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"... o que ocorre é nada, nada por todos os lados, uma infinitude de nada inimaginável
em toda a sua inextensão." João Ubaldo Ribeiro. Viva o povo brasileiro.
Vários parágrafos já se passaram e, até agora, nada foi dito sobre o bibliotecário. Muitos
dos leitores deste texto, provavelmente, esperavam que, por causa do título,
abordaríamos questões relacionadas ao homossexualismo na profissão ou, quem sabe,
histórias sobre bibliotecários aidéticos. Outros, talvez, tenham imaginado que
noticiaríamos que em uma universidade qualquer dos Estados Unidos, os cientistas,
embasados em amplas pesquisas, haviam descoberto uma nova forma de contágio, que
poria em risco aqueles que trabalham com livros ou fichas catalográficas. Infelizmente,
para eles, não é esse o caminho que queremos dar às nossas reflexões.
Concordamos, então, que o combate a essa incurável doença está, todo ele, baseado na
informação. Parece-nos - e gostaríamos que você nos corrigisse caso estejamos errados -
que o principal trabalho do nosso querido profissional bibliotecário é, exatamente, a
informação. Correto? Ora, por que é, então, que o bibliotecário (o tal profissional da
informação, vale enfatizar) nada faz para informar a população sobre a AIDS,
contribuindo para diminuir o número de contagiados?
AIDS ET ALII
Tudo isso ocorre ao lado, atrás, em frente das bibliotecas, mas, estas, afirmam nada
poder fazer já que a morte, a doença, a dor e o sofrimento da população não podem ser
recuperados bibliograficamente, não podem ser tratados tecnicamente, não fazem parte
do âmbito de interesse dos registros do conhecimento.
Estudos de usuário são realizados nas universidades, nas empresas, nas estatais, nos
centros das grandes capitais, nunca, porém, nas periferias, porque... ora, porque lá estão
as favelas, os cortiços, os sujos e mal-vestidos, os descalços e doentes, os analfabetos e
os incuravelmente ignorantes! Como aplicar questionários se essa gente não consegue
entender o grande significado da procura da verdadeira demanda informacional? Como
atender os interesses dessa gente se ela não faz, e nem deve fazer parte da cultura
letrada, do círculo daqueles que elevam e engrandecem a civilização brasileira?
Em "Viva o povo brasileiro", pela boca do personagem Amleto Henrique, João Ubaldo
Ribeiro escreve: "Mas, vejamos bem, que será aquilo que chamamos de povo?
Seguramente não é essa massa rude, de iletrados, enfermiços, encarquilhados,
impaludados, mestiços e negros. A isso não se pode chamar um povo, não era isso o que
mostraríamos a um estrangeiro como exemplo do nosso povo." Alguma coincidência
com o que falávamos anteriormente? Ora, mera semelhança.
Iniciamos falando sobre a AIDS e acabamos discutindo sobre o mal que infecta a
biblioteconomia brasileira: a passividade, desconhecimento e desrespeito pelos
interesses e necessidades da maioria da população. Trabalhamos apenas para uma seleta
e elitizada classe social, que se utiliza da biblioteca e do bibliotecário, com seu
consentimento e apoio, para manter seus privilégios e sua condição de dominante. O
fato é que a população -- toda ela e não apenas aquele reduzidíssimo número de
alfabetizados que freqüenta as bibliotecas -- precisa estar informada sobre todos os
aspectos que envolvem a AIDS e outras tantas doenças, principalmente as "sociais". O
fato é que os bibliotecários -- todos eles e não apenas aquele reduzidíssimo número que
está preocupado com a população -- precisam estar informados sobre todos os aspectos
que envolvem a principal doença da Biblioteconomia: absoluta ausência de função
social.
(Fonte: Publicado originalmente em: Boletim IN:FORMA, São Paulo, v.2, n.3, p.3,
jul./set. 1989 e reproduzinho em: ALMEIDA JÚNIOR, Oswaldo Francisco de.
Sociedade e Biblioteconomia. São Paulo: Editora Polis/APB, 1997)