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A Teoria dos Jogos é um ramo da Mate- de regras que implica o uso de estratégias óti-
mática que, através de modelos, estuda a mas para assegurar o máximo lucro e o maior
interação de estruturas formalizadas. Entre suas nível de segurança para o gerenciamento dos
muitas aplicações, figuram a definição de estra- negócios ilegais, que usualmente incluem tráfi-
de jogos estudam o comportamento atual e o ceiro Mundo. Este texto consiste em um estudo
previsível de indivíduos e organizações, pressu- preliminar sobre a aplicação da Teoria dos Jo-
pondo geralmente que escolherão as estratégias gos na pesquisa do comportamento dessas no-
melhores e mais racionais. John Von Neumann e vas organizações criminosas, poderosas e tec-
1944, no livro Theory of Games and Economic em dia, tema atraente para os jornalistas
Behavior (Teoria dos Jogos e Comportamento investigativos, justamente por suas relações
Econômico), mas os primeiros estudos a respei- simbióticas com estruturas do Estado e das
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Nilson Lage é do Departamento de Jornalismo - PPG em Engenharia de Gestão do Conhecimento- Universidade Federal de Santa Catarina, Campus de Trindade,
Florianópolis, e-mail lage@floripa.com.br e Samuel P. Lima é do Instituto Superior e Centro Educacional Luterano Bom Jesus/Ielusc, Joinvile, SC, Doutor em
Engenharia de Produção - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, e-mail: samuca@floripa.com.br.
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Abstract
Game Theory is a branch of mathematics weapons, gems, people, support to rebels and
that uses models to study interaction of soldiers of fortune in the Third Word etc. This
formalized structures. It has a lot of applications, paper is a preclusive study of the possible
including economics, political science, military and application of Games Theory in the research of
business strategies. Game theorists study the the behavior of such great, powerful and
actual and the predicted behavior of individuals technologically efficient new crime organizations.
or organizations, generally considering the most Organized Crime is, nowadays, an attractive
rational and optimal strategies. John von subject do investigative journalist, just because
Neumann and Oscar Morgenstern first formalized has a symbiotic relation with structures of State
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sa, das tríades chinesas, da máfia russa ou dos cartéis
colombianos; trocam informações, remetem moeda e A dimensão do comércio de drogas, o mais visível
realizam negócios pontuais como quaisquer organiza- dentre os negócios criminosos nas metrópoles do Pri-
‘crime organizado’ deve-se, por um lado, à atração No entanto, o último relatório divulgado pelo
irresistível do volume de recursos envolvidos e, por ou- Escritório contra Drogas e Crimes da ONU, em junho de
tro, à simbiose de operadores da criminalidade com 2004 (UNODC, 2004), aponta perto do dobro de consu-
estruturas de estados. Há muitos exemplos – do Extre- midores. Seriam 185 milhões de pessoas, quase cinco
mo Oriente à Europa ocidental, África, Estados Unidos e por cento da população acima de 15 anos de idade: 146
América Latina – de episódios em que entes públicos se milhões de usuários de maconha e haxixe; 38 milhões
confundem – ou se fundem – com máfias, cartéis e soci- de drogas sintéticas; 13 milhões de cocaína e nove mi-
edades secretas para o tráfico de drogas, de armas, de lhões de heroína. A impressão que se tem é de que ain-
pedras preciosas, de pessoas, de órgãos humanos, de da esses números são modestos em confronto com a
espécimes silvestres, de segredos militares e industriais realidade – e que o dano social torna-se mais significati-
– crimes com grau variado de periculosidade. Em vários vo porque os prisioneiros ou diletantes da droga perten-
casos documentados (Camboja, Nicarágua, Afeganistão, cem, em grande número, à elite, dispõem de parcelas
África subequatorial), alianças foram firmadas por gru- de poder e influem na formação de opinião.
pos econômicos e nações de vocação imperial com gru- Mas a questão do crime organizado inclui
pos criminosos para atender a objetivos estratégicos importante aspecto instrumental: a corrupção da má-
secretos ou semi-secretos. As concessões feitas, em al- quina no Estado, que permite a apropriação de recursos
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públicos e autoriza crimes diversos de natureza fiscal. típica e antijurídica, culpável e punível. Ou ainda, sob
Caso paradigmático dessa simbiose foi o protagonizado enfoque material, o ato que viola ou ofende um bem
pela Scuderie Detetive Le Cocq, sindicato do crime que juridicamente tutelado.
