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Pensamento

A Cultura é inimiga da Razão


O pensamento de Descartes é revolucionário para uma sociedade feudalista em que ele
nasceu, onde a influência da Igreja ainda era muito forte e quando ainda não existia uma
tradição de "produção de conhecimento". Para a sociedade feudal, o conhecimento estava
nas mãos da Igreja. Aristóteles tinha deixado um legado intelectual que o clero se
encarregava de disseminar.
Descartes viveu numa época marcada pelas guerras religiosas entre Protestantes e Católicos
na Europa. Ele viajou muito e viu que sociedades diferentes têm crenças diferentes, mesmo
contraditórias. Aquilo que numa região é tido por verdadeiro, é achado como ridículo,
disparatado, mentira, nos outros lugares.
Descartes viu que os "costumes", a história de um povo, sua tradição "cultural" influenciam
a forma como as pessoas pensam, aquilo em que acreditam.

René Descartes (31 de Março de 1596, La Haye en Touraine, França — 11 de Fevereiro de


1650, Estocolmo, Suécia), também conhecido como Renatus Cartesius (forma latinizada),
foi filósofo, físico e matemático francês. Notabilizou-se sobretudo por seu trabalho
revolucionário na filosofia e na ciência, mas também obteve reconhecimento matemático
por sugerir a fusão da álgebra com a geometria - fato que gerou a geometria analítica e o
sistema de coordenadas que hoje leva o seu nome. Por fim, ele foi uma das figuras-chave na
Revolução Científica.
Descartes, por vezes chamado de "o fundador da filosofia moderna" e o "pai da matemática
moderna", é considerado um dos pensadores mais importantes e influentes da História do
Pensamento Ocidental. Inspirou contemporâneos e várias gerações de filósofos posteriores;
boa parte da filosofia escrita a partir de então foi uma reação às suas obras ou a autores
supostamente influenciados por ele. Muitos especialistas afirmam que a partir de Descartes
inaugurou-se o racionalismo da Idade Moderna - enquanto que décadas mais tarde se
assentaria nas Ilhas Britânicas, através de John Locke e David Hume, principalmente, um
movimento filósofico que de alguma forma é oposto no qual se convencionou chamar de
empirismo.

Vida
René Descartes nasceu no ano de 1596 em La Haye (hoje Descartes), no departamento
francês de Indre-et-Loire. Com oito anos, ingressa no colégio jesuíta Royal Henry-Le-
Grand em La Flèche. O curso em La Flèche durava um triénio, tendo Descartes sido aluno
do Padre Estevão de Noel, que lia Pedro da Fonseca nas aulas de Lógica, a par dos
Commentarii. Descartes reconheceu que lá havia certa liberdade, no entanto no seu
Discurso sobre o método declara a sua decepção não com o ensino da escola em si mas com
o baseado na cultura e tradição que era fundamentalmente escolástico cujo conhecimento
científico achava confuso, obscuro e nada prático. Em carta a Mersenne, diz que "os
Conimbres são longos, sendo bom que fossem mais breves. Crítica, aliás, já então corrente,
mesmo nas escolas da Companhia de Jesus"; Descartes esteve em La Flèche uns nove anos
(1606-1615) [1]. "Descartes não mereceu, como se sabe, a plena admiração dos escolares
jesuítas, que o consideravam deficiente filósofo"[2]. Prosseguiu depois seus estudos
graduando-se em Direito em 1616 pela Universidade de Poitiers.
No entanto, Descartes nunca exerce o Direito, e em 1618 alistou-se no exército do Príncipe
Maurício de Nassau com a intenção de seguir carreira militar. Mas se achava menos um
ator do que um espectador: antes ouvinte numa escola de guerra do que verdadeiro militar.
Conheceu então Isaac Beeckman que o influenciou fortemente e compôs um pequeno
tratado sobre música intitulado Compendium Musicae (Compêndio de Música). É nessa
época também que escreve Larvatus prodeo (Eu caminho mascarado). Em 1619, viaja até a
Alemanha aonde no dia 10 de Novembro teve uma visão em sonho de um novo sistema
matemático e científico. Em 1622, ele retorna à França passando os seguintes anos em
Paris.
Em 1628 compõe as Regulae ad directionem ingenii (Regras para a Direção do Espírito) e
parte para os Países Baixos aonde morou até 1649. Em 1629 começa a redigir o Tratado do
Mundo, uma obra de Física, a qual aborda a sua tese sobre o heliocentrismo. Porém, em
1633, quando Galileu é condenado pela Inquisição, Descartes abandona seus planos de
publicá-lo. Em 1635 nasce Francine, filha de uma serviçal. Ela foi batizada no dia 7 de
Agosto de 1635 mas morre precocemente em 1640, o que foi um grande baque para
Descartes.
Em 1637, ele publicou três pequenos tratados científicos: A Dióptrica, Os Meteoros e A
Geometria, mas o prefácio dessas obras é que faz seu futuro reconhecimento: o Discurso
sobre o método. Em 1641, aparece sua obra filosófica e metafísica mais imponente: as
Meditações Sobre a Filosofia Primeira, com os primeiros seis conjuntos de Objeções e
Respostas. Os autores das objeções são: do primeiro conjunto, o téologo holandês Johan de
Kater; do segundo, Mersenne; do terceiro, Thomas Hobbes; do quarto, Arnauld; do quinto,
Gassendi; e do sexto conjunto, Mersenne. Em 1642, a segunda edição das Meditações
incluía uma sétima objeção, feita pelo jesuíta Pierre Bourdin, seguida de uma Carta a
Dinet. Em 1643, o cartesianismo é condenado pela Universidade de Utrecht e Descartes
começou sua vasta correspondência com Isabel da Boémia. Descartes publica então Os
Princípios da Filosofia, aonde resume seus princípios filosóficos que formariam "ciência",
e faz uma visita rápida a França em 1644, onde encontra o embaixador da França junto à
corte sueca, Chanut, que o põe em contato com a rainha Cristina da Suécia. Nesta ocasião,
teria declarado que o Universo é totalmente preenchido por um "éter" onipresente. Assim, a
rotação do Sol, através do éter, criaria ondas ou redemoinhos, explicando o movimento dos
planetas, tal qual uma batedeira. O éter também seria o meio pelo qual a luz se propaga,
atravessando-o pelo espaço desde o Sol até nós. Em 1647 ele foi premiado com uma pensão
pelo Rei da França e começou a trabalhar na Descrição do Corpo Humano. Ele entrevistou
Frans Burman em Egmond-Binnen em 1648, resultando na Conversa com Burman. Em
1649 ele foi à Suécia a convite da Rainha Cristina, e suas Tratado das Paixões, que ele
dedicou a Princesa Isabel, foram publicados.
René Descartes morreu de pneumonia no dia 11 de Fevereiro, 1650 em Estocolmo, Suécia,
onde ele estava trabalhando como professor a convite da Rainha. Acostumado a trabalhar
na cama até meio-dia, sua saúde por ter sofrido com as demandas da Rainha Christina -
começavam seus estudos às 5 da manhã. Como um católico num país protestante, ele foi
enterrado num cemitério de crianças não batizadas, em Adolf Fredrikskyrkan em
Estocolmo. Depois, seus restos foram levados para a França e enterrados na Igreja de São
Genevieve-du-Mont em Paris. Um memorial construído no século XVIII permanece na
igreja sueca.
Durante a Revolução Francesa seus restos foram desenterrados a fim de serem deslocados
para o Panthéon ao lado de outras grandes figuras da França. A vila no vale do Loire onde
ele nasceu foi renomeada La Haye-Descartes.
Em 1667, depois de sua morte, a Igreja Católica Romana colocou suas obras no Index
Librorum Prohibitorum (Índice dos Livros Proibidos)

Pensamento

A Cultura é inimiga da Razão


O pensamento de Descartes é revolucionário para uma sociedade feudalista em que ele
nasceu, onde a influência da Igreja ainda era muito forte e quando ainda não existia uma
tradição de "produção de conhecimento". Para a sociedade feudal, o conhecimento estava
nas mãos da Igreja. Aristóteles tinha deixado um legado intelectual que o clero se
encarregava de disseminar.
Descartes viveu numa época marcada pelas guerras religiosas entre Protestantes e Católicos
na Europa. Ele viajou muito e viu que sociedades diferentes têm crenças diferentes, mesmo
contraditórias. Aquilo que numa região é tido por verdadeiro, é achado como ridículo,
disparatado, mentira, nos outros lugares.
Descartes viu que os "costumes", a história de um povo, sua tradição "cultural" influenciam
a forma como as pessoas pensam, aquilo em que acreditam.

