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OS CONTRATOS ATÍPICOS E SUA DISCIPLINA NO CÓDIGO CIVIL

DE 2002

José Alexandre Ferreira Sanches(1)

Sumário: 1. Considerações preambulares. 2. Os contratos atípicos e suas espécies. 3. A


boa-fé objetiva, a função social do contrato e o princípio da proibição da onerosidade
excessiva: inovações da teoria geral dos contratos do Código Civil de 2002 de
aplicação indispensável aos contratos atípicos. 3.1. A boa-fé objetiva. 3.2. A função
social do contrato. 3.3. O princípio da proibição da onerosidade excessiva. 4.
Conclusão. 5. Referências bibliográficas

1. Considerações preambulares

O presente estudo tem como escopo o tratamento dos contratos atípicos ou


inominados e sua disciplina no Código Civil de 2002.
Destarte, primeiramente serão tecidas algumas considerações sobre os
contratos atípicos, em suas duas modalidades, quais sejam, contratos atípicos propriamente
ditos e contratos atípicos mistos, além da diferenciação destes em relação aos contratos
coligados.
Passado este primeiro momento, tratar-se-á da disciplina dos contratos atípicos
no novo diploma civil brasileiro (Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002), regulamentação esta
contida na redação de seu art. 425, que dispõe ser lícito às partes a celebração dos contratos
atípicos, desde que observadas as normas gerais em matéria de contratos estabelecidas
naquele código.
Referido trabalho atentará para as normas gerais a que faz alusão tal
dispositivo, mais precisamente para alguns dos princípios gerais em matéria contratual que
visam a coibir os excessos de liberdade das partes contratantes, que muitas vezes conduzem
ao desequilíbrio das avenças e ao enriquecimento de uma das partes do contrato.

(1)
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Bolsista durante a graduação junto à
FAPESP, pela qual desenvolveu pesquisa na área de Direito Privado, com o tema “Contratos Empresariais no
Novo Código Civil”. Advogado associado a Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Advocacia (São
Paulo/SP).
Mencionados princípios, que de maneira inovadora, foram expressamente
acrescentados à redação do Novo Código Civil, são os da boa-fé objetiva, da função social do
contrato e da vedação à onerosidade excessiva.
E por fim, no último estágio do presente estudo, será traçada uma conclusão a
respeito da disciplina dos contratos atípicos na nova codificação civil, buscando, ainda que
modestamente, nortear os aplicadores do Direito quando da interpretação dessa modalidade de
contrato, de larga utilização nos dias atuais.

2. Os contratos atípicos e suas espécies

Os contratos, quanto à sua designação, dividem-se, doutrinariamente, em


contratos típicos ou nominados, e atípicos, também chamados de inominados.
Os contratos nominados ou típicos abrangem as várias espécies contratuais que
possuem nomem juris e servem de base à fixação dos esquemas, modelos ou tipos de
regulamentação específica da lei. Inserem-se numa figura que tem disciplina legal, recebendo
da ordem jurídica uma regulamentação.
Os contratos típicos ou nominados possuem, dessa forma, uma denominação
legal e própria, estando previstos e regulados por norma jurídica, formando espécies
legalmente definidas.
O Código Civil de 2002 rege e esquematiza vinte e três tipos dessa modalidade
de contrato. Com efeito, são os seguintes os contratos típicos disciplinados pelo novo estatuto
civil pátrio: compra e venda, troca, contrato estimatório, doação, locação de coisas,
empréstimo, prestação de serviços, empreitada, depósito, mandato, comissão, agência,
distribuição, corretagem, transporte, constituição de renda, seguro, jogo, aposta, fiança,
sociedade, transação e compromisso.
Entre as espécies contratuais típicas abarcadas pelo novo diploma encontram-
se alguns contratos empresariais, em decorrência da diretriz unificadora das obrigações civis e
comerciais perseguida pela Comissão Elaboradora do Projeto de Código Civil de 1975(2).
Em contraposição a essas figuras contratuais típicas, disciplinadas na lei,
aparecem os contratos atípicos ou inominados.

(2)
A Comissão Elaboradora do Projeto de Código Civil de 1975, projeto que deu origem ao ora vigente Código
Civil de 2002, tinha como diretriz a unificação do direito obrigacional num único diploma legislativo. E assim o
fez, disciplinando, dentro do Livro I da Parte Especial (Livro das Obrigações), alguns contratos tipicamente
empresariais, e dedicando livro próprio para o chamado Direito de Empresa, que contém regras de direito
societário e do exercício da atividade empresarial.

