z A poética dos arquivos: as múltiplas camadas semiológicas e temporais implicadas na prática de pesquisa histórica z Introdução geral ao autor e ao texto
Durval Muniz de Albuquerque Júnior é professor visitante da
Universidade Estadual da Paraíba e docente dos programas de pós-graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e da Universidade Federal de Pernambuco.
Sua obra atravessa os estudos sobre história dos espaços, teoria
da história, gênero e cultura popular.
Destacou-se pelo trabalho de doutorado que configuraria,
posteriormente, o livro A invenção do Nordeste e outras artes. z Introdução geral ao autor e ao texto Em termos de teoria da história, a obra do autor atravessa os estudos a respeito de discurso, poder e subjetividade, atravessando grande parte de suas obras pelos trabalhos de intelectuais da filosofia, tais como Michel Foucault, Gilles Deleuze e Félix Guattari.
Inaugura, no campo da historiografia brasileira, o conceito de pós-
modernidade, o qual ele próprio abre mão em textos futuros.
O texto em questão foi apresentado em Parnaíba (PI), em 2017, na
I Semana de História da Faculdade Internacional do Delta. z Templo da perda, templo de pedra
O ato de perder-se no arquivo é um gesto comum ao
historiador. Ainda que vá encontrar o que procura, que deseje encontrar-se com a história, ele perde a própria existência material do arquivo.
A história é feita a partir de arquivos, mas há também uma
história dos arquivos. Eles são filhos de um tempo, são criados, e não dados e nem tampouco naturais. z Templo da perda, templo de pedra
Se é um templo das perdas, destinado a guardar os restos das
coisas que se perderam, também é um templo de pedra, monumento erguido com a intenção de lembrar uma dada época.
Como nos lembra Jacques Derrida, a palavra arquivo vem do
grego arkhê, que designa, ao mesmo tempo, o começo e o comando. z Templo da perda, templo de pedra
A disciplinarização do saber histórico, notadamente a partir do
século XIX, bem como a construção de uma historiografia pretensamente científica, modificou as estruturas do sensível, a sensibilidade que atravessa a própria construção dos documentos.
Mesmo Friedrich Nietzsche, crítico do historicismo, criticaria
também o combate sistemático à sensibilidade, através de seu texto Da utilidade e desvantagem da história para a vida. z Soberanos documentos, sobrados tempos O próprio contato do historiador com o documento gera um conjunto de emoções, próprios daquele encontro. No entanto, mesmo emocionado com a materialidade do documento, pouco o leva em conta no seu processo de análise.
“O fato de um documento estar claramente marcado por um
alagamento ou uma goteira, o fato de marcas de sangue estarem presentes em dado suporte documental, parece não ser levado em conta como marcadores temporais, como signos que indiciam a localização temporal daquele próprio documento.” z Soberanos documentos, sobrados tempos Mesmo os historiadores que trabalham com a metodologia da história oral também tendem a esconder esse momento da pesquisa, notadamente o face a face que aí se deu, as emoções e afetos, as simpatias e antipatias, os momentos de tensão, conflito e desconfiança que compuseram a feitura da fonte.
Configura-se, na prática de pesquisa do historiador, esse
sistemático apagamento, um veto, à materialidade do documento, o que o historiador Francisco Régis Lopes Ramos chama de “a danação do objeto”. z Quatro semiologias, duas aporias
“O trabalho do historiador é semiológico, ou seja, constitui-se na
decifração, leitura e atribuição de sentido para os signos que são emitidos por sua documentação.”
Vivemos hoje, na historiografia, a busca por um retorno ao que
pode ser chamado de produção de presença, ou seja, de retomar a própria materialidade das coisas, dos objetos, dos monumentos, das ruínas, dos gestos, a própria dimensão do passado que carrega cada documento. z Quatro semiologias, duas aporias
Um documento não causa no historiador o mesmo afeto
daquele encontrado em sua materialidade original quando se dá através de outros meios (coletâneas, entrevistas feitas por outros, materiais digitalizados).
“O historiador tende a ficar atento ao tempo dos eventos aos
quais o documento se refere, mas não toma o documento mesmo como evento, como acontecimento de um dado tempo, que indica e emite signos desse tempo, em toda a sua extensão e em todos os seus aspectos.” z Quatro semiologias, duas aporias
É possível, por exemplo, justificar a escolha desse ou daquele
arquivo, desse ou daquele documento, desse ou daquele trecho da entrevista, dessa ou daquela música, o afeto que o documento lhe causa.
Outra semiologia negligenciada no trabalho historiográfico diz
respeito às operações de repressão, de denegação e de proibição da aproximação do saber histórico do estatuto da filosofia e da arte. z Quatro semiologias, duas aporias
A relação dos historiadores com fontes artísticas, tais como a
literatura, por exemplo, costuma ser empobrecida, na medida em que grande parte dos historiadores se dedicam apenas a pensar a relação entre os signos literários e os extraliterários, quase sempre explicando aqueles por esses.
Da mesma forma, muitas vezes, a lida com as fontes musicais
passa com pouco ou nenhum conhecimento da linguagem musical, que é produto de um tempo. z Temporalidades conceituais, valores espaciais A cegueira conceitual dos historiadores – a recusa da filosofia e a desconfiança das filosofias da história.
O conceito não é algo externo ao documento, ele é vivido
cotidianamente, pelos homens e mulheres, eles nomeiam, significam e dirigem práticas e ações.
As próprias noções de espaço e tempo indicam conceitos próprios
de uma época, formas de perceber as distâncias, as relações e os valores daquele tempo. z Temporalidades conceituais, valores espaciais
O tempo do historiador não é natureza, e sim uma construção
narrativa, que se dá no plano da linguagem.
A linguagem do historiador, o texto, também produz tempo e
espaço, na medida em que nele, as figuras de linguagem e o próprio movimento da escrita possuem uma temporalidade.