Sei sulla pagina 1di 232

Cris & Ted

Nos Anos da Faculdade

Eu Prometo

Robin Jones Gunn


Título original: I Promisse
Tradução de Cláudia Moraes de Faria Ziller
Editora Betânia, 2005
Digitalizado por deisemat
Revisado por deisemat
Cris & Ted

Nos Anos da Faculdade

Eu Prometo

Robin Jones Gunn

Para Todas as Cris que conheço.

Que suas promessas permaneçam para sempre.


1

Cris abriu os olhos e os fixou na cama vazia que ficava do outro lado do quarto escuro

do alojamento da faculdade. O visor digital do despertador mostrava 5:05h da manhã.

Katie passou a noite fora. Onde será que ela ‘tá?

Levantou-se, acendeu a lâmpada da cabeceira da cama e deu uma olhada para ver se a

colega tinha aparecido e deixado álbum bilhete enquanto ela estava dormindo. Nada.

De repente, Cris se deteve. Seu cérebro, ainda entorpecido àquela hora da manhã,

despertou. Lembrou-se de onde havia estado na noite anterior e de tudo que tinha acontecido.

A cafeteria Ninho da Pomba. Estava todo mundo lá. A turma toda.

Um sorriso tomou conta dos lábios dela enquanto os fatos Lhe voltavam à mente.

Não foi sonho. Ontem à noite Ted me pediu em casamento. E eu aceitei.

Abriu a cortina e fitou a paisagem. Os postes que cercavam o campus da Universidade

Rancho Corona cobriam com luz cinza-azulada o mundo por fora da janela. As palmeiras

perfiladas permaneciam em silêncio respeitoso, aguardando que o sopro familiar do vento que
vinha do deserto próximo as despertasse. Toda vez que o vento chegava, as palmeiras

dançavam, e alguma coisa dentro de Cris a impelia a acompanhá-las.

Mas hoje o coração dela não precisava ouvir o convite sussurrado pelas palmeiras para

entrar na pista de dança. Por dentro, Cris já estava girando e rodopiando.

Eu e Ted vamos nos casar!

O telefone tocou e Cris pulou para atender.

- Oi, tudo bem? disse uma voz profunda no outro lado da linha. Era a mesma que tinha

ressoado nos doces sonhos dela durante a noite toda.

- Oi, respondeu Cris baixinho, estava mesmo pensando em você.

- Conseguiu dormir?

- Um pouco. Acordei há uns dez minutos. Ted, a noite passada aconteceu mesmo? Você

me pediu em casamento?

- Pedi. E você aceitou, respondeu ele.

- É. Aceitei.

- É. Aceitou.

Cris fechou os olhos. O calor da voz dele a cobriu inteira.

- Passei a noite toda tocando violão, disse Ted. Estou compondo uma música.

- O que seu colega de quarto achou disso? Ou você passou a noite no hall de entrada do

alojamento?

- Só fiquei eu em minha ala. Todo mundo foi passar o Natal em casa.

Cris se lembrou da amiga desaparecida e perguntou:

- Você ouviu Katie comentar alguma coisa ontem sobre ir pra casa?

- Não.

- Achei que ela passaria o fim de semana aqui comigo, mas não apareceu até agora.

- Talvez tenha dormido no quarto da Selena. Ela já fez isso antes, não foi? lembrou Ted.
- É. Pode ser que ela tenha ido pra lá. Sei que não deveria me preocupar; ela é bem

grandinha e pode tomar conta dela mesma. Mas, quando se trata de Katie, nunca sei o que vai

acontecer daqui a um minuto.

- E o que você vai fazer agora? indagou ele. Que tal se encontrar comigo na capela pra

vermos o Sol nascer?

Cris riu ao sentir o brilho da espontaneidade na voz dele.

- Claro, estarei lá daqui a dez minutos.

Vestiu várias camadas de roupa, prevendo que lá fora estaria tão frio quanto parecia.

Parou apenas um instante na frente do espelho. O longo cabelo louro estava preso com um

grampo atrás da cabeça. Soltou-o e balançou a cabeça antes de dar uma rápida escovada nele.

Ted gostava do cabelo comprido. Ela sorriu. Dormira apenas quatro horas e meia, mas os

olhos azul-esverdeados brilhavam cheios de esperança radiante. As bochechas apresentavam

um brilho rosado e, quanto mais contemplava a si mesma, maior se tornava seu sorriso.

Então é esta a aparência de uma mulher apaixonada. Apaixonada e comprometida.

Noiva.

Após uma rápida passada pelo banheiro para lavar o rosto e escovar os dentes, Cris

cruzou o campus da Rancho Corona rumo à capela na beira da escarpa. Nos dias mais claros,

dava para avistar o Oceano Pacífico da trilha que corria no limite do terreno da universidade.

Naquela manhã, uma tênue neblina de inverno repousava sobre o solo enquanto Cris

atravessava a campina. Estaria enevoado demais para avistar a costa na hora em que o Sol

nascesse. Não fazia a menor diferença para ela. O que motivava sua pressa não era a vista do

vale. Ia se encontrar com seu amado, e não conseguia parar de sorrir.

A porta da capela estava aberta, e Cris entrou no calor gostoso da construção pequena e

silenciosa. Logo viu Ted ajoelhado no altar, de olhos fechados e a cabeça curvada.
Com o coração ainda disparado, foi na ponta dos pés até o altar. Ajoelhou-se ao lado do

Ted. O cabelo dele, curto e louro, estava molhado e exalava o perfume suave do sabonete. Ele

levantou a cabeça, e seus olhos azuis penetrantes se voltaram para ela. Cris percebeu

imediatamente que ela não tinha sido a única pessoa a passar a noite sorrindo. Parecia que a

covinha na bochecha direita dele havia se tornado um sinal permanente.

Nenhum dos dois falou. Os olhos se encarregaram da mensagem. Ajoelhados naquele

lugar, não havia necessidade de palavras nem de toques. Permaneciam em silêncio diante de

Deus e um do outro, falando com Deus, conversando um com o outro. De coração para

coração. De alma para alma.

Ted falou primeiro, uma oração de agradecimento. Pediu que Deus dirigisse os passos

que ele e Cris dariam e que os orientasse durante os preparativos para o casamento. Ele

terminou, e Cris se uniu a ele, dizendo: “Como quiseres”. Para os dois isso significava

“Amém”, ou “Que seja de acordo com a tua vontade”.

Ted se levantou e estendeu a mão para Cris:

- O que você acha de irmos tomar o café da manhã?

Cris sorriu. Ted passava com a maior rapidez do estado de espiritualidade intensa para o

de fome profunda.

- Claro, tenho o dia todo livre.

- Eu também.

De mãos dadas, saíram para a manhã fria. A luz do Sol atravessava a neblina, como

serpentinas estreitas cobertas de purpurina. A campina diante deles havia se tornado um

mundo encantado, iluminado por minúsculas gotas luminosas.

- É lindo demais, sussurrou Cris.

- Vamos nos casar aqui, disse Ted, avançando para a campina encantada.

Cris riu:
- O.k. Vai ser agora?

- Estou falando sério, disse Ted. Vamos fazer a cerimônia aqui.

Ele soltou a mão dela e, com gestos amplos, descreveu a cena que imaginava.

- Podemos colocar aqui um arco. É assim que chama aquele negócio que colocam para

os noivos? É redondo em cima e coberto com flores.

Cris assentiu.

- É, acho que você ‘tá falando de um arco, ou treliça, disse ela.

- Isso, vamos nos casar aqui, embaixo de um arco.

Ted parecia estar analisando o terreno.

- O que você acha? Dá pra colocar muitas cadeiras. Você pode esperar a hora da

cerimônia lá na capela. Quando começar a música, você vem pelo centro até aqui.

Ted pulou para um lugar que ficava bem em frente da capela e continuou:

- Colocamos o arco aqui. Você vem andando pelo centro, com um vestido branco e

algumas flores no cabelo, e eu fico esperando neste lugar.

O coração de Cris parecia flutuar.

- Lindo!

Ela presumira que se casaria em uma igreja, mas a campina era terreno santo,

exatamente como qualquer igreja, pensou. Em especial naquela manhã, naquele momento,

quando os olhos de Ted brilhavam e a névoa tremeluzente de luz celestial salpicava a

campina.

- É um lugar bonito pra uma cerimônia noturna, disse Cris. As pessoas sentiriam calor

demais aqui numa tarde de verão.

Ted parou e voltou-se para Cris.

- Verão?
- Você não acha que todo mundo sentiria calor à tarde, sem um toldo? Acho que as

noites de agosto são muito belas.

- Agosto? repetiu Ted. Você ‘tá pensando em nos casarmos no próximo verão?

- Claro. Até lá nós dois teremos nos formado, teremos tempo pra planejar tudo e...

- Quero me casar antes disso, disse Ted.

- Antes? Quanto antes?

- Não sei. O Natal é na semana que vem. Depois, temos a viagem missionária para o

México com o grupo de jovens. O que você acha do segundo final de semana de Janeiro?

Cris riu, mas Ted, não.

- Ted, não dá pra nos casarmos daqui a três semanas!

- Por que não?

- Temos de preparar tudo! Ainda não temos lugar pra morar, não compramos alianças

nem mandamos fazer os convites. Preciso encontrar um vestido que me agrade, e...

- Você é uma excelente planejadora, Cris. É o que você faz de melhor. Temos os

feriados do Natal pra adiantar os preparativos.

- Não temos, não. Esqueceu que vamos para o México depois do Natal? E não

acabamos de preparar nem a viagem ainda.

- Certo. Então o que você acha da terceira semana de Janeiro? Ou a última, logo depois

da minha formatura.

Cris sentiu o pânico crescer dentro dela.

- Ted, não há a menor possibilidade de conseguirmos organizar uma cerimônia de

casamento em um mês. Todo mundo vai pensar que temos de nos casar.

A voz veio calma e tranquilizadora quando ele estendeu a mão para pegar a dela.

- Eu, você e todo mundo sabemos que isso não é verdade. É esse o problema? O que as

outras pessoas vão pensar?


Cris apertou mais a mão de Ted e se esforçou para acalmar as emoções tumultuadas.

- Não, não estou preocupada com o que os outros vão pensar. É que eu gostaria que

nosso casamento fosse muito especial, preparado com cuidado. Quero ter tempo pra planejar

tudo com você e não gostaria de me sentir empurrada às pressas até o altar. Faz sentido?

Ted se inclinou e colocou um beijo carinhoso no rosto dela.

- Sim. Faz sentido. Você ‘tá tentando me dizer que Janeiro é cedo demais.

- Isso. Cedo demais.

Cris envolveu-o com os braços e descansou a cabeça no ombro dele. Sua respiração foi

voltando ao normal. Gostou da idéia de se casarem naquela campina. Imaginava os dois no

mesmo lugar em que estavam agora, em uma noite fresca de agosto do ano seguinte. Ted se

afastou para olhar no rosto dela.

- Então, se Janeiro não dá, em que mês você ‘tá pensando? Fevereiro?

- Não. Continuo achando que o melhor é agosto.

- Agosto! Ted riu. Não precisamos de oito meses pra preparar um casamento!

- Precisamos, sim.

- Março. Ted esticou o braço e a segurou longe dele. Na Páscoa. Clima perfeito. Você

estará quase se formando.

- A Páscoa é em abril.

- Tudo bem. Que seja abril. Mas não agosto. Abril. Quero me casar com você, Cris.

Quero estar com você, desejo começar nossa vida juntos. Esperamos muito tempo por isso.

- Nós dois esperamos, Ted. Pensamos e oramos durante quase seis anos. Oito meses

passam voando. Podemos esperar até agosto.

Ted percorreu a campina com o olhar. O Sol já nascera e agora lançava a luz filtrada

pela neblina, refletindo nas gotículas de orvalho que cobriam o capim, transformando-as em
minúsculos diamantes. Parecia que as estrelas haviam caído do céu e espalhado aos pés deles

por toda a campina, criando constelações em miniatura.

Cris observou que Ted levava o queixo para frente e parecia processar tudo com

determinação. Ele era o verdadeiro Sr. Tanto Faz, “cuca fresca” em quase tudo. Meses antes,

dissera a ela que não tinha experiência com festas de aniversário e comemorações familiares.

Estava evidente que sabia ainda menos sobre preparativos para o casamento.

- Acredite em mim, Ted, disse Cris, baixinho, abril é cedo demais.

- É? Bem, e eu digo que agosto é tarde demais. Dá pra encaixar um casamento antes do

verão. Sei que conseguimos.

- Por que encaixar? Por que não esperamos até eu me formar e nos casamos em junho?

perguntou Cris. A campina estará linda em junho.

Ted balançou a cabeça.

- Em junho não dá. Parece que em junho vou ter de começar a trabalhar em tempo

integral na igreja. Não será possível me afastar uma semana, para a lua-de-mel.

- Mas, se você conversasse com eles desde já e explicasse tudo...

Ted se voltou para ela, perplexo.

- Sabe de uma coisa? Não quero conversar sobre isso agora. Vamos comer alguma coisa.

Pegou a mão dela e se dirigiu para o estacionamento.

Cris reparou que o Sol havia atravessado as nuvens matutinas que antes se espalhavam

sobre a campina. O campo reluzente de diamantes evaporara, deixando uma longa superfície

de capim ressecado pelo inverno. O mundo que os cercava deixara de ser encantado.

É isso que acontece quando um encontro feito no céu tenta andar na Terra? Como a

magia reluzente desapareceu tão depressa?


Ted permaneceu imerso em seus pensamentos enquanto os dois se dirigiam para a

cidade na perua Volvo. Cris dizia a ela mesma que deveria ter sido mais espontânea quando os

dois estavam sonhando em voz alta sobre a data do casamento.

Poderia ter concordado com Janeiro ou com qualquer outro mês. Assim que ele se

defrontasse com os detalhes, iria mudar de idéia e aceitar uma data mais realista. Agora é o

momento de ser sonhadora, e não prática.

- Parece que aquele restaurante ‘tá aberto, disse Cris.

Ela apontou para um café no caminho em que eles seguiam. Queria entrar e conversar

sobre os planos do casamento enquanto comiam com tranquilidade. Dessa vez, sonharia mais

e seria menos prática.

- Estava pensando em comer burritos, disse Ted. Você se importa se formos até o

Roland, no drive-thru?

- Acho que não tem nenhum Roland por aqui.

- Conheço um que fica perto da casa do Douglas e da Trícia, na praia.

- É longe. Tem certeza de que quer ir até lá antes de comer?

- Não me importo, disse Ted. Você acha ruim?

Pare de ser prática em todas as situações! Limite-se a concordar pelo menos uma vez.

- Certo, pra mim Roland vai bem.

Embora eu ache muito esquisito andar tanto só pra comer um certo tipo de fast-food.

- O que você acha de prepararmos a viagem para o México? perguntou Ted.

- Como assim?

- Podemos começar a planejar enquanto vamos para Carlsbad.

- Você não quer mais conversar sobre a data do casamento?


- Agora, não. Acho que tem um bloco de anotações no banco de trás. E deve ter uma

caneta no porta-luvas. Seria muito bom se organizássemos um pouco a viagem para o México.

Você pode fazer uma lista, como fizemos para o acampamento no deserto?

Cris encontrou o bloco e a caneta. Escreveu México em letras grandes, no topo da

primeira página.

- Precisamos de barracas, disse Ted. Anote aí, por favor. E também é bom levar lonas

impermeáveis para o caso de chover.

Ele prosseguiu falando os itens necessários, que ela foi anotando. Escrevia com força, as

letras pareciam estar com raiva.

Gostaria de saber por que você consegue ser prático quando se trata da viagem ao

México, Ted, e não consegue ser realista pra marcarmos a data do nosso casamento.

Quanto mais conversavam, mais longa se tornava a lista. Ted demonstrava surpresa toda

vez que Cris lembrava de mais um elemento necessário, como atestados médicos e

autorização dos pais para os adolescentes cruzarem a fronteira.

Ela queria dizer:

“’Tá vendo? Todo evento requer planejamento detalhado. Ainda mais um fato

importante como um casamento.”

Mas não falou nada. Só expressou sua frustração através da força com que escreveu as

palavras que preencheram duas páginas do bloco.

Assim que deixaram a estrada e entraram em Carlsbad, que ficava à beira-mar, Ted

abriu a janela do carro. Aparentemente, sentia necessidade de encher os pulmões de ar salgado

vindo do oceano. Cris também apreciou o ar fresco. As emoções dela estavam descontroladas,

como um avião que cai em parafuso rumo ao solo.


Onde foi parar a paixão que senti pelo Ted hoje de manhã? Por que não conseguimos

passar o dia todo sonhando com nosso futuro? Será que estraguei tudo por não ser

espontânea quando ele estava falando sobre os sonhos dele?

- Ei, como vai, tudo bem? perguntou Ted ao alto-falante à entrada do drive-thru. Quero

quatro burritos e dois sucos de laranja grandes.

Ele se voltou para Cris e perguntou:

- O que você vai querer?

Ela tentou enxergar o menu ao lado da janela de Ted, mas o braço dele a atrapalhava.

- Eles tem torradas?

- Torradas? perguntou ele, como se nunca tivesse ouvido alguém falar desse alimento

antes.

- Deixa pra lá. Vou querer um sanduíche de queijo e ovo e um copo de leite.

Ted repetiu o pedido dela para o alto-falante e fechou a janela do carro.

- ‘Tá tudo bem com você? perguntou Ted.

Ela colocou o cabelo atrás das orelhas e olhou para o belo rosto dele. Como posso

explicar a você os sentimentos intensos que estão brigando dentro de mim há uma hora?

Estou com medo porque, se disser alguma coisa, depois posso me arrepender e ficar

arrasada por fazer um cavalo de batalha à toa.

- Estou bem, disse Cris, baixinho.

Ted pagou ao funcionário na cabine e entregou o lanche para Cris. Ela ia perguntar se

ele queria estacionar o carro para lancharem, mas ele virou à esquerda na rua principal. Ela

sabia bem aonde iam. Havia, na natureza, um chamado ao qual Ted jamais conseguia resistir:

o do mar. Estavam a menos de dois quilômetros do local onde as águas azuis do Oceano

Pacífico alcançavam a costa da Califórnia. Cris sabia que deveria ter adivinhado ser esse o
motivo que os levara tão longe para comer burritos no café da manhã. Ted queria fazer a

primeira refeição deles como casal comprometido na praia.

Só que ele não se dirigiu para a praia. Voltou para a estrada.

- Vamos voltar pra universidade? perguntou Cris.

- Não. Só pensei que podíamos dividir nosso café da manhã.

Dividir? O que ele quer dizer com isso?

Ted parou o carro à beira da pista, sob o viaduto na estrada, e pegou um dos sucos de

laranja.

- Você pega pra mim dois burritos? perguntou a Cris.

Então, deixando o motor ligado, saltou do carro e levou o lanche para um mendigo que

estava encolhido sob uma caixa de papelão desmontada. Ela nem havia reparado no homem

na hora em que deixaram a estrada, mas Ted, obviamente, o tinha visto.

Cris observou Ted sorrir e entregar o lanche ao homem surpreso. O coração dela bateu

um pouco mais depressa. Um pensamento inquietante pousou sobre ela, como uma sombra

agourenta. Vou passar o resto da vida com um homem impulsivo, com atitudes inesperadas.

Nunca vou saber aonde estamos indo nem o que vamos fazer nem com quem vamos

compartilhar as refeições. Nada em nossa vida será previsível, em ordem, firme nem certo.

Engoliu em seco. Ted correu de volta para o carro, ostentando um largo sorriso de

contentamento. Ela se esforçou para colocar no rosto um sorriso de boas-vindas, mas, no

coração, só conseguia pensar: Não sei se estou pronta pra isso.


2

Ted fez a volta com o carro e se dirigiu para a praia, onde estacionou. Pegaram o lanche

e foram até uma pedra grande e lisa. Cris comeu devagar, com os olhos fixos no oceano

infinito que se estendia diante deles. Sentia que Ted a observava, mas, como haviam se

assentado juntos muitas vezes contemplando o mar sem trocar palavras, o silêncio era familiar

e exerceu sobre ela um efeito tranquilizador. Guardando metade do sanduíche, que não quis

comer, respirou profundamente.

- Você se assustou? perguntou Ted, estendendo o braço e passando os dedos pelo rosto

dela.

- Com o quê?

- Casamento. Pra ser mais específico, casamento comigo.

Irritada com a facilidade com que ele lia os pensamentos dela, Cris disfarçou:

- Por que você pensa que estou com medo?

Ted passou o dedo pelo contorno da orelha dela e não respondeu. Cris sabia que ele

estava esperando que ela falasse.

- Pensamos de forma diferente, disse ela de repente.

- Não pensamos, não.

Cris apoiou o rosto frio na mão quente dele. Resolveu avançar e lançar alguns

sentimentos duvidosos na rede que ele segurava com paciência nas águas profundas do

coração dela.

- Ted, estou com medo de ser muito difícil nos casarmos.


- Ãhã.

- Nós dois teremos de fazer ajustes imensos. Somos opostos em muitos aspectos.

- Ãhã.

- Sua postura diante da vida é diferente da minha. Você enxerga as coisas por outro

ângulo. Não penso do mesmo jeito que você.

- Isso é bom. Ted segurou o cabelo dela. Não considero essas diferenças um problema.

- Claro que não! É isso que estou dizendo. O que é importante pra mim é desprezível

pra você.

- Creio que seja bom sermos diferentes, disse Ted. Vamos dar equilíbrio um ao outro.

- Eu acho que isso vai trazer muitas dificuldades pra nós.

Ted pegou uma grande mecha do cabelo dela e esfregou a ponta nos lábios.

- Ted, não sei se nos conhecemos tão bem quanto pensamos que conhecemos. Temos à

nossa frente uma porção de acertos a fazer.

- E a vida toda pra trabalhar nisso.

Ted a puxou para si, até que a cabeça dela encostou no ombro dele. Prosseguiu com voz

calma:

- Descobrir coisas sobre o outro e fazer os acertos necessários fazem parte do que torna

um relacionamento vivo e sempre crescente. Espero ansioso por essa porção do nosso futuro.

- Eu não. Cris ouviu ela mesma dizer. Acho que cada um de nós vai tirar o outro do

sério. Sou determinada demais a organizar tudo e você é tão espontâneo, tão, tão...

imprevisível.

- É, acho que sou mesmo. Do que foi que a Katie me chamou um tempo atrás, naquele

nosso acampamento?

- Você ‘tá falando daquela vez em que você levou cabides de plástico e não de metal,

porque não percebeu que eu queria usá-los pra assar marshmallows?


Ted fez sinal afirmativo com a cabeça.

- Katie disse que você sofria de “deficiência de detalhes”.

Ted riu.

- Foi isso mesmo. E Mark disse que era errado discriminar os deficientes.

Ele puxou a cabeça de Cris até encostá-la no ombro dele.

- Sabe o que eu penso? perguntou Ted. Que todos sofremos de deficiências, temos áreas

em que somos limitados. Você me ajuda onde sou fraco e eu a ajudo onde você precisa. É isso

que nos torna fortes quando estamos juntos.

Cris passou o braço pela cintura de Ted e se aconchegou nele. Com um suspiro, disse:

- Não sei, Ted. Espero que você tenha razão. Katie diz que sofro de “mania de

arrumação”, que tenho de ter tudo no lugar o tempo todo pra ser feliz.

Ted riu novamente.

- Você acha que ela ‘tá certa?

Cris afastou-se um pouco e olhou direto nos olhos de Ted.

- O que eu acho, Kilikina, é que Deus nos uniu pra eu aprender com você a ter disciplina

na vida espiritual e você aprender comigo a alegria de andar pela fé. Fomos feitos um para o

outro.

Cris pegou a mão de Ted, levou-a aos lábios e beijou-a três vezes, uma para cada

cicatriz que ficou depois do grave acidente de carro em que ele quase morrera no outono

anterior.

- Espero que você tenha razão, disse ela.

- Tenho.

Ted riu. Levantou a mão esquerda da Cris e passou seus dedos calejados pela ponta dos

longos dedos dela.


- Você queria que eu tivesse te dado um anel ontem à noite, na hora em que pedi pra

você casar comigo?

- Não.

- Tem certeza? Perguntei ao meu pai se tinha de comprar um anel pra você antes de

fazer o pedido. Ele disse que provavelmente você iria preferir escolher de acordo com seu

gosto. Douglas me disse ontem que aqui em Carlsbad tem uma joalheria muito boa, onde ele

comprou o anel da Trícia. Fica aqui perto. Pensei que a gente podia dar uma passada lá agora

de manhã, pra olhar o que eles têm.

