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um copo de vinho
viva
Morada da escuridade
Outro e si deste ser mundo
Este ser de mil verdades
Sem margens face sem fundo
poste e calçada
casas sonham singelas
na manhã ensolarada
de Piracanjuba
bom dia !
muros e tijolos desgarrados
velho no portal acomodado
e velhas, velhinhas
noites densas
onde donzelas dançam
tensas
as duras mãos
se oferecem
lentas
olhos se aquecem
chamas
o sol
da manhã
faz sombras
de folhas verdes
pela janela
aberta
luzes
nos paralelepíped’azuis
sob olhos negros
de crianças pardas
leves
purpurilando
bolas e becos
e serenos
amenos
os pequenos
para lá e para cá
não param
a vida
não é menos
gatos
e telhas
e patos
nos lagos
na noite
reflexos
do luar
insetos
e uivar
de cães na cidade
cio
tremula no fio
da noite
a conduzir
florires
e pássaros a zunir
reluzir de sol
na manhã
luzir
Nós. Nas cordas que sustém
Nos valsamos sem voltas
Nus: tronco e curvas tortas
As mãos se soltam, soltas
Para o meu bem
Bem, volvamos às valsas: loucas
Líricas, danças mortas
Vem. Almas e valsas, quem ?
Ninguém veio... bailar e as vozes
Roucas
Ruídos. Cordas mudas, amém.
Teu dorso louro, desço e teço
As sensações se cruzam
Emergem, jorram resgatadas
Me retorço em imagens que se desfazem lentas
Tantas e dispersas
Brutas
Que abruptamente petrificam bruscas
Todas e diversas, unas
Numa unidade imóvel
Tudo, eterno e infinitamente vasto
Instante
Não dura mais que isto, instável
E imaterial
Nada
Me contorço em chamas
Brumas
Submergem, choram amargos
Poros, soam mares
Sais, salgados ares violentam ventas
Fluidos doces viscos quentes, envolventes
Ventre da manhã
Miragem
Cores e sabores falsos. Gostos, tatos e contatos: mera quimera
Ardências frias, planas
Um jardim etéreo sem espírito
Frio
Teus fios aéreos, sérios
Teus gestos atonais nos ares: danças
Corte de ar em vários
Goles de ares, áreas de cheio e vazio
Cheiros
Preenchidos vácuos de essências e substâncias, várias
Arenas: digladiam-se sentidos
Guerras e guerreiros brutos
estes cacos de traços que se
inscrevem soltos
descrevem-se nas tuas bocas
atrevem-se em teus olhares
escrevem-se a si mesmos
e saltam para a incerteza do
esquecido
traço que desenlaça em águas
e sais e se deságuam secas
estes traços se desescrevem
tortos
e desintegrados laços
ofício
ofício
vício obstinado
não cria descria ou destrói
não constrói ou desconstrói
sedimenta desliza evapora
cai e vai embora
inexpressivo corrói
as mãos do mineiro
ouro? sal
cal
embora como pluma
que plana o ar devagar
embora como perfume
que se esvanece no ar
embora com ar de cantar
da maneira que passam as horas
você foi embora
embora ficaste
a fronteira de jaiara-orquídea e jaiara-serpente
a fronteira das águas da confluência dos rios
a fronteira dos átomos da superfície e do ar
a fronteira do estado de origem com o outro
diluamos todas as margens fluidas
para atingirmos o âmago da margem
rumo à sorte
marginal
a morte
no instante da morte
é um corte
e no instante do corte
o gosto
do gozo
no instante do gozo
a gosma
num ácido instante
e numenal semblante
como a rosa
aberta instantânea
na tênue eterna
névoa fragrante
no ar
a dama consorte
a lavar
e amar nossa sorte
a planar
aspirar expirar
um acorde
da sonata espiral
