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Os vírus são um grupo bastante complexo, diverso e fascinante, cujo estudo tem
contribuído para a evolução de áreas como a genética e a biologia molecular.
Os vírus foram descritos inicialmente como “agentes filtráveis”. Devido ao seu
pequeno tamanho, os vírus são capazes de atravessar filtros destinados a reter bactérias.
Os vírus são parasitas intracelulares obrigatórios que dependem da maquinaria
bioquímica da célula hospedeira para a sua replicação. Alem disso, a replicação dos
vírus ocorre principalmente através da montagem dos componentes individuais em vez
do processo de divisão binária. Os vírus podem existir fora das células mas numa forma
inertes.
Os vírus mais simples são constituídos por um ácido nucleico podendo ele ser
DNA ou RNA, envolto numa cápsula proteica. Os vírus são desprovidos da capacidade
de fabricar energia ou substratos, são incapazes de sintetizar as suas próprias proteínas,
e não podem replicar o genoma independentemente da célula hospedeira.
Os vírus são agentes infecciosos. Para infectar os seres humanos e outros
hospedeiros, a estrutura física e genética dos vírus foi aperfeiçoada por mutação e
selecção. Para que isto ocorra, os vírus devem ter a capacidade de suportar condições
ambientais adversas, atravessar a pele ou outras barreiras protectoras do hospedeiro,
adaptar-se à maquinaria bioquímica da célula hospedeira para replicação e devem
resistir à resposta imunológica do hospedeiro.
Após uma abordagem geral aos vírus, vamos centrar o nosso estudo nos vírus
que invadem as bactérias – bacteriófagos.
Os bacteriófagos foram observados por Frederick Twort em 1915 e por Felix
d’Herelle em 1917. Observaram que certas culturas de bactérias intestinais podiam ser
dissolvidas pela adição de filtrado obtido de águas residuais que não continha bactérias.
Considerou-se então que a lise das células bacterianas foi provocada por um vírus que
se designava por “veneno filtrável” (“Vírus” em Latim significa “veneno”).
Esquematicamente:
Ácido Nucleico
Icosaédrica
Estrutura da Cápside
Helicoidal
Vertebrados
Invertebrados
Fig.14.4 –
Classificação dos
bacteriófagos
Replicação do DNA dos Bacteriófagos: Ciclo Lítico
Depois da reprodução dos bacteriófagos dentro das células hospedeiras, muitos
deles são libertados quando a célula é destruída por lise. O ciclo de vida de um fago que
culmina com a destruição da célula hospedeira e a libertação de vírus é chamado de
ciclo lítico, e os vírus que se reproduzem deste modo são chamados de vírus virulentos.
Experiência de Crescimento num só Passo (The One-Step Growth
Experiment)
Adsorção e Penetração
• Transporte da maltose
Ácidos teicoicos Φ29 B.subtilis
Excepto a Hepadnaviridae, todos os vírus que possuem uma cadeia dupla de DNA
seguem um percurso semelhante para a síntese de ácidos nucleicos e proteínas virais. O
DNA serve como molde para a síntese de mRNA, e as moléculas de mRNA são
traduzidas para produzir proteínas virais. Por vezes depois do início da síntese de
mRNA, a replicação do DNA ocorre e mais genoma viral é produzido. Estes detalhes da
síntese de ácidos nucleicos e proteínas varia de vírus para vírus, mas todos são
desenhados para manipular a célula hospedeira para vantagem do vírus. Como exemplo
vamos usar o bacteriófago T4.
Dois minutos depois da injecção do
DNA do bacteriófago T4 na E.Coli
(hospedeiro), a RNA polimerase da E.Coli
começa a sintetizar mRNA T4. Este
mRNA é chamado de mRNA prematuro
porque é formado antes de o DNA viral
estar formado. O mRNA prematuro
direcciona a síntese de factores proteicos e
enzimas necessárias para controlar o
hospedeiro e força-lo a produzir
constituintes virais adicionais. Algumas
Fig 14.7 – Estrutura de um Bacteriófago T4
enzimas especificas de vírus degradam o
DNA do hospedeiro em nucleotidos, consequentemente ocorre a paragem da expressão
do gene do hospedeiro e providencia-se material para a síntese de DNA. Dentro de 5
minutos, a síntese de DNA viral começa. A replicação do DNA é iniciada de varias
origens de replicação e procede de forma bidireccional de cada uma. A replicação do
DNA viral é seguida pela síntese de mRNA’s maduros que são importantes em fases
posteriores de infecção.
