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Direito das Obrigações 2006/07

O termo obrigação aparece usado na prática com diferentes sentidos. A maior parte das vezes,
a obrigação surge associada de dever.
Não é neste sentido que o art.º 397 C.C. descreve a obrigação. Nos termos deste art. a
obrigação implica antes de qualquer coisa, uma obrigação jurídica entre alguém que está
legitimado para exigir alguma coisa – credor - e, do outro lado, a pessoa que está vinculada a
uma determinada conduta destinada a satisfazer a exigência do credor.
Portanto, a obrigação consiste num comportamento que é devido no interesse de outra
pessoa.
O CC foi sistematizado na perspectiva da relação jurídica, ou seja, na perspectiva de que todos
os acontecimentos jurídicos podem ser reduzidos ao esquema da relação jurídica (sujeito
activo, passivo, objecto, facto e garantia). No entanto, segundo concepções mais recentes
seguidas hoje, a relação jurídica deixou de ser o fenómeno básico do direito e, de certo modo,
em substituição passou a utilizar-se antes o conceito de situação jurídica.
A situação jurídica, do ponto de vista conceitual, é aquilo que resulta, para uma pessoa, da
aplicação de normas jurídicas relativas a essa pessoa.
Por um lado, só as pessoas é que têm situações jurídicas, por outro lado, a situação jurídica só
pode ser individualizada no caso concreto.
Ex: quando se descreve o direito de propriedade (usar, fruir e dispor) está-se apenas a
descrever uma norma, porque só há propriedade quando alguém tem atribuído um direito
sobre uma determinada coisa. Neste caso temos a situação jurídica de alguém.
As situações jurídicas distinguem-se em: situações plurisubjectivas e unisubjectivas.
Nas primeiras estamos a considerar uma situação jurídica que envolve duas ou mais pessoas.
As segundas são aquelas que podem ser consideradas individualmente, ou seja, tendo em vista
a situação de uma única pessoa.
Ex: a situação do proprietário é unisubjectiva porque para o direito interessa apenas a situação
dessa pessoa – proprietário – ao bem, à coisa. É portanto uma situação que não depende de
mais nenhuma situação para subsistir.
Ao contrário, as situações plurisubjectivas são aquelas em que a existência da situação de cada
indivíduo depende da existência de pelo menos outra situação de outro indivíduo, como é o
caso das obrigações.
Só faz sentido dizer que alguém deve, se outro alguém tiver o direito de exigir o cumprimento
da divida. São situações simétricas, porque uma só existe se a outra, e na medida em que a
outra existir.
As situações unisubjectivas chamam-se indistintamente situação jurídica ou posição jurídica
(sendo esta preferível).
Às situações plurisubjectivas chama-se relação jurídica.
A ideia é aplicar o esquema da relação jurídica, às situações que admitem esse esquema.
Nesse esquema da relação jurídica era usual distinguir-se entre relação jurídica absoluta e
relativa:
- Absoluta: a posição activa é composta por um direito absoluto (ex. dtos personalidade,
real)
- Relativa: a posição activa é composta por direitos relativos (ex. dtos de crédito, dtos
familiares).

1 António Albuquerque – 2400030 – Direito


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Direito das Obrigações 2006/07

Neste esquema a relação absoluta implica do lado passivo a obrigação passiva universal. Ao
contrário, na relação relativa, do lado passivo existe um dever que vincula pessoas
determinadas.
É relativamente às relações absolutas que surge a afirmação/critica que as relações jurídicas
são obrigatoriamente relativas:
- Se para cada direito absoluto existe uma relação entre o titular desse direito e todas as
demais pessoas, isso significa que, nos tais direitos absolutos o núcleo da relação jurídica é
constituído pelos poderes relativos a outras pessoas e não pelos poderes relativos ao bem a
que esse direito está afectado.
Por esta razão básica, ultimamente tem-se afastado esta relação absoluta e afirma-se que os
direitos absolutos não dependem de uma relação jurídica.
Fica a relação relativa que é aquela que só existe, se existir outra situação jurídica em que
ambas se sustentem simultaneamente. É aqui que cabem as obrigações, do lado passivo – a
prestação e do lado activo – o crédito.
Posições jurídicas activas:
- Poderes elementares
- Poderes genéricos
- Direitos subjectivos
- Poderes funcionais
As posições jurídicas são as situações jurídicas unisubjectivas, ou então, há uma posição
jurídica quando se encara cada um dos lados da relação jurídica. Aqui, distinguem-se as
posições jurídicas activas e passivas.
Nas primeiras, encontramos os poderes elementares, poderes genéricos, direitos subjectivos,
e por fim, os poderes funcionais:
- Poderes elementares: são aqueles elementos da situação jurídica que não admitem
uma decomposição em elementos mais simples. Estes poderes podem fazer parte de, em
princípio, qualquer situação jurídica complexa, o que significa que os poderes elementares
podem fazer parte, pelo menos dos direitos subjectivos ou dos poderes funcionais.
Na terminologia da lei, direito e poder, são utilizados quase como sinónimos – ex. artº
1305 C.C.
Estes poderes simples distinguem-se em faculdades, que correspondem aos poderes de uso e
fruição, em geral poderes de gozo, o que significa que os direitos de uso, fruição e disposição
não são direitos mas faculdades.
Em segundo lugar, temos a pretensão, que consiste no poder de exigir uma prestação.
Em terceiro lugar, temos os poderes potestativos que consistem no poder de impor uma
sujeição de uma conduta a outro indivíduo.
- Poder genérico: são liberdades de actuação que se fundamentam no princípio da
autonomia privada ou na própria capacidade de gozo das pessoas jurídicas.
Ex. Poder de aquisição, poder de celebrar negócios jurídicos, porque são poderes
independentes de qualquer relação, seja com outra pessoa, seja com um bem.
Há quem considere que o próprio poder de disposição seja um poder genérico, no entanto,
aquele está incluído ou não no próprio direito subjectivo do qual se é titular.

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Ex. O proprietário pode dispor, porque o seu direito comporta o direito de disposição.
- Direitos subjectivos: consiste na afectação de um determinado bem aos fins de certa
pessoa. Isto implica que se tenha uma noção de bem muito ampla, ou seja, não se pode
identificar bem como coisa. Esta é apenas uma das espécies dos bens. No caso do direito de
propriedade afecta-se uma coisa aos interesses de uma pessoa. No direito das obrigações, o
que se afecta é uma prestação.
Nos direitos potestativos, o bem afectado é o efeito jurídico correspondente ou, pode-se
entender que ???????
- Poderes funcionais: são aqueles em que o titular do poder o deve exercer no interesse
de terceiro.
Tal como o direito subjectivo é um conceito complexo, por isso poder ser formado por
elementos simples de diferente natureza.
Ex. Os pais ou tutores têm poderes em relação ao incapaz, que devem ser exercidos no
interesse desse incapaz. O poder que os pais têm de anular os actos do incapaz – artº125 a)
C.C. – consiste num poder simples, um poder potestativo, que deve ser exercido no interesse
do menor. Esta característica faz que quando englobado no poder paternal, passe a ter a
natureza de um poder funcional.
A ideia é a de que os poderes elementares e os genéricos são definidos pela sua estrutura
enquanto os direitos subjectivos ou poderes funcionais são definidos pela sua finalidade. Por
isto é que uma coisa é compatível com outra.
Posições jurídicas passivas:
- Vinculação simples
- Deveres genéricos
- Obrigações (oposto dos dtos de crédito)
- Sujeições (oposto dos dtos potestativos)
- Vinculações simples: têm apenas duas espécies, que são as que se opõem às pretensões
e aos poderes potestativos.
Às pretensões corresponde do lado passivo – o débito, que consiste no dever de realizar certa
conduta.
As sujeições, são do lado activo, os poderes potestativos, mas são também as situações
passivas do ????.
Há poderes potestativos não autónomos e autónomos. De todo o modo, do lado passivo, é
sempre uma sujeição.
Nas vinculações, não se fala de uma situação oposta às faculdades, logo não há lado passivo
nas pretensões.
- Deveres genéricos: são aqueles que incidem sobre qualquer pessoa
independentemente de qualquer relação jurídica com outra pessoa.
- Obrigações: tal como os direitos subjectivos caracterizam-se por ser situações
complexas dado que podem abranger uma série potencialmente infinita de vinculações
simples ou mesmo de poderes elementares (simples). O essencial de uma obrigação consiste
no débito (vinculação simples). É possível que a pessoa obrigada tenha também poderes
simples na sua titularidade. Admitem-se as obrigações alternativas efectuando, se previsto á

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partida, prestações diferentes. Admite-se também dessa prestação, ficar ao critério do credor,
escolher a prestação.
Do carácter relativo entre direito de crédito e obrigação, decorre pelo menos uma
consequência na distinção entre crédito (obrigação) e direito.
- Nas obrigações, o objecto do direito é uma prestação, é uma actividade de outra pessoa,
o que significa que o direito de crédito está dirigido contra outra pessoa.
- Nos direitos reais, o que não está adstrito ao que deve, não é uma prestação mas uma
coisa, por conseguinte, os poderes do titular de um direito, dirigem não sobre uma pessoa,
mas sobre uma coisa.
Isto tem relevância porque existem factos jurídicos (ex. contratos), que têm simultaneamente,
efeitos obrigacionais e reais. A relevância da distinção está relacionada com os direitos
correspondentes (ex. art. 879 C.C.)
O critério da distinção entre direito real e de crédito, poderia ser feito entre uma pessoa se
não existisse os direitos pessoais de gozo (art.º 407 CC). Estes (direito do comandatário, do
locatário), são direitos que também se dirigem sobre uma coisa e, sendo assim, tal como os
direitos reais, o seu exercício não depende de uma prestação imposta a uma pessoa. Ou seja,
tanto nos direitos reais como nos pessoais, o exercício é autónomo. Por isto, a distinção tem
de se fazer por outra via, imposta por tradição jurídica: este critério corresponde à chamada
oponibilidade “erga omnes” (perante todos).

Do exercício do direito e não da titularidade do direito


Nesta perspectiva, os direitos pessoais de gozo, têm que ser submetidos ao mesmo regime dos
direitos de crédito, porque tais como nestes, os direitos de gozo não têm oponibilidade “erga
omnes”.
Significa isto que, em geral, os direitos pessoais de gozo estão submetidos aos direitos de
crédito puros, salvo quando a lei estabelece em contrário. É este o caso do art. 407 C.C.
Nos direitos reais, quando existem dois ou mais direitos sobre a mesma coisa validamente
constituídos, prevalece o que primeiro foi constituído/registado (isto chama-se direito da
prioridade).
Nos direitos de crédito, a regra, se houver vários em conflito, é de que prevalece o primeiro
que foi executado. Nos direitos pessoais de gozo, uma vez que estão submetidos ao regime
geral dos direitos de crédito, pela lógica, a regra também devia ser esta, no entanto, o art.º
407 considerou que os direitos pessoais de gozo se aplicava a regra dos direitos reais.
Eficácia externa da obrigação:
Tem-se sustentado que a obrigação pode também ter eficácia externa, ou seja, também pode
ser oponível a terceiros.
Entendendo-se que a obrigação tem eficácia externa, permitir-se-ia que o credor pudesse
actuar directamente contra o terceiro.
A opinião tradicional, é no sentido de que só em casos muito excepcionais é que o credor
pode apelar contra terceiro – ou seja, a regra é a da eficácia relativa. Neste caso, pode-se
aplicar a art. 794 C.C. (devedor) ou art. 606 C.C. (sub-rogação pessoal).
Verifica-se quando o devedor tem direitos sobre terceiros que ele não exerce, podendo o
credor substituir-se ao devedor para exigir esses direitos.

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A tese tradicional é reforçada por inúmeras situações em que o terceiro age com dolo não
permite ao credor agir directamente contra esse terceiro.
- Promessa de venda – a lei distingue consoante a promessa tem eficácia real –
art.º413C.C. – e, sendo, o problema deixa de ser de crédito para ser de direitos reais.
No caso da promessa não ter eficácia real, o credor tem apenas o direito de exigir o
cumprimento de contratar.
- Pacto de preferência – se A vende a C quando tinha um pacto com B, a renda a C
prevalece e o B só pode intentar uma acção contra A.
Se o devedor cumprir a sua obrigação perante um terceiro, isso não o liberta da obrigação
perante o verdadeiro credor, e no máximo pode pedir a restituição ao terceiro, daquilo que lhe
tinha sido “vendido” – art. 476, nº2 CC1.
A favor da tese da eficácia externa, existe uma que é o exposto no art.º 495 n3.
Esta hipótese é aquela em que por força de um facto ilícito causou a morte de uma pessoa.
Este artigo estabelece a extensão da obrigação de indemnizar os danos. O nº 3 do art. 495
estabelece que, se a pessoa que morreu tinha o dever de sustentar outra pessoa, o autor do
facto ilícito que causou a morte do obrigado, tem que reparar os prejuízos que os credores da
prestação de alimentos sofreram.
Normalmente isto explica-se (através da tese tradicional), através da responsabilidade civil e
não da eficácia externa, ou seja, o montante devido de C calcula-se não pelo prejuízo de B, mas
por ter prejudicado.
Na opinião do Prof Gonzalez, devia-se entender que, em geral, as obrigações deviam-se
entender sem eficácia externa.
Abuso de direito: a liberdade de actuação pessoal também pode estar sujeita aos limites dos
abusos do direito, ou seja, é necessário que o terceiro comprou, vendeu ou não permitiu que o
devedor cumprisse para prejudicar o credor.
Deve-se portanto considerar que a obrigação tenha eficácia externa quando a lei o imponha ou
quando haja uma actuação abusiva do terceiro.
Para que se considere que houve abuso de direito pelo terceiro, tem que se falar dos actos
emulativos – quando alguém teve um comportamento de que não tira lucros para si, e causa
prejuízos ou uma incomodidade ao credor. Implica que seja um abuso de direito subjectivo
porque tem de ter a intenção de prejudicar (o abuso de direito do art.º334 C.C. é objectivo).
A eficácia externa da obrigação pode ser entendida em dois sentidos:
1. Verifica-se quando a má fé do terceiro justifica que este não possa adquirir qualquer
direito. Neste sentido nem a lei o permite nem faz muito sentido.
2. Também se admite que a eficácia externa tenha o sentido, em que, independentemente
do terceiro com a sua actuação ter adquirido um direito ou não, é sempre responsável pelos
danos causados com essa actuação desde que tenha actuado com dolo, ou pelo menos, com
negligência.
Admitindo-se a eficácia externa, a distinção entre direitos reais e de crédito fica mais ténue,
mas ainda assim é possível distingui-los porque a eficácia externa da obrigação só surge no
caso de violação por terceiro do direito de crédito, portanto supõe uma ofensa. A

1
Nota: a palavra “Repetir” neste artigo quer dizer – obter a restituição.

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oponibilidade dos direitos reais manifesta-se mesmo sem ocorrer qualquer violação desses
direitos.
A oponibilidade nota-se mais quando há violação porque num caso desses é indiferente que
esteja ou não de má fé, o que de qualquer modo acentua mesmo ocorrendo a violação do
direito de crédito.
Outra diferença entre direitos reais e direitos de crédito situa-se ao nível da autonomia
privada. Em geral, as obrigações estão subordinadas ao princípio da autonomia da vontade, o
que quer dizer que podem ser criadas as obrigações que os particulares quiserem – art. 405
CC. Ao contrário, os direitos reais obedecem a uma tipicidade ______________ - art.º1306 nº1
CC – o que significa que só se podem criar os direitos reais previstos na lei.
É verdade, no entanto, que a lei não dá um critério para identificar os direitos reais, o que
permite que potencialmente, que todos os direitos previstos na lei, podem ser reais – isto
levado ao absurdo.
Há quem distinga entre os direitos reais e os de crédito, os direitos de crédito reforçados, ou
seja, serão aqueles direitos de crédito que tenham oponibilidade “erga omnes”. É o que
sucede com os direitos que derivam da promessa com eficácia real e os direitos de
preferência.
A obrigação implica uma relação jurídica entre o titular do direito de crédito – sujeito activo – e
o titular da obrigação – sujeito passivo. Esta distinção é muito redutora porque na
generalidade das relações jurídicas obrigacionais, existe um conjunto de poderes e deveres
incluídos tanto na posição activa como na passiva. A este propósito faz-se uma distinção entre
deveres principais ou secundários (que resultam de negócios jurídicos – convenção – porque
quando são as que derivam da lei, não interessa fazer distinção entre principais / acessórios).
As obrigações principais resultam tipicamente do facto jurídico que gerou essa obrigação. Ex:
num contrato de compra e venda, são obrigações principais a entrega da coisa e o pagamento
do preço.
As obrigações secundárias ou acessórias distinguem-se em:
a) Deveres acessórios
b) Deveres substitutos ou complementares
c) Deveres derivados das operações de liquidação de uma relação jurídica
a) Deveres acessórios
São aqueles que têm em vista assegurar ou preparar o cumprimento das obrigações principais.
Ex. Na compra e venda, o vendedor tem obrigação de esclarecer o comprador do
posicionamento do aparelho.
Estas obrigações derivam do princípio da boa fé objectiva e, por conseguinte, não se
conseguem enumerar porque dependem do caso concreto.
Estes deveres acessórios implicam relações jurídicas de crédito porque o comprador
tem também o direito de exigir o cumprimento destas obrigações.
b) Deveres substitutos ou complementares
São os que surgem em virtude do incumprimento ou do seu cumprimento defeituoso. No
primeiro caso, normalmente dá origem ao dever de indemnizar a obrigação principal/inicial.
No caso do cumprimento defeituoso, temos de partir do princípio que, apesar da deficiência
na prestação, o credor aceitou porque, neste caso o credor podia recusar a aceitação.

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Aceitando, como há defeitos, surge a obrigação de o devedor reparar esse defeito na medida
do possível. Num caso destes, a obrigação de reparar é complementar.
As obrigações substitutivas derivam da própria lei.
c) Deveres derivados das operações de liquidação: as operações de liquidação são aquelas
que têm a finalidade de colocar a situação de harmonia com as normas jurídicas o que implica
uma relação jurídica.
O Prof Antunes Varela, além das obrigações principais e secundárias, ainda distingue os
deveres de conduta, que só se definem por exclusão de partes e sem o qual as obrigações não
podem ser cumpridas. São deveres que têm em vista permitir a execução de um contrato. Ex:
o arrendatário tem o dever de avisar o senhorio que é necessário fazer obras urgentes.
São obrigações que não se integram nas anteriores.
Resumo:
A obrigação em geral, implica uma relação jurídica complexa em que, tanto do lado activo
como do passivo, surgem imensas relações jurídicas e, por outro lado, a posição de cada
sujeito pode ser simultaneamente activa e passiva dado que, normalmente, as obrigações
incidem sobre ambas as partes. O que significa que a própria distinção entre credor e devedor
só se pode fazer em cada relação jurídica concreta.
ELEMENTOS DA RELAÇÃO JURÍDICA:
A relação jurídica implica determinados elementos. Tradicionalmente são:
a) Sujeitos Activo
Passivo
Os sujeitos são os elementos entre os quais se estabelece a relação intersubjectiva.
Objecto – imediato – conteúdo da relação jurídica, ou seja, o conjunto de direitos e deveres
que derivam da relação jurídica.
Numa relação jurídica de crédito, o objecto imediato é sempre uma prestação. Quando se diz
que o objecto imediato pode, contudo pode utilizar-se apenas o termo objecto.
- Mediato – o bem ao qual a relação jurídica se reporta
b) Facto jurídico: é o que dá origem á relação jurídica e, ao mesmo tempo, o que dá
conteúdo a essa relação jurídica.
No caso das obrigações, segundo a classificação da lei, os factos que podem dar origem a
um facto, são o contrato, negócios unilaterais, gestão de negócios, enriquecimento sem causa.
O primeiro resulta da autonomia da vontade e os restantes resultam da lei.
c) Garantia: Segundo a versão tradicional, a garantia é a possibilidade de obter o
cumprimento coactivo da prestação, o que significa que faltando este elemento, a garantia
jurídica não existe, é imperfeita.
O esquema da relação jurídica serve para enquadrar os direitos relativos – direitos que
dependem de uma situação passiva imposta a outra pessoa.
Na relação jurídica entre credor e devedor costuma apontar-se em relação aos sujeitos o
seguinte:
- Admite-se que relação jurídica exista, mesmo que o credor não esteja ainda
determinado, mas seja pelo menos determinável – art.º511 C.C.

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- Ao contrário, retira-se que no critério da lei, o devedor tem que estar determinado á
partida. Se o credor nem sequer for determinável, ou seja, não existir um critério negocial que
permita identificar o credor, o negócio jurídico será nulo pelo próprio artº511 C.C.
Normalmente apontam-se dois grupos de situações em que o credor pode não estar
determinado:
1) Casos em que a determinação do credor depende da verificação de um facto futuro e
incerto (não tem de ser necessariamente uma condição).
Ex: promessa pública – art.º459 CC. Nesta situação o autor do negócio unilateral promete,
por exemplo um determinado prédio a quem se encontrar numa certa situação. Se isso for
feito segundo as formalidades do art.º 459 C.C., existe logo uma obrigação imposta ao que
prometeu e o correspondente direito de crédito, só que actualmente, não existe credor ou,
pelo menos, não se sabe quem ele é, dado que não se sabe se alguém irá encontrar nessa
situação.
2) Casos em que a pessoa de credor é determinada através da titularidade de um outro
direito ou, pelo menos, por força de o credor se encontrar em certa situação.
Ex: títulos de crédito ao portador. Nestas circunstâncias o credor (pessoa que pode
descontar o cheque) é determinado indeterminadamente, o que significa que, se porventura,
não existir nenhum portador actual, existe na mesma obrigação, e continua a existir direito de
crédito apesar de não existir para já nenhum credor.
Ao admitir-se a possibilidade de existir direito de crédito sem credor, tem que se admitir
também as relações jurídicas imperfeitas por falta de um dos sujeitos, ou pelos menos admitir
que existem direitos sem sujeitos, titulares sem direitos, etc.
Este ponto tem algumas implicações, como: se o direito já existe sem credor, os credores
do que fez a promessa já podem proceder à impugnação, já que já existe um acto susceptível
de prejudicar o autor – art. 610 CC.
Na opinião do Prof não faz sentido falar de obrigação sem que haja alguém que exija o seu
cumprimento, isto com base na própria definição legal – art. 397 CC. Por isto, o Prof diz que
nas situações do art.º511 C.C. a obrigação está pendente da verificação de uma condição, o
que significa que a obrigação se constituirá se o credor passar a existir. Antes disto, há apenas
a possibilidade da obrigação vir a existir.
Existe ainda uma outra possibilidade de o sujeito activo não ficar imediatamente
determinado que é o que se verifica nas obrigações que surgem associadas á titularidade de
direitos reais. Ex: obrigação dos condóminos participarem nas despesas do condómino. Nestas
circunstâncias tanto o credor como o devedor são determinados pela titularidade de um
direito real. Considera-se que o sujeito activo e passivo não são indeterminados, acontece é
que se recorre á titularidade de outros direitos para os determinar, portanto pode-se falar de
uma relação jurídica.
Acontece neste caso que falta a chamada autonomia, i.e. a obrigação não existe por si
própria, existe como acessório de outra relação jurídica. Isto implica algumas especialidades
quanto ao regime jurídico, mas o regime é o geral.
OBJECTO MEDIATO – Prestação
As prestações distinguem-se em:
1) De facto positivo – são aquelas que impõem ao devedor a obrigação de realizar um
determinado comportamento activo.
1 a) Dare – são as prestações que implicam a entrega de uma determinada coisa.

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1 b) Facere – são as que implicam a realização de um determinado serviço que não


consista na entrega de uma coisa. A especialidade que justifica a distinção, está relacionada
com a possibilidade de impor coercivamente a obrigação, dado que o processo e modo de
obter a prestação não pode ser o mesmo para as prestações de dare e de facere.
Para as primeiras, se o devedor não a realiza, basta o tribunal apreender e dar ao credor.
Nas segundas, já não pode ser assim.
2) De facto negativos – são aquelas que impõem a obrigação de realizar um
comportamento omissivo.
2 a) Non facere – estas impõem ao devedor a obrigação de omitir qualquer comportamento
que possa ofender / prejudicar o credor. Ex: obrigação de não concorrência.
2 b) Pati (tulerar) – estas verificam-se quando o devedor está obrigado a aceitar a
intromissão do credor na sua esfera jurídica. Nestes casos, o essencial não é omitir mas
sujeitar-se àquela intromissão. Ex: servidões de passagem.
 PRESTAÇÕES FUNGÍVEIS VS. INFUNGÍVEIS
Fungível – quando as qualidades pessoais do devedor não são essenciais para o cumprimento
da obrigação.
Infungível – quando as qualidades pessoais do devedor são essenciais para o cumprimento da
obrigação.
A relevância da distinção é importante para os casos de incumprimento. Quando a prestação é
infungível (ex. escrever um livro), a substituição do devedor não se pode verificar e, por isso,
em geral, há impossibilidade do credor exigir a reparação dos danos causados pelo
incumprimento.
Juntando as duas distinções temos o chamado “regime de execução especifica” – art.º 827 a
829-A C.C.
O credor pode exigir judicialmente que a coisa seja apreendida e penhorada e entregue ao
credor – execução por entrega de coisa certa.
Quanto às prestações de facto, que não consistam na entrega de uma coisa e quando o
devedor esteja sujeito à entrega de uma prestação fungível, o credor pode exigir que o facto
seja prestado por outra pessoa á custa do devedor.
Se a prestação for de facto positivo (facere), mas seja infungível, a única possibilidade de
execução específica é prevista no art.º 829-A, que permite a chamada sanção pecuniária
compulsória. A finalidade é obrigar o devedor a cumprir à custa do seu património. De todo o
modo não é execução específica porque se o devedor preferir cumprir a sanção pecuniária
ninguém o pode obrigar a cumprir.
Se for uma prestação de facto negativo, a lei só prevê a hipótese de a prestação a que o
devedor está obrigado ser a omissão de fazer certa obra, ou seja, o credor pode exigir a
demolição da obra á custa do devedor – art. 829, nº 1 CC – ou seja, é uma prestação de facto
negativo fungível.
Outra prestação de facto negativa qualquer, só pode ser “executada” por sanção
compensatória. No máximo, algumas prestações de facto negativas análogas à do art.º 829
C.C., podem também ser executadas por analogia.

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 PRESTAÇÕES DURADOURAS VS. INSTANTÂNEAS


Instantâneas – são as que concluem o contrato imediatamente após a execução dessas
prestações e, portanto, os efeitos do contrato cessam no instante em que as prestações são
executadas (ex. contrato compra e venda a pronto pagamento).
Duradouras – são reiteradas no tempo e levam a que os efeitos do facto de que resulta a
obrigação perdurem no tempo (ex. contrato de locação, de trabalho).
Dentro destas distinguem-se:
- Continuadas – são as que a prestação se efectua permanentemente (esta teoria já
está afastada). Ex: trabalhador no contrato de trabalho.
- Periódicas – são as que se vencem reiterada e periodicamente. Ex: prestações da
entidade patronal ou do arrendatário são periódicas, porque se vencem reiteradamente e com
intervalos certos.
O principal aspecto de relevância da distinção é que, em geral, a distinção do negócio do qual
derivam a prestação continuada ou periódica não tem eficácia retroactiva – art. 437 CC.
Tratando-se da prestação instantânea, a destruição do negócio tem eficácia retroactiva.
As prestações duradouras distinguem-se, no seu conjunto, das prestações fraccionárias – são
aquelas que segundo o tipo do negócio jurídico seriam instantâneas, mas que por cláusula
foram fraccionadas no tempo. Ex: pagamento do preço de uma compra e venda a prestações.
Nestes casos, aplica-se o regime das prestações instantâneas e em caso da destruição do
negócio há eficácia retroactiva – art.º 934 e 936 CC.
Numa prestação fraccionada, á partida só se sabe se ela é fraccionada, se for uma prestação
pré-determinada, ao contrário da periódica.
 CONTEÚDO DA PRESTAÇÃO:
Tradicionalmente apresentava-se como característica da prestação o seu carácter patrimonial,
ou seja, só poderia ser objecto de prestação a prestação monetária ou, pelo menos,
monetariamente avaliável.
A questão que se levantava era a do critério de avaliação desse carácter patrimonial: para uns
seria o interesse do credor, para outros a própria prestação.
De todo o modo, essa discussão, no seu sentido literal, está afastada pelo art.º 398, nº2 C.C. 2
- “... A prestação não necessita de ter valor patrimonial”. Além disso, a lei admite hoje a
possibilidade de serem ressarcidos os bens não patrimoniais, o que significa que – art.º 496
C.C. – pelo menos ao nível da responsabilidade civil se admitem obrigações cujo objecto tem
em vista atribuir uma compensação que em si mesmo não é susceptível de avaliação
monetária.
O art.º398 C.C., acrescenta, no entanto, que a prestação mesmo não pecuniária deve, por um
lado, corresponder a um interesse do credor, e, por outro lado, esse interesse deve ser
merecedor de tutela jurídica.
Em relação ao segundo aspecto, a prestação é merecedora de tutela jurídica quando se
entenda que o direito deve intervir para proteger o interesse do credor. Daqui decorre que
aquelas actuações normais na vida social que não são vinculativas do ponto de vista jurídico
não merecem protecção legal porque estão fora do âmbito jurídico. Isto está viciado á partida

2
Apenas a parte inicial do artigo

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porque diz que não é merecedor de tutela jurídica o que não é jurídico e o problema é
exactamente saber o que é jurídico.
O problema que o art.º 398 C.C. levanta é saber qual o critério de distinguir o âmbito de
jurídico do não jurídico. O convite para jantar não é jurídico, mas não seria chocante admitir a
possibilidade, de, no caso concreto, aceitarem na submissão daquela situação ao direito.
O âmbito do jurídico não pode ser definido pela vontade das partes e nem só pela lei.
Entendendo-se que, “digno de protecção legal” implica coacção, leva a admitir que as
obrigações naturais não são jurídicas (porque não são dignas de protecção legal). O Prof
acredita que estas obrigações naturais são jurídicas porque são juridicamente tuteladas
(embora de maneira diferente, ou seja, estas não são protegidas pela execução especifica).
Resumindo: o direito de crédito de uma obrigação natural é um direito tutelado, mas não da
mesma forma nem com a mesma intensidade.
Este critério de dignidade de protecção legal não é exclusivo das obrigações.
 NATUREZA DA OBRIGAÇÃO
A natureza jurídica da obrigação está relacionada com a concepção da obrigação. No direito
romano, o credor tinha um direito de propriedade sobre a pessoa do devedor, o que significa
que no caso de incumprimento o direito de crédito não seria um direito pessoal, mas um
direito real, dado que o credor em caso de incumprimento tornava-se dono do devedor
(escravo).
1ª Tese:
Isto serve para explicar uma das teses propostas que é aquela que concebe a obrigação como
um direito do credor sobre a pessoa do devedor no sentido de que incide sobre o devedor mas
só sobre a prestação devida, ou seja, o credor é proprietário da actividade que o devedor está
obrigado a efectuar. Isto não se pode levar á letra, mas o que se pretende é que desta forma a
liberdade do devedor no que respeita ao cumprimento dessa prestação não existe (a
liberdade).
No entanto, quer se queira ou não, o devedor tem a liberdade de cumprir ou não, sabendo
que se não cumprir acarreta responsabilidade civil e por vezes penal, porque é ilícito. Mesmo
assim, o devedor tem a opção de não cumprir.
Para fazer valer esta tese tinha que se arranjar uma maneira de conseguir (teoricamente) fazer
o devedor respeitar exactamente da forma que se compromete (ex: na execução especifica do
contrato promessa porque a sentença substitui em todos os efeitos o contrato que não foi
celebrado ilicitamente, logo isto consegue-se alcançar).
Por outro lado, a possibilidade factual que o devedor tem de não cumprir – liberdade de não
cumprir – não pode ser eliminada porque implicaria uma limitação á liberdade pessoal
excessiva, a qual não é permitida pela CRP – art.º 18.
A liberdade pessoal segundo a CRP - art. 27, nº 1 – são direitos, liberdades e garantias, que só
podem ser restringidas pela lei nos casos previstos na CRP e de qualquer modo desde que não
se afecte o chamado conteúdo essencial do direito, liberdade e garantia. O art.º 18, nº3 CRP,
proíbe que as restrições mesmo quando admitidas por lei, não podem atingir o núcleo básico
do determinado por lei.
A CRP proíbe que as obrigações, ou seja, as prestações das obrigações incidam sobre a pessoa
do devedor, mas só sobre o seu património.

