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eve BWESTICAGEM E IDENTIDADE AFRO-BRASILEIRA Kabengele Munanga © Fundadr: Inca Hite OF. a edagos Foran Nese. ea ice Hoe pee Fa idan Dam Paulo Evaro, aay toro ab enya Aru € Care A aga aor aes lca ere Cull aie: Eis Meo Maria tela Bueno de Fala xo Con eo antes, Fake: Jee Na se Paul Ergo Mara Ses, oan EAS A a earn Berard, uz Cal ra ere, Aes ee Rata SO abn ees Oar ecpge ee coc ale Mena Came Cane, Mes a et Ferman ren: PINK: As Ava, Resa i ruza de wel, stra Fargo eck, Pre es Noy. Gc ian Sano, SES el Gael a er ls et or Sao Ant ye oe Bea sche lic MOC ‘Spent Wn er Ha ave ico. wareo Pent ota Gil Ns amano Nae Suse CH seach: Mare ramen. feat a pcr Joma © sad, S fal ee sa Fal, eee ad rl de So Pal, me pesoa oe ‘eats Ran vas (ul far ate tae Corpus de Ase Mera Howe CW prc a a Ves, pb ie, 07 ere ace eter times ae STS, a ne nrc Cla sh cabal > ee ce al sare, 0 regs O10 cs a er es or DP eeibie pm eas ae ar ons repegtam ah Ost rc ze € ume urs era bial a a gerocrdic. Aces Cabot Sere Neer eres Word 0c eaten bbs aoe seteetenda nros da AST ee ry qo oe paca cual dea SERUM OZ scr estos esto quando oS0r0 SCoee gmaveal ex ‘ci. mss mee aos Petropolis 1999 Nb An 98 Volume 98 1999 SUINARIO Brasil: para retomar o crescimento ek Furtado ‘Aterra é um né na sociedade brasileira. também nas cidades Emninia Maricato ‘Aimaginagio de uma utopia realist: o pluralism poltico de ontem e seu futuro Carlos Mallorquin Cidadania e democracia na historia do Brast José Antonio Segatto ‘Ordem neocolonial e cultura politica José Paulo Bandeira da Silvera Mesticagem e identidade airo-brasileira Kabengele Munanga significado de Jerusalém para judeus, cists ce muculmanas Prof. RJ. Zwi Werblowsky Idéias & Fatos: Foi por medo (Odette Lara Livros: Memérias de um autodata no Brat um novo fio de Mauricio Tragtenberg Sonia Alem Marrach Focus: Jerusalém cidade das 7 moradas Fernando Nasser A TERRA £ UM NO NA SOCIEDADE BRASILEIRA... TAMBEM NAS CIDADES' Erminia Maricato* CULTURA vores ‘ HOvEMORD DETEMDRO lee |. Temamas emprestado ex presstode José de Souza Mat tin, "A tera € um n6 na so- cfodiade brasileira” O ator se ‘efee err rua now a Tse se ali era urbana, Ee teto contin aesdes ‘our argo de minha auto, sue foi publicado no lio Merépote¢ Glbalisasdo, ‘ado na bibliog, * Djplomada pela Faculdade de Angutetura ¢ Urbanism fa Universidade de So Paulo (GTI); Meste (1977), dow tora (1984), livre-docente (1907) pela FAUUSP: Profes tora do cure de gradaago da Faculdade de Argittra © Urbanismo da Fundagio ‘aleparibana de Exit 1972 1978; do curso de praduagio 4a FAUUSP 1974) edacurso fe Poegradiaggo Esturas ‘Ambentais Urbanas da USP (4985) Ex-ietora do Sind ‘ato dos Arqutetos Jo Estado ‘So Paulo, Consular a hc dos érgos de inncia mento & pesquisa: CNPQ. CAPES, FINEP © FAPES®: Relators da emend de Inia ‘iva Poplar de Reforma Ur ‘panna Consttine Nacional A NO8S; Secretirin de Habi tagio Desenvolvimento Ur buano da Prefeituca de Sio Paulo (1989/1992): Presi dente do conssbo de_ Adm nisragio da COHAB ~ SP (1991/1992); Membro da retoriada EMURB- Empresa Municipal de Urbanizagio (098971992); Consehcira do CREASP (1995), Consul tore de diversisprefeturas ‘mgnieipais, governos muni ipa, governs losis entre fonts: Méxicn, Belo. Hor ‘one, Rio de Sane, Rei, Porto. Alegre. Floiandpalis, Goji. Sam André) ouras ‘emtdades ncioni ner ‘nai, para aunts de po- lca wana ehabitacionl: ¢ liveos publicados, 45 artigos em publiapses especiliza das no Brasil ¢ no exterior: Meni da delegagao oficial basi na Conferécia da (Organiza das Nagaes Uni das para os. Axsentamentos Humanos (1996): Cooede ‘agora do LABHAB — Labo ‘ato de Habitagsoe ASen "amentos Humanos do Depa. tamentodeProjeeda PAUUSP ue desenols pesquisa dhs por azéncias macionais © tmtermaconas: residenia da CComissio de Pos Graduagio da Faculdade de Arqutetrae Uitanismo, Memo do Cone selho Etrial ds Revista Cu. tara Vores (Aruitetra © Ur buanismo)- Enderego Profs sonal Faculdade de Argue turne Urbansmod Univers Ade de S30 Paulos Roa do Lago, 