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Sociabilidade e Formação do Sujeito: a individualidade nos Grundrisse de Marx
Sociabilidade e Formação do Sujeito: a individualidade nos Grundrisse de Marx
Sociabilidade e Formação do Sujeito: a individualidade nos Grundrisse de Marx
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Sociabilidade e Formação do Sujeito: a individualidade nos Grundrisse de Marx

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A obra que ora apresentamos tem por finalidade expor e clarificar o tratamento dado por Marx à categoria da Individualidade nos Grundrisse. Nele buscamos explicitar a malha determinativa tecida por Marx no interior deste seu trabalho de 1857-58, que inaugura a fase madura de seu pensamento, na direção da elucidação dos nexos ontológicos e da forma sob a qual entende a categoria da individualidade. Tema que por sua importância mesma mereceu de alguns autores do marxismo abordagens, em diversos níveis de problematização e em conformidade com outras temáticas afins. Não obstante a existência e a importância do tema da individualidade nos Grundrisse, não encontramos nos vários autores lidos um tratamento desta categoria referido ao texto objeto desta dissertação. Quando se encontrou uma pesquisa acerca da individualidade em Marx não se verificou uma referência explícita aos Grundrisse. Aqui se oferece uma exploração analítico-conceitual que visa responder a esta lacuna.
LanguagePortuguês
Release dateJan 7, 2022
ISBN9786525217178
Sociabilidade e Formação do Sujeito: a individualidade nos Grundrisse de Marx

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    Sociabilidade e Formação do Sujeito - Antônio José Lopes Alves

    capaExpedienteRostoCréditos

    PREFÁCIO

    Do tempo triste somos os arrimos,

    digamos tão somente o que sentimos.

    Shakespeare, Rei Lear.

    O livro, que ora apresentamos, tem por finalidade expor e clarificar o tratamento dado por Marx à categoria da Individualidade nos Grundrisse. Nele buscamos explicitar a malha determinativa tecida por Marx no interior deste seu trabalho de 1857-58, que inaugura a fase madura de seu pensamento, na direção da elucidação dos nexos ontológicos e da forma sob a qual entende a categoria supracitada.

    A presente obra se origina em pesquisa de mestrado, levada a efeito junto ao programa de pós-graduação em filosofia da UFMG. A investigação resultou na dissertação A Individualidade nos Grundrisse de Karl Marx, defendida no ano de 1999. Ela é aqui quase integralmente aproveitada, não obstante ter sido o texto original reelaborado em seus diferentes aspectos e elementos constitutivos tendo em vista tanto o distanciamento temporal, quanto os desenvolvimentos e adensamentos teóricos conquistados por seu autor desde então. Em especial, o roteiro de pesquisa seguido nestes últimos 22 anos em projetos de pesquisa em áreas como epistemologia, bioética materialista, educação tecnológica e da força de trabalho, possibilitou revisitação do tema a partir da tese de que, fundamentalmente, a imagem moderna da individualidade é uma expressão abstrata do indivíduo como livre proprietário de sua força de trabalho. Esta propositura encontra discussão própria na nova versão da conclusão deste trabalho.

    Neste sentido, vale ressaltar que muito embora o tema tenha sido delimitado e circunscrito de maneira precisa no andamento da pesquisa, frente às demais problemáticas existentes no texto marxiano em questão, ele exigiu de nossa parte um esforço de compreensão das conexões havidas entre a categoria da individualidade e as demais temáticas feridas pelo escrito. A exposição destas conexões aparece sempre, na medida do possível e do necessário, de modo sumário, dado o escopo e limite imanentes a esta dissertação.

    Ainda a este respeito, é importante assinalar uma dificuldade, aparentemente insuperável a quem se aproxima dos Grundrisse na tentativa de apreender aí o entendimento marxiano da individualidade: este numeroso conjunto de manuscritos não tem, evidentemente, por tema declarado o problema da individualidade. Já nas primeiras páginas da famosa Introdução de 1857 Marx declara que "O objeto nesse caso é, primeiramente, a produção material" (MARX, 2011, p. 39). Ou seja, a temática que explicitamente se coloca nosso autor é a compreensão das formas, determinações e elementos da produção material da vida humana. Isto de per se poderia constituir, para um leitor não cuidadoso, em impugnação da própria tentativa levada a efeito na nossa pesquisa.

