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da Revista VEJA
SUICIDOLOGIA
“Amores que matam”
Prof. Liércio Pinheiro de Araújo
CASO 1
Diante da janela envidraçada do 16o andar de um condomínio de
classe média alta de São Conrado, zona sul do Rio, a ex-modelo e
empresária Luciana Fontenelle, 28 anos, tinha o céu e o inferno diante
de si, no final da tarde da segunda-feira 26. Com o filho Igor, de um ano
e dez meses, agarrado junto ao peito, ela via à sua esquerda a silhueta
de milhares de barracos da favela da Rocinha. À direita, a imensidão do
mar. À sua frente, o mato fechado do morro Dois Irmãos. Ninguém sabe
o que se passou na cabeça da jovem nos segundos que antecederam a
queda. Cenas de um amor dilacerado, palavras ocas de um casal que se
separa, o desespero de se ver obrigada a entregar a guarda da criança
ao ex-marido... O certo é que Luciana se lançou no espaço com o filho
nos braços e os dois corpos caíram no gramado bem cuidado do edifício.
Luciana morreu na hora. Igor teve a queda amortecida por um galho de
um coqueiro e resistiu algumas horas antes de falecer no Hospital Miguel
Couto.
CASO 1
Há certos romances que parecem não aceitar um ponto final, a menos
que ele seja escrito com sangue. O de Luciana e Eduardo, 32 anos, filho
do conceituado advogado carioca Sérgio Chermont de Britto, era assim.
Foi tumultuado até o trágico fim. "Minha filha foi induzida ao suicídio por
esse rapaz", acusa o pai de Luciana, o espanhol Vicente Raga, fazendeiro
em Friburgo, na serra fluminense. "Ela adorava o Eduardo e não faria isso
se não tivesse sido levada a um grau de altíssimo desespero", reforça a
mãe, Valéria, advogada da Light. A versão de que Luciana foi coagida a
praticar o suicídio é veementemente recusada pela família de Eduardo.
"Luciana tinha um comportamento descontrolado. O pai de Igor sempre
temeu que ela colocasse em risco a integridade física e psicológica da
criança", rebate a advogada da família do rapaz, Kívia Maia.
CASO 1
O rosto bonito, os cabelos louros e o corpo bem torneado fizeram de
Luciana uma garota famosa muito cedo. Foi eleita Garota de Ipanema com 15
anos. Cortejada para posar nua em revistas masculinas, nunca aceitou. Suas
breves aparições em programas de tevê, como o de Chico Anysio, por
exemplo, abriram portas para uma curta carreira de modelo. E a ajudaram a
conquistar uma roda de amizades que incluía a apresentadora Xuxa e o
cirurgião plástico Ivo Pitanguy. Certo dia, estava em Bali, na Indonésia, para
fazer um filme publicitário. Ligou para o pai, de quem herdou, além do
passaporte espanhol, o tino comercial. "Pai, vou comprar 12 mil camisas por
US$ 1 e vender no Brasil por US$ 12." Trocou a carreira de modelo pela de
comerciante e virou importadora. Tinha duas empresas, a Banana Brazil e a
Oxxyon Internacional. Trazia para cá sorvete em pó dos Estados Unidos, alho
da Argentina e arroz da Índia. Segundo o pai, ganhava mais de US$ 200 mil
por ano e tinha uma despesa mensal de R$ 6 mil, incluindo os R$ 1,5 mil que
gastava para manter o apartamento em São Conrado.
CASO 1
Eduardo também não tem preocupações financeiras. O escritório do pai
tem uma seleta lista de clientes VIP, que inclui o ministro dos Esportes,
Edson Arantes do Nascimento, Pelé, e poderosas multinacionais como a
Warner Bros. Sua mãe, Maria Helena, é de família tradicional, os Figueira de
Mello. Embora não aprovassem a convivência com a turma de boêmios, os
pais de Eduardo aceitaram financiar um curso de especialização em música
para o rapaz nos Estados Unidos. Ele queria ser engenheiro de som. Foi em
Los Angeles que iniciou o romance com Luciana. "Era minha filha quem
sustentava Eduardo. Ela não tinha nenhum interesse de usá-lo para subir na
vida", diz Valéria, mãe de Luciana. O casal viveu junto na Califórnia entre
1991 e 1995. Nos Estados Unidos, foi gerado o filho que acabou sendo o
pivô da tragédia passional.