876, (8808-90 So Pas oT fax 8-687, ma crminia usp be Dedico este texto a Joao Pedro Stédile, processado a pedido do presidente da repaiblica Femando Henrique Cardoso, por ter incenti- vado a ocupagao de iméveis urbanos ociosos (FSP 27/07/97). A invasio de terras urbanas no Brasil é parte intrinseca do processo de urbanizacao. Ela € gigantesca, como pretendemos mostrar aqui, € ndo & fundamentalmente, fruto da acdo da esquerda nem de imovimentos socials que pretendem confrontara lei, Ela & estutural e institucionalzada pelo mercado imobilério excludente e pela auséncia de polticas sociais. No entanto, a dimensio e os ftos sio dssimulados sob notavel ati ideolégico. Neste texto vamos abordaralgumas carac teristicas do processo de urbanizacao brasileiro —0 notavel cescimento de favelas nas duas tikimas décadas -, avallar suas consequeéncias sécio-ambientas, entre as quais est a explosdo da violéncia urbana, Em seguida, procuraremos entender por que fatos to evidentes so igno- rados pela sociedade, 0 que possiilia aribuir as iderancas populares do campo democritico a responsabildade por aquilo que & resultado cde um processo alimentador da desigualdade social e da concentracao de terra, renda e poder. Em 20/7/97, 0 jornalista Elio Gaspari divulgou em sua coluna, no jornal Folha de Sao Paulo, a noticia de que o Ministério Public do Rio de Janeiro processaria Joao Pedro Stédile, lideranca do MST — Movimento dos Sem Terra, a pedido do presidente Fernando Henrique Cardoso. O motivo estaria na frase que Stédile pronun- ciou em maio: “Ocupem os terrenos baldios, pois Id esto s6 para especulacdo imobilidtia.” Foi com a expressio “baderna” que 0 presidente se referiu a incidentes ocorridos no més de maio de 1997, durante ocupagées de terras urbanas e iméveis vazios em a0 Paulo, associando o fato 8s agdes do MST e a frase de Stédile. Em oposigao a referida “baderna”, o presidente afirmou que era preciso cumprir a lei. Faz parte dessa mesma conjuntura 0 editorial do jornal de maior circulacao do pais, que atribui ao MST ~ Movimento dos Sem Terra, a “cultura da ilegalidade”. Nao foi a primeira vez que © vefculo de imprensa defendeu a posicdo (desta nao h4 como discordar) de que 0 convivio social exige normas e regras basicas. Ou seja, tudo se passa como se 0 Estado e a midia fossem de- fensores da lei e alguns Iideres do MST, bem como o proprio movimento, seus transgressores, A invasio de terras & parte integrante do processo de urbani- zaco no pais. Gilberto Freire se refere a ela como pratica de 100 A TERRA E UM NO WA SOCIEDADE anos atrés. A novidade recente, que vem dos anos 80, 6 que as invas6es comegam a se transformar: de ocupacoes gradativas, resul- tado de acoes individuais familiares, para ganhar um sentido massivo e organizado, a partir da ise econdmica que se inicia em 1979. Varias cidades brasileiras apresentam, a partir dessa data, a ocorréncia de ocupagoes coletivas onganizadas de terra, mais raras nas décadas anteriores. Isto no significa que as ocupagdes sgadativas e espontaneas deixaram de existir. Ao contrério, continuaram a se fazer e a constituir amaior causa da origem da formacao de favelas, mas o fato € que passaram, a partir dessa data, a conviver com a nova pratica citada Vamos partir da condigao juridica total- mente ilegal de propriedade do lote para defini Ainvasao de terras é parte integrante do processo de urbanizacao no pais. Gilberto Freire se refere a ela como pratica de 100 anos atras. A novidade recente, que vem dos anos 80, 6 que as invases comecam a se transformar: de ocupacées gradativas, resultado de ages individuais familiares, para ganhar um sentido massivo e organizado, a partir da crise econ6mica que se inicia em 1979. © que chamamos aqui de favela. Outras de- rnominacées séo utilizadas nas diversas regides do Brasil: “éreas de posse” em Goiania, “vilas” em Porto Alegre, para nos determos em apenas duas. Os movimentos sociais que lutam pela moradia rejei- tam o termo “invas4o", que consideram ofensivo e adotam “ocu- pacio”. Para 