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2ª Tese
Nesta, o crédito configura-se como um crédito do credor sobre os bens do devedor.
A ideia é de que, quando o devedor não cumpre, o credor pode decorrer á acção para executar
o património do devedor e este – art.º 601 C.C. – constitui a garantia geral dos credores, o que
significa que qualquer credor tem o poder de penhorar e executar bens do devedor.
Significa isto que, quando se executa, o credor tem um poder directo e imediato sobre os bens
do devedor e portanto, o direito do credor acaba por ser um direito real sobre o património do
devedor.
Esta tese levanta logo uma crítica: isto só é verdade depois de verificado o incumprimento
para que o credor possa executar, o que significa que antes do incumprimento esta tese não
serve para explicar o direito de crédito. Por outro lado, mesmo aceitando configurar o direito
do credor como um direito real sobre os bens do devedor, esta tese mostra-se impossível,
porque para haver direito real é pelo menos necessário que exista uma coisa certa e
determinada sobre a qual incida um direito a que se chama real. No caso do direito do credor
sobre os bens do devedor, esse direito incide sobre o património do devedor. O património
não é uma coisa, dado que a sua composição varia de instante para instante. Por isto, ou seja,
por o património ser indefinido a sua execução pelo credor implica a penhora dos bens,
porque é nesta fase que o património do devedor vai ser identificado. Este direito real – a
penhora – é apenas instrumental para obter o cumprimento.
3ª Tese: tese do débito e da responsabilidade
Esta tem parecenças coma anterior e é dominante em muitos países, tendo alguma
repercussão em Portugal.
Nas relações obrigacionais deve distinguir-se o aspecto da relação especial credor-devedor do
aspecto da garantia de que o credor dispõe relativa ao cumprimento da obrigação.
Na relação pessoal credor-devedor, o que existe é uma dívida de uma pessoa para com outra,
mas esse débito origina, do ponto de vista do credor, apenas uma expectativa de
cumprimento, ou seja, o credor apenas espera que o devedor cumpra, e essa expectativa nem
sequer é uma expectativa jurídica, porque não tem tutela.
Existe outra coisa, que não tem de ser cumulativa, e que é a responsabilidade, em que o
credor tem a possibilidade de executar os bens da pessoa que está em dívida.
Na generalidade dos casos a dívida e o crédito andam associados, mas não há uma
necessidade da dívida implicar uma responsabilidade e vice-versa. Ex.: nas obrigações naturais
em que o credor não tem o poder de exigir, existe dívida mas não existe responsabilidade. Ao
contrário, nas garantias reais, constituídas por terceiro ou por fiança, existe responsabilidade
sem existir débito.
A crítica principal está no débito e não na responsabilidade, porque quando se diz que o credor
apenas tem uma expectativa de facto (não jurídica) está-se a distorcer o essencial da própria
obrigação. O essencial do crédito, do poder do credor, consiste na pretensão, ou seja, no
poder de exigir um determinado comportamento ao devedor. A responsabilidade é importante
mas secundária, porque não se pode partir do princípio que as obrigações não são cumpridas.
A tese que domina entre nós é de que nas obrigações existe uma obrigação pessoal entre
credor e devedor. Essa relação é estruturalmente configurada através de uma atribuição de
pretensão ao credor e o da correspondente divida ao devedor, por isso, o essencial do poder
do credor consiste na possibilidade de exigir uma determinada conduta de outra pessoa. O
poder de execução é apenas um prolongamento de pretensão original, prolongamento esse
que se destina a garantir ao credor, na medida do possível, a efectividade da sua pretensão. Só

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muito dificilmente é que a realização coactiva da prestação consegue satisfazer o interesse do


credor da mesma maneira que a realização voluntária da prestação.
A realização coactiva da prestação é um efeito sucedâneo e, como tal, só consegue satisfazer o
interesse de uma forma menos perfeita. Isto só não acontece quando a prestação é para
entrega de coisa certa – art.º 826 – mas mesmo assim haverão os problemas de mora da
execução.
 FONTES DAS OBRIGAÇÕES
O CC organizou o livro das obrigações seguindo o esquema das fontes: contratos – art.º 405 e
ss., negócios unilaterais - art.º 457 e ss., gestão de negócios – art.º 464 e ss., enriquecimento
sem causa – art.º 473 e ss, e responsabilidade civil – art.º 483 e ss.
 Contrato
Negócio jurídico bilateral, ou seja, é o acto jurídico através o qual duas ou mais pessoas
regulam as relações entre elas.
Supõe-se, antes de mais nada, que no contrato existem pelo menos duas partes, por
conseguinte pressupõe-se que cada pessoa representa uma parte. Esta definição de parte é
por intuito fácil de definir, mas na prática torna-se problemático: tradicionalmente identifica-
se parte pela igualdade de interesse, ou seja, constitui uma parte a pessoa ou pessoas que
tenham um interesse comum. Significa que, na prática, para existirem duas partes tem de
haver um conflito de interesses. Ex.: no negócio de constituição da associação pretendem
todos os sócios essa constituição, no entanto, cada um deles tem um interesse próprio. O
interesse é um interesse abstracto e não se vai estudar o interesse concreto. O interesse
pressupõe-se.
O que interessa salientar é que esta concepção tradicional implica que as partes celebrem um
contrato através de declaração, ou seja, no contrato, seguindo o esquema formal, cada parte é
autora de uma declaração. Por consequência, no entendimento tradicional o conceito de
contrato torna-se bastante restrito e é por isto que surgem as relações contratuais de facto.
Existem uma série de contratos ou situações em que estão presentes duas partes com
interesses contrapostos em que falta a declaração no sentido formal do termo (declaração
como comunicação). Ex.: contrato para estacionar o carro no parque.
Nestes casos falta a declaração no sentido formal do termo, e como não cabem na definição
tradicional do contrato foram designadas por relações contratuais de facto.
Hoje em dia, já se admite que, para haver contrato tem que haver declaração, mas esta não
tem que ser solene, basta que essa declaração demonstre uma determinada
intenção/finalidade. Sendo assim, não é exigível que a declaração seja expressa, pode ser
tácita, visto que o CC considera equivalente os dois tipos de declarações – art. º 217 CC.
Com este entendimento, a categoria das relações contratuais de facto, deixam de fazer sentido
e podem-se considerar verdadeiros contratos.
Segundo o CC, os contratos em geral estão subordinados a determinados princípios:
 Princípio da autonomia da vontade (ou principio da liberdade contratual) – art.º405
CC
Esta liberdade implica pelo menos dois aspectos:
1) Liberdade de celebração
Esta liberdade contratual tem limitações quanto ao nível da celebração:
a) Limitações negociais

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Decorrem da existência de um negócio jurídico anterior que obriga à celebração de um


negócio jurídico posterior. Ex.: Contrato-promessa
b) Limitações legais
Estas distinguem-se em duas situações: aqueles casos em que a própria lei impõe a celebração
do negócio (ex.: contrato de seguro obrigatório); e os casos em que potencialmente existe
liberdade de celebrar um contrato mas em que num caso concreto um dos contraentes tem
uma situação de monopólio em que o obriga a celebrar porque senão estaria a abusar da sua
situação (ex.: uma farmácia única numa determinada região, que não poderia
excepcionalmente recusar-se a vender porque iria contra o art.º 334).
2) Liberdade de estipulação
Em relação às limitações de liberdade de estipulação decorrem das cláusulas contratuais gerais
e dos contratos de adesão.
As cláusulas contratuais gerais são as que em cada contrato irá ter todas as mesmas cláusulas.
Os contratos de adesão são aqueles em que independentemente de à priori terem sido
impostas clausulas, são aqueles que não admitem estipulação imposta por uma das partes à
outra parte, que aceita ou não.
Na maior parte dos casos os contratos de adesão são um conjunto de clausulas pré-definidas.
3) Selecção de selecção de escolha do tipo negocial
 Princípio do consensualismo ou consentimento – art.º 408, n.º1
Diz respeito aos contratos que tenham por efeito a aquisição derivada, constitutiva ou
translatícia de direitos reais.
Segundo o modelo tradicional o contrato só tem efeitos obrigacionais, portanto, dá origem a
relação jurídica de crédito entre os contraentes, o que significa que, quando com base no
contrato se pretende adquirir o direito sobre uma coisa, é necessário um acto distinto do
contrato, embora fundamental, para que a aquisição desse direito possa suceder. Ex.: quando
A vende a B, a venda só por si não transmite o direito sobre a coisa, é necessário um acto
posterior que consiste, em geral, na entrega da coisa. Isto é, a entrega e o negócio obrigacional
são cumulativos para B ser o titular do direito real. No rigor, nestes casos, a causa da aquisição
nunca é contratual sendo o contrato apenas o fundamento da entrega.
Entre nós o contrato dá origem a efeitos de natureza real e natureza obrigacional, o que
significa que numa compra e venda a constituição do direito se produz no instante da
celebração do contrato.
Quando se diz que um contrato tem eficácia real isto só.....
Por um lado, neste sistema o risco corre por conta do proprietário – art.º 796, n.º1 -, por outro
lado, o adquirente pode defender-se através das acções de um direito real ou por acções para
defesa do crédito.
Entre nós o registo não interfere directamente com os efeitos contrários, por isso é que o
registo não é obrigatório, salvo nos casos em que um terceiro registe uma situação
incompatível com a situação daquele pessoa que não registou.
Fala-se também de contratos reais num segundo sentido, que são contratos reais quanto à
constituição. São os contratos em que a aquisição do direito, real ou não, supõe o contrato
mas supõe também a entrega da coisa, só que a entrega não é uma questão de execução do
contrato mas de perfeição, isto é, enquanto não se faz a entrega o contrato não está

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completo. Ex.: art.º 669, 947, n.º 2, 1121, 1142 e 1185 CC. Nestes casos todos, enquanto não
se faz a entrega, o contrato não existe porque o direito não se transmite.
Há quem entenda, pelo princípio da autonomia da vontade, que podem ser celebrados
contratos reais quanto à constituição sem entrega da coisa para perfeição do contrato em
termos da entrega não ser requisito de perfeição.
A regra de que o contrato é suficiente para promover a aquisição derivada de um direito real
sofre dos chamados desvios e excepções, i.e., existem situações em que não basta o contrato,
e é necessária ainda a verificação de outro facto para que se verifique a tal aquisição derivada
de direitos reais.
Esta terminologia (desvios e excepções) não se encontra nos manuais porque, quando não se
verifica a regra do consentimento, chamam excepção a tudo. No entanto, nós utilizamos
porque há situações em direito real que supõe a entrega da coisa. Só nestes casos é que temos
verdadeiramente uma excepção, porque só nestes casos é que a lei regula exactamente ao
contrário ao regime geral (que é o do consentimento).
Temos também o regime dos desvios que se definem por exclusão de partes, ou seja, é desvio
o que não é por regra nem excepção, e isto abrange os casos do regime geral constitutivo e,
em geral, abrange as situações do art.º409 CC. No caso em que a lei tenha instituído o regime
predial constitutivo, o direito real só a constitui quando, para além do contrato, tenha sido
efectuado o registo predial desse contrato (ex. hipoteca art.º 687 CC). Os casos do art.º 408 CC
abrangem os contratos relativos a coisas futuras, coisas determinadas, frutos naturais, coisas
integrantes ou componentes.
Em todos estes casos, o contrato tem por objecto uma realidade que ainda não é coisa, e os
contratos sobre coisa futura só podem produzir efeitos quando a coisa se torna presente (ex.
quando se vende um andar de um edifício em construção é evidente que a propriedade sobre
o andar ainda não existe pelo simples facto de que a coisa ainda não existe).
No que respeita aos frutos naturais, coisas componentes ou integrantes, temos de supor que
são frutos que ainda não foram colhidos e coisas componentes ou integrantes que ainda não
foram separadas, ou seja, a ideia é a mesma – coisa futura.
Estes desvios – art.º 408, nº2 CC – são impostos pela própria lei. Existe também a possibilidade
de estabelecer um desvio ou uma excepção ao princípio do consensualismo por força do
próprio contrato, ou seja, pela vontade das partes. É o que se passa com o art. º 409 CC.
A reserva de propriedade – art.º 409 CC – é uma cláusula que pode ser inserida nos contratos
de alienação, através da qual o alienante suspende, pelo menos, o efeito real do contrato,
produzindo-os em geral efeitos obrigacionais.
A finalidade da cláusula é garantir o render, ou seja, é uma garantia de pagamento. B
enquanto não pagar o preço a A, não tem a propriedade.
Na medida em que a reserva está apenas a ser utilizada como garantia, não faz sentido que a
coisa seja entregue antes do pagamento do preço.
O proprietário, de um ponto de vista formal, é o alienante, entendendo, tanto na prática como
da função da reserva de propriedade, o A entrega a coisa a B. O B no máximo tem a posse sem
o direito correspondente.
O Prof discorda de, em geral se entender que a coisa deve ser, imediatamente entregue, e o
alienante entrega porque te interesse nisso mas também fim, nesse caso, sujeito ao risco do
usufruto do B.

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Nesta situação típica da reserva de propriedade, há um desvio porque a aquisição de


propriedade pela B não depende da entrega da coisa – art. º409 CC. As partes podem
clausular, no entanto, que a propriedade só a transmite com a entrega da coisa e, neste caso,
temos a excepção, só que instituída por via contratual – art.º409 CC (parte final).
 Principio da força vinculativa
O contrato, quando tem efeitos obrigacionais, constitui a lei interna das partes, e portanto, as
partes estão vinculadas ao cumprimento daquilo que estas celebram para si próprias. No
fundo, é contrário do princípio da autonomia da vontade.
Há quem sustente que o contrato é fonte de direito, só que direito para o caso concreto.
No CC este princípio aparece no art. º 406, nº1 CC (primeira parte).
Este princípio desdobra-se em dois outros princípios que também constam do art.º 406:
a) Princípio da estabilidade dos contratos – art.º 406 CC (2ª parte)
Significa que o que foi contratado não pode ser modificado ou extinto unilateralmente, salvo
os casos em que a lei ou o próprio contrato atribua a uma das partes o direito de colocar um
termo no contrato ou de o modificar.
Ex: quanto á extinção temos os casos de revogação, resolução, denúncia, caducidade e
rescisão. Na modificação temos por exemplo, a modificação dos negócios usurários (art.º 283
CC) ou a modificação por alteração das circunstâncias (art.º 437, nº2 CC).
A ideia nestes casos é de que uma das partes tem o poder potestativo de modificar ou
extinguir.
b) Princípio da relatividade dos contratos – art.º 406, nº2 CC
Significa que o contrato em geral só tem efeitos pelo menos obrigacionais entre as partes e,
por isso, não pode vincular terceiros, dado que estes não participaram no contrato.
Há quem considere que, quando no contrato, além dos efeitos obrigacionais, existem efeitos
reais, quando transmita ou constitua um efeito real, o contrato produz efeitos para terceiros,
dado que pode ser renovado contra pessoas que participaram nesse contrato.
Por outro lado, no aspecto do contrato constituir um direito para terceiros – sem obrigações
nem vinculações – está previsto, no art 443 e ss CC. O contrato a favor de terceiros é uma
designação que se dá aos contratos em que o respectivo beneficiário não é parte, ou seja, é
terceiro.
Ex: X faz um seguro de vida com a seguradora Y no benefício de W caso K morra.
A pessoa que se comprometa a efectuar a prestação – o obrigado – tem a designação de
promitente; a pessoa com quem foi contratada essa obrigação é o promissário; e o terceiro é o
beneficiário.
Nota:
Não há nenhum tipo contratual que se designe contrato a favor de terceiros, apenas se usa um
certo tipo de contrato que beneficie um terceiro.
O art.º 443, nº2 CC, admite outras possibilidades de contrato a favor de terceiros:
- Por contrato se atribuir um direito real a um terceiro.
Ex: X doa a Y com a obrigação deste permitir a K o usufruto.

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Como resulta da própria definição, o terceiro adquire um direito por força de um contrato
celebrado por outras pessoas, segundo a doutrina dominante e o art.º 444, nº1 CC. O terceiro
adquire o direito independentemente da aceitação, ou seja, automaticamente.
O que o art.º444 CC quer transmitir é que o terceiro adquire o direito independentemente da
sua aceitação mas, no entanto, entende-se que ninguém pode impor a aquisição de um
direito. Além disso, a lei entende que o terceiro não tem de aceitar – indo isto contra um
princípio do direito civil – e obriga o terceiro, se não o quiser aceitar, tem que o rejeitar,
impondo no mínimo uma actuação para essa rejeição.
A aceitação serve só para impedir a revogação de um contrato, ou seja, quando um contrato
tem efeitos que beneficiem terceiros, o promissário pode revogar o contrato, pondo-lhe fim,
excepto se houver declaração no contrato em sentido contrário ou se o 3º aceitou o benefício
– art.º 448, n.º 1. A relevância da aceitação – a lei chamou-lhe adesão – de 3º é que ele
adquire sempre, mas se ele aceitar ele está absolutamente certo que adquire, porque caso
contrário está numa situação incerta.
A adesão – art.º 447, n.º 3 – tem de ser declarada tanto em relação ao promitente como em
relação ao promissário, e a rejeição faz-se ao promitente ficando este com a obrigação de
transmitir ao promissário.
 CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO
Em geral – art.º 444 – o cumprimento da obrigação assumida pelo promitente pode ser exigida
tanto pelo 3º como pelo promissário. Neste último caso admite-se que o contrato a favor de 3º
contenha clausula que impeça o promissário de exigir o cumprimento.
Na situação do art.º 965 pode ser exigido pelo promissário ou por qualquer interessado (ou
seja, quer não seja promissário nem 3º).
A obrigação também pode ser exigida, no caso do art.º 445, pelas chamadas entidades
competentes, quando a prestação tenha sido estabelecida no interesse público ou pelo menos
a favor de um número indeterminado de pessoas.
A prestação ao terceiro decorre de um contrato entre promitente e promissário. A este
contrato chama-se relação de provisão, porque é esse contrato que dá cobertura à prestação a
favor de terceiro. Por outro lado, entre promissário e 3º, a relação que existe tem a designação
de relação de valuta – relação que explica a concessão ao terceiro daquela prestação.
A ideia que resulta da lei – art.º 1449 – é que o promitente pode utilizar contra 3º apenas os
meios de defesa que resultam da relação de provisão e, portanto, não aqueles que resultam da
relação de valor (no fundo, a ideia é de que esta relação é completamente estranha ao
contrato a favor de 3º).
Em princípio, os direitos e deveres resultantes do contrato a favor de terceiro, são objecto de
sucessão, no entanto o art.º 446, n.º 1, impede nesse caso os herdeiros do promissário de
modificar o conteúdo do contrato ou de disporem desse contrato no sentido de cessar ou de
extinguir esse contrato.
 CONTRATO PARA PESSOA A DESIGNAR
(ART. º 452 E SS.)
Estes contratos constituem um desvio à eficácia relativa.
Este contrato verifica-se quando na celebração de um contrato, salvo os que tenham natureza
puramente pessoal ou os que sejam essenciais a determinação dos contraentes, celebrado por
uma pessoa que salvaguarda a possibilidade de nomear outra pessoa que irá assumir a posição
contratual do contraente originário. Isto só pode acontecer em relação a um dos contraentes –

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art.º 452, n.º 1. A finalidade é de que outra pessoa passe, para todos os efeitos, a ser
considerado contraente sem que de facto o tenha sido.
Um dos sentidos possíveis é de que a pessoa designada passa a ocupar o lugar do promitente
e, por ex., entre outras coisas, é a pessoa designada que pode propor uma acção de execução
– art.º 830.
No rigor o contrato da pessoa a designar não significa um desvio à relatividade do contrato
porque a pessoa designada passa a ser parte, apesar de não ser originária. No entanto, tem de
se ter cuidado quando se diz “...para todos os efeitos”, visto que isso não é possível, porque
quem celebrou o contrato foi o contraente originário, e os vícios verificam-se em relação e
este – este regime tem semelhanças com a representação – art.º 259. É neste sentido que
estes contratos podem constituir um desvio à relatividade dos contratos.
A grande diferença entre contrato de pessoa a designar e a representação é que nesta há uma
procuração, ao contrário da 1ª.
O art.º 453 contém as regras referentes á nomeação. Antes de mais, o contraente que
reservou a faculdade de nomear o 3º tem de efectuar essa designação por escrito e exige-se,
além disso, que o acto de nomeação seja acompanhado por outro documento que contenha a
ratificação do 3º, através da qual declara que aceita a designação, ou em vez desse
documento, seja acompanhado de procuração anterior à celebração do contrato em que se
reservou a faculdade de designar a outra pessoa.
A nomeação tem um prazo de caducidade de 5 dias, salvo se se estabeleceu um prazo
diferente. (art.º 453 n.º 1)
A ratificação deve ser feita por escrito – art.º 454 – excepto se o contrato para pessoa a
designar observou uma forma com força probatória superior. Nesse caso a ratificação deve
observar a mesma forma do contrato da pessoa a designar.
Nos termos do art.º 455 a nomeação implica que o 3º designado irá assumir a posição
contratual daquele que o designou, com eficácia retroactiva à data da celebração do contrato.
Ao contrário, se a nomeação não for feita dentro do prazo ou não for acompanhada de
ratificação, em princípio o contrato produz efeitos em relação a quem o celebrou, salvo se no
próprio contrato se estabeleceu o contrário.
Se o contrato para pessoa a nomear incidir sobre coisas registáveis, no registo (predial) deve
indicar-se a existência da cláusula que permite a designação de outra pessoa. Caso contrário, é
o contraente originário que fica titular do direito e portanto, do ponto de vista registal quem
tem legitimidade para dispor do objecto é o contraente. Se a cláusula não consta do registo e a
designação for feita eficazmente os actos eventualmente praticados pela pessoa que designou
são actos registalmente legítimos, o que significa que é preciso ver se quem contraiu direitos a
partir do contraente originário é protegido ou não.
 CONTRATO – PROMESSA:
Este contrato obriga á celebração de um contrato futuro, portanto, tipicamente os
promitentes estão obrigados a uma prestação de facto positivo. É usual hoje em dia, que o
contrato promessa contenha muitas outras obrigações para além da típica, que fazem com que
muitas vezes o contrato prometido seja pura formalidade que tem de ser cumprida, porque
caso contrário, os principais efeitos pretendidos pelas partes, juridicamente não se produzem.
É relativamente usual que na própria promessa as partes se obriguem á entrega da coisa e que
se pague o preço ao abrigo do contrato promessa.
Existe um principio de equiparação entre a promessa e o contrato prometido – art.º 410 nº1
CC – donde resulta que são extensíveis á promessa as normas aplicáveis ao contrato

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prometido, salvo as disposições relativas á forma e as que pela sua própria natureza sejam
inaplicáveis á promessa (como a legitimidade, que só se exige para o contrato prometido e não
para a promessa, as regras que fixam os efeitos típicos do contrato prometido – ex: art.º 879).
Quanto á forma, a regra é de que o contrato promessa está sujeito ao princípio da liberdade
de forma – art.º219 - salvo nas hipóteses do art.º 410, nº2 e nº3 e art.º 413. No que diz
respeito ao nº2, fica estabelecido que quando a lei exige um documento escrito para o
contrato prometido, o contrato promessa respectivo deve ser celebrado pelo menos por um
documento particular assinado pelos promitentes.
A falta destes documentos ou da assinatura implica a nulidade, nos termos do art.º 220 ou
art.º286.
Se o contrato promessa disser respeito a um contrato prometido que seja oneroso e que tenha
por efeito a aquisição derivada translativa ou constitutiva de um direito real sobre um edifício
ou sobre uma fracção autónoma desse edifício, o contrato promessa deve ser feito também
através de documentos escrito particular, com o reconhecimento presencial das assinaturas
dos promitentes e ainda, contendo a declaração do notário de que foi exibida a licença de
construção ou de utilização de tal edifício ou fracção – tudo isto relativamente ao art.º410,
nº3.
Neste caso a falta do documento das assinaturas ou da certificação do notário de que foi
exibida a licença implica também a nulidade - art.º 220 - mas o regime de nulidade é especial
por força da parte final do nº 3 do art. 410, isto é a nulidade neste caso não pode ser invocada
por qualquer interessado nos termos do art.º 286, se a parte que estiver a invocar a nulidade
for o alienante e a outra parte por sua vez, não tiver originado essa mesma nulidade.
Significa que só se aplica integralmente a regra do art.º 286 se for outra pessoa qualquer
incluindo o adquirente a invocar esta nulidade, ou se for o alienante a invocar em virtude da
falta dos requisitos ser devido a culpa do promitente adquirente.
Relativamente ao art.º 413, quando as partes pretendem atribuir a eficácia real ao contrato
promessa, a eficácia real só pode ser conferida quando o contrato promessa seja relativo a
imóveis ou móveis registáveis dado que a atribuição da eficácia real supõe o registo. Para além
do registo, o art.º 413 exige ainda que a promessa deve constar de escritura pública e nessa
deve estar contida a declaração das partes que pretendem atribuir a tal eficácia. O registo
neste caso é constitutivo.
Só não se exige a escritura se a lei não a exigir para o contrato prometido, mas seguindo o art.º
413, n.º 2, é necessário que a promessa conste de documento particular, com reconhecimento
das assinaturas.
INCUMPRIMENTO OU MORA NO CONTRATO – PROMESSA:
(Não havendo sinal)
Nesta situação só existe um meio de reacção, ao dispor do promitente que pretende cumprir,
que consiste no recurso à execução específica – art.º 830.
A execução específica é uma forma de obter o cumprimento forçado da obrigação de contratar
e é um meio através do qual o promitente que quer cumprir poder obter uma sentença que,
para todos os efeitos, substitui a declaração de contratar quer não foi proferida pelo outro
promitente.
O art.º 830 estabelece algumas limitações ao poder de recorrer à execução específica, a
começar pelos casos em que a obrigação de contratar assumida no contrato promessa tenha
natureza pessoal; nestas situações não se pode obter a execução específica porque o
cumprimento ou incumprimento está na responsabilidade (ex: casamento).

19 António Albuquerque – 2400030 – Direito


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A 2ª situação refere-se aos casos em que tenha existido convenção que afaste a possibilidade
de recorrer à execução específica – art.º 221 e 222.
A lei no art.º 830, n.º 2, estabelece duas presunções que excluem, em princípio, a execução
específica. Assim presume-se a convenção em contrário, quando exista sinal ou quando tenha
existido clausula penal para hipótese de não cumprimento.
De todo o caso existem duas situações – art.º 830, n.º 3 e n.º 4 – em que, quer exista sinal,
clausula penal ou declaração expressa em sentido contrário, a execução específica não pode
ser afastada à priori.
O n.º 3 diz respeito às promessas do n.º 3 do art.º 410, ou seja, promessas em que o contrato
prometido tinha por objecto a aquisição derivada de um direito real sobre um edifício, ou
sobre fracções autónomas de um edifício. Nessa situação, permite-se que a parte que está em
falta possa impor a modificação do contrato nos termos do art.º437.
No n.º 4, ainda nos casos em que o contrato prometido tem em vista a aquisição de um direito
real sobre edifício ou fracção pode, aquele que recorre à execução especifica, exigir que na
própria sentença de execução se proceda à eliminação das hipotecas que incidam sobre esse
edifício, nos termos do art.º 721, o que implica que na sentença de execução se irá condenar o
incumpridor a entregar, de modo a eliminar a extinção da hipoteca.
O 2º caso em que não se pode eliminar o recorrimento à execução específica é relativo ao art.º
413, embora não seja expresso.
A promessa com eficácia real é o contrato promessa que produz efeitos entre os promitentes,
mas pode também produzir efeitos perante terceiros, com uma particularidade: os casos de
incumprimento que vimos até agora supõem apenas mora ou recusa de cumprimento. A
hipótese do art.º 413 supõe a impossibilidade de cumprimento, isto é, supõe que um dos
promitentes, designadamente o promitente alienante, se coloque em situação de já não poder
cumprir nos termos prometidos, o que significa que o promitente alienante transmitiu o
direito prometido a terceiro ou, pelo menos, o promitente alienante atribuiu a terceiro um
direito, irá onerar o direito requerido pelo promitente adquirente.
Se o contrato promessa não tem eficácia real, este caso equivale a incumprimento e, nesse
caso, aplica-se o regime do art.º 442.
Ao invés, se promessa tiver eficácia real tudo se passa para o promitente adquirente como se a
alienação ou oneração a favor do terceiro não tivesse sido efectuada, dado que a promessa
com eficácia real supõe que foi feito o registo dessa promessa e, por isso, quando é feita a
venda ao C ou constituída a hipoteca a favor de C tem que saber da promessa anterior e,
portanto, tem que saber da possibilidade de estar sujeito à execução promovida por B.
Uma vez que tudo se passa como a alienação ou oneração a favor de 3º não tivesse sido feita,
significa que se adopta um regime semelhante ao que se adopta ao credor que intentou a
execução e que obteve a propriedade – credor exequente – em relação aos actos praticados
pelo executado – art.º 817. Estes actos são ineficazes em relação ao credor exequente.
Os actos praticados pelo promitente alienante são ineficazes em relação ao promitente
adquirente se este recorrer à execução específica.
Se a sentença de execução específica substitui para todos os efeitos não se vê razão para
considerar...
A acção da execução específica tem de ser intentada fundamentalmente em relação ao
promitente alienante dado que para o promitente adquirente tudo se passa como se o
contrato promessa pudesse ser cumprido, o que quer dizer que mesmo nessas circunstâncias
irá proferir uma sentença que irá substituir a declaração negocial do promitente alienante.

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Não se trata de uma execução específica sobre bens alheios porque o acto de transmissão para
terceiros não é eficaz perante o promitente adquirente. È claro que este tem vantagem em
intentar acção também contra o 3º, dado que assim o caso julgado irá abranger o 3º e pode
pedir a entrega da coisa na própria execução específica.
Entendeu-se que o registo do contrato promessa com eficácia real é constitutivo, o que
significa que se o promitente adquirente só registou a promessa depois do alienante ter
registado a venda a 3º, prevalece esta venda.
A aquisição de B com base na execução específica, não atinge os efeitos passados a favor de
3º.
Na opinião do Prof Antunes Varela, como a eficácia do promitente adquirente é à data do
registo da promessa, significa que a venda a C passam a ser actos que incidem sobre bens
alheios e, portanto, esses actos são nulos.3
Existem mais duas situações a considerar, que no rigor não se designam de eficácia real.
Uma diz respeito ao registo provisório por natureza – art.º 47 do CC. Reg. Propriedade.
Admite-se que os contratos promessa que respeitam os requisitos formais – art.º 410, n.º 2 e
3 – possam ser registados mas que, em vez de ser definitivo, é um registo provisório. O
definitivo não tem um prazo de caducidade enquanto o provisório tem um prazo de 6 meses
para essa caducidade.
A relevância deste registo provisório é praticamente a mesma da eficácia real da promessa –
art.º413. É que, em qualquer dos casos parte-se do princípio que terceiros conhecem a
existência desse registo da promessa, e portanto, se adquirem direitos do promitente
alienante, depois do registo da promessa esses actos serão ineficazes perante o adquirente se
o registo provisório for convertido em definitivo.
Outra hipótese verifica-se quando a promessa não tem eficácia real; não foi objecto de registo
provisório, mas foi feito o registo da propositura da acção específica. Isto pressupõe que o
terceiro não registou a compra em seu favor.
A tese tradicional é de que prevalece o promitente adquirente por força do princípio da
prioridade: registou primeiro, portanto tem prevalência sobre o terceiro, que não registou, ou
registou depois. No entanto, há um Acórdão do STJ que considerou que o negócio de acção de
execução é indiferente dado que o tribunal já não pode proferir a sentença de execução
específica, porque essa sentença substitui a declaração negocial de um dos promitentes: se o
promitente alienante (A) se tinha obrigado a vender, a sentença vai declarar essa venda em
nome desse promitente alienante. Como o A já não é proprietário porque já vendeu ao C, se o
tribunal proferir a sentença está a praticar um acto ilícito dado que está a promover a venda
de bens alheios. A sequência para que este Acórdão foi proferido é: promessa venda a
terceiro execução especifica a B registo da acção.
O Prof considera que se não há eficácia real nem há registo, o terceiro não tem de saber que
existe uma promessa anterior, portanto, parece assim, que o direito do terceiro tem
prevalência.
 PACTO DE PREFERÊNCIA
Tal como o contrato de promessa constitui uma limitação negocial á liberdade de celebração,
uma vez que, através dele uma parte assume a obrigação de dar primazia à outra parte na
celebração eventual de um contrato futuro. Ao contrário da promessa em que se assume logo
a obrigação de se celebrar outro contrato obrigatório, no pacto não se assume a obrigação de

3
Esta opinião não é a da maioria e também não é a do Prof.

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contratar, apenas se obriga uma pessoa, no caso de haver contrato a dar primazia a outra
pessoa.
A preferência pode, em princípio, ser assumida para a celebração de qualquer negócio,
embora a lei no art.º414 tenha pensado na hipótese típica em que se assume a obrigação de
dar preferência na celebração de um contrato de compra e venda. No entanto, o art.º423
estende o pacto de preferência a outros contratos com ela compatíveis.
O pacto de preferência distingue-se das preferências legais porque nestas a obrigação de dar
preferência resulta da própria lei verificado certo facto, por conseguinte, a obrigação neste
caso é legal – ex. art.º 1410.
Salvo a diferença da fonte de obrigação o processamento da preferência é exactamente o
mesmo.
No que respeita á forma exigida, o art.º 415 que remete para o art.º 410, nº2, refere que o
pacto de preferência deve ser celebrado por documento escrito assinado pela parte que se
obriga a dar preferência quando o contrato em relação ao qual se estabelece preferência deva
ser celebrado por documento escrito autêntico ou particular.
A obrigação do pacto de preferência só se constitui se e quando o obrigado á preferência
decida celebrar o contrato em relação ao qual se concedeu a preferência, o que significa que
esta obrigação não nasce com o contrato de preferência; trata-se de uma obrigação
condicional.
Para que o obrigado á preferência decida celebrar o contrato sobre o qual incida a preferência
é necessário – art.º416 - que já exista um projecto concreto de alienação, o que implica que
haja alguém, terceiro em relação ao pacto de preferência que tenha manifestado a vontade de
celebrar o contrato e tenha proposto um certo conteúdo para esse contrato.
O art.º 416 estabelece que quando o obrigado à preferência quer vender deve comunicar ao
preferente o projecto de venda.
Há quem considere que o obrigado à preferência, mesmo que não tenha nenhum interessado,
se fizer uma proposta ao preferente está a efectuar a comunicação do art.º 416 e, por
conseguinte, o preferente quando recebe a proposta está a exercer o seu direito de
preferência.
O Prof não está de acordo com esta vertente porque não está de acordo com a lei.
Esta teoria advém do facto de se pensar que uma proposta já implica para o preferente o
exercício do seu direito e se este não aceitar o obrigado à preferência já não está obrigado.
O direito do preferente é um puro direito de crédito porque ele pode exigir do obrigado um
comportamento positivo.
Na comunicação devem conter-se todos os aspectos que devam ser considerados elementos
essenciais do contrato em relação ao qual se estabeleceu a preferência, e essencialmente os
elementos que determinam a vontade do preferente – art.º1410.
Significa isto, pelo menos, que os elementos essenciais variam em relação ao contrato em
concreto sobre o qual foi concedida a preferência e a própria situação que lhe deu origem.
Efectuada a comunicação ao preferente, este pode aceitar ou não. Se pretender aceitar, tem
de declarar isso no prazo do pacto de preferência, ou, não existindo esse prazo, no prazo de 8
dias. Isto supõe que a informação cumpriu com os elementos essenciais.
Há quem entenda que a comunicação que contenha os elementos essenciais constitui uma
propriedade contratual e, por conseguinte, o preferente assim que receber a comunicação fica

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com o direito potestativo de aceitar ou não. Entendendo-se nestes termos, daqui resulta uma
de duas consequências: se o contrato sobre o qual incide a preferência não tiver que observar
qualquer forma solene – documento autêntico ou autenticado – considera-se que esse
contrato está concluído quando o preferente aceita. Nos casos em que o contrato sobre o qual
se concedeu preferência deva observar uma forma solene, concretiza que a proposta e a
aceitação não foram feitas nessa forma, considera-se que a aceitação do preferente dá origem
a um contrato promessa entre o obrigado á preferência e o preferente4.
É indiscutível de que a partir da aceitação o obrigado á preferência fica obrigado a contratar.
Se o obrigado á preferência não cumprir a obrigação de contratar, pela doutrina comum, uma
vez que há um contrato promessa resultante da aceitação, o preferente pode recorrer à
execução específica.
Se o obrigado à preferência não cumpre a obrigação de contratar porque já vendeu a outra
pessoa, em princípio, o preferente só pode exigir responsabilidade pelos danos causados
resultantes do incumprimento da obrigação de contratar, salvo se o pacto de preferência
estiver dotado da chamada eficácia real, nos termos do art.º 421, que remete para atribuição
da eficácia real do contrato promessa – art.º 413. Significa que o pacto de preferência para ter
eficácia real que as partes lhe quiseram atribuir, essa eficácia real exige que se faça o registo e
que dê publicidade ao acto. Nesta situação o preferente pode opor/invocar o pacto de
preferência perante um 3º, ou seja, perante a pessoa que adquiriu ao obrigado à preferência
em violação da obrigação de contratar desse pacto.
As hipóteses são várias:
- O obrigado não efectuou a comunicação do art.º 416
- Efectuou a comunicação, mas sem incluir todos os elementos essenciais;
- Fez a comunicação com todos os elementos, mas não esperou pelo termo do prazo da
aceitação;
- Esperou pelo termo do prazo, o preferente aceitou, mas mesmo assim, o obrigado
alienou a 3º.
Em todos estes casos, se a preferência tiver eficácia real, o preferente pode opor ao 3º o pacto
de preferência, mas através da acção de preferência – art.º 421 n.º 2, que remete para o art.º
1410.
A acção de preferência implica, se for procedente, que através da sentença o preferente seja
subrogado na posição contratual do terceiro adquirente, ou seja, verifica-se uma substituição
forçada de pessoas na posição contratual do terceiro adquirente.
A violação da preferência através da alienação a terceiro não implica a invalidade do negócio
celebrado em violação dessa preferência, aliás, ao preferente até convém que a alienação seja
válida, porque só tem sentido proceder á substituição para que o preferente obtenha para si
os efeitos do contrato celebrado entre o obrigado á preferência e o terceiro.
Se pela acção de preferência o preferente vai obter para si os efeitos do contrato celebrado
com 3º, daqui decorre que o preferente tem de se subordinar ao conteúdo desse contrato.
Uma vez que o preferente se sujeita aos termos contratados entre o obrigado e o 3º significa
que o preferente se sujeita a “tanto por tanto”.

4
Esta é a doutrina dominante e não a do Prof, isto porque existe uma situação exagerada.

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Outra implicação da sub-rogação é que se o preferente se coloca na situação do 3º daí resulta


que a aquisição do preferente tem eficácia retroactiva à data da celebração do contrato com o
3º.
De acordo com o art.º 422, no caso de existir conflito em relação ao mesmo contrato de
preferência legal e preferência convencional, prevalecem as legais, mesmo que a convencional
tenha eficácia real.
As preferências legais têm um processamento igual às convencionais com eficácia real, só que
nas legais o obrigado à preferência não é determinado pessoalmente, mas é determinado
indirectamente pela titularidade de outro direito.
O prazo de preferência legal é de dois meses a contar do momento em que o preferente tenha
conhecimento dos elementos essenciais da venda.