2
Os contratos inominados ou atípicos afastam-se dos modelos legais, haja vista
que não são disciplinados ou regulados expressamente pelo Código Civil, pelo Código
Comercial ou por qualquer lei extravagante, sendo, todavia, permitidos juridicamente, desde
que não contrariem a lei, os bons costumes e os princípios gerais de direito.
Na atividade empresarial, são exemplos de contratos atípicos o contrato de
publicidade, o de hospedagem, o de mediação, o de cessão de clientela, a joint venture, entre
muitos outros.
A possibilidade de celebração de contratos atípicos decorre do princípio da
autonomia da vontade, sendo que tal prerrogativa encontra respaldo no art. 425 do Novo
Código Civil brasileiro, que dispõe:

“Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais
fixadas neste Código.”

Os contratos atípicos decorrem da necessidade das partes na atividade negocial,


já que impossível seria a regulamentação de todas as formas de relações intersubjetivas. Em
decorrência disso, é certa a assertiva dantes formulada de que os contratos atípicos decorrem
da autonomia da vontade privada.
A primeira observação que deve ser formulada diz respeito à terminologia
“contratos atípicos ou inominados”, bastante difundida na doutrina.
A nosso ver, a denominação “contrato inominado” não se mostra apropriada,
sendo mais correto, tecnicamente, o uso da expressão contrato atípico, pois, muitas vezes, a
espécie contratual possui nome, ou seja, é nominada, todavia, não se encontra regulamentada
na lei (não possui tipicidade legal).
Álvaro Villaça Azevedo(3) diferencia com bastante precisão os contratos típicos
dos atípicos:
Os contratos típicos recebem do ordenamento jurídico uma regulamentação
particular, e apresentam-se com um nome, ao passo que os atípicos, embora possam
ter um nome, carecem de disciplina particular, não podendo a regulamentação dos
interesses dos contratantes contrariar a lei, a ordem pública, os bons costumes e os
princípios gerais de direito.

Há ainda uma terceira espécie de contratos, qual seja, a dos contratos mistos,
que resultam da combinação de formas contratuais típicas, atípicas, ou de típicas e atípicas.

(3)
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral dos contratos típicos e atípicos. São Paulo: Atlas, 2002. p. 132.

3
Renomados juristas do passado, como Francesco Messineo(4) e Ludwig
Enneccerus(5) elaboraram famosas classificações dos contratos atípicos, às quais aderiram
muitos estudiosos da atualidade.
Orlando Gomes(6) subdivide os contratos atípicos em contratos atípicos
propriamente ditos e mistos.
Para o mestre baiano, os contratos atípicos propriamente ditos são aqueles que,
ordenados a atenderem a interesses novos, não disciplinados especificamente na lei, reclamam
disciplina uniforme que as próprias partes estabelecem livremente, sem terem como
paradigma qualquer padrão contratual pré-estabelecido.
Os contratos mistos, em sua classificação, são aqueles que se compõem de
prestações típicas de outros contratos, ou de elementos mais simples, combinados pelas
partes.
Assim, segundo Orlando Gomes, os contratos mistos resultam da combinação
de contratos completos, prestações típicas inteiras ou elementos mais simples, formando-se,
por meio dessa combinação, por subordinação ou conexão, uma nova unidade.
O Prof. Álvaro Villaça, em sua tese de doutorado na Universidade de São
Paulo, na qual tratou dos contratos típicos e atípicos, esboçou classificação dos contratos
atípicos em: contratos atípicos singulares e contratos atípicos mistos.
Leciona que os contratos atípicos singulares são as figuras atípicas
individualmente consideradas. Seriam os contratos atípicos propriamente ditos da
classificação do Prof. Orlando Gomes.
Já os contratos atípicos mistos, na sua classificação, se apresentariam: (a) com
contratos ou elementos somente típicos; (b) com contratos ou elementos somente atípicos; e
(c) com contratos ou elementos típicos e atípicos”.
A classificação formulada pelo Prof. Villaça é, sem desmerecer o trabalho de
tantos outros civilistas consagrados, mais acurada, visto que considera como atípico o
contrato formado por dois ou mais contratos típicos completos.
(4)
Francesco Messineo classifica os contratos atípicos da seguinte forma: contratos inominados em sentido
estrito ou puros: (a) com conteúdo completamente estranho aos tipos legais (por exemplo, contrato de garantia);
(b) com, somente, alguns elementos estranhos aos legais, enquanto outros, com função prevalente, são legais
(por exemplo, contrato de bolsa simples); contratos inominados mistos: (c) com elementos todos conhecidos
(elementos legais), dispostos em combinações distintas (tomada mais de uma das figuras contratuais nominadas),
elementos que podem estar entre si em relações de coordenação ou subordinação. Essa categoria é a mais
numerosa, integrada por contratos unitários. A causa do contrato misto é, igualmente, mista, e advém de uma ou
mais causas heterogêneas entre si. AZEVEDO, op. cit., p. 135.
(5)
Idem, ibidem, p. 136.
(6)
GOMES, Orlando. Contratos. 17.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 103.