Cris se afastou e examinou a expressão no rosto do Ted.

- Foi por isso que viemos até Carlsbad pra comer burritos no café da manhã? Você

estava querendo comprar um anel pra mim?

- Foi, respondeu Ted, sorrindo.

Ela fechou os olhos e balançou a cabeça.

- O que foi?

- Ted, você sabe que pode me informar essas coisas com antecedência, não sabe? É que

teria sido muito bom pra mim saber o motivo que nos trouxe até aqui.

- Tudo bem, na próxima vez eu falo antes. Viu? Já estamos aprendendo a nos ajustar um

ao outro.

Ted ajudou-a a se levantar, e os dois se dirigiram de mãos dadas para o estacionamento.

Cris sentiu seu coração se aquecer enquanto eles iam para uma parte mais antiga de Carlsbad.

Tinha lembranças muito agradáveis de uma joalheria que ela e Ted havia visitado no último

verão, em Veneza, na Itália. O proprietário era tio de um amigo deles, e a loja era, sob todos

os aspectos, a mais elegante em que Cris já havia entrado, inclusive com guarda uniformizado

na porta e lustres de ouro.


A joalheria de Carlsbad ficava entre uma confeitaria e uma livraria e não era, nem de

longe, opulenta como a de Veneza. Mas o aconchego do ambiente compensava o que faltava

em lustres dourados e guardas uniformizados. Ted segurou a porta para Cris e o aroma do pão

recém-assado na confeitaria ao lado entrou com eles na loja.

Imagens românticas de trocas de olhares acompanhadas de suspiros, enquanto ela

experimentava anéis de noivado, dançavam na mente de Cris.

- Bom dia! Ted saudou o homem que estava no fundo da loja. Podemos dar uma olhada?

- Claro. Se eu puder ajudar, basta me chamar. Meu nome é Frank.

Cris se sentiu como uma princesa quando Ted a conduziu até uma cadeira acolchoada

diante da primeira vitrine. Ele ficou em pé atrás dela e, inclinando-se, mostrou o maior anel,

que estava bem no meio da vitrine. Tinha um diamante grande no centro e três rubis de cada

lado.

- Olha aquele ali, disse Ted.

- É lindo. Mas acho grande demais, você não acha? Gosto de anéis menores e mais

simples. Como aquele lá. Cris apontou um anel de ouro liso, com um único diamante. Mas

não quero tão simples assim. Quero que meu anel seja único, sabe?

- Posso mostrar alguma coisa para vocês? perguntou o Sr. Frank, aproximando-se com

uma chave na mão.

- Estou em dúvida, respondeu Cris rapidamente.

- Vamos, experimente, disse Ted. Assim você descobre se gosta ou não.

O Sr. Frank esticou o braço dentro da vitrine e pegou o solitário de brilhante na caixa de

veludo acolchoada. Cris colocou o anel no dedo da mão esquerda. Ficou perfeito. O diamante

suspenso por quatro garras tinha um corte ousado. Sentiu que começava a suar nas mãos. Vira

o preço na etiqueta. Concluiu logo que o diamante deveria ser de qualidade excepcional e

sabia que nunca se sentiria à vontade com um anel tão caro.


- O que você acha? perguntou Ted.

O telefone tocou e o Sr. Frank, com um aceno educado, pediu licença e os deixou

sozinhos por alguns minutos. Ted se curvou e plantou um beijo nos lábios de Cris, que não

esperava por aquilo.

Levantando o queixo, ele voltou a perguntar:

- E aí, o que você acha?

Implicando com ele, ela imitou o gesto de levantar o queixo, marca registrada dele há

vários anos, e cochichou:

- Acho que você beija muito bem.

Ted segurou uma gargalhada. Colocou um dedo nos lábios e falou baixinho:

- Estou falando sério. O que você acha?

Cris piscou, com ar de inocência, e disse:

- Também falei sério. Acho que você beija muito bem.

Ted estendeu o braço e fez cócegas nela. Cris, para não explodir em gargalhadas,

apertou tanto os lábios que a boca começou a doer.

O Sr. Frank desligou o telefone. Enquanto voltava para onde eles estavam, Cris se virou

para Ted e sussurrou:

- Este anel é caro demais.

Ted segurou a mão dela e virou-a, para ver o preço na etiqueta.

- Tudo bem. Se você quiser este, a gente pode comprar. Não pense no preço.

- Não é só o prego, é o anel. O estilo. Nunca fui muito de usar anéis, mas sei que

gostaria que o meu fosse menor. Sem tantos enfeites. Diferente.

- Diferente? perguntou Ted.

O Sr. Frank ficou na frente deles e passou a apresentar mais detalhes sobre a clareza e o

tamanho do diamante.
- Todos estes anéis são modelos originais, feitos aqui mesmo por mim e pelo meu filho.

Cris tirou o anel do dedo e se esforçou para não rir ao sentir a mão de Ted em seu

ombro. Se ele escorregasse os dedos por baixo do cabelo e começasse a fazer cócegas em seu

pescoço, ela sabia que iria estourar em uma gargalhada.

- O senhor tem alguma coisa diferente? perguntou Ted, em voz controlada. Sem tantos

enfeites? E o que foi mais que você disse, Cris? Menor?

- Ah! O Sr. Frank aparentemente gostou do desafio colocado diante dele. Você não quer

o diamante tradicional. Talvez uma safira, ou um topázio azul, para combinar com seus lindos

olhos azuis. Temos tanzanitas muito belas.

Durante os quinze minutos seguintes, Ted se conteve para não fazer cócegas em Cris

enquanto ela experimentava vários anéis com outras pedras e ouvia amplas explicações do Sr.

Frank sobre cada uma. A cada novo anel, Cris imaginava outras opções. A mente dela

transbordou de idéia quando experimentou um anel de cores vivas, com uma opala azul

australiana. A pedra de um azul profundo, com lampejos de verde e violeta, lhe trouxe à mente

uma onda do mar. E isso a fez pensar em Ted e na primeira vez em que se viram, na praia de

Newport. Entretanto o anel era muito grande e tinha enfeites muito trabalhados, que não a

agradaram.

- O senhor tem algum outro, com esse tipo de pedra, mas menor? perguntou Cris. Ou até

completamente liso, como aqueles que só tem pedacinhos de diamantes?

- Acho que não. Mas, como disse, podemos fazer qualquer anel que você desenhar.

Cris estava pronta para desenhar seu anel imediatamente, mas deu uma olhada em Ted

antes de pedir papel e lápis. Ele fitava o nada, parecia ter chegado ao limite de sua resistência

para anéis e história da gemologia.

- O senhor já nos ajudou muito, disse Cris, sorrindo para o Sr. Frank. Muito obrigada

por sua atenção.


- Leve meu cartão. Se eu puder ajudar mais, não deixe de me telefonar.

- Muito obrigada, disse Cris.

- Tem certeza de que não quer experimentar mais nenhum anel? perguntou Ted; mas seu

tom foi um tanto educado demais.

Cris não conseguiu mais conter a gargalhada. Deu um risinho que ficou flutuando no ar,

como uma porção de bolhas de sabão.

- Gostaria muito, Ted, mas acho que já experimentei todos os anéis da loja.

Saíram, Ted com o braço na cintura dela, tentando fazer cócegas de novo.

- Coitado daquele homem! exclamou Cris. Ficou olhando pra nós como se fôssemos

muito novinhos e não soubéssemos o que estávamos fazendo.

- Pensei que ele estava olhando a gente daquele jeito porque sabia que nosso dinheiro só

dá pra comprar as balas de hortelã que estão naquele pratinho do lado da registradora.

- Elas são de graça, comentou Cris.

- De graça? Então vamos voltar e pegar umas.

Ted se virou, mas Cris agarrou o braço dele com as duas mãos e o puxou até o carro. O

comentário dele sobre não terem dinheiro a fez pensar.

- Como vamos pagar o anel e todo o resto? perguntou, assim que entraram no carro.

- Tenho um pouco de dinheiro guardado, falou Ted. Ele não ligou o carro, e olhou para

ela com atenção. Não é muito, mas meu alvo era guardar, antes de pedir você em casamento,

uma quantia que desse pra pagar o anel, o aluguel do smoking e os três primeiros meses de

aluguel. Consegui. Se não fosse isso, eu já teria pedido você pra se casar comigo há muito

tempo.

- Verdade?

Ted fez um sinal afirmativo e continuou.


- Eu queria que nos casássemos antes de você ir pra Suíça, mas eu sabia que aquele ano

era importante pra você, e não quis atrapalhar.

Cris pensou um pouco.

- Acho que não estava pronta naquela época. Aliás, nem sei se estou pronta agora.

- É por isso que você quer um noivado mais longo? perguntou Ted. Precisa de mais

tempo pra ter certeza?

- Ah, não! Tenho certeza de que quero me casar com você! Cris pegou a mão dele e

segurou entre as dela. Não foi isso que quis dizer. Não há a menor dúvida em meu coração de

que quero me casar com você. Só com você. O que eu quis dizer é que não sei se estou pronta

pra todos os ajustes, planos e decisões, como aconteceu com o anel. Isto é, você pode pensar

que eu já tenho alguma idéia do que quero, mas nunca pensei muito nessas coisas. Eu só sei

que quero um anel único, que signifique alguma coisa pra nós dois, pra que toda vez que eu o

olhar pense em nós. Faz sentido pra você?

- Claro, disse Ted. Você ouviu o que o joalheiro falou. Eles fazem qualquer anel que

você desenhe. Tenho certeza de que podemos pedir pra ele colocar uma pedra, como aquela

azul de que você gostou, em uma armação diferente.

- Deve demorar pra fazer isso, comentou Cris.

Ted deu um sorriso travesso.

- Tudo bem. Não é provável que vamos conseguir ter um anel até Janeiro.

Cris deu um cutucão implicante no braço dele.

- Ted, fala sério. Você acha que é possível organizar uma cerimônia de casamento em

menos de um mês?

Ele encolheu os ombros.

- Ei, só precisamos de alianças e de um pastor, certo? E, antes que você faça mais

comentários sobre isso, que tal darmos uma passada na casa do Douglas e da Trícia?
- Ótimo.

- Gostei dessa resposta, disse ele, ligando o motor. Rápida, simples, decidida.

Cris encostou-se ao banco do carro, perguntou a si mesma se fazia sentido esperar até

agosto para se casar, imaginou o formato de sou anel e calculou quanto dinheiro precisavam

para pagar aluguel. Pensou em quantas decisões teriam de tomar e em como Ted apreciava

uma resposta rápida, simples, decidida”.

Enquanto Ted se aproximava da área residencial, onde chalés em estilo litorâneo se

alinhavam na rua, Cris chegou a uma conclusão.

- Sabe de uma coisa? Este vai ser meu alvo nos próximos meses: vou me esforçar pra

tomar decisões rápidas e simples.

- Você tem bons instintos, Cris. Deveria confiar mais em si mesma e seguir mais seus

impulsos.

Ela estudou o perfil dele enquanto ele estacionava na frente da casa de Douglas e Trícia.

O homem dos seus sonhos estava a seu lado e havia se tornado forte, apaixonado por Deus e,

ainda por cima, estava profundamente apaixonado por ela também. Cris sentiu seu coração

saltar. Parecia que ia disparar e sair pela boca.

- O que foi? perguntou Ted, olhando para ela enquanto dava ré no carro para entrar em

uma vaga ao longo da calçada.

Cris pressionou os lábios, pretendendo manter os sentimentos fortes em seu íntimo. Mas

então Ted parou o carro, abraçou o volante e se virou para ela, espiando com seus olhos azuis

os segredos mais profundos do coração dela. De repente, agosto ficou muito longe.

- Tudo bem, disse ela, seguindo seus impulsos, mas, mesmo assim, falando bem

baixinho. Você venceu. Será em Janeiro.

Ted chegou mais perto.

- O que você disse? Não ouvi.


O coração de Cris disparou. O rosto ficou corado. Nunca havia sentido de forma tão

arrebatadora a intensidade de seu amor por Ted. Será que tinha coragem para repetir as

palavras que havia sussurrado, que haviam escapado de seu coração?

- Eu disse que...

Uma imagem chegou a ela como um raio. Com os pneus cantando, os dois zuniam no

carro que haviam acabado de estacionar. Percorriam em uma hora os 120km até Las Vegas e

entravam na primeira capela que encontrassem aberta para fazer casamentos na hora.

Piscou. Não, este não é um dos momentos em que devo confiar em meu instinto pra uma

decisão rápida e simples. Se fizesse isso, acabaria disparando na sua frente, na frente de

Deus e de todas as outras pessoas.

- Eu disse que amo você, cochichou. Foi só isso.

- ‘Tá. Foi só isso? implicou Ted, pressionando as costas da mão contra o rosto quente

dela. Então por que você ‘tá corada?

- Foi o Sol? arriscou ela, levantando as sobrancelhas e se esforçando para demonstrar o

máximo de inocência.

- No inverno? Acho difícil.

Ted sorriu. Parecia estudar os detalhes do rosto dela. A mão dele foi até o topo da

cabeça. Com carinho, tocou no longo cabelo dela.

- Ah, Kilikina, se você soubesse, disse, passando com carinho o dedo sobre os lábios

dela. Você nem imagina o que seu amor trouxe à minha vida. Você é a outra metade do meu

coração. Sem você, minha vida não passaria de uma sombra.

Aqui ele fez uma pausa e depois continuou:

- Amo você, Kilikina, você nunca vai saber o quanto. Muito mais do que você venha a

pedir. Nada vai mudar meu amor, nunca.

- Ah, Ted, disse Cris, inclinando a cabeça na direção dele, e lhe ofereceu os lábios.
Ted aceitou a oferta e a beijou devagar. Exatamente nessa hora uma buzina alta soou

bem na frente deles, destruindo aquele momento inesquecível.

3
Ted e Cris se afastaram com relutância e olharam para a frente do carro. Viram Douglas

acenando animadamente para eles enquanto entrava com sua caminhonete amarela pela

passagem estreita que levava à garagem da casa. Estacionou, desceu e foi até a janela de Ted,

que estava aberta, e comentou:

- É, parece que acabei de pegar vocês dois se agarrando na frente da minha casa.

- Não estávamos nos agarrando, disse Cris, sentindo o rosto voltar a ficar vermelho.

Douglas riu. O rosto dele se iluminou com a expressão marota que se tornara conhecida

de Cris com o passar dos anos. Era mais alto que Ted, mas, por causa do cabelo louro e do

sorriso travesso, poderia passar por um aluno do primeiro ano do ensino médio.

- Suponho que você vai me dizer que Ted estava apenas cheirando seu cabelo pra ver se

tem cheiro de maçã verde.

- Essa desculpa é sua, Douglas.

Ted deu uma olhada para Cris com um sorriso brincalhão tão charmoso quanto o do

amigo e prosseguiu, com naturalidade.

- Estávamos nos beijando.

Passou as costas da mão pelo rosto de Cris e falou:

- Essa é minha corada noiva. Vamos nos casar. Sabia disso, Douglas?

Douglas deu um soco no braço de Ted:

- O mundo inteiro ficou sabendo ontem à noite. Vocês dois precisam voltar à Terra,

entrar e encontrar o pessoal. Trícia vai ficar empolgada quando vir vocês. A festa continuou

aqui em casa ontem, teve gente que passou a noite aqui. Rick vai fazer omeletes.

- Rick?

- É, ele ‘tá aqui. Foi tremendo ouvir o que Deus tem feito na vida dele. Ele e Katie nos

fizeram rir a noite toda.


- Katie?

- É, ela também ‘tá aqui. Selena, Paul, Vicki e Amy também estavam.

Douglas abriu a porta do lado de Ted. Vocês me ajudam a carregar as compras? Tive de

ir ao supermercado.

- Isso explica o paradeiro de minha amiga na noite passada, disse Cris.

Ted e Cris seguiram Douglas até a porta da casa, cada um carregando duas sacolas de

compras. O chalé aconchegante de Douglas e Trícia ficava a quatro quarteirões da praia e era

a única casa amarela com venezianas brancas em toda a rua. Tinha um quarto e um banheiro.

A sala de visitas se ligava à cozinha e havia um pequeno quintal, onde Trícia vinha se

esforçando para cultivar um canteiro de flores.

Assim que os três entraram, Katie pulou do sofá e deu um grande abraço em Cris.

- Você recebeu meu recado? Por que vocês não vieram pra cá ontem? Nós nos

divertimos muito comemorando o noivado. Vocês tinham de ter participado. Telefonei ontem,

mas só dava ocupado.

Katie parecia ainda mais cheia de energia do que o normal.

- Eu estava falando com meus pais, explicou Cris.

Pegando uma das sacolas da mão da amiga, Katie perguntou:

- Eles ficaram surpresos com a notícia do noivado?

- Não. Ted falou com meu pai antes e pediu que ele e manha mãe nos dessem sua

bênção.

- A conversa foi mais um pedido de permissão, falou Ted.

- Permissão ou bênção, meu pai deu os dois. Eles estavam esperando meu telefonema.

Ficaram emocionados. Minha mãe até chorou. Depois telefonei para os meus tios.

- Eles sabiam que Ted ia fazer o pedido ontem?

- Não, mas não foi surpresa. Também estão muito felizes por nós.
Cris chegou à cozinha da compacta casa de Douglas e Trícia e foi recebida por um

sorriso caloroso de Rick.

- Todos estamos muito felizes por vocês, disse Rick, passando o braço pela frente de

Katie e estendendo a mão para apertar a de Ted. Um futuro brilhante espera por vocês.

Cris reparou que, embora continuasse alto, moreno e bonito, Rick abandonara a

arrogância do tempo do colégio, quando parecia considerar a si mesmo um príncipe. Ao lado

de Katie, na cozinha acolhedora de Douglas e Trícia, ele era uma pessoa comum. Katie

cortara o cabelo, que estava curto, macio, leve, em um estilo bem pessoal. Isso e o brilho em

seus olhos verdes prenderam a atenção de Cris.

- Onde estão os outros? perguntou Douglas, tirando as muitas compras das sacolas.

- Trícia foi tomar banho. Paul teve de ir trabalhar. Selena, Amy e Vicki voltaram para a

universidade porque vão para o Oregon, pra passar o Natal em casa, respondeu Katie.

A expressão de Katie se iluminou um pouco mais quando ela se voltou para Cris.

- Puxa, vocês tinham de ter vindo pra cá ontem. Conversamos a noite toda. Foi

tremendo.

- Ah! disse Rick, cutucando o braço dela. Você andou conversando demais com o

Douglas. ‘Tá começando a dizer “tremendo”.

- Bom, foi uma noite tremenda pra todos nós. Cris, vocês teriam gostado demais. Rimos

muito!

Katie passou a contar os acontecimentos da noite anterior. Cris voltou para a sala e

assentou-se em uma cadeira ao lado do sofá. Katie estava radiante e falava com empolgação,

cheia de charme. Uma mudança enorme acontecera nela nas últimas vinte e quatro horas. No

dia anterior, a turma planejava ir para a cafeteria Ninho da Pomba, e Katie declarara que

preferia ficar sozinha em seu quarto, pois não tinha um rapaz com quem pudesse sair. Mas

isso foi antes de Rick aparecer.


Cris lembrou que havia se apaixonado por ele no ensino médio. Katie também era doida

por ele, mas embora Cris o tivesse esquecido logo, Katie nunca havia se recuperado por

completo. O amor se transformara em raiva que fervera em fogo brando dentro dela durante

vários anos.

Então, poucos meses atrás, Katie havia recebido uma carta dele, em que contava que

entregara a vida totalmente a Deus e pedia que ela lhe perdoasse pela forma como ele a tratara

no passado.

Pelo jeito como ela ‘tá olhando pra ele agora, eu diria que Katie perdoou ao Rick por

completo.

- Ei, Ted, disse Douglas, depois que Katie encerrou seu relato divertido, preciso falar

um pouquinho com a Trícia e depois preciso de uma ajuda sua. Estou compondo uma música

e o pessoal me ajudou ontem, mas não consigo acertar o coro.

- Quer que a gente comece a fazer as omeletes? perguntou Katie, enquanto Douglas se

dirigia para o quarto.

- Claro. Pode fazer.

- Você sabe onde eles guardam o ralador de queijo? indagou Rick.

- Dá uma olhada neste armário aí à sua direita, sugeriu Katie.

- Posso ajudar? ofereceu Cris.

- Com certeza, respondeu Rick. Veja se encontra uma bacia maior do que esta aqui.

- Acho que a Trícia guarda as tigelas aqui.

Cris abriu um armário enquanto a gargalhada espontânea de Katie enchia o ambiente.

Ninguém conseguia manter a seriedade quando ela dava sua risada espontânea. O riso dela

continha o som da alegria em seu estado mais puro, feliz e leve, de modo que contagiava a

todos que o ouviam.

Cris se voltou e viu que Katie segurava dois aventais que encontrara em uma gaveta.
- Este é o seu, disse ela a Rick. E este aqui é o meu.

Rick vestiu um avental amarelo de babados, com a cintura enfeitada por flores em tons

pastel. Quase não conseguiu amarrar. Katie voltou a rir. Fazendo eco à gargalhada fina dela,

vieram as notas baixas de um concerto de alegria de Rick. Cris nunca havia visto o rapaz rir

de forma tão plena e genuína.

O avental de Katie era de sarja, com listras. No peitilho estava escrito: Deposite Todas

as Reclamações Aqui. Uma seta indicava um bolso minúsculo que comportava um número

mínimo de reclamações.

- Proponho uma troca, disse Rick.

- De jeito nenhum!

Cris colocou a tigela grande em cima do balcão e perguntou:

- Que mais eu faço?

- Precisamos de pratos falou Rick. Será que você encontra seis?

O armário estava vazio, então Cris tirou os pratos limpos da lava-louças enquanto Rick

e Katie punham mãos à obra. Em poucos instantes, deixaram a cozinha parecendo com as dos

programas de culinária da televisão. Puseram cogumelos para cozinhar em uma frigideira

pequena e linguiça, em uma outra maior. Espalharam tigelas e vários instrumentos de

culinária por toda parte.

- Vamos fazer uma linha de montagem e assim cada um pode escolher como quer sua

omelete, explicou Rick. Cris, se você quiser, pode ralar o queijo.

Cris pegou seu serviço e levou para a mesa da cozinha, para não atrapalhar os

cozinheiros. Observava espantada Rick e Katie trabalhando juntos, como se viessem

ensaiando essa dança culinária há vários anos.

Ted, assentado no sofá da sala, dedilhava o violão de Douglas. Cris não reconheceu a

melodia e ficou imaginando se seria a música em que o amigo trabalhara durante a noite.
Então, como se sentisse o olhar dela sobre ele, Ted olhou para ela. Um sorriso foi

surgindo nos lábios dele, que continuou tocando e depois movimentou os lábios, como se

falasse uma palavra, mas ela não entendeu.

Cris mostrou com o olhar que não havia entendido.

Ele voltou a mover os lábios: “Janeiro”.

Cris abriu um sorriso brilhante como o Sol. Você ouviu lá no carro, não foi, Ted? Ouviu

quando cochichei “Janeiro” pra você. Bom, sei que é impossível organizar uma cerimônia de

casamento até Janeiro, mas talvez a gente consiga pra fevereiro. Podemos nos casar logo

depois da sua formatura. Eu só teria mais um semestre na universidade e...

Douglas voltou para a sala e impediu que ela continuasse vendo Ted.

Que maluquice é essa? Fevereiro ‘tá perto demais. Podemos esperar até julho, não

podemos?

Douglas começou a tocar sua nova música. Cris trouxe o pensamento para o presente.

Um calor gostoso e confortador tomou conta dela quando a voz familiar de Douglas encheu a

casa aconchegante onde aqueles bons amigos se reuniam.

“Quando o Senhor nos uniu

Ficamos como aqueles que sonham

Nossa boca se encheu de riso

Nossa língua de cânticos de alegria,

Então alguém disse:

O Senhor tem jeito grandes coisas para eles.

Sim, o Senhor tem jeito grandes coisas para nós,

E estamos cheios de alegria.”


- Que música linda! comentou Katie.

- Em que versículos você se inspirou? quis saber Ted.

- Salmo 126, informou Douglas. E aqui ‘tá o problema, bem nesta linha. Não sei como

fazer uma transição suave de “Quando o Senhor nos uniu” para “Ficamos como aqueles que

sonham”. A passagem ‘tá abrupta.