O primeiro pensador "moderno"


Descartes é considerado o primeiro filósofo "moderno".A sua contribuição à epistemologia
é essencial, assim como às ciências naturais por ter estabelecido um método que ajudou o
seu desenvolvimento. Descartes criou, em suas obras Discurso sobre o método e
Meditações - ambas escritas no vernáculo, ao invés do latim tradicional dos trabalhos de
filosofia - as bases da ciência contemporânea.
O método cartesiano consiste no Ceticismo Metodológico - duvida-se de cada idéia que
pode ser duvidada. Ao contrário dos gregos antigos e dos escolásticos, que acreditavam que
as coisas existem simplesmente porque precisam existir, ou porque assim deve ser, etc,
Descartes institui a dúvida: só se pode dizer que existe aquilo que possa ser provado, sendo
o ato de duvidar indubitável. Baseado nisso, Descartes busca provar a existência do próprio
eu (que duvida, portanto, é sujeito de algo - cogito ergo sum, penso logo existo) e de Deus.
Também consiste o método na realização de quatro tarefas básicas: verificar se existem
evidências reais e indubitáveis acerca do fenômeno ou coisa estudada; analisar, ou seja,
dividir ao máximo as coisas, em suas unidades de composição, fundamentais, e estudar
essas coisas mais simples que aparecem; sintetizar, ou seja, agrupar novamente as
unidades estudadas em um todo verdadeiro; e enumerar todas as conclusões e princípios
utilizados, a fim de manter a ordem do pensamento.
Em relação a Ciência, Descartes desenvolveu uma filosofia que influenciou muitos, até ser
passada pela metodologia de Newton. Ele mantinha, por exemplo, que o universo era pleno
e não poderia haver vácuo. Descartes acreditava que a matéria não possuía qualidades
inerentes, mas era simplesmente o material bruto que ocupava o espaço. Ele dividia a
realidade em res cogitans (consciência, mente) e res extensa (matéria). Acreditava também
que Deus criou o universo como um perfeito mecanismo de moção vertical e que
funcionava deterministicamente sem intervenção desde então.
Matemáticos consideram Descartes muito importante por sua descoberta da geometria
analítica. Até Descartes, a geometria e a álgebra apareciam como ramos completamente
separados da Matemática. Descartes mostrou como traduzir problemas de geometria para a
álgebra, abordando esses problemas através de um sistema de coordenadas.
A Teoria de Descartes providenciou a base para o Cálculo de Newton e Leibniz, e então,
para muito da matemática moderna. Isso parece ainda mais incrível tendo em mente que
esse trabalho foi intencionado apenas como um exemplo no seu Discurso Sobre o Método.

Geometria
O interesse de Descartes pela matemática surgiu cedo, no “College de la Fleche”, escola do
mais alto padrão, dirigida por jesuítas, na qual ingressara aos oito anos de idade. Mas por
uma razão muito especial e que já revelava seus pendores filosóficos: a certeza que as
demonstrações ou justificativas matemáticas proporcionam. Aos vinte e um anos de idade,
depois de freqüentar rodas matemáticas em Paris (além de outras) já graduado em Direito,
ingressa voluntariamente na carreira das armas, uma das poucas opções “dignas” que se
ofereciam a um jovem como ele, oriundo da nobreza menor da França. Durante os quase
nove anos que serviu em vários exércitos, não se sabe de nenhuma proeza militar realizada
por Descartes. É que as batalhas que ocupavam seus pensamentos e seus sonhos travavam-
se no campo da ciência e da filosofia.
A Geometria analítica de Descartes apareceu em 1637 no pequeno texto chamado A
Geometria como um dos três apêndices do Discurso do método, obra considerada o marco
inicial da filosofia moderna. Nela, em resumo, Descartes defende o método matemático
como modelo para a aquisição de conhecimentos em todos os campos.
Citações
O Wikiquote tem uma coleção de citações de ou sobre: René Descartes.
"Descartes deseja ser ao nível da cognição um self-made-man. Ele é o Samuel Smiles do
empreendimento cognitivo" - Ernest Gellner, "Reason and Culture", Oxford 1992, p. 3.
"Penso, logo existo!" - René Descartes

Obras importantes
Regras para a direção do espírito (1628?) - obra da juventude inacabada na qual o método
aparece em forma de numerosas regras O Mundo ou Tratado da Luz (1632-1633) - obra
contém algumas das conquistas definitivas da física clássica: a lei da inércia, a da refração
da luz e, principalmente, as bases epistemológicas contrárias ao que seria denominado de
princípio da ciência escolástica, radicada no aristotelismo. Discurso sobre o método (1637)
Geometria (1637) Meditações (1641) - expande o método cartesiano exposto em "Discurso
sobre o método"

Sua Vida
René Descartes, nascido em 1596 em La Haye - não a cidade dos Países-Baixos, mas um
povoado da Touraine, numa família nobre - terá o título de senhor de Perron, pequeno
domínio do Poitou, daí o aposto "fidalgo poitevino".
De 1604 a 1614, estuda no colégio jesuíta de La Flèche. Aí gozará de um regime de
privilégio, pois levanta-se quando quer, o que o leva a adquirir um hábito que o
acompanhará por toda sua vida: meditar no próprio leito. Apesar de apreciado por seus
professores, ele se declara, no "Discurso sobre o Método", decepcionado com o ensino que
lhe foi ministrado: a filosofia escolástica não conduz a nenhuma verdade indiscutível, "Não
encontramos aí nenhuma coisa sobre a qual não se dispute". Só as matemáticas demonstram
o que afirmam: "As matemáticas agradavam-me sobretudo por causa da certeza e da
evidência de seus raciocínios". Mas as matemáticas são uma exceção, uma vez que ainda
não se tentou aplicar seu rigoroso método a outros domínios. Eis por que o jovem
Descartes, decepcionado com a escola, parte à procura de novas fontes de conhecimento, a
saber, longe dos livros e dos regentes de colégio, a experiência da vida e a reflexão pessoal:
"Assim que a idade me permitiu sair da sujeição a meus preceptores, abandonei
inteiramente o estudo das letras; e resolvendo não procurar outra ciência que aquela que
poderia ser encontrada em mim mesmo ou no grande livro do mundo, empreguei o resto de
minha juventude em viajar, em ver cortes e exércitos, conviver com pessoas de diversos
temperamentos e condições".
Após alguns meses de elegante lazer com sua família em Rennes, onde se ocupa com
equitação e esgrima (chega mesmo a redigir um tratado de esgrima, hoje perdido), vamos
encontrá-lo na Holanda engajado no exército do príncipe Maurício de Nassau. Mas é um
estranho oficial que recusa qualquer soldo, que mantém seus equipamentos e suas despesas
e que se declara menos um "ator" do que um "espectador": antes ouvinte numa escola de
guerra do que verdadeiro militar. Na Holanda, ocupa-se sobretudo com matemática, ao lado
de Isaac Beeckman. É dessa época (tem cerca de 23 anos) que data sua misteriosa divisa
"Larvatus prodeo". Eu caminho mascarado. Segundo Pierre Frederix, Descartes quer
apenas significar que é um jovem sábio disfarçado de soldado.
Em 1619, ei-lo a serviço do Duque de Baviera. Em virtude do inverno, aquartela-se às
margens do Danúbio. Podemos facilmente imaginá-lo alojado "numa estufa", isto é, num
quarto bem aquecido por um desses fogareiros de porcelana cujo uso começa a se difundir,
servido por um criado e inteiramente entregue à meditação. A 10 de novembro de 1619,
sonhos maravilhosos advertem que está destinado a unificar todos os conhecimentos
humanos por meio de uma "ciência admirável" da qual será o inventor. Mas ele aguardará
até 1628 para escrever um pequeno livro em latim, as "Regras para a direção do espírito"
(Regulae ad directionem ingenii). A idéia fundamental que aí se encontra é a de que a
unidade do espírito humano (qualquer que seja a diversidade dos objetos da pesquisa) deve
permitir a invenção de um método universal. Em seguida, Descartes prepara uma obra de
física, o Tratado do Mundo, a cuja publicação ele renuncia visto que em 1633 toma
conhecimento da condenação de Galileu. É certo que ele nada tem a temer da Inquisição.
Entre 1629 e 1649, ele vive na Holanda, país protestante. Mas Descartes, de um lado é
católico sincero (embora pouco devoto), de outro, ele antes de tudo quer fugir às querelas e
preservar a própria paz.
Finalmente, em 1637, ele se decide a publicar três pequenos resumos de sua obra científica:
A Dióptrica, Os Meteoros e A Geometria. Esses resumos, que quase não são lidos
atualmente, são acompanhados por um prefácio e esse prefácio foi que se tornou famoso: é
o Discurso sobre o Método. Ele faz ver que o seu método, inspirado nas matemáticas, é
capaz de provar rigorosamente a existência de Deus e o primado da alma sobre o corpo.
Desse modo, ele quer preparar os espíritos para, um dia, aceitarem todas as conseqüências
do método - inclusive o movimento da Terra em torno do Sol! Isto não quer dizer que a
metafísica seja, para Descartes, um simples acessório. Muito pelo contrário! Em 1641,
aparecem as Meditações Metafísicas, sua obra-prima, acompanhadas de respostas às
objeções. Em 1644, ele publica uma espécie de manual cartesiano. Os Princípios de
Filosofia, dedicado à princesa palatina Elisabeth, de quem ele é, em certo sentido, o diretor
de consciência e com quem troca importante correspondência. Em 1644, por ocasião da
rápida viagem a Paris, Descartes encontra o embaixador da frança junto à corte sueca,
Chanut, que o põe em contato com a rainha Cristina.
Esta última chama Descartes para junto de si. Após muitas tergiversações, o filósofo, não
antes de encarregar seu editor de imprimir, para antes do outono, seu Tratado das Paixões -
embarca para Amsterdã e chega a Estocolmo em outubro de 1649. É ao surgir da aurora (5
da manhã!) que ele dá lições de filosofia cartesiana à sua real discípula. Descartes, que
sofre atrozmente com o frio, logo se arrepende, ele que "nasceu nos jardins da Touraine", de
ter vindo "viver no país dos ursos, entre rochedos e geleiras". Mas é demasiado tarde.
Contrai uma pneumonia e se recusa a ingerir as drogas dos charlatões e a sofrer sangrias
sistemáticas ("Poupai o sangue francês, senhores"), morrendo a 9 de fevereiro de 1650.
Seu ataúde, alguns anos mais tarde, será transportado para a França. Luís XIV proibirá os
funerais solenes e o elogio público do defunto: desde 1662 a Igreja Católica Romana, à qual
ele parece Ter-se submetido sempre e com humildade, colocará todas as suas obras no
Index.