0 que nos interessa aqui, a caracterizagao juridica de propriedade é que conta, na definigao, ja que somente ela assegura o direito de permanéncia no local. Estamos fazendo ainda uma simplificagao em relagao aos graus de ilegalidade ou de irregularidade decorrentes da legislacao ur- banistica, na apropriacao do solo urbano. Se considerarmos que toda a populacéo moradora de favelas imvadiu terras para morar, estaremos nos referindo a mais de 20% da populagao do Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre (LABHAB 1999), 28% da populagdo de Fortaleza (LABHAB 1999) 33% da populagao de Salvador (Souza 1990). Nas cidades do Norte € Centro-Oeste (Belém, Manaus, Porto Velho, Rio Branco, Cui- abiVarzea Grande) essa relacdo pode se revelar mais grave. Na cidade do Recife, segundo o préprio IBGE, a populagao moradora de favelas chega a 40%. Os dados mostram que a invasdo de terras 6 quase mais regra do que excecdo nas grandes cidades. virute VOTES - Ne 6, NOVEMBRO - DETEMBRG 1999 2. Vera regio o usta A legslayicomenadseoareso {feta em So Pole, do ogra Se somarmos os moradores de favelas aos moradores de loteamentos ilegais, temos quase metade da populagio dos mu- nicipios do Rio de Janeiro e $0 Paulo. Estudo recém-terminado sobre 0 mercado residencial na cidade de $0 Paulo mostrou que, nos iiltimos 15 anos, a oferta de lotes ilegais suplantou a soma de todas as formas de unidades habitacionais oferecidas pelo mercado privado legal’ Nao ha nimeros gerais, confidveis, sobre a ocorréncia de favelas em todo 0 Brasil. Por falhas metodolégicas ou ainda por uma dificuldade dbvia de conhecer a titularidade da terra sobre a qual as favelas se instalam, o IBGE apresenta dados bastante subdimen- sionados. A busca de nimeros mais rigorosos nos conduz a alguns municipios, teses académicas ou organismos estaduais que entre- tanto fornecem dados localizados, © municipio de Sao Paulo tinha perto de 1% de sua populacéo vivendo em favelas no inicio dos anos 70 e tem quase 20% no inicio dos anos 90 (SEHAB/PMSP 1973 - FIPE USP 1993), Portanto, entre 1973 e 1993, a populagao moradora de favelas cresceu 17,80% a0 ano. Segundo dados do IBGE (subdimensionados, como jé foi desta- cado), 0 Brasil tinha 1,89% da populacao vivendo em favelas em 1980 e 3,28% em 1991. A tendéncia de grande aumento foi captada, embora os ntimeros absolutos nao sejam corretos. A falta de dados, que mostra o desconhe- Esta gigantesca ilegalidade nao ¢ fruto da agao de liderangas subversivas que querem afrontar a lei. Ela é resultado de um processo de urbanizacao que segrega e exclui. Apesar de o processo de urbanizacao da populacao brasileira ter se dado, praticamente, no século XX, ele conserva muitas das raizes da sociedade patrimonialista e dlentelista préprias do Brasil pré-republicano. cimento sobre o tema, jé é, por si, reveladora Esta gigantesca ilegalidade nao 6 fruto da acao de liderangas subversivas que querem afrontar a lei, Ela é resultado de um processo de urbanizagao que segrega e exclu. Apesar de © processo de urbanizacdo da populacao bra- sileira ter se dado, praticamente, no século XX, ele conserva muitas das raizes da sociedade patrimonialista ¢ clientelista proprias do Brasil pré-republicano. As resisténcias que, durante décadas, buscaram contrariar a aboligao do tra- balho escravo marcaram o surgimento do tra- balho livre. A cidade €, em grande parte, repro A TERRA € UM NG WA SOCIEDADE dugai 16s, 4 ve, as ma val en- re io no 0, eu a em foi he em <0 ra x, dle sil nte fa rae f0- ducdo da forga de trabalho, Desde sempre, essa reprodugao, entre 1s, nfo se deu totalmente pelas vias formais e sim pelos expedien- tes de subsisténcia, que vigem até pleno final do século XX, ‘Algumas das principais caracteristicas desse processo de urbani- zagio sao as seguintes: 1) Industrializago com baixos salérios. © custo de repro- dugio da forca de trabalho nao inclui 0 custo da mercadoria habitacdo, fixado pelo mercado privado. Em outras palavras, 0 operdrio da industria brasileira, mesmo muitos daqueles