dominou as estruturas dos poderes Executivo, Legislativo A caracterização elementar de ‘crime or-
e Judiciário do Estado do Espírito Santo1, atingindo até ganizado’ pressupõe, a rigor, a existência de outro tipo,
órgãos federais, desde meados dos anos 1980 e ao lon- o ‘crime desorganizado’. Essa discussão divide opiniões
go da década de 1990. A ação de dissolução desta soci- de cientistas sociais, juristas, juízes, promotores públi-
edade civil, proposta pelo Ministério Público Federal, es- cos, jornalistas especializados e pesquisadores de várias
clarece: áreas do conhecimento.
A Scuderie Detetive Le Cocq é sociedade civil sem fins lucrativos criada
Ainda hoje, há autores que negam a exis-
mediante registro de seus estatutos no Cartório de Registro Civil das Pessoas
jurídicas, livro A4, nº 3.338, em 24/10/84, com a finalidade social formalmente tência da máfia italiana tal como descrita em
declarada o bem servir à coletividade (...). Todavia, investigações (...) mostra-
ram que dita associação jamais se ateve realmente aos objetivos para os quais (FALCONE,1993) ou (STERLING,1997). É o caso de
foi supostamente criada, agindo desde o início como personificação jurídica do
crime-organizado e quartel e grupos paramilitares de “extermínio” (assassinato
Christopher Duggan (apud MINGARDI, 1998: 29):
A máfia não é uma sociedade secreta, mas um modo de vida, uma atitude. O
de supostos criminosos).
recente testemunho de Tommaso Buscetta é menos novidade do que se ima-
De episódios investigados por iniciativa do gina, e seu relato da Cosa Nostra deve ser entendido contra um pano de fundo
de mais de cem anos de ‘revelações’ similares (se bem que menos detalhadas).
Ministério Público Federal sai a matéria-prima para se
pretender modelar em computador uma representação
Na mesma direção, Daniel Bell nega a existência
baseada na teoria dos jogos, tomando como ponto de
da máfia nos Estados Unidos. O crime tipificado pelas
partida (para montar a “árvore dos jogos”) a plotagem
ações dos supostos mafiosos norte-americanos teria
final do caso, que representa o circuito percorrido pelo
permitido apenas mobilidade social. Um episódio relacio-
dinheiro: desvio original; distribuição e “lavagem”;
nado à Operação Mãos Limpas, que desembocou no jul-
integração à economia legal e redistribuição para a
gamento de vários dos grandes mafiosos italianos, gera
quadrilha que operava no Estado e além de seus limites.
o comentário irônico de Mingardi:
A representação estendida da matriz de prêmios O general Dalla Chiesa, comandante dos Carabiniere na Sicília, que chefiava
uma campanha contra a Máfia foi assassinado; dois juízes anti-Máfia, Falcone
de um jogo estratégico do tipo seqüencial de informação e Borselino, foram mortos apesar de estarem protegidos por dezenas de guar-
da-costas. Nos dois últimos casos, foi usada perto de uma tonelada de explosi-
completa é a vertente teórica que se usará para tentar
vos, talvez colocados na estrada por “um modo de vida ou uma atitude”.
elucidar essa categoria de jogo geopolítico. (MINGARDI, 1998: 31)
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Na região Sudeste do Brasil.
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Crime organizado é uma sociedade que tem por objeto atividade criminosa.
Janeiro, conhecidas e à vista de todos.