 PRINCÍPIO DA BOA-FÉ
Aplica-se a todo o domínio do exercício de direitos e deveres, portanto, não é propriamente
específico das obrigações, mas não há dúvida que nela tem um alcance especial.
É usual distinguir-se boa-fé objectiva da subjectiva:
Subjectiva – atitude psicológica de quem exerce um direito ou um dever, atitude essa que
consiste no conhecimento ou desconhecimento de se estar a lesar outra pessoa. No fundo
acaba por não ser propriamente uma atitude psicológica, porque o critério para avaliar a boa
ou má-fé é um critério normativo (ou seja, abstracto) que é formulado, normalmente, através
da utilização do conceito de pessoa normal, por conseguinte, haverá boa-fé quando uma
pessoa média teria desconhecido e haveria má-fé quando uma pessoa média teria conhecido,
o que significa que é indiferente a situação psicológica em relação à qual se faz a averiguação.
Objectiva – é a fonte de regras de conduta (normas jurídicas) para o caso concreto, significa
isto que, pelo menos, quando as soluções legais não existam, sejam insuficientes ou sejam
pouco razoáveis para o caso concreto, recorre-se à boa-fé para formular a regra de conduta
que deve valer para o caso concreto. É discutível se a boa-fé pode afastar a própria lei, embora
existam indícios de que o princípio da boa-fé é supra-legal.
No domínio das obrigações, há pelo menos dois grandes casos em que a própria lei remete
para a boa-fé:
- Art. 227 – responsabilidade pré-contratual
- Art. 762 – exercício do direito de crédito e cumprimento da obrigação
Em ambos os casos o conceito de boa-fé utilizado é o objectivo, portanto não são as partes
que devem estar de boa-fé mas devem ser as partes que devem actuar de boa-fé.
No caso do art.º 227 considera-se ilícita a ruptura das negociações porque se entende que pela
boa-fé as partes só podem quebrar as negociações avisando a outra parte com um tempo
razoável.
No caso do art.º762, entende-se, por ex., que o credor não pode exigir do devedor que a
prestação seja efectuada num determinado lugar se isso for excessivamente oneroso para o
devedor.
Mais amplamente temos a situação do abuso de direito – art.º 334 - que utiliza a boa-fé num
sentido objectivo. O que se passa é que no exercício de uma posição jurídica activa, o titular

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dessa posição utiliza-a de modo a que excede a razão de ser da atribuição dessa posição
jurídica, normalmente subjectiva.
O abuso de direito possui algo a que só se pode recorrer em casos extremos, ou seja, é
necessário que exceda manifestamente a razão de ser da atribuição do direito. De todo o
modo, em princípio, no domínio das obrigações o abuso de direito só poderá ser aplicado ao
credor, porque só este tem uma posição jurídica activa. Só se pode estender ao devedor
quando ele, no cumprimento da sua obrigação, tenha poderes activos (ex.: nas obrigações com
prestação alternativa o devedor terá o direito potestativo de escolher a prestação que irá
prestar).
De todo o modo, a ideia geral, é que vigora acima de tudo a boa-fé objectiva, porque a
subjectiva está destinada ao exercício de direitos e, no que respeita às obrigações, a lei
considerou a perspectiva do devedor e não a posição do credor.
CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS
1) Contratos típicos e Contratos atípicos
Os típicos, do ponto de vista legal, são os que estão previstos na lei; os atípicos são os que não
estão previstos na lei.
Acaba por não ser fácil a distinção de uns e outros, porque muitas vezes está previsto na lei o
tipo e não o seu regime. Tem-se entendido que, para ser típico, o seu regime tem de estar
previsto na lei, acabando por não ser muito relevante que a lei tenha previsto o tipo
(definição). Ex.: o contrato de troca por troca aparece muitas vezes previsto na lei mas não tem
regime legal – art.º 939.
Os atípicos podem ser puros ou mistos. Os primeiros, quando não tenham nenhuma
semelhança com tipos contratuais previstos na lei. Os segundos, quando resultam da
conjugação de elementos correspondentes a diferentes contratos típicos (2 ou mais). Em
abstracto é indiferente se é atípico puro ou misto, mas acaba por ter certa relevância porque
aos atípicos puros, por definição, é impossível aplicar o regime dos contratos típicos, dado que
se supõem não terem nenhuma semelhança com nenhum contrato. Os mistos, dado que têm
semelhanças com contratos típicos, podem ser objecto de extensão do regime dos contratos
típicos que aparecem misturados no contrato misto.
Os contratos atípicos mistos admitem dois tipos:
a) Contrato de tipo combinado ou múltiplo
Os vários elementos típicos que se misturam estão todos ao mesmo nível e, portanto, nenhum
predomina, o que significa que o contrato está mais longe dos contratos típicos.
b) Contrato de tipo modificado
Há um tipo dominante que só deixa ser típico porque foi inserida uma cláusula que modifica a
função típica desse contrato. Ex.: compra e venda por um preço simbólico, está a
desempenhar a função do contrato de doação.
Independentemente das classificações, o que importa é determinar o regime jurídico dos
contratos mistos aplicável, e aqui não há outra hipótese se não recorrer às teorias clássicas:
1º) Teoria da Absorção – aplicável quando um dos elementos típicos seja predominante.
2º) Teoria da Combinação – quando os elementos típicos estejam todos ao mesmo nível
e, portanto, não haja nenhum predominante, o que significa que nos contratos tipo
combinado aplica-se a cada elemento típico o elemento do regime do contrato típico
correspondente. Ex. Alguém presta serviços como porteiro e a contrapartida é o uso de uma

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casa. Em relação ao serviço de porteiro aplica-se o regime do contrato de trabalho e em


relação à casa o regime de arrendamento.
Não sendo possível estas teorias só resta, através da boa-fé e analogia, criar um regime
próprio para o contrato, o que se verificará em duas circunstâncias – ou quando o contrato
misto esteja perto de ser um contrato atípico puro, ou quando a aplicação dos regimes legais
mais próximos sejam contrários aos princípios da boa-fé objectiva.
2) Uniões de Contratos
Em termos abstractos esta união distingue-se do contrato misto porque naquela existem dois
ou mais contratos que mantêm a usa individualidade e, portanto, o seu regime jurídico
especifico, apesar da sua celebração ou dos seus efeitos estarem dependentes de outro ou
outros contratos.
No contrato misto há apenas um contrato que reúne elementos de diferentes contratos.
Na prática é difícil fazer a distinção dado que as diferenças são graduais. Há casos em que
nitidamente temos união de contratos, casos em que temos contratos mistos e temos
situações intermédias. Ex de união: empréstimo bancário garantido por fiança – têm cada um
deles regime jurídico próprio embora, em certos aspectos, o regime jurídico de um contrato
seja alterado por causa da sua associação com outro contrato.
No caso do art.º 936, nº2, já é discutível se estamos perante uma situação de contratos mistos
ou de união de contratos porque os regimes tanto da locação com da renda são
profundamente alterados.
A união de contratos pode ser objecto de uma classificação:
Classificação Tradicional
a) União Externa – quando a união ocorre por razões puramente acidentais, normalmente
porque ambos os contratos surgem no mesmo momento. Ex: empréstimo bancário garantido
por hipoteca.
b) União Interna – para além dos contratos constarem do mesmo documento existe uma
ligação intrínseca entre os contratos unidos de modo a que um sem o outro não seria
celebrado ou vice-versa ou ainda em ambos os sentidos. Ex: empréstimo bancário garantido
por hipoteca se o contrato do empréstimo ou da hipoteca não for válido, o contrato acessório
também não pode ser válido.
A simples união externa, no rigor, nem sequer é união, porque a ligação entre os contratos é
puramente acidental.
Este tipo de união pode ser:
1) Unilateral
2) Bilateral
c) União Alternativa – nesta temos dois contratos celebrados ao mesmo tempo mas em
que será apenas eficaz um ou outro consoante se verifique ou não se verifique certa
circunstância. Ex: um indivíduo vende se for morar definitivamente para uma outra casa ou
arrenda se for apenas passar férias a essa casa.
3) Contratos Unilaterais e Contratos Bilaterais
(Não Sinalagmáticos e Sinalagmáticos)

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Estes são os contratos pelos quais resultam obrigações recíprocas para ambas as partes –
bilateral – ou não resultam – unilateral. Ou seja, um contrato pode ser unilateral porque dele
só resultam obrigações para uma das partes ou porque as obrigações não são recíprocas.
A reciprocidade significa que a relação entre as duas obrigações constitui o fundamento uma
da outra. Ex: compra e venda – não faz sentido uma obrigação da entrega da coisa sem que
exista a obrigação de pagar o preço e vice-versa.
Esta reciprocidade de obrigações faz-se apenas em relação às obrigações típicas, ou seja, em
relações tipo que caracterizem o contrato.
Do facto das obrigações serem recíprocas resulta automaticamente um regime jurídico
específico para os contratos bilaterais que se resume em duas ideias:
a) Se não existirem prazos diferentes para o cumprimento, enquanto uma parte não
cumpre, a outra tem o poder de também não cumprir, suspendendo portanto, a eficácia
normal de um contrato – excepção do não cumprimento do contrato – art.º 428. A ideia é de
que se as obrigações são recíprocas, em princípio, essas obrigações devem ser cumpridas
simultaneamente e portanto, a mora de uma das partes permite que a outra recuse o
cumprimento sem que esta recusa seja ilícita.
O contrato fica então suspenso dos seus efeitos o que significa que será executado assim que a
parte que esteja em mora cumpra.
Em geral, não se exige nenhuma formalidade especial, atende-se apenas àquela parte que
recusa o cumprimento e justificadamente declara á outra a razão pela qual não cumpre. De
qualquer modo há regime especial.
A excepção pressupõe que não existam prazos diferentes. Existindo, aquele que tem de
cumprir antes não pode invocar a excepção do não cumprimento. Salvo o previsto no art.º
429, em que a parte que devia cumprir em primeiro lugar pode recusar o cumprimento se a
outra parte incorrer nalguma das situações em que se perde o benefício do prazo – art.º 780 –
desde que essa parte que perde não dê garantias de cumprimento.
A excepção de não cumprimento pode, eventualmente, evoluir para resolução do contrato se
a mora do não cumprimento for convertida em cumprimento definitivo – art. º 808. Nesse
caso funciona o 2º traço característico dos contratos bilaterais que corresponde à condição
resolutiva tácita.
b) A 2ª especialidade do regime dos contratos bilaterais é a condição resolutiva tácita –
art.º 801, nº2.
Seja por a parte já ter cumprido e, portanto, já não poder invocar a excepção, seja por o atraso
no cumprimento já se ter convertido em incumprimento definitivo – art. º 808 -, a parte que
cumpriu ou estava disposta a cumprir pode optar pela resolução do contrato se a outra parte
não cumpriu atempadamente. Assim, o art.º 801, n.º 2 concede, à parte que cumpriu, um
poder potestativo de extinguir o contrato por declaração unilateral – a outra parte sujeita-se á
resolução. As consequências desta variam consoante a parte que resolve já tinha cumprido ou
ainda não. Na primeira hipótese tem o direito de exigir o que prestou e, alem disso, pode exigir
a reparação pelos danos causados sendo esta feita tendo em conta o interesse contratual
negativo, ou seja, tendo em conta a situação em que a parte que resolveu estaria se o
contrato nunca tivesse sido celebrado.
A indemnização pelo interesse contratual negativo não é característica única dos contratos
bilaterais.
A expressão, condição resolutiva tácita, surge por duas razões:

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- Considera-se que este poder de resolução faz parte da própria natureza dos contratos
sinalagmáticos e, portanto, não pode ser exportado dos contratos bilaterais. É tácita no
sentido de que se considera que todos os contratos bilaterais contêm uma cláusula implícita
que permite á parte que cumpre ou está disposta a cumprir que lhe permite resolver o
contrato.
- O art.º 809 considera nula qualquer cláusula pela qual o credor renuncia, á priori,
qualquer um dos direitos que lhe são conferidos, pelo menos, pelos arts. 798 a 808.
A resolução resulta de uma declaração de vontade apoiada numa norma legal – art.º801, nº2 –
e não de uma cláusula.
Há quem considere que os contratos bilaterais apresentam ainda uma outra especialidade que
é o direito de retenção – art.º 754. Este direito é uma garantia real das obrigações e, noutra
perspectiva, é um direito real de garantia análogo á hipoteca, que tem a seguinte
particularidade: o credor que tenha em seu poder uma coisa pertencente a outra pessoa pode
reter essa coisa em seu poder, enquanto o proprietário não cumpriu determinada obrigação
para com a pessoa que faz a retenção se essa obrigação resultar de despesas feitas por aquele
que retém despesas relativas a essa coisa. Ex: A repara a TV a B; A tem o direito de não
entregar (reter) enquanto B não pagar.
É verdade que o direito de crédito daquele que faz a retenção supõe que o proprietário da
coisa retida tem uma obrigação para com o retentor, mas não há nenhuma obrigação do
retentor que seja recíproca á obrigação do proprietário da coisa.
No máximo o Prof admite, neste caso, a excepção do não cumprimento.
O sinalagma (reciprocidade) das obrigações não é característica específica de certos contratos.
É concebível a aplicação do regime dos contratos, por exemplo, á expropriação, que não é
contrato, mas um acto administrativo.

4) Contratos Onerosos vs Gratuitos


O critério fundamental faz a distinção pela existência ou não de sacrifícios patrimoniais para
ambas as partes. No primeiro caso é oneroso, no segundo é gratuito.
Este critério tem o inconveniente de não abranger todas as situações possíveis. Ex: contrato de
constituição de hipoteca celebrado entre devedor e credor.
Não sendo muito rigoroso dá para perceber qual o sacrifício do credor – garantir a hipoteca. O
devedor só pela constituição da hipoteca não tem sacrifício patrimonial nenhum porque
continua a ser proprietário. No entanto, o seu sacrifício é meramente eventual, porque se este
não cumprir executa-se a hipoteca.
O Prof acha chocante o contrato de constituição da hipoteca não ser considerado uma
contrapartida.
Existe quem utilize outro critério: quando de um contrato resultam contrapartidas para ambas
as partes temos contratos onerosos, quando não há o contrato é gratuito. Isto implica que há
contratos que, se se quiser ser rigoroso, não são nem onerosos puros nem gratuitos puros (ex:
doação com encargos está mais perto do contrato oneroso do que do gratuito).
 NEGÓCIOS UNILATERAIS
Segundo a tradição pode afirmar-se que existe o princípio do contrato, querendo isto dizer,
que segundo a tradição a autonomia da vontade manifesta-se basicamente através do
contrato. Tudo isto assenta no pressuposto de que a igualdade entre os cidadãos implica que a

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constituição de qualquer relação jurídica entre duas pessoas supõe a intervenção da vontade
de ambas as partes. Isso só se consegue através do contrato, daí que pareça tão anti-natural
que a doação seja contrato (e não negócio unilateral).
Daí que nesta sequência histórica os negócios unilaterais só possam ser admitidos em casos
excepcionais. Decorre que no CC se tenha incluído a disposição no art.º 457, nº2 o qual a
promessa unilateral de uma prestação só obriga nos casos previstos na lei.
Retira-se daqui que os negócios unilaterais só são admitidos nos casos previstos na lei. O
art.º457 só tem em vista os casos em que os negócios unilaterais consistem numa promessa
unilateral. Ou seja:
Quanto aos efeitos, os negócios unilaterais podem:
 Constituir obrigações para o autor do negócio
 Extinguir direitos próprios (ex. renúncia)
 Atribuir direitos reais a favor de terceiros
O art.º 457 só abrange a primeira hipótese do esquema, ou seja, só pode constituir obrigações
para o autor do negócio. Á letra, este art.º não abrange as outras duas hipóteses.
Pela doutrina dominante aparece sempre expressa a ideia de que todos os negócios unilaterais
são abrangidos pelo art.º457, seja qual for o seu efeito.
O Prof considera que se se pretende dizer exactamente o que diz, está errado pela letra do
próprio art.º457. No entanto, o Prof Também considera que a doutrina ao dizer que só são
aceitáveis os negócios unilaterais previstos na lei está-se a referir apenas a negócios
obrigacionais.
Daqui decorre que está expresso no art.º o princípio da tipicidade taxativa dos negócios
unilaterais.
Mesmo em relação a estes é difícil compreender porque é que se limitou a celebração destes
negócios unilaterais, porque a ideia é que se uma pessoa se pretende obrigar perante outra,
pode faze-lo livremente.
Na sequência desta opinião há quem entenda que o princípio da autonomia da vontade, tanto
os contratos como os negócios unilaterais, quer dizer que se podem celebrar ambos previstos
na lei ou atípicos.
Para escapar, nestes casos á aplicação do art.º 457 é preciso afirmar que ele tem por objecto
os negócios unilaterais abstractos a não os causais.
 Negócios causais: aqueles em que o negócio só produz efeitos em atenção a uma causa
subjacente
 Negócios abstractos: aqueles que produzem efeitos independentemente da validade da
respectiva causa, pelo menos, em relação a terceiros.
Quem sustenta que os negócios unilaterais em geral estão sujeitos ao princípio da autonomia
da vontade, sustenta depois que no art.º 457 estão os negócios unilaterais abstractos.
É uma maneira de fugir á tipicidade taxativa, mas tem um grande contra que é ser
excessivamente contrário á letra.
Ao Prof parece preferível manter que os negócios unilaterais estão sujeitos a uma taxatividade,
mas só os negócios que constituam uma obrigação contra o autor.

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 GESTÃO DE NEGÓCIOS
 Arts. 464 e ss.
A Gestão de Negócios constitui uma espécie de situação em que alguém actua juridicamente
no interesse de outra pessoa. Ex: além da gestão de negócios temos a representação,
mandato, outros contratos de prestação de serviços.
A ideia é que a Gestão de Negócios é apenas uma espécie. Caracteriza-se por aquele que actua
no interesse de outra pessoa não estar juridicamente legitimado para o fazer pelo menos em
termos formais. Em termos de existir algum vínculo entre a pessoa que actua e aquela que
cujo nome actua que justifique a intersecção num negócio alheio.
Nos termos do art. º 464 podem retirar-se três requisitos para que se possa falar em Gestão de
Negócios:
1º - É necessário que se trate de um negócio alheio ao daquela pessoa que actua
juridicamente. Negócio para este efeito surge num sentido que não é o técnico, ou seja,
negócio é sinónimo de assunto ou interesse pertencente a outra pessoa. E, por isso, tanto há
Gestão de Negócios quando a pessoa que intervém pratica actos jurídicos que podem ser
negócios jurídicos ou não, como a pessoa que intervém pratica actos puramente materiais no
interesse de outra pessoa. Ex: X prática obras em casa de Y quando este não está presente e
essas são urgentes.
Normalmente só se acrescenta que em princípio pode haver Gestão de Negócios em relação a
qualquer interesse de outra pessoa, mas sempre na suposição de que não exija a intervenção
pessoal daquele cujo nome se está a actuar. Ex: a maioria dos negócios pessoais só podem ser
praticados pelo próprio.
A pessoa que actua no âmbito da Gestão de Negócios tem a designação de gestor; a pessoa
em cujo nome se actua é o dono do negócio.
2º - A actuação do gestor supõe-se que é feita no interesse e por conta do dono do
negócio, o que significa que o gestor actua desinteressadamente, de forma altruísta, daí que,
geralmente, a gestão não dê origem a qualquer remuneração.
Em geral a Gestão de Negócios serva para funcionar como cobertura para aquelas
situações em que não existe procuração formalizada, mas existe uma procuração implícita ou
meramente verbal. Ex: é vulgar que os advogados/solicitadores pratiquem actos antes de lhes
ser passada a procuração, pelo menos ainda ao foi formalizada. Ou seja, no rigor existe
procuração, só não está formalizada.
Se o gestor actuar no interesse de outra pessoa, mas na convicção errada de que o assunto
que está a tratar pertence a certa pessoa, mas na realidade pertence a outro, considera-se
mesmo assim, que há Gestão de Negócios, porque o principal é que se actue no interesse de
outra pessoa.
Por outro lado, se a actuação satisfaz simultaneamente um interesse alheio e um interesse
próprio dá para continuar a Gestão de Negócios na parte do interesse alheio.
Restam os casos duvidosos em que, acima de tudo, a actuação satisfaz um interesse próprio
embora para evitar que a não realização do interesse alheio possa prejudicar o interesse
próprio. Ex: X faz reparações num prédio de Y para evitar que por falta dessa, o prédio de X
seja afectado.
Ainda se pode falar em Gestão de Negócios porque o art. º 465 diz que o gestor deve actuar no
interesse e em correspondência com a vontade real, ou presumível, do dono do negócio.

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Se o gestor actua no interesse próprio em relação a um negócio que é alheio, mas que ele julga
que lhe pertence só se aplica o regime da Gestão de Negócios se o dono do negócio aprovar
essa gestão – art. º 472. Caso contrário aplica-se – art. º472 nº1 – o regime do enriquecimento
sem causa.
3º - É necessário que a actuação do gestor não esteja autorizada. No entanto, não é a
conferência de qualquer autorização que permite o afastamento da Gestão de Negócios, isto
é, para a Gestão de Negócios é necessário que a autorização contenha outro caso em que a
autorização se possa subsumir.
De acordo com o próprio art. º 471, a Gestão de Negócios pode ficar submetida tanto ao
regime da representação sem poderes como ao mandato sem representação, designadamente
no caso de o gestor ter praticado um acto em nome do dono do negócio, aplica-se o primeiro
caso; se o gestor praticou esses negócios em nome próprio, portanto, não manifestando
exteriormente que está a actuar em nome de outro, aplica-se o segundo caso.
No que toca á representação, a grande diferença em relação á Gestão de Negócios é que nos
termos do art. º 258, a alteração de pessoa que actua em nome de outra, produzem
automaticamente na esfera jurídica do representado.
Na Gestão de Negócios os efeitos só passam para o dono do negócio se este aprovar a
actuação.

Acontece que na representação é concebível que, ou o representante exerça abusivamente


essa representação – art. º 269 -, ou que entre invocando a representação, mas sem a ter –
art. º 268. Em ambos os casos o representante está a actuar sem poderes representativos, só
que no caso de abuso de representação existe de facto uma representação, o representante
está a actuar no âmbito dessa, mas substancialmente, está a ultrapassar o que lhe foi
concebido (ex: casos em que o representante recebe instruções do representado, mas essas
não fazem parte da própria procuração).
Na representação sem poderes o “representante” não tem de todo qualquer poder
representativo, mas, externamente – perante terceiros – faz querer que tem esses poderes
(abrange os casos que se designam de procuração aparente). Nestes casos, nos termos do
art.º268, nº1, os negócios celebrados pelo representante aparente em nome do representado
aparente são conjuntamente ineficazes em relação ao representado, salvo (aproxima-se da
Gestão de Negócios) se o representado aparente ratificar os negócios celebrados pelo
representante aparente.
Para todos os efeitos essa rectificação funciona como uma procuração que é concebida através
da rectificação e que tem eficácia retroactiva.
Significa que nestes casos o que pode ter começado por Gestão de Negócios, pode acabar por
funcionar representação. Portanto, quando o gestor praticou negócios jurídicos em nome do
dono do negócio aplica-se pelo art.º268 e art.º 471, o regime da representação e exclui-se o
da gestão.
Tratando-se de abuso de representação, o art. º 269, remete para o regime do art. º 268, mas
apenas na hipótese de a pessoa (terceiro) que negociou com o representante abusivo
conhecer ou dever conhecer o abuso; caso contrário, apesar de haver abuso, o representado
fica vinculado perante terceiros.
No máximo o que se exige é responsabilidade civil ao representante por ter actuado
abusivamente.

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Na Gestão de Negócios, a actuação do gestor é provocada por iniciativa própria do gestor,


portanto, sem qualquer obrigação de desenvolver a actividade que visa proteger o interesse
do dono do negócio.
Ao contrário, no mandato, que segundo a lei é um contrato – art. º 1157 – alguém
(mandatário) assume a obrigação de praticar actos jurídicos no interesse de outra pessoa, ou
seja, do mandante. Significa que aquele que actua (o equivalente a um gestor) já não o faz
altruisticamente, mas porque está obrigado a actuar. Além disso, no contrato de mandato, o
mandatário apenas tem obrigação de praticar actos jurídicos (essencialmente negócios
jurídicos); ao contrário, na Gestão de Negócios o gestor tanto é para a prática de actos
jurídicos como para actos materiais.
O mandato pode ser acompanhado de representação ou não; normalmente, o mandato surge
associado a uma procuração (ex: advogado) – com representação – não surgindo de uma
procuração o mandato diz-se sem representação.
No mandato com representação aplica-se integralmente o regime da representação – art.º
1178 – o que significa que os efeitos jurídicos correspondentes à actuação do mandatário se
produzem imediatamente na esfera jurídica do mandante – art.º 258.
Ao contrário, quando o mandato seja sem representação, os efeitos jurídicos correspondentes
á actuação do mandatário produzem-se imediatamente na esfera jurídica do mandatário, e só
se transmitem esses efeitos para o mandante se o mandatário transferir para aquele esses
efeitos. Sucede que, porque há um contrato de mandato, o mandatário está obrigado a
transferir os efeitos jurídicos que obteve para si para a esfera do mandante – art. º 1181 nº1.
Se a actuação do gestor consistir apenas na prática de actos materiais ou na prática de actos
jurídicos cujos resultados sejam puramente materiais, o único problema que se levanta é no
âmbito das relações entre o gestor e o dono do negócio. Por isso, tudo depende de o dono do
negócio ter aprovado a Gestão de Negócios ou não.
Ao contrário, se a actuação do gestor envolveu só ou também a prática de actos jurídicos,
designadamente, de negócios jurídicos, tudo depende da forma como o gestor praticou esses
actos jurídicos perante terceiros.
Assim, se o gestor actua invocando perante terceiros que, está a actuar em nome de outra
pessoa, ou seja, em nome do dono do negócio, verifica-se uma situação de representação sem
poderes – gestão representativa. Como de facto não existe essa representação, aplica-se o
regime do art. º 268, ou seja, o gestor fica em nome próprio, vinculado perante terceiros, e
essa vinculação só se transferirá para o dono do negócio se nos termos do art. º 268, o dono
de o negócio ratificar a actuação do gestor.
Nota:
Uma coisa é a aprovação da gestão – significa apenas que o dono do negócio concorda, em
geral, com a actuação que o gestor exerceu, quanto mais não seja porque assim o gestor fica
desobrigado de indemnizar o dono do negócio pelos danos que haja causado ao dono do
negócio (art. º 469) – outra coisa é a ratificação – declaração de vontade através da qual a
pessoa em cujo nome se actuou assume os efeitos dos negócios celebrados pelo gestor. Quer
isto dizer que, é possível que haja aprovação da gestão sem ratificação dos negócios
celebrados pelo gestor e é igualmente possível que o dono do negócio não aprove a gestão,
mas eventualmente ratifique os negócios praticados pelo gestor.
A segunda hipótese é o caso do gestor não invocar perante terceiros que está a actuar em
nome de outra pessoa, já estamos no âmbito da gestão não representativa, o que significa que

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não se pode aplicar o regime da representação, mas tem de se aplicar o regime do mandato
sem representação – art.º 471.
Significa que os efeitos do negócio praticados pelo gestor se produzem também na sua esfera
jurídica, mas fica obrigado a transferir esses efeitos para a esfera do dono do negócio se este
tiver aprovado a gestão.
Todo este regime só tem sentido para o caso em que o gestor tenha praticado negócios
jurídicos.
A Gestão de Negócios distingue-se do contrato a favor de terceiros, porque neste, o terceiro
adquire os direitos correspondentes que resultam do contrato automaticamente, isto é, tenha
ou não aderido a esse contrato. Ao contrário, na Gestão de Negócios, o terceiro só adquire os
direitos correspondentes se existir ratificação, ou pelo menos, aprovação. Quer dizer que, o
dono do negócio não adquire direitos automaticamente.
Por outro lado, no contrato a favor de terceiros, aquilo que o terceiro adquire são direitos ou
vantagens.
Ao contrário, na Gestão de Negócios havendo ratificação ou aprovação, o dono do negócio
adquire todos os efeitos que resultaram da actuação do gestor, o que quer dizer que pode
adquirir direitos como deveres. Daí que se exija a aprovação ou ratificação do dono do
negócio.
Além disso, no contrato a favor de terceiros, as vantagens adquiridas pelo terceiro, derivam de
um negócio jurídico; ao contrário, na Gestão de Negócios, as vantagens ou desvantagens
adquiridas pelo dono do negócio podem derivar de um negócio unilateral, contrato, ou acto
puramente materialista.
 Relações entre dono do negócio e gestor:

A ideia subjacente á fundamentação destas relações envolve dois aspectos:


- Por um lado, é preciso considerar que o gestor está a actuar de forma altruísta no
interesse de outra pessoa, por isso é preciso considerar que a Gestão de Negócios não se
destina a castigar/sancionar.
- Por outro lado, o gestor ao actuar está a intrometer-se na esfera jurídica de outra
pessoa, e a regra é a da chamada intangibilidade da esfera jurídica alheia, ou seja, a regra é de
que ninguém se deve intrometer nos assuntos alheios. Por conseguinte, o regime das relações
entre gestor e dono do negócio tem de ter estes dois aspectos. (Por isso, por exemplo, é que o
gestor deve (nos termos do art. º 465, a)), actuar de harmonia com o interesse real ou
presumível do dono do negócio, isto é, pode intrometer-se na esfera jurídica do dono, na
suposição que essa intromissão corresponde àquilo que o dono do negócio teria feito se fosse
o próprio dono do negócio a actuar.
Trata-se das relações obrigacionais que, nesses casos tem o gestor como devedor, noutros têm
o dono do negócio como devedor. É justamente nesta perspectiva que a Gestão de Negócios é
fonte de obrigações.
Os deveres do gestor perante o dono do negócio são os que resultam do art. º 465; as
obrigações do dono do negócio perante o gestor são as que resultam do art. º 468.
Antes de tudo, a actuação do gestor deve orientar-se pelo critério fixado na alínea a) do art.º
465.

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Em relação a isto, apesar da letra da lei, não se trata de uma obrigação do gestor, trata-se
apenas de fixar, na melhor das hipóteses, os limites para os quais o gestor não pode passar. O
critério que deve orientar o gestor, de um ponto de vista doutrinal, pode ser objectivo ou
subjectivo. Pelo primeiro diz-se que o gestor deve actuar como deveria actuar a pessoa
diligente e prudente, e, portanto, desde que assim o faça, o dono do negócio tem que se
conformar com a actuação do gestor. Pelo critério subjectivo, o gestor deve actuar de
harmonia com a vontade do dono do negócio. Aparentemente, á letra, o art. º 465 a) consagra
a concepção subjectiva, porque se diz que o gestor deve actuar de acordo com a vontade real
ou presumível do dono do negócio. Em conformidade, o art. º 466 nº2 considera negligente ou
dolosa a actuação da Gestão de Negócios que não respeitar o art. º 465 a).
Os critérios subjectivos, em geral, têm sempre a dificuldade da prova, porque é sempre difícil
averiguar qual teria sido a vontade do dono do negócio. Ou seja, tem de se provar a vontade
real ou presumível de certa pessoa relativo ao passado. Além disso, se se analisa o critério
subjectivo temos de chegar á conclusão que a Gestão de Negócios actua culposamente, no
extremo, por não ter praticado um acto que o dono do negócio teria pretendido, mas que não
é um acto prudente.
Ex: o gestor entendeu que não deveria ter vendido certas acções porque naquele instante a
venda seria prejudicial, mas prova-se que o dono do negócio nas mesmas circunstâncias teria
vendido, apesar do prejuízo. No critério subjectivo o gestor actuou culposamente porque não
actuou em conformidade com o dono do negócio. É por isso que, apesar da letra da lei, tem de
se introduzir alguma objectividade neste critério, o que vai dar algum resultado semelhante
naquele que resulta da interpretação do negócio previsto no art. º236 nº1. Esta é feita através
do critério da pessoa normal colocada na posição do declaratário real.
O gestor deve actuar de acordo com a vontade real do dono do negócio, mas, vontade essa
avaliada nas circunstâncias do caso.
Ex: se houvesse elementos à disposição do gestor que lhe permitissem saber que o dono do
negócio teria vendido aquelas acções, nesse caso o gestor deveria ter vendido. Se não vendeu
actuou com negligência. Ao contrário se o gestor não tem possibilidade de conhecer esta
circunstância, então a sua actuação, embora no rigor desconforme com a vontade real, tem de
ser considerada uma actuação lícita, precisamente porque ele não tinha meios para a
conhecer. E não tendo esses meios para conhecer a vontade real passa a funcionar a vontade
presumível e esta á sempre avaliada sobre critérios objectivos, porque consiste numa
presunção.
Uma vez iniciada a gestão existe a obrigação de manter essa gestão. Isto resulta do art. º 466
nº1, dado que aí se estabelece que o gestor é responsável pelos danos que causou ao negócio
se interromper injustificadamente a gestão. Significa que, se existir uma razão justificada para
interromper a gestão, o gestor fica desobrigado de continuar a gestão, caso contrário fica
obrigado a manter até ao fim ou até que o dono do negócio assuma a gestão iniciada. Quer
dizer que, em geral, a interrupção da gestão constitui um acto ilícito que constitui
responsabilidade civil – art. º 472 e ss.
O gestor está obrigado – art. º 465 b) – a dar _____________ ao dono do negócio que assumiu
a gestão. Se não o fizer responde pelos danos que haja causado.
O gestor está obrigado a prestar contas da sua gestão em qualquer das circunstâncias da
alínea c) do art.º 465.
Por último, o gestor deve ainda, segundo as alíneas d) e e), prestar informações que sejam
objectivamente necessárias em relação a todos os actos que pratica e deve também entregar
todos os valores que tenha em seu poder por causa da gestão que efectuou.

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As obrigações do dono do negócio, por sua vez, dependem de a Gestão de Negócios ser
regular ou não, isto é: é regular quando o gestor actuou de harmonia com a vontade real ou
presumível do dono do negócio e não é regular no caso contrário. Assim, se for regular – art. º
- o dono do negócio fica obrigado a reembolsar o gestor pelas despesas que este tenha
realizado na sua actuação como gestor. De todo o modo, o dono do negócio, não tem de
reembolsar todas as despesas, apenas aquelas que objectivamente sejam necessárias.
Ao contrário, se a gestão for irregular, o dono do negócio não tem que reembolsar as despesas
mas está obrigado apenas a compensar o gesto pelo enriquecimento que o dono do negócio
tenha eventualmente obtido pela gestão.
De todo o modo, mesmo quando a gestão seja irregular, se o dono do negócio aprovar essa
gestão, não só o gestor fica isento da responsabilidade pelos danos causados, nos termos do
art. º 466 nº2, como fica com o direito de reembolsar o gestor pelas despesas objectivamente
indispensáveis, ou seja, o dono do negócio fica obrigado pelo art. º 468 nº1.
Como consequência, a aprovação da gestão só tem relevância quando a gestão seja irregular,
caso contrário presume-se que a gestão está aprovada por natureza.
Por fim, o dono do negócio fica também obrigado a remunerar o gestor que cumpre que a
gestão tenha sido desenvolvida no domínio da própria actividade profissional do gestor – art. º
471 nº1.

 ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA


O enriquecimento sem causa gera obrigações acima de tudo devido á verificação de factos da
mais variada natureza que implicam uma transferência patrimonial do património de um
sujeito para o património de outro, sem que exista uma razão juridicamente elidível. Por
conseguinte, a expressão enriquecimento sem causa é enganadora porque não há nenhuma
transferência patrimonial sem causa, o que acontece é que a causa é que não é juridicamente
aceitável. É tão difícil definir quando é que uma razão é aceitável que o CC no art. º 473 diz
apenas que aquele que enriqueceu tem de restituir na medida do enriquecimento.
Por esta razão é que o enriquecimento sem causa nunca é uma fonte de obrigação de
aplicação genérica. Ao contrário, como resulta do art. º 474, só se pode invocar o
enriquecimento sem causa quando não existir qualquer outra solução para o caso, e mesmo
assim pareça pouco razoável manter aquela transferência patrimonial. Ex: as benfeitorias úteis
que não possam ser transferidas – art. º 1273 nº1 e nº2.
A ideia do enriquecimento sem causa é a do evitar enriquecimentos á custa alheia.
Do ponto de vista jurídico, a expressão “causa” tem vários sentidos. O sentido normal é o que
considera que a causa é sinónimo de função de certo acto jurídico. Portanto, a causa neste
caso não está entendida antes de algo antes do negócio jurídico, mas como algo posterior,
relativo ao fim. Neste sentido, a utilidade deste caminho é apenas em matéria de contratos
atípicos, porque a causa á naqueles o principal elemento para decidir acerca da licitude do
negócio atípico.
Num segundo sentido, “causa” designa a motivação subjectiva, que levou certamente pessoas
a praticar um determinado negócio jurídico.
Do ponto de vista jurídico, a motivação (causa) em princípio é irrelevante, salvo quando exista
uma deficiência no processo de motivação, seja por erro, seja por medo, porque nesses casos
a motivação surge viciada e aí, verificados certos requisitos, permite-se a anulação do negócio.
De todo o modo relevância da motivação é negativa (que é de anular o negócio).