4
Com efeito, na classificação feita por Orlando Gomes, o contrato surgido da
junção de dois ou mais contratos típicos completos seria o por ele chamado de contrato de
duplo tipo, cuja natureza continuaria sendo a de um contrato típico.
Entretanto, como bem ressalta o ilustre Prof. Álvaro Villaça (op. cit., p. 138), a
combinação em um, de dois ou mais contratos completos, “em que circunstâncias sejam, não
possibilita a consideração de cada avença como típica, isso porque as prestações desses
contratos mesclam-se em um todo, sem possibilidade de separação. Todas as obrigações
assumidas formam um só contrato, misto, ensejando sua rescisão, por exemplo, o
descumprimento culposo de qualquer delas”.
Nessa esteira, cumpre diferenciar os contratos atípicos mistos dos contratos
coligados.
Assim, o Prof. Orlando Gomes (op. cit. p. 104), ao diferenciar os contratos
mistos dos contratos coligados, assevera que “contrato misto é o que resulta da combinação de
elementos de diferentes contratos, formando nova espécie contratual não esquematizada na
lei. Caracteriza-os a unidade de causa”. E continua, lastreado na lição de Ludwig Enneccerus,
acentuando que,
em qualquer das suas formas, a coligação dos contratos não enseja as dificuldades
que os contratos mistos provocam quanto ao direito aplicável, porque os contratos
coligados não perdem a individualidade, aplicando-se-lhes o conjunto de regras
próprias do tipo a que se ajustem.

E, conclui, asseverando que,


em resumo, distinguem-se na estruturação e eficácia as figuras dos contratos
coligados e dos contratos mistos. Naqueles há combinação de contratos completos.
Nestes, de elementos contratuais, enquanto possível a fusão de um contrato
completo com simples elemento de outro. Pluralidade de contratos, num caso;
unidade, no outro. (GOMES, op. cit., p. 105)

Nesse diapasão, o Prof. Villaça (op. cit., p. 138) leciona que


os contratos coligados, dois ou mais, guardam sua individualidade própria, sendo
várias contratações autônomas, mas ligadas por um interesse econômico específico.
Já os contratos atípicos mistos são várias avenças que se somam e que se integram
de modo indissociável, não tendo cada qual vida própria; é, portanto, uma
contratação única, complexa e indivisível.

No trato dos contratos atípicos, uma questão de notória importância é da


necessidade de se impor limites à liberdade das partes quando da celebração desses ajustes.
Em razão do fato dos contratos atípicos resultarem, por sua própria natureza, da
livre manifestação da vontade das partes, não raras são as vezes em que uma das partes é
colocada em posição de inferioridade na contratação, suportando o cumprimento de cláusulas
flagrantemente leoninas.

5
Como bem pondera o Prof. Álvaro Villaça (op. cit., p. 142),
a lei necessita fixar moldes gerais para os contratos atípicos, a fim de que a liberdade
privada não vá além de seus limites.
A liberdade há que condicionar-se, emoldurando-se na lei, para ser liberdade
condicionada, não ser liberdade escravidão, instrumento dos que atuam de má-fé, em
detrimento da própria sociedade.