O Método
Descartes quer estabelecer um método universal, inspirado no rigor matemático e em suas
"longas cadeias de razão".
1. - A primeira regra é a evidência : não admitir "nenhuma coisa como verdadeira se não a
reconheço evidentemente como tal". Em outras palavras, evitar toda "precipitação" e toda
"prevenção" (preconceitos) e só ter por verdadeiro o que for claro e distinto, isto é, o que
"eu não tenho a menor oportunidade de duvidar". Por conseguinte, a evidência é o que salta
aos olhos, é aquilo de que não posso duvidar, apesar de todos os meus esforços, é o que
resiste a todos os assaltos da dúvida, apesar de todos os resíduos, o produto do espírito
crítico. Não, como diz bem Jankélévitch, "uma evidência juvenil, mas quadragenária".
2. - A segunda, é a regra da análise: "dividir cada uma das dificuldades em tantas parcelas
quantas forem possíveis".
3. - A terceira, é a regra da síntese : "concluir por ordem meus pensamentos, começando
pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer para, aos poucos, ascender, como que
por meio de degraus, aos mais complexos".
4. - A última á a dos "desmembramentos tão complexos... a ponto de estar certo de nada ter
omitido".
Se esse método tornou-se muito célebre, foi porque os séculos posteriores viram nele uma
manifestação do livre exame e do racionalismo.
a) Ele não afirma a independência da razão e a rejeição de qualquer autoridade?
"Aristóteles disse" não é mais um argumento sem réplica! Só contam a clareza e a distinção
das idéias. Os filósofos do século XVIII estenderão esse método a dois domínios de que
Descartes, é importante ressaltar, o excluiu expressamente: o político e o religioso
(Descartes é conservador em política e coloca as "verdades da fé" ao abrigo de seu
método).
b) O método é racionalista porque a evidência de que Descartes parte não é, de modo
algum, a evidência sensível e empírica. Os sentidos nos enganam, suas indicações são
confusas e obscuras, só as idéias da razão são claras e distintas. O ato da razão que percebe
diretamente os primeiros princípios é a intuição. A dedução limita-se a veicular, ao longo
das belas cadeias da razão, a evidência intuitiva das "naturezas simples". A dedução nada
mais é do que uma intuição continuada.

A Metafísica
No Discurso sobre o Método, Descartes pensa sobretudo na ciência. Para bem compreender
sua metafísica, é necessário ler as Meditações.
1. - Todos sabem que Descartes inicia seu itinerário espiritual com a dúvida. Mas é
necessário compreender que essa dúvida tem um outro alcance que a dúvida metódica do
cientista. Descartes duvida voluntária e sistematicamente de tudo, desde que possa
encontrar um argumento, por mais frágil que seja. Por conseguinte, os instrumentos da
dúvida nada mais são do que os auxiliares psicológicos, de uma ascese, os instrumentos de
um verdadeiro "exército espiritual". Duvidemos dos sentidos, uma vez que eles
freqüentemente nos enganam, pois, diz Descartes, nunca tenho certeza de estar sonhando
ou de estar desperto! (Quantas vezes acreditei-me vestido com o "robe de chambre",
ocupado em escrever algo junto à lareira; na verdade, "estava despido em meu leito").
Duvidemos também das próprias evidências científicas e das verdades matemáticas! Mas
quê? Não é verdade - quer eu sonhe ou esteja desperto - que 2 + 2 = 4? Mas se um gênio
maligno me enganasse, se Deus fosse mau e me iludisse quanto às minhas evidências
matemáticas e físicas? Tanto quanto duvido do Ser, sempre posso duvidar do objeto
(permitam-me retomar os termos do mais lúcido intérprete de Descartes, Ferdinand Alquié).
2. - Existe, porém, uma coisa de que não posso duvidar, mesmo que o demônio queira
sempre me enganar. Mesmo que tudo o que penso seja falso, resta a certeza de que eu
penso. Nenhum objeto de pensamento resiste à dúvida, mas o próprio ato de duvidar é
indubitável. "Penso, cogito, logo existo, ergo sum" . Não é um raciocínio (apesar do logo,
do ergo), mas uma intuição, e mais sólida que a do matemático, pois é uma intuição
metafísica, metamatemática. Ela trata não de um objeto, mas de um ser. Eu penso, Ego
cogito (e o ego, sem aborrecer Brunschvicg, é muito mais que um simples acidente
gramatical do verbo cogitare). O cogito de Descartes, portanto, não é, como já se disse, o
ato de nascimento do que, em filosofia, chamamos de idealismo (o sujeito pensante e suas
idéias como o fundamento de todo conhecimento), mas a descoberta do domínio ontológico
(estes objetos que são as evidências matemáticas remetem a este ser que é meu
pensamento).
3. - Nesse nível, entretanto, nesse momento de seu itinerário espiritual, Descartes é
solipsista. Ele só tem certeza de seu ser, isto é, de seu ser pensante (pois, sempre duvido
desse objeto que é meu corpo; a alma, diz Descartes nesse sentido, "é mais fácil de ser
conhecida que o corpo").
É pelo aprofundamento de sua solidão que Descartes escapará dessa solidão. Dentre as
idéias do meu cogito existe uma inteiramente extraordinária. É a idéia de perfeição, de
infinito. Não posso tê-la tirado de mim mesmo, visto que sou finito e imperfeito. Eu, tão
imperfeito, que tenho a idéia de Perfeição, só posso tê-la recebido de um Ser perfeito que
me ultrapassa e que é o autor do meu ser. Por conseguinte, eis demonstrada a existência de
Deus. E nota-se que se trata de um Deus perfeito, que, por conseguinte, é todo bondade. Eis
o fantasma do gênio maligno exorcizado. Se Deus é perfeito, ele não pode ter querido
enganar-me e todas as minhas idéias claras e distintas são garantidas pela veracidade
divina. Uma vez que Deus existe, eu então posso crer na existência do mundo. O caminho é
exatamente o inverso do seguido por São Tomás. Compreenda-se que, para tanto, não tenho
o direito de guiar-me pelos sentidos (cujas mensagens permanecem confusas e que só têm
um valor de sinal para os instintos do ser vivo). Só posso crer no que me é claro e distinto
(por exemplo: na matéria, o que existe verdadeiramente é o que é claramente pensável, isto
é, a extensão e o movimento). Alguns acham que Descartes fazia um circulo vicioso: a
evidência me conduz a Deus e Deus me garante a evidência! Mas não se trata da mesma
evidência. A evidência ontológica que, pelo cogito, me conduz a Deus fundamenta a
evidência dos objetos matemáticos. Por conseguinte, a metafísica tem, para Descartes, uma
evidência mais profunda que a ciência. É ela que fundamenta a ciência (um ateu, dirá
Descartes, não pode ser geômetra!).
4. - A Quinta meditação apresenta uma outra maneira de provar a existência de Deus. Não
mais se trata de partir de mim, que tenho a idéia de Deus, mas antes da idéia de Deus que
há em mim. Apreender a idéia de perfeição e afirmar a existência do ser perfeito é a mesma
coisa. Pois uma perfeição não-existente não seria uma perfeição. É o argumento ontológico,
o argumento de Santo Anselmo que Descartes (que não leu Santo Anselmo) reencontra:
trata-se, ainda aqui, mais de uma intuição, de uma experiência espiritual (a de um infinito
que me ultrapassa) do que de um raciocínio.