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Num segundo sentido, pode ser entendida como fundamento ou de título para a produção de
certos efeitos jurídicos. É neste sentido que se distinguem os negócios causais dos abstractos,
porque nestes os efeitos produzem-se independentemente de existir um fundamento válido
para a produção desses efeitos. Nos causais sem esse fundamento esses efeitos não se
produzem.
No enriquecimento sem causa, utiliza-se a expressão “causa” num sentido diferente de todos
os anteriores. Neste caso, causa é sinónimo de facto insuficiente para fundamentalmente
justificar uma determinada transferência patrimonial. Portento, o enriquecimento não tem
causa quando o facto que determinou a transferência patrimonial não é considerado suficiente
(razoável) para que tal transferência tivesse ocorrido.
 Requisitos que dão origem á obrigação de restituir com fundamento no enriquecimento.
O enriquecimento sem causa é fonte de obrigação na medida em que alguém tenha obtido um
enriquecimento á custa do património de outrem. A obrigação surge para se conseguir
restituir esse enriquecimento á pessoa á custa de quem se obteve o enriquecimento.
Em geral, o enriquecimento sem causa ocorre numa transferência patrimonial que, tendo uma
causa, não se considere que essa seja legítima. Por isso, há que restituir a transferência obtida
para o património daquele que sofreu a perda correspondente. É por isso que, em geral,
aquele que obteve a transferência é designado pelo enriquecido e o que sofreu a transferência
pelo empobrecido. No entanto, há situações que se obtém um enriquecimento á custa alheia
sem que correspondentemente algum sofra uma perda. É o que sucede, por exemplo, quando
se utiliza uma coisa alheia em beneficio próprio ou quando se tiram rendimentos naturais ou
civis, de algo alheio.
Por isso, quando se diz que o enriquecimento gera a obrigação de restituir, não se trata de
restituição, mas de colocar o benefício patrimonial no património ao qual pertencem. Como,
no exemplo típico de enriquecimento implica transferência patrimonial, a lei considera que dá
origem a restituição.
Os requisitos da obrigação de restituir são os que resultam do art. º 473 474.Do primeiro
resulta, que alguém que obtenha um beneficio patrimonial á conta do património de outra
pessoa, beneficio que pode consistir no aumento patrimonial do enriquecido, no passivo
patrimonial do enriquecido ou casos de utilização de uma coisa ou direito alheio.
O segundo requisito – é necessário que esse enriquecimento não tenha causa justificativa. O
problema não é a falta de causa, mas sim é de que essa causa não é suficiente ou justa.
O terceiro requisito – é de que o enriquecimento tenha sido obtido á custa do património da
pessoa que pretende obter a restituição.
Do art. º 474 resulta outro requisito que é o de que não seja possível obter a restituição por
outra via qualquer, ou seja, a obrigação de restituir fundada no enriquecimento tem carácter
subsidiário (ex: quando não seja possível obter a restituição pela responsabilidade civil, ou pela
declaração de nulidade, etc.).
O art. º 474 conclui ainda outras duas situações que, no rigor, não implicam o carácter
subsidiário, mas são situações em que muito simplesmente não há obrigação de restituir
apesar de ter havido enriquecimento.
Uma verifica-se quando a lei negar o direito á restituição, ou seja, nos casos em que, apesar de
não existir uma causa suficiente para o enriquecimento, a lei considera esse enriquecimento
legítimo. São os casos, por exemplo, da aquisição por usucapião – art. º 1257 e ss. - E os casos,
de prescrição de créditos, porque em qualquer dos casos se obtém um enriquecimento (por
aumento do activo e por diminuição do passivo, respectivamente) que se fundamenta em

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causas puramente factuais, mas em ambos os casos a lei considera legítimo o enriquecimento
obtido por esta medida.
Por outro lado, também não existe obrigação de restituir quando a lei atribuir ao
enriquecimento, efeitos diferentes da obrigação de restituir. Ex: se a lei permitir que as partes
regulem entre si os efeitos decorrentes da realização de benfeitorias, se essas.. ... .... .... ....
A própria lei, em várias situações, estabelece que o efeito de certo enriquecimento dá origem
á restituição. Nesses casos não vale a pena verificar se existem ou não outros meios.
Nesses casos, o regime do art. º 474 deixa de se verificar. Ex: benfeitorias – art.º 1272, nº2.
No capítulo dedicado ao enriquecimento, a lei regula três casos – art.º 476, 477 e 478 – em
que expressamente se considera que o regime aplicável é o do enriquecimento sem causa.
Essas três situações reconduzem-se sempre á mesma ideia, ou seja, reconduzem á situação em
que se cumpriu uma situação que não era suposto cumprir. O enriquecimento sem causa,
neste caso, verifica-se em relação àquele que couber essa prestação. Essa pessoa obtém um
aumento do património que não deveria ter obtido através do património da pessoa por quem
obteve, o não devia sequer ter obtido. São os casos em que alguém cumpriu uma obrigação
alheia, convencido que era obrigação própria (erro no cumprimento) – art. º 477 alguém
cumpre uma obrigação de outrem sabendo que é alheio mas convencido de que está obrigado
a cumprir (ex: caso de fiador que cumpre a obrigação do devedor afincado pensando que é ele
que deve cumprir primeiro) – art.º478.
Em todos estes casos o que se pretende é obter a restituição de indivíduo, ou seja, obter a
restituição de algo que não era suposto ter cumprido.
Na primeira hipótese – art.º 476 – essa restituição do indivíduo tem em vista apenas proteger
os interesses do que cumpriu sem estar obrigado. Ao contrário, nos outros dois casos é preciso
considerar também a situação do credor que desconhece a razão pela qual o não devedor está
a cumprir em nome do devedor efectivo e, portanto, nestes dois casos pode acontecer que a
restituição do indivíduo não seja possível ou de todo a lei não permite. Nestes casos o
enriquecimento do credor tem causa, é legítimo e não se pode exigir a restituição a esse
credor.
As situações resultantes do art.º 476, 477 e 478 supõe que a obrigação do todo, não existe –
art.º 476 – que a obrigação existe mas que não vincula a pessoa que cumpriu e esta cumpriu
por erro – art.º 477 – e, por fim, cumpriu a obrigação existente que não vincula a pessoa que
cumpriu mas esta cumpriu porque estava convencida que estava obrigada a cumprir – art.º
478.
No regime do art.º 476 verifica-se, se assim se pode dizer, o cumprimento de uma obrigação
inexistente. Para que isto suceda á necessário que a obrigação na realidade não exista. Em
segundo lugar, é necessário que a entrega efectuada pelo “devedor” tenha sido feita com a
finalidade de cumprir uma obrigação, isto para excluir os casos em que a entrega é feita com
finalidade diferente (ex: beneficiar outra pessoa). Por fim, supõe-se que a obrigação não exista
tanto juridicamente como moralmente, porque se existir aquilo a que a lei designa por
obrigação natural, não há direito a exigir a restituição por que nos termos do art.º 403, não se
pode exigir aquilo que for prestado espontaneamente, ou seja, sem coacção, um cumprimento
de obrigação natural, o que significa que se á efectuado o cumprimento de uma obrigação que
não é juridicamente exigível mas é moralmente exigível não se verifica enriquecimento sem
causa por quem receber. Por conseguinte, não há obrigação de restituição. O Prof crê que a
obrigação natural é uma obrigação natural, no entanto, esta não é judicialmente exigível, mas
tem de ser jurídica porque se não fosse o credor, recebendo a prestação, não podia ficar com
ela.

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Nota:
A obrigação natural não permite a coacção, ou seja, não permite a exigência judicial.
O nº3 do art. 476, prevê a hipótese de a obrigação existir, mas não ser ainda exigível em
virtude de o cumprimento dessa obrigação estar dependente da verificação de um prazo
estabelecido no interesse do devedor. Nesta situação, no rigor a obrigação existe, acontece
que ainda não está vencido, por isso se o devedor cumprir antecipadamente por erro, não há o
direito de exigir restituição, o que se prestar, mas apenas o direito de exigir o enriquecimento
que o credor tenha obtido com o cumprimento antecipado. Por outro lado, não é qualquer
erro do devedor que permite a exigência de restituição, tem de ser erro desculpável.
No caso em que, por erro, se cumprem obrigações alheias – art.º 477 e 478 – é preciso
considerar, não apenas o direito da pessoa que cumpriu quando não tinha que cumprir, mas é
preciso considerar também o interesse do credor que confia na veracidade do cumprimento.
Por isso, nos termos do art.º477, em geral, aquele que cumpre a obrigação alheia pensando
que a própria pode exigir a restituição na medida do enriquecimento do credor, excepto
quando o credor, por um lado, ignore que o devedor está em erro, e desde que a restituição
possa prejudicar o credor por entretanto, o credor ter abdicado das garantias do cumprimento
(ex: renunciou á hipoteca dado que confiou que já tinha obtido o cumprimento), seja porque
deixou decorrer o prazo para exigir o cumprimento ao verdadeiro devedor.
Em todas estas situações, se o credor tivesse que restituir, sofria um prejuízo que podia chegar
constituir uma perda de crédito. Portanto, nestas circunstâncias, para protecção do credor, a
prestação do “devedor” mantém-se, ou seja, não há direito á restituição com fundamento no
enriquecimento sem causa. O que pode acontecer é o previsto no art.º 477, nº2. No caso de
crédito se extinguir, o terceiro que cumpriu, pode intentar acção de restituição contra o
devedor que enriqueceu, dado que esse devedor enriqueceu á custa alheia.
Na hipótese do art.º 478, o artigo diz que o terceiro que cumprir não se pode exigir a
restituição ao credor, excepto quando o credor sabia que o terceiro estava em erro ao
cumprir.
Se não houver nenhuma confiança a proteger, ou seja, se o credor souber que o terceiro está
em erro, há fundamento para exigir a restituição.
No caso em que se deve proteger a confiança do credor não se pode exigir a prestação a esse
credor, mas pode o terceiro exigir do devedor o enriquecimento que esse obteve por causa do
cumprimento desse terceiro. Portanto, a solução do art.º 478 é praticamente igual á do art.º
477, salvo que naquele caso o terceiro nunca fica subrogado nos direitos do devedor, e o
terceiro limita-se ao direito de restituição em relação ao devedor ou ao credor, se este não
está em situação de confiança.
Quanto ao montante da obrigação de restituir, a regra geral – art.º 479 – é que se deve
restituir tudo aquilo que corresponda ao enriquecimento. Quer dizer que o que o enriquecido
está obrigado a restituir, é toda a mais-valia que ele obteve, independentemente de o
empobrecimento daquele que exige a restituição ser equivalente ao enriquecimento ou não.
Ex: quando alguém utiliza coisa alheia ou tira frutos de coisa alheia, no rigor, a pessoa que
pede a restituição não empobreceu, mas o que enriqueceu fê-lo através de coisa alheia.
O problema é determinar qual o valor que o enriquecido deve ao empobrecido.
Pode acontecer que exista enriquecimento sem causa á custa do empobrecido, de todo o
modo tem que se restituir porque esse enriquecimento envolve a intromissão em bens alheios.
A ideia é de que se deve restituir a globalidade da mais-valia, independentemente de
determinar o grau do empobrecimento.

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Em caso de não ser possível a restituição em “in natura” faz-se a restituição equivalente em
dinheiro.
- RESPONSABILIDADE CIVIL -
A responsabilidade civil, segundo a tradição, distingue-se basicamente em responsabilidade
obrigacional (contratual) e extra-obrigacional (extracontratual).
Quando surgem danos causados por uma pessoa que está obrigada a uma certa prestação que
não cumpre em termos a responsabilidade obrigacional, significa isto que se abrange a
responsabilidade derivada do não cumprimento de obrigações contratuais e o não
cumprimento de obrigações derivadas de negócios unilaterais e abrangem-se ainda os casos
de não cumprimento de obrigações directamente derivadas da lei (ex: casos em que a lei ou o
direito em geral impõe uma obrigação de contratar e o não cumprimento dessa obrigação
origina responsabilidade obrigacional – ex: art.º 1428, n3).
Esta responsabilidade obrigacional fica sujeita ao regime dos art.º 798 e ss., apesar de nestas
disposições estar pressuposto que o não cumprimento é relativo a uma obrigação contratual
(mas é extensível ao incumprimento extra-contratual).
Esta responsabilidade extra-obrigacional verifica-se “à contrário” quando se produzem danos
derivados de um facto qualquer que não implique incumprimento de uma obrigação. Pela
perspectiva tradicional o direito em geral é um conjunto de normas que impõe deveres e, no
máximo, esses deveres podem distinguir-se consoante sejam impostos a pessoas
determinadas ou a pessoas indeterminadas.
Assim, a responsabilidade extra-obrigacional deriva da violação de um dever que recai sobre
qualquer pessoa, ao passo que, a responsabilidade obrigacional recai sobre uma pessoa
especificamente individualizada. No caso da responsabilidade extra-obrigacional, portanto, a
obrigação que é violada é a obrigação passiva universal.
A responsabilidade obrigacional resulta da violação de uma obrigação que está instituída
perante uma certa pessoa (o devedor incorre em responsabilidade obrigacional quando não
cumpre a sua obrigação).
Ao contrário quando ocorre uma violação do direito de propriedade o que se está a infringir é
a obrigação de não interferir com direitos alheios, que é uma obrigação que se impõe perante
todas as pessoas – responsabilidade extra-contratual.
Actualmente o esquema da relação jurídica não se tem considerado razoável para os direitos
relativos. O essencial na responsabilidade extra-contratual não é a violação de uma obrigação,
mas sim, ter havido uma intromissão na esfera jurídica de outra pessoa que causou danos.
Concluindo, na responsabilidade obrigacional essa responsabilidade surge porque o não
cumprimento da obrigação causou um dano a outra pessoa. Ao contrário na extra-contratual a
responsabilidade surge porque se verificou uma intromissão ilícita na esfera de outra pessoa.
Em última análise há quem entenda que a responsabilidade contratual implica uma relação
jurídica e na responsabilidade extra-contratual não existe relação jurídica.
 Responsabilidade extra-obrigacional – art.º483 e ss.
Culpa – É um juízo de censura. Conduta omissiva da diligência exigível. É a imputação do facto
ao agente.
Esta responsabilidade destina-se, acima de tudo, a reparar danos causados numa esfera
jurídica em virtude de um comportamento de terceiros. De acordo com o art.º483, a regra é
de que a obrigação de reparar os danos pressupõe em primeiro lugar a ilicitude da actuação do

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terceiro e, em segundo lugar, que essa actuação do terceiro seja culposa, ie, que exista dolo ou
negligência.
Por isto chama-se a esta responsabilidade subjectiva, na medida em que pressupõe a
formação de um juízo de culpabilidade (que é um juízo que só se pode fazer em concreto, ou
seja, perante o agente que causou o dano).

Ao lado desta responsabilidade subjectiva existem os casos da responsabilidade objectiva –


casos em que se impõe, ao terceiro cujo, a conduta causou o dano, obrigação de reparar o
dano mesmo que a conduta não seja ilícita e mesmo que essa conduta não seja culposa.
Esta responsabilidade objectiva distingue-se em responsabilidade pelo risco e
responsabilidade por factos lícitos.
A primeira existe quando a conduta que causa o dano é perigosa (objectivamente) – ex:
circulação automóvel. A segunda existe e define-se quase por exclusão de partes, ou seja, não
é preciso provar a ilicitude com a culpa mas a conduta que causa o dano também é uma
conduta perigosa.
A ideia é que na responsabilidade pelo risco responsabiliza-se certa pessoa pelos danos
causados a outra em virtude de se partir do princípio que aquele que tem os benefícios das
vantagens dessa conduta perigosa dever ter também as desvantagens correspondentes.
Quando se diz conduta objectivamente perigosa, fala-se, obviamente, numa conduta
socialmente aceitável. Ao invés, na responsabilidade por factos lícitos a razão de ser da
obrigação de reparar os danos está fundada em razões de equidade, ou seja, em razões de
justiça no caso concreto (ex: art.º 339). Embora seja lícita a actuação que é feita em estado de
necessidade seria injusto que outrem suportasse os danos decorrentes desse estado de
necessidade.
De todo o modo tanto a responsabilidade pelo risco como a responsabilidade por factos lícitos
– art.º 483, nº2 – só existirá nos casos especificamente previstos na lei, o que significa que, por
muito razoável que possa parecer a imposição de uma destas responsabilidade, a
responsabilidade não existe se não estiver prevista na lei.
Seja qual for a espécie de responsabilidade extra-obrigacional, verificados os requisitos do art.
483, nº1 ou os requisitos concretos de responsabilidade pelo risco ou por factos lícitos,
constitui-se contra a pessoa responsável uma obrigação e, portanto, a pessoa que sofre o dano
que deve ser reparado passa a ter um direito de crédito, que lhe permite exigir essa reparação,
e que significa que verificados os pressupostos de uma destas responsabilidades constitui-se
uma relação jurídica entre a pessoa que sofre o dano e a pessoa a que esse dano é imputável.
Ou seja, antes de causar o dano não há relação jurídica mas com esse dano constitui-se a
relação jurídica, agora com sujeitos determinados.

 Responsabilidade por factos ilícitos:


Pressupostos da constituição da obrigação de indemnizar com fundamento nesta
responsabilidade:
Nos termos do art.º 483 nº1 é usual enumerar esses pressupostos do seguinte modo:
1) Facto
2) Ilicitude
3) Culpa do agente

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4) Verificação do dano
5) Nexo de causalidade entre facto e dano
Nota:
Na responsabilidade pelo risco e por factos lícitos não se exigem o segundo e o terceiro
pressuposto.
Estes pressupostos querem dizer que a responsabilidade pressupõe a verificação de um dano
e, portanto, a responsabilidade destina-se a reparar esse dano e, por conseguinte, a obrigação
tem por medida o dano verificado. Daí que a responsabilidade civil entre nós não possa
funcionar como uma sanção ou castigo dado que se destina apenas a reparar o dano.
Há sistemas estrangeiros (EUA e Itália) em que certos casos a responsabilidade civil pode
funcionar também, para além de reparar o dano, castigar o agente, em virtude de a obrigação
de indemnizar ser merecida em função do dano, mas também em função do património do
que causou o dano, ou seja, quem tem mais paga mais.
Por outro lado, entre nós a responsabilidade civil supõe que é possível identificar o autor do
facto que causou o dano.
Os métodos que têm sido seguidos no estrangeiro, não sendo possível identificar quem causou
o dano, pagam todos os que podiam ter causado o dano.
Em conclusão, a responsabilidade civil supõe um autor, que em relação a ele, é possível um
juízo de culpa, o dano e uma causalidade entre o dano e o facto. No dano é essencial
demonstrar a sua existência para haver responsabilidade civil, porque não havendo dano
(mesmo que morais) pode haver responsabilidade penal, mas não civil.

1) Facto – (Todo e qualquer comportamento humana dominável pela sua vontade


dirigida a um determinado fim)
Este é o pressuposto básico.
Usualmente identifica-se facto com acção humana porque embora a responsabilidade civil
possa ser originada por um facto natural tem que se tratar sempre de uma parte que pelo
menos seja dominável pela vontade humana, o que significa que os factos naturais, que
originem responsabilidade civil têm que ser partes cujos efeitos possam ser evitados pela
intervenção de alguém (ex. caso da introdução de raízes de árvores em propriedades alheias –
paredes ou muros. Em alguns casos torna-se impossível sem destruir o muro ou a parede. É
responsável a pessoa que podia ter evitado o crescimento da raiz naquela direcção. Este é um
facto natural, mas que podia ser dominado pela vontade).
Esta acção dá origem á responsabilidade qualificada, segundo a doutrina dominante, como
uma acção final, ie, considera-se que qualquer actuação humana é designada a um certo fim
(daí a designação acção final). Quando esse fim causa danos a outra pessoa surgirá então
responsabilidade civil ou penal. No entanto, do ponto de vista estritamente civil, há uma
reserva a esta concepção: é que isto só abrange no rigor os comportamentos dolosos, ou seja,
comportamentos em que exista a intenção de causar o dano. Apesar da responsabilidade civil
também poder surgir por negligência, é neste caso, não se pode dizer que exista a finalidade
de causar o dano, principalmente quando aquela é negligente.
Portanto, diz-se que o comportamento que dá origem a uma responsabilidade civil tem de ser
um facto humano ou um facto natural que possa ser dominado pela vontade humana.

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Este facto tanto pode ser activo como omissivo, ou seja, a responsabilidade tanto pode ser
activa como omissiva.
Só estes interessam referir, porque existe um princípio de direito civil, segundo o qual a
omissão é juridicamente irrelevante. Daí que, por exemplo, o dolo só muito restritamente é
que permite a anulação do negócio quando seja dolo omissivo – art.º 253, nº2.
Daí que, também, por exemplo, o silêncio – art.º 218 – não tenha valor declarativo.
Disto que, tanto no caso da responsabilidade civil como na penal, em princípio, as omissões
não dão origem a obrigações de indemnizar salvo quando existir um dever jurídico de actuar
que não seja cumprido.
É muito discutível quando é que existe o dever jurídico de actuar que, tenha em vista preservar
o património do lesado.
O art.º486 diz que só existe o dever jurídico de evitar danos de terceiros quando esse dever
resulta da lei ou de negócios jurídicos. No caso do negócio jurídico é difícil que esse dever
resulta expressamente. Normalmente trata-se de deveres implícitos da celebração de certo
negócio (ex. contrato que é celebrado entre a pessoa que quer aprender a nadar e o instrutor,
implica que este tenha o dever de preservar a pessoa do instruendo). Além disto, em penal
acrescenta-se que a omissão também é relevante quando o dever de actuar resulta da
chamada ingerência, ie, se algum actuou sobre bens alheios é responsável pelos danos que daí
possam resultar para o titular desses bens por força da ingerência desses bens (ex. se alguém
pegou fogo á cada da outra pessoa sem saber que dentro de casa havia pessoas, mas depois o
descobre, nesse caso tem o dever de auxiliar essas pessoas. Se não auxiliar essa ingerência
incorre em responsabilidade penal e civil).
Tem-se tentado passar esta ideia, principalmente para direito civil, mas não existe base legal.
2) Ilicitude
Na responsabilidade civil, a regra é de que só há responsabilidade se o facto for ilícito. A ideia
geral de ilicitude é de actuação contra os valores jurídicos (não é só contra a lei). Também há
ilicitude quando se actua com abuso de direito, contra a boa-fé objectiva, contra os bons
costumes.
Pela doutrina dominante, no art. º 483, identificaram-se espécies dominantes de ilicitude:
- Violação de um direito alheio ou violação de um interesse alheio legalmente protegido
Para efeitos de responsabilidade civil extra-obrigacional a violação de um direito, significa
violação de um direito absoluto, ou seja, um daqueles direitos cuja existência não dependa de
outra relação jurídica (direitos reais, de personalidade, de propriedade intelectual) e, ao que
parece, a violação de direitos relativos (direitos cuja existência dependa de uma relação
jurídica) já não cabe no art.º 483 nº1, mas sim, na responsabilidade contratual – art.º 798 e ss.
Para quem entenda que existe a eficácia externa da obrigação, a violação de um direito de
crédito (direito relativo) por quem não esteja abrangido pela relação jurídica, ou seja, pelo
terceiro, também origina responsabilidade extra-obrigacional – art.º 483 nº1 (ex. prestação
feita a credor aparente, sujeita a este a responsabilidade extra-obrigacional).
A segunda variante de ilicitude é uma situação em que existe uma norma legal que não
confere direitos a ninguém, mas dessa norma resulta uma determinada protecção para certas
pessoas, por isso, se ocorrer um comportamento de terceiro que atinja os interesses
protegidos por esta norma verifica-se também um caso de responsabilidade civil. Ex – os
proprietários de prédios inferiores estão obrigados - art.º 1351 – a deixar correr ou receber
águas que correm naturalmente dos prédios superiores. Em consequência, os prédios

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inferiores podem, querendo, aproveitar essas águas – art. º 1391. Se, entretanto o proprietário
do prédio superior decidir, ele próprio, aproveitar essas águas, os proprietários dos prédios
inferiores não podem reagir, dado que se considera que eles não têm um direito á água que
corre do prédio superior, mas beneficiam apenas da inércia do proprietário superior.
Diz-se, no entanto, que se a privação da água imposta aos prédios inferiores decorrer, não de
uma actuação do prédio superior, mas de uma actuação de terceiros, pelos danos
correspondentes a essa actuação respondem os terceiros, nos termos da responsabilidade civil
extra-obrigacional.
Pela tese tradicional, os proprietários inferiores não têm um direito á água, logo não podem
invocar o direito, mas sim, um interesse que foi prejudicado por um terceiro.
Sendo assim, torna-se muito complicado entre um direito e um interesse protegido. Ainda por
cima, os interesses podem ser directamente protegidos ou reflexamente protegidos (nestes
nunca se pode exigir responsabilidade civil).
A ideia geral é de que, para aplicação do art. º 483, é necessária a existência de um dano a um
titular de direito, independentemente deste ser um verdadeiro direito subjectivamente ou um
interesse directamente protegido.
Além disto, o CC contém ainda duas situações típicas que foram expressamente qualificadas
como ilícitas e, portanto, susceptíveis de originar responsabilidade civil: art. º 484 e 485.
A situação do art. º 484, verifica-se nos casos em que se afirma ou se difunde a verificação de
um facto que pode prejudicar o crédito ou a reputação da pessoa visada. Isto importa porque,
segundo a doutrina corrente, mesmo quando a verificação de certos factos seja verídica, a sua
divulgação pode denegrir a imagem pública de certa pessoa. Se não for um facto de interesse
público ou se não for um facto cuja informação deva ser prestada (ex. se alguém é citado para
testemunhar certo facto) deve-se guardar reserva sobre qualquer facto que possa atingir a
imagem da pessoa (por isso, por ex, não se pode divulgar publicamente que o médico se
enganou no diagnóstico, etc., porque mesmo que esses factos sejam verdadeiros, atingem a
reputação do visado e, por isso, são ilícitos nesse sentido).
A outra situação – art. º485 – é relativo aos conselhos, recomendações ou informações. A
ideia aqui é de que quem dá um conselho, informação ou recomendação, não fica vinculado á
eventual inveracidade desses conselhos, mesmo quando exista negligência. Exceptuou-se os
casos em que exista o dever de dar o conselho, informação ou recomendação, seja porque
esse dever deriva da lei ou de contrato (ex. casos em que se contrata um consultor ou jurista)
ou então, quem dá o conselho também é responsável por ele, quando o fez para prejudicar a
quem se dirige. Nestes casos, há ilicitude e se estiverem reunidos os restantes pressupostos há
responsabilidade.
) Causas de exclusão da ilicitude:
Em termos genéricos existem duas causas de justificação do facto, que são: por um lado, o
exercício normal de um direito ou, por outro lado, o cumprimento do dever. Assim, se o dano
é causado por uma destas duas razões não há ilicitude, logo não há responsabilidade, salvo se
a lei disser algo em contrário.
Por exemplo, o caso de danos causados no exercício de um direito é o art. º1346 – emissões
que afectam a utilização de outros prédios pertencentes a proprietários diferentes. Essa
emissão só é ilícita se resultar do exercício anormal do proprietário.
Ex: No cumprimento do dever, é o caso que se aplica a todos os agentes de autoridade, que
para executar determinada decisão, causam danos. Não há ilicitude, não há responsabilidade.

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Além destas causas genéricas de justificação, existem causas específicas que estão no CC a
propósito da chamada tutela privada dos direitos - art. º 336 e ss.
Basicamente é a acção directa – art. º 336 – legitima defesa – art. º337 – consentimento do
lesado – art. º340 – estado de necessidade – art. 339.
A acção directa pressupõe que o único meio que o titular de certo direito tem ao seu dispor
para proteger esse direito, consiste na sua própria actuação destinada á tutela do direito.
Pressupõe-se assim, que aquele que actua seja efectivamente titular do direito que pretende
proteger com a acção directa. Em segundo lugar é necessário que ocorra a chamada
necessidade, i.e., que seja impossível recorrer aos meios normais em tempo útil, portanto, de
forma a garantir a integridade do direito. Em terceiro lugar é necessário que se verifique a
chamada adequação, i.e., que a acção seja levada a cabo na medida do indispensável para
evitar o prejuízo próprio – art. º 336 nº1. Um quarto requisito – art. º336 nº3 – significa que se
leve em consideração o valor relativo dos interesses em conflito, i.e., o interesse do que actua
e o interesse daquele contra quem se actua, porque a acção directa não pode implicar o
sacrifício de interesses de valor superior àquele a que se pretende assegurar.
Verificados estes requisitos, a acção directa é lícita e, portanto, exclui-se a ilicitude, logo a
responsabilidade. A falta de algum destes requisitos implica a ilicitude e responsabilidade,
embora essa responsabilidade possa ser atenuada ou até excluída através do terceiro requisito
da responsabilidade (culpa) dado que podem existir motivos subjectivos que permitam
concluir que a pessoa, embora actuando excessivamente, tenha tido a acção que teve por
causa de uma motivação compreensível (ex: medo).
O art. º 336 nº2 acrescenta que a acção directa pode consistir na apropriação ou destruição
duma coisa pertencente a outra pessoa ou na eliminação de uma resistência criada
ilicitamente por outra pessoa. Tanto a acção directa como o legitima defesa acabam por ter
dignidade constitucional porque são subsumidas ao direito de resistência (art. º21 CRP).
A legítima defesa distingue-se da acção directa dado que aquela consiste numa reacção contra
uma acção ilícita de outra pessoa. Quer dizer que na legítima defesa se supõe que outra
pessoa tenha causado uma agressão que ponha em perigo determinados direitos que
legitimam a reacção através da legítima defesa.
A legítima defesa é lícita tanto para defesa de bens pessoais ou patrimoniais daquele que
reage como para defesa de bens pessoais ou patrimoniais de terceiros – art. º 337 nº1. Mas a
legítima defesa só pode atingir bens do agressor.
O art. º 337, exige para a licitude de legítima defesa que a agressão seja actual, por
conseguinte, se a agressão já cessou, a actuação da pessoa que defende determinados bens,
só pode ser considerada como acção directa. Além disso, a agressão tem de ser ilícita, por isso,
uma legítima defesa contra uma acção praticada contra o cumprimento de um dever ou no
exercício de um direito, a legitima defesa é ilícita. Para além destes, exigem-se os mesmos
requisitos que se exigem para a acção directa - art. º 337 nº1.
O art. º 337 nº2 salienta que se eventualmente o dano causado ao agressor for superior ao
dano que se pretendeu evitar pela legitima defesa, não existirá responsabilidade se o excesso
for devido a perturbação ou dano não culposo. Num ponto a terminologia do ???? porque
nesses casos existe uma justificação (mas não de ilicitude) da culpa.
Se a actuação for fora dos art. º 336 e 337 e essa actuação se dever a um erro acerca da
verificação dos pressupostos da acção directa ou da legitima defesa, nesses casos, mesmo que
se verifique uma causa da extensão da culpa, impõe-se uma obrigação de indemnizar (art. º
338) se o erro for censurável (negligência) o que quer dizer que a culpa só fica excluída e,
portanto, só se exclui a responsabilidade civil se este for desculpável.

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O critério para averiguar acerca da desculpabilidade ou não do erro tem-se entendido que é
um critério objectivo, ou seja, o critério da pessoa de normal diligência, o que implica que o
erro é desculpável quando uma pessoa normal naquelas circunstâncias também teria
cometido esse erro. Ex: nos casos do art.º 1346 pode não ser perceptível a razão que provoca
essa emissão. Neste caso teremos acção directa, mas injustificada, ou seja, ilícita.
O estado de necessidade – art. º 339 – supõe que alguém actua para eliminar um perigo que
pode provocar um dano manifestamente superior àquele que resultaria da não actuação, o
que significa que, ao contrário da acção directa e legítima defesa, é essencial demonstrar que
o dano que resultaria da não intervenção do agente seria superior àquele que resultou para o
3º da actuação em estado de necessidade.
Daqui decorre que se o dano que se pretende evitar é, por ex., de valor igual, pelo menos há
um estado de necessidade que o justifica. Ex.: caso de 2 náufragos quando só há um colete de
salvação. O dano que se pretende evitar (a morte) é igual, logo não há justificação para o
estado de necessidade. Opta-se nestes casos por uma exclusão de responsabilidade.
Os penalistas distinguem entre o estado de necessidade justificante – art. º 339 que é o que
exclui a ilicitude e o estado de necessidade desculpante que exclui a culpa (e não está previsto
no art. º 339).
Supõe um perigo actual que o agente procura afastar através da sua actuação, actuação esta
que tem em vista evitar um dano consideravelmente superior àquele que é causado a terceiro
com a actuação do estado de necessidade.
Em todos os casos em que existe uma actuação para eliminar um perigo actual mas não se
demonstra que o dano que se procura evitar é superior, ou não é consideravelmente superior
ao que se causou, pode continuar a verificar-se estado de necessidade, não como causa de
exclusão de ilicitude mas como causa de exclusão de culpa desde de que o agente tenha
actuado determinado pelo medo ou por razão desculpável.
No estado de necessidade justificante ou desculpante, tem-se verificado que o que actua pode
não ser responsabilizado pelo acto do estado de necessidade, mas pela responsabilidade
objectiva (actos ilícitos).
Se o estado de necessidade surge em virtude de o perigo que se pretende eliminar ter sido
criado pela própria pessoa que actua em estado de necessidade, exclui-se a ilicitude, mas essa
pessoa é responsabilizada pela totalidade dos danos causados àquele que os sofreu.
Há direito a indemnização por actos lícitos desde que o juiz entenda que é razoável obrigar o
agente ou terceiro, que beneficiaram com a acção do agente, a pagar uma indemnização que
pode apenas ser considerada como um equilíbrio. O que significa, de todo o modo, que temos
uma situação em que se pode utilizar a responsabilidade civil de uma forma punitiva (ex.: pela
falta de diligência).
Tratando-se de danos pessoais é impossível usar-se a responsabilidade civil como punitiva. Só
é possível para situações derivadas de situações patrimoniais.
Consentimento do Lesado - art.º 340
No que toca á exclusão da ilicitude por força do consentimento do lesado, é possível descobrir
3 hipóteses:
1 – Consentimento tolerante/justificante – art.º 340
Verifica-se na situação em que um facto à partida ilícito se torna lícito porque a pessoa
atingida consentiu na lesão expressa ou tacitamente (art., 340, Aproveita-se apenas do
consentimento da pessoa que sofre o dano n.º 1 e n.º 3). Entende-se por consentimento tácito

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aquele em que a actuação do agente que causou danos numa pessoa, for actuação no
interesse do lesado, e de acordo do que seria apontado normal da pessoa lesada. Ex.: justifica-
se a intervenção cirúrgica do médico quando o paciente não esteja em condições de declarar
se quer ou não a intervenção.
Nesta situação, a pessoa que provoca o dano não tem o direito a causar esse dano.
O art.º 340, n.º 2, acrescenta que mesmo quando haja consentimento expresso ou tácito, esse
consentimento é irrelevante quando a actuação for contrária ao Direito.
2 – Consentimento autorizante – art. º 81, n.º 2
Resulta de um contrato celebrado entre a pessoa que sofre o dano e a pessoa que cause o
dano, por força do qual aquele que cause o dano actua no exercício de um direito que é
conferido por esse contrato. O que acontece é que no nosso direito essa realidade se resume
aos casos que atingem bens de personalidade. Os danos têm de ser compensados.
3 – Consentimento vinculante (Principio geral da autonomia da vontade)
Verifica-se quando de um certo contrato resulta para uma das partes um direito de actuar de
certa maneira podendo essa actuação causar danos à outra parte. Mas esses danos são
socialmente aceitáveis. Portanto, o lesado não pode revogar o contrato dado que os danos são
juridicamente admissíveis.
Ex. pugilista que aceita contrato para combate de boxe.
3) Culpa
Do art. º 483 retira-se que a culpa é um requisito da responsabilidade em virtude de aí se
afirmar que a responsabilidade depende da verificação de dolo ou mera culpa. Significa isto
que, o juízo de culpa é fundamentalmente baseado na apreciação do dolo ou negligência. Ao
contrário do que fazem na responsabilidade penal dado que aí o dolo ou negligência é uma
qualidade da própria acção. Portanto, se não houver dolo ou negligência nem sequer existe
acção.
Na responsabilidade civil continuamos a colocar o dolo ou negligência no requisito da culpa
porque quando se trata de responsabilidade por omissão ou negligência é impossível afirmar
que esta responsabilidade surge ligada à própria acção, especialmente no caso da omissão
porque aí não há sequer acção.
Em geral o dolo (que não tem aqui o mesmo sentido do regime dos negócios jurídicos)
qualifica-se como a intenção de causar determinada lesão ou dano resultante do
comportamento que a pessoa teve.
A negligência em geral é a falta de cuidado, de diligência.
O dolo distingue-se em directo, necessário e eventual.
Directo: quando o agente, com o seu comportamento pretendeu, causar o efeito que,
do ponto de vista do atingido, causa um dano.
Necessário ou indirecto: quando não se querendo, propriamente, produzir o efeito
lesivo, o agente deve ter consciência que esse efeito é uma consequência necessária da sua
actuação. Ex: aquele que coloca uma bomba num automóvel estacionado para atingir o
proprietário tem de aceitar objectivamente que podem resultar ferimentos ou morte a outras
pessoas. De facto o agente não quer causar o ferimento a essas pessoas, mas tem de aceitar
que essa é uma probabilidade certa do seu comportamento.