    No entanto, examinando mais de perto a própria definição marxiana de produção, este risco de impugnação se revela apenas aparente: quando se fala de produção, sempre se está falando de produção em um determinado estágio de desenvolvimento social – da produção de indivíduos sociais (MARX, 2011, p. 41). Nesta passagem, duas determinações se destacam, as quais serão decisivas para boa compreensão da analítica marxiana. Em primeiro lugar, que a categoria mesma de produção em sua forma mais universal, somente pode ser entendida em referência ontológica com as épocas concretas da produção social que se seguiram no decorrer da história humana. Em segundo lugar, e isto se relaciona diretamente com nossa pesquisa, a produção enquanto tal é efetivação social dos indivíduos. Este último aspecto da problemática indica, por si mesmo a necessidade de compreender a sociabilidade, sendo que os indivíduos, para Marx, produzem sua vida sempre em conjunto e em relações mútuas. Em outros termos, o problema explicitamente colocado por Marx nos Grundrisse é aquele relativo às determinações ontológicas da produção, mas, e intimamente ligado a este problema mesmo, quem produz são os indivíduos em sociedade.

    A produção é assim posta, de início, como manutenção e efetivação social da vida dos indivíduos. Por esta razão, podemos entender a própria individualidade como uma das determinações mais centrais da produção, enquanto tal. Não por acaso, Marx afirma que o ponto de partida é, naturalmente, a produção dos indivíduos socialmente determinada (MARX, 2011, p. 39). Este status de ponto de partida, de pressuposto, identificado no discurso marxiano para os indivíduos produzindo sua vida, aponta também para o próprio caráter da análise, em geral, desenvolvida nos Grundrisse, bem como para o modo sob o qual emerge aí a individualidade. A analítica marxiana parte, ontologicamente, não de uma concepção da individualidade ou de uma ideia de homem etc., mas da efetividade social dos indivíduos, e daí se eleva até o tracejamento da rede de determinações que configuram a individualidade. Assim, o problema da individuação humana ganha legitimidade e dimensão próprias sempre em relação à realidade material, concreta, efetiva, e, histórica, da produção dos indivíduos sociais.

    Deste modo, o problema de compreender o modus marxiano de apreensão da categoria da individualidade, acreditamos, se encontra, na medida do possível, já justificado. Espera-se que o leitor e estudioso atento, interessado tanto no conhecimento de um dos aspectos da obra de Marx, quanto no que nela há de importante como subsídio ao entendimento crítico da vida social, possa apreciar e avaliar o resultado da empreitada.

    O autor,

    Belo Horizonte, outubro de 2021.

    SUMÁRIO

    Capa

    Folha de Rosto

    Créditos

    INTRODUÇÃO

    1. A DESCONCERTANTE MATERIALIDADE HUMANA: SCHAFF E A DUPLICIDADE

    2. OS GRUNDRISSE

    CAPÍTULO I - AS DETERMINAÇÕES MAIS GERAIS DA INDIVIDUALIDADE

    PREÂMBULO

    1. SOCIABILIDADE

    2. ATIVIDADE SENSÍVEL

    3. A RELAÇÃO SUBJETIVIDADE <-> OBJETIVIDADE

    CAPÍTULO II - AS FORMAS PRÉ-CAPITALISTAS DE INDIVIDUALIDADE

    INDIVIDUALIDADE NAS FORMAS DA COMUNIDADE HISTÓRICO-NATURAL

    1. A COMUNA PRIMITIVA

    2. A COMUNIDADE ANTIGA CLÁSSICA

    3. A COMUNIDADE GERMÂNICA

    4. FEUDALIDADE

    CAPÍTULO III - A INDIVIDUALIDADE NA MODERNIDADE CAPITALISTA

    ONTEM, HOJE E... AMANHÃ?