Os T4 controlam a expressão dos seus genes por regulação da actividade da RNA
polimerase da E.Coli. Inicialmente os genes do T4 são transcritos pela RNA polimerase
do hospedeiro e pelo factor sigma. Depois de um curto intervalo, uma enzima viral
cataliza a transferência de grupos ADP-ribose do NAD para a subunidade α da RNA
polimerase. Esta modificação da enzima do hospedeiro ajuda na inibição da transcrição
de genes do hospedeiro e promove a expressão dos genes virais. Mais tarde a segunda
subunidade α recebe um grupo ADP-ribosil. Isto inactiva alguns genes T4 prematuros,
mas não antes do produto de um gene prematuro, motA, estimular a transcrição de
bastantes genes maduros. Um destes genes maduros codifica o factor sigma gp55. Este
factor sigma auxilia a RNA polimerase a ligar-se a promotores maduros e a transcrever
os genes maduros.
A regulação da expressão dos genes do bacteriófago T4 é auxiliada pela organização
do genoma do mesmo. Genes com funções que se relacionam são normalmente
agrupados. Genes prematuros e maduros são também agrupados separadamente no
genoma; eles são mesmo transcritos em direcções diferentes – os genes prematuros são
transcritos no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio e os maduros no sentido dos
ponteiros do relógio.
Uma porção considerável do genoma do bacteriófago T4 codifica produtos
necessários para a sua replicação, incluindo todas as subunidades proteicas do seu
replissoma e enzimas necessárias para a síntese de DNA. Algumas destas enzimas
sintetizam um importante componente do DNA do bacteriófago T4, hidroximetilcitosina
(HMC). HMC é um nucleótido modificado que
substitui a citosina no DNA do bacteriófago T4.
Uma vez sintetizado o HMC, a replicação ocorre
por um mecanismo semelhante ao da bactéria.
Depois de o DNA do bacteriófago T4 ter sido
sintetizado, ele é glicosilado pela adição de glucose
nos resíduos de HMC. Os resíduos glicosilados de HMC Fig 14.8 - HMC
protegem o DNA do T4 contra o ataque pelas endonucleases
da E.Coli, chamadas de enzimas de restrição, que vão clivar o DNA viral em pontos
específicos e destruí-lo. Este mecanismo de defesa bacteriano é chamado de restrição.
Outros grupos podem também ser usados para modificar o DNA do bacteriófago e
protegê-lo contra enzimas de restrição.
O genoma do bacteriófago T4 é composto por DNA linear em dupla cadeia e mostra
o que é chamado de terminal redundante, isto é, a sequência da base é repetida até cada
terminação da cadeia. Estas duas características contribuem para a formação de longas
moléculas de DNA, chamadas de concatameros, os quais são compostos por várias
unidades de genoma conectadas na mesma orientação. Isto ocorre porque as
terminações das moléculas de DNA linear não podem ser replicadas sem uma
maquinaria especial tal como a enzima telomerase observada nos eucariotas. Os
bacteriófagos T4 não têm actividade telomerásica. Portanto, cada molécula de DNA tem
uma cadeia simples 3’ terminal. Estas terminações participam na recombinação de
homólogos com regiões de dupla cadeia de outras moléculas de DNA progenitor,
gerando concatameros. Durante este processo, os concatameros são quebrados de tal
forma que o genoma que se encontra no interior da cápside seja ligeiramente mais longo
do que o do bacteriófago T4. Assim, cada vírus produzido tem uma unidade genómica
que começa com um gene diferente. No entanto, se cada genoma dos vírus produzido
fosse circular, a sequência de genes de cada vírus seria o mesmo. Portanto, o genoma do
T4 é dito permutado circularmente e o seu mapa genético é desenhado como uma
molécula circular.
Muitos fagos lisam as suas células hospedeiras na fase intracelular. A lise da E.Coli
pelo T4 ocorre após cerca de 150 partículas de vírus se terem acumulado na célula
hospedeira. Duas proteínas estão envolvidas. Uma direcciona a síntese de uma enzima
que ataca o peptidoglicano na parede celular das células hospedeiras. É chamada de
lisosima T4. Outra proteína do T4 chamada holin cria buracos na membrana plasmática
da E.Coli, permitindo que a lisosima T4 se mova do citoplasma para o peptidoglicano.
Ciclo Lisogénico
Existem fagos que se podem reproduzir de duas formas: liticamente como fazem
os fagos virulentos ou podem permanecer na célula hospedeira sem a destruir – fagos
temperados. Muitos conseguem isso pela integração do seu genoma no cromossoma da
célula hospedeira.
A relação entre um fago temperado e o seu hospedeiro é chamada de lisogenia. A
forma do vírus que permanece dentro da célula hospedeira é chamada de pró-fago e a
bactéria infectada é chamada de bactéria lisogénica. As bactérias lisogénicas
reproduzem-se e na maioria dos casos essa reprodução aparenta ser normal. No entanto,
têm duas características diferentes: a primeira é que não podem voltar a ser infectadas
pelo mesmo vírus e a segunda é que sob condições apropriadas elas lisam e libertam
partículas de fagos. Isto ocorre quando as condições dentro da célula levam o pró-fago a
iniciar a síntese de proteínas e a reunir novos vírus – processo chamado de indução. A
indução conduz à destruição de células infectadas e à libertação de novos fagos.