o papel do poeta é algo mudando para algo mundano que algo
do mundo
(que) algo agouro
um mal agouro do mundo
e o papel do poeta
não se encharca das tintas
não é mais amarelo que amarela com o tempo e torna
poroso e áspero
que colorem as tintas
que vão se descolorindo num sem tom descolor
que são todas as cores: branca
esbranquiçadas
retornam por todos os poros e afloram
tal qual primavera refloram
por todos os cantos colorem de todas as cores reflorem
não são mais
tintas papéis e poetas
não mais
cores e poros e algo
não sei mais
lunar
subi
subi aa escada
escada
decantada
decantada de de ladrilhos
ladrilhos ppéétreos
treos
comunguei
comunguei ao ao ppéé da
da igreja
igreja velha
velha
um
um olhar
olhar para
para trtrááss
aa cidade
cidade nebulosa
nebulosa viva viva
sem
sem alma
alma viva
viva que
que sese mova
mova
aa esta
esta hora
hora desta
desta noite
noite
se
se movia
movia aa ouvia
ouvia seu seu respirar
respirar vivaz
vivaz
eu a revia idosa revivia
eu a revia idosa revivia idade idade
me
me movia
movia
em
em direçã
dire çãoo ao
ao templo
templo queria
queria ver
ver emem tempo
tempo
oo que
que escondia densas ásperas pesadas paredes
escondia densas ásperas pesadas paredes
dessas lisas tr êmulas vacilosas m
dessas lisas trêmulas vacilosas mãos deslizamãos deslizam
as
as dobras
dobras dodo tecido
tecido duro
duro frio
frio nnããoo vaticina
vaticina oo vento
vento
arrepio sem pensar se move rumo
arrepio sem pensar se move rumo à quina à quina
oo mar
mar revolto
revolto se se revela
revela vento
vento revolvia
revolvia olhar
olhar ee via
via
olhar o mar quebrar em
olhar o mar quebrar em branco branco
sil
silêêncio
ncio aoao mar
mar
aa voz
voz
àà voz
voz volver
volver oo olhar
olhar daquela
daquela
alva
alva voz
voz tenaz
tenaz olhar
olhar fugaz
fugaz contemplar
contemplar
todos
todos os
os anos
anos passados
passados naquele
naquele ato
ato inato
inato
um
um estender
estender aa mmããoo
um
um entender
entender dede fato
fato aa falta
falta
vestida
vestida pelo
pelo manto
manto escuro
escuro vvééuu cobrindo
cobrindo lisos
lisos talos
talos
que
que se
se deslizam
deslizam aaééreos
reos pela
pela alva
alva tece
tece
oo mar
mar medita
medita algo
algo
mar
mar
Amo-te demente
caridoso morrerei
remorsoso e mórbido
culpar-te-ei.
Culpar-te-ás e partirás também
ao imaterial abraço de teu rei
e escravo?
Escravo e rei não hei
de entristecer em meu sofrer
pois me darei
a ti
e a ti possuirei
como tantos, como tantos, por dever
morrerei, morreramos
pelo carma dum caudal impiedoso
e ressuscitaremos
eu pedra
e tu a flor do outro monte que um pássaro
num arco sobre as árvores
trouxe o olor
vago
dissipado pelo vento da manhã
um frescor
ainda um frescor à rocha desventurada
era uma casa muito engraçada
não tinha teto não tinha nada ( v.m.)
narciso se vê na fonte
na fronte de todos os mitos
narciso se transforma
estava tão mudo em hades
lodo de muro antigo
pelas frestas
pelas festas de dionísio
um quintal me invade!
tardes de narciso
riso de narciso
siso de narciso
ris?
narciso se vê na fronte
na fonte de todos os mitos
narciso se transforma
era narciso
que falava
fala de narciso
de que falo
era narciso
entre as águas
sai o eco de narciso
pelas ondas
zeros se es
palham — zeus!