    1. A SOCIABILIDADE DO EQUIVALENTE: IGUAIS EM APARÊNCIA

    2. A RIQUEZA ESTRANHADA: A PRODUÇÃO DE SI PELA MEDIAÇÃO DA ALIENAÇÃO

    EPÍLOGO

    PARA UMA CRÍTICA DA INDIVIDUALIDADE CONTEMPORÂNEA

    1. LIBERDADE E IGUALDADE: AS FORMAS DE POLITICIDADE DO CAPITAL

    2. O ESTRANHAMENTO MODERNO E A VIRTUALIDADE DE UMA LIVRE INDIVIDUAÇÃO

    BIBLIOGRAFIA

    BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

    BIBLIOGRAFIA MARXIANA COMPLEMENTAR

    BIBLIOGRAFIA AUXILIAR

    Landmarks

    Capa

    Folha de Rosto

    Página de Créditos

    Sumário

    Bibliografia

    INTRODUÇÃO

    Um burguês pode adquirir méritos e desenvolver

    seu espírito a não mais poder, mas sua personalidade se perde,

    apresente-se a ele como quiser... Não lhe cabe perguntar:

    Que és tu?, e sim "Que tens tu? Que juízo, que conhecimento,

    que aptidão, que fortuna".

    Goethe, Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister.

    O tema da individualidade, não obstante sua importância dentro do pensamento marxiano, nem sempre mereceu do grosso da tradição marxista um tratamento aprofundado. Ora julgava-se que Marx ao criticar as diferentes correntes e autores da história do pensamento moderno, em especial a que constituiu a formulação multifacetada do liberalismo, teria simultaneamente impugnado qualquer referência ou remetimento ao indivíduo.

    Neste sentido, interpretava-se a posição marxiana como uma reflexão que propugnava o coletivismo ou a subsunção incontrastável da individualidade à sociabilidade. Seja na esfera do senso-comum, seja naquela da atuação teórico-ideológica, a discussão sobre o indivíduo aparecia como exterior e incompatível com o padrão teórico de Marx.

    O que o presente trabalho também pretende deixar demonstrado é que ao contrário, a característica mais marcante do humano, do ser social, para Marx, é exatamente a figuração da individualidade. Forma de existência viva que supera o mero cruzamento entre exemplaridade de espécie e singularidade finita dos entes vivos naturais. Diversamente da generidade natural, a humana se particulariza por engendrar evolucionária e historicamente um tipo de entificação cuja démarche essencial é a de ser uma síntese viva, finita e especificada das relações que se tecem e se entretecem na totalidade interdependente da produção e da vida em comuns.

    Deste modo, O indivíduo é um nó de relações sociais. Esta era uma observação que o saudoso professor e filósofo brasileiro José Chasin, de quem tive a sorte de ser aluno, orientando e um amigo, fazia de modo recorrente em aulas e que deixou consignada num conjunto de notas de pesquisa e apresentação de problemas, datadas de 1988, postumamente publicado na web sob o título de A Superação do Liberalismo¹. Aqui busca-se, igualmente, apresentar a tessitura da individualidade tendo como arrimo o desdobramento daquela sentença a partir da pesquisa feita dos manuscritos marxianos dos Grundrisse. A sociabilidade aparece como esta rede de conexões, por vezes contraditórias entre si, pelas e nas quais os indivíduos se formam. A pressuposição de Marx é a seguinte: O ponto de partida, evidentemente, são os indivíduos produzindo em sociedade – portanto uma produção de indivíduos que é socialmente determinada. Nesta fórmula extremamente sintética, Marx nos aponta já para o complexo determinativo em geral da individualidade. Em primeiro lugar, parte-se de indivíduos ativos e da sua produção como resultado de sua própria atividade. Produção possuindo num duplo sentido imediato. De um lado, a produção das coisas, de outro lado, a produção de si dos indivíduos. Em segundo lugar, uma produção (e autoprodução) dos indivíduos que não é operada no isolamento, mas em sociedade, o que determina, a atividade e os próprios indivíduos imediatamente como seres sociais. E, por fim, como determinação derivada da interatividade social dos indivíduos podemos apontar a própria relação individualidade & mundo, ou subjetividade & objetividade. Daí emerge um terceiro: os indivíduos em suas interações recíprocas e com a realidade, aparecem assim a si mesmos.