Regra geral visa objetivos econômicos, lucros, business, locupletamento ilícito
Várias definições são hoje utilizadas como refe-
(roubo de cargas, corrupção do dinheiro público, tráfico de drogas, etc.).2
rência:
De maneira geral, há cinco categorias de “produ-
Crime Organizado Tradicional: Grupo de pessoas voltadas para atividades
tos” em torno dos quais o crime organizado engendra ilícitas e clandestinas que possui uma hierarquia própria e capaz de planejamen-
to empresarial, que compreende a divisão do trabalho e o planejamento de
suas estratégias: a) o fornecimento de serviços ilegais lucros. Suas atividades se baseiam no uso da violência e da intimidação, tendo
como fonte de lucros a venda de mercadorias ou serviços ilícitos, no que é
(jogo, prostituição, proteção etc.); b) o suprimento de protegido por setores do Estado. Tem como características distintas de qualquer
mercadorias ilícitas (drogas, pornografia etc.); c) a infil- outro grupo criminoso um sistema de clientela, a imposição da lei do silêncio aos
membros ou pessoas próximas e o controle pela força de determinada porção de
tração em negócios lícitos (aquisição e/ou criação de território. (MINGARDI 1998: 82-83)
empresas legítimas para operar esquemas de ‘lavagem’ Quanto ao crime organizado do tipo empresarial,
tência e perenidade do crime organizado. Não fosse isso, Para o autor, essa definição do FBI é precisa por-
por exemplo, não haveria como explicar a existência dos que menciona a estrutura formal, o impacto na popula-
pontos de venda (bocas) e maconha (fumo) e cocaína ção e define o conceito através da organização que o FBI
(pó) que funcionam há décadas nos morros do Rio de mais conhece: a máfia norte-americana:
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www.abraji.org.br
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ta-se das deficiências do sistema penal, a partir de sua Com o advento da cocaína e dos sintéticos, nos
estruturação organizacional e de sua estratégia de atua- anos 1980, a questão central passou a ser o fato de que
ção global; c) a sua atuação resulta em um dano social máfias, cartéis e/ou associações criminosas movimen-
acentuado; d) realiza uma variedade de infrações, com tam, considerando apenas o setor de drogas, cifras que
uma vitimização difusa ou não; e) está aparelhado com superam o produto nacional bruto da grande maioria
instrumentos tecnológicos modernos; f) mantém cone- dos países. Esse volume de recursos financeiros precisa
xões com outros grupos delinqüenciais, ainda que estes ser ocultado, dissimulado e integrado na atividade eco-
sejam desorganizados; g) dispõe de ligações com pes- nômica lícita. Diante dessa constatação, é possível afir-
soas que ocupam cargos oficiais, na vida social, econô- mar que “as máfias deixaram de ser um assunto de po-
mica e política; h) em geral, utiliza-se de atos de extre- lícia para se tornarem uma questão geopolítica e finan-
ma violência; j) recorre a mecanismos que lhe permi- ceira de primeira grandeza.” (ARBEX JR E TOGNOLLI,
tem beneficiar-se da inércia ou da fragilidade dos ór- 1998: 32)
gãos estatais. (BORGES, 2002: 21) Por fim, aponta-se caracterização mais global ain-
Outra posição recorrente nos estudos sobre da, considerando a gama de produtos que o “crime or-
criminalidade organizada é a do juiz Luiz Flávio Gomes. ganizado” oferece a um mercado ávido:
Um fervilhante mundo clandestino, não submetido a nenhuma espécie de lei ou
Ele sugere um amplo rol de elementos típicos, defen-
regulamentação democrática, emprega centenas de milhares de pessoas. Os
dendo que a lei estabelecesse como associação ilícita ‘negócios’ incluem (...) o controle de cidades ou regiões inteiras com base na
força e no terror imposto por quadrilhas bem armadas e organizadas segundo
aquela que reunisse pelo menos três das seguintes ca- uma estrutura paramilitar. (ARBEX JR E TOGNOLLI, 1998: 32)
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O objetivo dos matemáticos que desenvolveram a contendas que envolvem o Estado, representado pelos
teoria dos jogos, a partir de meados do século XIX, foi entes e agentes públicos, e o crime organizado – em
simular as várias situações possíveis em que duas ou seus diferentes matizes, vertentes e produtos vincula-
mais pessoas estivessem submetidas às “conseqüências dos. Com efeito, “são situações desse gênero que ca-
não só de suas próprias ações, mas também das ações racterizam o mundo econômico empresarial, onde a
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dos outros” . Propuseram que a vida em sociedade é interdependência entre empresas, governo e consumi-
um grande jogo estratégico – ou uma série simultânea dores demanda a consideração de sua interdependência.”
deles –, que poderia ser modelado matematicamente (FIANI, 2004: 5)
através de um sofisticado arsenal conceitual,
metodológico e matemático – as ferramentas da teoria. 3.1 Jogos de Estratégia, Racionalidade e Ma-
Dois franceses, Augustin Cournot e Joseph triz de pay-off
Bertrand, foram os primeiros a formular, em 1838, as
bases da teoria dos jogos. Cournot fortalecia a tese do A racionalidade se impõe como conceito central
mercado como agente mediador de todos os conflitos; na Teoria dos Jogos. No entanto, é possível afirmar que
Bertrand desenvolveu algo similar, mas levava a conclu- os operadores da criminalidade organizada agem segun-
são (ou partia de premissa) diferente: sustentava a ne- do regras racionais? Até que ponto a ação dita de Estado
cessidade da intervenção do Estado para regular os também é matizada pelas tintas da racionalidade huma-
oligopólios. na e política?
