, e que a teologia pretende enquanto tal. A urgência de resposta (e sentido) à questão por que viver?
, proposta por Camus à filosofia, é colocada antes por Agostinho, pelo viés da teologia, nos limites da interioridade⁶, da introspecção existencial, existencialista
⁷. Essa urgência e necessidade – que Paul Tillich (1886-1965) chamaria de preocupação última
⁸ – faz com que o Hiponense, ainda hoje, seja um pensador muito atual. Santo Agostinho
, como Karl Jaspers (1883-1969) afirma, pensa perguntando
⁹. Da sua doutrina da interioridade e análises psicológicas – ele é o primeiro a compor uma autobiografia, mesclando a história da sua vida com o progresso do seu pensamento – somos herdeiros, conscientes ou não. Outras questões que o Hiponense coloca e que dominaram a Idade Média são, na atualidade, renovadas e aprofundadas. Três exemplos: Martin Heidegger (1889-1976) valeu-se da linguagem como problema hermenêutico aplicado ao signo e ao significado (vinculado à linguagem e à ontologia enquanto hermenêutica da facticidade), um modelo hermenêutico do qual Agostinho seria pioneiro¹⁰; Ludwig Wittgenstein (1889-1951), dentre outros que veem no De magistro (389) o germe da moderna Filosofia da Linguagem¹¹, utilizando uma passagem das Confissões, de modo crítico, aproxima-o de outras questões recorrentes na contemporaneidade¹²; Hans-Georg Gadamer (1900-2002), finalmente, notou a pretensão de universalidade da hermenêutica agostiniana, e aprofundou-lhe alguns conceitos, estudados agora mesmo em academias seculares e escolas teológicas de todo o mundo.¹³
"Agostinho, como bem se pode ver, é um pensador moderno. Uma razão pela qual reconhecemos instantaneamente na mente de Agostinho uma mente semelhante a nossa é que [...] nossas mentes são – e um grau verdadeiramente assombroso – a herança da mente de Agostinho.¹⁴" Nisso, a questão pedagógica, como veremos, não fica atrás de nenhuma outra; mesmo que, ao menos em nosso país, ainda seja abordada de modo mais ou menos tímido.
1. Santo Agostinho, mestre do Ocidente
Por influência de sua vastíssima produção literária, vida e genialidade, Agostinho foi reconhecido como mestre do Ocidente
. Suas obras, dos primeiros diálogos em Cassissiacum (386) ao polêmico Contra segundam Juliani responsionem opus imperfectum (429-430), foram armas não somente contra as heresias que proliferavam entre os cristãos do primeiro século, mas pelos séculos seguintes, e a base da cultura moral e espiritual do Ocidente Medieval, e ainda depois. Agostinho é a Patrística
, diz Johannes Hirshberger (1900-1990)¹⁵, enfatizando seu lugar de destaque entre tantos Padres e filósofos do período (sécs. I ao VIII).
Tratar sobre o alcance e influência de suas obras, entre aqueles que o comentam, é lugar comum; e mesmo agnósticos ou ateus confessos, como Bertrand Russell (1872-1970), não lhe negam respeito e admiração¹⁶. Já antes do século IX – que é quando, segundo J. N. Hillgarth, a influência do Hiponense seria sentida mais claramente
¹⁷ –, e até a segunda metade do século XII, principalmente na França, ele domina os campos teológico-filosófico: na reprodução de suas ideias, nas tentativas de superá-las, adaptá-las, etc. Para Sto. Tomás (1225-1274), Agostinho é tido como intocável
, e o Aquinate evita ao máximo contradizer as afirmações do Mestre do Ocidente.¹⁸
À questão: Um homem pode ensinar a outro?
(Utrum unus homo possit alium doce), Sto. Tomás praticamente expõe os resultados obtidos por Agostinho no De magistro, na perspectiva platônica¹⁹, que preterirá em favor do intelecto possível (intellectus possibilis) aristotélico, entendendo que a alma humana está em pura potência com relação aos inteligíveis²⁰
e, portanto: "Quando alguém por si mesmo adquire a ciência, não se pode dizer que ensina a si mesmo, ou que é seu próprio mestre. De fato, não preexiste nele uma ciência completa, como se requer de um mestre.²¹ Quando trata sobre a criação da matéria, recorrendo à filosofia, Sto. Tomás
nos apresenta o que se poderia considerar como as idades da filosofia. Nisso, ele podia se apoiar tanto em Aristóteles (Metafísica, I, 3-6) quanto em Agostinho (Cidade de Deus, VIII, 1-10).²²" Assim, através do Doutor Angélico e até a Reforma protestante (séc. XVI), o Hiponense continua falando, sendo invocado como autoridade, como mestre.²³
Na França do século XVII, o aclamado século de Agostinho
²⁴, muita coisa mudara com a (re)ascensão do tomismo; mas o Hiponense ainda era fartamente citado, estudado e reverenciado – como na Conversa com o Sr. de Sacy sobre Epiteto e Montaigne, atribuída a Blaise Pascal (1623-1662). O Sr. de Sacy, depois de cumprimentar Pascal por interpretar tão bem Montaigne e Epiteto, "poderia lhe dizer sem cerimônia que dominava bem melhor