da lágrima
de narciso
por um tris
te narciso
narciso se vê na fonte
na fonte de todos os mitos
narciso se transforma
josarrá
quem dera ter do mundo
o silêncio que necessitas agora
em que sentes sede de contemplar
e o teu semblante
destemido a pairar
mal recobres o que descobre ao bulir
em tais sonhos que tens teu olhar
teu olhar, teu pobre olhar
josarrá, mas
há um cheiro negro no ar
que colore os teus sonhos meninos
e redescobre a cada olhar
nos teus cantos, lugares, teu lar
que enraíza o alicerce da casa
e se espalha aos vãos de teu chão
teu piso, e sobes enfim por teus móveis
alcançando por fim teu telhado
tuas vigas de cheiro ocreado
tuas telhas de aranha que vêm que vão
não em vão tua vida emaranha
tantos casos de casa encantada
pelo vão das paredes caminham
caminham tanto e não chegam a lugar
que luares tu queres panhar
josarrá? não te notas, não queres notar
não deves, não podes voar
por teares tecidos de ar
não deves negar tuas cores
teu manto, teus tantos encantos
de uma cor que de cores te enche
solta o pranto que queres chorar e diz
josarrá, diz que o cheiro permeia o ar
que vem de tão longe e tanto tempo a jorrar
e deságua num rompante de dor
desnorteia o poente do sol que brotas
agora em teu sonhar
tua solidão, josarrá
teu amar.
de um lado o lodo da noite
do outro
outro lodo e as gramas putrefatas
vicejando
esta faixa dura e noturna
dividindo o deserto
é uma serpente sem casa
deglutindo metais
e peidando gases
vomitando vísceras
ao pasto de lama
indiferente
o vento
e seu ventre
aberto
entre dois semblantes
sempre dois movimentos
vendo o abismo deserto
arco precário
istmo arbitrário
centelha dissipada
de vísceras
vácuo
o nada desse buraco
esse sovaco no cerrado
olhar
fixo
de vossas vozes
ávidas de barro
e engasgadas
de catarro
esse pigarro cósmico
semi desnatado
e carcomido
de fragmentos
iaras
e suas árias
aéreas
o norte
e sua sorte
incerta
meus velhos versos de segunda
vento e pássaros relva e rio
dissolvo-me neles na esperança
na esperança como nas lembranças
em que vingo a má ventura
onde perdem-se as razões, a harmonia e a sextina
e o ritmo com as pulsações
dentro e fora
fora-se toda a fluidez
e qualquer pertencimento a entidades obscuras
que passaram a fluir
transe e embriaguez
doçura e tortura
perderam-se, perdi-os e todos se lançaram
e lancei junto com eles
a qualquer alvo
de água, de madeira ou de metal
estou à salvo, não estou
talvez... talvez...
poemas de
*
poeta do gran circo imperial das togas
cascas de árvores
e passeios de praças
bicicletas e bolas
bobas meninas
e meninos sonsos
e tristes
alegres e tristes
tapera na capoeira
grota de vaca fugida
greta de visco ungido
fundida no cisco
fugido pro zóio
doído de luz
que tampa a tapera
feito o amor
depois da dor
feita a vida
desfeita de uma ferida
jurubeba é um ensina
dor
jurubeba é um amar
gor
jurubeba é um desvéu
que desvela
o amargo-doce
arrasto um punhado de pó
pelas ruas
arauto das casas desertas
e puídas
pelo silêncio e pela treva
carcomida
de luz entrante de uma fresta
(festa de meninos)
gatos conhecem-na biblicamente
entre móveis silentes calmamente
roçam pêlos nas suas entranhas
casa estranha trêmulo vácuo
arrepio de frio sob a tarde de morrinhos
quintal pomar escuro mar de podridão doce
muro de frinchas funcho e hortelã
lã estas redes de madeira teto
tateante alto de barro
piso em falso
um braço de halo
sobra do sol
que arrasto
joaquim papudo
vagueias ruas alheias
paradas vivas
Estes poemas pertencem originalmente ao Ciclo de
Jaiara e foram refeitos entre 2002 e 2005 para se
ler em tela cheia no computador. São versos do
Moreira Cardoso, que desejou o profundo até a morte
(de velho). Aqui, foram travestidos em bytes além
(aquém?) do literário. À margem do literário. Se há
algo que preste nestes (em quaisquer) poemas são as
margens que eles evocam.
Wilton Cardoso
Goiânia 26.11.2005