Cris parou de ralar o queijo. Puxa, isso é verdade, Douglas. Você não sabe, mas esse

problema ‘tá me incomodando desde cedo. Como dois sonhadores conseguem fazer uma

transição suave quando o Senhor os une?

Desejou que ele tocasse a música inteira de novo. Queria ouvir a parte que falava de

Deus fazendo grandes coisas e as pessoas ficando repletas de alegria.

Nesse exato instante a porta do banheiro abriu e a pequena Trícia surgiu, trazendo no

rosto em formato de coração um sorriso imenso.

- Oi! saudou ela Ted e Cris.

- Oi, tudo bem? cumprimentou-a Ted, movendo o queixo para cima.

Cris se levantou e foi abraçar a amiga. Assim que colocou os braços em torno dela,

Trícia cochichou em seu ouvido:

- Sabe de uma coisa? Estou grávida!

- O que?! gritou Cris, enquanto se afastava e observava o rosto de Trícia para ter certeza

de que ouvira bem.

- Trícia, disse Douglas, censurando-a, você contou?

- Contou o quê? perguntou Katie lá da cozinha.

Todos os olhares se voltaram para Trícia.

- Nós íamos esperar todo mundo assentar pra comer.

Douglas entregou o violão para o Ted e se aproximou da esposa, que estava ao lado de

Cris, mordendo o lábio inferior.


- Desculpe, amor! Eu não pretendia falar nada, mas escapou, confessou Trícia.

Douglas passou o braço pela cintura dela e a contemplou com devoção inabalável.

- Então continue, amor. Conte pra todo mundo.

- Você conta, disse ela.

- Ah, agora você ficou tímida. Douglas riu e abraçou-a. É que parece que o Senhor

resolveu nos abençoar com um bebê.

Um grito de alegria veio do grupo. Todos se aproximaram para abraçar o casal e dar os

parabéns.

Ted atravessou a sala em quatro passos e passou o braço em torno de Cris. Deu um beijo

na têmpora dela, acima da orelha direita. Ela sabia que ele estava pensando o mesmo que ela:

um dia, querendo Deus, seriam eles a contar novidade semelhante à dos amigos.

- Estou sentindo o cheiro de alguma coisa queimando, Trícia informou.

- É o azeite na panela, disse Rick, retornando rápido para o fogão. Vou desligar.

- Você abre a janela na frente da pia? pediu Trícia.

- Enjôo, explicou Douglas. Ela só volta a se sentir bem lá pelas duas da tarde. ‘Tá muito

sensível a odores fortes.

- Pra quando é o bebê? indagou Cris.

- Pelos nossos cálculos, julho, respondeu Trícia. Vamos ter mais informações depois da

primeira consulta com o médico, na semana que vem.

- Quando vocês descobriram? perguntou Katie.

- Ontem de manhã. Foi uma tortura manter segredo de vocês, mas queríamos contar

primeiro a nossos pais e só conseguimos telefonar pra eles hoje de manhã, pouco antes do

Douglas sair para o supermercado.

- Não acredito que vocês não contaram nada ontem à noite, disse Katie.

- Era a noite de Ted e Cris, falou Trícia, dando um sorriso meigo para Cris.
- É, este grupo só suporta uma grande notícia por vez, acrescentou Douglas.

- Não se preocupem comigo! brincou Katie. Não tenho anúncios nem segredos hoje.

Um pensamento louco cruzou a mente de Cris. Ficou imaginando se Katie em breve não

contaria que Rick a convidara para sair com ele. Mas afastou logo a idéia. Ainda era cedo

demais para isso, ou talvez fosse tarde demais, já que os dois haviam experimentado namorar

no tempo do colégio e não tinha dado certo.

Douglas deu um beijo estalado na esposa:

- Estamos aceitando sugestões de nomes, porque até agora não escolhemos de menino

nem de menina.

Apareceram várias idéia, mas nenhuma agradou em especial ao feliz casal. Douglas

voltou então para o sofá e ele e Ted retomaram a música.

- Tem exaustor aqui perto do fogão? perguntou Rick. Não estou vendo.

- ‘Tá estragado, disse Douglas.

- O cheiro ‘tá muito forte pra você, Trícia? indagou Rick.

- Não. Estou bem, respondeu Trícia, abrindo a porta da frente para ventilar a sala. Isto

vai ajudar. Conte, Rick, quando foi que você se tornou um gourmet?

Cris reparou em como Trícia sempre desviava a conversa, quando ela própria era o foco

da atenção. Trícia não gostava de ser o centro, ficava mais à vontade ouvindo os amigos ou

dando a eles seus conselhos carinhosos. Cris queria pedir a ela muitas informações sobre

detalhes do noivado e do casamento, mas achou melhor esperar até poderem conversar

sozinhas.

- Cozinhar é um dos meus talentos ocultos, disse Rick respondendo a pergunta da Trícia.

- Não me lembro de ouvir ninguém dizer que você cozinhava quando você, Douglas e

Ted moravam juntos naquele apartamento em San Diego, comentou Trícia.

Rick achou graça.


- Não cozinhava porque nunca tinha comida em nossa casa!

- Tem toda razão, concordou Ted.

- Amém! confirmou Douglas.

- Aprendi um pouco no restaurante em que trabalhei.

- O Pára-Quedas Azul, contou Katie.

Rick se surpreendeu:

- Isso mesmo. Como você sabia disso?

- Fomos lá uma noite, depois do estudo bíblico no apartamento de vocês, lembra? Eu e a

Cris fomos até San Diego, você estava no hospital quando chegamos, tinha torcido o punho.

- É, foi mesmo, disse Rick, que, aparentemente, tinha dificuldade para se lembrar

daquela noite. Vocês foram até lá, e nós passeamos no zoológico.

Cris recordava bem da ocasião porque na noite do estudo bíblico ela vira Rick beijar

Katie e no dia seguinte, no zoológico, ele a tratara de maneira terrível. Agira como se não

tivesse acontecido nada entre eles na noite anterior.

De onde estava, a pouca distância de Katie, Cris observou a expressão dela. Não havia a

menor indicação de que a lembrança de Rick e do zoológico lhe trouxesse algum sofrimento.

- Em minha família, quem cozinha bem mesmo é minha mãe, contou Rick. Foi por isso

que meu pai teve a idéia de abrir o Ninho da Pomba ao lado da livraria evangélica.

- Por que seu pai acabou abrindo o Ninho da Pomba e A Arca em Murrietta e não em

Escondido, onde eles moram, ou aqui na praia? indagou Douglas.

- Ele fez um bom negócio naquela loja em Murrietta. Teria gastado duas ou três vezes

mais pra abrir um restaurante aqui.

Katie virou-se para Cris e disse:

- E adivinhe onde vou trabalhar a partir de Janeiro!

- Vou pensar. Será no lava-jato de Temecula?


- Nããããooo! respondeu Katie, em tom de brincadeira. Vou te dar outra chance. O nome

do lugar começa com “ninho” e termina com “pomba”.

- Espera aí, reclamou Cris. Me parece que você disse que não tinha anúncios nem

segredos!

- Não se pode chamar isso de segredo, alegou Rick. Estávamos procurando funcionários

para o turno da noite. É um cargo simples, mas acho que ela vai se dar bem e conseguir

ocupar qualquer posto que desejar.

Cris estudou sua melhor amiga com mais atenção ainda.

- E qual é, exatamente, o posto que a senhorita deseja?

- Participar da Feira de Alimentos Naturais em San Diego.

Cris não esperava receber uma resposta, muito menos uma tão sem propósito.

- A feira é em fevereiro. Rick acha que vai dar pra irmos e apresentar meu novo chá de

ervas, o “Verão Indiano”.

Cris reparou na resposta da amiga. Ela havia dito “nos”, indicando ela e Rick. Os dois

pretendiam ir juntos, e a feira só aconteceria em fevereiro.

- Você ‘tá pronta? perguntou Rick a Cris.

Não. Não estou pronta pra aceitar você e Katie fazendo planos juntos com tanta

naturalidade, Rick Doyle. Ela pode ter perdoado o jeito como você a tratou naquela época,

mas você vai ter de provar pra mim que merece retomar um relacionamento íntimo assim com

minha melhor amiga.

Rick apontou para a frigideira e repetiu a pergunta:

- ‘Tá pronta pra pedir sua omelete? Diga que recheio você quer.

- Ah! Só queijo.

- Só?

Cris fez sinal afirmativo com a cabeça.


- Não se preocupe, falou Katie. Minha omelete vai lhe dar oportunidade de demonstrar

toda a sua habilidade culinária.

- Assim que eu gosto! disse Rick.

Ele lançou um grande sorriso para Katie. Mas o tom de sua voz não era manipulador

como o que ele usava no colégio. As palavras, a entonação e a expressão do rosto, tudo

demonstrava sinceridade e carinho.

E isso fez subir um arrepio pela espinha de Cris. Katie, minha amiga, nós daas

precisamos ter uma conversinha.

A oportunidade de uma conversa séria com a amiga surgiu naquela noite mesmo,

quando Katie finalmente voltou ao alojamento da universidade. Cris estava no quarto que elas

compartilhavam, arrumando a mala para ir passar o Natal em casa. Katie entrou como uma

rajada de vento, radiante como o Sol.

- Oi, minha colega de quarto predileta! Deus é maravilhoso mesmo, né?

Katie rodou pelo quarto e depois se jogou na cama desfeita.


- Vou dizer uma coisa, Cris, a vida nunca é sem graça quando as coisas de Deus estão

acontecendo. Estou sem palavras. Não, a verdade é que estou com palavras demais. Tomada

de vontade de louvar.

Katie pulou da cama e atravessou o quarto como um raio para agarrar Cris em um

abraço apertado.

- E por falar em milagres, ainda não acredito que você e o Ted finalmente ficaram

noivos! Foi lindo ver vocês dois assentados juntinhos no sofá na casa do Douglas e da Trícia.

Estavam uma graça provando as omeletes um do outro. Pareciam tão felizes e, por falar nisso,

as omeletes estavam uma delícia, não estavam? Você não acha que o Rick é surpreendente?

- Katie! Cris riu e segurou os ombros da amiga com firmeza. Respire! Já vi você

hiperativa antes, mas nunca tanto assim. Quanta cafeína você consumiu hoje?

- Nem sei. O suficiente pra ficar acordada o dia todo sem ter dormido nada a noite

passada. E também bebi muito chocolate quente. Você e o Ted saíram antes do Rick fazer.

Tomei três canecas cheias! Vocês deveriam ter ficado lá, estava tão bom! Vocês foram ao

shopping?

Katie foi bem rápido até o armário e começou a tirar roupas e cosméticos e jogar em

cima da cama.

- Não. Íamos olhar mais anéis, mas acabamos conversando demais e depois ele me

deixou aqui pra eu dormir um pouquinho antes de sairmos pra jantar.

- Você não teria de dormir se tivesse bebido um pouco do chocolate! Já ouviu dizer que

o chocolate pode dar a sensação de estar apaixonada? disse Katie, sacudindo a escova de

dente na direção de Cris. Bem, nunca acreditei nisso, mas depois das três canecas que tomei

hoje, estou completamente apaixonada.

- Pelo chocolate? arriscou Cris.

- Não. Pelo chocolate, não. Apaixonada, você sabe. De verdade.


Os olhos verdes de Katie brilharam enquanto ela se deteve tempo suficiente para olhar

Cris meio de lado.

- Você acha que isso é possível?

Cris não sabia se estava acompanhando a lógica da amiga.

- Você ‘tá me perguntando se é possível que venha a se apaixonar algum dia?

- É, mas não algum dia. Hoje. Pelo Rick. O rosto dela ficou vermelho. Você acha que

eu, finalmente, estou apaixonada de verdade?

- Katie, seria mais sensato se...

- Eu sei, eu sei.

Katie girou nos calcanhares e tirou uma grande bolsa de ginástica do armário.

- É só a hiperatividade. Deve ser efeito do chocolate. Rick usou chocolate meio-amargo.

Acho que é mais forte.

Enfiou na bolsa um par de sapatos e uma calça jeans amarrotada.

Deve ter mais cafeína, ou então mais desse negócio que produz a sensação de estar

apaixonada.

- Pode ser, concordou Cris, cautelosa.

Depois, num esforço para levar a conversa para um assunto neutro, para ver se Katie se

acalmava um pouco, perguntou:

- Você vai pra casa de carro amanhã de manhã?

- Não. Vou agora. Não contei? indagou. Depois de uma pausa, prosseguiu. Rick vai me

levar. ‘Tá esperando lá em baixo. Ah, eu ia esquecendo. Ele disse que queria conversar com

você.

- Ele quer conversar comigo? Sobre o quê?

Katie encolheu os ombros.


- Então, se o Rick vai levar você pra sua casa, seu carro vai ficar aqui durante os

feriados do Natal? perguntou Cris, tentando entender os planos improvisados de Katie.

- Não. Veja bem: fui com meu Buguinho pra casa ontem à noite depois de sua festa de

noivado. Rick me seguiu e de lá fui com ele pra casa do Douglas e da Trícia. São só vinte

minutos da casa dos meus pais até lá.

Cris concordou.

- Depois, quando saímos da casa do Douglas e da Trícia, hoje à tarde, fomos ao cinema.

Aí ele me trouxe pra pegar minhas coisas e agora vamos pra Escondido.

Katie afastou uma mecha de cabelo da testa com ar casual, como se essa vida social

subitamente agitada fosse a coisa mais natural do mundo.

- Katie? chamou Cris em voz baixa.

Katie não ouviu, ou preferiu não ouvir e continuou a enfiar objetos de qualquer jeito na

bolsa e prosseguiu:

- Ah, e tenho de falar uma coisa. Rick quer ir com a gente para o México na semana que

vem, então precisamos contar uma pessoa a mais na hora de fazer as compras para as

refeições. Ele disse que vai nos ajudar com a comida. Sugeriu que a gente fizesse macarrão.

- Katie...

- Eu falei que você provavelmente já tinha feito a lista. Se você quiser, posso pedir a ele

pra ir fazer as compras conosco. Tenho certeza de que ele...

- Katie!

- O que foi?

Katie voltou-se e encarou Cris, e quando encontrou o olhar da amiga, todo seu

semblante mudou.

- Ah, não. Você não vai fazer isso. Conheço esse olhar.

Katie fechou a boca com firmeza e abaixou a cabeça.


- Que olhar?

- Sei exatamente o que você vai me dizer.

Cris soltou uma risadinha nervosa. Não sabia que era tão transparente. Claro que sua

preocupação com Katie estava evidente em seu rosto.

Katie colocou a bolsa de ginástica no chão e cruzou o quarto em três passos.

- Você vai me perguntar se pensei bem e se acho que é uma boa idéia passar tanto tempo

com o Rick.

- Bom...

Cris hesitou. Katie estava totalmente certa, mas Cris não queria admitir.

- E sabe de uma coisa? disse Katie, colocando as mãos nos quadris. Não vou deixar

você me perguntar nada disso agora, porque não fiz nada pra tudo isso acontecer. Você sabe

que não fiz. Simplesmente aconteceu. Rick estava lá, no Ninho da Pomba, e o pessoal fez uma

brincadeira comigo: a turma falou para o Rick me convidar pra sair com ele. Mas a piada é

que... os olhos de Katie brilharam com lágrimas e a voz dela falhou... não é piada. É a coisa

mais maravilhosa e surpreendente que já aconteceu comigo, Cristina Miller, e você não vai

analisar e atrapalhar tudo!

Cris engoliu todas as palavras de cautela que estavam na ponta da sua língua. Manteve

os lábios fechados, sem ousar emitir um único som.

- Obrigada, disse Katie e se virou, com a cabeça levantada. Muito obrigada, minha

melhor amiga. Esse é o melhor presente que você poderia me dar agora.

Em seguida, agarrou a bolsa e fez um sinal com a cabeça, mostrando a Cris que deveria

segui-la.

- Venha, o Rick quer falar com você, lembra?

Cris seguiu a amiga em silêncio, perguntando a si mesma se havia agido certo ao se

calar sobre suas apreensões.


Estavam na metade do corredor do alojamento quando Katie falou:

- Se for coisa de Deus, vai durar. Se não, vai acabar. Sei disso porque nunca estive tão

aberta à direção divina na minha vida quanto agora. Acho que isso também ‘tá acontecendo

com o Rick. Nenhum de nós dois forçou pra tudo isso acontecer. Simplesmente ‘tá

acontecendo e será o que tiver de ser.

Cris assentiu e uma calma surpreendente tomou conta dela. Por alguma razão, lembrou-

se de como Tia Marta sempre havia tentado controlar sua vida social e como a interferência

era desagradável. Se tivesse dado ouvidos à tia, Cris jamais teria cultivado a amizade com

Katie, mas Marta não era dona da verdade.

A última coisa que desejo é adotar a mesma atitude controladora da minha tia

- Eu amo você, Katie, disse Cris na hora em que as duas estavam chegando ao hall de

entrada do alojamento.

Katie deu um grande sorriso:

- Também amo você.

- Ei, Cris! saudou-a Rick quando as duas foram na direção dele. Tenho uma coisa que

quero entregar pra você. Eu ia mandar pelo correio. Tirou um envelope do bolso traseiro da

calça. Mas tinha esperança de conseguir entregar pessoalmente. Acho que a oportunidade que

eu estava esperando chegou.

- Quer que eu deixe vocês sozinhos? perguntou Katie.

- Não. Não me importa que você ouça o que tenho a dizer, Katie. Isto é, se Cris também

não se importar.

- Não. Ta tudo bem.

- Creio que vocês duas sabem que tenho me esforçado pra acertar meu relacionamento

com as pessoas que magoei no passado e...


Aparentemente, Rick ficou sem palavras. Estendeu o envelope amassado para Cris. Esta

se sentiu nervosa, como ele também parecia estar.

- Rick, você não precisa me pedir perdão por nada. Acertamos tudo há muito tempo. Eu

não... principiou Cris.

- Não posso dizer que acertamos tudo, disse Rick. Eu, bem, fui muito tolo e cruel

quando... é... sabe...

Ele respirou fundo e continuou:

- Quando namoramos, Cris, eu roubei sua pulseira de ouro, ou melhor, a pulseira do

Ted. Quer dizer, a pulseira que ele deu pra você.

Cris mordeu o lábio inferior. Ela havia perdoado Rick muito tempo antes, mas vê-lo tão

atormentado enquanto fazia sua confissão trouxe de volta emoções para ela também.

- Eu me arrependo muito, Cris. Agi errado. Sei que você me perdoou, mas também sei

que você e Douglas pagaram pr recuperar a pulseira na joalheria em que a vendi.

Cris reparou que a testa dele brilhava com suor enquanto ele continuava:

- Já acertei tudo com o Douglas e agora gostaria de acerta com você. Por favor, Cris,

aceite isso com meu pedido de perdão.

Os profundos olhos castanhos dele imploravam perdão.

- Muito obrigada, Rick. Eu já o perdoei, como você mesmo disse.

- Mas quero que você fique com o que ‘tá dentro do envelope, declarou Rick. Prometa

que vai guardar o que ‘tá aí.

- ‘Tá bom, eu prometo. Muito obrigada.

Rick fez sinal afirmativo com a cabeça. Parecia aliviado.

- Eu, hã...

Cris voltou a se sentir embaraçada. Não queria abrir o envelope na frente dos dois e

também não desejava prolongar a conversa.


- Acho melhor não fazer vocês demorarem mais. Ainda vão percorrer um longo caminho

hoje, disse ela.

- É, acho melhor a gente ir, disse Rick, pegando a bolsa de ginástica e a mochila da

Katie. É só isso?

- É, informou Katie. Agora eu sempre levo pouca bagagem, graças à influência da

minha melhor amiga. Cris me mostrou as vantagens de viajar com pouco peso quando

estávamos na Europa.

- Quero saber mais sobre essa viagem, disse Rick. Vocês foram à Itália, não foram?

- Fomos.

- E à ilha de Capri?

- Também.

Katie adivinhou a pergunta que ele faria a seguir.

- E sim, fomos à Gruta Azul da qual você fala tanto.

- Foram? perguntou, e a expressão dele se iluminou.

- Fomos, disse Katie, com um sorriso para Cris. Cris e Ted amaram, mas eu achei escura

e fria. Achei que elogiam mais do que o lugar merece. Quer dizer, se pensar bem, não passa de

uma caverna escura, com água e um bando de homens de chapéu cantando alto em italiano.

Rick ficou de boca aberta.

Cris deu uma gargalhada.

Rick, diria que você acabou de tomar uma grande dose da verdadeira Katie.

Recuperando a compostura, Rick falou:

- Você tem razão, Katie. Não passa de uma caverna escura com água e cantores italianos

que alugam barcos. Acho que o que torna a caverna romântica é a pessoa que ‘tá com você.
- Ah, se você quiser falar em romantismo, disse Katie, dirigindo-se para a porta, então

vamos falar de Veneza. Amei Veneza. Você fez o passeio de gôndola quando esteve lá? Aquilo

que é um passeio de barco em alto estilo.

- Vocês fizeram o passeio de gôndola?

Rick seguiu Katie rumo à porta.

Ela foi contando os detalhes da aventura, e Rick se virou e sorriu para Cris:

- A gente se vê depois.

- Eu telefono pra você amanhã, disse Katie, acenando sobre o ombro. Vamos pra casa

depois da igreja; você também?

Cris assentiu.

- Eu telefono, falou Katie.

Cris acenou.

- Tchau. Tomem cuidado na estrada.

Ao se dirigir para seu quarto, Cris repreendeu a si mesma.

Tomem cuidado? Por que estou falando como se fosse mãe deles?

De volta ao sossego de seu quarto, pegou o telefone e ligou para o Ted. Pela voz dele

dava para saber que ela o havia acordado, mas mesmo assim fez a pergunta óbvia:

- Você estava dormindo?

- Tudo bem. O que aconteceu? Você ‘tá bem?

Cris resumiu a conversa com Katie e Rick. Mas, antes que mencionasse o envelope, Ted

comentou:

- É isso que acontece quando Deus age na vida da gente. Sempre temos de deixar

espaço para o inesperado.

Cris pensou que na vida do Ted sempre havia muito espaço para o inesperado. Parecia

até que ele procurava surpresas, como quando levou o lanche para o mendigo, naquela manhã.
- Não sou muito boa nisso. Não deixo tempo em minha agenda nem em meus

compromissos de todos os dias pra Deus fazer suas surpresas.

- Não há problema, disse Ted, acho que Deus vai encontrar formas de surpreender você

mesmo sem você ajudar.

- Ele fez exatamente isso hoje, disse ela, e contou sobre o envelope que Rick havia lhe

dado.

- Você ainda não abriu?

- Não, nem sei se quero abrir. De certa forma, gostaria de jogar fora e dar o assunto por

encerrado.

- Mas Rick não fez você prometer que iria guardar?

- É, eu prometi.

- Você não tem de abrir agora, raciocinou Ted. E também não precisa me contar o que

tem lá dentro, mas tem de cumprir a promessa que fez ao Rick.

- Tem razão, disse ela, baixinho. Vou cumprir. Acho que o melhor, agora, é me deitar e

dormir um pouco.

- Boa idéia. Vejo você amanhã de manhã.

- Boa noite, meu Ted.

- Boa noite, minha Kilikina. Eu amo você.

- Também amo você.

Depois que Cris desligou, a calma se estabeleceu nela e no quarto. Ficou assentada em

silêncio, contemplando o envelope que tinha na mão. Rick escrevera o nome dela em letras

cursivas, pequenas. Pelo estado do envelope, passara algum tempo no bolso do rapaz.

Cris deixou o envelope de lado e pôs na mala as roupas cuidadosamente dobradas que

estavam sobre a cama. Antes de puxar as cobertas, pegou o envelope e enfiou em um dos

bolsos laterais da mala.


No dia seguinte, depois da igreja, ela e Ted foram de carro para Escondido, para casa.

No caminho, ela voltou a pensar no envelope. Não sabia muito bem por que não o abrira na

noite interior. Deveria ter feito isso enquanto conversava com Ted pelo telefone, porque assim

todo o incidente estaria encerrado. Sabia que Ted jamais a interrogaria sobre o assunto.

Chegando em casa, vou abrir o envelope, mostrar o conteúdo ao Ted e tudo estará

acabado. Liquidado. Vamos poder seguir em frente. Não sei por que estou tão cheia de coisa

com esse assunto. Provavelmente é uma carta, com pedido de desculpas, como a que ele

mandou para Katie.