VIDA

Infância e juventude. René Descartes, filósofo e matemático, nasceu em La Haye,


conhecida, desde 1802, por "La Haye-Descartes", na Touraine, cerca de 300 quilômetros a
sudoeste de Paris, em 31 de março de 1596, e veio a falecer em Estocolmo, Suécia, a 11 de
fevereiro de 1650. Pertenceu a uma família de posses, dedicada ao comércio, ao direito e à
medicina. O pai, Joachim Descartes, advogado e juiz, possuía terras e o título de escudeiro,
primeiro grau de nobreza, e era Conselheiro no Parlamento de Rennes, na vizinha província
da Bretanha, que constitui o extremo noroeste da França.
O segundo na família de dois filhos e uma filha, Descartes com um ano de idade perdeu a
mãe, Jeanne Brochard, por complicações de seu terceiro parto. Descartes foi criado pela
avó e por uma babá à qual ele depois pagou uma pensão até morrer. Seu pai casou
novamente, mas não se distanciou. Parte do ano passava em Rennes, atendendo às sessões
parlamentares, parte em sua propriedade Les Cartes em La Haye, com a família. Chamava
o filho ainda criança de seu "pequeno filósofo", devido à curiosidade demonstrada pela
criança, porém. mais tarde aborreceu-se com ele porque não quis ser advogado, como seria
do seu gosto.
Aos oito anos, em 1604, Descartes foi matriculado no colégio Real de La Fleche, em
Anjou, aberto pelos jesuítas poucos meses antes, em janeiro daquele mesmo ano, com
dotação de Henrique IV. Ele foi recomendado ao padre Charlet, um intelectual reconhecido,
parente dos Des-Cartes, e que logo seria o reitor. Descartes, cujas relações familiares seriam
um tanto frouxas, mais tarde a ele se refere como "um segundo pai".
Descartes estudou em La Fleche por quase dez anos, até 1614. Foi uma criança e um
adolescente frágil, passando a ter boa saúde só depois dos vinte anos. Na escola, um tanto
desinteressado dos estudos e muito inclinado a "meditar", tinha por desculpa sua saúde para
permanecer na cama até tarde, um hábito que manteve mesmo depois de adulto, e que só no
último ano de sua vida foi obrigado a mudar, modificação que lhe foi fatal. Apesar das
aulas perdidas todas as manhãs, era inteligente o bastante para acompanhar o curso e
concluí-lo sem maiores dificuldades. As disciplinas eram designadas genericamente por
"filosofia", contendo física, lógica, metafísica e moral; e "filosofia aplicada", que
compreendia medicina e jurisprudência, e também estudou matemática através dos manuais
didáticos do monge Clavius, matemático jesuíta que algumas décadas antes havia criado o
Calendário Gregoriano. Disse mais tarde que, embora admirasse a disciplina e a educação
recebida dos jesuítas em La Fleche, o ensino propriamente era fútil e desinteressante, sem
fundamentos racionalmente satisfatórios, e que somente na matemática havia encontrado
algum atrativo. Era muito religioso e conservou a fé católica até morrer.
Decidiu deixar os estudos regulares: não queria a vida de um erudito e intelectual. Em lugar
disso, queria ganhar experiência diretamente, em contacto com o mundo; decidiu viajar e
observar. Antes porém, passou um curto período aparentemente sem ocupação, em Paris, e
depois, para atender ao pai, ingressou no curso de Direito, de dois anos, na universidade de
Poitier onde seu irmão também se formara. Concluído o curso em 1616, não seguiu a
tradição da família.
Em 1618 Descartes foi para a Holanda e se alistou, na escola militar de Breda, no Brabante
setentrional, como um oficial não pago do exército de Maurício de Nassau, príncipe de
Orange que naquele momento estava dispondo suas tropas contra as forças espanholas que
tentavam recuperar aquela que fora a província mais rica da Espanha. Estudou arte de
fortificações e a língua flamenga.
Amizade com BEECKMAN. O serviço militar era uma escolha convencional da parte de
Descartes uma vez que a pratica da guerra era uma complementação da educação dos
cavalheiros que não seguiam a carreira eclesiástica, além de que era por excelência o
campo de aplicação das matemáticas, tanto no aperfeiçoamento das armas como na
construção de fortalezas e edifícios em geral. Não requeria, e é mesmo dado como
improvável, que Descartes participasse de alguma luta real.
A vida de campanha o aborreceu. Havia nas suas próprias palavras muita ociosidade e
dissipação. Ele continuava a observar e fazer notas e sobretudo a sua fascinação pelas
ciências matemáticas ganhou ímpeto por seu conhecimento casual seguido de amizade com
o duque filosofo, doutor e físico Isaac Beeckman, em novembro do mesmo ano, o qual era
então um professor distinguido pelos seus conhecimentos de mecânica e matemática e
reitor do Colégio Holandês em Dort. Beeckman teria ficado surpreso com a habilidade e
pendores matemáticos do jovem oficial francês que era capaz de resolver sozinho,
rapidamente, um complicado quebra-cabeça matemático.
A amizade deveria continuar por 20 anos com alguns entreveros. A Beeckman Descartes
dedicou o Compendium musicae no qual indaga as relações matemáticas que determinam a
ressonância, o tom e a dissonância musical, um tópico evidentemente de acordo com sua
inclinação pitagórica de então. Beeckman o atualizou com respeito a vários progressos na
matemática incluindo o trabalho do matemático francês Vieta, um dos pioneiros da álgebra
moderna por usar letras como símbolos para quantidades constantes e desconhecidas em
uma equação. Uma parte importante da fama de Descartes vem justamente de ter aplicado a
formulação algébrica para problemas geométricos em lugar de grupos de desenhos
geométricas e teoremas separados. O encontro com Beeckman renovou o entusiasmo de
Descartes de prosseguir no caminho escolhido para seus estudos, e despertou-lhe a ambição
de encontrar uma formula geral, racional, de conhecimento universal.
Dedicação à filosofia. Deixando o exército do príncipe de Orange após dois anos na
Holanda, Descartes viajou para a Dinamarca, Dantzig, Polônia e Alemanha. Em Frankfurt
assistiu as festas da coroação do imperador Ferdinando II. Em abril de1619, foi juntar-se ao
exército bávaro no seu acampamento de inverno próximo de Ulm, sob as ordens do Conde
de Bucquoy. O duque católico da Baviera (Sul da Alemanha), Maximilian, estava se pondo
em campo contra o protestante Frederico V o eleitor palatino (Palatinado, Alemanha,
fronteira com a França) e rei da Boêmia (atual Checoslováquia), nos primeiros estágios da
Guerra dos 30 Anos que haveria de arrasar o Sacro Império Germânico. Frederico haveria
de perder o trono em 1620 após a batalha decisiva em Monte branco perto de Praga. Sua
filha, a princesa Elizabete, tornou-se mais tarde, em 1643, uma das amigas e
correspondentes mais próximas de Descartes.
Descartes passou o inverno em Neuburg, no Danúbio sul. Segundo seu próprio relato,
dispunha de um compartimento bem aquecido, dormia dez horas toda noite, o que muito
apreciava, e se ocupava de seus próprios pensamentos. Disse que teve então uns sonhos
que, de acordo com sua interpretação, significavam que ele tinha a missão de reunir todo o
conhecimento humano em uma ciência universal única, toda construída de certezas
racionais. Certamente ele se referia à física pois era o sonho comum aos sábios da época,
encontrar uma fórmula matemática para o universo (também os alquimistas buscavam um
fórmula milagrosa), e foi uma esperança ainda mais estimulada pela descoberta da equação
da atração universal feita por Newton, demonstrando, na Física, a possibilidade de reduzir a
fórmulas matematicamente exatas as leis fundamentais da natureza. Em Descartes era uma
aspiração mais de ordem mística, - embora buscasse uma solução racional -, muito de
acordo com seu interesse nessa época, pela filosofia de Pitágoras, com fundamento em
números, e pelos segredos dos Rosacruzes.
Vida em Paris. Vivendo de rendas e perseguindo a realização de seu sonho que acreditava
profético, viajaria por vários países da Europa. Deixando a Boêmia seguiu para a Hungria
onde em 1621 ele estava - pela ultima vez - vivendo a vida militar, como um oficial no
exército imperial. Vai à Alemanha, Holanda e França (1622-23). É então que renuncia
definitivamente à carreira militar para dedicar-se à investigação cientifica e filosófica. Em
1623 voltou à terra natal para vender umas terras em Poitou que herdara da mãe, e também
a pequena propriedade de Perron (Era chamado em família "Monsieur du Perron", devido a
essa propriedade). Aplicou o dinheiro da venda sob a forma de bônus e com os rendimentos
resultantes pôde viver uma vida descompromissada, simples porém sempre confortável. Do
outono de 1623 a primavera de 1625, ele vagou pela Itália onde ficou em Veneza. Roma e
Florença por algum tempo, retornando depois à França, onde viveu principalmente em
Paris.
A França à época de Descartes é a França de Luís XIII e do Cardeal Richelieu. A política de
Richelieu gerou grande progresso para a França, porque atribuiu privilégios e monopólios
aos negociantes e manufatureiros e ampliou o comércio marítimo. Porém a ciência oficial
continuava estagnada em torno dos comentários dos antigos (particularmente de
Aristóteles) porque este atraso indiretamente interessava ao absolutismo monárquico.
Discussões com amigos, estudos privados e reflexão eram o padrão da vida de Descartes
em Paris. Realiza, com o matemático Mydorge, experiências de ótica. Fez novos amigos