regular- mente empregados pela indiistria moderna fordista (indiistria auto- mobilistica) ndo ganha o suficiente para pagar o preco da moradia fixado pelo chamado mercado formal. No Brasil, onde jamais o salério foi regulado pelo prego da moradia, mesmo no perfodo de- senvolvimentista, a favela ou o lote ilegal combi: nado a autoconstrucao foram parte integrante do. crescimento urbano. O consumo da mercadoria habitacdo se deu, portanto, em grande parte, fora do mercado marcado pelas relagoes capita listas de producao. A aplicagéo dos vultosos investimentos do sistema SFH/BNH, ao longo de 22 anos, a partir de 1964 até a extingdo do sistema, nao nao permi- tiv quebrar com a dindmica da ocupacao ilegal de teras urbanas, mas, ao contrétio, aprofundou a dualidade entre mercado e exclufdos, como ates- tam indimeros estudos (Maricato 1995) No Brasil, onde jamais 0 salério foi regulado pelo preco da moradia, mesmo no periodo desenvolvimentista, a favela ou 0 lote ilegal combinado a 7 autoconstrucao foram parte integrante do crescimento urbano. O consumo da mercadoria habitacao se deu, portanto, em grande parte, fora do mercado marcado pelas relacées capitalistas de producao. Nos anos 90, 0 financiamento habitacional oferecido pelo mercado privado legal, ou seja, pelos bancos, nao atinge aqueles que ganham menos de 10 salérios minimos, de modo geral Algumas cooperativas associativas como é 0 caso da Cooperativa do Sindicato dos Bancérios, em Sao Paulo, chegam com seus produtos & faixa minima de 8 salérios minimos (1999). Essa, entretanto, ndo é a regra. Para dar uma idéia de grandeza, na regiio metropolitana de So Paulo, apenas 40% das familias, aproximadamente, tem renda de dez salarios minimos para cima. CULTURA VOTES - 4° 6, NOVEMBRO - DEZEMBRO 1999 ‘Ou seja, quase 60% da populacao da metrépole paulistana estao excluidos do mercado legal privado de moradia. Para essa maioria da populacdo é que se reproduzem as formas de proviso habi- tacional como os cortigos de aluguéis, as favelas e os loteamentos ilegais, jf que a promocao publica nao chega a impactar 0 mercado devido a baixa oferta de moradias resultante das politicas sociais (Castro e Silva 1997). 2) As gestdes locais (prefeituras) tém uma tradicao de investi- mento regressivo. As obras de infra-estrutura urbana alimentam a especulacao fundistia e nao a democratizacao do acesso a terra para moradia. Proprietérios de terra e capitalistas da area de promogao imobiliéria sio um grupo real de poder e de definicao das reali- zagbes orcamentarias municipais. A valorizacao das propriedades fundirias ou imobilidrias 6 0 motor que move e orienta a localizagao dos investimentos piiblicos especialmente na érea dos transportes. Ha uma simbiose entre a abertura de grandes vias e a ctiacao de oportunidades para o investimento imobilidrio. Trata-se de obras {que sao mais imobiliérias que vidrias, no dizer do urbanista Candido Malta Campos Filho, ja que a logica do seu tracado nao esta apenas, 8s vezes nem principalmente, na necessidade de melhorar os transportes mas na dindmica do mercado imobilidrio de alta renda, Mesmo uma anélise superficial permitiré identificar essa dinmica presente na construcao das novas centralidades em ci- dades como no Rio de Janeiro (Barra da Tijuca) e Sao Paulo (Av. Berrini — Av. Aguas Espraiadas). Maria Brandéo mostrou como a cextensdo do sistema vidrio de Salvador mudou o mercado fundisrio, com a ajuda do Sistema Financeiro da Habitacio, nos anos 70, reorientando 0 crescimento da cidade e a apropriacio do ambiente construido. A nova centralidade de Fortaleza avanca na direcao do “Beach Park” e até mesmo na cidade de So Luis, que apresenta alguns dos piores indicadores sociais do pais, ganha destaque 0 investimento estadual vidrio-imobilirio, viabilizando a exploracio de glebas ltoraneas. A gestao de Paulo Salim Maluf na prefeitura de Sao Paulo foi exemplar nesse sentido. A maior parte das megaobras destinadas, a ampliar 0 espaco de circulagdo de veiculos concentrou-se especialmente na