Mas Cris não havia previsto que seus tios Bob e Marta estariam na casa de seus pais

esperando que ela e Ted chegassem.

- Não aguentamos esperar até o Natal pra ver vocês dois, disse Marta.

Ela deu dois beijos no rosto de Cris e depois dedicou a atenção ao Ted.

Marta passara por várias mudanças pessoais durante aquele ano. Em setembro, fora até

a universidade para almoçar com Cris. Ao verem Marta, Cris e Katie haviam concluído que

ela estava meio “pirada”. O alongamento no cabelo, a falta de maquiagem e a longa saia tipo

“indiano” combinados à notícia de que estava pensando em ir para Santa Fé com o novo

professor de cerâmica serviram como prova de que a opinião das duas amigas estava correta.

Entretanto Marta não fora para Santa Fé e parecia que ela e Bob vinham se dedicando a

melhorar o relacionamento entre eles. Cortara o cabelo castanho em um estilo clássico, que

formava uma moldura para o rosto. Até o perfume trazia à lembrança de Cris o que ela usava

anos antes.

Tio Bob abraçou Cris, e ela reparou que o cabelo escuro dele estava ficando grisalho nas

têmporas. Ele e Ted haviam se queimado anos antes, quando a churrasqueira a gás de Bob

explodira. A gola alta da blusa escondia as cicatrizes em seu pescoço.


Cris sorriu para seu tio, sempre paciente, e ficou pensando em como estariam as

cicatrizes que ele trazia no interior, decorrentes das feridas causadas pela crise de meia-idade

da Tia Marta.

Cris abraçou os pais, e então Marta partiu para a ação. Avisou que estava pronta para

conversar sobre os planos para o casamento.

- Volto em um minuto, disse Cris; pedindo licença ao grupo familiar. Depois saiu da sala

e carregou a mala até seu quarto, que ficava no fim do corredor. Fechou a porta, encostou-se a

ela e engoliu em seco.

Marta sempre apreciara assumir tarefas. Talvez quisesse fazer do casamento de Cris e

Ted seu grande evento mais recente. Cris não sabia como não havia previsto isso. Só de

pensar em sua tia forçando a barra e tentando assumir os planos da cerimônia de seu

casamento fazia Cris cerrar os dentes com raiva. Ainda assim, ao mesmo tempo, sabia que, se

Marta tivesse uma missão que a prendesse em Newport ao lado do marido, seria menos

provável que partisse para se unir a seus novos amigos na colônia de arte no Novo México.

Uma batida na porta fez Cris pular.

- Quem é?

- Sou eu, David. Posso entrar?

Abriu a porta e deixou seu irmão de treze anos entrar e seu domínio particular.

- Oi. Tudo bem?

Deu-lhe um abraço rápido, pois ele nunca fora muito amigo de agarramentos.

- Mamãe falou que você vai se casar, disse ele.

David já estava quase com a mesma estatura da Cris, 1,70m, mas estava ficando mais

encorpado nos ombros. O cabelo dele sempre tivera o tom avermelhado como o do pai deles,

mas agora estava mais louro, e Cris ficou abismada ao notar como ele parecia mais velho.

- Cadê seus óculos? perguntou.


- Mamãe não contou? Quebrei os óculos duas vezes no skate este ano. Aí falei pra ela e

o papai que só queria um presente de Natal: lentes de contato. Peguei ontem e mamãe disse

que eu podia começar a usar porque quero me acostumar com elas durante os feriados.

- Puxa, David, você cresceu tanto! ‘Tá tão bonitinho! Não, bonitinho, não, um gato,

disse Cris, dando um grande sorriso para o irmão. David, você ‘tá lindo demais!

Ele deu um sorrisinho desajeitado e falou:

- Fico feliz por você não ser daquelas pessoas que julgam os outros apenas pela

aparência.

Cris riu.

- E ainda por cima tem senso de humor! David, quando foi que você ficou tão legal?

- Sempre fui legal, Cris.

Ela deu outra gargalhada e o abraçou de novo, embora ele não parecesse estar à vontade

com tantos elogios e abraços.

- Mamãe contou que estou participando de um grupo de skatistas evangélicos?

- Não, respondeu Cris se jogando na cama. Onde são as reuniões?

- Do jeito que você fala parece que temos um clubinho ou alguma coisa assim, disse

David, encostando-se na porta fechada. A gente se encontra na pista de skate. Tem um cara da

igreja que vai lá toda quinta-feira às quatro e meia e a gente assenta com ele em algum lugar e

ele faz um estudo bíblico. Estou aprendendo muito.

- Você tem uma boa Bíblia? perguntou ela.

Cris estava com David quando ele entregou a vida a Deus, enquanto Ted estava no

hospital, mas agora via que não tinha se esforçado para acompanhar o crescimento espiritual

dele. Sabia que ele ia à igreja com os pais e agora estava alegre de saber desse estudo bíblico

com os amigos do skate. Mas, como ainda não comprara o presente de Natal dele, parecia

uma boa idéia dar-lhe uma Bíblia.


- Não.

- Quer uma? perguntou Cris.

- Acho que sim. Quer dizer, tenho uma daquelas para crianças. Ganhei quando tinha oito

anos, mas ela tem figuras e não vou levá-la à pista de skate.

Cris recordou o dia em que ganhou sua primeira Bíblia “de verdade”, presente de Ted e

Trícia, em seu aniversário de quinze anos. Na hora, não tinha achado muito bom. Decidiu que

compraria para David uma versão atualizada como presente de Natal, mas que lhe daria mais

um presente.

- Então vocês vão se casar mesmo? perguntou David de novo.

- Vamos.

O sorriso de Cris ficou mais largo. Tirou os sapatos e dobrou as pernas debaixo do

corpo, ajeitando-se confortavelmente em sua antiga cama.

- Quando?

- Ainda não decidimos.

- Mamãe disse que, provavelmente, vai ser daqui a um ano.

- Um ano? admirou-se Cris.

- Mas Tia Marta disse que vai ser em junho.

- Ela disse isso? perguntou Cris, inclinando-se para frente E o que o papai falou?

- Nada. Ele fica só ouvindo. Mamãe e Tia Marta quase brigaram antes de você chegar.

Tia Marta falou que você tem de fazer a recepção em algum clube náutico na praia de

Newport e mamãe acha melhor na igreja.

Cris balançou a cabeça.

- O que você e Ted querem?

David nunca demonstrara tanto interesse e sensibilidade para com Cris.

Um sorriso de aprovação surgiu enquanto ela comentava:


- David, talvez você seja a única pessoa a me fazer essa pergunta aqui, hoje. Assim, vou

pedir um favor. Você poderia repetir a pergunta na frente de todo mundo?

- Tudo bem, disse ele demonstrando não entender por que isso era tão importante. Quer

dizer, o casamento é de vocês certo? E a vida de vocês é vocês devem fazer do jeito que

quiserem. Vocês esperaram muito por isso.

- É, esperamos mesmo.

Os dois ficaram em silêncio por alguns momentos. Mesmo através da porta fechada Cris

ouvia a voz da Tia Marta se elevando enquanto ela compartilhava com o coitado do Ted tudo

que ela pensava sobre cerimônias de casamento.

- Acho que é melhor voltar pra lá e dar uma força para meu noivo, disse ela.

- Ted ‘tá bem, retrucou David. Ele não vai deixar Tia Marta passar por cima dele.

Cris desejou ter tanta confiança quanto seu irmão. Levantou-se e se dirigiu para a porta.

David não se moveu. Cris olhou para ele, questionando-o com os olhos.

David olhou para o outro lado, envergonhado.

- Não sei o que a gente fala quando alguém fica noivo, mas... bem, estou feliz por vocês.

Estou alegre por vocês se casarem.

Num impulso, Cris avançou e deu um beijo no rosto de seu irmão, e disse-lhe:

- Muito obrigada, David. Eu amo você.

Ele recuou e ficou corado.

- É, eu também.

Com o coração leve, Cris abriu a porta do quarto e partiu para enfrentar sua temível tia.

O irmão, envergonhado, arrastou-se pelo corredor atrás dela.


5

- Finalmente apareceu! exclamou Marta quando Cris e Davi entraram na sala.

Ted estava enfiado no meio do sofá entre Marta e a mãe de Cris, com uma pilha de

revistas de noivas no colo. Não fosse pela expressão chocada dele, Cris teria dado a maior

gargalhada. Naquele momento e naquele lugar ele entenderia quantos detalhes estão

envolvidos no planejamento de uma cerimônia de casamento.


- Acabei de contar ao Ted que enviamos para a coluna social do jornal daqui e também

da cidade de vocês copias daquelas fotos que Bob tirou de vocês dois no Dia de Ação de

Graças, disse Marta. O anúncio do noivado vai sair este fim de semana. Ah, tomei a liberdade

de escrever uma nota sobre a história de vocês.

- Foi rápido, comentou Cris.

- Era a hora perfeita, na verdade, com o Natal nesta semana. Não quis perder a

oportunidade de pôr a notícia a tempo.

Cris concordou e lançou um sorriso de encorajamento a Ted.

- Vou beber água. Alguém quer alguma coisa?

- Eu quero, respondeu Ted com a voz espremida.

Cris não conseguiu evitar outro sorriso. Coitado do meu Ted. Acho que ele não ‘tá

preparado pra isso, mas sei que o contato com e a realidade vai fazer bem a ele.

Dirigiu-se para a cozinha e ouviu seu pai e Tio Bob conversando.

- Cristina, não nos abandone! gritou Marta. Mal comecei a falar sobre os preparativos!

- Volto logo.

- Tenho só uma pergunta, disse o pai de Cris enquanto ela pegava dois copos no

armário. Você e Ted já pensaram na data do casamento?

- Quanto antes, melhor, falou Tio Bob, levantando a garrafa de água mineral como se

fosse propor um brinde.

- Você andou conversando com Ted? perguntou Cris ao tio e foi colocar gelo nos copos.

- Não, ainda não, mas vou dizer a ele a mesma coisa que vou falar pra você agora e que

acabei de dizer ao seu pai. Não se preocupem com dinheiro. Eu e Marta teremos a maior

alegria em ajudar.

- Sua mãe acha que seria melhor vocês esperarem até o Natal do ano que vem, informou

o pai de Cris.
- Fiquei sabendo disso. E você, pai, o que acha?

Ele era um homem grande e tranquilo que preferia pensar muito antes de fazer

comentários. A expressão dele revelou que se sentia honrado por ela perguntar a opinião dele.

- Bom, você sabe o que penso sobre o privilégio de concluir um curso superior. Nem eu

nem sua mãe tivemos essa oportunidade.

- Eu sei, disse Cris. E concordo. Já disse ao Ted que é melhor a gente só se casar depois

que eu me formar.

- Falta muito pouco pra você concluir seu curso, lembrou Bob. Não vejo motivo pra

você não fazer o último semestre depois do casamento. Poderia até mesmo ficar sem estudar

no próximo semestre, casar depois da formatura do Ted, em janeiro, e voltar pra concluir o

curso no outro semestre.

- Ei, vocês aí! chamou Marta, lá da sala. Estamos esperando aqui. Vocês estão falando

sobre o casamento sem mim?

- Estamos, exclamou Cris, num ímpeto.

O tio sorriu e fingiu fazer outro brinde.

- Corre lá, linda!

Cris fez um aceno com a cabeça para que o pai e o tio a seguissem, levou os dois copos

de água para a sala e entregou um a Ted.

- Venham, vocês dois precisam participar também.

- Assente-se aqui, disse Marta, estendendo uma revista grossa para Cris e apontando a

fotografia de um vestido de noiva com uma saia ampla. Estava folheando esta revista no

caminho para cá e imaginei se você já pensou nesse tipo de véu. Presumi que você vai prender

o cabelo para mostrar bem o rosto.

Cris colocou a revista no chão e sorriu para o Ted.

- Vou colocar flores no cabelo.


Ted devolveu o sorriso e a expressão de pânico congelada no rosto dele começou a se

desfazer.

- Não vejo problema em acrescentar algumas flores na parte da frente desse véu, falou

Marta retomando a revista e analisando a fotografia.

- Tia Marta, na verdade ainda não estamos prontos pra conversar sobre isso.

A tia olhou para Cris.

- Tem razão. Vamos em ordem de importância. Ted me disse que vocês começaram a

procurar alianças, mas que ainda na chegaram a nenhuma decisão. Tenho certeza de que você

sabe que vai ser difícil conseguir que ajustem as alianças antes do Natal, mas imagino que é

possível, se escolherem hoje ou amanhã de manhã, o mais tardar. Presumo que você vai

ganhar anel de noivado no Natal.

- Marta, disse Tio Bob com firmeza, deixe que eles façam tudo no ritmo deles. No

caminho você me disse que ia ouvir o que eles têm a dizer e se oferecer pra ajudar no que eles

precisarem. Acho que o melhor é deixarmos que eles falem.

Marta recuou. Aparentemente, aceitou a reprimenda de Bob melhor do que Cris

esperaria.

- Sim. Claro. Então vamos, contem seus planos. Até agora só sabemos que vocês não

decidiram sobre as alianças. Nem sobre a data. Nem sobre nenhum dos outros pontos

essenciais. Nesse momento, ela olhou para a mãe de Cris e acrescentou, em voz mais baixa:

mas ela sabe que vai colocar flores no cabelo.

Cris sentiu a conhecida mistura de raiva e mágoa crescer em seu íntimo. Sabia que era

melhor ignorar a farpa. Todo mundo na sala pareceu ter essa reação automaticamente.

- Por que não começamos com a data? sugeriu o Tio Bob. Ted, eu estava falando pra

Cris e Norton que vocês não devem se preocupar com os gastos com o casamento. Vocês

sabem que eu e Marta ficaremos honrados em ajudar.


- E a universidade? perguntou a mãe de Cris, que parecia preocupada.

Marta se intrometeu:

- Vocês sabem que para uma recepção, digamos, no Iate Clube de Newport Bay, a

reserva tem de ser feita com um ano de antecedência. Além disso, leva pelo menos seis meses

para fazer um vestido de noiva sob medida, algumas vezes chega a nove meses, dependendo

de quantas provas sejam necessárias.

Cris reparou que David havia desaparecido. Esse seria o momento perfeito para ele

fazer a pergunta-chave sobre o que Ted e Cris queriam fazer.

- Conversamos sobre as opções, disse Ted, com calma, mas ainda não chegamos a uma

conclusão.

Cris desejou que eles tivessem decidido, que todos os detalhes estivessem planejados

para que essa reunião improvisada servisse para elaborar uma agenda baseada em planos

feitos com cuidado. Mas o encontro estava se tornando uma discussão aberta.

Como se tivesse sido combinado antes, soaram passos na varanda, seguidos pelas vozes

de um casal de cantores natalinos entoando a plenos pulmões:

- Feliz Natal a todos, feliz Natal!

- As pessoas ainda costumam fazer isso? estranhou Marta.

Cris foi abrir a porta. Lá estavam Rick e Katie, sorrindo e cantando com alegria.

- Ho, ho, ho! Você não notou? A coroa despencou! recitou Katie, segurando uma

guirlanda.

Cris convidou os dois a entrarem.

- Ela não caiu, ainda não a penduramos, informou Cris. Eu e Ted a compramos no

caminho. Deixei na varanda para as folhinhas do pinheiro não sujarem o carpete.

- Ih! Katie voltou e recolocou a guirlanda no chão da varanda. Desculpe.

- Rick? perguntou Marta, lá do sofá. Rick Doyle? Puxa, não vejo você há anos!
- Eu fiquei me perguntando se seria mesmo o carro de Bob e Marta parado aí na frente,

cochichou Katie baixinho.

Cris assentiu e sussurrou:

- Vocês não poderiam ter escolhido hora melhor pra chegar!

Rick entrou na sala de visitas, onde Tia Marta o recebeu com uma longa sequência de

perguntas.

Ela olhou por trás de Cris para ver quem tinha chegado com Rick.

- Ah, oi, Katie. Suponho que você já saiba das novidade sobre Ted e Cris.

- Não, disse Katie bem séria. O que aconteceu com eles? Ganharam na loteria?

- Ela sabe, falou Cris, dando um beliscão escondido no braço da amiga.

- Ai!

- Ela e Rick estavam lá quando fiz o pedido, contou Ted.

- Rick, você estava lá?

Parecia que o cérebro de Marta se esforçava muito para encaixar todas as peças.

- Cris, você não me contou isso.

Rick explicou que administrava o Ninho da Pomba e Marta prometeu que faria uma

visita a cafeteria.

- O que vocês acham de eu pegar alguma coisa pra comermos? ofereceu a mãe de Cris,

levantando-se do sofá. Vocês devem estar com fome. Katie, você e Rick já lancharam?

- Não, respondeu Katie.

- Vou preparar uns sanduíches.

Cris pensou em como algumas coisas nunca mudam. A tia sempre apreciava fazer sala

para as visitas, e a mãe sempre se dedicava a alimentar os outros quando não sabia que outra

providência tomar.
Durante uma hora e meia, aconteceram desdobramentos que Cris nunca havia previsto.

Ted folheou uma das revistas de noiva de Marta na cozinha, enquanto Cris e a mãe faziam os

sanduíches. O pai saiu de casa e se dedicou a pendurar a guirlanda. Marta interrogou Rick a

respeito dos detalhes da vida dele desde a última vez em que haviam se encontrado e ouviu

até com certo respeito ele contar sobre seu novo compromisso com Cristo e sobre as

mudanças que isso causou na vida dele.

Durante essa conversa, por duas vezes, Cris trocou olhares disfarçados com seu tio.

Desde que Bob entregara a vida ao Senhor, isso fora sempre um ponto de tensão entre ele e

Marta, pois ela não pensava da mesma forma que ele sobre o cristianismo. Com o passar do

tempo, ela aceitara ouvir Cris e Ted explicarem tudo sobre a fé, mas, por algum motivo,

parecia desejosa de ouvir o testemunho de Rick. Cris não entendeu isso.

- Viemos perguntar se vocês não querem ir com a gente cantar hinos de Natal pela rua

hoje à noite, disse Katie depois do lanche. Um grupo vai se encontrar às 6:00h na igreja pra

começar de lá.

Cris olhou para Ted, que se levantou para ajudar a mãe dela a limpar a mesa da

cozinha. Achou que deixar o terreno das decisões do casamento seria bom, e poderiam se

divertir cantando pelas ruas.

- Você decide, disse Ted, se inclinando para Cris quando passou perto dela. Daqui à casa

de seus tios é uma hora e meia. Acho que eles gostariam de conversar mais um pouco conosco

antes de irem embora.

Cris pediu licença, levantou-se e seguiu Ted até a pia, que ficava a menos de três metros

de onde o grupo todo estava. Em voz baixa, perguntou:

- Você ‘tá sugerindo que a gente decida a data do casamento agora, só pra agradar minha

tia?

- Não é isso.
- Acho que precisamos conversar um pouco mais, prosseguiu Cris. A decisão tem de ser

nossa. Minha e sua.

- Concordo, disse Ted.

- Então o que vamos dizer a eles?

- Depende. Quer ir cantar com Rick e Katie?

- Claro. E você?

Ted encolheu os ombros e respondeu:

- Tanto faz.

Exatamente nessa hora a mãe de Cris se aproximou da pia com mais pratos.

- Vocês vão sair pra cantar?

- Acho que sim, respondeu Cris, sem convicção.

- Não somos obrigados a ir, disse Ted, baixinho.

- Acho que seria bom, falou Cris, dando mais um passo em direção a seu alvo de ser

mais decidida. Afinal, ‘tá chegando o Natal. Devemos celebrar o nascimento de Cristo, e não

tentar resolver todos os detalhes do nosso casamento em uma tarde.

Cris pensou que essa declaração fazia todo sentido. Entretanto, mais tarde, quando ela e

Ted estavam lado a lado cantando “Noite de Paz”, entendeu que a decisão havia provocado

uma noite pacífica demais na casa de seus pais. Bob e Marta partiram; ela, controlando a

raiva. Bob disse:

- Quando vocês estiverem preparados, basta dizer como querem que ajudemos.

David reapareceu e anunciou que pretendia ir ao cinema com Ted. Percebendo que todo

mundo ia sair, a mãe de Cris guardou de volta no armário uma pilha de jogos que havia

preparado. E, quando estavam na metade do percurso dos cânticos, Ted começou a tossir.

Ficou em silêncio nas duas últimas paradas e disse que a garganta dele doía, não dava para

cantar.
Quem mais se divertiu foram Rick e Katie. Pareciam íntimos demais enquanto partiam

de uma casa para outra, rindo o tempo todo:

- Ho, ho, ho.

Isso foi um grande erro. Deveríamos ter ficado em casa, quentinhos, mesmo tendo de

enfrentar minha tia por mais algumas horas. Claro que ela ficou contrariada por ir embora

sem respostas.

Cris lembrou-se do comentário da tia sobre o tempo necessário para ajustar um anel. Iria

demorar ainda mais para fazer um sob medida.

Não podíamos estar aqui. A gente devia ter ido ao shopping, ver anéis nas joalherias.

Talvez alguém já tenha fabricado um anel como o que ‘tá em minha mente. Eu só preciso

encontrá-lo.

Bastou olhar uma vez para o Ted e perceber que ninguém o convenceria a ver vitrines

naquela noite. Além disso, era provável que as lojas já estivessem fechadas. Resolveriam isso

no dia seguinte.

Já eram quase dez horas quando concluíram o percurso com os cânticos. Rick e Katie

convidaram a todos para irem até a casa dos pais dele para provarem o delicioso chocolate

quente que ele fazia.

- Estou exausto, respondeu Ted ao convite. Cris, se você quiser ir sozinha, não tem

problema.

- Não, também estou muito cansada.

Andaram devagar até o carro, no estacionamento da igreja, enquanto os outros partiam

para a casa de Rick.

- Que noite! disse Cris, passando o braço pelo de Ted e contemplando o céu. Poucas

estrelas surgiam por trás das nuvens ralas que pareciam fitas rendadas espalhadas pelo céu de

dezembro. ‘Tá tão lindo!


- É lindo. E você também, disse Ted em voz grave.

Parou ao lado do carro e puxou Cris para ele, em um abraço apertado. Dando um beijo

no rosto dela, murmurou:

- Então, quando você quer se casar?

Ela sentiu a respiração quente dele por trás do pescoço entrelaçando dedos invisíveis em

seu cabelo:

- Não sei. Temos de decidir isso, disse, dando um beijo na orelha dele. Quanto antes,

melhor, continuou e traçou uma linha de beijos no pescoço dele. E você? Quando quer se

casar?

Devagar e com cuidado, Ted se afastou:

- Sinal vermelho.

- Quê?

Cris se sentia confortável, sonhadora e queria ficar aninhada no abraço quente.

- Isso ‘tá ficando meio, é... bem, meio perto demais pra mim.

Vários centímetros os separavam agora. O ar frio da noite se moveu e trouxe de volta a

sobriedade a Cris.

- Acho que é melhor falarmos sobre isso outra hora, em outro lugar.

Ele destrancou a porta do carro para ela.

- Até nos casarmos, vamos ficar parados em um longo sinal vermelho. Não será bom pra

nenhum de nós dois começar a acelerar o motor.

Cris não havia percebido ainda como se aconchegar e dar-lhe beijinhos exercia efeito

forte sobre ele.

- Tudo bem, disse, entrando no carro. Sinal vermelho. Concordo.


Naquele momento a mente de Cris ficou mais clara com o frio de dentro do carro. Só

mais alguns meses esperando o sinal abrir. Depois, o resto da nossa vida será um longo sinal

verde. Dá pra esperar. Temos de esperar. Vamos esperar.

Ela sabia que a despeito de quantos dias separavam aquela noite do dia do casamento

deles, iria enfrentar um grande teste para coração, mente e vontade, maior do que qualquer

outro de sua vida.

Durante o caminho para casa, nenhum dos dois comentou os sentimentos fortes. Ted

cantarolava e batia com os dedos no volante do carro ao ritmo de uma música que ela não

conhecia. Cris pensou que seria bom os dois prepararem chocolate quente só para eles e

ficarem um pouco à mesa da cozinha conversando sobre o casamento. Mas Ted entrou em

casa, foi direto para o quarto de David e se jogou no colchão de ar que a mãe de Cris arrumara

para ele no chão.