E prossegue:
O acanhamento de nossa legislação, no campo dos contratos típicos e atípicos, choca
ante a intensidade da liberdade privada, que se nos coloca pela frente no âmbito
contratual.
É verdade que a convenção faz lei entre as partes, mas a própria lei há que conter os
limites dessa livre estipulação privada no sistema contratual, para que não fique esse
sistema ao arbítrio das convenções, sem a indispensável intervenção do Estado, para
diminuir, cada vez mais, os abusos, a fim de que, assim, se realize o fim do Direito,
que é a Justiça, depois da Ordem e Segurança sociais (AZEVEDO, op. cit., p. 144).

Preocupado com o excesso de liberdade conferido às partes nos contratos


atípicos, o citado autor vem defendendo há vários anos a inclusão no ordenamento jurídico
brasileiro de uma teoria geral dos contratos atípicos, para que, desta forma, a liberdade das
partes na contratação não se manifeste sem peias(7).
Tem ele como tímida a disciplina dos contratos atípicos no art. 425 do Código
Civil de 2002, que, como mencionado, dispõe que “é lícito às partes formular contratos
atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código”.
E de fato lhe assiste razão. Todavia, resta claro que outra não pode ser a
interpretação do dispositivo senão a de que se aplicam aos contratos atípicos os princípios
gerais de direito contratual, entre os quais os inovadores princípios da vedação à onerosidade
excessiva, o da boa-fé objetiva e o da função social do contrato, estes últimos, como se
mencionará a seguir, verdadeiras cláusulas gerais(8). Sem se olvidar, evidentemente, que as
contratações atípicas são válidas, ante o princípio da autonomia da vontade, desde que não
contrariem a lei, a ordem pública, os bons costumes e os princípios gerais de direito.

(7)
Nesse sentido, o Prof. Villaça acabou por formular um “Esboço de Anteprojeto de Lei para regulamentação
geral dos contratos atípicos”, em que elenca normas de caráter geral que visam a coibir os excessos de liberdade
nocivos ao equilíbrio econômico dos contratantes nos contratos atípicos.
(8)
O Prof. Álvaro Villaça Azevedo, reconhecendo a necessidade de aplicação aos contratos atípicos das três
inovações em matéria contratual, trazidas pela teoria geral dos contratos do Código Civil de 2002 - todas
analisadas no item 3 trabalho -, a elas faz alusão no art. 4º de seu “Esboço de Anteprojeto de Lei para
regulamentação geral dos contratos atípicos”, cuja redação é a seguinte: Art. 4º. “As partes devem utilizar-se do
contrato atípico, segundo sua função social, observando os princípios da boa-fé objetiva, desde o momento
anterior à formação do contrato até o posterior a sua extinção; o princípio da igualdade entre as partes
contratantes, e, principalmente, o da onerosidade excessiva para que não exista enriquecimento injusto ou
indevido”. AZEVEDO, op. cit., p. 195.

6
3. A boa-fé objetiva, a função social do contrato e o princípio da proibição da
onerosidade excessiva: inovações da teoria geral dos contratos do Código Civil de 2002
de aplicação indispensável aos contratos atípicos

Como mencionado, para que a liberdade de contratação não se manifeste de


forma lesiva a uma das partes contratantes, há a necessidade de se impor limites à autonomia
da vontade das partes.
A imposição desses limites é papel do qual não se pode afastar o Poder
Judiciário.
O legislador de 2002, graças ao espírito socializador da Comissão Elaboradora
do Código Civil, aquinhou o aplicador do direito com ferramentas poderosas para o exercício
desse mister.
Três dessas ferramentas são os princípios da boa-fé objetiva, da função social
do contrato e da vedação à onerosidade excessiva, aos quais, de maneira inovadora, o
legislador fez expressa referência nos arts. 421, 422 e 478 do Novo Código Civil.
Analisemos uma a uma essas três grandes inovações da teoria geral dos
contratos da nova codificação, de indispensável aplicação aos contratos atípicos.

3.1. A boa-fé objetiva

Na tradição do direito brasileiro, é conotada à expressão "boa-fé" a sua acepção


subjetiva, assim constando do revogado Código Civil de 1916, entre outras passagens, nas
normas dos artigos 221, caput e parágrafo único, e 490, caput e parágrafo único.
Contudo, a norma do art. 422 do Código Civil de 2002 trata da boa-fé em sua
acepção objetiva.
A boa-fé subjetiva denota estado de consciência ou convencimento individual
da parte de estar obrando em conformidade com o Direito. Diz-se subjetiva justamente
porque, para a sua aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito da relação
jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção. Contrapõe-se à boa-fé subjetiva a má-
fé, também considerada subjetivamente como a intenção de lesar a outrem.