    1. A DESCONCERTANTE MATERIALIDADE HUMANA: SCHAFF E A DUPLICIDADE

    Apesar daquela negação relativa da individualidade poder pertencer ao acervo categorial de Marx, alguns autores do marxismo empreenderam abordagens, em diversos níveis de problematização e em conformidade com outras temáticas afins. Destas abordagens teóricas do problema, podemos citar entre outros, as de Galvano Della Volpe e de Adam Schaff. Dois autores decisivos na história do marxismo, seja pela colocação de temas e problemas da obra marxiana, seja pela tentativa de compreensão desta mesma obra em confronto com o pensamento anterior. Não obstante a existência e a importância do tema da individualidade nos Grundrisse, não encontramos nos vários autores lidos (vide Bibliografia) um tratamento desta categoria referido ao texto objeto desta dissertação. Quando se encontrou uma pesquisa acerca da individualidade em Marx não se verificou uma referência explícita aos Grundrisse. Quando se a encontrou, como no caso de Della Volpe, o tema da individualidade não foi, em especial, trabalhado.²

    Um dos resultados permanentes a que o trabalho de pesquisa naquela oportunidade desenvolvido chegou é que, no pensamento marxiano, os indivíduos são seres sociais. Não apenas vivem em conjunto e produzem sua existência uns para os outros, mas têm nisto seu ser, o que os define enquanto tais. Assim, pelos elementos até aqui recolhidos podemos dizer que em Marx existe uma espécie de determinação ontopositiva da sociabilidade.

    Esta determinação de modo algum pode ser compreendida como substância metafísica, imutável, a priori etc. Nem é a existência efetiva dos indivíduos manifestação epifenomênica daquela essência ou substância. Ao contrário, a substância humana dos indivíduos é criação da interatividade destes mesmos indivíduos. Interatividade que existiu, por exemplo, sob o modo comunal, onde os indivíduos são tão somente momentos ou extensões do seu conjunto. Nestes modos societários, o caráter social existe como presença que submete material e moralmente as individualidades, se constituindo num verdadeiro espaço distinto das posses individuais, como no caso da comunidade antiga clássica. Já na moderna sociabilidade do capital, a comunidade se transmuda, tomando corpo como sociedade, no dinheiro, o gênero reificado, na qual a individualidade é determinada pela forma do valor e do equivalente, das trocas indiferentes de mercadorias etc., tornando indiferente a própria existência dos indivíduos, uns aos outros.

    Neste sentido, cabe ressaltar que a individualidade é construto, material e histórico, das diversas formas que a interatividade humana assumiu e assume. Depende destas formações societárias concretas e efetivas, bem como da atmosfera geral na qual se operam as relações entre os indivíduos. É um processo em que se produzem, a um tempo, o ser dos indivíduos e o ser social, ou melhor, o ser dos indivíduos como ser social. Produção de uma nova modalidade de ser que, embora compartilhe com a naturalidade a inevitável materialidade das formas do ser, não se confunde com a natureza como tal. O ser social pela dinâmica de sua autoconstituição é entidade relacional, os indivíduos, como tais, têm sua vida originada dos seus nexos mútuos de produção recíproca.

    Este caráter social-material nem sempre é compreendido corretamente, mesmo por autores de certa estatura que se propõem a abordar com seriedade a obra de Marx. Apenas a título de exemplo, vale citar o nome de Adam Schaff, que num texto eminentemente expositivo, publicado por ocasião de um encontro internacional acerca das ligações entre moral, sociedade e transformação social, se propõe a definir o conceito marxista de indivíduo.

    Não obstante, Schaff declare neste texto que desde as primeiras manifestações de seu pensamento teórico, Marx toma como ponto de partida o homem real e vivente (SCHAFF, 1982, p. 77), é importante perscrutar com maior cuidado como ele mesmo entende este homem real e vivente de Marx. Evidentemente aqui, abster-nos-emos de levantar a questão importante, de saber a que pensamento teórico se refere Schaff. Se o do jovem Marx, da Gazeta Renana, ao Marx do início de sua elaboração própria ou ao da maturidade? E isto, por ultrapassar, e muito, a necessidade e as possibilidades do presente trabalho.³

    Para Schaff, O ponto de partida é o indivíduo considerado como ser vivente de carne e sangue, como exemplar de uma espécie biológica, como parte da natureza. Este é o primeiro elemento da concepção marxista da pessoa humana, da concepção marxista como concepção materialista (SCHAFF, 1982, p. 77). Ou seja, há em Schaff a coexistência de naturalidade e sociabilidade no próprio ser social. É certo que o ser social se ergue a partir da naturalidade, mas apenas o faz, marxianamente, na medida em que dela se apropria, modificando-a. O ser social é claramente determinado marxianamente como afastamento material das puras delimitações naturais, é um afastamento com relação à natureza, na esfera da concreta materialidade da vida humana.