entre os sábios e renovou velhos conhecimentos, especialmente com o Padre Marin
Mersenne, seu contemporâneo de La Fleche. Mersenne, um grande erudito, seria depois seu
conselheiro e correspondente de confiança, e o manteria informado sobre o universo
cultural europeu por muitos anos no futuro. Estava em contacto com todos os intelectuais
famosos da Europa e assim numa posição única para apresentar os trabalhos de Descartes a
eles e relatar de volta seus comentários e críticas.
Em novembro de 1627 Descartes participa de um debate na residência do núncio papal.
Após alguém expor uma nova filosofia, ele fez um aparte em sucinta argumentação,
baseada em raciocínio afim com os métodos de prova matemáticos, e confundiu e refutou o
postulante. Sua tese causou viva impressão no cardeal De Bérulle, o fundador da
congregação do Oratório e que, juntamente com sua prima Madame Acarie, havia
introduzido as carmelitas na França, e era o líder da reação católica contra o Calvinismo, e
que estava presente aos debates. O cardeal exorta-o a se consagrar à reforma da filosofia.
Insistiu que Descartes assumisse o dever de utilizar seus talentos ao máximo e completasse
o desenho que havia alí delineado para sua audiência. Foi incisivo ao ponto de adverti-lo de
que responderia perante Deus se não utilizasse os dons Dele recebidos. Todos os presentes
ficaram profundamente impressionados: o nome do jovem filósofo começou a ficar
conhecido.
O conselho do Cardeal de Bérulle correspondia exatamente aos sentimentos mais íntimos
de Descartes. Dedica-se a escrever, em 1628, o Studium bonae mentis ("Regras para a
Direção do Espírito"), obra que se perdeu. Então, convencido de que, para realizar seu
trabalho, ele necessitava de paz e quietude, e que Paris era muito agitada, pensa um novo
local onde se fixar. As viagens à cata de experiências haviam terminado: era tempo de por
em escrito os resultados de seu contacto com o mundo e de suas próprias meditações.
Retiro na Holanda. No outono de 1628 ele foi por uns poucos meses ao norte da França,
mas, no balanço das opções, decidiu-se pela Holanda como a terra que melhor se adaptava
à realização de seus planos. Aparentemente nunca se arrependeu. Na Holanda Encontrou
uma elite que vivia pelos padrões sociais mais altos da época, uma política intensa e
aventureira, e a liberdade para escrever, desde que cuidasse de sua própria vida e não se
metesse com os calvinistas dominantes. Essa liberdade atraia cientistas e filósofos de toda a
Europa. Avistou-se com Beeckman em Dordrecht e depois se instalou em Franeker, no
litoral da Friesland; fez prontamente vários amigos, particularmente Constantyn Huygens,
pai do futuro cientista Christian Huygens (1629-1695). Continuou seus contactos com
Mersenne e Mydorge, e sua amizade com Beeckman. Manteve contacto também com
Hortensius e Van Schooten (o velho). Lá podia gozar períodos de trabalho solitário e ainda,
mas somente por sua livre escolha, manter contacto com amigos por meio de visitas e
correspondência.
Por quatro anos, de 1629 para a frente, Descartes gastou seu tempo primeiro buscando a
consolidação de um método que, partindo da dúvida absoluta, pudesse chegar à mais
absoluta certeza, e depois no estudo de diferentes ciências que unificadas pelo novo
método, levariam a um esquema universal de conhecimento. Escreveu inicialmente um
tratado não publicado, sobre metodologia chamado "Regras para a Direção do Espírito"
(abreviado geralmente como o Regulae). Este tratado incompleto e apenas rascunhado com
repetições e inconsistências, foi composto por Descartes durante os meses de inverno de
1629 e no ano seguinte. Possivelmente nunca pretendido para publicação ele pode ter sido
usado por Descartes como caderno de notas para futuras referências.
Leva avante sua pesquisa em ciências físicas e matemáticas trocando informações com
amigos, freqüentemente através de cartas, especialmente com o padre Mersenne. Mas
principalmente sozinho, nos diferentes endereços que teve na Holanda. A pesquisa cobria
muitos campos: ótica, a natureza da luz, as leis da refração e meteorologia (explicação do
arco-íris), a natureza e estrutura dos corpos materiais, o ar a água a terra, matemática
especialmente geometria. Fez estudos de anatomia e de fisiologia dissecando diferentes
órgãos que obtinha nos açougues locais. Inventou o termo embriogenia para o que agora é
chamado embriologia.
Era ambição de Descartes publicar um trabalho abrangente que ele intitula o "Mundo" (Le
Monde, ou Traité de la Lumière). Por volta de 1633 ele tinha quase completado o rascunho
quando então soube, por uma carta de Mersenne, que o astrônomo Galileu tinha sido
condenado em Roma pela igreja católica por advogar o sistema de Copérnico. Beeckman
lhe passou um livro de Galileu, no qual ele reconheceu muitas de suas próprias conclusões,
particularmente seu apoio à teoria de Copérnico do movimento da terra ao redor do sol.
Apesar de que não arriscava nenhum perigo físico na Holanda, ele foi suficientemente
prudente para não publicar seu trabalho. Nem sequer mandou o manuscrito para Mersenne.
Mas continuou com uma inabalável convicção a respeito da verdade de suas conclusões.
Descartes foi, no entanto, pressionado pelos seus amigos para publicar suas idéias.
Escreveu um tratado de ciência expondo um método de se chegar à verdade e decidiu
publicá-lo anonimamente. Na obra, o novo método, é exposto em termos simples, com
menos ênfase matemática, com o título Discours de la méthod pour bien conduire sa raison
et chercher la vérité dans les sciences ("Discurso sobre o Método para Bem Conduzir a
Razão a Buscar a Verdade Através da Ciência") que se tornou sua mais famosa obra. Incluiu
na introdução alguns traços autobiográficos, relatando seu método e doutrina filosófica e
acrescentou ao texto três apêndices: La Dioptrique, Les Météores, e La Géométrie. O
tratado foi publicado em Leyden em 1637 e Descartes escreveu para Mersenne dizendo que
havia buscado no seu La Dioptrique e no seu Les Météores mostrar que o seu método era
melhor que o vulgar, e no seu La Géométrie havia demonstrado isso. A obra descreve o que
Descartes considerava um meio mais satisfatório de adquirir o conhecimento, que o
representado pela lógica aristotélica. Somente a matemática, Descartes sente, está certa;
assim tudo deve ser baseado na matemática.
O La Dioptrique é um trabalho no sistema ótico e nele trata da lei da refração. Embora
Descartes não cite cientistas precedentes para as idéias que apresenta; os fatos que
apresenta não são novos. Entretanto sua aproximação através da observação e da
experiência era uma contribuição nova muito importante.
Les Météores é um trabalho de meteorologia e é importante por ser o primeiro trabalho que
tenta colocar o estudo do tempo em bases científicas; busca uma explicação científica sobre
o tempo, e inclui uma explicação do arco ires. Entretanto, muitas das colocações científicas
de Descartes estão não somente erradas como também poderiam ser evitadas se ele tivesse
feito algumas experiências simples. Por exemplo, Roger Bacon, o monge franciscano
inventor da pólvora estável, já havia demonstrado o erro da crença de que a água fervida
congela mais rapidamente. Entretanto Descartes reivindica ter comprovado, pela
experiência que a água que foi levada ao fogo por algumas horas se congela mais
rapidamente do que de outra maneira e dá a razão: suas partículas que podem ser mais
facilmente dobradas são expulsas durante o aquecimento, deixando somente aquelas que
são rígidos e facilitarão o congelamento. Após a publicação do Les Météores a obras de
Boyle, Hooke e Halley se encarregaram de contestar e corrigir suas postulações falsas.
O terceiro, La Geometrie, talvez cientifica e historicamente o mais importante, introduz as
famosas "coordenadas cartesianas", - que teriam sido assim batizadas por G. W. Leibniz -, e
lança os fundamentos da moderna geometria analítica usando a notação algébrica para
tratar os problemas geométricos.
Obra escrita em francês, o que era pouco comum, pois tudo era escrito em Latim, a língua
comum de todos os trabalhos eruditos, O "Discurso" visava, evidentemente, ter sua
divulgação circunscrita ao mundo cultural francês. Segundo ele, o raciocínio silogístico no
qual a filosofia escolástica está baseada pode ser rejeitado como inútil para a descoberta da
verdade. Todo homem que é são tem a habilidade natural de discernir o verdadeiro do falso,
uma luz natural da razão. Somente descobrindo a natureza e o limite desse poder pode
alguém determinar o modo correto de usar essa habilidade.
Isso implica, em primeiro lugar, a eliminação de qualquer fator que possa constituir um
estorvo tal como a opinião preconcebida de qualquer tipo e, segundo, a prática estrita de um
método ordenado como é encontrado por exemplo nas ciências matemáticas. Assim deve-se
começar de dados auto evidentes que são sabidos ser claros e distintamente verdade e fazer
duplamente seguro e certo que cada passo no processo dedutivo deste dado seja ele próprio
auto evidente.
A despeito da anonimidade do "Discurso", o nome do autor e suas teorias logo se tornaram
conhecidos nos círculos ilustrados da Europa. Seu dito "Penso, logo existo" tornou-se
prontamente popular entre os franceses, uma gente nacionalmente amante de frases de
