10-03-2020 No processo de compreensão dos conceitos-chave da Geografia,
faz-se necessário entender seus significados dentro de um
contexto socioeconómico, cultural e político, contexto esse, sempre sujeito às transformações ocorridas no tempo e no espaço.
Discorrendo sobre região, BEZZI (1996, p.3), afirmou que “O
significado de região liga-se fortemente às tendências filosóficas de cada época”. Nesse sentido, seu estudo é balizado pela trajetória das correntes do pensamento geográfico que evolui com a sociedade no tempo e no espaço. A região na Geografia Tradicional
Segundo Roberto Lobato Corrêa (1995), foi no período da
corrente da Geografia Clássica ou Tradicional,
especificamente na corrente Determinista (Sec. XIX) que surgiu o primeiro conceito de “Região Natural”, identificada por L. Gallois (1908), a partir de sua obra, intitulada “Régions naturelles et noms de pays”, O Conceito vem fundado na ideia de que o “ambiente impõe certo domínio na orientação do desenvolvimento das atividades humanas ”. . Uma região se diferenciava da outra pelos seus
aspetos físicos, ou seja, ela poderia ser entendida
como determinada superfície terrestre de dimensões e escalas variáveis, segundo as suas características, resultantes da combinação entre os elementos do espaço (fatores naturais como o clima, vegetação, relevo, geologia, tipos de solos e fatores antrópicos). Assim, para a corrente determinista a análise das relações
sócio-espaciais deveria partir da ideia de que o homem sofreria
as condições impostas pela região natural, significando que, entre outros fatores, o clima, seria determinante na escolha de suas atividades e no tipo de comportamento que possuía. Na Geografia Tradicional, as regiões eram entendidas como
síntesesde elementos físicos e sociais em processo de
integração, cujo reconhecimento era feito pela descrição da paisagem, assim, a região era uma paisagem diferenciada.
O Possibilismo e a Região
A Corrente Possibilista teve como berço a França do
século XIX e compreende, de maneira diferente, a
relação entre o homem e o meio natural, criando um
contraponto ao Determinismo. O Possibilismo
baseava-se nas possibilidades do homem transformar
ou readaptar as características da natureza.
Nesta corrente a região surgiu com uma nova
configuração, passando de região natural para região
humana, ou seja, a humanidade através do trabalho é capaz de alterar a região, a qual passa a se configurar como uma região geográfica, na qual estão entrelaçados os componentes humanos e naturais. Henri Le Fébvre (1922), criou o termo “Possibilismo”,
justificando-se através da expressão que dizia: “a natureza
propõe e o homem dispõe”. La Blache, principal representante do Possibilismo, em 1903, publicou sua obra intitulada “Tableau de la Geographie de la France”, onde considerou a região como uma entidade concreta, palco das ações antrópicas e apresentando um processo de evolução, em que o homem passaria da condição de influenciado passivo para um ativo transformador. Ao propor o conceito de “região geográfica”,
ou “região–paisagem”, Vidal de La Blache baseou-
se na ideia da região como resultado do trabalho humano, em determinado ambiente, na qual as “combinações dos fatores responsáveis pela sua configuração, caberiam ao geógrafo desvendar”. Na região lablachiana os limites são estabelecidos por um
dos componentes (solo, clima, vegetação), sendo o fato
mais importante a associação dos elementos que confere singularidade à região. Como um dos elementos integrantes da região, o homem é um dos seus agentes de maior transformação, embora no meio natural a vegetação se apresente como um dos seus traços mais expressivos, ocorrendo em paralelo com outras formas de vida animal. O homem, certamente com o seu gênero de vida
(correspondente ao seu nível socioeconómico,
cultural e técnico-científico), imprimiria a cada região da Terra uma singularidade específica, transformando a região. Assim o espaço transformado, seria compreendido como um espaço geográfico, caracterizado como uma região e, portanto, resultante do trabalho humano. A região geográfica definida por Vidal de Ia Blache e