regiao sudoeste do municipio de Sao Paulo. Essa regido forma uma mancha continua de moradores de alta renda. Fora dela apenas os distritos de Santana e Tatuapé apre- A TERRA £ UM NO WA SOCIEDADE sentam poder aquisitivo relativamente alto, Em 11 obras visrias a prefeitura gastou (ou formou como divida) a fantéstica quantia de aproximadamente R$ 7 bilhOes Moram no municipio de Sao Paulo aproximadamente 6% da populacdo do pats e perto de 24% de todos os chefes de familia que ganham mais de 20 salarios minimos (IBGE). Se considerarmos a acentuada concentracao de renda territorial, nao seré exagerado dizer que no sudoeste da cidade de Sao Paulo, moram quase Ys dos mais ticos do Brasil. Pois é exatamente lé que se concentra a maior parte dos investimentos Nao se trata apenas, simplesmente, de perseguir a melhoria dos bairros de melhor renda, mas, principalmente, de investir segundo a logica da geracdo e captagao das rendas fundiéria e imobilidria que tem como uma de suas conse- quéncias 0 aumento dos precos de terrenos e imévels. A escassez de moradias e a segregagao territorial sdo produtos de um mercado que, entre outras coisas, vende 0 cendrio como signo de distin. Ao invés de priorizar 0 cardter piblico e social dos investimentos municipais em uma cidade com sigantescas caréncias, © governo municipal o fez Nao se trata apenas, simplesmente, de perseguir a melhoria dos bairros de melhor renda, mas, principalmente, de investir segundo a légica da geracdo e captacao das rendas fundidria e imobilidria que tem como uma de suas consequéncias ‘0 aumento dos precos de terrenos ¢ iméveis. A escassez de moradias ea segregacao territorial sao produtos de um mercado que, entre outras coisas, vende o cenario como signo de de acordo com interesses privados, em especial de empreiteiras de construgao pesada e agentes do mercado imo- biléio. O espaco privilegiado do mercado imobiliério, para a préxima ou para as préximas duas décadas, na cidade de Sao Paulo, €oentomo do rio Pinheiros, onde se concentram pesados investi- mentos piblicos e privados. Ai se concentram também as sedes das gandes multinacionais ou empresas nacionais como € 0 caso da mega-sede da Rede Globo de Comunicacao. A drea apresenta uma das maiores concentragées de heliportos, do mundo, jé que o deficiente trafego vidrio da cidade de So Paulo, apés todas as megaobras feitas, ndo condiz.com a eficiéncia que se exige da nova centralidade, tipica da chamada globalizacao. Parte dos projetos habitacionais do denominado Programa Cingapura, da prefeitura de S20 Paulo, foi localizada no entorno CULTURA VOTES - NY 6, HOVEMBEO ~ DETEMBRO 1999 do Rio Pinheiros, eliminando a imagem das favelas que desvalori- zavam a paisagem ou o preco dos iméveis com sua presenca Outra parte das favelas, em especial no final da Avenida Aguas Espraiadas, foi removida (Fix 1996). } 3) Legislacao ambigua ou aplicacao arbitraria da lei. A notdvel desigualdade urbanistica, no Brasil, 6 uma construcao que tem na aplicacao arbitréria da lei, além da concentracao da infra- estrutura, sua argamassa fundamental. } Como parte das regras do jogo, a ocupacao de terras urbanas tem sido tolerada. O Estado nao tem exercido, como manda a lei, 0 poder de policia, A realidade urbana € prova insofismavel disso, Impossivel, admitir 0 contrario, pois se essa gigantesca ocupacio de tetras nao fosse tolerada e a populagao pobre ficasse sem alternativa nenhuma, terfamos uma situacdo de guerra civil, considerando os rntimeros envolvidos. Para dar uma ordem de grandeza, estamos nos referindo a aproximadamente dois milhoes de pessoas que moram em favelas, apenas no municipio de Sao Paulo. Nao é em qualquer localizacao, entretanto, que a invasdo de terras urbanas é tolerada. Nas éreas valorizadas pelo mercado, a lei se aplica. Ao contrério da opiniao corrente, a zona sul carioca € 6 sudoeste paulistano, concentragoes de mora- dias de alta renda, apresentam menor ocorréncia de nticleos de favelas, como mostram os levan- tamentos cartograficos da prefeitura do Rio de