efeito. Porém foram os ensaios científicos, constituintes das três partes que atrairiam a
atenção dos matemáticos e provocaram muita controvérsia. Ainda em 1637 Descartes
começa a preparar o "Meditações sobre a filosofia primeira", uma versão pouco modificada
do "Discurso" escrita em latim, que vai explorar o êxito da parte filosófica do Discurso,
visando aos filósofos e teólogos. Por isso o "Meditações" constitui a principal exposição da
doutrina filosófica de Descarte.
A diferença mais notável é da dúvida metodológica que é levada ainda mais longe para
incluir a hipótese de um demônio, maligno e onipotente, que poderia fazer com que todas
as coisas que alguém pensasse existir fossem apenas ilusão. Consistia de seis meditações:
Das coisas de que podemos duvidar, Da Natureza do Espírito Humano, De Deus, que Ele
existe; Da verdade e do Erro, Da Essência das coisas materiais, Da existência das coisas
materiais e da verdadeira distinção entre o espírito e o corpo do homem. O manuscrito final
foi enviado ao seu correspondente Mersenne, com o encargo de conseguir a aprovação
formal da Sorbone e também "as opiniões dos eruditos". Muitos cientistas se opuseram às
idéias de Descartes, inclusive o teólogo Arnauld, o filósofo inglês Hobbes e o matemático e
filósofo francês Gassendi. Mersenne reuniu essas opiniões críticas e enviou-as a Descartes
que rascunhou respostas de certo modo irritada e relutantemente. Finalmente em 1640 o
"Respostas" com as objeções e réplicas foi publicado em Paris.
Entre 1638 a 1640 Descartes vive na pequena cidade de Santpoort, com sua amante
holandesa, Helen, e sua filha havida em 1635 com essa mulher, antes simplesmente sua
empregada doméstica. Para sua grande mágoa, a criança faleceu em 1640.
Se a publicação das "Meditações" trouxe para Descartes renome como um dos mais
famosos filósofos também o envolveu direta ou indiretamente em amargas controvérsias de
conotações teológicas. Na própria Holanda, o presidente da Universidade de Utrecht (ao sul
de Amsterdã) acusou-o de ateísmo e Descarte foi, de fato, condenado pelas autoridades
locais em 1642 e novamente em 1643. Descartes pediu o apoio de Huygens e, através dele e
do embaixador francês, obteve a proteção do Príncipe de Orange, o que evitou
conseqüências piores.
Em 1644 aparece em Amsterdã o Principia Philosophiae ("Princípios da Filosofia"), um
livro em grande parte dedicado à física, especialmente às leis do movimento e à teoria dos
vórtices, o qual ele ofereceu à princesa Elizabete da Boêmia, com quem Descartes
mantinha assídua correspondência. Eles haviam se encontrado em 1643 e uma amizade
afetuosa havia se desenvolvido entre Descartes e a jovem mulher inteligente. É de então o
início de seu trabalho no futuro "Tratado das Paixões".
O reboliço causado pelo "Princípios" foi tão grande que, em 1645, a universidade de
Utrecht criou um armistício proibindo a publicação de qualquer trabalho a favor ou contra a
doutrina cartesiana.
Em Leyden, em 1647, outro ataque incluindo uma acusação de pelagianismo - a crença de
que a vontade é igualmente livre para escolher fazer o bem ou o mal - produz um decreto
semelhante de censura neutra. Na França os jesuítas, algumas exceções entre os padres
mais jovens, deram acolhimento frio ao trabalho do antigo aluno.
"Princípios de Filosofia" apareceu traduzido do latim para o francês em 1647, enquanto
Descartes estava numa visita curta à França, Ele esperava que um relato mais formalizado
da totalidade do seu pensamento científico poderia receber o apoio dos círculos católicos
especialmente entre os jesuítas. Mas sua esperança foi vã. Os jesuítas inicialmente
rejeitaram o cartesianismo. Seu trabalho foi colocado no índex, lista católica dos livros
proibidos. Apesar de tudo recebeu do rei, por iniciativa do ministro Mazarino, regente na
menoridade de Luís XIII, uma pensão vitalícia em honra de suas descobertas matemáticas,
a qual ele não se empenhou em receber.
O mais abrangente dos trabalhos de Descartes, Principia Philosophiae, foi publicado em
quatro partes: As suas doutrinas filosóficas são formalmente repetidas na primeira parte,
"Os princípios do conhecimento humano". As outras três partes são uma ampla tentativa de
dar uma explicação lógica dos fenômenos naturais em um único sistema de princípios
mecânicos, através de todo o campo da física, da química, e da fisiologia: "Os princípios
das coisas materiais", "Do mundo visível" e "A Terra", como tentativa de, finalmente, por
todo o universo sobre fundamentos matemáticos reduzindo o seu estudo à Mecânica.
As doutrinas do Principia foram recebidas com desconfiança. Mesmo os adeptos de sua
filosofia natural, como o metafísico e teólogo Henry More, encontraram objeções.
Certamente More admirava Descartes. Entretanto, entre 1648 e 1649 trocaram um certo
número de cartas em que More fez várias objeções a suas afirmações. Descartes entretanto,
não fez nenhuma concessão aos pontos de vista de More em suas respostas.
Historicamente, a importância do "Princípios de Filosofia" está na total rejeição de toda
noção qualitativa ou espiritual nas explanações científicas. A determinação expressa de
explicar todo fenômeno físico em termos mecânicos e relacionar esses termos a idéias
geométricas e o uso de hipóteses para ajudar generalizações, abriu caminho para a
abordagem moderna da teoria científica.
Últimos anos. Enquanto na França em 1647, Descartes se encontrou com o Pascal e
discutiram sobre o vácuo, cuja existência era necessária ao postulado da influência à
distância. Resultou a famosa experiência de Pascal provando que o ar exerce pressão sobre
todos os objetos. Sua última visita a Paris, em 1648, permitiu-lhe rever ainda uma vez
alguns de seus famosos contemporâneos, entre eles Gassendi e Hobbes, este exilado em
Paris desde 1640, e, é claro, Mersenne, que haveria de morrer em breve. Montmor
ofereceu-lhe uma casa nas proximidades de Paris e uma pensão valiosa que ele recusou, e
que mais tarde Montmor transferiu para Gassendi que, por não dispor de rendas pessoais
como Descartes, aceitou para poder se manter.
Uma cópia manuscrita do "Paixões" foi para a Raínha Cristina da Suécia, quem, desde
1647, através do embaixador francês, tinha obtido os trabalhos de Descartes e começou a
escrever para ele.
Uma ambiciosa patronesse das artes e coletora de homens instruídos para sua corte, ela
estava ansiosa para conhecer "o celebrado M. Descartes", com o plano de naturaliza-lo
sueco, introduzi-lo na aristocracia sueca e dar-lhe uma propriedade em terras que havia
tomado à Alemanha. Mas, a despeito de pressionantes convites, inclusive o envio de um
almirante em seu vaso de guerra para busca-lo, Descartes estava extremamente relutante em
deixar Egmond uma vila um pouco a noroeste de Amsterdã onde residia então, e ofereceu
desculpas de todo tipo, sugerindo que era suficiente ler seus livros. Finalmente ele aceitou
e, como ele escreveu, nascido nos jardins da Touraine, ele foi para a terra dos ursos entre
rochas e gelo.
Chegando em Estocolmo em outubro de 1649, Descartes foi recebido com grande
cerimônia e ficou impressionado pela determinação e energia da rainha de 23 anos de idade
e sua devoção aos estudos clássicos. Dispensado da maior parte do cerimonial da corte,
exceto de escrever versos franceses para um ballet, sua obrigação principal era instruir a
rainha em matemática e filosofia. O horário da aula era cinco horas da manhã, o que o
obrigou a quebrar o hábito de se levantar diariamente por volta das 11 horas. No clima
rigoroso, onde, nas palavras de Descartes, os pensamentos do homem congelam-se durante
os meses de inverno, sua saúde deteriorou. Em Fevereiro de 1650, ele pegou um resfriado
que transformou-se em pneumonia. Dez dias depois, após receber os últimos sacramentos,
faleceu.
Descartes foi, como um católico, enterrado em cemitério reservado para crianças não
batizadas. Em 1667, seus restos foram trasladados para Paris e enterrados na igreja de Santa
Genieve-du-Mont. Desenterrado durante a Revolução francesa para enterro entre os
pensadores franceses ilustres no Panteón, seu túmulo esta hoje na igreja de St. Germain-
des-Près.
Além de seus escritos publicados ou apenas rascunhados, Descartes deixou uma
correspondência volumosa, com grande valor documental, principalmente a
correspondência com Mersenne e com Antoine Arnauld. Ela cobre uma variedade de
campos, desde a geometria às ciências políticas, medicina e à metafísica, mas ocupava-se
principalmente com os problemas da interação do corpo com o espírito, buscando aspectos
mecânicos e fisiológicos que pudessem explica-la.
PENSAMENTO
As idéias. A maior parte da obra de Descartes é consagrada às ciências (domínios da
matemática e da ótica) mas o que ele mais quer é conseguir um modo de chegar a verdades
concretas. Sua filosofia, exposta principalmente em o "Discurso sobre o Método", o mais
amplamente lido de todos os seus trabalhos, é a proposta de meios para tal.
Descartes parte da dúvida chamada metódica, porque ela é proposta como uma via para se
chegar à certeza e não é dúvida sistemática, sem outro fim que o próprio duvidar, como
para os céticos. Argumenta que as idéias em geral são incertas e instáveis, sujeitas à
imperfeição dos sentidos. Algumas, porém, se apresentam ao espírito com nitidez e
estabilidade, e ocorrem a todas as pessoas da mesma maneira, independentes das