CASO 1
De volta ao Brasil, Eduardo voltou a morar com os pais e Luciana se vi
virou sozinha. Nunca mais dividiram o mesmo teto, mas também não
conseguiram separar suas vidas. Entre brigas e promessas não cumpridas
de reconciliação, algumas vezes o amor acabava em violência. Em
novembro do ano passado, Luciana registrou queixa de agressão física
contra Eduardo na 15a Delegacia de Polícia, na Gávea, zona sul da
cidade. Um laudo constatou que ela tinha lesões no rosto. Nos últimos
meses, Eduardo arrumou uma nova namorada. E Luciana contava a
amigas que havia conhecido um rapaz bem de vida que mora em São
Paulo. Mas a paixão por Eduardo não parecia adormecida. "Ele transava
com ela de noite e batia nela no dia seguinte", diz a mãe de Luciana.
CASO 1
O menino sempre foi refém das brigas do casal. Durante a gravidez,
Luciana e Eduardo estavam rompidos. Ela registrou o filho sem especificar
na certidão de nascimento quem era o pai. O rapaz exigiu um teste de DNA
para comprovar a paternidade. Desfeita a dúvida, com o resultado positivo
do exame, Igor era motivo de pura alegria para os Chermont de Britto. O
apego ao primeiro neto contrastava, no entanto, com a desconfiança em
relação à mãe do garoto. As coisas pioraram quando Luciana passou a
impor dificuldades para que Eduardo visitasse a criança. "O rapaz saía
cabisbaixo quando vinha ver o filho e não conseguia. Dava pena", diz um
porteiro do prédio em São Conrado. Luciana temia que, sendo filho de
influente e renomado advogado, Eduardo pudesse ganhar a tutela de Igor.
CASO 1
De fato, ele entrou com ação na 10a Vara de Família do Rio para pedir a
guarda do menino. Alegou que Luciana não tinha equilíbrio emocional para
criá-lo. Mais: conseguiu impedir a saída de Igor do País enquanto o processo
estivesse correndo. As Polícias Federal e Marítima foram alertadas. Luciana
procurou dezenas de advogados e todos eles a tranquilizaram, garantindo
que a possibilidade de perder a tutela do menino era remotíssima. Mas ela
não acreditou. No salão de beleza Iblon, em Ipanema, ponto de encontro de
modelos e socialites cariocas, Luciana disse para quem quisesse ouvir,
horas antes de cometer suicídio, que preferia morrer junto com a criança a
entregá-la à família do rapaz. Acuada, a moça chegou a planejar uma fuga
espetacular, tão certa estava de que corria sério risco de perder Igor. Contou
a seu sócio Jorge Kieffer que sairia sorrateiramente do País por Foz do
Iguaçu, na divisa do Paraná com o Paraguai, onde tomaria um avião rumo
aos Estados Unidos. A fuga estava marcada para a quinta-feira 29. Não teve
tempo para concretizá-la
CASO 1
Três dias antes, alarmado com as ameaças de suicídio de Luciana, feitas
por telefone, Eduardo correu ao apartamento em São Conrado,
acompanhado por dois policiais e dois enfermeiros. Quando chegou, a porta
estava aberta. A empregada tinha saído para comprar cigarro e não a
fechara. Quando Luciana viu Eduardo entrar no apartamento com a polícia,
seu instinto de mãe deu o alarme. Achou que havia chegado a hora de
entregar o filho ao ex-namorado. Sua reação foi se trancar em um dos
quatro quartos do apartamento. Houve bate-boca. Eduardo só saiu da
casa quando Luciana lhe garantiu que não tinha intenção de dar cabo à vida.
Enquanto ele deixava o prédio, Luciana se jogava pela janela com o filho
Igor no colo. Ao suicídio, seguiram-se cenas de histeria no enterro. Velados
juntos no cemitério São João Batista, em Botafogo, zona sul do Rio, mãe e
filho foram enterrados separados. Por decisão do pai, a criança ficou no
jazigo dos Chermont de Britto. Luciana foi sepultada em uma gaveta de sua
própria família, enquanto as duas famílias trocavam acusações.
CASO 1
Passada a comoção, difícil será juntar os cacos do que sobrou dessa
paixão arrebatadora. O pai de Luciana vai se esconder no mato, onde
cuida de dois mil beija-flores, aos quais alimenta com 25 quilos de açúcar
por mês. "Foi por isso que fugi há muitos anos da neurose da cidade.
Pena que minha filha não tenha feito o mesmo", diz Vicente. Eduardo
poderá ser atormentado pela culpa durante toda a vida. Não foi outra,
aliás, a intenção de Luciana ao tomar atitude tão drástica.