Janeiro para esta cidade e do LABHAB para So Paulo (LABHAB 1999). Nao &a norma juridica mas azona sul cariocae 0 sudoeste _ 2 lei de mercado que se impde demostrando que, paulistano, concentragdes de nas dreas desvalorizadas ou invidveis para o mer- moradias de alta renda, cado (beira de cérregos, dreas de protecao ambi- apresentam menor ocorréncia ental, por exemplo), a lei pode ser transgredida. O de niicleos de favelas, como direito a invasao € até admitido, mas nao o direito mostram os levantamentos cidade, cartogréficos da prefeitura do Rio de Janeiro para esta cidade e do LABHAB para Sao Paulo. (LABHAB 1999). Nao é em qualquer localizacao, entretanto, que a invasao de terras urbanas ¢ tolerada. Nas Areas valorizadas pelo mercado, a lei se aplica. Ao contrario da opiniao corrente, Outro dos abundantes exemplos da aplica- Gio arbitréria da lei ou de sua ignorancia esté na gestdo dos impostos e taxas que poderiam con- tribuir para deprimir 0 preco da terra, a partir da captacao pelo poder piblico da valorizacao imobilidria decor- rente de investimentos piblicos ou privados (de origem co- Ve A TERRA € UM NO WA SOCIEDADE svalori- sen Aguas A que a infra- banas alei, 0 | disso io de mativa ndo os nos nos amem sa0 de o,alei joca e mora rnc levan- io de ra So camas o que, D mer- ambi- ida. letiva}.Dificilmente esses impostos e taxas, cansativamente discut dos em enconttos profissionais e académicos, previstos em nu- merosas leis urbanisticas, so aplicados. © IPTU (Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana) progressivo, previsto na Consti- tuigio Federal de 1988 (art. 182), instrumento adequado a reali- zacio da justica urbana, tem sido alvo de derrotas juridicas devido a sua falta de regulamentacdo. Esse e outros instrumentos previstos na Constituigao de 1988, permanecem sem regulamentagao, apés dez anos de sua aprovacdo. A aplicacao do IPTU poderia, depen- dendo de seu formato, significar um forte impacto no prego e na retencio de terras urbanas. Mas, como é tradi¢ao no Brasil, imposto sobre a propriedade dificilmente aplicado, A relagao entre terra e poder se mantém estreita’ A lei se aplica conforme as circunstancias numa sociedade marcada pelas relacdes de favor e privilégios. Nos paises capitalistas centrais, especialmente no. periodo fordista, uma forte relacao regulou salario e preco da moradia. Uma teforma urbana submeteu a terra a sua funcao social e articulou-a ao sistema financeiro. Investimentos significativos foram feitos na expansao da infra-estrutura urbana ciiando uma situagéo de equalizacdo de oportuni- dades frente a alguns indicadores de qualidade de 3. Robert Smith descreve 3s ‘contends entre iberaise con Servaores ma discuss sobre fet de ters ene 1822 © 1951, no Brasil do Pineiro Impevio. Os “aitundtios queriam ver regulars, pelnova lei suas teas mse "pha 0 ogarento de im pstos sobre a mesina Lia ‘Osorio da Siva most tt ‘iiculdade ma aplcagaod Let 4 Temas (1880), rads pela cli de demarcagio das mens, Diverss comes orgnismos femadoseomessa, fatidade, divers deans medidas mosraran ett mente inéevos, durante 3s décadas que se segutam 2 promulgagio da le, Nesse Period, oid € poser os propitiris de tera se afar definite, con ta a proposta da eoloniaeso branea sonhada por Jose Bonito, Ver bibograta, 4. Vera bibiograia Arihi 1998. p43, Nos pafses periféricos ou semiperiféricos, para usar 0 conceito de Arrighi, a vidaurbana transporte, saneamento,equipamentos _geestruturacao produtiva sociais de satide e educacao, etc.). A reestruturacao impacta uma base produtiva que teve infcio nos anos 70 acarretou a s6cio-econdmica diminuigéo dos subsfdios, fortalecendo o papel do historicamente excludente. O mercado, comotodossabemos, maselaimpactauma mercado é restrito e as base de pleno emprego e de observancia do direito politicas sociais nunca Epnoradia, tiveram alcance extensivo, assim como a estrutura de Nos paises periféricos ou semiperiféricos, para usar 0 conceito de Arrighi, a reestruturagao produ- tiva impacta_ uma base s6cio-econdmica