experiências dos sentidos, e isto significa que residem na mente de todas as pessoas e são
inatas. Descartes vai, por etapas, nomear as idéias que ele inclui nessa categoria de claras,
distintas, e inatas e vai demonstrar que essas são idéias verdadeiras, não podem ser idéias
falsas.
A primeira idéia que examina é a do próprio Eu. Desta idéia, diz êle que não pode duvidar.
É a idéia do próprio Eu pensante, enquanto pensante. E então conclui com sua célebre
frase: "Penso, logo existo". Este dito, talvez o mais famoso na história da filosofia, aparece
primeiro na quarta seção do "Discurso sobre o método", de 1637, em francês, Je pense
donc je suis, e depois na primeira parte do "Princípios de Filosofia" (1644) que é
praticamente a versão latina do "Discurso", Cogito ergo sum.
É considerado muito provável que Campanella tenha inspirado a Descartes sua célebre
frase. Campanella foi o primeiro filósofo moderno a estabelecer a dúvida universal como
ponto de partida de todo pensar verdadeiro, e a tomar a autoconsciência como base do
conhecimento e da certeza. Apesar de que a Metafísica de Campanella saiu em 1638, e o
Discurso sobre o método saiu antes, o próprio Descartes diz em sua correspondência que
havia lido obras de Campanella nas quais este deduzira da autoconsciência a certeza da
própria realidade: De sensu rerum (1623), por exemplo. Mas, Descartes pondera, a idéia de
minha existência "como coisa pensante" ("Penso, logo existo") não me traz nenhuma
certeza sobre qualquer idéia do mundo físico.
Mas, de todo esse raciocínio Descartes saiu com apenas uma única verdade, a de que ele
existe, e isto não basta para encontrar a verdade sobre o universo. O mundo existe ou é uma
ilusão, apenas imaginação? Tenho várias idéias com grande nitidez e estabilidade, e delas
compartilho com muitas pessoas, mas nada me garante que não estejamos todos enganados.
Uma delas é a idéia da "extensão". Esta é uma idéia que Descartes considera inata, clara e
evidente, e que é exigida pelo mundo físico. Essa idéia existe no espírito humano como a
idéia de algo dotado de grandeza e forma: é fundamental à geometria e torna provável a
existência dos corpos, a existência dos objetos e do mundo. Porém, apesar de clara e
distinta, a idéia de extensão não é garantia de que os objetos correspondam às idéias que
deles fazemos.
Deus verdadeiro. O problema está em encontrar uma garantia de que a tais idéias de
objetos correspondam efetivamente algo real.. Tenho também a idéia de Deus. Mas agora
sim, tenho uma garantia. Não é a mesma garantia que me dá o pensar, do qual concluo que
se penso, então existo com certeza. A garantia que Descartes dá para a existência de Deus é
que nenhum ser imperfeito ou finito, sendo igual ao homem, poderia ter produzido a idéia
de um ser infinito e perfeito; somente Deus poderia ter revelado isto ao homem, como "a
marca do artista impressa em sua obra". Portanto, conclui no "Discurso sobre o Método", a
idéia de Deus implica a real existência de Deus.
Voltemos então à idéia clara, distinta e inata da extensão. Se a percepção que tenho da
extensão não correspondesse a uma realidade extensa, isso significaria que o espírito
humano estaria sempre errado, e então essa idéia de extensão seria obra de um gênio
maligno, incompatível com a idéia de um Deus bom e verdadeiro. Se Deus existe como ser
perfeitíssimo, Ele é bom e verdadeiro; não pode permitir o erro sistemático do espírito
humano. Porque Deus é perfeito, Ele é bom, e então a imagem do mundo exterior não é
uma ficção. Eu tenho a certeza de que penso, e de que indubitavelmente existo porque sou
essa coisa que pensa e Deus é a garantia de que aquilo que penso deveras existe como coisa
física. Portanto, as idéias claras e distintas correspondem de fato à realidade - elas não são a
armadilha de um gênio enganador e perverso
Dualismo. Outro aspecto importante da filosofia de Descartes é sua concepção do homem
em uma dualidade corpo-espírito. O universo consiste de duas diferentes substâncias: as
mentes, ou substância pensante, e a matéria, a última sendo basicamente quantitativa,
teoreticamente explicável em leis científicas e fórmulas matemáticas. Só no homem as duas
substâncias se juntaram em uma união substancial, unidas porém delimitadas, e assim
Descartes inaugura um dualismo radical, oposto da consubstancialidade ensinada pela
escolástica tomista.
Ele também rejeita a visão escolástica de que existe uma distinção entre vários tipos de
conhecimento baseados na diversidade dos objetos conhecíveis, cada um com seu conceito
fixo. Para ele o "poder de conhecer" é sempre o mesmo, qualquer que seja o objeto ao qual
seja aplicado. Bem aplicado pode chegar à verdade e à certeza, mal aplicado vai cair no
erro ou dúvida. A mente, em muitas de suas atividades, é dependente do corpo: a paixão, ou
seja, aquilo que é sentido, é uma ação sobre o corpo. Fisiologicamente, Descartes colocou o
centro da interação entre as duas substâncias na glândula pineal, convencido de que o
aspecto geométrico de sua posição anatômica, - um pequeno corpo localizado centralmente
na base do cérebro -, indicava uma função nobre, porém sem nada saber de sua atividade
fisiológica por muito tempo desconhecida pela ciência.
Alguns dão a Descartes a distinção de haver fundado a psicologia fisiológica, porque foi ele
que explicou o comportamento de animais inteiramente em bases de funções mecânicas do
sistema nervoso, negando que tivessem "almas". Ele também propôs uma teoria que
explicava a percepção visual de distancia, forma e tamanho, em termos de indicações
secundárias.
Ética. Descartes reconhece o corpo humano como a mais perfeita das máquinas; trabalha
por impulsos naturais, - o que é hoje chamado reflexos condicionados -, mas os efeitos
destes instintos automáticos e desejos podem ser controlados ou modificados pela mente,
pelo poder da vontade racional. A higiene do corpo é importante, mas há igualmente a
necessidade de uma higiene mental, a qual é baseada no conhecimento verdadeiro dos
fatores psicológicos que condicionam o comportamento. A mente necessita do treinamento
do "bom senso" e a aquisição de sabedoria, o que por sua vez depende do conhecimento das
verdades da metafísica a qual, a metafísica, por seu turno, inclui o conhecimento de Deus.
Descartes assim conclui que a atividade moral está baseada no conhecimento verdadeiro
dos valores, ou seja, em idéias claras e distintas garantidas por Deus, do valor relativo das
coisas.
O método. O seu Método para o raciocínio correto é principalmente "nunca aceitar
qualquer coisa como verdade se essa coisa não pode ser vista clara e distintamente como
tal. Descartes assim implica a rejeição de todas as idéias e opiniões aceitas, a determinação
a duvidar até ser convencido do contrario por fatos auto evidentes. Outro preceito é
"Conduzir os pensamentos em ordem, começando com os objetos que são os mais simples e
fáceis de saber e assim procedendo, gradualmente, ao conhecimento dos mais complexos.
Recomenda recapitular a "cadeia de raciocínio" para se estar certo de que não há omissões.
Propõe também preceitos metodológicos complementares ou preparatórios da evidência: o
preceito da análise (dividir as dificuldades que se apresentem em tantas parcelas quantas
sejam necessárias para serem resolvidas), o da síntese (conduzir com ordem os
pensamentos, começando dos objetos mais simples e mais fáceis de serem conhecidos, para
depois tentar gradativamente o conhecimento dos mais complexos) e o da enumeração
(realizar enumerações de modo a verificar que nada foi omitido).
Revolução científica. Quanto à filosofia e à ciência, Descartes viveu no início da revolução
científica. Seu importante trabalho, Meditações sobre a Filosofia Primeira, foi publicado em
1641, o ano anterior a morte de Galileu e nascimento de Newton. Deste período é a obra de
Francis Bacon Instauratio Magna, publicada em 1623; é a "A Cidade do Sol", de
Campanella, publicada em 1623, é Il Sagiatore Celeste, de Galileu, em 1623, são as obras
de Kepler e de vários outros cientistas, filósofos e matemáticos, com suas invenções e
descobertas. A grande preocupação na virada do século XVI para o século XVII: encontrar
um caminho novo. "As múltiplas opiniões eram caminhos vários e inseguros que não
levavam a qualquer meta definitiva e estável. "Precisava-se achar o método para a ciência.
Francis Bacon (156l-1626) e Galileu haviam deixado bem claro o novo caminho do método
experimental, indutivo, que formularia suas leis, partindo da consideração dos casos
particulares.. Alguns, como eles próprios, Bacon e Galileu, enfrentam a hegemonia do
pensamento lógico dedutivo dos aristotélicos até então predominante e apoiado pelas forças
do Estado e da Igreja. Constituem com Hobbes, Locke, Berkeley e Hume a chamada
corrente empirista, que, de um golpe irá devastar o território da alquimia, da astrologia, da
cabala, e constrói pacientemente a ciência moderna. Outros reconhecem o valor do método
indutivo, mas compreendem que ele é apenas o complemento novo que possibilitou a
descoberta do método experimental e que o único instrumento com respeito às causas e aos
fins últimos inatingíveis pela experimentação, será sempre a dedução lógica, e se arrojam
por essa estrada. Formam a corrente racionalista moderna: Campanella, Descartes,