Outro importante resultado da lisogenia é a conversão lisogénica. Isto ocorre
quando um fago temperado induz uma mudança no fenotipo do hospedeiro. A conversão
lisogénica envolve alterações na superfície característica da célula. Outras conversões
conferem ao hospedeiro propriedades patológicas.
Vantagens da lisogenia:
Quando um fago temperado infecta uma bactéria, este deve decidir qual dos
ciclos reprodutivos vai seguir. Para explicar esta decisão vamos usar como exemplo o
fago lambda (dupla cadeia de DNA linear).
O fago lambda une-se ao seu hospedeiro e injecta o seu genoma no citoplasma,
deixando a cápside fora do hospedeiro. Uma vez dentro da célula, o genoma linear
torna-se circular quando as duas extremidades coesivas se emparelham uma com a
outra.
Muitos dos genes do fago lambda são agrupados de acordo com a sua função,
com grupos separados envolvidos na síntese da cabeça do vírus, na síntese da cauda,
lisogenia, replicação do DNA e lise celular. Esta organização é importante porque uma
vez que o genoma é circular, uma cascata de eventos reguladores ocorre, determinando
se um fago segue um ciclo lítico ou lisogénico. A regulação de genes apropriados é
facilitada pela transcrição coordenada do mesmo promotor.
A cascata de eventos que conduzem à lisogenia ou ao ciclo lítico, ou para ambos
envolve um número de proteínas reguladoras que funcionam como repressores ou
activadores. Duas proteínas têm particular importância: repressor lambda e a proteína
Cro. O repressor lambda promove lisogenia e a proteína Cro o ciclo lítico. Portanto, a
decisão de seguir lisogenia ou um ciclo lítico é o resultado da razão entre a produção
destas duas proteínas. Se o repressor lambda prevalecer, a produção de da proteína Cro
é inibida e ocorre lisogenia; se a proteína Cro prevalece, a produção de repressor
lambda é inibida e ocorre o ciclo lítico. Isto porque o repressor lambda previne a
transcrição de genes virais, enquanto que a proteína Cro faz o oposto: assegura a
expressão dos genes virais.
O repressor lambda possui
domínios globulares em cada
extremidade. Um dos domínios liga-se
a DNA enquanto que o outro se liga a
outro repressor lambda para formar
um dímero – forma mais activa do
repressor. O repressor lambda liga-se
a dois operadores, OL e OR,
bloqueando a transcrição da maioria
dos genes virais. Quando ligado a OL,
reprime a transcrição do promotor PL.
Quando ligado ao OR reprime a
transcrição de PR. No entanto, isto
Fig 14.10 – Inserção Reversível e Excisão
também activa a transcrição do
do Fago lambda
promotor cI (codifica o repressor
lambda, que por sua vez controla a sua própria síntese).
Se o repressor lambda prevalece a lisogenia ocorre e o genoma lambda é
integrado no cromossoma hospedeiro. A integração é catalizada por uma enzima
chamada integrase – produto do gene int e ocorre no local chamado att (attachment).
Um local homólogo é encontrado no genoma do fago, por isso os locais att do fago e da
bactéria podem emparelhar um com o outro. O local bacteriano é localizado entre o
operão galactose e biotina e como resultado da integração, o genoma lambda circular
torna-se num fragmento linear de DNA localizado entre estes operões. O pró-fago pode
permanecer integrado indefinidamente, sendo replicado como o genoma bacteriano.
Terapêutica
A terapêutica com fagos usa os fagos com ciclo lítico para o tratamento de
infecções bacterianas. Esta terapia é um modo alternativo ao uso de antibióticos, sendo
desenvolvido para uso clínico.
Os princípios da terapia com fagos têm aplicações não só na medicina humana
mas também na medicina dentária, veterinária, bromatologia e agricultura.
Um importante beneficio da terapia com bacteriófagos é a observação de que os
bacteriófagos são muito mais específicos que a maioria dos antibióticos que são usados.
Teoricamente, a terapia com fagos é inofensiva para a célula hospedeira sob tratamento,
e não deveria afectar a flora do hospedeiro.
Uma vez que os fagos se auto-replicam na sua bactéria alvo, apenas uma
pequena dose é suficientemente eficiente.
Os fagos têm sido usados no tratamento de infecções bacterianas que não
respondem aos antibióticos convencionais. Eles são especialmente eficazes onde as
bactérias constroem um biofilm composto por uma matriz de polissacáridos que os
antibióticos não conseguem penetrar.