    É patente em Schaff uma certa hesitação em reconhecer a radical diferença que o ser social instaura frente ao ser da naturalidade em geral, a qual Marx ressalta de maneira vigorosa. Esta distinção radical em relação à naturalidade se funda exatamente na forma de ser da atividade dos indivíduos. Forma esta, por princípio, social e recíproca.

    Parece não haver, por parte de Schaff, a percepção integral do significado real de afirmar-se o indivíduo e a individualidade, como ser social. O que Marx indica como nova aparição ontológica, sem par na pura naturalidade, é apreendida por Schaff sob uma espécie de ser amalgamado. De um lado, o próprio gênero social é entendido como ser natural, posto sob as mesmas determinações que comandam os processos de reprodução dos entes biológicos. Que o homem seja, antes de tudo, um ser vivo, é mais que evidente. No entanto, ao contrário dos demais seres vivos, a produção de sua vida não é determinada ou limitada por mecanismos biológicos e ordenamentos instintivos, a priori.

    Em Schaff, a sociabilidade permanece como simples elemento acoplado à determinação material, reduzindo-a ainda ao biológico. E isto pode ser observado quando expõe a diferença entre Marx e as concepções biologicistas acerca do Homem, as quais pressupõem a essência humana como produto de uma pura determinação genético-naturalista. Para aquelas proposituras teóricas, que definiria a humanidade dos indivíduos, estaria contido num certo número de características transmitidas hereditariamente. A este respeito afirma que

    Marx protesta – e com justeza – contra a referida concepção. Ela, na realidade, é augusta e incompleta no seu naturalismo pois nada mais vê na pessoa humana do que o aspecto biológico, descuidando-se do aspecto social. A espécie homo sapiens, no entanto, se distingue na natureza, não apenas pelas suas propriedades biológicas, mas, também, e num certo sentido, principalmente, por seus caracteres sociais e históricos (SCHAFF, 1982, p. 79).

    Não obstante, tenha razão ao acusar a unilateralidade do biologicismo, Schaff acaba ele mesmo por não perceber a dimensão real do ser social. Aqui, o caráter social dos indivíduos aparece na fragilidade própria do termo aspecto. É importante fazer notar que para Marx a sociabilidade é ontologicamente determinante e não um elemento simplesmente aditado ao ser natural. O homem materialmente não é também social, mas o é acima de tudo, e a passagem marxiana citada acima não deixa dúvidas quanto a isto.

    A não percepção do alcance do gemeinschaftliches Gattungswesen faz com que Schaff, por exemplo, venha a adotar com muita tranquilidade e segurança, uma fórmula definidora das relações entre indivíduo e gênero, ainda distante da compreensão marxiana do problema. Em verdade está ela próxima da economia política: O indivíduo englobado na sociedade, pela sua gênese e seu caráter, é social, embora mantendo-se num certo sentido, como ser autônomo (SCHAFF, 1982, p. 76). A sociabilidade, dentro da mesma atmosfera hesitante, aparece num momento como instância superior e externa, a qual engloba os indivíduos num outro, como junção dos indivíduos que permanecem autônomos. Os liames sociais não comparecem aqui na sua dimensão essencial, são existências exteriores aos indivíduos. E a gravidade disto radica também que, a partir de tal concepção, torna-se impossível perceber o papel central desempenhado pela diferença individual no gênero humano. A riqueza genérica, advinda da diversidade de atividades e necessidades entre os indivíduos, permanece assim insuspeita. Tudo se reduz à mera figura atômica, pontual à existência dos indivíduos no interior de um gênero, de início ainda natural.

    Neste sentido, são os liames que ligam os indivíduos, a sociabilidade como sua generidade real, os quais são apreendidos como determinações externas, necessidade exterior e não, constituidores dos próprios indivíduos em sua materialidade. A problemática da

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