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Eventual: quando, provando-se que o agente não quis o evento lesivo, foi capaz de
prever esse efeito e mesmo assim actuou, ou seja, conformou-se com a possibilidade daquele
efeito se verificar. O agente representa o resultado e conforma-se com a sua verificação.
Dentro da negligência distingue-se:
Consciente: quando o agente actuou prevendo a possibilidade do efeito da sua acção se
verificar, mas não admitindo a possibilidade desse efeito se verificar, ou seja, não se
conformando com a verificação desse efeito.
Inconsciente: quando o agente nem sequer previu, antecipou a possibilidade daquele
feito se verificar.
Apesar de todas estas espécies a ideia básica é de que os factos dolosos são mais graves do
que os negligentes, o que significa que, ao nível da responsabilidade civil estes são menos
censuráveis. Mas também é verdade que, em geral, acaba por ser indiferente qualificar a acção
como dolosa ou negligente porque a responsabilidade civil tem em vista reparar danos e, por
isso, num caso ou noutro o agente tem de reparar os danos causados (no entanto, há
excepções).
Ao contrário, na responsabilidade penal já tem grande relevância qualificar a acção como
dolosa ou negligente, porque a medida da pena deve ter em atenção se a actuação foi dolosa
ou negligente.
A apreciação da culpa, ou seja, do dolo ou negligência faz-se nos termos do art. º 487 nº2, em
função de um critério objectivo, que é o critério do chamado “bom pai de família” (pessoa de
normal diligência), o que significa que o que o tribunal tem de procurar saber, não é se o
agente intelectualmente (portanto no caso concreto) verificou a possibilidade do efeito se
verificar ou não, se se conformou com esse efeito ou não. O que interessa é o que uma pessoa
normal teria antecipado e aceite naquelas circunstâncias.
Daqui decorre que a negligência inconsciente pode muitas vezes ser qualificada como a
negligência grosseira, dado que a falta de previsão do resultado pode resultar de uma grande
desatenção, de uma falta de cuidado especialmente agravada.
A culpa na responsabilidade civil extra-obrigacional tem de ser provada pelo lesado – art. º487
nº1. Aqui se verifica uma diferença em relação à responsabilidade obrigacional, porque nesta
preserva-se que a culpa é do devedor, portanto, o lesado não tem que provar a culpa do
devedor – art. º 789 nº1.
Uma vez que a responsabilidade civil se destina a reparar danos desde que exista culpa (dolo
ou negligência), a obrigação de reparar os danos existe sempre. É indiferente que o dano
tenha sido causado por dolo ou negligência.
Há pelo menos quatro hipóteses – art. º 494 – em que há relevância distinguir o dolo da
negligência, dado que se houver negligência e o tribunal entender, por razões de equidade que
a indemnização deve ser inferior ao dano causado a responsabilidade por negligência pode
conduzir a uma obrigação que não tem em vista reparar a totalidade dos danos. O tribunal
deve levar em conta na fixação da obrigação de reparar o grau de culpabilidade (simples ou
agressiva) a situação económica do autor e do lesado e de outras circunstâncias atendíveis.
Portanto, a responsabilidade pode surgir para outros efeitos que não para reparar danos,
embora esta situação seja o inverso da responsabilidade civil punitiva. Neste caso, a
responsabilidade atende ao dano causado e ao sacrifício que é imposto ao autor para reparar
o dano.
Assim, este aspecto do art. º 495 deve ser considerado como excepção.

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Por outro lado, enquanto a ilicitude é um juízo objectivo sem a conduta do agente, a culpa
consiste, ao contrário, um juízo subjectivo, ou seja, um juízo de censurabilidade. Este juízo
supõe que o autor do dano possa ser objecto dessa censura e, para tal, é necessário provar
que a pessoa poderia ter agido segundo as normas, mas intencionalmente ou por falta de
cuidado não se motivou em função das normas. Daqui decorre que só se pode censurar aquela
pessoa que tem capacidade para se determinar segundo as normas. A designação se há esta
capacidade é a capacidade natural – aptidão concreta para entender e para querer.
Acontece que a tradição consiste em designar a capacidade natural por imputabilidade – art.
488.
Este conceito é o mesmo que se utiliza para determinar as excepções á incapacidade de agir –
art. º 127, nº1 b) - dos menores ou para permitir a anulação de negócios celebrados sobre
incapacidade acidental – art. º 257.
A capacidade natural é o juízo que pode ser feito em concreto, ou seja, atendendo às
capacidades de entendimento e vontade do sujeito em concreto. É isto que distingue a
capacidade natural da jurídica, visto que esta é definida no abstracto.
No que respeita só á responsabilidade civil, a regra é a de que em geral as pessoas têm
capacidade para entender e querer, portanto, se não o fazem podem ser culpabilizados no
sentido de serem chamados pela sua actuação.
A lei só considerou duas situações onde à partida se presume (aceitável) a inimputabilidade:
- Menores de 7 anos
- Interditos por anomalia psíquica
Art. º 488, nº2
Para, além disso, a imputabilidade também pode ser excluída – art. º 488, nº1 – caso se
demonstre que a pessoa estava momentaneamente incapacitada de entender e querer (é a
mesma ideia que se utilizou para permitir a aceitação dos negócios jurídico – art. º 257 – salvo
que aqui a imputabilidade entende-se que a pessoa continua a ter capacidade natural quando
o estado transitório tinha sido causado por negligência do agente).
De todo o modo, sendo certo que cabe ao lesado provar a culpa do autor do dano, cabe ao
autor do dano provar que está numa situação de inimputabilidade, portanto, parte-se do
princípio que o acto é censurável – art. º 482 nº2. A falta de declaração de interdição impede
que funcione imediatamente o art. º488 nº2, mas pode-se demonstrar na mesma a
inimputabilidade do nº1 do art. º 488.
Ainda assim, mesmo nas causas em que não é possível fazer o juízo de censurabilidade, pode
surgir a obrigação de reparar os danos a cargo do inimputável se, nos termos do art. º 489,
mostrar que, por razões de equidade, essa reparação deva ser efectuada ainda que a titulo
parcial. Isto só se admite desde que não seja possível obter a reparação dos danos das pessoas
que devem vigiar a pessoa inimputável – art. º 491.
O art. º 491 (492 e 493) considera que, sempre que uma pessoa sofre de incapacidade natural
(inimputabilidade) deverá a pessoa responsável pelo incapaz reparar os danos causados pelo
inimputável que esteja a seu cargo. Isto supõe que exista uma pessoa responsável pelo
incapaz. Essa obrigação de vigilância pode resultar da lei ou negócios jurídicos (ex. em geral,
por lei).
Onde, no entanto, a situação mais complicada é se o art. º 491 estabelece uma presunção de
culpa contra as pessoas encarregadas da vigilância ou o regime geral da responsabilidade - art.
483.

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Parece que, pela parte final do artigo, resulta uma presunção de culpa pelos obrigados a vigiar
o incapaz, o que significa que se o inimputável causar o dano, isso se deve ao dolo ou
negligência do obrigado à vigilância. Se estes não conseguirem elidir a presunção serão eles os
responsáveis. Implica isto que o art.º 489 só funciona quando as pessoas obrigadas a vigiar
conseguem elidir a presunção ou consigam demonstrar que mesmo que tivessem cumprido o
seu dever, o dano ter-se-ia verificado na mesma, corresponde à chamada causa virtual.
Os arts. 492 e 493 contêm regras semelhantes para os casos de danos causados por
construções e os danos causados por coisas ou actos perigosos (art. º493).
O caso do art. º492 supõe que alguém está obrigado a cuidar da conservação de um edifício ou
outra obra qualquer. Abrange, portanto, o proprietário ou outras pessoas que por força da lei,
ou negócios jurídicos tenham a obrigação de proceder á conservação da construção (ex.
abrange o usufrutuário – art. º 1472 – o superficiário, dado que este é proprietário da obra ou
plantação superficiária, em certas situações abrange o arrendatário e o comodatário).
No caso do proprietário é mais difícil porque a lei não diz nada e a regra é de que aquele faz o
que entende. No máximo, se não reparar sujeita-se às consequências do art. º 492.
Tem-se entendido, no entanto, que das disposições do art. º 492, 1348, nº2 e 1350, se retira o
chamado “dever geral de prevenção de perigo”, i.e. quem tenha ao cuidado uma determinada
construção ou plantação tem o dever de zelar pela conservação dessa para evitar danos a
terceiros. Significa que o dever geral de prevenção do perigo é apenas uma consequência
(corolário) do “dever geral do respeito”. Normalmente este dever implica apenas a abstenção
(dever de não se intrometer na esfera jurídica de outra pessoa) no entanto, por vezes, esta
abstenção é insuficiente para garantir bens jurídicos alheios. Nestes casos é necessário que se
tenha um comportamento activo (no caso do art.º492 é necessário que se actue para evitar o
dano da construção ou plantação).
Alarga-se assim, o âmbito do art. º 492 porque se abrangem os perigos relacionados com
construções e com a falta de conservação de plantações.
Por outro lado, significa que os terceiros que se sintam ameaçados podem reagir antes do
perigo se concretizar num dano efectivo. O art. º 492 tem apenas em vista os casos em que,
tenha sido cumprido ou não a actuação diligente, exista dano por falta do princípio de
conservação de uma construção e parte-se do princípio que isso se deve a culpa (negligência)
da pessoa que tem essa construção ao seu cuidado (presunção de culpa). A pessoa cuja culpa
se presume só pode assumir a responsabilidade se demonstrar que actuou diligentemente ou
que por muito cuidado que tivesse os danos se teriam verificado da mesma maneira.
Mesmo assim, o art. º 492 n.º 2 impõe que se deva distinguir de entre as pessoas que tenham
construções, por um lado o proprietário e os restantes titulares do direito, por outro lado,
porque aquele responde pelos danos causados pela construção independentemente da razão
que conduz ao dano. Ao contrário, o titular do outro direito que não seja de propriedade só
responde pelos danos decorrentes dessa construção se o dano for decorrente da falta de
conservação.
O art. º 493 mantém a mesma estrutura de responsabilidade para os casos em que alguém
que tenha em seu poder uma coisa (móvel ou imóvel) e tenha o dever de vigiar essa coisa:
responde pelos danos que essa coisa tenha causado a outra pessoa. Ex: danos causados por
animais como por outra coisa qualquer desde que não se trate de um dano decorrente de falta
de conservação.
As pessoas abrangidas pelo art. º 493 são potencialmente mais do que pelo art. º 492, dado
que o encargo do dever de vigilância é compatível com um direito sobre a coisa assim como é
compatível com um dever relativo à coisa.

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Parte-se do princípio que a pessoa que tinha o dever de vigiar era responsável pelo dano salvo
se conseguir afastar a presunção ou se conseguir demonstrar que o dano se teria verificado na
mesma.
O nº2 do art. º493 tem em vista os casos em que alguém desenvolve uma actividade lícita,
mas que envolve perigos na sua utilização que é exactamente o mesmo pressuposto da
responsabilidade pelo risco (art. º 499 e ss.). Só que nesta responsabilidade pelo risco
prescinde-se dos requisitos da ilicitude e da culpa e, por isso, a responsabilidade pelo risco
limita-se aos casos previstos na lei (art. º 483 nº2).
Para abranger as actividades perigosas que não cabem na enumeração dos art. º 500 e ss
(especialmente dos art. º 500 e 502) considerou-se que as restantes actividades perigosas
ficam subordinadas á regra da responsabilidade civil extra-obrigacional, mas para tentar um
regime intermédio, presumiu-se a culpa. As actividades perigosas que causem eventualmente
danos a terceiros ficam sujeitas ao regime da responsabilidade pelo risco se a lei assim o
disser.
Ao contrário, ficam subordinados ao regime da responsabilidade civil com a agravante de se
presumir a sua falta de cuidado no desenvolvimento da sua actividade.
O CC só salienta que se consideram actividades perigosas as que o são por si próprias e as que
são perigosas pelos instrumentos utilizados. Têm de ser perigos não decorrentes da actividade
ou dos instrumentos (atípicos) porque se são típicos ou a actividade não é socialmente
aceitável (regime do art.º 483) ou é socialmente aceitável e portanto têm de se aceitar os
perigos dessa actividade (ex: aceitam-se a produção de fumos, que prejudicam terceiros, mas
se esse fumo prejudica concretamente um terceiro, então esse está regulado pelo art.º 493).
4) Nexo de causalidade entre a acção e o dano
Neste capítulo, o que está em causa é determinar a ligação que deve existir entre a acção e o
dano para que se possa dizer que o dano é o efeito dessa acção. Ex. Pessoa que provoca um
ferimento noutra, esta é transportada na ambulância que tem um acidente e morre. O dano
tem que se manter dentro da previsibilidade da acção, ou seja, só se pode imputar o dano à
acção quando seja um dano objectivamente previsível daquela acção. No ex a pessoa que
provoca o acidente, não pode ser responsabilizada pela morte da outra pessoa.

Dentro do fenómeno da causalidade adequada pode sempre surgir a questão da causa virtual,
i.e., a causa real é aquela que efectivamente provocou aquele dano. A causa virtual é aquela
que teria provocado esse mesmo dano se não se tivesse verificado a causa real. Ex. O A
envenenou o cavalo do B. Antes de o veneno produzir efeito, o C deu um tiro ao cavalo. Se não
houvesse o tiro o cavalo teria morrido na mesma. Portanto, o envenenamento vale como
causa virtual porque teria provocado o mesmo dano – morte do cavalo – se não tivesse
ocorrido o facto posterior.
No caso do art. º 491, 492 e 493, surge sempre a causa virtual para afastar a responsabilidade.
Em relação à causa virtual levantam-se duas questões relativas à chamada relevância negativa
da causa virtual e relevância positiva da causa virtual.
A primeira verifica-se quando a causa virtual é suficiente para afastar a responsabilidade
daquele a quem é imputável a causa real (é o que sucede nas hipóteses do art. º 491 492 e
493). Nestes casos a causa real é aquela imputável às pessoas que estão obrigadas á vigilância
de outra pessoa, conservação de um imóvel ou vigilância de outra coisa imóvel. A causa virtual
se for demonstrada, afasta a relevância dessa causa real, e, portanto, isenta de

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responsabilidade o autor dessa causa real. Para este efeito a causa virtual não tem de ser
imputável a uma pessoa (pode ser um facto natural).
O que é discutível é se a relevância negativa da causa virtual pode ser invocável em qualquer
caso de responsabilidade civil, ou só nos casos previstos na lei – art.º 491,492 e 493. A op.
Tradicional é de que as normas (art. 491,492 e 493) contidas nestes artigos são de natureza
excepcional e, portanto, não admitem aplicação analógica. Para além deste argumento formal,
existe um argumento material: como a responsabilidade implica a culpa, aquele que causou o
dano actuou de uma forma ilícita e, portanto não se deve admitir a isenção de
responsabilidade para quem actuou dessa forma, dado que a censurabilidade da ilicitude
ficaria sem sanção.
Além disso, é razoável que se dê razão á causa virtual nestes artigos, porque se trata de
situações que estão fora do domínio da pessoa que está obrigada. A pessoa não teve todo o
cuidado exigível, mas apenas objectivamente, porque há cuidados que não se têm porque não
é antecipável que dali tenha resultado um dano (isto subjectivamente).
Só excepcionalmente é que a causa virtual permite recepcionar o obrigado da
responsabilidade.

O outro aspecto tem a ver com a possibilidade de imputar a responsabilidade civil ao autor da
causa virtual quando essa causa decorra de uma acção de outra pessoa ou de um facto
natural.
Aqui, normalmente entende-se que a causa virtual nunca tenha relevância positiva porque de
todo o modo não foi essa causa que produziu o dano, apesar de ser apta a produzir (exemplo
de envenenamento do cavalo). Portanto, em relação ao autor da causa virtual falta um
requisito da responsabilidade: dano.
O Prof considera isto algo chocante porque se o autor da causa real conseguir demonstrar que
o dano se teria verificado na mesma, isenta-se a si próprio da responsabilidade, o que significa
que o lesado não é indemnizado porque se, considera tradicionalmente que a causa virtual não
tem relevância positiva.
A regra continua a ser que quem sofre o dano tem de aguentar as consequências, a não ser
que as consiga imputar a alguém. As excepções a esta regra são a responsabilidade por factos
lícitos, ilícitos e pelo risco.
5) Dano
A responsabilidade civil destina-se à reparação de um dano, portanto, sem este não há
responsabilidade civil.
Acaba por ser o requisito mais importante, porque pode haver uma conduta ilícita sem dano, o
que não dá origem a responsabilidade civil.
O dano pode ser:
- Emergente ou lucro cessante – consoante se esteja a referir a dano que resultou da
conduta ilícita ou aos rendimentos que se tornaram impossíveis.
- Directo ou indirecto – consoante se trate de lesão efectivamente provocada ou de
despesas ou de despesas conexas que resultam dessa lesão.
No caso do art.º 495 surge alguma implicação resultante da distinção entre o dano directo e o
indirecto. É que este art., no caso das acções que causem lesões pessoais (não patrimoniais),
diz que a reparação abrange todas as despesas relativas à lesão. Além disso, no n.º 3 a

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reparação abrange igualmente as pessoas que podiam exigir alimentos à pessoa cuja morte foi
causada pela acção ilícita. Ou seja, a pessoa que incorre em responsabilidade civil, por ter
causado a morte de outrem, tem de indemnizar 3º que podia exigir do morto a prestação de
alimentos.
- Patrimoniais ou não patrimoniais (pessoais) – aqueles são os que resultam numa
diminuição, ou pelo menos, numa modificação do património do lesado. Nestes casos a
reparação tem em vista ou a reintegração em espécie (colocação do lesado na exacta situação
que estaria se não fosse o dano) ou, quando não seja possível, a indemnização monetária, a
qual teoricamente não é muito difícil de estabelecer.
No que respeita aos danos pessoais, a situação é mais difícil porque em regra não são
qualificáveis. Por isso, a opção tradicional era no sentido de não reparar os danos pessoais por
não serem qualificáveis e porque, no caso de morte, seria chocante compensar esta com
dinheiro.
A prática valeu mais e, por conseguinte, o CC admite que os danos pessoais sejam
indemnizáveis. Há quem continue a fazer uma distinção entre indemnização – é relativos aos
danos patrimoniais e tem em vista atribuir ao lesado uma quantia pecuniária igual ao dano
sofrido – e a compensação – forma de suavizar um dano pessoal sem que seja possível reparar
integralmente o dano porque este seria inqualificável.
No entanto, o art.º 496, n.º 2 e n.º 3 não faz esta distinção.
O problema dos danos pessoais é o problema da indemnização nos casos de morte.
Formalmente considera-se que o dano morte não é indemnizável porque na responsabilidade
civil o titular do direito de crédito à indemnização é a pessoa ofendida (que sofre a lesão). Se
esta lesão consiste na morte, a pessoa ofendida já não existe e, portanto, não pode ser titular
de um direito dado que já não há personalidade para sustentar esse direito.
O que é decisivo é que se torna difícil estabelecer o momento em que se concretiza o direito à
indemnização pela morte, por se considerar que esta é indemnizável. Ex.: se alguém matou
com um tiro outra pessoa e esta faleceu imediatamente não faz sentido a indemnização. No
entanto, se esta não faleceu imediatamente já parece fazer sentido a indemnização.
Para evitar estas distinções entre a realização do facto e a morte, o art.º 496, n.º 2, considerou
que a indemnização pelo dano morte cabe aos herdeiros, o que significa que este tem um
direito próprio (directo) a uma indemnização por aquele ter falecido.
Significa que os herdeiros têm direito à indemnização por dois danos diferentes: quando a
acção ilícita cause morte eles têm direito à indemnização pelo dano morte e têm direito à
indemnização pelo dano moral decorrente dessa morte.
O dano morte é indemnizável, só que o titular não é o morto, mas sim os herdeiros (pela
ordem do art.º 496, n.º 2).
Os outros danos não pessoais são indemnizáveis nos termos gerais.
Na responsabilidade por factos ilícitos instituiu-se uma regra de responsabilidade solidária
sempre que o facto ilícito tenha resultado de um acto conjugado de diferentes pessoas, ou
seja, o titular do direito à indemnização pode exigir o montante integral da indemnização a
qualquer dos autores.
Internamente cada um responde por uma parte, o que significa que se um deles tiver
respondido pelo todo perante o credor, haverá direito de regresso. Isto implica que o tribunal,
quando considera que a responsabilidade é imputável a várias pessoas (co-autoria), tenha de
fixar o grau ou medida das respectivas culpas para fixar as responsabilidades de cada um nas
relações internas (art.º 497, n.º 2).

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A responsabilidade tem um prazo de prescrição o qual, nos termos do 498, n.º 1, é, em


princípio, de 3 anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento dos pressupostos da
responsabilidade. Esse prazo começa a contar mesmo que o titular desconheça a identidade
dos que causaram o dano ou o montante integral dos danos.
Esse prazo pode ser mais longo quando a acção que causou a responsabilidade civil seja
simultaneamente um crime, desde que este esteja sujeito a um prazo de prescrição superior a
3 anos. Neste caso prevalece o prazo mais longo – art.º 498, n.º 3.
Nos casos em que haja uma responsabilidade solidária o direito de regresso entre os co-
autores está também sujeito a um prazo de prescrição e, esse prazo é também de 3 anos –
art.º 498, n.º 2. Nesse caso o prazo começa a contar, não do conhecimento, mas da data em
que algum ou alguns cumpriram a obrigação de indemnizar os danos.
RESPONSABILIDADE PELO RISCO – art. º 499 e ss.
O art.º 483, n.º 2, admite, a título excepcional, a possibilidade de se criar uma obrigação
derivada da responsabilidade civil mesmo quando o facto seja lícito e mesmo quando não haja
culpa. Estes casos designam-se por responsabilidade objectiva (porque não se exige a culpa).
Distinguem-se em casos de responsabilidade pelo risco e responsabilidade por factos lícitos
porque naquela se pressupõe que o facto que causa o dano seja um facto que envolve um
determinado perigo de verificação do dano. Ou seja, na responsabilidade pelo risco estamos
perante acções objectivamente perigosas, i.e., potencialmente danosas.

Ao contrário, na responsabilidade por factos lícitos, não existe essa perigosidade, o que
significa que neste tipo de responsabilidade determina-se por exclusão de partes perante a
responsabilidade pelo risco.
A diferença entre estes dois tipos de responsabilidade é uma diferença que se obtém apenas
por aproximação, por graduação. Não é possível fazer uma separação mitigada entre ambos os
casos (Ex.: art. 1347, n.º 2).
A responsabilidade por factos lícitos não tem no CC um tratamento uniforme; aparecem
apenas casos dispersos. Ao contrário, a responsabilidade pelo risco tem um regime agrupado –
art.º 499 a 510.
Além disso, a responsabilidade pelo risco está essencialmente subordinada à responsabilidade
por factos ilícitos, excepto à determinação da licitude e de culpa.
1º) Responsabilidade do comitente
O primeiro caso de responsabilidade pelo risco é a responsabilidade do comitente – art.º 500.
A responsabilidade do comitente supõe, antes de tudo, a existência de uma relação de
subordinação de uma pessoa perante a outra, de modo a que o subordinado, para aquele
efeito, tem o dever de actuar no interesse de outra pessoa. Ao subordinado a lei designa por
comissário. Aquele que beneficia da actuação daquele é o comitente. A relação entre ambos é
a relação de comissão.
Esta relação é uma relação onde se integram diversas espécies: abrange o caso do trabalhador
perante a entidade patronal, o prestador de serviços perante o que aproveita esses serviços, a
relação entre os titulares dos órgãos da pessoa colectiva e a própria pessoa colectiva – art.º
165 -, os agentes ou representantes perante a pessoa colectiva, o procurador e o
representado, etc. O que importa é demonstrar alguma subordinação.

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Exige-se esta subordinação porque, nos termos do art.º 500, o comitente responde pelos
danos causados pela actuação dos comissários. E responde independentemente de culpa, o
que sublinha o carácter objectivo da responsabilidade.
Se porventura o comitente tem culpa na escolha do comissário a situação já não é de
responsabilidade pelo risco, mas responsabilidade nos termos gerais – art.º 483.
A responsabilidade pelo risco tem limites máximos, ou seja, não se permite que o responsável
fique obrigado a reparar qualquer dano (ao contrário da responsabilidade subjectiva do art.º
483, n.º 1).
Para que o comitente responda pela actuação do comissário não basta que haja a relação de
comissão. É necessária a verificação cumulativa dos requisitos do art.º 500: o comissário tem
de ter praticado o acto que causou o dano no exercício das suas funções (não basta que tenha
sido ao mesmo tempo) e, como resulta do n.º 2, desde que assim seja, o comitente responde
mesmo que o comissário tenha causado o dano intencionalmente ou contra as instruções do
comitente.
Outro requisito é que é necessário que sobre o próprio comissário recaia a obrigação de
indemnizar, ou seja, a actuação do comissário tem de ser uma actuação que, se não fosse a
relação de comissão, implicaria a imputação da responsabilidade civil ao comissário, seja a
título de responsabilidade por facto ilícitos seja, eventualmente, num dos casos de
responsabilidade pelo risco ou por factos lícitos.
A ideia é proteger o lesado, partindo do princípio que existindo uma relação de comissão, o
que beneficia da subordinação se pode suportar um subordinado é porque tem um património
superior. Assim, considera-se que o lesado está mais garantido se depender do comitente do
que do comissário.
Portanto, o fundamento da responsabilidade do comitente é a garantia do lesado.
Como na prática nem sempre é assim, permite-se que o lesado actue directamente contra o
comissário.
Por consequência deste princípio decorre que o comitente terá direito de regresso sobre o
comissário. No fundo quem está obrigado e indemnizar é o comissário – art.º 500, n.º 3.
No caso da responsabilidade do comitente, o risco está apenas neste aspecto: no facto de o
comitente, quando subordina alguém para actuar no seu interesse, assumir a responsabilidade
de o subordinado praticar um acto danoso no exercício das suas funções (ex.: actividade de
condução).
2º) Responsabilidade do Estado – art. º 501.
Hoje em dia distingue-se a responsabilidade do Estado por actos de gestão privada e
responsabilidade do Estado por actos de gestão pública. O art. 501 tem, em vista o 1º caso.
O problema básico está na distinção entre actos de gestão privada e pública.
Em tese geral são actos de gestão pública aqueles que têm em vista satisfazer interesses
colectivos, de Estado enquanto comunidade, baseados na própria soberania do Estado, ou
seja, baseados no poder de autoridade.
Serão actos de gestão privada, aqueles em que o estado actua como qualquer entidade
privada, ou seja, desprovido de qualquer poder de soberania.
No fundo a distinção envolve a outra distinção entre direito público e privado. Como esta
nunca foi satisfatória implica que também aquela não o seja.

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Acaba por ter, nesta distinção, uma importância reduzida, porque a responsabilidade do
Estado é muito semelhante tanto em actos de gestão pública como privada. A
responsabilidade do Estado é quase igual à do comitente do art.º 500.
Portanto, a ideia é de considerar que entre o Estado e os seus funcionários existe uma relação
de subordinação que é equivalente á relação de comissão.
O art. 501 distingue, como distingue na relação de comissão, o art. º165, os titulares dos
órgãos, os agentes e representantes do Estado ou de P.C.P.
A distinção usualmente é assim: o titular do órgão é aquela pessoa que pertence a um órgão
da P.C.P.. Normalmente isto abrange apenas os membros dos órgãos externos – direcção e,
por vezes, os do membro fiscal.
Os agentes são aquelas pessoas que praticam actos puramente materiais no interesse da
P.C.P. (ex: motoristas, porteiros, etc.).
Os representantes são aqueles que praticam actos jurídicos no interesse da P.C.P. (Estado) –
(ex: procuradores ou mandatários, em geral).
De qualquer modo a P.C.P. responde pelas actuações perante terceiros dos titulares dos
órgãos, agentes e representantes. A distinção serve, portanto, para esclarecer que no rigor só
os titulares dos órgãos é que são a própria P.C.P.; em termos factuais os titulares dos órgãos é
que dão a cara á P.C.P.. Por isso só se pode dizer que exista responsabilidade pelo risco em
relação aos agentes e representantes, porque em relação aos titulares dos órgãos, como no
fundo eles são a própria P.C.P., a responsabilidade é da própria P.C.P. Acontece é que
internamente os titulares dos órgãos constituem entidades jurídicas distintas da própria P.C.P.
o que permite que depois a P.C.P. tenha direito de regresso sobre esses titulares.
O risco está no aspecto que, a P.C.P. quando designou certos titulares dos seus órgãos corre o
risco de errar na escolha.
Os requisitos de que depende a responsabilidade do comitente aplica-se totalmente aos
titulares dos órgãos, agentes e representantes.

Parece que o requisito previsto no nº2 do art. º 500, não se pode aplicar integralmente porque
pelo menos quanto aos titulares dos órgãos não faz sentido pensar que estes tenham actuado
contra a P.C.P. – é a única diferença.
Responsabilidade pela utilização de animais – art.º502
Isto implica desde logo a distinção entre o art. º502 e art. º 493.
No caso do art. º493 estamos perante uma situação por factos ilícitos onde se exigem os
requisitos do art. º483 nº1 com a pequena especialidade de se presumir a culpa da pessoa
responsável.
No caso do art. º502 é responsabilidade pelo risco, o que significa que não se exige ilicitude
nem culpa, bastando o facto e o dano.
A responsabilidade do art. º493 incide sobre a pessoa que tem o cargo de vigilância sobre
certos animais, ao passo que no art.º502 a responsabilidade incide sobre a pessoa que utiliza
esses animais, ou seja, que retira proveito dessa utilização. Por isso o art. º502 é uma
aplicação do princípio de que quem tem vantagens tem de assumir as desvantagens – é a
peculiar diferença entre os dois artigos.

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Estão abrangidos: o usufrutuário, o comodatário e o __________________. Já não se abrange


o depositário porque este só tem o dever de vigilância, salvo quando ele tenha a divisão de
utilizar a coisa.
No caso do contrato de locação, segundo o Prof Antunes Varela (aluguer no caso dos animais),
responde tanto o locador como o locatário, dado que ambos retiram vantagens da vigilância.
Aquele retira-as directamente, este por força do aluguer que lhe é pago.
O Prof considera isto exagerado, porque existindo um contrato de locação, o locador não
utiliza, o que vai contra o art. º502.
A responsabilidade abrange apenas do perigo especial que envolve a sua utilização. O que se
diz normalmente é que se o cavalo se espantou com um foguete e causou danos a alguém, o
dono do cavalo tem de responder por eles. O Prof considera exagerado porque o dano não
resulta da utilização especial em circunstâncias normais. Ou seja, utilização especial tem de ser
entendida em circunstâncias normais.
Se a utilização for especial (anormal) aplica-se a responsabilidade do art. º493 ou do art. º483.
Parece que num ponto existe unanimidade: aquele que utiliza o animal em proveito próprio
tem também um dever de vigilância. Se o dano resulta do perigo especial em circunstâncias
normais acumula as duas responsabilidades – responsabilidade do art.º493 e a do art.º 502.
Responsabilidade decorrente da utilização de veículos
É preciso distinguir os acidentes derivados da utilização automóvel dos acidentes com
automóveis, que é na terminologia da lei, a colisão de veículos – art. º503 e 506.
No que toca ao art. º503, a responsabilidade é objectiva pelo risco porque pelo nº1 é
responsável, pelos danos ligados aos riscos próprios derivados da utilização, quem reunir
simultaneamente os seguintes requisitos:
- Que tenha a direcção efectiva do veículo;
- Que tenha um interesse próprio na respectiva utilização.
Por direcção efectiva entende-se o poder de facto sobre o veículo independentemente de, em
primeiro lugar, de esse poder estar fundamentado na titularidade de algum direito (ex: um
ladrão de um automóvel tem a direcção efectiva desse automóvel) e, em segundo lugar, se na
suposição de que a direcção efectiva (poder de facto) se fundamenta na titularidade de um
direito independentemente desse direito. Apesar da expressão direcção efectiva, isso não
significa “ter o volante nas mãos”. É no sentido do veículo estar subordinado á vontade de
uma pessoa; não é preciso saber a razão.
Na doutrina maioritária que tem o poder efectivo designa-se de detentor.
O regime da utilização no interesse próprio não tem de ser um interesse económico; pode ser
meramente moral ou mesmo um interesse que nem seja digno de tutela jurídica.
Verificados estes requisitos os danos derivados da utilização do veículo, devem ser reparados
pela pessoa que esteja nestas circunstâncias.
Há duas situações em que é discutível quem seja o responsável porque é discutível quem
tenha a direcção efectiva ou o interesse próprio. São os casos do aluguer e do comodato.
Como o locatário paga o aluguer considera-se que tanto o locador como o locatário têm
interesse na utilização do veículo, portanto, ambos devem responder pelos danos imputáveis a
esse veículo.

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O Prof considera que quem tem a direcção efectiva é o locatário e é ele que tira proveito da
sua utilização. O locador não tem nunca a direcção efectiva.

No caso do comodato (empréstimo), também na opinião de Antunes Varela é o comodante o


responsável, porque ele é que tem a direcção efectiva, porque ele é que tem o interesse
(moral).
No rigor a fiscalidade é a de responsabilizar o comodante pela escolha (designação) da pessoa
a quem empresta, embora isto não esteja na lei. Naturalmente tem que depender dos termos
do comodato, porque se for de longa duração ou com prazo estabelecido a favor do
comadatário não parece que o comodante possa ter a direcção efectiva.
O art. º 503 nº3 acrescenta que quando o veículo seja utilizado por comissário nos termos do
art. º500 à responsabilidade objectiva do comitente acresce a responsabilidade subjectiva por
factos ilícitos do comissário agravada por presunção de culpa do deste. Ou seja, se aquele que
tem a direcção efectiva e o interesse, ceder a direcção efectiva a outra pessoa numa relação
de subordinação, o subordinado (comissário) não é responsável pelos riscos derivados da
utilização porque esses permanecem na responsabilidade do comitente, mas é responsável
pelos danos causados a terceiros, derivados da utilização desse veículo com presunção de
culpa.
Encarando isto em termos abstractos, isto é absurdo, porque se considera mais grave a
responsabilidade do comissário (responsabilidade factos ilícitos) do que a do comitente (art.
508).
A justificação para este regime está no ponto de, normalmente, o comissário nestas situações
ser um profissional e, portanto, tem deveres especiais, não só na condução como na própria
detecção de falhas de funcionamento. Por isso, a ideia é impor ao comissário deveres de
cuidado acima da média. Só nestes limites, não escritos na lei, é que isto faz sentido. Fora
disto, isto é absurdo.
Quanto aos danos indemnizáveis são os danos resultantes dos riscos próprios ligados á
utilização de veículo – art.º503, nº1 – ainda que este não esteja em circulação.
Na doutrina acrescenta-se que os riscos próprios ligados á utilização do veículo podem dizer
respeito tanto ao próprio veículo como pode dizer respeito ao próprio condutor (o Prof
considera esta ideia toda errada).
Os benefícios (os credores) são tanto para terceiros no sentido de que são pessoas que não se
encontram a bordo do veículo como podem ser também as pessoas transportadas pelo veículo
que causou o dano.
Em relação aos terceiros no sentido puro aplica-se o regime da responsabilidade geral pelo
risco.
Em relação às pessoas transportadas (terceiros) é necessário distinguir entre transporte
oneroso ou gratuito.
No primeiro caso essas pessoas têm o direito a ser indemnizadas pelos correspondentes danos
– art.º 504, n.º 1. Nos termos do art.º 504, n.º 2, abrange os danos causados às pessoas
transportadas como às coisas transportadas.
Admite-se – art.º 504, n.º 4 – que o contrato em virtude do qual se faz o transporte oneroso
exclua a responsabilidade pelos danos causados às coisas transportadas. Já assim não pode ser
em relação às pessoas.

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Ao contrário, se o transporte, nos termos do art.º504, n.º 3, e gratuito a responsabilidade


limita-se aos danos causados à pessoa transportada. Aqui nunca abrange as coisas.
Mesmo assim, a solução é discutível porque o n. º 3 Foi incluído em 96/97. Até aí a
responsabilidade pelo risco não existia em relação ao transporte gratuito (remetia-se para as
regras do art.º 483, n.º 1).
Em relação ao art. º 503 é preciso referir as causas de exclusão da responsabilidade – art. º
505. Não se refere isto à exclusão da ilicitude, mas sim às causas de exclusão do dano ou da
imputabilidade do dano.
São 3 as situações – art.º 505: a primeira é o caso em que o dano é imputável ao próprio
lesado, a segunda é o caso em que o dano é imputável a terceiro e a terceira são os casos de
força maior.
No que toca aos danos que resultem de uma actuação de terceiro não funciona a
responsabilidade pelo risco, mas pode funcionar a responsabilidade sobre esse terceiro por
factos ilícitos ou pelo próprio risco (neste caso diferente do art.º 503).
A ideia é de excluir a responsabilidade daquele que utiliza o veículo.
Nos casos em que o condutor seja comissário, o comitente é que é, juridicamente, o autor do
acidente, por isso, para este efeito do art.º 505, o comissário e o comitente não são terceiros.
No entanto, o comitente pode não ser responsável nos termos do art.º 503, se o acidente for
imputável a terceiro mas pode ser responsável nos termos do art.º 500, o que supõe sempre a
relação de subordinação.
Se o comissário estiver a utilizar o veículo fora do exercício das suas funções (fora do âmbito
do art.º 500), para esse efeito, não é comissário, logo é ele que tem a direcção efectiva, que
tem o interesse próprio, é ele o responsável – art.º 503 n. º1
As outras causas permitem excluir a responsabilidade sempre que o acidente resulte de um
risco que não esteja associada à utilização do veículo.
O Prof considera que nestes casos tem de haver aquelas situações em que, quem utiliza o
veículo, perde o domínio efectivo e não se pode dizer que houve uma acção. Ex.: quando o
acidente resulta de uma manobra errada por falta de perícia – art.º 503. Ao contrário, se a
pessoa perde o domínio do veículo em virtude de uma causa que a pessoa não domina, nem
pode dominar, não se pode dizer que haja uma acção, logo não pode haver responsabilidade
penal nem civil.
No art.º 506 aparece prevista uma espécie particular dos acidentes causados por veículos. Este
art.º é o único que se refere especificamente ao assunto, mas no âmbito da responsabilidade
pelo risco, ou seja, na suposição de quem tem a direcção efectiva dos veículos não tem culpa,
i.e., este art.º tem um âmbito muito restrito (são os riscos decorrentes da utilização de
veículos).
No caso de existir culpa funcionam as regras do art.º 483 e, nesse caso, o máximo que a lei
permite concluir é através do art.º 570, que não sendo específico na colisão de veículos, está
relacionada com a determinação do montante da indemnização devida por responsabilidade
civil.
Tem-se concluído que se a culpa é imputável a todos os intervenientes cada um responde nos
termos gerais do art.º 483, pelos danos que causou. Aí estamos no âmbito da regra.
Se a culpa é apenas de um dos intervenientes é esse que responde nos termos do art.º 483.