7
A boa-fé objetiva traduz-se em um modelo de conduta social, arquétipo ou
standart jurídico segundo o qual, “cada pessoa deve ajustar a sua própria conduta a esse
arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com honestidade, lealdade, probidade”(9).
A boa-fé objetiva, que constitui uma grande inovação do Código Civil de 2002,
contemplada em seu art. 422, não se trata propriamente de um princípio, mas sim de uma
cláusula geral.
A cláusula geral, na lição de Prof.ª Judith Martins-Costa(10),
constitui uma disposição normativa que utiliza, no seu enunciado uma linguagem de
tessitura intencionalmente “aberta”, “fluida” ou “vaga”, caracterizando-se pela
ampla extensão de seu campo semântico. Esta disposição é dirigida ao juiz de modo
a conferir-lhe um mandato (ou competência) para que, à vista dos casos concretos,
crie, complemente ou desenvolva normas jurídicas, mediante o reenvio para
elementos cuja concretização pode estar fora do sistema; estes elementos, contudo,
fundamentarão a decisão, motivo pelo qual não só resta assegurado o controle
racional da sentença como, reiterados no tempo fundamentos idênticos, será
viabilizada, através do recorte da racio decidendi, a ressistematização destes
elementos, originariamente extra-sistemáticos, no interior do ordenamento jurídico.

O advento das cláusulas gerais nas codificações modernas surgiu para se


contrapor à rigidez das codificações oitocentistas, de elaboração casuística, a cujo modelo
seguiu o revogado Código Civil de 1916.
Tais codificações buscavam contemplar nas suas disposições todos os fatos da
vida, de forma que ao intérprete caberia tão-somente aplicar a vontade da lei ao caso concreto,
pelo conhecido método de subsunção.
Com a inclusão de claúsulas gerais no Novo Código Civil brasileiro,
possibilitou o legislador ao magistrado a solução de cada caso concreto, levando-se em conta
não somente conceitos e princípios contidos no Código Civil, mas também os de outros
sistemas, como os expressos na Constituição Federal e nas inúmeras leis esparsas, estas
últimas modernamente chamadas de microssistemas.
Com efeito, o enunciado das cláusulas gerais, ao invés de traçar punctualmente
a hipótese e as suas conseqüências, é desenhado como uma “vaga moldura”, permitindo, pela
vagueza semântica que caracteriza os seus termos, a incorporação de princípios, diretrizes e
máximas de conduta originalmente estrangeiros ao corpus codificado, do que resulta,

(9)
WAYAR, Ernesto. in Derecho Civil - Obligaciones. Tomo I, p. 19. apud MARTINS-COSTA, Judith. O Direito
Privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no Projeto do Código Civil brasileiro. Jus
Navegandi, Teresina, abr. 2001. Disponível em <http://www.1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=513> Acesso
em: 07 jun. 2004.
(10)
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 335.

8
mediante a atividade de concreção desses princípios, diretrizes e máximas de conduta, a
constante formulação de novas normas.
Assim, a inclusão dessas cláusulas gerais suscitará mobilidade ao novo sistema,
tornando-o apto “a recolher e regular mudanças e criações supervenientes”, consoante
assentou o saudoso Prof. Josaphat Marinho, que foi relator do projeto de Novo Código Civil
quando este ainda tramitava no Senado Federal(11).
A boa-fé objetiva exprime um dever de conduta fundada na honestidade, na
retidão, na lealdade, e, principalmente, na consideração para com os interesses do outro.
Na seara contratual, a boa-fé objetiva concorre para determinar o
comportamento devido pelas partes contratantes, funcionando como um limite ao exercício de
direitos subjetivos.
Reza o art. 422 do Código Civil de 2002:
“Art.422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato,
como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

