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Poéticas do Fazer

“Arte e corpo na sala de aula: uma questão delicada”.


Proposta de comunicação oral.

Autora: Priscilla Ramos da Silva, Mestre em Artes (Instituto de Artes,


UNICAMP), docente de História da Arte do curso de Especialização em Artes Visuais/
IA/ UNICAMP.
Email: corponaarte@gmail.com
Resumo:
“Isso não é arte, isso é doença!”, ouvi certa vez de uma aluna. Com o dedo em
riste, e marchando furiosamente para fora da sala de aula, ela protestava contra aquilo
que, a seu ver, não passava de uma espécie de lixo cultural que lhe estavam tentando
empurrar. A matéria em questão? História da Arte. O tópico? O corpo nas artes visuais
dos anos 1960 em diante.
Generalizada entre os leigos, e presente mesmo entre artistas e professores de
arte , a resistência à arte contemporânea – qualquer profissional envolvido com o ensino
de arte o sabe – é enorme. Aparentemente indecifrável, a arte atual provoca irritação e
frustração em uma grande parcela de seu público. Se a história da arte contemporânea já
se afigura, por si só, como uma matéria “difícil”, o que não dizer das desconcertantes
investigações empreendidas por determinados artistas interessados na questão do corpo
nos últimos 40 anos? Nudez, sexualidade explícita, auto-mutilação, utilização de fluidos
e excrescências do corpo e manipulação de cadáveres já foram todos ingredientes
amplamente utilizados pelos artistas da Body Art.
Dado que a incorporação de tais elementos pelo campo da arte é um fato -
performances e trabalhos abjetos são matéria de debate, e ilustram um número cada vez
maior de publicações - como proceder diante da questão? Não se pode ignorar a Body
Art, porém abordá-la em sala de aula constitui sempre um desafio.
Esta comunicação pretende apresentar algumas das experiências que tive como
docente, trabalhando com a delicada questão da insistente (e, ao certo, incômoda)
presença do corpo na arte contemporânea.
Arte e corpo na sala de aula: uma questão delicada

“Isso não é arte, isso é doença!”, ouvi certa vez de uma aluna. Com o dedo em
riste, e marchando furiosamente para fora da sala de aula, ela protestava contra aquilo
que, a seu ver, não passava de uma espécie de lixo cultural que lhe estavam tentando
empurrar. A matéria em questão? História da Arte. O tópico? O corpo nas artes visuais
dos anos 1960 em diante.
A reação desta aluna – o desabafo mais enfático que já presenciei enquanto
docente – é sintomática: ela indica que, em se tratando de apresentar ao aluno o binômio
corpo/arte contemporânea, todo cuidado é pouco. Mesmo ao lidar com alunos os quais
dificilmente chamaríamos de leigos (o incidente mencionado ocorreu numa aula do
programa Teia do Saber, destinado ao aprimoramento de professores de arte da rede
estadual de ensino) as chances de semear a incompreensão são grandes.
À primeira vista, atribuir tal incompreensão a uma suposta ignorância do aluno
parece irresistível: pode-se argumentar que ele pertença (cito aqui um comentário de
Agnaldo Farias), a uma “parcela a um só tempo ingênua e arrogante do público, qual
seja aquela que não suporta conviver com aquilo que não entende (...) e insiste em
reduzir o mundo àquilo que cabe no acanhado horizonte descortinado de seu olhar”1.
Segundo esta visão preconceituosa, típica de muitos entendidos em arte, o desafeto pela
arte contemporânea adviria de puro provincianismo ou falta de instrução.
Mas é preciso admitir, para além de tal idéia, uma certa vocação da arte atual
para o choque. Consideremos, a título de exemplo, algumas das propostas que, na
ocasião da aula citada, eu apresentava aos alunos:
1) Self, do britânico Marc Quinn (1991), é um busto do artista confeccionado a
partir de 4,5 litros de seu próprio sangue. A escultura guarda sua forma original, sem se
deteriorar, ao ser mantida congelada dentro de um sistema de refrigeração contínuo.
2) Piss Christ (1989), fotografia do artista norte-americano Andrés Serrano,
mostra um crucifixo, símbolo sagrado cristão, imerso em urina, substância impura
ligada à materialidade do corpo.
3) Na performance Omniprésence (1993), a artista francesa Orlan cria um
desconcertante espetáculo: numa sala de operação ricamente decorada, e paramentada
com figurino, fala, lê e recita poemas enquanto sua face é impiedosamente retalhada e