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A diferença, é que no primeiro caso, sendo vários os responsáveis, os danos recíprocos devem
ser indemnizados, só que se verifica depois o fenómenos da compensação até ao montante
em que as indemnizações forem iguais.
No caso de ser a responsabilidade (culpa) de vários intervenientes, mas não sendo possível
determinar a medida da culpa de cada um, funciona o art.º 570 que implica que as obrigações
de indemnizar sejam de montante igual, embora de acordo com este art.º o tribunal deva
tentar descobrir qual o mais culpado.
O art.º 506 só é aplicável quando não exista culpa e os danos resultem dos riscos próprios da
utilização do veículo. Nesse caso, se os danos se verificarem em relação a todos os veículos
intervenientes, a responsabilidade (obrigação de indemnizar) é repartida na proporção do
risco envolvido na utilização de cada veículo.
Ao contrário, se os danos forem causados por apenas um dos veículos, só existe obrigação de
indemnizar por parte da pessoa que tem a direcção efectiva desse veículo, ou seja, remete-se
para o art, 503.
O n.º 2 do mesmo art.º diz que em caso de dúvida presume-se que é igual a participação de
todos os veículos na produção dos danos. Esta regra funciona tanto em matéria de
responsabilidade pelo risco como responsabilidade por factos ilícitos, dado que se presume
que é igual a culpa de cada um dos condutores.
Quanto aos danos indemnizáveis abrangem-se os veículos, os danos causados nas pessoas
transportadas e as coisas transportadas na colisão, o que significa que se remete para o
art.º504.
Nos termos do art.º 507, a responsabilidade, se recair sobre várias pessoas, é responsabilidade
solidária o que significa que o credor da indemnização pode exigi-la a qualquer um dos
responsáveis pelo risco. Salienta-se este artigo, para que a responsabilidade solidária, que
algum ou alguns dos responsáveis respondam pelo risco ou algum ou alguns respondam por
factos ilícitos.
Internamente, cada um responde na respectiva medida (proporção com que contribui para a
verificação do dano ou por culpa de cada um) – art.º 507, nº2 2ª parte. Em princípio só os que
respondem por culpa é, que, internamente têm que indemnizar.
O art.º507 aplica-se a todos os casos de responsabilidade pelo risco. Ao contrário, por força da
letra do art.º508, os limites máximos da indemnização a que se pode estar obrigado por via da
responsabilidade pelo risco são os relativos aos acidentes de viação, ou seja, no máximo
abrange o art.º 503 e o art.º 506.
Danos causados por instalações de electricidade e gás
Um último caso de responsabilidade pelo risco prevista pelo C.C. é o que resulta do art.º 509.
A ideia é muito semelhante á do art.º 503, ou seja, quem tiver a direcção efectiva dessas
instalações (quem explorar no interesse próprio instalações destinadas á condução e entrega
de electricidade e gás) responde pelos prejuízos causados em virtude dessa condução ou
entrega.
Estão excluídos no âmbito do art.º 509, nº3, os danos que ainda ligados á utilização da
electricidade ou gás sejam causados por utensílios (ex: esquentador, aquecedor, etc.) de uso
dessa energia.

CLASSIFICAÇÕES DAS OBRIGAÇÕES

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- Obrigações genéricas e especificas – art. º539 e ss.


É uma distinção que se aplica apenas às prestações de coisas (de dare).
É específica quando o devedor assuma a obrigação de prestar uma coisa concretamente
individualizada á partida.
É genérica quando á partida o objecto da prestação seja determinado apenas no que respeita
ao seu género sem que, nesse momento, se proceda á individualização desse objecto.
É uma distinção que se faz em termos simultâneos àquela que se utiliza para distinguir as
coisas fungíveis das infungíveis – art. º 260.
As obrigações genéricas têm uma dificuldade, que é a de estabelecer o critério para definir o
objecto em concreto da obrigação e, por outro lado, a determinação do critério de designação
da pessoa que fica com o poder de escolher o objecto em concreto – concentração da
obrigação (art. º 541).
A regra, que resulta do art. º 539, é de que cabe ao devedor o poder de escolher o objecto em
concreto da sua prestação no momento do cumprimento, portanto, na data em que a
obrigação se torna exigível (seja por decurso do prazo seja por interpelação do devedor) o
devedor deverá escolher o objecto em concreto que irá entregar ao credor. De qualquer
modo, é possível – art. º 541 – que antes do cumprimento se proceda já á escolha do objecto
da prestação (em rigor a lei utiliza a expressão concentração exactamente para estes casos).
Nos termos do art. º 541 a concentração (designação) do objecto antes do cumprimento pode
ser feita de 4 formas:
- Por acordo das partes
- Em virtude de o género desaparecer e ficar apenas uma espécie
- Pelo facto de a coisa ter sido entregue a quem assumiu a obrigação de a transportar e a
entregar ao credor – art. º 797
- Os casos em que foi atribuído ao credor ou a terceiros – art. º 400 – o poder de escolher
o objecto da prestação. Neste caso é necessário que a escolha seja comunicada ao devedor (se
essa foi feita pelo credor) ou comunicada tanto ao credor como ao devedor se a escolha for
feita por terceiros.
- Mora do credor
Feita essa comunicação essa escolha torna-se irrevogável.
O poder de concentrar a obrigação feita a terceiros ou ao devedor é um poder potestativo,
embora a regra seja a de que quem tem o poder de escolher é o devedor.
- Obrigações cumulativas vs. Alternativas vs. C/ faculdade alternativa (a lei só trata dos
art. º 543 a 549 das alternativas)
É cumulativa quando o devedor assume a obrigação de efectuar duas ou mais prestações (com
objectos diferentes) em conjunto, ou seja, tem de cumprir todas.
As obrigações alternativas têm especialidades, porque o devedor assume também o dever de
efectuar duas ou mais prestações, mas em alternativa, ou seja, só tem de cumprir uma dessas
prestações.
As obrigações com faculdade alternativa são obrigações, em que o devedor assume só a
obrigação de efectuar uma prestação, mas reserva-se o direito de eventualmente efectuar
outra prestação, que á partida pode não estar ainda concretamente determinada. Ex: o livreiro

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obriga-se a entregar um livro de uma determinada edição, mas reserva-se ao direito de


entregar outra edição do mesmo livro.
No essencial a diferença é que nas obrigações alternativas o credor, á partida, pode exigir
qualquer uma das prestações alternativas, nas obrigações com faculdade alternativa o credor
só pode exigir a obrigação a que o devedor se compromete, podendo é ficar obrigado a aceitar
outra prestação se o devedor reservou essa possibilidade.
De acordo com o art. º 543 parece que em termos de construção, na obrigação alternativa não
existem diversas obrigações mas apenas uma, mas esta contém, no entanto, duas ou mais
prestações.
Em princípio, a escolha da prestação que irá ser efectuada pertence ao devedor e, dentro
dessa regra, somente nos casos em que o credor tenha intentado acção executiva e o devedor
persista no não exercício do poder de escolha, é que se atribui (devolve) ao credor o direito de
escolher a prestação. O que pode suceder é que, por força da lei ou negócio, seja atribuído o
poder de escolha ao credor ou a terceiros – art. º 549 e 542.
Para além disto, a grande especialidade que surge em termos jurídicos é a relativa aos casos de
impossibilidade de cumprimento.
Nos casos em que as prestações alternativas se tornam todas impossíveis menos uma, é óbvio
que essa é a única que pode ser cumprida e para esses casos existe o regime dos art. º 545 546
e 547.
Nos casos em que, á partida, as prestações alternativas sejam todas impossíveis menos uma,
segue-se o regime geral do art. º 400 e 401 nº1, e, portanto, o negócio será nulo por força
dessa impossibilidade, admitindo-se então a redução do negócio á única prestação que é
possível – art. º 292. Quer dizer que a redução não é automática dado que é necessário que a
essa redução não se oponha à vontade conjectural das partes.
Tratando-se de impossibilidade superveniente sem que atinja todas as obrigações, a primeira
hipótese é a de ser devida a um facto que não é imputável nem ao credor nem ao devedor.
Nesse caso a obrigação considera-se automaticamente reduzida às prestações ou prestação
que ainda for possível.
Aqui, ao contrário do art. º 292, temos uma redução automática (legal) dado que se prescinde
da vontade das partes, porque a obrigação se mantém mesmo que para uma das partes fosse
essencial que essa obrigação tivesse todas as prestações iniciais.
Nas obrigações alternativas, ambas ou todas as prestações são principais, i.e., que todas elas
satisfazem da mesma forma o credor e que todas são onerosas para o devedor.
Em relação às obrigações alternativas é preciso ver os casos da impossibilidade superveniente
por causas imputáveis ao credor ou ao devedor – art. º 545 e ss.
Se for imputável ao devedor é necessário distinguir em relação ao poder de escolha da
prestação que pertença ao devedor ou ao credor.
No primeiro caso ele deve cumprir a prestação que seja possível cumprir, portanto, extingue-
se a obrigação correspondente à prestação impossível.
Se a escolha pertence ao credor ele tem a possibilidade entre escolher uma das prestações
possíveis ou então a indemnização correspondente ao valor daquela prestação que se tornou
impossível por causa do próprio devedor.
Se a obrigação alternativa resulta de um contrato pode o credor resolver o contrato e ser
indemnizado nos termos do art. º 801.

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A última hipótese é se a impossibilidade da prestação superveniente ser imputável ao credor é


também preciso distinguir se a escolha pertença ao próprio credor ou ao devedor. Naquele
caso a lei entendeu que a obrigação se considera extinta por cumprimento, é como se o
devedor tivesse cumprido. Se a escolha cabe ao devedor, ele pode escolher entre considerar
também cumprida a obrigação ou cumprir outra das prestações alternativas e ficar com o
direito a ser indemnizado pelos danos que tenha sofrido em virtude de ter de cumprir outra
prestação.
- Obrigações pecuniárias – art. º 550 e ss
Estas em geral são as que a prestação a que o devedor está obrigado tem por objecto uma
certa quantia em dinheiro, desde que essa moeda tenha curso legal (ou seja, tenha de ser
aceite nas transacções).
As obrigações pecuniárias são, portanto, genéricas porque o devedor encontra-se obrigado a
entregar uma quantia em dinheiro, mas concretamente as moedas/notas que irão ser
entregues só ficam especificadas no instante em que essa entrega seja feita, se é que essa
entrega seja feita algumas vezes porque se adoptaram formas de pagamento que não
implicam a entrega do dinheiro (moeda) a entrega fica sempre genérica.
Estas obrigações são, pelo menos, de três espécies:
1) Obrigações de quantidade (geral)
Estas são a classe genérica dado que a generalidade das obrigações pecuniárias são de
quantidade.
As obrigações de quantidade impõem ao devedor a obrigação de entregar uma determinada
quantia em dinheiro ___________ , que concretamente são objecto dessa entrega e, além
disso, independentemente do valor real é correspondente a essas espécies monetárias (ex: se
o devedor está obrigado a entregar 100 c., tem de, em primeiro lugar, entregar as espécies
monetárias correspondentes a esses 100c. Além disso, tem de entregar esse valor
independentemente de ter ocorrido alguma desvalorização monetária – princípio nominalista.
O devedor tem de entregar o valor correspondente ao que foi convencionado ainda que esse
valor seja diferente entre a data da constituição da obrigação e a data em que o devedor tem
de cumprir).
A ideia é a de adoptar o esquema mais fácil.
O princípio nominalista tem excepções como resulta logo do art. º 550 – as partes podem
estabelecer cláusula em sentido contrário, ou seja, estabelecer critérios de actualização
(normalmente juros). Outras excepções são as determinadas pela própria lei (ex: actualização
das rendas, obrigação de alimentos – art. º 2012). Além disto, existe as excepções das
chamadas obrigações de valor. Estas são aquelas em que a prestação mesmo que tenha por
objecto uma certa quantidade em dinheiro esse serve apenas como critério para fixar o
objecto da prestação, mas a finalidade dessas obrigações é a de garantir ao credor a obtenção
de uma quantia que corresponda àquilo que lhe é devido (ex: obrigação de indemnizar danos,
porque esta tem por objecto uma certa quantia em dinheiro, mas na determinação dessa
quantia ao que se atende não é o dinheiro mas ao montante dos danos que o credor sofrer e
que devem ser indemnizados. Se esses danos têm um valor na data em que ocorreram e têm
um valor diferente na data do cumprimento, é a este último que se deve atender).
Pelo menos nos casos das excepções que sejam determinados pela própria lei, o art. º 551
estabelece a orientação geral a que deve obedecer ao critério de actualização. A ideia é, na
falta de outro critério recorrer aos índices dos preços. Tem-se entendido que no caso das

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obrigações de valor recorre-se também aos índices de preços do art. º 551. Ao contrário, se a
actualização é imposta por uma cláusula negocial tem de se actualizar esse critério.
2) Obrigações de moeda específica (art. º 552 e ss)

Estas são as obrigações em que o objecto da prestação é fixado ou numa determinada moeda
ou, pelo menos numa referência a uma determinada moeda.
No caso da obrigação de moeda específica não se exige que a prestação pecuniária seja
efectuada em notas ou moedas com curso legal. O que interessa é que existe a possibilidade
de converter a moeda específica com curso legal noutro país, ou de todo sem curso legal em
moeda nacional.
O regime da obrigação da moeda especifica, leva em consideração os casos em que, por um
lado, tenha havido variação de valor entre a data da constituição da obrigação e a data do
cumprimento ou os casos em que seja impossível cumprir a obrigação na moeda escolhida
pelas partes.
No primeiro caso a obrigação tem de ser cumprida na moeda estabelecida qualquer que tenha
sido a variação – art. º 553 -, salvo os casos em que seja manifestamente desequilibrado exigir
o cumprimento – art. º 437.
No segundo caso, o art. º 555 estabelece que se não for possível obter tal moeda e na medida
em que não seja possível, pode o devedor exonerar-se com moeda em curso legal que seja
equivalente ao valor da moeda inicialmente estabelecida, tendo como critério de avaliação o
art. º 555, nº1. Se porventura a moeda estabelecida não tiver cotação – art. º 555, nº2 –
deverá atender-se ao valor corrente do metal que esteja incorporado na moeda em causa.
Se esse valor corrente for muito elevado deve recorrer-se ao valor normal que corresponde ao
valor corrente.
3) Obrigações em moeda estrangeira (art.º 558)
Quanto às obrigações em moeda estrangeira (art.º 558), o regime das obrigações é
praticamente o mesmo do que o regime das obrigações específicas, salvo no que respeita ao
modo de cumprimento, dado que o art.º 558, n.º 1, as obrigações que tenham sido fixadas em
moeda estrangeira podem ser cumpridas em moeda nacional segundo a taxa de câmbio que se
verifica no momento do cumprimento, excepto se no momento da constituição da obrigação
ou em momento posterior as partes tiverem acordado noutro sentido.
Análogas às obrigações pecuniárias são as chamadas obrigações de juros nos termos dos art.º
559 e ss., embora os juros não suponham, obrigatoriamente, uma obrigação pecuniária (essa é
a normalidade, mas não supões esses termos), por isso é que a lei trata as obrigações de juros
como umas espécies distintas das obrigações pecuniárias.

A regra é de que as partes podem fixar livremente os juros devidos, seja a que titulo for (juros
moratórios, juros correspondentes aos rendimentos do capital), no entanto, se os juros
convencionais (negociais) tiverem taxa superior à taxa correspondente aos juros legais é
necessário, antes de mais, que a convenção que fixe esses juros seja reduzida a documento
escrito (art.º 559, n. 2), além disso, por força da remissão do art.º 559-A para o art.º 1146,
consideram-se juros usurários e, portanto, não permitidos aqueles que ultrapassem
determinados percentagens sobre os juros legais (actualmente é de 3% sobre a taxa legal no
caso de existir garantia real e de 5% no caso de não existir). A usura, além de impor a nulidade

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das taxas que ultrapassam estes limites, implica ainda eventualmente, o preenchimento de um
tipo de crime (ou eventualmente a burla).
De acordo com o art. º 561, a obrigação de juros é autónoma em relação á obrigação a que a
lei chamou principal, ou seja, a obrigação sobre a qual se vencem juros, o que implica que os
prazos de prescrição, ou em geral as formas de extinção das obrigações podem funcionar em
regra (pelo menos), separadamente em relação á obrigação principal e em relação á obrigação
de juros (ex. é possível que os prazos de prescrição sejam diferentes e cessam a partir de
momentos diferentes).
 MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES
A primeira modalidade classifica as obrigações segundo o vínculo existente entre credor e
devedor. Neste critério distinguem-se as:
 Obrigações civis e obrigações naturais.
O que caracteriza as obrigações naturais – art. º402 e ss – é o facto de o seu cumprimento não
ser judicialmente exigível em virtude de essas obrigações se fundamentarem num dever de
ordem moral ou social.
As obrigações civis são as que cujo cumprimento é judicialmente exigível. Na generalidade dos
casos as obrigações são civis.
Quando a lei diz que as obrigações naturais se fundamentam num dever social e moral, indicia
que não são obrigações no sentido jurídico. De facto a tese tradicional é no sentido de que
estas obrigações são naturais porque a sua obrigatoriedade não decorre do próprio direito,
mas de outras ordens normativas que não estão dotadas do poder de soberania do Estado.
Na perspectiva da relação jurídica, diz-se que no caso das obrigações naturais a relação jurídica
é imperfeita porque lhe falta um elemento: a garantia.
No entanto, bastam os exemplos que normalmente são dados de obrigações naturais para crer
que não se tratam de obrigações puramente morais ou sociais, porque se tratam sempre de
situações em que a obrigação jurídica existe, mas que depois, por qualquer razão, essa
obrigação não é exigível. Ex: direitos de crédito prescritos.
Há, no entanto, aspectos no regime das obrigações naturais – art. º 403 e 404 – que indiciam
que essas obrigações são jurídicas, acontece é que não estão submetidas ao regime normal
das obrigações civis.
O art. º 404 manda aplicar às obrigações naturais o regime das obrigações civis (normal)
excepto naquilo em que esteja pressuposto o poder de coerção. O que pelo menos isto serve
para justificar, é que se a obrigação natural fosse uma pura obrigação social/moral não estaria
sujeita a um regime jurídico.
O art. º 403 (o mais importante) consagra o regime da chamada não repetição do indevido, i.e.,
o credor de uma obrigação não pode exigir o seu cumprimento judicialmente, mas se
porventura o devedor (o naturalmente obrigado) cumprir espontaneamente não pode, depois
esse devedor, exigir a restituição do que prestou com fundamento no carácter natural da
obrigação. Ex: se já prescreveu a obrigação, mas o devedor já pagou, não pode este vir exigir a
restituição com fundamento no facto da obrigação ser natural.
Considera-se que a obrigação é cumprida espontaneamente quando não exista coacção moral
ou física, por conseguinte, se o cumprimento da obrigação natural resulta de uma acção já
pode o devedor exigir a prestação, ou então, se o devedor não tiver capacidade para efectuar
o cumprimento.

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Resta saber se é essencial para funcionar o art. º 403, que o devedor conheça o carácter da
obrigação ou não. Face ao art. º 403 nº2, este erro não é relevante dado que só se considerou
neste artigo a coacção.
É verdade, no entanto, que o acto de cumprimento de uma obrigação não sendo negócio
jurídico é também um acto jurídico simples e estes, nos termos do art. º 295, estão
submetidos ao regime dos negócios jurídicos. É, portanto, concebível a aplicação do disposto
do art. º251 – erro quanto ao objecto (imediato).
A opinião dominante é no sentido de excluir a relevância do erro, o que intensifica o carácter
jurídico da obrigação natural, ou seja, em resumo, obrigação natural é uma obrigação jurídica
porque se for espontaneamente cumprida, o credor tem legitimidade para receber e manter a
prestação (se se tratasse de uma obrigação puramente moral, o devedor podia exigir a
restituição) e porque, ao não ser invocado o erro sem a natureza do _________, fortalece
ainda mais a situação do credor.
Isto até é razoável porque no exemplo normal o fundamento da prescrição está na
necessidade de consolidar (colocar) o direito de harmonia com os factos.
Portanto, é uma exigência de segurança que fundamenta a impossibilidade de exigir a
restituição depois de prescrito o prazo.
A razão de segurança jurídica só prevalece no suposto que, para terceiros, convém que as
situações se. . .
A obrigação natural está fundamentada na justiça (e não na moral ou na sociedade). E esta é
um fim próprio do direito.
Além disso, a partir do momento em que se considera que a coerção é apenas uma
característica normal do direito e não um elemento definidor do próprio direito, i.e., é
concebível a existência de direito sem coerção (ex: direito interno público), nada impede que a
obrigação natural seja jurídica.
Hoje admite-se que os próprios direitos sobre coisas também podem ser naturais no sentido
em que a sua eventual violação não permite o acesso aos tribunais.
 Modalidades das obrigações quanto ao sujeito
Obrigações de credor indeterminado – art. º 511.
Admite-se que uma relação jurídica obrigacional possa ser constituída, ainda que no momento
dessa constituição não esteja determinada a pessoa do credor.
Conclui-se que não se pode constituir a mesma relação jurídica se estiver indeterminado o
devedor.
Mesmo em relação ao credor, embora se admita que seja indeterminado no momento da
constituição da obrigação, tem de ficar estabelecido nesse momento o critério de
determinação do credor. Tem de ser determinável á partida.
Admitem-se duas espécies: os casos em que o próprio acto constitutivo, designadamente o
negócio jurídico, que estabelece o critério da determinação – ex: art. ___ – ou então os casos
em que o credor será quem for titular de outro direito – ex: propriedade horizontal (art. º
1424), como todos os condóminos estão obrigados a contribuir, todos são credores e
devedores, no entanto, a obrigação só se constitui quando as prestações se tornem exigíveis.
Ainda de acordo com o art. º511, se não ficar estabelecido o critério para determinação do
credor, o negócio é nulo, porque não é possível estabelecer a relação jurídica.

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Parece, ao Prof, que não possa existir uma obrigação quando não há ninguém para a exigir,
visto que no caso do art. º511, o credor não está determinado. Portanto, o Prof considera que
a obrigação só se constitui quando o credor for determinado e até esta determinação pode
haver, no máximo, uma obrigação a termo suspensivo.
É necessário fazer uma distinção entre obrigações conjuntas e solidárias – art.º 512 e ss. Em
ambos os casos estamos perante obrigações plurais, i.e., relações jurídicas obrigacionais em
que do lado activo ou passivo, ou simultaneamente, surgem vários titulares do crédito ou do
débito.
Em rigor, obrigações plurais significam o lado passivo, mas a lei tratou tudo conjuntamente.
Nas relações jurídicas obrigacionais a pluralidade de credores ou devedores pode ser em
conjunto (parciária) ou solidária. Na primeira, cada credor ou cada devedor tem uma
proporção (%) no crédito ou no débito, tanto nas relações internas (entre os credores ou
devedores) como nas relações externas. Na segunda, cada credor ou devedor tem também
uma proporção no crédito ou débito, mas apenas nas relações internas. Nas externas cada um
tem a totalidade.
Quer isto dizer que, quando a obrigação é conjunta significa que o respectivo credor/es só
pode exigir a cada um dos devedores a sua proporção na divida. Quando o crédito é conjunto,
o devedor/es têm que efectuar a prestação em partes; cada parte para cada credor.
Em princípio há regra do art. º 1404, na falta de implicação em contrário, existindo pluralidade
de credores ou devedores, presume-se que a participação deles na divida ou crédito é igual.
Naturalmente, a presunção que é igual para todos pode ser afastada.
Quando a obrigação é solidária – art. º 512 nº1 – cada devedor responde perante o credor
pela totalidade da prestação, ou seja, quando a obrigação é solidária, o credor pode exigir a
totalidade da prestação a qualquer um dos devedores independentemente da proporção que
cada um deles tenha na dívida. Daí resulta – art. º 512 nº1 – que se um deles cumprir os outros
devedores ficam liberados da divida. Se for o crédito que é solidário, qualquer um dos
credores pode exigir a totalidade da divida ao devedor. Se este cumprir, fica liberado perante
os restantes. Daqui decorre que, nas obrigações conjuntas, existem tantas relações jurídicas
quantos forem os credores, os devedores ou credores mais devedores (se for conjunta de
ambos os lados).
Ao contrário, nas obrigações solidárias existe apenas uma relação jurídica, devendo entender-
se que se a obrigação é solidária existem diversos titulares da mesma obrigação e se o crédito
for solidário, existe um crédito na titularidade.
O art. º 512 n. º2 salienta que a obrigação continua a ser solidária mesmo que as prestações
de cada um dos devedores sejam diferentes.
Quando existe a solidariedade entre devedores, se o cumprimento for efectuado por apenas
um ou alguns deles (isso libera os restantes), internamente é necessário acertar contas –
direito de regresso (art. º 524).
Pelo que resulta do art. º 513, sendo a obrigação plural a regra é, de que essa obrigação é
conjunta porque só existe solidariedade quando isso resulta da lei ou do negócio jurídico.
A solidariedade (especialmente a passiva) fundamenta-se na necessidade de proteger o
credor, i.e., parte-se do princípio que para o credor é mais vantajoso poder exigir a totalidade
da prestação a qualquer um dos devedores porque isso lhe garante contra a possibilidade de
alguém dos devedores não ter património suficiente, daí que a solidariedade passiva legal
surja especialmente em matéria de responsabilidade civil.

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Ao contrário, a solidariedade activa já não desempenha nenhuma função notória e, por isso,
não aparecer nenhum caso de créditos solidários.
Além disso, é mais fácil actuar na solidariedade passiva do que a conjunção passiva, porque
neste caso, a acção destinada a exigir este tipo de obrigação tem de ser intentada contra
todos.
O art. º 518, salienta que se a solidariedade for passiva e o credor exigir policialmente o
cumprimento a apenas um dos devedores, este não pode invocar a sua proporção na divida
nem deixa de estar obrigado pelo facto de chamar os restantes devedores à acção. Neste caso
já não há litisconsórcio necessário (mas sim voluntário).
Encarando pelo outro lado, o art. º 517 diz que o facto de exigir solidariedade não impede que
todos os credores solidários ou devedores apareçam na acção porque o caso julgado não será
eficaz contra aqueles que não tinham participado. Por conseguinte, pelo menos, quando se
trate de solidariedade passiva, o credor intenta a acção contra todos os devedores para exigir
pelo menos a um deles.
Pressupostos da solidariedade
Em primeiro, temos a existência do dever da prestação integral se a solidariedade for passiva,
ou o direito á prestação integral se a obrigação for activa.
Em segundo é necessário que a realização da prestação provoque um efeito extensivo para
todos os devedores – se a solidariedade for passiva – ou para todos os credores – se for
activa. Significa que para haver solidariedade é necessário que a prestação de um dos
devedores exonere todos os outros, ou se for activa que exonere o credor perante todos os
devedores.
Este é o aspecto essencial, porque pode suceder que o credor tenha direito a diversas
prestações iguais provenientes de diferentes devedores sem que se possa dizer que estes
sejam solidários, porque a realização da prestação por um deles não exonera ou outros
automaticamente.
Além destes dois pressupostos há quem entenda que a solidariedade tenha outros
pressupostos. Um deles é o pressuposto da identidade da prestação. Nos termos do art. º 512
nº2 aceita-se que a solidariedade pode existir mesmo quando os devedores solidários estejam
obrigados a prestações distintas. Significa que é possível, por exemplo, numa divida assumida
por duas pessoas, que uma responda só pelo capital e a outra responda pelo capital e juros.
Quando se exige identidade da prestação é evidente que o art. º 512 nº2 já demonstra que
este requisito não é totalmente indispensável para que exista solidariedade, ou seja, no
sentido próprio do termo não é um pressuposto, mas também é certo que só se pode falar em
solidariedade na medida em que as prestações sejam comuns.
No exemplo acima, só há solidariedade no que se refere ao capital, porque só um dos
devedores é que responde pelos juros.
Outro requisito é o que se designa por identidade da fonte da obrigação solidária, i.e., só se
pode dizer que a obrigação é solidária quando a obrigação de cada um dos devedores tenha
sido constituída pelo mesmo facto jurídico.
Parece que, pelo menos, isto é apenas uma verdade tendencial, mas é indiscutível que há
situações em que a solidariedade se constitui a partir de diferentes factos. Ex: nos termos do
art. º 503 aquele que tem a direcção efectiva do veículo responde pelo risco. Se o veículo
estava a ser utilizado por comissário este responde pelos danos – art. º 503 nº3. Tanto o que
tem a direcção efectiva como o comissário são solidários, mas um responde pelo risco e outro
responde por factos ilícitos.

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Portanto, este não é um requisito essencial para a existência da solidariedade.

Um último requisito é a comunhão de fim, o que significa que só há solidariedade quando a


sua instituição obedece a uma finalidade que é comum para todos os credores ou devedores.
Desde que se entenda que os factos que conduzem á instituição da solidariedade podem não
ser os mesmos para todos os credores ou devedores, já parece que a comunhão de fim já não
é um requisito, porque cada facto tem uma finalidade específica (ex: a responsabilidade pelo
risco tem em vista imputar á pessoa que tem determinadas vantagens a assunção de
determinadas desvantagens – art. º 503).
Ou seja, tendencialmente, há uma comunhão de fins, mas não é necessário que seja
propriamente assim, logo não se trata de um requisito.
SOLIDARIEDADE PASSIVA
 Relações Externas
Credor:
O primeiro aspecto é o de que o credor, quando a obrigação seja solidária, pode exigir a
totalidade da prestação a um dos devedores não podendo este, invocar o facto de ter apenas
uma certa prestação nessa divida – art. º 518.
Mas o facto de existir solidariedade passiva não significa que entre os devedores não exista
uma repartição da responsabilidade de cada um, sendo certo que, nos termos do art. º 1404 e
516, se presume que a participação de cada um dos devedores solidários é igual na divida. Por
isso, se o credor exigir de um dos devedores solidários apenas o correspondente á proporção
pela qual apenas um devedor responde, nos termos do art. º 519 não pode depois exigir dos
demais a totalidade da divida. Portanto, só poderá exigir dos demais a totalidade da divida
menos do que já tinha exigido do outro devedor, excepto se se verificar uma razão atendível
(ex: insolvência ou risco de insolvência da pessoa de quem se pretende exigir a prestação).
Por outro lado, quando a prestação se tornar impossível por facto que seja imputável apenas a
um dos devedores solidários – responsabilidade obrigacional – os restantes devedores
solidários respondem pela totalidade do valor correspondente a essa prestação.
No que respeita ainda á solidariedade passiva, falta ver dois aspectos: meios de defesa
invocáveis pelos devedores e o que diz respeito ao caso julgado.
No primeiro caso a regra – art. º 525 – é de que cada devedor solidário pode invocar os meios
de defesa que lhe sejam próprios. Ex: a sua incapacidade, algum vício de vontade, prescrição,
etc. Cada devedor pode também invocar os meios de defesa que sejam comuns a todos os
devedores. Ex: incapacidade do credor, excepção do não cumprimento, impossibilidade de
prestação não imputável ao devedor, etc.
No que respeita ao caso julgado, a regra é de que a decisão do tribunal apenas produz efeitos
entre as partes intervenientes, por isso, se deveria estar presente na acção mais alguém que
não esteve, perante essa pessoa, não se forma caso julgado e, portanto, perante essa pessoa
será necessário intentar nova acção com a mesma causa de pedir e pedido.
Isto tem de ser assim, porque, caso contrário, seria concebível que as partes intervenientes no
processo estivessem em acordo, de modo a que algum facto não fosse invocado (por
exemplo). Por isso, de acordo com esta regra, o art. º 522 considera que o caso julgado
formado entre o credor e um dos devedores solidários pode ser oposto perante os restantes
devedores solidários, excepto se esse caso julgado favorecer esses restantes devedores.

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 Relações Internas
O principal aspecto do regime jurídico é o que se designa de direito de regresso – art. º 524.
Se um dos devedores solidários cumprir integralmente a prestação que correspondia a todos,
fica extinta a obrigação para com o credor, mas constitui-se nesse instante uma nova relação
jurídica entre o devedor que cumpriu e os restantes devedores, na qual o devedor que
cumpriu passa a ser credor e os restantes devedores passam a ser devedores do antigo
devedor.
Agora, a obrigação que incide sobre os devedores, para com o antigo devedor já não é
solidária mas conjunta – cada um responde pela parte que lhe compete – art. º 524.
Há uma salvaguarda – art. º 526 – que é quando algum dos devedores não possa cumprir
porque está falido. Neste caso, a parte que competia ao insolvente, é repartida
proporcionalmente pelos restantes devedores, incluindo o que agora é credor.
O direito de regresso é de difícil qualificação, mas normalmente, entende-se que é um direito
de compensação, ou seja, é um direito de crédito com a especialidade de derivar
imediatamente da lei, o que significa que há ainda a acrescentar a lei como fonte de
obrigações.
Quanto á natureza da obrigação solidária, é aceite que nestas obrigações (do lado passivo),
existem diversas obrigações, ou seja, cada devedor solidário é titular de uma obrigação.
Distingue-se, no entanto, das conjuntas porque nestas, cada obrigação é fruto de uma relação
jurídica individualizada para com o credor. Nas solidárias, embora existam tantas obrigações
quantos os devedores, há uma única relação jurídica estabelecida entre o conjunto dos
devedores e o credor (es). Significa que do lado passivo, estamos perante uma obrigação
complexa, porque é composta por diversas obrigações a cargo de diversas pessoas.

Demonstra-se que nas obrigações solidárias, existem tantas obrigações quantos os devedores
porque nos termos do art. º 512 nº2 cada um dos devedores pode estar obrigado a uma
prestação parcialmente distinta. Se as prestações podem ser diferentes para cada devedor é
porque cada um tem uma obrigação própria, dado que não é aceitável que uma obrigação
possa ter por objectos diferentes da prestação principal.
Solidariedade Activa
 Relações Externas
No que respeita a estas, a regra é de que o devedor pode – art. º 528, n º1 – escolher o credor
a quem irá efectuar a prestação, dado que qualquer um dos credores solidários pode exigir a
totalidade da prestação, salvo quando tiver sido exigido o cumprimento da prestação por via
judicial por acção interposta por um dos credores. Neste caso, para não frustrar a actividade
do tribunal, o devedor só pode efectuar a prestação a favor do credor que intentou a acção.
A segunda regra diz que, embora cada credor possa exigir a totalidade da divida da prestação,
não está obrigado a faze-lo, por isso, cada credor, poderá querendo, exigir apenas a parte da
prestação que lhe compete, mas sempre no suposto (que não é o mais comum) que a
solidariedade está estabelecida no interesse exclusivo dos credores. Se tiver sido instituída a
solidariedade activa, só, mas também em benefício do devedor continuamos na regra do art. º
528, e o devedor pode efectuar a totalidade da prestação a favor de um só credor.
Normalmente a solidariedade activa está estabelecida para facilitar o cumprimento da
prestação do devedor, ou seja, está estabelecida no interesse do devedor.