Com efeito, da boa-fé nascem, mesmo na ausência de regra legal ou previsão


contratual específica, os deveres de proteção, cuidado, previdência e segurança com a pessoa
e os bens da contraparte, de colaboração para o correto adimplemento do contrato; de
informação, aviso e aconselhamento, que devem permear não só as fases de conclusão e
execução dos contratos, mas também as fases pré e pós-contratual, consistindo em suma na
adoção de determinados comportamentos, impostos pela boa-fé em vista do fim do contrato,
dada a relação de confiança que o contrato fundamenta, ou seja, comportamentos variáveis de
acordo as circunstâncias concretas da contratação, que deverão ser definidas pelo Poder
Judiciário quando da análise do caso concreto.
Assim, cabe ao magistrado, no caso concreto, a aplicação da cláusula geral de
boa-fé objetiva, concretizando o enunciado do art. 422 do novo Código Civil por meio da
aplicação de preceitos, máximas de conduta e princípios presentes não só no próprio Código
Civil, mas também em outros diplomas legais, inclusive na própria Constituição Federal.

3.2. A função social do contrato

(11)
BRASIL. Parecer Final do Relator ao Projeto do Código Civil. Senado Federal. Brasília, DF, 8 dez. 1999.
Disponível em <http://www.senado.gov.br/pareceres leis/leis asp?Id=LEI%209887>. Acesso em: 22 mai. 2004.

9
Dispõe o art. 421 do Novo Código Civil brasileiro:
“Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função
social do contrato”.

Esta norma, aposta no pórtico do Direito dos Contratos do Código Civil de


2002, constitui a expressão, no específico domínio contratual, do valor constitucional
expresso como garantia fundamental dos indivíduos e da coletividade, insculpido no art. 5º,
inciso XXIII, da Carta Constitucional de 1988, uma vez que o contrato tem, entre outras
funções, a de instrumentalizar a aquisição da propriedade. Se a esta já não é mais reconhecido
o caráter absoluto e sagrado de outrora (quando era tida como direito natural e inviolável do
indivíduo), correlatamente ao contrato inflete o reconhecimento de que ele desempenha na
vida social função que transpassa a esfera dos meros interesses individuais.
A atribuição de uma função social ao contrato é reflexo do fenômeno,
verificado nas últimas décadas, de funcionalização dos direitos subjetivos.
Em razão desse fenômeno, o poder subjetivo de contratar e a forma de seu
exercício são afetados pela funcionalização, que indica a atribuição de um poder tendo em
vista certa finalidade, ou a atribuição de um poder que se desdobra como dever, posto que
concedido para a satisfação de interesses não meramente próprios ou individuais, mas também
dos interesses alheios ou meta-individuais.
Com efeito, o contrato, consoante frase dita e constantemente repetida na
doutrina, é “a veste jurídica das operações econômicas”, de modo que constitui sua função
primordial instrumentalizar a circulação da riqueza, atual ou potencial, de um patrimônio para
outro. A constituição econômica de uma sociedade, efetivamente, não é matéria de interesse
individual ou particular, mas atinge e interessa a todos. Sendo assim, o contrato, “veste
jurídica da circulação de riquezas”, tem, inegavelmente, função social.
A função social do contrato foi inserida no Código Civil de 2002 não como
mero princípio, mas, assim como a boa-fé objetiva, como verdadeira cláusula geral, com a
função precípua de restringir a liberdade contratual absoluta, típica das codificações do século
XIX, que, como é cediço, inspiraram o legislador do revogado Código Civil de 1916.
O Prof. Miguel Reale, em excelente publicação, ressaltando o espírito de
socialidade de que está imbuído o Novo Código Civil, destacou a importância da cláusula
geral da função social do contrato para a operacionalidade da “prevalência do coletivo sobre o
individual”, noção que inspirou os trabalhos da Comissão Elaboradora do novo diploma
legislativo, a qual, como mencionado, foi por ele presidida:

10
O princípio da função social, que proclamado na Constituição, aí poderia
permanecer como “letra morta”, transforma-se em instrumento de ação no plano da
lei civil(12).

Entretanto, consoante ressaltou a Prof.ª Judith Martins-Costa, a claúsula geral


da função social do contrato não exerce somente uma função restritiva - condicionando ou
colocando limites à liberdade contratual -, mas também uma função reguladora da disciplina
contratual, devendo ser utilizada na interpretação, na integração e na concreção das normas
contratuais particularmente consideradas, exemplificando:
a cláusula poderá desempenhar, no campo contratual que escapa à regulação
específica do Código de Defesa do Consumidor, funções análogas às que são
desempenhadas pelo art. 51 daquela lei especial, para impedir que a liberdade
contratual se manifeste sem peias. Na sua concreção, o juiz poderá, avaliadas e
sopesadas as circunstâncias do caso, determinar, por exemplo, a nulificação de
cláusulas contratuais abusivas, inclusive para o efeito de formar, progressivamente,
catálogos de casos de abusividade (MARTINS-COSTA, op. cit., p. 353).