1
FARIAS, Agnaldo,“Problemas da crítica e da curadoria no panorama recente da arte brasileira”, in:
Cadernos da Pós-Graduação, Instituto de Artes/Unicamp, ano 9, vol. 9, nº 1, 2007, p. 206.
remodelada por bisturis. O evento – parte de uma série de operações-performance em
que a artista remodela seu rosto com base em modelos retirados da história da arte – é
transmitido ao vivo para diversas galerias de arte ao redor do mundo.
Forte tendência da arte dos anos 1990, a chamada arte abjeta busca
deliberadamente afrontar o observador: sombria, ela ambiciona, nas palavras do crítico
Hal Foster, “possuir a obscena vitalidade do ferimento e ocupar o radical niilismo do
cadáver”. Para seus artistas, interessados nos temas da morte, da escatologia e da
repulsão, “a verdade reside no sujeito traumático ou abjeto, no corpo enfermo ou
danificado”.2
Profundamente perturbadora, e contra qualquer utopia de transcendência por
meio da arte, esta produção efetua a dessacralização completa do corpo humano: ela
remete o indivíduo a um “aqui e agora” no qual a única certeza é a da materialidade e
perecibilidade de seu corpo. Não é nada surpreendente, portanto, que esta arte – tão
distante dos modelos ideais de arte que fomos ensinados a apreciar – cause aversão ou
mesmo ira.
Mas como lidar com esta arte do corpo na sala de aula? Tendo em vista seu teor
bombástico, mais vale ignorá-la ou enfrentá-la? E ainda, que problemas e desafios
encontra o professor que decide discutir tal questão com seus alunos?
Ignorar a arte contemporânea, ou abster-se de problematizar seu forte
componente grotesco, parece, a meu ver, fora de questão: obras como as de Quinn,
Orlan e Serrano são cada vez mais debatidas, e ilustram um número cada vez maior de
publicações. A arte do corpo (ou body art, como alguns preferem chamá-la), tem tido
uma presença forte demais na arte dos últimos 40 anos para que possamos passar ao
largo dela. No entanto, para muitos, ela ainda parece radical demais, ou intragável
demais até para ser chamada de “arte”.
De fato, a rejeição de certas propostas envolvendo arte e corpo tem suas raízes
numa resistência à arte contemporânea em si, e este é o primeiro problema em que
esbarra o docente interessado na questão. Generalizada entre os leigos, e presente
mesmo entre artistas e professores de arte, tal resistência – qualquer profissional
envolvido com o ensino de arte o sabe – é enorme. Tomemos, por exemplo, algumas
queixas freqüentes de alunos, os quais avaliam a arte atual como “hermética” ou
“monótona”. Não se pode creditar tal visão negativa apenas a uma falta de interesse:
2
FOSTER, Hal, The return of the real: the avant-garde at the end of the century. Cambridge, Mass.;
London: MIT Press, 1996.
mesmo dentre aqueles que procuram se atualizar – visitando exposições como o
Panorama de Arte Brasileira ou a Bienal de São Paulo – um sentimento recorrente
parece ser a frustração. No país e ao redor do mundo, o consumo cultural é cada vez
maior, porém o espectador de arte contemporânea ainda se indaga: como desfrutar de
uma arte que não se deixa facilmente decifrar? Matéria que se afigura ainda mais difícil
quando se trata de examinar as incômodas investigações sobre o corpo empreendidas
por certos artistas nas últimas décadas.
Confrontado com este tipo de arte, o aluno pode acabar vendo seu professor
como uma espécie de “paladino da arte do feio e do nojento”: “Quem é que diz que isto
é arte? Porque tenho que gostar desse tipo de coisa? Quem faz isso não é artista, é louco
e pervertido!”. Eis algumas das questões que, naturalmente, rondam a cabeça do aluno.
E o professor que, ao apresentar tal conteúdo em sala de aula, não fizer certas ressalvas
(como “vamos discutir isto porque isto aconteceu e teve repercussões, e não porque eu,
professor, defendo que a boa arte deva ser assim”) será certamente visto como um
antagonista. Correrá o risco, inclusive, de receber um ataque pessoal quando o que está
sendo atacado é a mal-amada “arte contemporânea”...
Mas porque, afinal, a arte realizada hoje goza de tão pouca popularidade? Em
primeiro lugar, há de se retornar à observação, freqüentemente feita, de que a arte
contemporânea é muito pouco “artística” se comparada com aquilo que a tradição
eternizou como a grande Arte (com “A” maiúsculo): um alargamento progressivo do
campo da arte fez com que, em nossos dias, manifestações tão diversas quanto a
performance, o vídeo e o graffitti, e materiais tão diferentes quanto café, tinta, urina,
sucata e tijolos fossem considerados artísticos, passando a integrar um cânone e
entrando para os livros de história da arte. No dizer do historiador Michael Archer, a
arte de hoje compreende “uma desconcertante profusão de estilos, formas, práticas e
programas”, o que resulta em que o espectador pode ter cada vez menos certeza quanto
àquilo que realmente define uma obra de arte. 3
A falta de informação, porém – aliada à persistência de certas noções românticas
sobre arte – constitui, a meu ver, uma questão tão ou mais importante.
Não me refiro aqui à falta de informação do espectador, de que se queixava
Agnaldo Farias: me refiro à falta de informação do professor de arte ou de história da
arte, agente responsável pela transmissão do conhecimento. Quais são as feições da arte