Ao acordar no dia seguinte, Cris tomou banho, vestiu-se e preparou rabanadas para o

café da manhã. Como de costume, o pai dela saíra às 5:3Oh para o trabalho e a mãe ainda

estava dormindo. Não se ouvia o menor som atrás da porta fechada do quarto de David. Às

9:10h da primeira segunda-feira de suas férias de fim de ano, Cris estava sem companhia na

cozinha, deliciando-se com rabanadas e lendo a Bíblia. Não se importava de passar algum

tempo sozinha. Era uma oportunidade para orar e pensar. E também para planejar.

Só de meias, como estava, voltou sem fazer barulho ao seu quarto, e procurou no fundo

do armário até encontrar um caderno em branco. Retornou à cozinha, fez uma xícara de chá e

batizou o caderno de organização do casamento. Escreveu na capa Ted e Cris em letras

redondas e depois, divertindo-se, desenhou um grande coração em volta dos dois nomes.

Passando à primeira página, relacionou tudo que lembrou que precisava resolver. A lista já

enchia três páginas quando sua mãe se juntou a ela na cozinha.

- Pensei que você ainda estava dormindo, disse a mãe. Os rapazes ainda não acordaram.
- Tem muita coisa na minha cabeça. Fiz uma porção de rabanadas. Estão no microondas,

se você quiser pode esquentar e comer.

- Ah, que delicia! Muito obrigada!

Antes mesmo que a mãe se assentasse ao lado dela a mesa, ouviu a porta do quarto ser

aberta no corredor. Em seguida, alguém ligou o chuveiro. Dez minutos depois, Ted surgiu,

assoando o nariz.

- Ih, me desculpem, disse, quando viu Cris e sua mãe. Não sabia que vocês estavam

aqui. Achei que um banho me faria melhorar da sinusite, mas...

Começou a tossir.

- Parece que você ‘tá gripado, disse a mãe de Cris, avançando e colocando a mão na

testa do Ted. Puxa, querido, você ‘tá queimando de febre. Sente dor de garganta?

Ted fez sinal afirmativo com a cabeça.

- Acho melhor você voltar pra cama. Vou levar chá quente pra você.

- Eu levo pra ele, mãe, falou Cris, pulando da cadeira. Quer tentar comer alguma coisa?

- Não, quero só um pouco de suco. Posso comprar no caminho pra casa do meu pai.

- Mas você ‘tá doente, falou a mãe de Cris.

- Por que você vai pra casa de seu pai? quis saber Cris.

Ted apoiou-se no balcão da cozinha e disse:

- Combinei com ele que iria hoje pra casa pra passarmos algum tempo juntos; ele não

vai trabalhar esta semana.

- Eu não sabia disso. Pensei que você pretendia passar a semana toda aqui.

Cris olhou sua longa lista e pensou em tudo que planejara fazer nos dias seguintes.

- Por que você não fica aqui até melhorar? perguntou a mãe. Não vai ser nada bom para

o seu pai você passar a gripe pra ele.

- E acho que não vai ser bom pra sua família se eu ficar.
Ted virou a cabeça e cobriu a boca enquanto tinha outro acesso de tosse.

- Que tosse horrível! disse ela.

Cris sentia-se mal por ter dado mais importância às tarefas do que à saúde do noivo.

- Volte um pouco pra cama, pelo menos por mais algum horas, sugeriu ela.

Ted concordou.

- Vou ficar deitado por mais uma hora. Acho que quando acordar a febre já vai ter

passado.

- Vou levar suco pra você, disse Cris.

Minutos depois, carregou até o quarto uma bandeja com suco de framboesa,

termômetro, caixa de lenços, pano úmido para testa, uma caixa de comprimidos para a gripe e

remédio para tosse.

Ted não quis nada. Nem o suco.

- Só água, pediu ele, com os olhos fechados.

Estava todo encolhido, havia vestido um moletom azul-marinho e puxado o capuz para

cima da cabeça. Parecia determinado a suar até eliminar de seu organismo o último vestígio

da gripe. Cris voltou com a água, ele tomou apenas um gole e virou para o outro lado. David

já havia se levantado e se vestido, de forma que Ted ficou com o quarto todo para ele. E lá

permaneceu o dia inteiro, em hibernação profunda, pontuada ocasionalmente por um acesso

de tosse.

Todos estavam jantando quando ele emergiu de sua caverna e anunciou que ia para casa.

Agora precisava convencer todos os quatro membros da família Miller.

- Fique só esta noite, insistiu a mãe.

- Você precisa de muito líquido, aconselhou Cris.

- Tome outro banho, sugeriu David.


Cris não pôde deixar de concordar, pois Ted não estava nada perfumado. A aparência

dele era terrível.

- Tire seu moletom pra eu lavar, disse a mãe. Você tem alguma roupa limpa pra vestir

depois do banho?

Ted parecia irritado.

- Estou bem. Posso assumir o controle. Obrigado por terem deixado eu dormir.

Cris entendeu então que ele, filho único que morou desde pequeno só com o pai

divorciado, provavelmente nunca tivera ninguém para mimá-lo quando estava doente. Depois

do acidente de carro, deixou os outros cuidarem dele, mas era diferente. Quando o assunto era

gripe, preferia se cuidar sozinho.

Apesar de outro turno de protestos, Ted colocou suas coisas no carro pouco depois das

7:00h da noite. Cris foi com ele até a frente da casa. Entrando no carro, ele disse:

- Encontro com você na casa de Bob e Marta na véspera do Natal.

Cris não pretendia deixar seus pensamentos escaparem, mas não conseguiu evitar que a

pergunta saísse de seus lábios:

- E o anel?

Percebeu logo que era muito egoísmo e falta de consideração, mas já era tarde.

- Ouvi você dizer ontem à noite que pretende ir ao shopping com sua mãe esta semana,

disse Ted, colocando o cinto de segurança. Por que você não dá uma olhada nas joalherias de

lá?

Comprar seu anel de noivado com sua mãe não era bem o que Cris desejava.

- Vou esperar até você poder ir comigo.

- Você não vai comprar, só olhar. Achei que você já tinha uma noção bem clara do que

quer.

- Tenho, mas...
- Olha, disse Ted, cobrindo a boca, e o som da tosse era terrível, quero que você compre

um anel de que goste muito. Suponho que ainda vai demorar um pouco pra você tomar a

decisão final. Eu não preciso olhar tudo junto com você.

Cris reconheceu que ele se esforçava para ser compreensivo e paciente. Sentiu-se mal

por ter até mesmo pensado no assunto.

- Não se preocupe com isso, disse. Só quero que pense em melhorar. Podemos conversar

na véspera do Natal.

- Certo. Obrigado, amor, por ser compreensiva.

Cris não se lembrava dele tê-la chamado de “amor” antes, acho muito gostoso. Além

disso, recordou que 1 Coríntios 13 descreve o verdadeiro amor como “paciente”. Isso assumiu

significado mais profundo para ela agora que entendia que seria obrigada a adiar a procura do

anel. Ted lhe dissera que o futuro deles juntos seria repleto de ajustes. Cris não gostava de se

ajustar, mas não tinha escolha.

Ele pegou a mão dela, mas em lugar de dar-lhe um beijo de despedida, segurou-a e

apertou-a três vezes. Cada vez que apertava, dizia:

- Eu te amo.

Cris também apertou a mão dele três vezes, repetindo mensagem.

- Amo você. Nós nos veremos na quinta-feira. Por favor, cuide-se bem.

- Sempre cuidei.

Ted deu ré devagar pela entrada da garagem. Cris observou o carro azul deles descer

devagar pela rua. Já estava com saudade.

Será que vou sentir isso o resto da vida? Toda vez que ele partir, vai parecer que uma

parte de mim foi com ele?


“Pai, por favor, manda teus anjos cuidarem do meu Ted no caminho para a casa do pai

dele hoje. Não deixes nada de ruim acontecer com ele. E, Senhor, ele pensa que sempre

cuidou dele mesmo, mas sei que quem o guardou foi o Senhor. Por favor, cuida dele hoje.”

Ted parou na esquina e buzinou três vezes. Cris sorriu.

- É, eu também amo você, seu bobão.

Terça-feira à tarde, antes do Natal, Cris já tinha uma boa idéia de como queria que fosse

seu anel. Fizera um esboço no caderno de organização do casamento e colara na mesma

página três fotografias tiradas de revistas. Fora ao shopping de manhã com sua mãe e as duas

haviam olhado várias vitrines de joalherias. Além disso, folhearam um livro com modelos de
convites em uma papelaria, falaram sobre a cor do vestido das madrinhas enquanto tomavam

sorvete e obtiveram informações sobre o preço do aluguel de smoking.

Antes do jantar, Cris passou muito tempo ao telefone, contando ao Ted tudo que tinha

feito.

- Sua voz ‘tá animada, disse Ted, em voz rouca.

- E a sua, horrível, retrucou Cris.

- Eu sei. A gripe ‘tá demorando muito pra ir embora. O que quis dizer é que você parece

estar feliz. Que bom que você e sua mãe conseguiram tempo pra sair juntas e resolver

algumas coisas.

Cris não conseguiu resistir e implicou com ele.

- Você ‘tá dizendo isso porque ‘tá feliz de não ter sido arrastado para o shopping hoje.

- É, estou mesmo, disse ele.

- Tem certeza de que você não fingiu essa gripe só pra escapar de passar a semana toda

aqui planejando comigo?

- Não há nada de fingimento nessa coisa abominável, respondeu Ted. Não me lembro de

quando foi a última vez que me senti tão mal.

- Talvez fosse bom você ir ao médico, sugeriu Cris. Pode ser uma infecção na garganta.

Você não disse que sentiu dor de ouvido? Quando o vírus se aloja nos ouvidos pode causar

uma infecção, e só tomando antibiótico pra sarar.

- Estou bem, Cris. Tenho certeza de que vou estar ótimo daqui a alguns dias.

A voz de Ted demonstrava traços de irritação. Cris percebeu que estava sendo protetora,

e ele nunca reagia bem a isso.

- Desculpe, disse ela. Espero que você melhore logo.

- Vou melhorar. Já terei sarado quando nos encontrarmos na quinta-feira.


A previsão dele acabou sendo mera ilusão. Quando Cris chegou com sua família à casa

de Bob e Marta, Ted tomou-a nos braços e a segurou perto dele.

- Senti tanta saudade de você! disse ele, com uma voz que não passava de um sussurro

cheio de areia.

- Também senti saudade de você!

Ficaram na cozinha, abraçados, balançando-se devagar, sem vontade de sair de lá.

- Amo você, disse ela, chegando mais perto e dando um beijo no rosto dele.

- Ei, vamos, vocês dois, parem com isso.

David entrara na cozinha carregando o saco de dormir e a mala e exagerava no esforço

de passar em volta deles.

- Vocês estão dando um espetáculo.

- Espetáculo? repetiu Ted em seu cochicho rouco, e em seguida deu uma gargalhada

horrorosa.

Cris riu tanto do irmão quanto da risada de laringite do Ted

- Estou impressionado, David. Quando foi que você começou a usar palavras como

“espetáculo”? perguntou Ted.

- O que aconteceu com sua voz? devolveu David.

Ted encolheu os ombros e sorriu encabulado, como se tivesse guardado a voz no lugar

errado e agora não conseguisse encontrar.

- Você ainda ‘tá doente? perguntou David.

- Estou me sentindo muito melhor, disse Ted.

- Papai pediu pra vocês ajudarem a pegar os presentes no carro, informou David.

Cris deslizou a mão até pegar a de Ted, e ele a apertou três vezes. Ela sorriu e retribuiu

os apertos. De mãos dadas e sorrindo, dirigiram-se para a entrada da casa.

Tia Marta estava ao lado do carro e olhou para os dois com ceticismo.
- Espero que você não a tenha beijado, Ted. A última coisa de que Cris precisa é ficar

doente. Não sei como não ficamos todos gripados depois que nos encontramos com você

domingo.

- Se eu soubesse que estava ficando doente, não teria ido até a casa da Cris pra não

transmitir a gripe pra vocês.

A voz fina e patética do Ted deu um toque a mais à expressão de arrependimento no

rosto dele.

Marta se satisfez com a resposta e esperou o pai de Cris passar para os dois a bagagem

que estava no carro. Depois, pegou uma sacola cheia de presentes e seguiu Ted e Cris até a

cozinha.

- Tenho alguns assuntos a tratar com vocês agora mesmo.

- O quê, por exemplo? indagou Cris, cautelosa.

- Ah, apenas alguns pontos de que precisamos tratar. Pensei que podíamos nos assentar e

falar disso agora.

Marta depositou a sacola no chão e apontou para a mesa de cedro no canto da cozinha.

Cris reparou em várias pilhas de papel grampeadas com cuidado, colocadas à frente das

cadeiras, como se preparadas para uma reunião de negócios.

- Acho melhor ajudar meu pai a descarregar o carro primeiro, disse Cris.

- Vou fazer café, falou Marta. Assim que acabarem, por favor, venham para cá.

- Onde ‘tá o Tio Bob?

Cris sabia, por instinto, que seria bom ter o tio por perto quando Marta partisse para

cima deles.

- Foi buscar nosso jantar da véspera de Natal. Encomendamos tudo no D’Angelo’s este

ano. Bob vai preparar para nós e vamos comer às seis horas. Isso nos dá pouco mais de uma

hora para nossa reunião. Quer dizer, nossa conversa.


O pai de Cris entrou carregando uma porção de objetos e a mãe veio logo atrás.

- Tem mais alguma coisa pra trazer? indagou Ted.

- Não, acabou, respondeu o pai. Alguém pode tirar esta sacola daqui pra eu não

tropeçar?

Cris pegou logo a sacola que Marta largara no meio da cozinha. Levou para a sala, tirou

de dentro os presentes e arrumou embaixo da árvore, montada no lugar de costume: diante da

enorme janela que dava para a praia. Marta se superava e mudava o tema da decoração todos

os anos. Desta vez, escolhera um pinheiro grande que se encostava ao teto e espalhava pela

sala um aroma suave, como se estivesse ao ar livre. Preferira usar apenas duas cores nos

enfeites: vermelho e branco. Havia inclusive alterado as cortinas, com uma guirlanda de

veludo branco no topo, mantida no lugar por laços de veludo vermelho.

Do teto pendiam pequenas lâmpadas brancas semelhantes a pingentes de gelo. Em cada

ramo da árvore brilhavam mais lâmpadas minúsculas. Todos os enfeites eram vermelhos. Cris

examinou um pequeno trenó pendurado em um dos ramos. Ao lado dele havia uma maçã

presa com uma fita xadrez em vermelho e branco.

Cris ia retornar para a cozinha quando reparou em um envelope preso com uma fita

listrada de vermelho, pendurado em um dos ramos mais baixos da árvore. Trazia o nome de

David, mas, por algum motivo, fez com que ela se lembrasse do envelope que Rick lhe dera.

Não abri o envelope. Nem sei onde o coloquei.

- Cristina! chamou Marta, lá da cozinha. O café esta pronto.

Cris respirou fundo e se dirigiu para a cozinha. Ted, seus pais e Marta já estavam

assentados, esperando por ela.

Assim que Cris levou a cadeira para perto da de Ted, Marta partiu para a ação.

- Devo começar dizendo que tomei a liberdade de telefonar para o meu clube essa

semana e descobri que, por milagre, houve um cancelamento para o último fim de semana de
junho. Claro que fiz a reserva. Tive de fazer um deposito considerável, mas, como vocês

podem imaginar, só havia outra vaga no final de novembro e...

- Espere um pouco, interrompeu Cris. Vaga pra quê? Do que você ‘tá falando?

Marta apontou o primeiro item da agenda impressa que estava sobre a pilha de papéis

em frente de cada cadeira.

- Reserva para a recepção do casamento de vocês. Não conheço lugar mais agradável

para a recepção do que o Country Clube de Newport. Vocês conhecem?

Cris lançou um olhar atônito para sua mãe, assentada na cadeira à sua frente.

A mãe falou:

- Eu e seu pai achávamos que vocês iriam se casar em nossa igreja, em Escondido. A

recepção poderia ser no ginásio. Lá na igreja tem muitas mesas redondas e as toalhas seriam...

- Ginásio! exclamou Marta, olhando incrédula para sua irmã. Você não pode estar

falando sério, Margaret. Não vai querer que sua única filha faça a festa do casamento em um

ginásio!

- Nossa igreja faz sempre recepções no ginásio. Fui a um almoço lá há alguns meses.

Estava tudo lindo. Penduraram samambaias nas tabelas de basquete e...

- Não quero nem ouvir falar nisso, interrompeu Marta, com firmeza. Cris merece um

casamento elegante, de primeira classe. Ela e Ted devem fazer a festa no melhor lugar

disponível para o dia mais importante da vida deles. Você não percebe que foi um pequeno

milagre eu ter conseguido o Country Clube de Newport em junho?

Marta voltou-se para Cris e Ted, implorando com os olhos:

- Pensei que vocês dois, mais do que todo mundo, veriam isso como um sinal de Deus

mostrando que vocês devem se casar no último sábado de junho.


Seguiu-se um momento do mais profundo silêncio. Cris não sabia nem por onde

começar a contradizer a tia. Sua mãe parecia ter recebido uma ferida mortal e seu pai

contemplava a caneca de café.

Ted recostou-se na cadeira e quebrou a tensão dizendo, em seu cochicho rouco:

- Tenho certeza de que o Noivo irá a qualquer lugar em que realizarmos a cerimônia.

A expressão de Marta revelou que ela não apreciara o comentário.

- Claro que você irá, Ted. O problema não é esse.

- Não falei de mim. Estou me referindo ao Noivo; Jesus Cristo. Ele ‘tá aqui conosco

agora. E vai aparecer em qualquer lugar em que eu e Cris estivermos no dia em que

prometermos dedicar a vida um ao outro. Isso é que realmente importa.

O rosto de Marta ficou vermelho.

- Ted, venho me controlando há muito tempo, mas não dá mais para ficar calada,

inclinou-se sobre a mesa, com os olhos em fogo. Amo você como se você fosse meu filho.

Você sabe disso. Faria qualquer coisa por você, lhe daria qualquer coisa. Mas você nunca

demonstrou a menor consideração nas coisas que são mais importantes para mim. Essa foi a

última vez que ouvi você espiritualizar uma situação.

Levantou-se e apoiou-se na mesa. Os nós de seus dedos ficaram brancos com a força

que fez. Então continuou:

- Não estamos tratando aqui de sua visão celestial sobre todos os assuntos. Trata-se do

casamento da minha única sobrinha. Estou oferecendo meu tempo e meus recursos para

ajudar criar um dia inesquecível para vocês. E o que recebo em troca? Desrespeito, falta de

consideração e de educação. Bem, isso é o que penso?

Ted ficou em pé.


- Você tem razão, a voz dele falhou e se transformou um cochicho mais alto. Não dei

valor ao seu grande esforço. Sinto muito. Gostaria de pedir perdão pela insensibilidade e

desconsideração diante de tudo que você faz por mim e pela Cris.

Marta não sabia como reagir. Permaneceu rígida e fitou como se tentasse descobrir se

ele estava sendo sincero ou se mais uma tática espiritual para acabar com as defesas dela.

Ted esperou. A expressão em seu rosto demonstrava sinceridade e expectativa.

Marta continuou a olhá-lo fixamente, com a mandíbula cerrada.

- Ho! Ho Ho! ouviu-se uma voz alegre e a porta da garagem foi aberta. Papai Noel e seu

ajudante chegaram! Trouxemos um jantar de qualidade pra vocês! E esperem até ver a

sobremesa...

Bob parou imediatamente e analisou o impasse em torno da mesa da cozinha.

- O que aconteceu? perguntou David, que veio logo atrás de Bob, carregando uma

grande caixa branca com o bolo.

Marta inclinou um pouco a cabeça e, em voz baixa, disse:

- Acho melhor recomeçarmos. Vamos todos respirar fundo e continuar de onde paramos.

- Isso não apaga minha ofensa.

Ted pigarreou e tentou prosseguir.

- Magoei você, Marta. Errei. Peço desculpas. Por favor, me perdoe.

Com um aceno e uma risadinha afetada, Marta falou:

- Não se preocupe com isso, Ted. Estamos todos com as emoções à flor da pele. Acho

melhor fazermos um intervalo de cinco minutos e depois nos reunirmos de novo, nos

esforçando para nos comunicarmos em um nível de respeito mais elevado.

Cris pensou que sua tia havia se transformado em um robe e cuspia frases que ouvira

antes, sem revelar o que brotava de seu coração. Talvez essa fosse a forma de conversar sobre

os problemas na colônia de arte.


- Que foi que perdemos? indagou David.

A mãe dardejou a ele um olhar que dizia:

“Não faça esse tipo de pergunta, David!”

- O jantar ainda vai ser às 6:00h? quis saber Bob, colocando as sacolas com a comida

sobre o balcão. Ou será melhor passarmos para mais tarde?

- Acho que 6:3Oh será melhor, disse Marta, aproximando-se da cafeteira elétrica e

servindo-se de outra xícara. Acabamos de começar.

Os olhos de Cris se encontraram com os do Tio Bob. Ele a contemplou em silêncio, com

ar de interrogação. Cris balançou a cabeça ligeiramente e fez com a boca:

- Tudo bem.

Bob assentiu devagar.

- Posso fazer chá? pediu Cris.

- Claro, respondeu Bob. Você sabe onde ‘tá. Fique à vontade. Comprei ontem um chá

especial de Natal, de hortelã. Talvez você goste. E você, Ted? Quer alguma coisa quente pra

aliviar sua garganta? Ou prefere gelado? Temos de tudo.

- Chá.

- Vou fazer, disse Cris, esfregando as costas do Ted ao passar por ele. Pode ser de

hortelã?

Ele concordou.

Foi o tempo de Cris pôr a chaleira no fogo e Marta voltou à mesa e anunciou que já

podiam prosseguir.

- Vá lá e assente-se, sugeriu Bob a Cris. Eu levo o chá para vocês.

Tomada de nova determinação, Marta pegou mais uma vez a agenda e deixou o

primeiro assunto para o final.


- Vamos direto para o terceiro item. O bolo. Na terceira e na quarta páginas da apostila

de vocês, há copias coloridas de propaganda de bolos de Emilie. A confeitaria dela ‘tá fazendo

muito sucesso, porque ela entrevista os casais, descobre o que é importante para eles e cria um

bolo especial para eles. Não faz dois bolos iguais.

- Que são essas coisas em cima do bolo amarelo? Skates? perguntou a mãe de Cris.

- Massa! disse David olhando sobre o ombro de Cris. Como será que fazem as rodinhas

pretas? É um bolo de aniversário?

- Não. Todas as fotografias são de bolos de casamento. Nesse caso, o noivo era arquiteto

e conheceu a noiva quando fez um projeto de uma pista de skate em uma cidade chamada

Soland Beach. Perguntei porque também achei esse muito diferente.

Cris sentiu vontade de protestar contra o uso de skates na decoração de um bolo de

casamento, para que Ted não tivesse a idéia maluca de usar pranchas de surfe no bolo deles,

mas sabia que era melhor não contrariar sua tia. Pelo menos não naquele momento.

Aparentemente, Marta se acalmara. David foi assistir à televisão, Bob trouxe o chá para

Cris e Ted e depois passou a trabalhar em silêncio na cozinha enquanto Marta percorria o

restante da lista. A apresentação dela durou quinze minutos, sem interrupção. Ninguém mais

disse nenhuma palavra. Ninguém concordou, nem discordou, nem a contrariou em nenhum

dos outros sete itens. De volta aos primeiros dois pontos, apresentou suas opiniões com

entusiasmo.

- Como já mencionei, me adiantei e reservei o clube para junho. O ponto número dois é

a organizadora de casamentos que me ajudou a reunir todas essas informações. O nome dela é

Elisa e marquei para nos encontrarmos com ela sábado às duas horas. Agora vamos à

discussão dos assuntos. Alguém tem perguntas?

Não houve movimento nem som.


Cris abrigava tantos sentimentos conflitantes que não ousou dizer nada. Mais uma vez

foi Ted o corajoso. Mesmo com tão pouca voz, ele se assegurou de ser ouvido.

- Muito obrigado, Marta. Você se esforçou muito pra fazer tudo isso. Agradeço muito.

Isso vai ajudar a gente a decidir e organizar tudo.

Cris pensou que ele escolhera muito bem as palavras. “Organizar tudo” poderia

significar que eles aceitariam todas, algumas ou nenhuma das idéias de Marta. E a parte que

ela ouviu foi o “muito obrigado”. Isso parecia ser o mais importante.

- Fiz tudo com prazer. Vocês sabem, é apenas o começo. Temos muito mais coisas a

planejar. É nisso que Elisa vai ajudar, no sábado.