Malebranche, Spinoza, Leibniz, e Kant.
Classificação das ciências. No "Princípios da Filosofia", Descartes classifica as ciências
quanto à sabedoria ou grau de clareza e nitidez de idéias que é possível atingir em cada
uma. A ciência, ele diz, pode ser comparada a uma árvore; a metafísica é a raiz, a física é o
tronco, e os três principais ramos são a mecânica, a medicina, e a moral, estes formando as
três aplicações do nosso conhecimento, que são, o mundo externo, o corpo humano, e a
conduta da vida. Mas os conhecimentos científicos não bastam a si mesmos: o tronco da
física sustenta-se em raízes metafísicas. É o Bom Deus quem garante o conhecimento
científico, porque garante as idéias claras. A física cartesiana resulta, assim, de deduções
racionais abstratas: Deus existe e serve de apoio para retirar do domínio da dúvida o
conhecimento que é claro e evidente. O mundo físico está de antemão provado por uma
idéia inata, a de extensão, que é a essência da corporeidade. Deus garante que idéias claras
da realidade têm correspondência na realidade, Deus torna os objetos inteligíveis e os
sujeitos capazes de intelecção, mas há que vencer a imperfeição do homem, cujas
impressões sensíveis vem de fora e são deformadas.
Geometria. O La Géométrie é a parte mais importante do "Discurso". Ele representa o
primeiro passo para uma teoria dos invariantes, que em estágios posteriores desrelativisa o
sistema de referencia e remove arbitrariedades; a álgebra faz possível reconhecer os
problemas típicos na geometria e trazer junto os problemas que na roupagem geométrica
não pareceriam de nenhum modo estarem relacionados. A álgebra introduz na geometria os
princípios mais naturais da divisão e a mais natural hierarquia do método. Com ela as
questões de solvabilidade e possibilidade geométricas podem ser resolvidas elegantemente,
rapidamente e inteiramente da álgebra paralela; e sem ela não podem ser decididas de modo
algum.
Realmente, o grande avanço feito por Descartes foi criar uma fórmula algébrica para
representar o fato trivial e então já conhecido de que um ponto em uma folha de papel
retangular está infalivelmente, como é evidente, onde as duas linhas de suas duas distancias
medidas perpendicularmente a duas margens adjacentes da folha, se encontram. Em
linguagem geométrica, isto quer dizer que um ponto em um plano pode ser representado
pelos valores (hoje chamados "coordenadas cartesianas") das suas duas distâncias (x, y)
tomadas perpendicularmente a dois eixos que se cruzam em ângulo reto nesse plano, com a
convenção de lado positivo e negativo para um e outro lado do ponto de cruzamento dos
eixos. Então uma equação f(x,y)=0 pode ser satisfeita por um infinito número de valores de
x e y. O importante é que esses valores de x e y podem representar as coordenadas de vários
pontos de uma curva, da qual a equação f(x,y)=0 expressa alguma propriedade geométrica,
isto é, a propriedade verdadeira da curva em cada ponto dela. Por exemplo, o gráfico da
função f(x)=x2 consiste de todos os pares (x, y) tais que y=x 2, ou seja, é a coleção de todos
os pares (x, x2), como (1,1), (2, 4), (-1, 1), (-3, 9), etc. A curva resulta ser uma parábola.
Qualquer propriedade particular desta curva pode ser deduzida da equação, sem
necessidade de se fazer o desenho da curva para encontrar os pontos graficamente, e duas
ou mais curvas podem ser referidas a um e mesmo sistema de coordenadas; o ponto no qual
duas curvas intersectam é determinado pela raiz comum às suas duas equações. E isto é
geometria analítica, sua invenção.
Um de seus críticos diz que algumas idéias no La Géométrie podem ter vindo de um
trabalho anterior de Oresme mas reconhece que no trabalho de Oresme não há nenhuma
evidência de ligar a álgebra e a geometria. Wallis, um contemporâneo de Descartes,
argumenta em sua "Álgebra" (1685) que as idéias do La Géométrie foram copiadas do
trabalho de Harriot sobre equações. Isto é considerado possível pelos historiadores da
matemática, apesar de que Descartes sempre alegou que nada em sua obra era influência do
trabalho de outros.
Ótica e Universo. Dos dois restantes apêndices do Discours um era devotado à ótica, outro
a natureza. Seu maior interesse está nas leis da refração, coincidentes no entanto com os
achados de Snell, cujos experimentos originais Descartes deve ter repetido em Paris, em
1626 e 1627, e provavelmente se esqueceu de mencionar. Grande parte da ótica está
dedicada a determinar a melhor forma para as lentes de um telescópio, mas as dificuldades
mecânicas para polir uma superfície de vidro até uma forma requerida eram tão grandes
naquela época que tornavam essas pesquisas de pouca utilidade prática. Mas revelam que
Descartes estava em dúvida se os raios de luz procediam do olho e tocavam os objetos,
como supunham os gregos, ou se, ao contrário, procediam do objeto e afetavam o olho.
Porém, como ele considerava a velocidade da luz ser infinita, ele não considerou esse ponto
particularmente importante.
No Meteoros Descartes discute numerosos fenômenos atmosféricos, inclusive o arco-íris,
que não explica corretamente por ignorar fatos importantes relativos ao índice de refração
das substâncias para diferentes cores de luz.. Sua física do universo, de base metafísica,
reunindo muito do que havia preparado para o não publicado Le Monde, encontra-se
exposta no seu Principia, de 1644.
Descartes não acredita em ação à distância. Conseqüentemente, não podia admitir haver
vácuo em torno da terra e sim alguma matéria que seria o meio pelo qual as forças
poderiam ser transferidas. A mecânica de Descartes supõe o universo cheio com a matéria
que, devido a algum movimento inicial, se estabeleceu como um sistema de vórtices que
carregam o sol, as estrelas, os planetas e seus satélites, e os cometas em seus trajetos.
Por muitas razões a teoria de Descartes, é mais satisfatória do que o efeito misterioso da
gravidade agindo a distância. Ele assume que a matéria do universo tem que estar em
movimento, e que o movimento deve resultar em diversos vórtices. Sustenta que o sol está
no centro de um imenso redemoinho de matéria, no qual os planetas flutuam e são
arrastados em círculo como palhas em um redemoinho de água. Supõe que cada planeta
está, por sua vez, no centro de um redemoinho secundário no qual os seus satélites são
carregados em órbita. Estes redemoinhos secundários supostamente produzem variações de
densidade no meio que os circunda e assim afetam o redemoinho primário principal,
fazendo os planetas se moverem em elipses e não em círculos.
De acordo com essa concepção o sol estaria no centro das elipses planetárias e não em um
de seus focos, como Kepler havia demonstrado. Newton, em 1687, examinou sua teoria e
verificou que não apenas estava em desacordo com as leis de Kepler mas também com as
leis fundamentais da mecânica. No entanto, apesar de seus defeitos, a teoria dos vórtices
marca um momento na astronomia, porque foi uma tentativa feita, antes de Newton, de
explicar todo o universo por leis mecânicas conhecidas na terra e não milagres do céu.
More perguntou a Descartes: "Por que os seus vórtices não são em forma de coluna ou
cilindro (como um ciclone) em vez de elipses, desde que, tanto quanto eu entendo, qualquer
ponto do eixo de um vortex é como se fosse o centro do qual a matéria celestial se afasta
com um ímpeto inteiramente constante?" Mas Descartes não lhe deu resposta.
Apesar dos problemas com a teoria dos vórtices, ela dominou na França por quase cem
anos, mesmo depois que Newton mostrou que ela era impossível como um sistema
dinâmico. Embora não aplicável ao sistema planetário, provou ser verdadeira quando se
descobriu a forma das galáxias que revolvem ao redor de um buraco negro que é um
vórtice.
Influência. A Física de Descartes tem, como é salientado geralmente, raízes metafísicas,
isto é, a certeza depende, em ultima análise, da fé em Deus. Neste sentido, não deixou de
representar um certo retrocesso, se consideramos quanto todos os eruditos de então,
incluídos aqueles seus contemporâneos que vieram a ser mártires do saber, estavam
empenhados em abrir o caminho oposto, suplicando a seus algozes a separação entre
filosofia e religião. Mas aconteceu que a filosofia de Descartes, em lugar de por esse
motivo precipitar-se no esquecimento, projetou-se para o alto, e isto aconteceu graças à
oportunidade e ao soar sedutor de uma frase: "Penso, logo existo". Além de agradável como
uma goma de mascar, essa frase também representou, na época, um desafio à ditadura dos
intelectuais escolásticos. Deixava claro que só existe um ponto de partida verdadeiro,
mesmo na dúvida, que sou eu e meu pensamento: se duvido, penso, e se penso, existo. Ela
foi prontamente interpretada com sentido de liberdade e emulação de coragem para a busca
da verdade, e não o de apenas indicar, como seu autor pretendia, a tábua rasa jacente sob as
idéias inatas garantidas por Deus. Portanto esta frase na verdade está, no seu sentido mais
revolucionário, divorciada do próprio pensamento de Descartes. Porém, graças a ela
Descartes, embora não tenha sido o primeiro a tentar, na verdade foi o primeiro a conseguir
libertar o pensamento filosófico de suas peias escolásticas e assim inaugurar
definitivamente a filosofia moderna.
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