histori- camente excludente’, O mercado 6 restrito e as polticas sociais nunca tiveram alcance extensivo, asim como a estrutura de emprego também nunca emprego também nunca foi extensiva. £ interessante notar que o mercado habitacional brasileiro, ‘quando mais cresceu, impulsionado pelo sistema foi extensiva. E interessante notar que o mercado SF H/BNH, esteve longe de habitacional brasileiro, quando mais cresceu, impul- constituir um mercado Sionado pelo sistema SFH/BNH, esteve longe de cons- _capitalista concorren CULIUEA VOTES - N* 6, NOVEMBRO - DEZEMBRO 1999 tituir um mercado capitalista concorrencial. Ele foi marcado por forte participagao estatal. Inmeros estudos mostram como o mercado privado se apropriou da maior parcela do subsidio publico habitacional favorecendo as classes médias urbanas e, até mesmo, participando de sua consolidagao, a qual cumpriu pa- pel fundamental como apoio politico ao regime militar (Mari- cato 1987). j Consequ€éncias da exclusao territorial Dentre as consequéncias do processo anteriormente descrito, interessa destacar duas delas, que estao entre as principais: a) a predacao ambiental que é promovida por essa dinamica de exclusio habitacional e assentamentos espontdneos; b) a escalada da violén- cia, que pode ser medida pelo numero de homicidios, e que se ‘mostra mais intensa nas éreas marcadas pela pobreza homogénea, nas grandes cidades, Sao Paulo apresenta um fendmeno comum em todas as grandes gey4 Cidades brasileiras: a ocupacdo de dreas de protecao ambiental pela moradia pobre, ocasionando sua depredacdo. As APMs ~ Areas de Protecao dos Mananciais, ao sul da regido metropolitana, onde estao localizadas as represas Billings e Guarapiranga, “protegidas” por legislacao estadual, municipal (e até federal, em determinadas partes florestadas das bacias), s80 as que apresentaram um dos maiores indices de ocupacao durante os anos 80 (Maricato 1997) Hé uma correspondéncia direta entre a rede hidrica e a locali- zagio das favelas no ambiente urbano (LABHAB 1999). O confi- namento dos cérregos devido & ocupacao de suas margens promove uma sequéncia de graves problemas: entupimentos constantes dos c6rregos com lixo, dificuldade de acesso de méquinas e caminhdes para a necesséria limpeza, enchentes decorrentes dos entupimentos e finalmente a disseminagio da leptospirose e outras moléstias, devido as enchentes que trans- portam para o interior das favelas material contaminado pela trina dos ratos e esgoto. A TERRA E UM NO HA SOCIEDADE on or forte ‘As teas ambientalmente frdgeis — beira de As reas ambientalmente ecado IE cimegos, ios reservatérios, encostas ingremes, — frégeis — beira de c6rregos, rios piiblico mangues, areas alagaveis, fundos de vale -, que, ¢ reservatérios, encostas e até por essa condigao, merecem legislacao especifica ingremes, mangues, areas iy pas ¢ nao interessam ao mercado legal, s80 2 que —_alagaveis, fundos de vale -, (Mari- “sobram” para a moradia de grande parte da po- que, por essa condicso, pulagio. As consequéncias sio muitas: poluicio — merecem legislacao especifica tds recursos hidricos e dos mananciais, banaliza- _@ nao interessam ao mercado Go de mortes por desmoronamentos, enchentes, Jegal, s40 as que “sobram’” epidemias, etc. para a moradia de grande parte E frequente esse conflito tomar a seguinte da populacao. As forma: 0s moradores ja instalados nessas areas, _ Consequéncias s40 muitas: =e mmorando em pequenas casas onde investiram suas Polui¢ao dos recursos hidricos Fin patcas economias enquanto eram ignorados pelos € dos mananciais, banalizagao olen poderes piblicos, lutam contra um processo judi- de mortes por que se ial para retiré-los do local. Nesse caso eles so desmoronamentos, enchentes, pgénea, vistos como inimigos da qualidade de vida e do epidemias, etc. meio ambiente. Mas esta nao é a situacdo mais cotrente. Na maior parte das vezes a ocupagao se consolida sem a devida regularizacao. lectito, grandes al pela reas dee Essa dinamica é cada vez mais insustentavel devido ao nivel