Cris decidiu, naquele exato instante, que ela e Ted encontrariam tempo no dia seguinte

ou na metade do outro para conversarem sobre os planos para o casamento. Tomariam

decisões sozinhos sobre onde, quando e como se casariam. Mesmo que fosse necessário

passar as duas noites seguintes acordados, fariam seus próprios planos. Se precisassem sair

para conversar, só voltariam depois que analisassem todos os itens da lista deles. Mesmo se

Ted perdesse por completo a voz e só pudesse se comunicar por linguagem de sinais,

planejariam antes das duas horas da tarde de sábado. E os dois decidiriam porque, afinal, era o

casamento deles.

7
- Espere um pouco, disse Katie, detendo-se no meio da seção de verduras e frutas do

supermercado. Você e Ted se encontraram com a organizadora do casamento no sábado

mesmo não querendo se casar no clube?

Era segunda-feira, depois do Natal. Katie e Cris haviam retornado à Universidade

Rancho Corona para concluir os preparativos para a viagem evangelística do grupo de jovens

do Ted ao México. As duas não tinham se encontrado desde a noite em que saíram cantando

pelas ruas, mas haviam combinado pelo telefone se encontrar na frente do supermercado que

ficava no sopé da colina sobre a qual se localizava a universidade.

Conversaram no estacionamento durante quase dez minutos e aí Cris sugeriu que

fizessem as compras enquanto colocavam o assunto em dia. Entraram no supermercado, Katie

empurrando o carrinho. Cris continuou a resumir os acontecimentos do fim de semana na casa

de Bob e Marta, em um tom muito mais positivo do que sentia.

- Sim, fomos nos encontrar com a organizadora, disse. Ela não é do clube, é

independente. Gostei dela. Deu várias idéias muito boas.

- Então, quando foi que vocês contaram para sua tia que não querem fazer a festa no

clube?

- Ainda não contamos, mas vamos contar, respondeu Cris. Passamos horas conversando

sobre tudo isso, mesmo com ele mal conseguindo falar.

- Nem depois de toda essa conversa vocês conseguiram chegar a um acordo sobre a data

do casamento?

- Temos uma data provável.

Cris verificou a lista de compras e colocou um saco de maçãs dentro do carrinho.

- Em minha condição de sua melhor amiga e provável madrinha, será que posso

perguntar que data é essa? Ou vocês vão esconder de todo mundo?


- Não é segredo, Katie. É dia 22 de maio, mas você é a única que sabe e, por favor, não

diga nada até podermos confirmar. E você é mais do que provável madrinha. É a madrinha.

Ou melhor, eu gostaria que você fosse, se você quiser.

- Claro. Fico muito lisonjeada. Considero uma honra ser sua madrinha. Mas tenho de

perguntar: como vocês escolheram esse dia? Pensei que Ted queria casar logo.

- Analisamos todos os finais de semana daqui até o próximo Natal. Acredite, a única

data adequada era 22 de maio. Queríamos ter pelo menos uma semana para a lua-de-mel e só

seria possível nessa época. É nove dias depois da minha formatura e nove dias antes do Ted

começar a trabalhar em tempo integral na igreja para o próximo verão.

- É, faz sentido, comentou Katie. Mas ainda não entendi uma coisa. Por que vocês não

falaram pra todo mundo que haviam decidido sobre a data?

- Porque ainda não sabemos se a campina estará disponível. Temos de esperar os

funcionários da administração da universidade voltarem a trabalhar, na semana que vem.

- Espere um pouco. Estou completamente perdida aqui. Que campina?

Katie parou de empurrar o carrinho e parecia que só voltaria a se mover depois que Cris

explicasse tudo.

- Aquela campina da universidade. Perto da capela. É lá que queremos fazer a cerimônia

e a recepção.

- Você ‘tá brincando!

- Não estou. É lá que queremos nos casar.

Katie inclinou a cabeça de lado e examinou o rosto de Cris.

- O que seus pais pensam sobre isso? Eu achei que eles gostariam que a cerimônia fosse

na igreja deles, em Escondido.

- Eles querem.

- Mas vocês, não.


- Queremos nos casar na campina.

Cris empurrou o carrinho até a prateleira dos pães e jogou dentro cinco dos mais

baratos.

- Você se importa de trocar um dos pães integrais por branco? perguntou Katie. Rick

gosta de pão branco. A mãe dele fez uns sanduíches deliciosos com sobra de peru e pão

branco no dia seguinte ao Natal. Você já provou sanduíche de peru, com molho feito com o

recheio do peru e framboesa?

Agora quem inclinou a cabeça e examinou a amiga foi Cris.

- Não, mas deve ser muito gostoso.

- É meu novo favorito. Mas só dá certo em pão branco. O recheio faz ficar tudo junto,

disse Katie, e empurrou o carrinho até a prateleira de manteiga de amendoim e geléia. Você

não colocou manteiga de amendoim na lista? Acho que a geléia mais barata é esta de uva.

Cris pediu a Katie para pegar três vidros de manteiga de amendoim e falou:

- Agora conte como foi seu Natal. Como correu tudo com o Rick?

- Ótimo. Maravilhoso, respondeu Katie, colocando a manteiga de amendoim no

carrinho. Mas você ainda não acabou de contar sobre você e Ted. Será que ele já vai ter sarado

no dia da viagem para o México?

- Vai, Ele já ‘tá bem. A voz ‘tá quase normal. Não tenho muito mais a contar sobre

nossos planos. Não fomos a nenhuma joalheria, então ainda não temos anel. E já contei que

precisamos reservar a campina antes de marcar a data.

- E aí dar a notícia chocante à sua tia e a todos os outros.

- Exato, declarou Cris. Ah, meu tio nos ofereceu o apartamento dele em Maui para a

lua-de-mel.

Katie sorriu.

- Bem, pelo menos um dos itens importantes já foi decidido.


Cris fez sinal a Katie para empurrar o carrinho até a seção dos enlatados. Analisou os

preços das latas de molho de tomate.

- Sabe, falou Katie, se vocês se casarem na campina, podem soltar borboletas, para ficar

diferente.

Cris riu da sugestão da amiga:

- Nem ouse sugerir isso pra minha tia! Ela já tem uma longa lista de idéias criativas para

o bolo, o véu e o buquê.

- Estou falando sério, interpôs Katie. Vi na televisão. A noiva encomendou borboletas,

que vêm em caixas individuais. Parecem aquelas embalagens de comida chinesa para viagem.

No instante em que os noivos dizem “Sim” os convidados abrem as caixas. Achei uma idéia

bem legal.

- Nós não vamos dizer “Sim”.

- O quê?

- Conversamos sobre os votos ontem à noite. Decidimos que vamos dizer “Eu prometo”,

porque isso deixa mais claro que estamos fazendo um voto de amar, respeitar e cuidar e todo o

resto.

- Tenho certeza de que as borboletas bateriam suas asinhas no momento certo, quer

vocês digam “Sim” ou “Eu prometo”, afirmou Katie, brincando. Ou, se você quiser guardar as

borboletas para o final, pode fazer um lançamento no mesmo instante em que arremessar o

buquê.

A expressão de Katie criou na mente de Cris uma imagem de borboletas “lançadas” e

flores “arremessadas”, tudo se embolando pelos ares sobre a campina.

- Agora me diga, Katie, Cris encarou a amiga. Estaria eu fazendo uma suposição correta

se dissesse que devo planejar remessar meu buquê em sua direção?


- Pode jogar para o lado que você quiser, respondeu Katie. “O Senhor cumprirá o seu

propósito para comigo”.

Cris levantou as sobrancelhas, tentando interpretar a resposta da amiga.

- É meu novo versículo. Eu e Rick o encontramos durante o fim de semana. ‘Tá no

Salmo 138, versículo 8, da versão NVI. Levamos só dois segundos pra decorar. “O Senhor

cumprirá seu propósito para comigo.” É isso aí. Não é incrível? Decidi transformar esse

versículo no lema da minha vida. Quantas latas de molho de macarrão você quer?

Cris olhou a lista.

- Seis dessas grandes aí na prateleira de baixo. Pega daquela marca da direita, é mais

barata.

- Quer dessas embalagens gigantes de espaguete?

- Quero. Três. E acho melhor pegar mais uma lata de molho, só para ter certeza de que

não vai faltar.

- É mesmo, disse Katie. Douglas também vai. Não conheço ninguém que coma mais do

que ele. Trícia ainda pretende ir?

- Ouvi dizer que ela pretendia.

- Espero que ela não esteja enjoando muito, falou Katie. Não seria nada divertido pra ela

no México com enjôo.

- Talvez ela nem consiga ir, conjeturou Cris. Vou telefonar pra ela hoje à noite. Você tem

chiclete ou alguma balinha? Minha garganta ‘tá muito seca.

- Não tenho. Quer que eu vá comprar pra você lá no caixa?

- Não precisa. Quando passarmos pelos remédios, vou comprar pastilhas para tosse.

Seria bom levar também para o México. Arrumei um kit de primeiros socorros, mas não

coloquei nenhum remédio para tosse.


- Queria que Selena e o resto da turma dela já tivessem retornado dos feriados de Natal

pra ir conosco, comentou Katie.

- Podemos programar outra viagem na primavera. Pelo que Ted falou, o orfanato precisa

de muita ajuda.

- Talvez Rick tenha de voltar antes. Não sei se contei, mas ele ‘tá com dificuldade pra

fazer a escala do fim de semana. Eu poderia voltar com ele, a não ser que você ainda precise

da minha ajuda pra cozinhar e todo o resto.

- São só quatro dias, lembrou Cris. Quer dizer, se você precisar voltar antes, não tem

problema, não vamos ficar lá muito tempo.

- Eu sei. E pode ser que ele consiga resolver tudo pra gente ficar o tempo todo. O

problema de ser gerente do Ninho da Pomba é que ele é o responsável, sabe? Eles precisam

mesmo de mais ajuda nos dias de semana.

- Você ainda pretende ir trabalhar lá? indagou Cris.

- Pretendo. Começo logo depois do ano-novo. Podia muito bem ter começado semana

passada, porque fiquei lá com o Rick todos os dias. Já aprendi tudo que preciso saber pra

começar a anotar os pedidos. Tenho a sensação de que vou gostar muito de trabalhar lá.

Cris mordeu o lábio. Quase disse “Ah, nem imagino por quê!”, mas não queria colocar

em risco a comunicação com Katie. Especialmente depois da confusão que acontecera mais

de uma semana antes, no quarto delas.

O resto das compras correu com tranquilidade. Infelizmente, Katie não revelou muito

mais sobre seu relacionamento recém-iniciado com Rick.

Deixaram todos os mantimentos na cozinha da igreja, compraram uma pizza e voltaram

ao quarto delas. Cris esperava que Katie se abrisse mais. Entretanto um pequeno detalhe

consumiu a atenção delas.


Katie destrancou a porta do quarto e imediatamente ficou congelada no mesmo lugar,

com a caixa de pizza na mão.

Cris não precisou perguntar o motivo da parada e do olhar fixo. Já sabia. Ted fora com

ela de manhã até o quarto, carregando o objeto que agora Katie contemplava, de boca aberta.

- É o presente que Ted me deu no Natal, disse Cris, em voz baixa. Foi ele mesmo quem

fez.

- Ohhhh! É a Naranja?

Katie avançou devagar pelo quarto, falando como se reencontrasse uma amiga que não

via há muito tempo.

- É. O encosto é a Naranja, a velha prancha de surfe do Ted. E o assento veio da

Kombinada. Ted deu um jeito de juntar os dois e agora... é... um sofá. Pelo menos eu acho que

é.

- Como assim, você acha que é um sofá? perguntou Katie e assentou-se, olhando para

Cris com expressão deliciada. Estou diante da obra de arte mais surpreendente, autêntica e

cheia de lembranças que já vi. Dá vontade de chorar! E sabe de uma coisa? É até meio

confortável.

Cris forçou um sorriso, o mesmo que dera quando Ted lhe entregara seu presente de

Natal. Ele escondera o sofá artesanal na garagem da casa de Bob e Marta. Amarrou nele uma

longa fita vermelha que corria por toda a casa. Cris foi seguindo a fita, cheia de risos, curiosa

para saber o que a esperava. Mas, quando abriu a porta da garagem e viu o sofá feito só para

ela depositado lá, com um grande laço vermelho, ficou sem palavras.

Ted, por sua vez, apesar da rouquidão, não conseguia parar de falar sobre sua obra.

Tivera a idéia enquanto se recuperava do acidente e trabalhara durante várias semanas na casa

de seu pai antes de descobrir a combinação certa das partes para manter a prancha no lugar
como encosto do banco da Kombinada. Estava tão orgulhoso de sua obra que Cris percebeu

que tinha de fazer algum tipo de elogio.

Depois de todas as exclamações e elogios, Cris pensou que deveria ser indicada para o

Oscar na categoria de melhor atriz coadjuvante de uma comédia romântica.

- Você não acha lindo?

Katie ajustou a posição e esticou as pernas. Depois, como se precisasse de um estímulo

adequado, pegou uma fatia de pizza na caixa.

Cris recitou sua fala bem ensaiada:

- Aprecio o esforço do Ted. Ele foi muito criativo.

Katie parou de mastigar e disse:

- Você detestou, não foi? Falou isso pra ele?

Cris pegou um pedaço de pizza e, com um suspiro, jogou-se na beira da cama.

- Claro que não. Ele teria ficado arrasado.

Comendo em silêncio, Katie voltou a ajustar sua posição.

- Será que Ted pensa que isso é mobília de verdade? perguntou à Cris.

Esta fez que sim com a cabeça e respondeu:

- Temos um sofá e um fogareiro. Ele acha que agora só precisamos de dois sacos de

dormir que possam ser presos um ao outro e aí podemos começar nossa vida de felicidade

matrimonial.

Katie deu uma gargalhada.

- Desculpe. Não tem graça, né? Será que o Ted percebe como ele é incompetente

quando o assunto é vida em civilização? Ele é um cara legal, mas a idéia que ele faz de vida

normal é... bem... quem não o conhece pode pensar que ele morava em um casebre na selva.

- Creio que, em certo sentido, ele morou, declarou Cris. Claro que não um casebre de

verdade, embora eu tenha certeza de que ele teria gostado muito disso. Acho que ser filho
único e morar só com o pai fez dele um minimalista. Quanto mais falamos sobre nossos

planos para o futuro, mais evidentes ficam nossas diferenças.

- E você tem dito pra ele o que é importante pra você na vida conjunta, certo? indagou

Katie.

Cris pensou bem antes de concordar com a cabeça.

- Sim, na maioria das vezes.

Katie largou o pedaço de pizza pela metade e foi até onde Cris estava, assentada na

cama. Com o rosto a poucos centímetros da amiga, gritou:

- Alô! Hora de acordar!

Cris se afastou. Achou a tática de Katie irritante e inútil.

Katie voltou ao sofá de prancha de surfe, retomou o consumo da pizza com o olhar

crítico fixo em Cris.

- Foi meio exagerado, não foi? Desculpe. Mas você entendeu o que eu quis dizer, certo?

- É, entendi, Katie.

- É que vocês vão se casar. A coisa ‘tá ficando séria. É sério. Vou fazer uma pergunta.

Você quer se casar na campina ou isso foi idéia do Ted?

- Foi idéia dele, mas eu gostei.

- Tem certeza?

Cris balançou a cabeça, em sinal afirmativo.

Será que você ‘tá se tornando um zumbi que não sabe o que quer nem se importa com

isso?

- Eu me importo!

- Não se irrite! exclamou Katie. É que você parece estar meio fora do ar.

- Estou bem. Só um pouco cansada. Eu e o Ted precisamos melhorar nossa capacidade

de comunicação, disse Cris. Estamos fazendo isso. E vamos continuar. O Ted vai combinar
com um dos pastores da igreja para marcar sessões de aconselhamento pré-nupcial pra nós.

Acho que vai ser bom.

Katie concordou.

- Não é que não estamos nos comunicando, falou Cris, na defensiva. É que queremos

melhorar. Todos os casais precisam fazer ajustes. Vamos resolver isso.

Em voz calma, Katie disse:

- Sei que vão.

Ficaram em silêncio um pouco e Cris sentiu a cabeça latejar. Tentara ignorar a crescente

dor de cabeça desde o supermercado, mas agora não dava mais.

- Aquele ditado sobre os opostos que se atraem deve ser verdadeiro, cogitou Katie. Você

e o Ted são opostos em muitos aspectos. Talvez isso indique que um vai dar equilíbrio ao

outro.

- É isso que ele pensa, concordou Cris. Ele diz que somos perfeitos um para o outro

porque pensamos e agimos de forma diferente.

- Hummmm, disse Katie, pegando outro pedaço de pizza.

- Por que você ‘tá fazendo “hum”?

Ela pegou uma fatia de calabresa e um longo fio de mussarela seguiu a linguiça até sua

boca.

- Você acha que eu e o Rick somos opostos?

Cris fez uma breve pausa antes de dizer, com um sorriso malicioso:

- Ah, você acabou de notar, foi?

- Isso poderia ser bom, né? disse Katie, lançando um olhar de esguelha para Cris, como

se a reação dela a essa pergunta importantíssima determinasse o futuro.

- É, acho que pode ser bom, declarou Cris. Pelo que sei, pode ser coisa de Deus.
- Pode mesmo, concordou Katie, pensativa. E seria uma grande surpresa. Hum.

Ninguém teria imaginado isso.

- Pelo menos eu não teria, disse Cris, baixinho.

Cris sentiu a esperança de que, com essa deixa, Katie abrisse sobre o que estava

acontecendo entre ela e o Rick, entanto ela anunciou que precisava sair. Antes que Cris tivesse

tempo de acabar de comer sua fatia de pizza, Katie agarrou outra, deu um salto e partiu para

se encontrar com o Rick no Ninho da Pomba.

Sozinha, Cris fixou os olhos no sofá de prancha de surfe, que ocupava toda a área antes

vazia no centro do quarto.

- Seu lugar é numa loja que vende roupa de mergulho e skates, murmurou ela para a

obra de fibra de vidro alaranjado berrante. Você não combina com meu quarto. Onde o Ted

estava com a cabeça?

Mais uma vez, lembrou a si mesma que ele, cheio de amor, tomara os dois únicos

objetos de valor que possuíra em toda sua vida e tentara fazer deles algo útil. Isso era uma

coisa boa. E foi um tipo de carinho dar a Cris sua obra. Ela precisava ser mais capaz de

apreciar os atos dele.

Por que não consigo ser espontânea e entusiasmada como a Katie? Por que não sou

capaz de deixar as coisas simplesmente acontecerem?

Olhou para o relógio e percebeu que já estava quase na hora de pegar o Ted na igreja.

Ele lhe prometera que iriam procurar o anel naquele dia, e os dois haviam combinado dormir

na casa dos pais dela. Na manhã seguinte, iriam para a igreja começar a enorme tarefa de

arrumar toda a bagagem para a viagem ao México.

Contudo, quando Cris acabou de ajeitar a mala e foi se encontrar com Ted, estava se

sentindo muito mal.


- Você ‘tá com febre? perguntou Ted, quando estavam a uns dez minutos da casa dos

pais dela.

- Acho que não. Estou sentindo um pouco de frio e uma tremenda dor de cabeça.

Ted estendeu a mão e tocou na testa dela.

- ‘Tá com febre. Pelo menos começou aqui e não no México. Sexta-feira você vai se

sentir melhor e sua voz estará boa quando as aulas recomeçarem daqui a uma semana.

- Por que você tem tanta certeza de que peguei o mesmo vírus que você teve?

- Todo mundo ‘tá pegando. Se não fui eu que contaminei você, provavelmente foi a

organizadora de casamentos, no sábado. Lembra que ela disse que estava sentindo a garganta

arranhar? É assim que começa.

Cris engoliu. Agora a garganta estava doendo.

- Não posso ficar doente. Sou eu que vou cozinhar no México.

- Eu dou conta. Também tem o Douglas, o Rick e a Katie. A Trícia não vai, ‘tá sentindo

muito enjôo.

- Talvez amanhã de manhã eu me sinta melhor, disse Cris. Não precisamos ir comprar o

anel hoje. Vou direto me deitar, quando chegarmos em casa. Com certeza vou melhorar.

Ted sorriu com superioridade enquanto parava o carro na entrada da garagem.

- Eu levo suas coisas pra dentro. É melhor você entrar logo. Nos vemos daqui a uma

semana.

Cris lançou a ele um olhar de incredulidade.

- O que você quer dizer com nos vemos daqui a uma semana? Vou dormir bastante e

estarei pronta pra partir amanhã. Você vai ver.

Ted deu um grande sorriso e ligou o motor do carro.

- ‘Tá certo, querida. Acredito em você


8
Ted tinha razão. Cris passou a semana toda doente.

Nos primeiros três dias, deitada em sua cama e se sentindo péssima, ficou irritada

porque ele estava certo. Perdera a viagem ao México, sentia saudade do Ted e não estava

acompanhando os últimos desdobramentos da história de Rick e Katie.

Mas agora não errava mais o cesto de lixo. Depois de consumir duas caixas de lenço,

tornara-se especialista em lançar o papel amassado no cesto de vime que ficava em um canto

de seu quarto.

Durante aqueles dias, Cris notou mais uma diferença entre ela e o Ted. Quando adoecia,

gostava de receber muita atenção, o tempo todo. Não era como o homem das cavernas que

“sua até sarar” e se afasta de toda forma de contato social até o vírus concluir seu ciclo de

vida.

No terceiro dia, quinta-feira, Cris estava convencida de que o ponto alto da semana

havia sido a atenção e o carinho de sua mãe - perfeita, com doses diárias de torrada e chá de

ervas adoçadas com mel. A parte deprimente do confinamento fora descobrir que tudo seria

muito diferente depois que ela e o Ted se casassem. Sua mãe não prepararia mais torrada, nem

chá, nem trocaria os lençóis da cama enquanto Cris se afundava na banheira. Ela criou uma

imagem mental perturbadora: prostrada em posição contorcida sobre o sofá de surfe, tentava

acender o fogareiro para aquecer a água e fazer chá com um saquinho que já tinha sido usado.

Eu só preciso falar pra ele. Tenho de dizer ao Ted o que quero e do que preciso. Depois

do casamento, se ele souber que quero que ele traga chá pra mim, tenho certeza de que ele

vai trazer com alegria. Mas preciso falar pra ele.

Naquela tarde, teve uma idéia. Havia superado a fase dolorosa da febre e atingira a da

laringite. Já tinha forças para se levantar, mas resolveu passar outro dia de cama, para ficar

mais forte ainda.


Fechou a porta do quarto e pegou embaixo da cama uma caixa de sapatos que forrara

com papel de embrulho anos antes. Dentro repousavam quatorze cartas, lacradas em

envelopes individuais. Na frente de cada envelope constavam as mesmas quatro palavras:

Para meu futuro marido.

Um sorriso de satisfação nasceu em um canto secreto da coração de Cris e, como um

perfume suave, abriu caminho até seus lábios. Não sabia quem seria seu marido quando

começou a escrever as cartas. Muitas vezes sentira esperança de que fosse Ted, mas nunca, ao

depositá-las na caixa, tivera certeza de que o destinatário seria ele.

Hoje, sabia. Ted era o homem para quem se guardara, que leria as cartas na noite do

casamento deles. Saberia assim, com mais certeza ainda, que durante os últimos cinco anos

ela havia orado, esperado e ansiado por ele.

Cris decidiu escrever-lhe mais uma vez. Pegou uma folha em uma caixa de papel de

carta que comprara na Suíça e começou:

Querido futuro marido, meu Ted.

Foi muito gostoso escrever o nome dele na saudação. Ted não tinha nome composto, e

Cris achava isso uma pena. Gostaria que os filhos deles tivessem nomes compostos,

imponentes, poéticos como o dela, Cristina Juliet.

Ela prosseguiu:

Enquanto escrevo, você está no México e eu, de cama por causa da gripe. Tive tempo

para pensar muito nos últimos dias e quero dizer a você duas coisas. Duas não, três. A

primeira é que estou muito feliz por que vamos nos casar. Mal posso esperar para me tornar
sua esposa. Sei que precisaremos fazer muitos acertos em nosso relacionamento, mas também

sei que vamos nos esforçar juntos e aprenderemos a nos comunicar melhor.

Isso me leva ao segundo ponto. Sempre que fico doente, eu preciso de atenção. Não

gosto de ficar sozinha esperando suar até a doença ir embora. Vou querer que você veja se já

melhorei e me traga chá e torradas. Sei que somos diferentes nisso e achei que você deveria

saber que isso é muito importante para mim.