3
ARCHER, Michael, Arte Contemporânea: uma História Concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p.
IX.
contemporânea? Quais são alguns de seus mais interessantes artistas, tanto no Brasil
quanto no exterior? Como vivem e trabalham os artistas no século XXI? Questões que,
infelizmente, inúmeros arte-educadores trabalhando hoje não têm idéia de como
responder.
Felizmente – tomo como exemplo o ensino no Instituto de Artes da Unicamp,
onde completei minha graduação e meu mestrado – a triste situação em que nós, futuros
arte-educadores, nos encontrávamos há alguns anos, de ter pouco ou quase nenhum
conhecimento acerca da arte contemporânea, já vem mudando: cada vez mais, tem-se
entendido a importância do estudo da arte atual, e a matéria é cada vez mais
aprofundada em sala de aula. Porém – tomo agora como exemplo a média dos alunos-
professores a que atendi no programa Teia do Saber – para um sem-número de arte-
educadores da rede estadual, a arte contemporânea parece não constituir sequer matéria
de estudo.
E em função do quê isto ocorre? Na base do problema, reside o clichê de que a
arte digna de nota – a que realmente importa, em detrimento de todas as outras – é a arte
do tempo passado, a Grande Arte dos Grandes Mestres, sejam eles renascentistas ou
modernos. Estuda-se, assim, Da Vinci, Picasso ou Tarsila, ao passo que nomes
fundamentais da arte das 4 ou 5 últimas décadas permanecem desconhecidos. Em suma,
persiste a idéia romântica de que a boa arte é aquela realizada num passado mítico e
longínquo, por artistas já mortos e canonizados, como se nenhuma proposta atual
pudesse aguçar a sensibilidade ou desencadear um debate frutífero.
Não defendo, que fique claro, que se mate a história em favor da pura e simples
“tendência da hora” da arte contemporânea: Van Gogh e os impressionistas serão
sempre importantíssimos, devendo sempre ser estudados, porém a questão que coloco é
a da necessidade de atualização constante do professor.
Como formaremos públicos para a arte contemporânea se nós mesmos,
professores, não estivermos dispostos a desvendá-la? É fundamental que o arte-
educador busque se informar a respeito da arte recente, visto que, ao se recusar a
investigá-la, o professor se recusa a compreender o tempo presente. É preciso que, para
além de nossos preconceitos e preferências pessoais, passemos a entender a arte não
como um reservatório idealizado de belas imagens e poses, mas que nos coloquemos as
seguintes questões: como foi construída, ao longo do tempo, a categoria da arte? Como
as artes mudam, e por quê? Os artistas nascem prontos? São eles indivíduos
excepcionalmente inspirados ou profissionais – para bem ou mal – sintonizados com as
demandas de um mercado? 4
Ao considerar questões como estas, poderemos nos desfazer de alguns mitos
sedutores, aos quais insistimos em nos apegar: o primeiro, de que a arte é tão-somente
uma atividade “nobre” e “bela”, e o segundo, de que o artista é um gênio sensível e
incompreendido, alheio a questões mundanas e preocupado apenas com a expressão de
seu “eu interior”...
Para além de tais reducionismos, cabe ver a arte, especialmente a
contemporânea, como uma espécie de espelho de nossa sociedade: espelho esse que, por
nos devolver uma imagem cada vez mais fidedigna de nossa cultura, nos parece cada
vez mais estranho e inaceitável.
Num mundo regido pelo imperativo da boa aparência, e marcado pela obsessão
da reinvenção estética de si – mundo do culto ao corpo onde cirurgias plásticas, cada
vez mais populares, tornam-se procedimentos banais – como avaliar a produção de uma
artista como Orlan? Certamente, sua obra não visa “engrandecer nossa alma”, e sim
apontar para as infinitas possibilidades de transfiguração do corpo existentes hoje. Não
se trata, portanto, de celebrar a beleza imutável e ideal: a “arte carnal” da artista
francesa evoca – como grande parte da mais chocante arte do corpo atual – a busca de
uma nova subjetividade em tempos de crise individual, intelectual, política, ética e
estética.”5

4
São estas algumas das questões que a socióloga Vera L. Zolberg coloca em seu livro Para uma
Sociologia das Artes. Cf. ZOLBERG, Vera L. Para uma Sociologia das Artes. Tradução Assef Nagib
Kfouri. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2006.
5
COCCHIARALE, Fernando e MATESCO,Viviane, Corpo [catálogo da exposição realizada no Itaú
Cultural], 2005.

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