Assim, de indiscutível mérito foi a inclusão da cláusula geral da função social


do contrato no novo Código Civil, haja vista que a liberdade de contratar, modernamente,
deixou de um direito subjetivo absoluto. Muito pelo contrário, o contrato, como instrumento
de circulação de riqueza, interessa não só a uma pessoa, ou a um grupo delas, mas a toda
coletividade.

3.3. O princípio da proibição da onerosidade excessiva

Passada a fase do esplendor individualista - final do séc. XVIII e todo séc. XIX
-, convenceram-se os juristas de que a economia do contrato não poderia ser confiada ao puro
jogo das competições particulares.
Deixando de lado outros aspectos, e encarando o negócio contratual sob a
óptica de sua execução, verificaram que, vinculadas as partes aos termos da avença, são
muitas vezes levadas, pela força incoercível das circunstâncias externas, a situações de
extrema injustiça, conduzindo o rigoroso cumprimento do ajustado ao enriquecimento de uma
e ao sacrifício da outra.
Percebendo que este desequilíbrio na economia do contrato afeta o próprio
conteúdo da juridicidade, entenderam os juristas que não se deveria permitir a execução rija

(12)
REALE, Miguel. Visão Geral do Novo Código Civil. Jus Navegandi, Teresina, abr. 2002. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2718>. Acesso em: 15 jun. 2004.

11
do ajuste, quando a força das circunstâncias ambientes viesse a criar um estado contrário ao
princípio da justiça no contrato.
Assim, em virtude das injustiças que tais circunstâncias supervenientes à
contratação estavam acarretando à justiça contratual, que ressurgiu um princípio que a
desenvoltura individualista havia relegado ao abandono: o princípio da vedação à onerosidade
excessiva.
Referido princípio nasceu entre os juristas da Idade Média, que baseados em
um texto de Neratius, que versava sobre a aplicação da teoria da condictio causa data causa
non secuta, assentaram que o contrato deveria ser cumprido no pressuposto de que se
conservassem imutáveis as condições externas existentes quando da contratação; mas, se por
outro lado, houvesse alterações nestas condições, a execução deveria ser igualmente
modificada (contractus qui habend tractum sucessivum et dependentian de futuro rebus sic
stantibus intelliguntur)(13).
O princípio da vedação à onerosidade excessiva é decorrência da teoria que,
surgida entre os romanos da Idade Média, se tornou conhecida como teoria da imprevisão(14).
A teoria da imprevisão presume que nos contratos comutativos há presente uma
cláusula, denominada cláusula rebus sic stantibus, que não se lê expressa, mas figura
implícita, segundo a qual os contratantes estão adstritos ao cumprimento rigoroso do
convencionado, no pressuposto de que as circunstâncias ambientes se conservem inalteradas
no momento de sua execução, idênticas às que vigoravam no momento da formação do
vínculo contratual.
Ocorre que, com o passar dos anos, a teoria da imprevisão acabou por ser
deixada de lado, em virtude das correntes individualistas que emergiram, que a consideravam
uma afronta ao princípio da obrigatoriedade dos contratos (pacta sunt servanda).
No Brasil, sempre houve certa resistência por parte da doutrina e dos pretórios
em aplicar o princípio da vedação à onerosidade excessiva, pois não havia disposição
expressa na lei civil que autorizasse sua aplicação.
Consoante narra Caio Mário da Silva Pereira (1995, p.100):
A primeira palavra francamente favorável à tese, entre nós, foi de Jair Lins,
como desenvolvimento da teoria da vontade do negócio jurídico. Mas, em
princípio, a resistência de nossos tribunais foi total. Em 1930, veio a lume
famoso julgado de Nélson Hungria, abrindo a porta do pretório às novas
(13)
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 10.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 98.
(14)
A cláusula rebus sic stantibus entrou no direito moderno como teoria da imprevisão (bastante difundida no
Brasil por Arnoldo Medeiros da Fonseca), teoria da base do negócio jurídico (Karl Larenz), e teoria da
superveniência (Osti). PEREIRA, op. cit., p. 99.

