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A Lia foi deveras a minha primeira paixo.

Era parecida com uma inglesa que eu vira um dia a tomar banho em Lea, quando estava criado no Porto e os senhores veraneavam na praia. Falvamos de lies de filmes (passou nessa altura no Cine-Parque A Pecadora, com Pina Menichelli), fazia-lhe os pontos, emprestava-lhe os meus significados, mas nunca tive coragem de ir mais alm. O amor que sentia confessava-lho nas redaces marcadas pelo professor Morais, que tinha um fraco pelas paisagens. Dizia na sua voz grave: Para segunda-feira trazem todos a descrio duma paisagem. Eu fazia duas chapas diferentes do mesmo natural imaginado, e ia levar a casa da inspiradora, de presente, a que tinha melhor luz. Metia sempre um regato de gua clara e relva macia em ambas as margens, para os do piquenique entre os quais havia um par de jovens apaixonados poderem sentar-se no cho comodamente; a cinquenta metros, de um lado e do outro, plantava um pedao de boa mata com duas juritis a gemer; e pregava num cu cor dos seus olhos um sol criador a bafejar aquele idlio. Mas ela gostava, e o senhor professor Morais tambm. Quando qualquer mestre lhe pronunciava o nome, estremecia no meu lugar. Tinha a certeza de que no iria responder coisa com coisa, e a sua ignorncia irresponsvel, exibida diante de todos, cortava-me a alma. Enquanto eu assim sofria, ela erguia-se, delgada, flexvel, olhos azuis e maliciosos, avanava at ao quadro, e despachava as tolices num tal -vontade, que parecia que estava a dizer maravilhas. No levava aquilo a srio. Os professores indignavam-se, barafustavam, mas nem os ouvis. Regressava carteira, risonha, calma feliz da vida. As outras condiscpulas sabiam gramtica, histria, geografia Ela sabia rir-se e vestir umas blusas muito brancas e muito justas, onde os seios se desenhavam redondos e pequenos. No fundo, era daquele feitio desprendido e alegre que eu gostava. E procurei ser o melhor aluno da classe, para compensar os seus estenderetes. Queria saber por ns os dois. E sentia-me dono do mundo quando, no fim de cada chamada, descia do estrado e cuidava lerlhe no rosto um aplauso reconhecido pela figura brilhante que fizera. Depois, tardinha, passava-lhe porta. Se no estava janela, tudo corria bem. Se estava, trocava o passo, ficava vermelho, e o cho fugia-me debaixo dos ps. Torga, Miguel (2001). A criao do mundo. Rio de Mouro: Crculo de Leitores.

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