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No que diz respeito ao caso julgado, a regra é a mesma só que ao contrário, ou seja, não é
invocável perante os credores que não intentarem a acção, salvo na medida em que o caso
julgado seja favorável aos restantes credores.
 Relações Internas
A ideia é a mesma da solidariedade passiva, ou seja, a realização da prestação a favor de um
dos credores solidários extingue a obrigação, mas os restantes credores têm o direito de exigir
desse credor que recebeu a parte que compete a cada um.
O Prof considera que isto não é direito de regresso porque os credores têm apenas um “dever”
de regresso.
Mesmo a lei não utiliza a expressão direito de regresso – art. º 533. É um direito de regresso
ao contrário, porque o credor que recebeu torna-se devedor e os restantes tornam-se
credores do devedor (que era um dos antigos credores).
Tal como na solidariedade passiva, estes credores são credores conjuntos, porque só podem
exigir a parte que lhes compete.
Obrigação de indemnização – art. º 562 e ss:
A lei tratou a obrigação de indemnização fora da responsabilidade civil porque, para começar a
obrigação de indemnizar segue o mesmo regime independentemente do tipo de
responsabilidade, portanto as regras dos art. º562 e ss, são aplicadas á responsabilidade civil
extra-obrigacional (aquilo que vimos até agora) seja responsabilidade ilícita, pelo risco ou por
factos lícitos, aplica-se á responsabilidade civil obrigacional (art.º 790 e ss) aplica-se á
responsabilidade civil pré-contratual (art.º 227) e aplica-se a outras situações fora de âmbito
da responsabilidade em que surge a obrigação de indemnizar (ex. a execução especifica do
contrato-promessa supõe a obrigação de indemnizar – são casos marginais).
A questão básica na obrigação de indemnizar é a da ligação entre o facto que origina o dano e
a imputação desse facto a determinada pessoa.
Quer dizer-se o seguinte:
Aquela pessoa que pratica uma acção ou omissão da qual resulta um determinado dano na
esfera jurídica de outra pessoa, só é responsável por esse dano (por falta ou omissão) desde
que exista uma certa ligação entre a acção ou omissão e o efeito correspondente, ou seja, o
dano correspondente – a isso se chama a lei do nexo de causalidade, nos termos do art. º 563.
O princípio do qual se parte (não pode ser levado á letra) é o de condição sine qua non neste
sentido: o autor da acção ou omissão ao ter o comportamento favorece com isso um
determinado efeito e, portanto, a ideia, à contrário, é a de que esse dano não se teria
verificado se a pessoa não tivesse actuado ou não tivesse omitido. Por exemplo, se a pessoa
não tivesse conduzido com excesso de velocidade não teria causado o acidente – isto levado
ao extremo pode conduzir a absurdo (ex. alguém deu um tiro e feriu ligeiramente a pessoa,
entretanto a ambulância teve um acidente e a pessoa veio a falecer – segundo esta tese a
responsabilidade é de quem deu o tiro) daí que tenha surgido a tese da causalidade adequada,
isto é, é necessário verificar se existe um nexo de ligação normal, ou seja, objectivamente
antecipável, entre a acção ou omissão e o efeito correspondente, portanto, não é uma questão
de verificar se existe um nexo de causalidade natural entre a acção e o seu efeito, mas é antes
a questão de encontrar um nexo de causalidade social, isto é, uma causalidade que pelas
regras normais da experiência permita estabelecer uma ligação entre o comportamento de
uma pessoa e o dano correspondente, por isso, mesmo que aquele que disparou com a pistola
tenha tido a intenção apenas de ferir, a experiência demonstra, que é objectivamente
antecipável que do tiro pode causar uma lesão que causa a morte de uma pessoa assim como

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na generalidade das causas quando, uma pessoa dá um soco noutra pessoa não é antecipável
que essa pessoa morra. A ideia é a de estabelecer um nexo de causalidade (art. º 563) pelas
regras normais, ou seja, até onde é razoável estabelecer esse nexo de causalidade, ou seja, é
de que o autor da acção ou omissão só tem de responder pelos danos que provavelmente a
outra pessoa não teria sofrido se não fosse aquela acção ou omissão – trata-se sempre de um
juízo de probabilidade e, portanto, pode ser um juízo que ultrapasse os danos que a pessoa
sofreu e, ao contrário, fique aquém dos danos que a pessoa sofreu (isto sempre no
pressuposto de que a lei não estabeleceu regras especiais – ex: quando alguém tem uma coisa
alheia de má fé nos termos do art. º 1271 responde pelos rendimentos que essa coisa poderia
produzir se fosse utilizada “por um proprietário diligente” – ninguém garante que no caso
concreto o legitimo proprietário tirasse esses rendimentos, no entanto, a legitima proprietária
tem direito aos rendimentos aqui previstos (é um nexo de causalidade especial)).
Consequências do nexo de causalidade (art. º 562):
Em primeiro lugar, a pessoa responsável deve “reconstituir” a situação do lesado anterior á
verificação do dano provocado por essa pessoa e só no caso de não ser possível essa
reconstituição é que o responsável pelo dano fica obrigado a indemnizar em “dinheiro” (art.
º566 nº1), acrescenta-se que (é um desvio e não uma excepção) o responsável pelo dano pode
ficar também obrigado a indemnizar em dinheiro quando a reconstituição natural seja (art. º
566 nº1) “excessivamente onerosa para o devedor” (responsável pelos danos) – é aqui, por
exemplo, que os seguros vão buscar fundamento para não reparar certos veículos quando o
valor seja inferior ao do próprio automóvel (não é uma regra absoluta).
Por outro lado, (ainda no princípio geral do art. º 562) é aqui que cabe a execução específica
no contrato-promessa que no fundo constitui a restauração natural do que se deve (é uma
forma de satisfazer quase plenamente o que se pretende).
Ainda quanto ao nexo de causalidade considera-se, nos termos do art. º 563, que está aí
consagrada a tese da causalidade adequada, isto é, considera-se que o dano é um efeito de
um facto, sempre que esse facto seja adequado á produção desse efeito (dano). Esta
causalidade adequada admite, um efeito de um facto sempre que esse facto seja adequado á
produção desse efeito (dano). Esta causalidade adequada admite, pelo menos, dois
entendimentos: há quem entenda que só é causa adequada aquela em que o dano seja um
efeito típico (o efeito normalmente associado) á verificação daquele facto (ex. é típico que
quando alguém dispara sobre uma pessoa que cause a sua morte, e já não é típico que um
soco cause a morte de ninguém). No outro entendimento considera-se que é causa adequada
aquele facto que, do ponto de vista puramente causal determinar o dano, excepto se, esse
dano tiver ocorrido em virtude de circunstâncias extraordinárias (muitíssimo anormais), ou
seja, se o facto do ponto de vista causal causa o dano então há nexo de causalidade (é a regra)
e só excepcionalmente se prevê o contrário e esta regra anda muito próximo da condition sine
quan non (ou seja se o dano foi causado independentemente de ser um facto típico) – nesta
vertente, portanto, o facto de alguém dá um soco pode levar à morte, porque se se provar,
então há nexo de causalidade (nesta segunda tese o âmbito do nexo de causalidade está assim
mais alargado).
Na responsabilidade penal a ideia é delimitar a responsabilidade (é excepção) e, portanto, o
nexo de causalidade fica limitado aos factos típicos; na responsabilidade civil a doutrina
tradicional entende que o nexo de causalidade (na vertente menos alargada) está integrado na
condition sine qua non (entende-se que as excepções a esta regra são excepções razoáveis) –
no fundo a ideia é de limitar a responsabilidade razoável e daí se o nexo de causalidade for
razoável, há responsabilidade. (se seguirmos o ponto de vista teórico, ao contrário desta ideia
é muito exagerado).

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A ideia é, enquanto se poder imputar a responsabilidade a alguém, então há responsabilidade


quanto mais não seja por ingerência na esfera jurídica alheia.
A regra, no nexo de causalidade, é de, antes de qualquer coisa, a pessoa obrigada á
indemnização deve restituir o lesado na situação anterior á verificação do dano (a regra é a da
restauração natural – art. º 562).
Esta regra geral sofre as excepções do art. º 566 nº1.
Nestes casos, a indemnização deve ser feita em dinheiro sempre que não seja possível a
reconstituição natural ou nos casos em que a restituição natural seja excessivamente onerosa
para a pessoa obrigada, ou seja, esta última excepção verifica-se no princípio da equivalência,
ou seja, reconstituir o dano sem que isso signifique graves prejuízos para o obrigado.
Essa indemnização em dinheiro deve calcular-se através da comparação entre a situação
actual, mas hipotética desse mesmo lesado considerando-se que a situação hipotética é aquela
em que o lesado estaria se não tivesse ocorrido o dano (art. º 566 nº2).
Interessa, portanto sempre, a situação actual e só no caso (está implícito no art. º566 nº2) de
não ser possível atender a um momento passado, deverá atender-se, mesmo assim, nesse
passado, ao momento mais recente que lhe for possível, e isto porque, a indemnização deve
abranger não só os chamados danos emergentes (os danos que resultam directamente do
facto praticado pelo autor do dano) como os lucros cessantes, ou seja, os rendimentos que
não foram recebidos por força da verificação do dano (art. º 564 nº1).
Se porventura (é hipotética), não for determinado o valor (montante) exacto dos danos o art. º
566 nº3 admite-se que nesse caso, que o tribunal possa calcular a indemnização apenas em
função da justiça no caso concreto (equidade). O que também se permite (é frequente) dado
que muitas vezes só é possível estabelecer o montante da indemnização do dano após o
tribunal ter averiguado e ter dado como provados ou não certos factos, o que significa que só
quando é proferida a sentença é que se pode determinar os danos, admitindo-se que o lesado
possa exigir, nos termos do art. º 565, uma indemnização provisória considerando apenas os
factos que nessa altura se podem considerar (nem que seja unilateralmente) provados – a
ideia é, especialmente nos lucros cessantes, nem sempre é fácil quando se interpõe a acção
fixar os danos e nem se sabe quanto tempo demora a acção e, portanto, não se consegue
calcular os rendimentos até essa altura, por isso é frequente (na pratica é a regra) que a
indemnização só seja calculada na execução da sentença e pode-se é anteriormente fixar-se
essa indemnização através de uma sentença provisória.
Por último, admite-se quando os danos sejam continuados (ex. prestação de alimentos – a
pessoa morre em virtude do acto de outrem – a pessoa que causou a morte deve prestar esses
alimentos) neste caso permite-se que a indemnização seja fixada através de uma prestação
jurídica (renda) que pode ser vitalícia ou temporária (art. º 567 nº2).
A regra de que os danos são calculados através da situação efectiva actual e através da
situação hipotética actual (teoria da diferença) sofre excepções, pelo menos a três níveis:
1º - Verifica-se nos casos em que o facto causador do dano seja praticado com
negligência (não como dolo) nesses casos, o art. º 494 permite que a indemnização seja fixada
em montante inferior ao montante dos danos causados pela teoria da diferença. “O grau de
culpabilidade do agente ou a situação económica do autor do dano ou do lesado justifiquem
no entendimento do tribunal a redução da indemnização”.
2º - Verifica-se nos casos em que na produção do dano tenha concorrido não apenas a
actuação do autor do facto danoso (lesivo) como também tenha concorrido a própria conduta
negligente do lesado – ex. se alguém causa ferimentos a outra pessoa é responsável pelos

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gastos médicos para que os ferimentos sejam curados, mesmo se o lesado não efectuou essa
cura correctamente; então há concorrência de culpa – nestes casos, nos termos do art. º 570,
o tribunal pode reduzir o montante da indemnização desde que se prove que o lesado também
contribuiu para a produção do dano e nesses casos é possível – a lei prevê – que a
indemnização possa ser totalmente excluída nos termos do art. º 570 nº1.
3º - Os casos em que a indemnização tenha sido convencionalmente (negocialmente)
fixada, seja no montante seja nos critérios para determinar esse montante, através da
chamada cláusula penal, nos termos do art. º 810, o que obviamente supõe apenas os casos de
responsabilidade obrigacional (na responsabilidade extra-obrigacional – art. º 483 - em
principio é difícil que tenha sido convencionada clausula penal).
Se por acaso, o autor da lesão não é único (ou seja se concorrem diversas actuações para
causar – autores seja a que titulo for) nesses casos a responsabilidade estabelece-se em
relação a todos aqueles que tenha sido a sua actuação (estão todos ao mesmo nível – art. º
571) e, por conseguinte, daí resulta que todos respondem solidariamente pela indemnização.
 TRANSMISSÃO DE POSIÇÕES JURÍDICAS DA RELAÇÃO JURÍDICA DE CRÉDITO (OU SEJA, TRANSMISSÃO DE
CRÉDITO E DA POSIÇÃO ACTIVA E TRANSMISSÃO DA OBRIGAÇÃO E DA POSIÇÃO PASSIVA):

Transmissão singular do crédito/débito:


1. Cessão de créditos
Esta é uma forma de transmissão do crédito a favor de terceiros mas mantendo-se a relação
jurídica obrigacional, o que significa que o conteúdo do direito/obrigação é o mesmo e o
devedor também é o mesmo.
A cessão de créditos é: o efeito de um negócio jurídico unilateral ou contrato com base no qual
se faz a transmissão do crédito.
Quer isto dizer que não há um contrato específico de transmissão de créditos. Em princípio
qualquer negócio que tenha capacidade para produzir a transmissão de um direito serve para
ceder um crédito, o que significa que pode ser feito por compra/venda, doação, troca, etc.
Significa isto que a cessão de créditos sendo um acto causal (não é abstracto), mas que pode
ter as mais diversas causas. Demonstra-se que é causal especialmente a partir do art. º 585;
uma vez que o devedor pode opor á pessoa que obteve a transmissão do crédito todos os
meios de defesa inclusive aqueles que resultam da relação jurídica com o ex-credor.
Assim, são invocáveis na relação entre o novo credor e o devedor factos que originalmente
dizem respeito á anterior relação entre o antigo credor e o devedor.
Se o negócio fosse abstracto as causas do negócio entre o devedor e o ex-credor não podiam
ser invocados.
De acordo com o art. º 577 o antigo credor é o cedente e o novo credor é o cessionário (o
devedor é o mesmo).
A cessão deve obedecer a diversos requisitos. Antes de qualquer coisa esses requisitos são os
gerais exigidos para o negócio que, em concreto, faz a cessão de crédito – art. º 578.
Há também requisitos específicos da própria cessão:
- Art. º 577 Nº1, ou seja, a transmissão do crédito supõe que o crédito seja transmissível.
Existem três géneros de intransmissibilidade:
 Pela lei
 Por convenção

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 Pela natureza do crédito em causa


Esta é a causa de intransmissibilidade mais extensa, p. ex., as coisas infungíveis como o
trabalho prestado por um determinado trabalhador.
A regra é que os direitos patrimoniais são transmissíveis.
- O segundo requisito especifico é o carácter não litigioso do direito objecto da cessão –
art. º 579.
- Por fim, o art. º 577 nº1, permite a cessão do crédito independentemente do
consentimento do devedor, o que significa que se pode ceder um crédito sem a concordância
do devedor. Sucede, no entanto, que a cessão só é eficaz face ao devedor se lhe for feita a
notificação correspondente – art. º 583. Essa notificação não está sujeita a nenhuma forma
especial, chegando-se mesmo a ponto de prescindir da notificação se o devedor aceitar a
cessão.
O art. º 583 nº2 estabelece que se porventura o devedor cumprir perante o antigo credor
antes de ter sido notificado da cessão, ou antes, de ter declarado que aceitava, esse
cumprimento extingue a obrigação e, portanto, considera-se que o devedor cumpriu e está
exonerado, salvo se o novo credor conseguir provar que, por outra via qualquer, o devedor
teve conhecimento da cessão.
Quando o devedor é exonerado por ter cumprido perante o antigo credor, o cessionário pode
exigir do cedente aquilo com que ele se enriqueceu.
Sendo este o regime, é discutível se a notificação da cessão ao devedor é um requisito de
existência da própria cessão ou se é apenas um requisito de eficácia dessa cessão perante o
terceiro (devedor). A opinião mais comum é que o conhecimento em geral é sempre um
requisito de eficácia e, portanto, entende-se que neste caso a notificação é também um
requisito de eficácia. Significa que, mesmo sem notificação, já existe uma relação jurídica entre
o cedente e o cessionário que produz os seus efeitos.
Quanto aos efeitos, a cessão implica que se verifique uma modificação subjectiva na relação
jurídica de crédito, já que muda a pessoa do credor, ou seja, tem por efeito imediato a
transmissão do crédito.
Implica também a transmissão dos direitos acessórios do crédito (o acessório segue o
principal). Ou seja, se por ex., o crédito estiver garantido por uma garantia real a transmissão
do crédito implica a transmissão da garantia, salvo quando a lei estabelecer o contrário (ex:
privilégios creditórios que estão sempre ligados ao credor) ou salvo quando a própria natureza
da garantia esteja também intimamente ligada sobre a pessoa do credor (ex: quando uma
garantia real é constituída gratuitamente por terceiros).
De acordo com o art. º 585 a transmissão do crédito implica para o devedor que, ao lado dos
meios de defesa que o devedor podia invocar contra o anterior credor, se soma agora os meios
de defesa que podem ser invocados contra o novo credor (ex: ilegitimidade do novo credor).
Por fim, de acordo com o art. º 587, o antigo credor está obrigado a responder perante o novo
credor pela existência e exigibilidade do crédito, o que significa que se por acaso se verificar
alguma causa de invalidade ou inexigibilidade do crédito, o cessionário não pode actuar
perante o devedor, mas pode actuar perante o cedente, mas dentro dos moldes do negócio
que serviu de causa á cessão.
2. Sub-rogação – art. º589 e ss.
A sub-rogação, tal como a cessão de créditos, implica uma transmissão de crédito, mas essa
transmissão verifica-se por causa do cumprimento, ao passo que a cessão de créditos verifica-

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se antes do cumprimento (pressupõe-se que a obrigação ainda não é exigível). Quer isto dizer
que a sub-rogação supõe que o credor obteve o cumprimento da obrigação, só que quem
cumpriu essa obrigação não foi o devedor, mas sim, um terceiro que tanto pode ser terceiro
no sentido puro do termo (um estranho) como pode ser terceiro que não é o devedor principal
(ex: fiador).
Nestes casos, em que a obrigação foi cumprida por um terceiro, o terceiro que cumpriu fica na
posição que o credor obteve com o cumprimento.
É discutível se de facto é assim porque se o credor sai da relação é porque o seu crédito foi
satisfeito.
O CC distingue isto de um fenómeno específico do cumprimento das obrigações: mudação.
Como resulta do art. º589 a ideia da sub-rogação que o CC quer transmitir é que o terceiro fica
na situação em que estava o antigo credor. Isto implica que a obrigação não foi cumprida o
que complica, porque não se percebe porque é que o antigo credor sai da posição de credor
(mais importante é tentar perceber porque é que o segundo credor entra na relação de
crédito).
O terceiro adquire os poderes que eram do credor – art. º 593.
De acordo com o CC existem três formas de sub-rogação:
 Proveniente do credor – art. º 589
Esta pressupõe que o credor declare expressamente que subroga o terceiro que cumpriu, ou
seja, é a declaração de que os direitos do credor são transmitidos ao terceiro. Exige-se que isso
seja feito até ao momento em que se efectua o cumprimento. Não é necessário o
cumprimento do devedor (porque este não é prejudicado).
 Proveniente do devedor – art. º 590
Os requisitos são praticamente os mesmos, ou seja, é necessário que o devedor declare
expressamente que subroga o terceiro, que cumpriu, no lugar do credor e essa sub-rogação
tem de ser declarada até ao momento em que a obrigação se efectue. Este caso torna mais
evidente de que a sub-rogação não pode ser pura transmissão porque esta se faz do credor
para o terceiro por vontade do devedor, o que é estranho porque a sub-rogação se dá por
vontade do
 Legal – art. º 592
Verifica-se, ou quando a lei expressamente o estabelece ou sucede com carácter geral quando
o terceiro que cumpriu fosse aquele que anteriormente tinha prestado uma garantia real ou
pessoal, se por acaso o terceiro tiver um interesse directo na satisfação do crédito.
Na primeira situação é exemplo o caso do fiador.
Neste caso (sub-rogação legal) a sub-rogação verifica-se no momento em que o terceiro
cumpriu, o que significa que neste caso a sub-rogação não é anterior, mas simultânea ao
cumprimento.
Operada a sub-rogação, o subrogado adquire os direitos que o credor tinha e, se a sub-rogação
for parcial, a partir dessa altura passam a existir dois credores – o credor inicial e o terceiro
que cumpriu parcialmente – art. º 593 n. º2.
Como a lei não estabelece regime especial tem que se concluir pela regra que o crédito é
conjunto, ou seja, o devedor tem que cumprir separadamente em relação a cada um dos
credores.

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Como resulta do art. º 593 nº3, nem sequer há preferência em relação a cada um dos
credores.

 Transmissão de obrigações (isoladas):


 Transmissão singular de dívidas – art. º 595 e ss.
Esta resume-se àquilo a que o art. º595 designou de assunção de dívidas.
A assunção de dívidas supõe que o objecto de transmissão é apenas a divida, e, portanto, o
devedor não transmite toda a sua posição negocial, transmite apenas a divida. Por isso é que,
nos termos do art. º 595, a transmissão da divida supõe que exista um acordo (contrato) entre
o antigo devedor a o novo devedor ou acordo entre o novo devedor e o credor.
Na primeira hipótese há um contrato que pode ser, tal como na cessão de créditos, de um
qualquer tipo desde que se trate de um tipo contratual translativo, o que significa que o
fenómeno da assunção da divida é pluricausal (pode ter diversas causas), desde que o credor
ratifique esse contrato de transmissão da divida.
A exigência de ratificação baseia-se na finalidade de defender os interesses do credor, porque
se parte do princípio que o credor só aceita ser credor, por ter uma determinada confiança no
devedor. Pode suceder que a mudança de devedor seja encarada pelo credor como prejudicial.
Uma vez que a transmissão está dependente de ratificação, daí decorre que a transmissão não
é eficaz enquanto o credor não ratificar. Enquanto ele não ratificar, o antigo e o novo devedor
podem desfazer o contrato (distratar). Por outro lado, para não ficarem eternamente à espera
que o credor ratifique podem os devedores exigir que o tribunal fixe um prazo para o credor
ratificar ou podem eles próprios atribuir um prazo (extrajudicial) para que o credor ratifique ou
não.
A lei para protecção do interesse do credor presume que o silêncio do credor, quando é
notificado para ratificar, equivale a recusa da ratificação – art.º 596, n.º 2.
Significa isto, também, que o contrato de transmissão da divida só é eficaz se, antes de mais
nada, for dado conhecimento desse contrato ao credor, o que é um pressuposto da ratificação.
Ou seja, o contrato de transmissão da divida tem 2 requisitos de eficácia:
- Dar conhecimento ao credor
- Que o credor ratifique
A regra geral é de que um 3º só pode assumir a dívida quando o credor consinta isso, seja
ratificando – art.º 595, a) – seja celebrando ele próprio contrato de assunção da divida com o
novo devedor – art.º 595, b).
Esta necessidade de consentimento do credor deriva de duas razões: por um lado, a regra
geral de direito civil segundo a qual não se podem transmitir benefícios sem o consentimento
do beneficiário. De facto com a assunção o credor fica beneficiado dado que o antigo devedor
só fica exonerado se o credor declarar expressamente que exonera o antigo devedor – art.º
595, n.º 2. Caso contrário, o antigo e o novo devedor respondem solidariamente pela
totalidade da divida.
Por outro lado, a assunção da divida sem consentimento do credor representaria um negócio
unilateral, com efeitos obrigacionais para o seu autor.
De acordo com a regra só são admissíveis os negócios unilaterais nos casos expressamente
previstos na lei – art.º 457.

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Para que a assunção da divida seja eficaz, para além do consentimento do credor supõe-se
ainda que a divida existe mesmo, ou seja, que o facto constitutivo dessa divida é válido e
supõe-se também que o contrato (em qualquer das modalidades do art.º 595) de transmissão
da divida também seja válido. Caso contrário não há transmissão da divida e, portanto, não
surge um novo devedor.
Se a invalidade disser respeito apenas ao contrato de transmissão da divida, esta existe, mas
não existe um novo devedor.
Nesse caso, mesmo que o credor tenha exonerado o antigo devedor considera-se que a
obrigação renasce na titularidade do antigo devedor – art.º 597.
Em rigor a obrigação não renasce, mas sim, o devedor inicial nunca deixou de ser devedor,
dado que o contrato de transmissão não é válido.
O que sucederá é que, declarando-se inválido o contrato de assunção e, portanto, mantendo-
se a divida no devedor originário, consideram-se extintas as garantias prestadas por terceiros.
Se, por ex., a divida estava garantida por hipoteca por terceiros e se procedeu à transmissão
da divida a regra é – art.º 599 – que as garantias acompanham a transmissão.
Se o contrato é inválido, o antigo devedor continua a ser a pessoa obrigada e, portanto, as
garantias prestadas por terceiros, deviam manter-se. A questão é que o terceiro confia que a
garantia acompanha a transmissão para o novo devedor e, por isso, o retorno da garantia para
o devedor originário por prestar a confiança que prestou a garantia – art.º 597. Salvaguarda-se
o caso de o terceiro conhecer ou dever conhecer o vicio subjacente à transmissão da divida.
Cessão da posição contratual – art.º 424 a 427
A cessão da posição contratual pode ser relativa á posição do credor ou do devedor. Mas o que
identifica a cessão é que neste caso a transmissão abrange não apenas o crédito ou a divida,
mas antes, a totalidade dos direitos e deveres que derivam para cada parte num contrato.

O que é necessário para que se possa fazer cessão da posição contratual é que estejamos
perante uma situação jurídica fundamentada num contrato com prestações recíprocas.
Normalmente, este é um contrato bilateral, ou seja, sinalagmático, mas ao que parece esta
expressão tem em vista abranger outras situações além dos contratos bilaterais, mas de
qualquer modo existem correspectividades entre as prestações das partes (ex: doações com
encargos, se o beneficiário do encargo for o próprio doador, há prestações recíprocas sem que
o contrato seja sinalagmático).
O art. º 424 exige ainda para a perfeição da cessão que o outro contraente consinta na cessão.
Admite-se que esse consentimento seja dado tanto antes como depois da cessão. É vulgar nos
contratos-promessa que uma parte ou ambos possam ceder a sua posição.
O que sucede neste caso é que a cessão só é eficaz a partir do momento em que seja
notificada ao outro contraente.
De acordo com o art. º 426 a regra é de que a parte que cede a sua posição a terceiros garante
ao terceiro a existência dessa posição contratual e, portanto, responsabiliza-se pelos danos
que o terceiro possa sofrer, seja pela posição contratual não existir seja por o conteúdo ser
diferente do previsto.
De qualquer modo essa responsabilidade existe na própria medida em que seja admitida ou
imposta pela medida em que opera á cessão da posição contratual. Ou seja, tal como na
cessão de créditos não existe nenhum negócio especifico para a cessão contratual; pode ser
qualquer negócio jurídico que tenha eficácia translativa. Daí que a responsabilidade do

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cedente pela posição contratual que está a ser cedida exista na medida em que o
incumprimento do negócio que faz a cessão esteja previsto na lei. Ex: tratando-se de compra e
venda da posição contratual a responsabilidade da conduta é menor do que se doasse a
posição contratual – art. º 425.
Feita a cessão as relações entre o cessionário e a outra parte do contrato, cuja posição foi
transmitida são reguladas apenas por esse contrato e, portanto, os meios de defesa – art. º
427 – que a outra parte do contrato podia invocar contra o cedente e que não resultem do
próprio contrato são impuníveis ao cessionário.
CUMPRIMENTO E INCUMPRIMENTO
1. Cumprimento – Art. 762 e ss.
O cumprimento da obrigação é uma forma de extinção da obrigação. De acordo com o CC,
podem extinguir-se para além do cumprimento, por dação em cumprimento – art.º 837 e ss –
consignação em depósito – art. º 841 e ss. – Compensação – art.º 847 e ss. – Novação - art. º
897 e ss. -, remissão – art.º 863 e ss., e por confusão - art. º 868 e ss.
A extinção por cumprimento tem uma natureza especial dado que, por um lado, é por isso que
a obrigação está constituída e reconhecida. Por outro lado, parte-se do princípio que o
interesse do credor, em geral, só é satisfeito mediante o cumprimento. As outras formas de
extinção não satisfazem o interesse típico do credor.
Nos termos do art. º 762 nº1 considera-se que a obrigação é cumprida quando o devedor
realiza a prestação a que está obrigado. Não há dúvida nenhuma de que se a prestação é
realizada voluntariamente, nesse caso há cumprimento. Ao contrário, se o interesse do credor
é satisfeito por força da intervenção do tribunal para que a obrigação seja coactivamente
cumprida (normalmente através da execução) o credor obtém a satisfação do seu interesse.
Evidentemente que se não for possível a prestação coactiva, também não se levanta o
problema do cumprimento (porque é logo incumprimento).
Mas, apesar do obrigado não cumprir voluntariamente, há na mesma cumprimento, mas
coactivo (o Prof Antunes Varela tem opinião contrária).
Desde que o credor obtenha a prestação que pretende obter há cumprimento (é sempre na
perspectiva do credor).
O cumprimento orienta-se por 2 princípios:
- Antes de mais nada, o princípio da boa-fé (objectiva) – art. º 762 nº2 – o que quer dizer
que, em geral, não basta que o devedor cumpra. É necessário verificar caso a caso, as
modalidades e formas de cumprimento.
- O outro princípio é o chamado principio da pontualidade – art. º 406 nº1 que embora
esteja referido aos contratos, está pensado nas obrigações.
Este principio tem diversas implicações:
* Por um lado, o devedor tem de cumprir no tempo oportuno, o que significa que se a
obrigação tem um prazo, tem de ser cumprida no prazo estabelecido.
Se não tem prazo (obrigação pura) o devedor deve cumprir quando o credor exigir –
interpelação. (art.º 808)
* Além desta implicação óbvia, o principio implica a consequência de que o devedor não se
pode exonerar unilateralmente entregando prestação diferente daquela a que estava
obrigado. Só é possível entregar coisa diversa se o credor consentir nisso e é precisamente
neste caso que temos a dação em cumprimento – art. º 837.

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* Uma outra implicação deste princípio é que o devedor não tem o direito de exigir
(unilateralmente) qualquer redução da prestação a que está obrigado ainda que a realização
da prestação coloque o devedor em situação de falência. A ideia é de que o devedor responde
com todo o seu património.
* Por fim, a última implicação é que o devedor tem que realizar a prestação na íntegra e,
portanto, não pode unilateralmente entregar parte da prestação. Se a prestação for entregue
em parte, o credor pode recusar essa entrega ou pode aceitar a realização parcial, mas se não
houver a estipulação de um novo prazo para a realização da parte restante o devedor entre
em mora ou em incumprimento do que resta cumprir. Reconhece-se ao credor o direito de
exigir apenas uma parte – art. º 763 nº2.
Pode suceder neste caso que o próprio devedor não esteja interessado na realização parcial, e,
nesse caso, o devedor pode realizar a prestação por inteiro e o credor tem de a aceitar – art. º
763 nº2, última parte. Se o credor não aceitar por inteiro é ele que entra em mora pelo facto
de não receber em tempo oportuno parte da prestação.
Requisitos da pessoa do credor/devedor para que se possa efectuar o cumprimento – art.
764:
A regra é de que funciona o regime geral que define a capacidade de gozo e de exercício das
pessoas – art. º 123 e ss – com alguma especialidade em relação ao credor a ao devedor.
Em relação ao devedor ele deve ter capacidade de exercício para cumprir, caso contrário deve
cumprir o seu representante ou com a autorização do seu assistente.
Se o acto de cumprimento for de natureza exclusivamente material (ex: entrega de uma coisa)
esse acto é válido apesar de ter sido cumprido pelo incapaz – art. º 764, à contrário.
Também é verdade que em relação aos actos de natureza real não se pode fazer um juízo da
invalidade (ex: depois de pintada a casa não se pode dizer que a pintura é inválida).
Em relação às obrigações materiais é pelo menos essencial que o incapaz tenha capacidade
natural.
Se a natureza da obrigação consistir em acto jurídico de disposição, a incapacidade do devedor
implica que se ele praticar esse acto parcialmente o acto é aceitável nos termos gerais, salvo
se o credor conseguir demonstrar que o devedor não sofreu nenhum prejuízo com o
cumprimento da obrigação. Portanto, mesmo que se trate de um acto de disposição o
cumprimento mantém-se desde que se consiga demonstrar que não houve prejuízo para o
devedor.
Se o cumprimento implicar um acto jurídico que não seja de disposição não há um regime
directamente aplicável e, portanto, o raciocínio devia implicar que a esse acto seria aplicável o
regime geral. Só que isto implicaria que para actos que seriam menos graves a nível
patrimonial teríamos a opção da anulação (art. º 125) ou da manutenção do negócio. Ora, se
para actos mais graves se permite que o credor impeça a anulação provando que o devedor
não teve prejuízo parece que essa ideia seja de aplicar a qualquer acto jurídico (sempre desde
que esse acto só tenha implicação patrimonial).
Capacidade do Credor
Nos termos do art. º 764 nº2 a regra básica é semelhante á que se aplica ao devedor, ou seja,
o credor só pode receber a prestação se tiver capacidade de exercício para o efeito. Caso
contrário, a prestação deverá ser recebida pela representante legal do credor, salvo quando de
todo o modo, a prestação chegue ao poder do representante legal ou quando o património do
incapaz tenha enriquecido. Neste caso, mesmo assim, o devedor poderá ver-se obrigado a

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cumprir novamente pela diferença entre a prestação devida e o enriquecimento efectivo que o
incapaz obteve.
Não se verificando estas excepções o devedor pode ver-se obrigado a ter que cumprir duas
vezes, perante o credor incapaz e perante o próprio representante.
As excepções que impedem a anulação do cumprimento no caso de o credor ser incapaz só
funcionam quando a divida tenha natureza patrimonial. Nos outros casos segue-se o regime
geral das incapacidades.
Legitimidade
A regra, tanto no caso do credor como no devedor é a regra geral, ou seja, só se pode efectuar
se a prestação se o devedor tiver a ligação necessária com o objecto da prestação que lhe
permita efectuar o cumprimento a favor do credor. Isto está pensado para as prestações da
natureza de uma coisa.
Se porventura o devedor entregar coisa que não lhe pertence a regra é de que ele não poderá,
mesmo assim, impugnar a prestação (destruir a prestação) exigindo a prestação, a não ser que
em simultâneo ofereça outra prestação sem a qual tenha legitimidade.
O credor que recebe coisa alheia não fica seguro, o que acontece é que na relação
credor/devedor é indiferente que o devedor tenha ou não legitimidade. Desde que a coisa
tenha sido entregue ao credor ele tem o direito de a manter, mas este é um direito relativo ao
devedor. Daí que este só pode destruir o acto de cumprimento se em simultâneo entregar
outra coisa do mesmo género ao credor.
Ao contrário – art. º 765 nº1 – na mesma hipótese (se o devedor entregar coisa relativamente
á qual não tem legitimidade) o credor, se tiver de boa-fé, pode impugnar o cumprimento, ou
seja, pode considerar que o cumprimento não ocorreu e daí responsabilizar o devedor por
mora ou incumprimento. Neste caso, como é o credor que quer desfazer a prestação admite-
se que ele próprio abdique do seu interesse e prefira a indemnização da mora ou
incumprimento.
A ideia é evitar que ele tenha de restituir a coisa ao legítimo proprietário.
A lei considera a questão da legitimidade pessoal para prestar e receber a prestação (já não se
refere ao objecto, mas á pessoa).
No que toca ao devedor a regra é de que a prestação tanto pode ser cumprida pela pessoa
obrigada como por terceiros e tanto faz – art. º 767 nº1 – que esse terceiro tenha interesse no
cumprimento ou não.
Daqui resulta que o credor está obrigado a receber a prestação (desde que se respeite a
pontualidade) seja ela feita pelo devedor seja feita pelo terceiro. Excepciona-se o caso de ter
havido acordo contratual pelo qual se tenha estabelecido que a prestação só pode ser
cumprida pelo devedor, exigindo-se que esse seja expresso – art. º 767 nº2 – ou então os
casos em que a prestação seja infungível.
Por consequência – art. º 768 nº1 – se o credor recusar a prestação de terceiros, é este que
fica constituído em mora perante o devedor e, portanto, responde pelos danos que essa mora
tenha causado. Admite-se de qualquer maneira, que o credor recuse a prestação feita por
terceiros sem incorrer em mora desde que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes
requisitos: por um lado, que o devedor se tenha oposto ao cumprimento pelo terceiro e, por
outro lado, que o cumprimento por terceiro não atribua a esse terceiro a possibilidade de
adquirir por sub-rogação os direitos do credor contra o devedor – art. º592 – (este acaba por
ser outra excepção á regra). Mas se este requisito se verificar, é indiferente que o devedor se

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tenha oposto ou não ao cumprimento por terceiros, sendo que pode aceitar a prestação
validamente.
Do ponto de vista do credo – art. º 769 – tem legitimidade para receber a prestação o próprio
credor ou o seu representante legal ou voluntário. De qualquer modo, em certos casos a
prestação também pode ser recebida por terceiros desde que se verifiquem as hipóteses do
art. º 770.
Lugar do Cumprimento – art. º772 e ss.
Em princípio, se a obrigação tiver natureza negociável, é esse negócio que irá fixar o lugar do
cumprimento.
Se porventura nada for dito (o que é raro) a regra supletiva é de que a prestação deve ser
efectuada no domicílio do devedor (art. º 772 e ss). Mesmo assim ainda há especialidades
resultantes da natureza do objecto da prestação.
Se a prestação for a entrega de uma coisa móvel – art. º 773 – o local deve coincidir com o
local onde a coisa se encontrava no momento em que o negócio ficou concluído.
Se se tratar de prestação que tenha por objecto a entrega de uma quantia em dinheiro – art. º
774 – a regra é de que essa prestação deve ser realizada no domicílio do credor no momento
do cumprimento.
Quando seja por via de uma estipulação ou lei, a prestação seja no domicílio do credor ou
devedor, as alterações do domicílio podem ter relevância. Assim, quando o local do
cumprimento coincida com o domicilio do devedor a regra é de que a prestação deve ser
cumprida no novo domicilio o que significa que é o último domicilio que fixa o local de
cumprimento, salvo quando daí possam resultar prejuízos para o credor – art. º 772 nº2.
Ao contrário, quando o local de cumprimento coincida com o domicílio do credor a mudança
do domicílio – art. º 775 – implica, em regra, que o local de cumprimento seja o do novo
domicílio (actual), salvo se daí decorrerem prejuízos para o devedor, mas neste caso admite-se
que o credor possa exigir na mesma que o cumprimento seja efectuado no novo domicilio
desde que se comprometa a indemnizar o devedor pelo acréscimo de despesas que este possa
ter com esse acréscimo.
Prazo da Prestação
Para este efeito distinguem-se as obrigações puras e a prazo.
As puras são as que não tendo um prazo para serem cumpridas são exigíveis no próprio
momento em que se constituem e, por isso, para que sejam cumpridas, para que se vençam,
basta que o credor exija o seu cumprimento através da interpelação.
As obrigações a prazo são as que a respectiva exigibilidade se verifica em momento posterior á
sua constituição, dado que existindo um prazo para o cumprimento só se tornam exigíveis
quando o prazo estiver verificado.
A lei tem apenas um regime para estas últimas, dado que nas puras fica essencialmente ao
abrigo da autonomia da vontade fixar o momento em que a obrigação deva ser cumprida – art.
º 777, nº1.

