Benditos os sentimentos de compaixão, fractais da amizade, fontes de
perdão a transmutar em carne os corações de pedra, telúricas matérias do fluxo incessante da amorosidade, varinhas de condão da realidade invadindo o desejo.
Malditas as emoções egocêntricas, traiçoeiras, lentes prismáticas de
detalhes insignificantes, de ouvidos abertos às maledicências, apunhaladas pela própria vaidade.
Benditos os sentimentos de oração, joelhos vergados em reverência à
vida, solidários à dor alheia, brio de quem se sabe de carne e sopro, como todos os mortais.
Malditas as emoções enciumadas, a inveja, a perfídia, o ódio à
felicidade do próximo, a incapacidade de acolher o plural como singular dádiva.
Benditos os sentimentos de voraz justiça, a magnânima gratuidade, o
poder de admirar o outro, as expressões de reconhecimento e elogio, a alma
em perene infância.
Malditas as emoções de medo, o apego insensato ao lugar que se
ocupa, o juízo sobrevalorizado de si mesmo, o rosto alheio transformado em espelho, o sopro da presunção a inflar o ego.
Benditos os sentimentos de companheirismo, a partilha dos bens, o
desapego ao supérfluo, o sorriso alvo, o destemor das utopias libertárias.
Malditas as emoções afiadas como faca de extrair vísceras,
serrilhadas e ponteagudas, a espetar cada um que se acerca, porco-espinho
ferindo a quem o abraça.
Benditos os sentimentos de admiração, a centralidade no mistério de
Deus, o silêncio alvissareiro da meditação, um rumor de anjos afinando a intuição como cordas de um violino.
Malditas as emoções cavernosas que se escondem nos escaninhos da
alma, feras à espreita de abocanhar incautos, os proclamas de vingança afixados nas entranhas, o gosto azedo da fúria, a acidez de se sentir vitorioso com a derrota de outrem.
Benditos os sentimentos de luminosidade, a vassoura que retira
sombras do chão da vida, o barro do qual somos feitos, a soberania do amor, as partículas elementares dessa existência cuja subsistência se nutre na coexistência. Malditas as emoções prenhes de amargura, as estradas vicinais de lembranças nocivas, a lesão no caráter, a mente atordoada por fantasmas, a inarredável atitude de se negar a nascer de novo impregnado de benditos sentimentos.
Benditos os sentimentos de quem ousa despojar-se do velho, enterrar
o que passou no passado, livrar-se da ansiedade frente ao futuro e acolher o presente como presente.
Malditas as emoções destiladas na ferrugem de antigas desavenças, a
viscosidade das teias impregnadas na memória, os relâmpagos eletrizados de ira, o pusilânime temor à crítica.
Bendita a vida que nos faz tão frágeis e, no entanto, capazes de
Deus; tão egoístas e, no entanto, famintos de amor; tão livres e, no entanto, dependentes; tão humanos e, no entanto, vulneráveis ao que há de
mais sórdido; tão abençoados e, no entanto, olvidados de que somos