Nesse universo teórico há alguns conceitos fun- Nem sempre as pessoas, ou mesmo as organizações, se comportam de forma
racional, ou seja, de forma a empregar os meios de que dispõem de forma
damentais: modelo formal, interações, agentes, adequada aos seus fins. (FIANI, 2004: 8)
racionalidade e comportamento estratégico. Ele permite Neste ponto, pode-se estabelecer o nexo entre as
analisar situações que envolvam interações entre agen- visões de Ziegler e Fiani. O mais alto escalão de coman-
tes racionais, cujo comportamento estratégico seja ana- do das organizações criminosas agiria de forma racio-
lisado formalmente como um jogo: nal. Nos níveis imediatamente inferiores da ‘hierarquia’,
a) Modelo formal. A teoria dos jogos envolve técnicas de descrição e análise, no entanto, a ação poderia ser ditada por elementos ir-
ou, em outras palavras, propõe regras preestabelecidas para apresentar e es-
tudar um jogo; b) Interações. As ações de cada agente, consideradas individu- racionais:
almente, afetam os demais. (...) Jogos são processos que envolvam interações O universo da criminalidade transcontinental organizada assemelha-se a uma
entre os agentes; c) Agente. Qualquer indivíduo ou grupo de indivíduos com selva. A única lei respeitada é avendeta. Nenhuma palavra empenhada,
capacidade de decisão para afetar os demais: um indivíduo sozinho pode ser nenhum contrato assinado tem a menor chance de durar. Muitos assassinatos
agente, como no caso do empregado que decide se vai ou não pedir um públicos, eliminações discretas e mutilações que constituem a trama quotidiana
aumento ao patrão; d) Racionalidade. Os indivíduos empregam os meios mais da atividade dos cartéis só podem ser explicados pelo ódio pessoal, a paixão
adequados aos objetivos que almejam, sejam quais forem esses objetivos; e) amorosa, a vaidade, o desejo de vingança ou uma delirante vontade de poder.
Comportamento Estratégico. Cada jogador, ao tomar a sua própria decisão, (ZIEGLER, 2003: 84)
leva em consideração o fato de que os jogadores interagem entre si, e que,
Os limites da teoria dos jogos são apontados por
portanto, sua decisão terá conseqüências sobre os demais jogadores, assim
como as decisões dos outros terão complexas conseqüências sobre ele. (FIANI, Fiani:
2004: 3-4)
A teoria dos jogos não deve ser utilizada diretamente como instrumento de
Na categoria de jogos estratégicos inserem-se as previsão do comportamento de agentes em situação de interação estratégica
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CartaCapital, 18/09/2002, p. 12
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A partir da caracterização dos chamados “jogos Há dois tipos gerais de jogos estratégicos: o si-
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flecha) representa uma escolha possível para o jogador, uma ação ilícita de alguma autoridade pública (licitação
a partir do seu nó. fraudulenta, por exemplo) compõe um momento dife-
Eis a representação visual do esquema de frau- renciado do esquema que passa pelo superfaturamento,
des operado pela Scuderie Le Cocq, no Espírito Santo. O pelas ações criminosas de ‘queima de arquivo’ (assassi-
jogo é também do tipo seqüencial, de informação com- nato de possíveis informantes pelo esquadrão da mor-
pleta, de conluio entre o crime e as forças representati- te), criação de empresas fantasmas, lavagem do dinhei-
vas do Estado. ro no sistema financeiro e o botim final – quando o di-
Este padrão de atuação reproduziu-se nas prefei- nheiro roubado, já limpo, volta como nó terminal às mãos
turas do interior do Estado, operado a partir da cúpula dos comandantes da organização criminosa.
da Le Cocq. Cada nó do extenso jogo que começa com
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