A interpelação do credor ao devedor serve para determinar a eventual mora (atraso) no


cumprimento da prestação.
O prazo, nas obrigações a prazo, pode derivar do negócio jurídico constitutivo da obrigação, da
lei ou da própria natureza da obrigação (art. º 777 nº2).

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Qualquer que seja a fonte que estabelece o prazo, este pode fundamentar-se no interesse do
credor, do devedor ou de ambos.
Quando o prazo for estabelecido no interesse do credor ele pode exigir o cumprimento antes
de decorrido esse prazo, mas o devedor não pode cumprir se não for interpelado antes de se
verificar o prazo.
Se o prazo é no interesse do devedor (o que é normal) o credor não pode exigir o
cumprimento antecipado, mas o devedor pode cumprir antes de decorrido o prazo.
Se o prazo é estabelecido no interesse de ambos nem o credor pode exigir antes de decorrido
o prazo nem o devedor pode cumprir antes desse prazo decorrer.
De acordo com o art. º 779 a regra (a presunção) é de que quando se estabelece um prazo
entende-se que esse foi estabelecido no interesse do devedor. Neste caso, a lei estabelece –
art. º 780 – os casos em que determinados comportamentos do devedor podem implicar que
ele possa perder o benefício do prazo estabelecido a seu favor.
São três situações:
- Caso de o devedor se tornar falido
- Caso de por culpa do devedor, terem diminuído as garantias do crédito.
- Se não tiverem sido prestadas as garantias prometidas
A ideia geral é de que o devedor tem um comportamento que intensifica o risco do credor não
obter a satisfação do seu crédito.
Considera-se que o art. º 780 tem uma enumeração taxativa, portanto, outros
comportamentos, não implicam a perda do benefício do prazo.
Tem-se entendido que na falência não se está num sentido técnico, porque apesar do art. º
780 não é preciso que seja judicialmente declarada. Basta que o passivo do devedor seja maior
que o seu activo.
Quando se fala em garantias refere-se às garantias reais (consignação de rendimentos, penhor,
hipoteca e privilégios creditórios e, eventualmente, direitos de retenção) e pessoais (fiança e
aval).
Se estas garantias deixarem de existir por responsabilidade do devedor ou não forem
prestadas quando tinham sido antecipadamente prometidas temos a perda do benefício do
prazo.
Há quem acrescente que também implica a perda do benefício do prazo a declaração ao
credor, de que o devedor não tenciona cumprir.
A perda do benefício do prazo significa que o devedor já não pode invocar esse prazo em seu
favor e o credor pode pedir imediatamente a satisfação do crédito.
Admite-se ainda – art. º 778 – que a prestação fique inteiramente dependente do arbítrio da
vontade do devedor, seja nos casos em que o devedor cumprirá quando puder (nº1) seja
quando o devedor cumprirá se quiser (nº2). No primeiro caso o credor só pode exigir quando
provar que a prestação se tornou possível para o devedor, mas se este falecer, o credor pode
imediatamente exigir aos herdeiros não tendo que provar que a prestação já é possível. Na
segunda hipótese, a prestação também não é exigível (não interessa se o credor prova que a
prestação é possível ou não) mas se o devedor falecer, o credor pode exigir aos herdeiros
imediatamente. E ambos os casos o credor só pode exigir aos herdeiros.
Imputação do Cumprimento – art. º 783 e ss.

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O problema coloca-se apenas no caso de, eventualmente, entre o mesmo o credor e o mesmo
devedor existirem diversas relações jurídicas de crédito estando em todas elas uma pessoa
como credor e em todas elas uma pessoa como devedor, se uma delas efectuar uma prestação
que não chegue para satisfazer todos os créditos.
Em principio, como regra geral – art. º 783 nº1, fica ao critério do devedor identificar os
créditos a que a sua prestação se refere, salvo se, tratando-se de créditos ainda não reunidos
desde que o prazo tenha sido estabelecido no interesse do credor. Nesta situação a prestação
efectuada só se pode referir a esse crédito não vencido se o credor consentir. Por outro lado, a
segunda excepção é que o devedor não pode designar um crédito de montante superior á
prestação que efectuou sem consentimento do credor porque isso, em geral, configura
cumprimento parcial e o credor pode recusar a prestação quando esta não corresponda
integralmente àquilo a que o devedor está obrigado.
Nestes dois casos, o devedor só pode designar se houver consentimento do credor. Não
havendo designação por parte do credor funcionam as regras do art.º 784.
2. Incumprimento – Art.º 790 e ss.
Este significa que, por uma razão qualquer, a prestação não foi efectuada e já não pode ser
(definitivo) ou poderá ser efectuada mais tarde (mora).
Adoptando a classificação da lei, o incumprimento pode distinguir-se no que respeita á causa e
aos respectivos efeitos.
Em relação á causa a lei faz uma classificação por exclusão de partes: o incumprimento ou
mora imputável ao devedor (causada por uma acção ou omissão) e temos o incumprimento
não imputável ao devedor – art. º 798 e ss. - Para o primeiro caso e art. º 790 e ss para o
segundo caso.
Quando se diz que o incumprimento não é imputável ao devedor tanto pode querer dizer que
o incumprimento resulta de terceiros, do credor ou de um caso de força maior. Quando o
incumprimento decorre de um comportamento de terceiro ou credor, isso pode ter
consequências ao nível da própria responsabilidade.
Quanto aos efeitos a lei só distingue duas situações:
1. Incumprimento definitivo;
2. Mora.
Hoje acrescenta-se uma terceira espécie – Cumprimento Defeituoso – que só tem relevância
com um determinado pressuposto: se o cumprimento é defeituoso (no sentido de que não
respeita o principio da pontualidade – art.º 406) o credor pode recusar a prestação e, neste
caso, o incumprimento continua a ser definitivo ou mora. Ao contrário se o credor aceita o
cumprimento apesar de defeituoso, o caso nem é de incumprimento defeituoso nem é de
mora quanto á parte em que se cumpriu. Aqui o cumprimento tem um regime específico.
Incumprimento Não Imputável ao Devedor – Art. 790 e ss.
De acordo com a distinção do art. º 790 face ao art. º 791 só se considera que se verifica
incumprimento definitivo quando se verifique a chamada impossibilidade da prestação. De
acordo com as epígrafes desses art.º a impossibilidade pode ser objectiva – quando a
prestação não pode ser realizada, nem pelo devedor em concreto nem por qualquer outra
pessoa – ou subjectiva – quando a prestação é impossível de ser realizada pelo devedor, mas
poderá ser realizada por outra pessoa.
Normalmente relaciona-se a impossibilidade objectiva com as obrigações de resultado e a
subjectiva com as obrigações de meios, i.e. as obrigações de resultado são as que o devedor se

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obriga a obter um determinado efeito prático independentemente de esse resultado ser de


fácil ou difícil obtenção. As obrigações de meios são as que o devedor se obriga a realizar
todos os actos indispensáveis para obter este resultado, mas sem se vincular a tal resultado.
Ex: o contrato de mandato (advogado) ou prestação de serviços (médico) originam obrigações
de meios. A obrigação de o motorista conduzir certa pessoa é uma obrigação de resultado.
Era tradicional afirmar que a responsabilidade objectiva só funciona quando a obrigação seja
de resultado, e vice-versa para a responsabilidade subjectiva com a obrigação de meios.
Dado que é muito difícil que existam obrigações de resultados puras, todas as
responsabilidades são de meios, a lei utilizou um critério mais simples para as distinguir:
quando se demonstre que seja impossível efectuar a prestação, a obrigação extingue-se quer
sejam obrigações de resultado, quer sejam de meios – art. º 790 nº1. Se a obrigação disser
respeito á pessoa do devedor é necessário distinguir se essa prestação é fungível ou infungível.
Se for fungível, o devedor deve fazer-se substituir por outra pessoa. Se for infungível parte-se
do princípio que ao credor só interessa a prestação efectuada por aquele devedor, tornando-
se impossível para aquele devedor, a obrigação extingue-se igualmente (sempre no
pressuposto de que a culpa não é do devedor).
Como diz o art. º 792 a impossibilidade pode ser temporária e, neste caso, as obrigações
mantêm-se, há mora, mas sem consequências. No entanto, a impossibilidade temporária pode
tornar-se definitiva quando se mostre que o credor perdeu o interesse na prestação – art. º
792 nº2. Significa que a mora pode transformar-se em impossibilidade definitiva. A avaliação
do interesse do credor faz-se em termos objectivos.
Pode acontecer que a prestação quando seja não cumprida, não propriamente por se tornar
impossível, mas porque o resultado que o credor pretende obter já não é possível ou já foi
obtido de outra maneira. Ex: contratou-se o rebocador para desencalhar o navio e, das duas
uma, ou o navio já foi ao fundo ou o navio salvou-se sozinho. Estes casos não podem ser
definidos como incumprimento e, portanto, esta matéria sai fora desse incumprimento
embora seja uma impossibilidade. Não faz sentido que o desaparecimento da obrigação
desonere as partes e costuma-se aplicar o art. º 468 nº1 – enriquecimento sem causa.
Nos termos do art. º 793 a impossibilidade que determine o incumprimento definitivo ou
temporário pode ser total ou parcial. Neste caso, das duas uma, ou o credor prova que já não
tem interesse na prestação, porque só a prestação por inteiro é que é suficiente para o
resultado que ele pretende obter e, nesse caso, a impossibilidade parcial equivale à total, ou
então não demonstrando o credor que perdeu o interesse na prestação o devedor deve
cumprir na parte em que lhe é possível, extinguindo-se a obrigação quanto ao resto, e se a
obrigação deriva de um contrato sinalagmático o credor tem o direito que a sua
contraprestação seja proporcionalmente cumprida.
Extinta a obrigação por incumprimento definitivo, por conversão da mora em incumprimento
definitivo ou por conversão da impossibilidade parcial em total, extingue-se a obrigação, mas o
credor pode recorrer ao mecanismo do art. º 794 (“commodum” da representação que
normalmente é designada de sub-rogação), através da qual, se o devedor tiver adquirido
algum direito derivado do facto da prestação se for tornado impossível, o credor pode
substituir-se ao devedor no exercício desses direitos.
Evidentemente, se a obrigação extinta derivar de um contrato sinalagmático o credor,
recorrendo ao mecanismo da sub-rogação, tem de cumprir a sua contra prestação, dado que,
até certo ponto, a prestação a que o devedor estava obrigado é substituída pelo direito que
obteve em virtude da impossibilidade da obrigação.

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Por um lado, quando a obrigação cuja prestação se tornou impossível deriva de um contrato
sinalagmático, o credor dessa obrigação que se extinguiu também fica exonerado – art. º 795
nº1. No caso de o credor já ter cumprido tem naturalmente o direito á restituição do que
cumpriu, só que essa restituição não tem de ser na íntegra dado que é calculado pelo regime
do enriquecimento sem causa.
No caso do não cumprimento não imputável ao devedor ser derivado de um comportamento
do credor, tratando-se de um contrato bilateral, o credor tem de cumprir na mesma a sua
própria obrigação – art. º 795 nº2. Embora, por ventura, essa obrigação possa ser reduzida se
o devedor tirou algum beneficio com a extinção da sua obrigação – art. º 795 nº2.
Relativamente ao risco de desaparecimento ou inutilização do objecto da prestação quando
esse objecto seja uma coisa, uma vez que, nos termos do art. º 408 nº1, a regra é de que os
contratos que transfiram ou constituam direitos sobre coisas operam esse efeito no momento
da celebração, a regra é também (em matéria de risco) a de que corre por conta do adquirente
o risco de a coisa se perder, extraviar, inutilizar, destruir após a celebração do contrato – art. º
796 nº1.
Quer dizer que, se, por exemplo, o vendedor que tem a obrigação de entrega não conseguir
efectuar essa entrega porque a coisa desapareceu (por causa não imputável ao vendedor) fica
este desobrigado, mas tem direito a receber a contra prestação e receber o preço, dado que
quem corre o risco da coisa desaparecer é o comprador.
Esta regra tem as excepções referidas no nº2 e nº3 do art. º 796. Assim, se a coisa não foi
entregue porque o contrato de alienação está sujeito a um termo ou condição suspensiva
(cláusula que beneficia o alienante) o risco só corre por conta do adquirente a partir do
momento em que o termo ou a condição se verifique. Até lá o risco corre por conta do
alienante.
Ex: a cláusula de reserva de propriedade – art. º 409: entendendo-se que o alienante fica com
o direito de manter a coisa em seu poder até que o adquirente pague o preço, o risco de
desaparecimento da coisa corre por conta da pessoa que está a alienar. Ao contrário, se existir
termo ou condição resolutiva, o risco de desaparecimento da coisa corre por conta do
adquirente, mas na suposição de que a coisa esteja no poder do adquirente.
Ex: na chamada venda a rectro – art. º 927 e ss – o vendedor fica com o direito, se quiser,
resolver o contrato de compra e venda. Na normalidade dos casos a coisa será entregue ao
comprador até ele decidir e, neste caso, o risco corre por conta do comprador. Se o vendedor
resolver, o comprador já não tem a coisa para devolver, porque desapareceu, tem de entregar
o preço.
Se a coisa não é entregue ao comprador, a propriedade transferiu-se para o comprador, mas
como a coisa continua em poder do vendedor, o risco de desaparecimento corre por conta do
vendedor. Se o vendedor não resolver, e uma vez que já não tem a coisa para entregar, porque
desapareceu, tem de entregar o seu valor em dinheiro – art. º 796 nº3.
Incumprimento (mora) imputável ao devedor – Art. 798 e ss.
Funcionam aqui os mesmos pressupostos de responsabilidade contra o devedor que
funcionam em matéria de responsabilidade extra-contratual. Ou seja, só se pode dizer que o
devedor incumpriu com responsabilidade desde que se prove que existe um facto imputável
ao devedor que impediu o cumprimento, que esse facto seja ilícito, que haja culpa, dano e
nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Acontece que aqui é mais fácil a prova de todos estes requisitos.

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Em relação ao facto, normalmente, o não cumprimento da obrigação deriva de uma omissão


do devedor (não realização da prestação). Embora seja concebível a verificação de uma
violação do dever de prestar por acção.
No que toca á ilicitude, parte-se do princípio que se o devedor não cumpriu está
automaticamente verificada, porque nesta espécie de responsabilidade a obrigação foi
assumida especificamente por certa pessoa e, em geral, por via contratual. Portanto, o não
cumprimento daquilo que a pessoa assumiu consubstancia logo uma ilicitude, logo não é
preciso prova-la.
No que respeita á culpa, pelas mesmas razões da ilicitude, a lei estabelece – art. º 799 – uma
presunção de culpa contra o devedor, ou seja, parte-se do princípio que se o devedor não
cumpre é por causa imputável a esse devedor e, portanto, para se afastar a responsabilidade é
o devedor que tem de provar que a culpa não é sua.
Nos termos do art. º 800 estabelece-se uma responsabilidade objectiva do devedor pelos actos
ou dos seus representantes legais ou das pessoas que auxiliam no cumprimento da obrigação.
Isto porque o art. º 800 diz que o devedor responde pelos actos dos representantes legais ou
auxiliares como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor.
Ex: se os pais ou tutor do menor não cumprirem um contrato celebrado em nome do menor
quem responde é o próprio menor.
O que se estabelece como limitação – art. º 800 nº2 – é que a responsabilidade pode ser
limitada ou excluída pelo próprio contrato. Supõe-se, portanto, um acordo prévio.
Quanto ao dano e nexo de causalidade seguem-se as regras gerais porque se aplicam as regras
da responsabilidade para indemnizar – art. º 562 e ss.
Regime do não cumprimento imputável ao devedor
Incumprimento definitivo – art.º 798 e ss.
Este pode verificar-se por duas razões:
• Os casos em que a prestação se torna fisicamente impossível, portanto, não é possível
cumprir porque o objecto da prestação é impossível;
• Quando sendo ainda possível o cumprimento, o credor perdeu, objectivamente o
interesse nesse incumprimento, seja porque o interesse do devedor supunha que a prestação
fosse realizada num certo momento ou aqueles casos em que a perda do interesse resulta de o
facto de o devedor persistir no incumprimento apesar de lhe ter sido fixado um novo prazo
para cumprir (ex. art. º 808).
Neste artigo supõe-se que, inicialmente, o devedor está apenas em mora e esta não significa
incumprimento. No entanto, para que o credor não fique eternamente à espera admite-se que
a mora seja convertida em incumprimento definitivo através da interpelação admonitória.
A ideia é que o credor, quando a mora perdura excessivamente, pode notificar o devedor para
que este efectue o cumprimento dentro do prazo fixado pelo próprio credor ou pelo tribunal.
Esse prazo deve ser razoável – art. º 808 nº1. Nessas circunstâncias, se decorrido o prazo, o
devedor persistir no incumprimento, considera-se que a mora fica a equivaler a
incumprimento definitivo.
Isto não está pensado para as obrigações pecuniárias, porque a regra nestas obrigações é que
o credor nunca perde o interesse na prestação. Por isso o vendedor não pode resolver a
compra/venda com base no não pagamento do preço.
Nestes casos estamos logo perante incumprimento definitivo.

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As consequências deste incumprimento estão no art. º 801 se for total.


O credor pode optar entre manter o negócio ou acto do qual resulta a obrigação não cumprida
e ser indemnizado pelo interesse contratual positivo ou pode resolver o negócio destruindo-o
retroactivamente com a consequente indemnização pelo interesse contratual negativo.
Se o credor prefere manter o negócio o devedor que não cumpriu tem que colocar o credor na
situação em que este estaria se a obrigação tivesse sido cumprida.
Ex: se alguém vendeu coisa alheia, tornando-se o cumprimento impossível por não pertencer
ao devedor, este tem que compensar o credor pelo montante correspondente ao valor que o
património do credor teria se a obrigação fosse cumprida.
Se, ao contrário, o credor optar pela destruição do acto que constituiu a obrigação, o devedor
tem que colocar o credor na situação correspondente àquela em que estaria se o contrato não
tivesse sido celebrado.
Ex: o devedor não tem de entregar o valor, mas tem de compensar o credor pelas despesas
que ele teve para a realização do negócio – art. º 801 nº2.
Se a obrigação resultar de um contrato sinalagmático, se o credor opta pela manutenção do
contrato (indemnização pelo interesse contratual positivo) tem que efectuar a sua prestação –
o que pode existir depois é compensação.
Se o credor optar pela resolução o credor não tem que efectuar a sua prestação e se já a
realizou tem direito á sua restituição – art. º 801 nº2.
Se a impossibilidade for parcial (art.º 802) o credor tem os mesmos direitos conferidos pelo
art. º 801, salvo se a impossibilidade der origem á indemnização pelo interesse contratual
positivo e tratando-se de contrato sinalagmático, o credor tenta efectuar a sua prestação e
tem direito a optar pela redução proporcional da sua prestação – art. º 802 nº1.
O art. º 802 nº2 estabelece a especialidade de que, se o incumprimento for parcial, o credor
não pode resolver o contrato com a indemnização pelo interesse contratual negativo, quando
a parte que não cumpre for considerada de escassa importância. Portanto, este artigo
funciona quando a obrigação for relativa a deveres acessórios ou secundários.
Em relação ao incumprimento imputável ao devedor o credor pode recorrer á sub-rogação –
art. º 803 que é igual ao art. º 794. A diferença é só que aquilo que o credor obteve será
descontado na indemnização que o devedor vai efectuar.
Mora – art. º 804 e ss.
A regra é de que o atraso no cumprimento (que não dê origem a incumprimento definitivo)
impõe ao devedor a obrigação de reparar os danos causados.
O momento da constituição em mora depende da natureza da obrigação. Se for a prazo,
verificado esse prazo, o devedor entra automaticamente em mora se não cumprir – art. º 805
nº2 a).
Tratando-se de obrigação pura (sem prazo) o devedor fica constituído em mora no instante em
que, sendo interpelado para cumprir, não cumpre – art. º 805 nº1. A interpelação tanto pode
ser judicial como extrajudicial.
Além disso, considera-se que o devedor está em mora quando – art. º 805 nº2 b) – a obrigação
derive, na prática, de um acto ilícito, ou seja, quando se verifique um caso de responsabilidade
por factos ilícitos (art. º 483 nº1) considera-se que, a partir do instante em que o facto ilícito é
aplicado, o devedor fica em mora, porque em abstracto o devedor deveria reparar o dano no
instante em que o causou.

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Por conseguinte, origina mora. É por isso que se num acidente de dois veículos há um único
responsável é este que tem de reparar os danos provenientes.
Também se considera constituído em mora o devedor que impedir a sua interpelação, i.e.,
sabe que está a ser interpelado e realiza as manobras para o impedir. Provando-se, considera-
se que o devedor está interpelado e, portanto, considera-se que está em mora.
O devedor entra em mora a partir do momento em que se verifica um atraso no cumprimento
possível – art. º 804. Esse atraso obriga a indemnizar pelos danos causados pelo atraso.
No caso especial da obrigação em mora ser pecuniária, a indemnização – art. º 806 –
corresponde aos juros a contar da data em que se verifique o atraso. Isto porque se presume
que nas obrigações pecuniárias o atraso no cumprimento apenas pode ser avaliado nestes
termos. No entanto, (art. º 806 nº2) se o credor conseguir provar que sofreu dano superior ao
montante dos juros poderá exigir a indemnização correspondente ao suplemento de danos
que sofreu em relação aos juros sofridos. Acontece que a lei restringiu esta possibilidade aos
casos da responsabilidade civil extra-obrigacional (por factos ilícitos ou pelo risco).
Como consequência da mora, temos ainda, o facto de a mora implicar a inversão do risco nos
termos do art. º 807. Isto é, nos contratos que constituem direitos sobre coisas – art. º 408,
nº1 – como esse direito se constitui no momento da utilização do contrato, daí resulta que é
sobre o adquirente que corre o risco da coisa ter sido destruída ou inutilizada – art. º 796 nº1.
Mas, se o vendedor (compra e venda) se atrasar no cumprimento não entregando a coisa
quando devia entra em mora e o risco passa a correr por conta dele, mesmo que esse
desaparecimento não seja imputável ao devedor.
Significa que se a coisa perecer, o devedor deverá entregar outra e, se isso não for possível, o
devedor ficará constituído em incumprimento definitivo – art. º 801.
A única hipótese que o devedor em mora tem para afastar esta consequência é, nos termos do
art. º 807 nº2, provar que o dano teria ocorrido igualmente mesmo que ele tivesse cumprido
atempadamente – relevância negativa da causa virtual.
Os direitos vistos até agora, que são conferidos ao credor para reagir contra o devedor,
especialmente quando o incumprimento é devido a este, são direitos com carácter imperativo.
Significa que qualquer cláusula pela qual o credor renuncie a estes direitos é nula – art. º 809 –
porque as normas que reconhecem esses direitos são imperativas.
De qualquer maneira face á letra do art. º 809 é proibida a renúncia antecipada, ou seja,
anterior ao cumprimento, o que significa que é admitido a renúncia desde que seja posterior
ao incumprimento.
Relativamente ao cumprimento defeituoso, que não é um incumprimento nem mora, supõe
que a prestação foi efectuada, mas que não satisfaz o credor, ou seja, viola-se o princípio da
pontualidade. (art.º 406)
Se o credor respeitar a prestação, tudo se resume a incumprimento definitivo ou mora, porque
o devedor ou consegue reparar o defeito ou isso não é possível e está em incumprimento
definitivo.
Só se pode falar em cumprimento defeituoso quando o credor aceita e só depois se dá conta
do defeito.
Não existe no C.C. um regime especial do cumprimento defeituoso. No regime do
incumprimento só se refere o cumprimento defeituoso no art. 799 nº1, ou seja, quando o
incumprimento seja definitivo presume-se a culpa desse devedor tanto nos casos de

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incumprimento como nos casos do cumprimento defeituoso. Além disto, temos regimes
especiais como o da compra/venda – art. º 913 e ss.
A regra – art. º 913 na parte que remete para o art. º 905 – se a coisa entregue sofrer de
algum vício ou não tiver as qualidades que deveria ter, o credor pode anular o contrato com
fundamentos em erro sobre o objecto ou erro qualificado por dolo.
O credor (comprador) tem o direito de exigir a reparação da coisa – art. º914 – ou, se possível
a respectiva substituição, dado que o vendedor não está obrigado a efectuar a reparação ou
substituição se ele próprio não sabia nem tinha que saber que a coisa sofria de um
determinado vicio ou não tinha certa qualidade.
Em segundo lugar, o devedor (vendedor) deve indemnizar os danos resultantes do
cumprimento defeituoso – art. º 908 e art. º 909 que são aplicáveis por força do art. º 913 –
sendo certo que se não houve dolo do devedor (mas apenas erro simples) o art. º 915 exclui
essa indemnização.
Em terceiro lugar, se o credor quiser exercer tanto o direito de anulação como o direito de
indemnização deve denunciar – art. º 916 – o defeito/vicio ao devedor no prazo de 30 dias
após ter tido conhecimento do defeito e dentro dos 6 meses seguintes á entrega da coisa.
Se a denúncia não for feita ficam excluídos os poderes de anulação e o direito de obter a
indemnização, excepto em dois casos:
- Se não houver denuncia, mesmo que tenha havido dolo do vendedor.
- Quando o defeito seja superveniente, i.e., surja apenas depois de vendida a coisa, mas
antes da entrega – art. º 918 remete para o regime de incumprimento das obrigações.
O prazo de denuncia é o aplicável às coisas móveis, porque em relação aos imóveis funciona o
art.º 916 n.º 3, que estabelece prazos mais alongados: um ano depois do conhecimento do
vício para efectuar a denúncia dentro dos cinco subsequentes á entrega da coisa.
Realização coactiva da prestação – Art. 817 e ss.
Já se verificou o que é o incumprimento e agora vamos ver como é que o credor pode reagir
perante o incumprimento.
Uma das formas é a resolução que extingue o negócio e a partir daí o cumprimento deixa de
fazer sentido.
Portanto, a realização coactiva supõe que existe apenas mora ou incumprimento que não
conduziu á resolução. Em geral – art. º 817 – o credor que pretenda obter o cumprimento tem
ao seu dispor, em sequência, a acção de condenação, que tem em vista reconhecer o seu
direito e obter a declaração de que o devedor mantém o incumprimento ilícito ao não cumprir
e, se o devedor persistir no incumprimento, há a possibilidade de recorrer às acções de
execução para obter a prestação propriamente dita (quando isso seja possível).
Só há realização coactiva quando chega á fase da execução. Esta é um problema processual,
mas há determinadas regras substantivas que orientam o processo executivo: só podem ser
executados os bens do devedor porque estes constituem a garantia geral dos credores – art. º
601. Excepcionalmente admite-se que a execução possa abranger bens de terceiros quando
esses bens, em primeiro lugar, estejam a garantir o cumprimento da obrigação ou, segunda
hipótese, quando esses bens tenham sido alienados a terceiros em prejuízo dos credores.
Na primeira hipótese, abrangem-se as garantias reais (ex. hipoteca, penhora) quando estas
tenham sido constituídas por terceiros. Na segunda hipótese, abrangem-se os actos que
objectivamente realizam a garantia que resulta para os credores do património do devedor
quando esses bens tenham sido alienados pelo devedor a terceiros, em geral, dolosamente.

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Nesse caso, a execução pode atingir os bens alienados, desde que – art. º 818, tenha o credor
procedido previamente á impugnação pauliana – art. º 610 e ss – a qual tem em vista tornar
ineficaz perante o (s) credor (es) o acto de alienação ao terceiro.
Na primeira hipótese ainda, além das garantias reais cabem ainda as garantias pessoais: a
fiança e o aval.
Neste caso, ao contrário dos reais, não se podem começar pelas garantias do terceiro, mas
pelas do devedor, porque aqui funciona a subsidiariedade.
Pode acontecer ainda que se proceda á execução de bens de terceiros fora das hipóteses do
art. º 818, quando o acto de alienação a terceiros não tenha sido registado e a penhora tenha
sido registada.
Aqui as opiniões divergem muito porque se considera que o registo da penhora não tem
relevância.
A execução dos bens do devedor ou de terceiros, quando esta seja possível, implica
fundamentalmente dois actos:
1) Penhora
2) Venda em execução
1) É o acto de apreensão judicial dos bens, i.e., os bens a partir da penhora ficam á ordem
do tribunal, embora deva ser designado um fiel depositário, o qual muitas vezes é o próprio
devedor ou terceiro.
A partir da penhora a posse dos bens passa para os tribunais, à espera ou do cumprimento ou,
se o incumprimento persistir, à espera da venda executiva.
A penhora beneficia o credor na medida em que, a partir dela, os bens penhorados,
continuando a pertencer á pessoa a quem pertenciam, se forem objecto de qualquer acto de
disposição ou oneração por parte dessa pessoa, esses actos são ineficazes perante o credor –
art. º 819.
A penhora, em si mesma, é um direito real de garantia análoga é hipoteca, por isso, - art. º 822
– o credor (que a partir do momento em que intenta a acção de execução chama-se credor
exequente) passa a ter uma prevalência do seu crédito sem qualquer outra divida posterior
(numa em relação ás anteriores) sendo certo que, quando tenha existido arresto
(procedimento cautelar) a prioridade da penhora é a prioridade do arresto, dado que este se
converte na penhora – art. º 822 nº2.
Se, como é normal, a penhora conduzir á venda, esta é juridicamente uma compra e venda
normal, mas não resultante de um contrato, dado que a vontade da pessoa executada é
irrelevante. Ou seja, está sujeito às regras do art. º 874 e ss em tudo o que não implique
contrato.
A venda executiva transfere para o comprador os direitos que a pessoa executada tinha sobre
a coisa. Daí decorre que se trata de uma aquisição derivada, ou seja, está sujeita à regra de
que só se pode transmitir se tiver propriedade – art. º 824 (só se pode transmitir o que há para
transmitir).
Acontece – art. º 824 nº2 – que o que resulta da venda executiva, todos os direitos reais de
garantia anteriores á penhora extinguem-se com a venda executiva, dado que já foi obtido o
preço que é o que interessa a todos os credores. Os direitos reais de garantia transferem-se
para o preço obtido pela venda executiva.

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Outros direitos que não sejam garantia (ex: direitos reais de gozo como o arrendamento)
também se extinguem se forem posteriores. Se forem anteriores a qualquer garantia real
subsistem.
Como é todo o património que responde pela divida, todos os credores podem executar o
património do devedor e, por isso, pode ocorrer que o património não seja suficiente para a
satisfação de todos os credores. Nesse caso – art. º 604 – cada credor deve receber na
proporção do seu crédito. Salvo se existirem garantias reais a favor de algum credor (ex:
privilégios creditórios).
Como o património é a garantia para todos os credores daí resulta a necessidade de atribuir
aos credores instrumentos para conservar a integridade do património do devedor. Esses meio
– art. º 605 e ss – são basicamente dois: a sub-rogação do credor ao devedor (art.º 606 e ss.)
e a impugnação pauliana (art.º 610 e ss.)
Além destes dois, a lei prevê ainda a declaração de nulidade – art. º 605. Isto, no entanto, não
tem uma função específica porque não é o facto de um determinado negócio celebrado pelo
devedor prejudicar o credor que faz ou causa o negócio nulo.
O negócio só será nulo se se verificar uma causa geral de nulidade, e os credores já estão
legitimados pela regra geral do art. º 286 a requerer a declaração de nulidade do negócio do
devedor porque são pessoas interessadas. Uma vantagem, portanto, do art. º 605 é que ele
esclarece que os credores podem invocar a nulidade, independentemente de o acto/negócio
nulo causar ou agravar a insolência do devedor, ou seja, os credores podem requerer a
nulidade mesmo de que do negócio nulo não derive nenhuma desvantagem para eles.
A sub-rogação é a situação em que o património do devedor diminui ou, pelo menos, não
aumenta pelo facto de o devedor não exercer os seus direitos contra terceiros, por exemplo, o
devedor não invoca a “usucapião” relativamente a um imóvel que está na sua posse com tudo
já cumprido.
Neste exemplo essa omissão tem implicações patrimoniais porque se invocasse a “usucapião”,
o património aumentava (o mesmo sucede com a prescrição porque o passivo diminuía).
Nestes casos qualquer credor pode exercer contra terceiros os direitos que o devedor tinha
que não foram exercidos.
Aqui, ao contrário da declaração de nulidade – art. º 606 nº2 – já se exige que a sub-rogação
seja essencial à satisfação ou garantia do direito do credor que pretende subrogar-se.
O art. º 609 esclarece que embora a sub-rogação seja exercida apenas por um ou alguns
credores, todos os restantes credores beneficiam com o exercício do direito em sub-rogação.
A impugnação pauliana supõe que o devedor tenha praticado actos patrimoniais que
diminuam, nem que seja potencialmente, o património e, portanto, a finalidade da
impugnação é a de tornar ineficaz perante o credor os actos que afectem o património do
devedor.
O primeiro requisito – art. º 610 – é o de que os actos praticados pelo devedor impliquem uma
diminuição da garantia proporcionada pelo património.
O segundo é que têm de ser actos de natureza patrimonial.
O terceiro é, em alternativa, uma das seguintes circunstâncias: que o acto praticado pelo
devedor tenha sido praticado com a intenção de prejudicar o exercício do direito de credor –
tem que haver dolo. Neste caso – art. º 610 a) – tanto faz que o crédito seja anterior á prática
desse acto como seja posterior.

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Em alternativa, independentemente de o devedor ter actuado dolosamente, desde que o acto


praticado impossibilite ou agrave a possibilidade de o credor obter a satisfação do crédito.
Nestes casos, o credor pode impugnar, mas tem de provar – art. º 612 – que se o acto for
oneroso, tanto o devedor como o terceiro estão de má-fé e só no caso de o acto ser gratuito
pode impugnar em caso de boa-fé.
O credor tem de provar também – art. º 611 – que o acto praticado diminui a possibilidade
dele receber.
Os efeitos da impugnação são:
Se a impugnação for procedente o acto praticado não é inválido só que é ineficaz, apenas
perante o credor que tenha impugnado, ou seja, a impugnação não aproveita a todos os
credores (ao contrário da sub-rogação, que aproveita a todos os credores) – art. º 616 nº4.
Para aquele credor que impugnou tudo se passa como se o terceiro que adquiriu não fosse
terceiro, logo o credor pode executar os bens directamente no património de terceiro sem que
seja necessário que o terceiro proceda á restituição dos bens ao devedor – art. º 616 nº1.

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