seus discípulos tem seus limites determinados por
diversos componentes: uma fronteira pode ser o clima, outra o solo, outra ainda a vegetação. O que importa é que na região haja uma combinação específica da diversidade, uma paisagem que acabe conferindo singularidade àquela região. Para os possibilistas não haveria diferença da região
natural para a geográfica no tocante à evolução, mas o
que revelaria sua individualidade seria a população e a relação com as regiões vizinhas. O Possibilismo promoveu o fortalecimento da região na
ciência geográfica, tratando-a como uma unidade
singular, na qual estariam convivendo em harmonia animais, vegetais e o homem com características únicas . O conceito vidaliano de região recebeu inúmeras
críticas de Lacoste e de Claval. Comentam que na
escolha dos elementos que se combinam há uma seletividade que considera apenas os antigos, de longa duração, desprezando os elementos de origem recente. Isto significa que, implicitamente, concebe- se a região como uma entidade acabada e concluída. A conceção vidaliana impõe um único modo de se
pensar a divisão da superfície da Terra, esquecendo a
diferencialidade espacial de cada elemento, e o fato de que outros segmentos do espaço podem ser mais úteis. A Região na Geografia Moderna Nesse contexto, a região passa a ser definida “como um
conjunto de lugares onde as diferenças internas dos lugares
são menores que as existentes entre eles e qualquer elemento
de outro conjunto de lugares” (CORRÊA, 1998: 32).
A região não é mais concebida com uma essência concreta
como no Possibilismo, mas sim como um produto da criação
intelectual delimitada através de objetivos específicos.
A Geografia Cultural vem incorporar novos horizontes ao
conhecimento geográfico e aos estudos regionais. Tendo como
base filosófica a fenomenologia, nas quais se deterá ao estudo a respeito do comportamento do homem diante do meio, o medo, o ódio, a percepção (LENCIONI, 1999). Ressalta Lemos (2005, p.34) que: “O estudo regional, nessa perspectiva, visa a compreender o sentimento que os homens têm por pertencer a uma determinada região, os laços afetivos que produzem uma identidade regional.” A Geografia Crítica e a Região A Corrente Crítica da Geografia surgiu durante a década de 1970,
e tinha como objetivo transformar o caráter científico da
Geografia passando para uma ciência social que estudasse a relação homem x meio através do materialismo histórico- dialético. Nesse debate, a região assume importante conotação, pois esta
apresentaria contornos produzidos pela divisão sócio-espacial do
trabalho, níveis de organização de classes sociais e desenvolvimento espacial desigual. A região passa a ser analisada com uma criticidade
inédita no campo da geografia, esse olhar crítico separa
nitidamente dominadores de dominados, distinguindo formas de produção de espaço diferentes, contudo é importante recordar que a região é resultado de múltiplos mecanismos de regionalização e se assemelharia a região vidalina com limites definidos. a Geografia Crítica visualiza e caracteriza, segundo Haesbaert
(2010), a região sobre duas formas: uma que enfatiza a
dimensão econômica, vendo a região como um fruto da divisão territorial do trabalho, e outra vertente enfatiza a região a partir dos movimentos sociais, os regionalismos. A Região na Geografia Contemporânea Nesta nova fase do século XXI, período de avanço do
capitalismo/ globalização, a região aparece com diferentes
abordagens seja, a partir da ênfase nas formações regionais mais tradicionais, (zonas ligados diferentemente ao estado- nação) ou em construções inovadoras (como as regiões descontínuas ou em rede), inexistindo, atualmente, um conceito universal de região como em tempos passados. As condições atuais fazem com que as regiões se transformem
continuamente, legando, portanto, uma menor duração ao
edifício regional. Mas isso não suprime a região, apenas ela muda de conteúdo. A espessura do acontecer é aumentada, diante do maior volume de eventos por unidade de espaço e por unidade de tempo. A região continua a existir, mas com um nível de complexidade jamais visto pelo homem.