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tendências do pensamento jurídico. E, depois deste, diversos outros
surgiram, ora admitindo em casos especiais a sua aplicação, ora aceitando-a
em linhas estruturais generalizadas.

Resta a esperança de que, já nos primeiros anos de vigência do Código Civil


atual, tal resistência deixe de existir de uma vez por todas, visto que os arts. 478 a 480 do
referido diploma consignam expressamente o princípio da vedação à onerosidade excessiva,
determinando que se resolva o ajuste ou diminuam-se as prestações naqueles contratos em que
eventos supervenientes acarretem ônus excessivo para um dos contratantes.
Embora grande parte da doutrina entenda que a aplicação do princípio da
vedação à onerosidade excessiva só tem cabimento naqueles contratos em que as prestações
de cada uma das partes estejam pré-definidas - contratos comutativos-, a nosso ver, referido
princípio deve também ser aplicado, ainda que de maneira relativizada (analisando-se cada
caso concreto), aos contratos aleatórios, quando circunstâncias, totalmente imprevisíveis às
partes no momento da contratação, acarretarem notório enriquecimento a um dos contratantes
e demasiado ônus ou prejuízo ao outro.
Para que seja aplicado o princípio da vedação à onerosidade excessiva,
restabelecendo-se o necessário equilíbrio entre as partes contratantes, devem estar presentes
alguns requisitos: a) vigência de um contrato de execução diferida ou sucessiva; b) alteração
radical das condições econômicas objetivas no momento da execução, em confronto com o
ambiente objetivo no momento da celebração; c) onerosidade excessiva para um dos
contratantes e benefício exagerado para o outro; e d) imprevisibilidade daquela modificação.
Sendo assim, a aplicação do princípio da proibição da onerosidade excessiva
pelo juiz, quando a ele submetidos casos em que se observem os requisitos acima elencados,
acarretará a resolução do contrato ou a modificação das prestações impostas ao contratante
prejudicado, sendo que os efeitos da sentença retroagirão à data da citação, nos termos do art.
478 do Código Civil de 2002.
O princípio da vedação à onerosidade excessiva é a última grande inovação do
Novo Código Civil analisada neste trabalho, e, sem dúvida, inserindo-se dentro da diretriz
socializadora que orientou os trabalhos da Comissão de 1975, representa grande instrumento
para se alcançar a justiça nos contratos.

4. Conclusão

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Os contratos atípicos surgiram em razão da proliferação das modalidades de
negócios na sociedade moderna, decorrendo diretamente da autonomia da vontade privada,
em razão da qual às partes é conferida ampla liberdade de regulamentação de suas avenças.
Ocorre, contudo, que tal liberdade encontra limites intransponíveis que devem
ser observados quando uma das partes é colocada em situação de nítida desvantagem na
contratação. Tal situação é verificada com muito maior freqüência nos contratos atípicos, que,
por não estarem previstos em lei, e, por conseqüência, sujeitos a normas legais balizadoras,
conferem às partes (especialmente para aquelas que obram de má-fé) um campo fértil para a
imposição de iniqüidades.
Infelizmente, o Código Civil de 2002 dedicou apenas um dispositivo aos
contratos atípicos (art. 425), que timidamente dispõe ser “lícito às partes a celebração de
contratos atípicos, desde que observadas as normas gerais fixadas neste Código”.
Por esta razão, outra não pode ser a interpretação do aludido dispositivo senão
a de que, nos contratos atípicos, devem ser observados os princípios da proibição da
onerosidade excessiva, da boa-fé objetiva e da função social do contrato, os dois últimos
inseridos no novel diploma como verdadeiras cláusulas gerais.
Referidos princípios, de maneira inovadora, foram expressamente mencionados
na parte geral dos contratos do Código Civil de 2002 (arts. 421, 422 e 478).
Sendo assim, ao aplicador do direito, cumpre o papel de aplicá-los com rigor e
destemor aos contratos atípicos, a fim de que a ampla liberdade que caracteriza esses ajustes
não se transforme em “liberdade escravidão”, instrumento de opressão ou de enriquecimento
indevido de uma das partes contratantes.

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