de deestao 's' por partes maiores comprometimento ambiental urbano, mas ela 6 cada vez mais acentuada a partir dos anos 50, pelo proceso de urbanizacao intenso, acompanhado da falta de alternativas habitacionais. Além da predacao do ambiente construfdo, outra caracteristica a locali- dos bairros de moradia pobre so 0s altos indices de violéncia, D confi- medidos pelo ndimero de homicidios, Estes se referem especiak nargens mente aos jovens e, entre estes, aos pardos e negros’. Diferente- —featiradss wo NEW/YSP — mente do conceito formado na opiniao pablica, nao é nos bairros Niven de Estudos a Vite de mais alta renda que a violencia mostra sua face mais cruel. Ali ganham mais importancia os crimes contra 0 patriménio (roubos de carros especialmente). A frequente morte de jovens nas ruas pode ser constatada exatamente em bairros que apresentam os mais baixos niveis de renda e escolaridade. Nao por coincidéncia, esses bairos constituem regides marcadas pela ilegalidade (na ocupacao dosolo e na resolucao de contflitos)e pela precariedade em relacao 205 servigos puiblicos e privados. Em Séo Paulo podemos citar os seguintes bairros como campedes da violéncia: Jardim Angela, CULTURA VOLES - N° 6, NOVEMBRO . DETEMBRO 1999 Paranapanema, Capao Redondo, Jardim Sao Luiz, Parque Santo) Anténio e Grajati na Zona Sul; Vila Brasilindia e Cachoeirinha na Zona Norte; Itaim Paulista, S40 Miguel, Guaianazes, Sio Mateus & Lageado, na Zona Leste (Maricato 1996), i Diante da dimensao que esté assumindo a “nao cidade”, ou a) Cidade dos exclufdos ou favelados, uma pergunta se impée: por que a sociedade brasileira ndo tem consciéncia dessa situagao! Quais sao os expedientes que permitem o ocultamento de ocor-_ f réncia tao grande e palpavel? Como algo tao visivel permanece quase invisivel? Ou, pelo menos, como que as dimens6es desses| fatos podem ser formalmente ignoradas pelo judiciério, pelo. legislativo, pelo executivo, pelos técnicos urbanistas, por grande parte das universidades, que insistem numa representagao que nao corresponde a cidade real? A tensio existente entre a cidade formal e a cidade ilegal é dissimulada. Tradicionalmente os investimentos piblicos, em espe. cial as obras do sistema vidrio, destinadas & circulagéo de automéveis, reivindicadas por empreiteiras e pela classe média, estao concentradas nas reas de primeiro mundo. A legislagao urbanistica af é observada ("flexibil- zada” pela pequena corrupgao). Os servigos de manutengao das éreas pablicas, da pavimentagéo, da iluminacao e do paisagismo, af sao eficazes Embora os equipamentos sociais se tenham con- centrado nos baitros de baixa renda, sua manus tencdo 6 sofrivel. A gestdo urbana e os investimen: tos piblicos aprofundam a concentragao de rend ea desigualdade. Mas a representagao da “cidade" € uma ardilosa construcdo ideolégica que torna a condigao de cidadania um privilégio endo. um direito universal: parte da cidade toma o lugar da todo. A cidade da elite representa, e encobre, @ A tensao existente entre a cidade formal e a cidade ilegal € dissimulada. Tradicionalmente os investimentos piblicos, em especial as obras do sistema vidrio, destinadas a circulacao de automéveis, reivindicadas por empreiteiras e pela classe média, estao concentradas nas reas de primeiro mundo. A legislacao urbanistica ai é observada (“flexibilizada” pela pequena corrupcao). Os servicos de manutengao das reas piblicas, da pavimentacao, da iluminacao e do paisagismo, af sao eficazes. cidade real. Essa representagao, entretanto, na tem a fungdo apenas de encobrir privilégios mas tem, principalmente, um papel econdmico ligad 8 geracao e captagao da renda imobiliaria, A TERRA € U8 MO WA SOCIEDADE p Santo A representacao da cidade: construgao da ficgao nha na faleus @ f evidente que a publicidade insistente e a midia, de um modo rua geral, tém um papel especial na dissimulagdo da realidade do Se: por J) ambiente construido e na construcio da sua representacio, desta- uagdo? J

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