Lembro-me de uma vez, quando estávamos no colégio, que eu fiquei doente. Você foi

até minha casa e ficou do lado da minha cama estudando até eu acordar. Talvez você tenha

pensado que eu ia acordar e pular da cama pronta para fazer algum programa. Mas você

estava lá, comigo. Eu nunca disse que considero essa uma das lembranças mais românticas e

carinhosas dos nossos primeiros anos juntos. Estou ansiosa para nos casarmos, porque

depois, toda manhã, a primeira coisa que vou ver quando acordar é seu belo rosto. E vai ser

logo.

Agora, a última coisa que quero dizer, antes de me entregar aos sonhos com nossa vida

em comum, é que quero que todos os nossos filhos tenham nomes compostos, certo?

Com todo meu amor, para sempre,

Sua Cristina Juliet Miller

(Que em breve será Spencer)!

P.S.: Eu amo você.

Cris colocou a carta em um envelope, lacrou e escreveu na frente: Para meu Ted.

Enfiou a carta na caixa com as outras e colocou tudo do volta no esconderijo sob a

cama. Com isso, lembrou-se: a carta do Rick!

Onde será que eu coloquei a carta do Rick?

Soou uma leve batida na porta do quarto, e sua mãe entrou.


- Está se sentindo melhor? perguntou ela.

- Muito melhor.

Bastou falar e um acesso de tosse fez parecer que ela estava qualquer coisa, menos

melhor.

- Pensei ter ouvido você se movimentar e vim ver se quer que eu traga alguma coisa.

- Tia Marta deixou aqui aquelas revistas de noiva?

A mãe fez sinal afirmativo.

- Estão na sala. Quer que eu busque?

- Por favor.

Durante o resto da tarde, Cris folheou as revistas. Na hora em que a escuridão cobriu o

mundo do outro lado da janela, Cris adormeceu e sonhou com um desfile de vestidos de noiva

deslumbrantes interrompido de vez em quando por propagadas de artigos de prata.

Por volta de 1:00h da tarde do dia seguinte, já recortara das revistas várias fotografias e

colara no caderno de organização casamento. Era como brincar com bonecas de papel - cortar

corpete de um vestido e combiná-lo com a saia de outro. Encontrou o modelo exato que

gostaria de ter para as damas de honra. Na revista, eram pêssego, mas preferia azul-claro.

Quatro véus a agradaram, mas achou que seria difícil decidir sem experimentar.

Cris largou o caderno, pegou uma calça jeans e um moletom na pilha de roupa limpa e

dobrada que sua mãe trouxera e foi tomar banho. Estava se sentindo bem. Ou, pelo menos,

melhor. Não tinha voz e, quando tossia, a cabeça doía, mas agora estava pronta para se reunir

ao resto do mundo.

Meia hora depois, limpa e refrescada, com as pontas do longo cabelo ainda tímidas,

aventurou-se a ir até a sala de visitas, onde sua mãe recolhia os enfeites de Natal. A árvore

fora desmontada e todos os enfeites, guardados nas caixas.


De onde estava ajoelhada, embrulhando em tecido as peças do presépio para guardá-las,

a mãe de Cris olhou para cima e comentou:

- Você parece estar bem melhor.

Cris assentiu.

- Continua sem voz? indagou a mãe.

- Ela foi embora, sussurrou Cris. Mas pelo menos não sinto dor quando falo baixinho

assim. Quer que eu ajude?

- Seria ótimo. Você pode pegar o aspirador de pó no armário e tentar limpar aquelas

folhas de pinheiro que estão ali no canto.

As duas trabalharam caladas durante quase uma hora, com eficiência. Cris ajudou a

carregar as caixas para a garagem. Depois que todas estavam guardadas, limpou a garganta e

falou:

- Tive algumas idéias para o meu vestido e os das damas.

- Quero muito ver, disse a mãe. O que você acha de eu fazer sopa e você me mostrar o

que encontrou?

Enquanto tomavam a sopa de macarrão, Cris mostrou à mãe o caderno:

- Este corpete, sussurrou em voz rouca, com uma saia parecida com esta. Gosto desta

tira larga na cintura.

- Entendi, disse a mãe. Vai ficar bonito em você, por causa de sua cintura fina.

- Mas quero que o corpete seja bordado, como este aqui. Só que com flores brancas bem

pequenas. Branco sobre branco. Você não acha que vai ficar bonito?

- Lindo, afirmou a mãe. E você gosta do corpete liso como este, com o decote redondo

estilo bailarina e as mangas três quartos?

Cris concordou.

- Amei essas mangas. Em especial se também forem bordadas.


A mãe sorriu:

- Estou surpresa com sua escolha.

- Por quê?

- Você já viu meu vestido de noiva?

Cris vira fotografias do casamento de seus pais, mas não se lembrava de como era o

vestido da mãe. Balançou a cabeça.

- Venha comigo, disse a mãe.

Ela conduziu a filha pelo corredor e as duas entraram no quarto da mãe. Ela tirou do

fundo do armário uma caixa que trazia a etiqueta de uma lavanderia que ficava no estado de

Wisconsin.

- Eu me lembro dessa caixa, disse Cris em voz rouca. Encontrei em seu armário uma

vez, quando eu era pequena.

- Você e Paula queriam usar meu vestido pra brincar, contou a mãe. Eu tive um ataque.

- É, teve mesmo. Eu lembro.

Cris reparou que o lado direito da caixa estava colado com fita adesiva. Aparentemente

fora por ali que ela e sua melhor amiga na infância haviam tentado invadir.

Cris estudou o semblante de sua mãe enquanto ela abria a caixa com cuidado. Era uma

mulher simples, de aparência agradável e comum, mais baixa e mais gorda do que Cris. O

cabelo estava quase completamente branco, e ela nunca o tingira. Usava sempre curto, liso e

por trás das orelhas. Cris achava que ficava melhor assim do que no que chamava de

“penteado capacete” toda vez que viam as antigas fotos de família.

Quanto mais crescia, mais Cris admirava sua mãe. Margaret Miller era uma mulher

firme, que sempre colocava a família em primeiro lugar. Antes, Cris desejava que sua mãe

fosse animada, extrovertida, mais parecida com uma amiga ou irmã mais velha do que com

uma mãe. Entretanto Margaret era sempre a mesma, consistente, alheia às modas passageiras.
Hoje Cris apreciava isso. Embora nunca contasse à mãe todos os segredos, sabia que ela

estava sempre disponível e que ouvia sem criticar. Raramente dava conselhos e, quando isso

acontecia, costumava pensar bem antes de falar.

- Agora, quero que você saiba uma coisa, começou a mãe. É só uma idéia, com base nas

fotografias que você me mostrou. Não sei se você vai se interessar e, se não quiser, tem toda a

liberdade de dizer, pois não vai, de forma alguma, me magoar.

Cris estava começando a ficar nervosa. Sabia que seria um problema se sua mãe lhe

sugerisse que usasse o vestido de noiva dela. Para início de conversa, a mãe era mais baixa. E

as duas raramente gostavam das mesmas coisas.

- ‘Tá vendo o corte do corpete? perguntou a mãe, desdobrando o vestido.

Cris assentiu, surpresa. Era o mesmo modelo do vestido da fotografia que ela havia

cortado. Não era muito cavado e caía um pouco pelos ombros.

- As mangas podem ser reformadas para serem três quartos, disse a mãe. Sei que a saia

vai ficar muito curta, mas poderíamos fazer outra, bem longa, e também a tira larga na cintura,

como você falou. Assim, a cauda pode ser do tamanho que você quiser.

Cris examinou a parte de cima do vestido. O decote chegava apenas à altura da

clavícula, e ela achou o tecido lindo.

- O que é isso?

- O tecido? Não sei. É algum tipo de mistura que era muito popular na minha época.

Não sei se minha idéia vai ajudar.

- Posso experimentar? perguntou Cris.

- Vai ficar muito largo, respondeu a mãe. E também curto.

- Tudo bem. Eu quero ver se a parte de cima serve em mim.

- Certo.
A mãe fechou a porta do quarto, embora só as duas estivessem na casa. Cris tirou o

moletom pela cabeça e saiu da calça jeans.

Com a ajuda de sua mãe, enfiou-se no vestido. Como previsto, ficou largo e curto, mas

o decote ficou perfeito.

- Gosto dessa idéia, mamãe. Vou achar o máximo transformar seu vestido de noiva no

meu. Mas você tem certeza de que não se importa?

A expressão no rosto da mãe se suavizou em um sorriso doce.

- Ah, Cris, nada me daria mais alegria, respondeu ela. Tem certeza de que quer fazer

isso?

- Tenho!

Cris puxou as mangas, tentando visualizar como ficariam se fossem mais curtas. Um

acesso de tosse brotou em sua garganta, ela se virou e tossiu durante vários segundos.

- Vai ser fácil transformar em mangas três quartos, comentou a mãe. Assim, fica um

estilo adequado para qualquer estação em que você resolver se casar.

Cris perguntou a si mesma se deveria comentar com a mãe sobre a provável data de 22

de maio. Se fizesse isso, teria de explicar também por que ela e Ted queriam realizar a

cerimônia e a festa em uma campina e não em uma igreja. Naquele momento, não tinha a voz

nem a energia necessárias para abordar assunto tão complicado.

Felizmente, a mãe passou a outro ponto.

- Não sei se vamos encontrar tecido que combine para fazer a saia, mas podemos tentar,

disse ela. Tenho certeza de que consigo fazer a saia. Mas, e as flores bordadas? Parece que foi

isso de que você mais gostou naquele vestido que você viu. Acho que não vou me arriscar a

bordar. Talvez encontremos alguém que borde pra nós.

- Eu posso bordar, disse Cris.

A mãe demonstrou surpresa.


Cris limpou a garganta e, em um fio de voz, contou:

- Eu nunca falei pra você, mas uma das coisas que aprendi na Suíça foi bordado. Eu

passava horas no orfanato bordando lenços e fronhas com as meninas mais velhas.

- Tem razão, você nunca me contou.

- Com o bordado eles podem fazer artigos pra vender. Algumas garotas eram rápidas e

muito detalhistas. Trabalhei em uma porção de fronhas e em algumas toalhas de mesa. As

meninas terminaram o bordado e venderam, então não trouxe pra casa nenhum trabalho meu.

Acho que consigo bordar o corpete e talvez tenha sido por isso que o vestido da revista

chamou minha atenção. O bordado me fez lembrar daquele ano da minha vida.

- Vamos tentar, disse a mãe. Este fim de semana eu desmancho o vestido e diminuo as

mangas. Você leva o corpete quando voltar pra universidade e faz o bordado. Se você quiser,

podemos ir até a loja agora pra ver modelo e tecido para a saia. Com certeza encontraremos

também uma revista com risco de bordados. Vou pegar a fita métrica.

Cris ficou parada, com os braços estendidos. Sua mãe tirou as medidas e calculou

quanto tecido teriam de comprar.

- Nós duas temos de manter uma coisa em mente, disse a mãe, anotando as medidas.

Precisamos deixar tempo suficiente antes do casamento para o caso de você mudar de idéia.

Não vou ficar ofendida se começarmos e depois descobrirmos que não vamos dar conta ou

que não ‘tá ficando do jeito que você quer.

Cris concordou. Estava otimista, achava que o vestido ficaria exatamente do jeito que

ela queria. Depois pensou se as palavras de sua mãe não indicavam que ela estava tentando

voltar atrás sem magoar a filha.

- Mãe, se você acha que o desafio é grande demais, podemos para. Eu detestaria ver

você destruir seu vestido de noiva pra depois, não usá-lo.


- Só saberemos se tentarmos, afirmou a mãe, em seu jeito prático. Acho que vamos dar

conta.

Cris deu um grande abraço em sua mãe e sussurrou no ouvido dela:

- Muito obrigada por sacrificar seu vestido de noiva por mim.

- Não é sacrifício nenhum, querida. É o que tenho pra dar. Desde que você era pequena,

sempre tive vontade de dar a você muitas coisas, mas nunca pudemos. Na sua adolescência,

Marta apareceu e lhe deu tantas coisas que achei que você acabaria ficando ressentida comigo.

- Não, mamãe, de jeito nenhum.

- Sei que minha irmã tem boas intenções, mas ela telefonou de novo ontem pra

perguntar se você já tinha sarado e podia ir até lá pra cuidar do planejamento da cerimônia.

Repetiu que ela e Bob querem pagar todas as despesas que eu e seu pai não pudermos cobrir.

O coração de Cris se comoveu por sua mãe, que assumira expressão melancólica.

- Por favor, não deduza que eu e seu pai não queremos que eles ajudem. Não nos

importamos com a participação deles. Sei que ficarão felizes com isso e também que assim

seu casamento será mais bonito do que eu e seu pai podemos pagar. Mas eu queria ter alguma

coisa pra dar pra você. Alguma coisa que fosse minha.

- E ‘tá me dando seu vestido de noiva, sussurrou Cris, emocionada.

- Exatamente.

Cris sorriu e disse:

- Já sei que meu vestido será uma de minhas partes favoritas do casamento.

- Espero que sim.

O rosto redondo da mãe tinha um brilho carinhoso quando falou:

- Na verdade, meu amor, me parece que sua parte predileta do casamento será a lua-de-

mel.
Durante os vinte minutos seguintes, Cris e sua mãe permaneceram assentadas bem

juntas na beirada da cama. Cris ainda estava com o vestido de noiva. Assentou-se bem

esticada, para não amassar nada.

De repente, percebeu que não era mais uma menininha brincando com o vestido da mãe,

como tentara fazer tempos antes. Aquilo era real, não era fingimento. Ela era uma mulher que

ouvia outra falar, em tom baixo, sobre a beleza e a santidade de entregar-se a seu marido na

noite de núpcias.

A mãe escolhia as palavras com delicadeza. Não entrou em detalhes. Afirmou que se

arrependia por ter deixado que a timidez as impedisse de terem antes essa conversa tão íntima

e importante. Cris comentou que não sabia se a teria apreciado em outro momento.

- Sei que você e Ted fizeram escolhas sabias e maduras, disse a mãe. Isso fica evidente

na maneira como vocês se olham e se tratam. Serão recompensados por cultivarem esse

respeito profundo.

Cris entendeu, com mais intensidade do que em todas ocasiões anteriores, o poder da

virgindade. Não apenas para ela e Ted, mas também para os filhos deles. Percebeu que um dia

poderia assentar na beirada de sua cama com sua filha e ter essa mesma conversa. Era uma

coisa muito poderosa olhar nos olhos da filha, como sua mãe fazia agora com ela, e dizer, sem

nenhum traço de arrependimento:

- Seu pai e eu esperamos um pelo outro, e valeu a pena.

Com renovada determinação, voltou a prometer a si mesma que não importava quantos

meses ou anos ela e Ted esperariam pela noite de núpcias, continuaria guardando seu presente

mais precioso, aquele que só pode ser dado uma vez. O dom recebido de Deus, que só

entregaria a um único homem, que também se guardara para ela.


Na hora em que despiu o vestido de noiva e saiu para ir à loja de tecidos com a mãe,

Cris sentia que acabara de ser apresentada à sua mãe. Além disso, sabia que a proximidade

que haviam acabado de estabelecer permaneceria para o resto da vida.


9

Para Cris, o melhor do primeiro dia de volta ao campus da universidade, depois dos

feriados do Natal, foi tomar café da manhã com Ted, na mesa “deles”, que ficava ao lado da

janela da lanchonete. A gripe se fora. Recuperara a voz e avançara muito com o planejamento

durante o fim de semana. Havia conversado várias vezes com o Ted pelo telefone depois que

ele voltara do México, mas fazia uma semana que eles não se viam.

Cris levara o caderno de organização do casamento e a primeira coisa que perguntou a

Ted, assim que se assentaram, foi:

- ‘Tá pronto pra se organizar?

- Organizar? indagou ele.

- Para o nosso casamento.

- Claro. Estou vendo que você já fez uma lista bem longa.

- É, fiz, disse Cris, virando a primeira página e mergulhando nas tarefas. Temos de

marcar um horário pra ver as alianças esta semana. Já estou bem adiantada com meu vestido,

mas você não vai saber nada sobre ele, nem vai ver, então isso não inclui você. Precisamos

começar a pensar nos convites e temos de decidir quantos convidados serão antes de falar

sobre o bufê. Assim que decidirmos a data, temos de fazer reservas para o vôo, porque minha

tia me disse ontem que alguns vôos pra Maui ficam lotados logo. Você falou com o pastor

auxiliar sobre nosso aconselhamento pré-nupcial?

Ted encostou-se na cadeira, abriu um sorriso largo e falou:

- Eu amo você.
- Não começa com romantismo, disse Cris, e pegou uma caneta na mochila. Temos

muito serviço.

Ted riu.

- Você não acha que seria melhor ir primeiro ao escritório da administração? disse ele.

Assim ficamos sabendo se podemos casar no dia 22 de maio na campina. E podemos partir

daí.

- Certo, mas dá pra conversar sobre algumas coisas enquanto comemos. Por exemplo,

quantos padrinhos você quer? Convidei Katie pra ser minha madrinha, mas não sei muito bem

quem mais vou chamar. Trícia, é claro. Isso se nos casarmos em maio. O bebê só vai nascer

em julho, né?

Ted parou de comer os ovos mexidos e sustentou o garfo no meio do caminho para a

boca.

- O que você acha de nossa primeira filha se chamar Julieta? perguntou ele. O apelido

dela pode ser Juli, pra ninguém a perseguir com piadas sobre Romeu.

- Ted, você ‘tá ficando romântico de novo, interpôs Cris com um meio sorriso.

Ela sabia que Ted e Douglas haviam conversado sobre nomes de bebês enquanto

estavam no México. Ted lhe contara pelo telefone, dias antes, que haviam escolhido o nome

Daniel para bebê, se fosse menino. Cris ainda não conversara com Trícia para saber o que ela

achava. Não haviam sugerido nome de menina.

- Vi em um livro do Douglas, prosseguiu Ted, que Julieta significa “jovem”. Gostei,

embora eu sempre tenha apreciado os nomes havaianos por causa do som: quando a gente

fala, parecem uma musiquinha. Talvez a gente possa escolher nomes compostos para nossos

filhos, sendo o segundo nome havaiano. O que você acha?


Cris largou a caneta e olhou séria para Ted. Seu coração dançava. Ele estava pensando

em nomes compostos para os filhos, exatamente como ela, quando lhe escrevera a carta na

semana anterior. Talvez não pensassem de forma tão diferente assim.

Forçando uma expressão de seriedade, Cris perguntou:

- Você quer falar de negócios ou de romance? Decida-se.

Ted riu.

- ‘Tá bom, ‘tá bom, disse ele. Romance depois. Negócios agora.

Um sorriso escapou quando Cris abaixou a voz.

- E quando falarmos de romance depois, você pode falar por quanto tempo quiser, o

máximo que desejar. Eu amo quando você sonha em voz alta.

- Sonhar em voz alta, repetiu Ted. É isso que ‘tá acontecendo, né? Gosto disso, Kilikina.

Durante tantos anos eu e você não sabíamos o que o futuro reservava pra nós, então tivemos

de guardar nossos sonhos pra nós mesmos. Que bom que fizemos isso. Teria sido injusto pra

nós dois se tivéssemos começado a sonhar em voz alta antes de ficarmos noivos.

- Concordo, Ted. Você nem imagina como guardo os sonhos no fundo do meu coração, e

como me apego a eles.

- Acontece o mesmo comigo, falou Ted. Tenho de dizer que fizemos algumas coisas

certas. Como o “cofrinho imaginário”. Foi uma idéia muito boa.

Cris sabia que Ted estava se referindo a uma coisa que eles haviam combinado meses

antes. Os dois achavam difícil se controlar quando desejavam expressar fisicamente o afeto,

então inventaram a imagem de cada um deles ter um “cofrinho imaginário”. Quando sentiam

vontade de se beijar, podiam parar um pouco e avaliar se queriam mesmo gastar o beijo

naquela hora ou poupá-lo no cofre. Ambos sabiam que, se guardassem a maior parte dos

contatos físicos e gastassem apenas uma pequena porção, chegariam ao casamento ricos de

carinhos poupados.
- E naquela noite em que fomos cantar na rua, você disse que estávamos em um sinal

fechado; aquilo me ajudou muito, comentou Cris.

- É, mas ‘tá ficando cada vez mais difícil, não ‘tá? perguntou Ted.

Cris entendeu muito bem o que ele disse, mas sentiu vergonha de dizer em voz alta.

Ted inclinou-se sobre a pequena mesa ao lado da janela para dizer:

- ‘Tá ficando mais difícil, mas só temos de esperar mais 135 dias.

Cris sentiu que a expectativa fazia seu coração pular.

- Só mais 135 dias até 22 de maio? repetiu, endireitando-se na cadeira. Bem, então é

melhor prosseguir com minha lista. Temos muito que fazer nos próximos 135 dias.

Ted estendeu a mão por cima da mesa e agarrou a de Cris, antes que ela conseguisse

pegar a caneta.

- Vamos, Kilikina, deixe a lista de lado só um pouquinho. Diz pra mim, você não pensou

sobre isso? Sobre nos tornarmos um? Nos entregarmos um ao outro?

Cris olhou bem nos olhos de Ted e ficou surpresa por não sentir o rosto arder. Ali estava

o homem com quem iria se casar. Dentro de 135 dias, ela se entregaria completamente a ele e

os dois se deleitariam um no outro pelo resto da vida. Não sentiu vergonha de pensar nem de

falar sobre isso com ele. Lembrou-se do relato de Gênesis, que afirmava que Adão e Eva

estavam nus e não sentiam vergonha.

Arrastou sua cadeira para perto da de Ted, inclinou-se para ele e escolheu as palavras

com muito cuidado.

- Ted, desejo, de todo meu coração, ser sua. Sei que vou amar você de forma tão

completa e com tanta paixão que garanto, Ted Spencer, você vai ser o homem mais feliz que

já viveu na face da Terra.


Ted pareceu surpreso e encantado com as palavras dela. Lágrimas brilharam no canto

dos olhos dele, que envolveu Cris com os dois braços e a puxou para perto dele. Enterrando o

rosto no pescoço dela, sussurrou, no meio do longo cabelo dela:

- E eu vou fazer de você a mulher mais feliz do mundo, minha Kilikina. Eu prometo.

Quando se afastaram, o coração de Cris pulava tanto que parecia bater na garganta e nos

ouvidos.

- Sabe de uma coisa? É melhor não sonharmos mais em voz alta sobre essa parte do

nosso futuro, disse Ted, em voz rouca.

Cris concordou com a cabeça.

- Bom, pelo menos até ficarmos embaixo de nossa treliça na campina, daqui a 135 dias,

falou ele com firmeza.

Ted afastou-se e olhou para o café da manhã ainda não consumido como se nunca

tivesse visto ovos mexidos antes.

Cris voltou a cadeira para seu lado na mesa e tomou um gole de suco de laranja.

Desenhou uma treliça coberta de flores bem no topo da lista. O arco estava se tornando

símbolo da passagem de uma etapa da vida para outra, tanto para ela quanto para Ted.

Os dois apreciavam o simbolismo de uma ponte no Havaí que havia representado para

eles uma passagem na vida. Ela pensou se o arco do casamento poderia ser coberto com

trepadeiras de flores tropicais, como a ponte de Kipahulu. Ted gostaria disso.

- Ei, crianças! Interrompo alguma coisa? perguntou Katie, puxando uma cadeira para

perto da mesa deles. Se vocês quiserem ficar sozinhos, eu sento em outro lugar.

- É, queremos ficar sozinhos, muito mais do que você imagina, falou Ted. Mas vamos

esperar mais 135 dias.

- Tudo bem, disse Katie, olhando para Cris. Acho que não quero saber do que vocês

estavam falando, mas dá pra imaginar.


- Você já foi ao nosso quarto? quis saber Cris.

- Não. Acabei de chegar ao campus. Tenho uma aula daqui a vinte minutos. Disse ao

meu novo chefe que vou chegar mais cedo no serviço, então você provavelmente só vai me

ver depois das 1l:00h da noite.

- Você começa hoje no Ninho da Pomba? indagou Ted.

- É, disse Katie, pegando meio pão no canto do prato de Ted. Você vai comer isso?

- Pode pegar. Quer que eu busque ovos pra você? ofereceu Ted.

Katie sorriu.

- Quero! Você é maravilhoso, Ted. Cris, você precisava ter visto seu noivo no México.

Era o Sr. Servo de Todos.

- Você e Rick foram os verdadeiros heróis, comentou Ted, levantando-se. Nada teria

dado certo sem vocês pra cuidarem da cozinha.

Ele se afastou, e Katie se voltou para Cris:

- O que ele quer dizer é que foram necessárias duas pessoas pra fazer seu trabalho, Cris.

Sentimos muito sua falta. Você deveria ter visto seu amado. Falou sobre você o tempo todo.

Todas as garotas da mocidade querem saber se vão ser convidadas para o casamento.

Então, olhando por sobre o ombro para assegurar-se de que as duas estavam sozinhas,

Katie abaixou a voz e disse:

- Preciso conversar com você.

Cris ficou esperando.

- Não agora, nem aqui. Você tem algum tempo livre hoje, antes de eu ir trabalhar?

- Tenho apenas duas aulas de manhã e só tenho de estar livraria pra trabalhar às 2:00h da

tarde.

Katie torceu a boca, em expressão de perplexidade.


- Acho que não vai encaixar com meus horários. A gente conversa quando eu chegar, à

noite.

Ted voltou, com ovos para Katie e outro pão para ele. Contaram como tinha sido boa a

viagem ao México e falaram das pessoas que haviam conhecido no orfanato. Cris desejou ter

participado, mas sentiu-se satisfeita pelo tempo que passara com a mãe e por tudo que

planejara.

- Tenho de partir, disse Katie. Vejo vocês depois.

Ao se levantar, esbarrou no caderno do casamento de Cris e derrubou-o no chão.

Eu e Ted não avançamos nada em nossa lista, pensou Cris.

Exatamente dez horas depois, estavam de volta à mesma mesa ao lado da janela na

lanchonete. Ted estava prestes a atacar uma de suas saladas prediletas, que eram feitas lá

mesmo. Parecia um vulcão verde com uma erupção de ervilhas correndo pela encosta em um

rio de molho branco.

- Bem, telefonei pra minha mãe, anunciou Cris depois que oraram.

Ted levantou a sobrancelha e perguntou:

- E o que foi que ela disse?

- Ela achou que 22 de maio é um bom dia e disse que papai por certo vai concordar.

Mas, quando contei que queremos fazer a cerimônia e a recepção na campina, ela ficou muito

calada.

- Meu pai achou a idéia ótima, disse Ted.

- Já telefonou pra ele?

Ted assentiu.

- Não consegui esperar. Telefonei pra minha mãe também. Tive de deixar uma

mensagem no celular.
- Você falou também de sua formatura no fim deste mês? Quer dizer, ela vem pra

formatura também, né?

- Falei a data tanto da formatura quanto do casamento. Espero que dê pra ela encaixar

na agenda.

Cris percebeu um tom de mágoa na voz dele. Nem podia imaginar como deveria ter sido

difícil crescer sem a presença da mãe. Ela se casara de novo anos antes e fora com o novo

marido e a nova família morar na costa leste dos Estados Unidos. Ted morara com eles

durante algum tempo. Era muito raro ele falar da mãe e, quando o fazia, era rapidamente,

sempre explicando que ela era muito jovem quando ele nasceu e que não estava preparada

para assumir a responsabilidade de ser mãe.

- Espero que ela possa vir à formatura e ao casamento, disse Cris.

- Eu também. Ted mudou logo de assunto. E seus tios? Telefonou pra eles?

- Não, minha mãe disse que ela mesma queria conversar com Tia Marta sobre a

cerimônia e a recepção serem aqui. Acho que pensou que as duas poderiam se consolar

mutuamente, já que ambas queriam coisa diferente do que decidimos.

- É o nosso casamento, disse Ted.

- Eu sei. E acho que a campina é mesmo o melhor lugar pra nos casarmos.

- É o lugar certo, e 22 de maio, a data certa. Temos um plano, disse Ted abrindo o

sorriso. E aí, o que mais temos aí nessa sua lista de tarefas?

- Será que agora é uma hora boa pra eu mostrar o que pensei para o anel?

- Claro.

Cris tirou o caderno do casamento da mochila e abriu nas páginas em que havia colado

fotografias de anéis e rabiscado alguns esboços.

- Aqui é a opala azul, disse ela, apontando para uma marca angular, em forma de onda,

no meio de um anel de ouro estreito.


- E a pedra é incrustada, certo? perguntou Ted.

- É. Eu gostaria que o anel fosse liso, sem nenhuma saliência. Essas marcas aqui, dos

dois lados, são três diamantes bem pequenos, também incrustados, disse ela e, com uma

sensação de prazer, continuou. Veja, a opala azul é como uma onda do mar. Os diamantes

deste lado são como a areia e os outros, estrelas. Sempre que eu olhar pra esse anel, vou me

lembrar como nos conhecemos na praia e nos apaixonamos enquanto contávamos as estrelas e

caminhávamos descalços pela areia.

Ted ficou contemplando o desenho dela, sem dizer nada.

- O que você achou? quis saber ela.

Ele levantou os olhos e disse:

- Você é maravilhosa, Kilikina.

- Gostou?

- Amei. É exatamente o anel que eu gostaria de te dar. Você conseguiu colocar um

mundo de significados em uma simples argola. Criou um anel só seu.

- Só nosso, corrigiu Cris.

- É, só nosso. O que você prefere, encomendar ao Sr. Frank ou ir a outra joalheria?

- Acho que o Sr. Frank trabalha bem. Peça pra ele usar uma daquelas opalas australianas

azuis com partículas violetas e verdes. Não quero aquelas quase brancas, gosto das que se

parecem com o oceano.

- Entendi, disse Ted, estendendo a mão para pegar o caderno. Você se importa se eu

levar isso? Posso ir a Carlsbad amanhã.

- Não! disse Cris, agarrando o caderno. Isto é meu cérebro, você não pode separá-lo de

mim. E também não pode ver as páginas com o modelo do meu vestido. Vou tirar cópia da

parte do anel e entrego pra você amanhã cedo.


- Quer ir a Carlsbad comigo? indagou Ted. Você pode explicar tudo pessoalmente ao Sr.

Frank.

Cris quase concordou, porque queria ir e sabia que facilitaria muito para o Ted se fosse.

Mas tinha muitos compromissos no dia seguinte.

- Entro no serviço ao meio-dia amanhã e fico até cinco da tarde. Acho que não dá tempo

pra ir até Carlsbad depois do trabalho e voltar antes da minha aula das 8:00h da noite. Vou

fazer umas anotações pra ajudar você.

- Se você já soubesse como quer as alianças, poderíamos mandar fazer tudo junto,

sugeriu Ted.

- Fácil. ‘Tá vendo esta fotografia? Recortei de uma revista. Gostaria de uma aliança

como essa, da mesma largura do anel de noivado. E você? Que tipo de aliança quer?

Ted encolheu os ombros.

- Nunca usei anel. O que você acha que ficaria bom?

Cris pensou um pouco. Sabia que Ted se contentaria com uma argola dourada sem

pensar duas vezes, mas ela queria que a aliança dele fosse especial.

- O que você acha de usar uma versão maior do meu anel noivado? sugeriu ela.

- Você não acha que é feminino demais?

- Feminino?

- É, disse Ted, analisando os desenhos. Olha, o que você acha de incrustar três

diamantes pequenos em sua aliança? Ou talvez seis, na parte da frente, assim.

Ele fez seis marcas pequenas com a caneta de Cris.

- Ficaria lindo, interpôs ela. Mas também mais caro.

- Não há problema.

- Você gostaria de diamantes em sua aliança também? perguntou Cris.

- Não. Pra mim basta uma argola de ouro.


Ao se arrastar para a cama naquela noite, Cris pensou em como Ted se satisfazia com

pouco. As preferências dele eram simples e suas expectativas, razoáveis. Era maravilhoso, sob

todos os aspectos. A ansiedade que sentira poucas semanas antes, ao perceber a dificuldade de

comunicação entre eles, parecia ter diminuído. Quanto mais tempo passavam conversando,

mais progrediam.

- Olhou o relógio. 11:35h, e Katie ainda não voltara. Cris estava mais do que pronta para

dormir. Passara duas horas seguidas bordando o vestido de noiva antes de tomar banho e lavar

o cabelo. Se não fosse pela vontade de saber o que a amiga queria lhe contar, teria apagado a

luz e mergulhado no sono.

Tenho certeza de que ela vai falar alguma coisa relacionada ao Rick... Isso me lembra

a carta. Puxa, ainda não li a carta.

Cris se levantou, pegou a mala no fundo do armário e enfiou a mão nos bolsos internos.

Encontrou o envelope amarrotado. Em vez de voltar para a cama aconchegante, forçou-se a ir

até o sofá de surfe, tentando fazer as pazes com o inimigo. Assentou-se com os pés embaixo

do corpo, apoiou-se no encosto frio e procurou uma posição confortável.

Abriu o envelope e retirou duas folhas de papel dobradas. Uma nota de cem dólares caiu

no colo dela. Surpresa, correu os olhos pela carta manuscrita.

Querida Cris,

Espero um dia poder entregar esta carta a você pessoalmente, porque assim vou olhar

em seus olhos para saber se você me perdoou mesmo por ter tirado sua pulseira de ouro.

Acho que já sei que você me perdoou, mas vou me sentir melhor se vir isso em seus olhos.

O dinheiro que acompanha a carta é para reembolsar o que você pagou ao joalheiro

para recuperar a pulseira. Se for mais do que você pagou, então use para alguma outra

coisa. Mas prometa-me que aceitará, como restituição por meu ato impensado.
É provável que você já saiba que Deus agora controla toda minha vida. Ainda não

entendo como ele não desistiu de mim há muito tempo. Ele me atraiu com paciência até eu

me aproximar dele e hoje sou outra pessoa. E tudo obra de Deus, não minha.

Mas você não sabe que participou de um dia muito importante da minha vida. Não me

dei conta na época, mas Deus usou uma atividade didática para chamar minha atenção tem-

pos depois. Estou falando do primeiro domingo em que você visitou nossa igreja e assentou-

se ao meu lado na sala. Lembra que o professor mandou Katie ficar em pé em uma cadeira e

disse que meu nome era Pedro Incrédulo e ela, Katie Cristã? Katie tinha de me puxar para

eu ficar da altura dela. Por mais que ela tenha tentado, não conseguiu. Depois, com um

pequeno puxão, eu a fiz descer até o meu nível.

Bem, nunca me esqueci dessa ilustração. Percebi que vivia puxando os outros para

baixo. Quando, por fim, atingi o fundo do poço, não conseguia me esquecer da fragilidade de

Katie quando eu a empurrei da cadeira. Vi que não tinha com ninguém o tipo de

relacionamento de confiança que ela havia expressado. Sabia que ansiava por confiar assim

em Deus. Eu tinha feito um tipo de contrato com ele. Você entende, não é? Eu disse a ele que

seguiria as regras se ele não me deixasse ir para o inferno. Mas não é assim que ele age.

Descobri que ele me queria por inteiro. Queria que eu abrisse meu coração e o recebesse por

completo. E, depois que me arrependi, foi o que aconteceu.

Assim, peço que você aceite essa restituição e gostaria que soubesse que me arrependo

da forma como tratei você.

Seu irmão em Cristo,

Rick Doyle

Antes que Cris tivesse tempo para qualquer reação diante da carta, a porta se abriu e

Katie entrou, carregando um lindo buquê de flores variadas. O rosto dela brilhava.
- Bem, comentou Cris, parece que alguém teve um primeiro dia de serviço muito

proveitoso.

- Meu chefe me deu as flores.

- Muito simpático o presente de boas-vindas.

- Rick não dá flores pra todo mundo que começa a trabalhar lá, disse Katie, que

continuava em pé ao lado da porta fechada, como se estivesse presa em um sonho, incapaz de

se mover.

- É, não acredito que ele receba todos assim.

- Não sei o que vou fazer com elas.

- Acho que precisam de água, sugeriu Cris.

Katie engoliu em seco e deu um sorriso tímido.

- O que foi? perguntou Cris.

Katie levou as flores ao rosto corado e aspirou o perfume. Piscando os olhos verdes que

brilhavam, disse bem baixinho:

- Eu gosto muito dele. De verdade.

- É mesmo? perguntou Cris.

- É.
10

- Cris, nunca pensei que isso iria acontecer, falou Katie, assentando-se no sofá de surfe,

com as flores no colo. Só faz algumas semanas, mas sabia que nos encontramos todos os dias

desde que você e o Ted ficaram noivos? Conversamos sobre tudo. A gente se divertiu muito

no México, e o Natal com a família dele foi maravilhoso. A mãe dele gostou muito de mim. O

pai dele me falou, na véspera do ano-novo, que eu sou um presente de Deus para o Rick.

Lágrimas rolaram pelo rosto de Katie.

Cris se preparou para receber as más notícias.

- Então, sobre o que você queria conversar comigo hoje de manhã? Lá na lanchonete

você disse...

- O que é isso? perguntou Katie ao ver a carta de Rick que Cris deixara sobre o sofá.

- A carta que Rick escreveu pra mim. Pode ler.

Katie examinou a carta. Depois olhou para Cris, indagando com os olhos.

- O que Deus ‘tá fazendo?

Cris sorriu.

- Minha melhor amiga, a Katie, diria que esta é uma imensa “coisa de Deus”.

- É mais do que imensa. Dá um nó na cabeça. E quem ‘tá fazendo é Deus, não eu. Não

quero correr na frente, nem ficar com medo e recuar. Minha única vontade é aceitar cada

etapa como vier e estar bem alinhada com o que Deus tem pra mim. Quero que ele cumpra o

propósito dele para comigo.


Cris fez força para não dar um grito de aprovação à sua amiga impulsiva, que

demonstrava naquele instante mais cautela e sabedoria do que em qualquer outra situação

anterior. Em vez de gritar, limitou-se a balançar a cabeça em sinal de apoio e compreensão.

- Ontem Rick me disse que minha presença na vida dele é como aquela música que o

Douglas estava compondo. Falou que, quando o Senhor nos reuniu, a vida dele ficou cheia de

alegria e de riso. As flores são um agradecimento por eu ser como sou. Mas eu fiquei nervosa,

pensei que talvez ele estivesse tentando me dizer que nosso relacionamento agora ia passar

para o nível seguinte, entende?

- E aí, o que você falou?

- Abri minha boca, como só eu sei fazer, e falei exatamente o que estava pensando.

Cris sabia que Katie às vezes chegava a ser rude quando decidia ser sincera. Com um

pequeno estremecimento, esperou o relato da amiga.

- Eu disse que nossa amizade mostra que confio nele, que não queria que nenhum de

nós dois julgasse com base no que passou. Eu perdoei-lhe quando ele me mandou aquela carta

e sei que fiz isso de verdade. Não guardo nada contra ele em meu coração, mas falei também

que não tenho o menor interesse em relacionamentos passageiros.

Katie olhou para Cris e a dúvida estava estampada em seu rosto.

- Depois eu disse: “Se alguma coisa duradoura vai crescer de nossa amizade, então

existirá daqui a cinco meses, um ano ou dez anos”.

Cris arregalou os olhos.

- E como ele reagiu?

- Disse que sentia a mesma coisa, que ‘tá interessado em uma amizade que resista a

qualquer circunstância. Não tem expectativas quanto a mim nem quer prever o que Deus ‘tá

fazendo em nossa vida.

- Isso é maravilhoso.
- Eu sei. Agora, gostaria que você me dissesse que agi certo.

Cris assentou-se perto de Katie e passou o braço pelos ombros da amiga.

- Claro que você fez o que era certo. Você é uma mulher forte, incrível, maravilhosa, e

lidou com uma situação que poderia ser constrangedora com sinceridade e integridade.

Um sorriso surgiu devagar nos lábios de Katie, que balançou a cabeça algumas vezes.

- É. Eu consegui, não foi? Pelo menos uma vez na vida fiz o que era certo.

- Você faz muitas coisas certas.

- Não quando se trata de rapazes. Você, melhor do que qualquer outra pessoa, conhece

minha longa lista de fracassos nessa área. E se, por acaso, esse cara for aquele com quem vou

passar o resto da vida, quero tomar cuidado pra não enlouquecer e acabar decidindo tudo por

impulso. Não quero correr na frente de Deus.

Cris deu um enorme sorriso para Katie.

- Você é completamente maravilhosa, disse à amiga.

- Maravilhosa, nada? Estou exausta? Você nem imagina quanta energia emocional gastei

nas últimas vinte e quatro horas pra analisar meus sentimentos, começar em um novo

emprego trabalhando pra ele e tentar descobrir como iria contar tudo isso pra você!

- Espero que você já soubesse que eu iria apoiá-la.

- Eu não sabia o que você iria pensar.

- Acho que isso é coisa de Deus. Katie, você merece o melhor, e desejo pra você tudo

que Deus tem de melhor pra dar. Aliás, pra vocês dois. Isso é o que sempre quis.

- Eu sei, disse Katie, baixinho, assentando-se perto da colega e dando um suspiro

profundo. Cris, tenho de lhe dizer algo. Sei que deveria ter falado há muito tempo, mas tanta

coisa mudou, na minha vida e na sua, que decidi deixar pra lá. Mas, diante do que tem

acontecido com Rick nestas últimas semanas, acho melhor contar.


Cris não podia imaginar que segredo Katie teria guardado, ainda mais durante muito

tempo.

- Você se lembra daquela noite em que fomos dormir na casa de Jane, quando estávamos

no segundo ano do colégio?

- Claro que lembro.

- Lembra que fomos até a casa do Rick, pendurar papel higiênico por todo o jardim?

Corremos mais depressa que você, e fomos embora no trailer. Você ficou pra trás, escondida

atrás de umas plantas.

- Katie, é claro que me lembro de tudo isso. O pai do Rick mandou ele sair pra tirar todo

o papel. Pulei de trás do arbusto, e ele saiu correndo atrás de mim rua abaixo.

- Certo. E foi nessa noite que ele ficou obcecado por você.

- Eu não diria isso.

- Bom, eu achei que sim, prosseguiu Katie. Agora vem a parte difícil. Pensei que, se

ficasse sua amiga, conseguiria me aproximar dele. E foi isso que eu fiz.

Cris deixou que as palavras de Katie penetrassem seu entendimento.

- Eu usei você, Cris. Passei anos querendo pedir perdão, mas foi ficando cada vez mais

complicado.

- Tudo bem. Nunca me senti usada por você.

- Porque você abriu os braços pra mim. Eu nunca tinha tido uma grande amiga antes, e

acabei sentindo mais vontade de ser sua amiga do que de me aproximar do Rick. Então disse a

mim mesma que não me importava com ele. A verdade é que, continuou Katie devagar, eu

estava sendo consumida de tanto ciúme.

- Você nunca demonstrou nada disso.

- Ah, demonstrei, sim. Você ‘tá sendo bondosa, Cris. Eu lutava o tempo todo, e você

sabe disso. Quando você despachou o Rick, metade de mim aplaudiu você por ter ficado firme
e mostrado pra ele que ele havia sido desprezível. A outra metade sentiu esperança de,

finalmente, ter uma chance de ser notada por ele. Isso não é doentio?

- Não acho que seja doentio, Katie. Você ‘tá sendo sincera. É complicado, como você

mesma disse. Naquela época, tudo era muito mais confuso.

- Eu gostaria de ter falado tudo isso pra você naquela época. Mas eu nunca encontrava a

hora certa. Quase toquei no assunto quando estávamos no terceiro ano no colégio e fomos

visitar os rapazes em San Diego.

Katie fez uma pausa e inclinou-se para frente, antes de prosseguir com a confissão.

- Na verdade, devo voltar a Janeiro daquele ano, quando fomos ao “Desfile das Rosas”*.

Rick me beijou à meia-noite - você já sabia disso. Foi um beijo espontâneo, pra desejar um

feliz ano-novo. Pra ele, não significou nada, mas foi meu primeiro beijo, foi com o Rick, e foi

muito importante pra mim.

___________________

* Desfile tradicional de carros enfeitados com flores, que acontece no dia 1º de Janeiro. (Nota da

tradutora.)

Cris inclinou a cabeça.

- E eu fiz você passar maus bocados por causa disso.

- Ei, esta confissão é minha, não sua. Seu coração estava no lugar certo. Você não queria

que eu me magoasse, e foi isso que aconteceu. E, quando ficamos na casa da Stephanie, perto

do apartamento deles em San Diego, Rick foi comigo até a porta, à noite. Ele me beijou, e eu

correspondi. Nunca contei isso pra você.

- Eu sabia, disse Cris, baixinho.

Katie se virou, o rosto tornado por uma expressão de surpresa.

- Você sabia? E por que não disse nada?


- Como você mesma disse, ficou meio complicado.

- É, ficou. No dia seguinte, no zoológico, dei a ele inúmeras oportunidades pra

confirmar o beijo e mostrar interesse por mim, mas ele escorregou mais do que sabão.

- Foi muito desagradável, concordou Cris.

- Você lembra do que me disse na frente da jaula dos coalas?

- Dos coalas? Não tenho a menor idéia.

- Você me fez prometer uma coisa. Você disse: “Prometa pra mim que não vai deixar o

Rick usar você”.

- Eu não me lembro disso.

- Bem, eu lembro, porque seu conselho me atingiu em cheio. Eu sabia que estava

fazendo exatamente isso com você, desde o início. Usei você pra chegar ao Rick. Confessei o

pecado pra Deus naquela hora e acertei meu coração com ele, mas fui covarde e não tive

coragem de confessar pra você e pedir seu perdão. Mas estou pedindo agora. Cris, eu me

arrependo do que fiz.

- Katie, eu perdôo você. Não se preocupe com isso. Como você disse, foi tudo

complicado. Nunca guardei ressentimento contra você.

- Eu sei que não, mas ainda assim precisava tirar esse peso do meu peito. Você é assim,

Cris, abre seu coração, e faz as pessoas sentirem que podem tomar conta dele, ficar à vontade

e permanecer por algum tempo. Foi o que fiz na época do colégio e, bem, aqui estamos nós.

Amigas até hoje.

- Grandes amigas, concordou Cris.

- Acho que dois tesouros especiais como nós não se encontram todos os dias, né?

- Claro que não, disse Cris e fez uma pausa antes de prosseguir. E um apaixonado por

Deus como Rick Doyle também não aparece todo dia.

Katie contemplou suas mãos.


- Eu gostaria de orar por você. Por nós, disse Cris.

Cris colocou a mão consoladora no ombro de Katie e agradeceu a Deus pelo que ele

fizera na vida delas no passado, pelo que estava fazendo no presente e pelo que viria a fazer

no futuro. Pediu sabedoria para Katie e Rick e orientação para ela e Ted.

Katie também orou. As duas se abraçaram e derramaram algumas lágrimas. Depois

Katie foi até a lavanderia, onde encontrou um balde que encheu de água para pôr as flores. Já

eram quase duas da madrugada quando, finalmente, Cris convenceu-a de apagar a luz.

Na escuridão tranquila do quarto, Katie falou:

- Tem mais uma coisa que eu não disse.

Cris estava quase dormindo e pensou que não teria forças para enfrentar mais surpresas

nem confissões.

- Ainda não nos beijamos, disse Katie com simplicidade.

Cris abriu os olhos e voltou-os na direção da cama da amiga, do outro lado do quarto.

Só dava para ver o contorno superior da Naranja.

- Rick me disse que prometeu a Deus que iria limpar sua vida nessa área. Ele quis que

eu soubesse que, se nosso relacionamento progredir, vai avançar realmente devagar nos

contatos físicos. Acho que é uma boa decisão. Pra ele. Pra nós. Sabe de uma coisa? Acaba

com grande parte da pressão. Bem, só achei que devia contar isso. Boa noite.

- Boa noite.

Cris deitou-se de lado. Agora estava totalmente acordada e com lembranças não muito

agradáveis de seu namoro com Rick, que acontecera antes de ele acertar essa área de sua vida.

Cris tinha quinze anos. Era confiante, sem experiência. Rick era direto e cheio de energia. Ela

sabia que os muitos beijos que ele tinha roubado estavam incluídos em tudo que ela lhe

perdoara havia muito tempo. Os sentimentos incômodos começaram a voltar e atormentá-la,


mas ela lembrou a si mesma que tudo fazia parte do passado. Estava perdoado. Esquecido.

Apagado do livro de Deus. Afogado no mais profundo dos mares.

Um ditado voltou à mente dela: Quando o inimigo bate em uma porta que você já

fechou, basta dizer: “Jesus, tem alguém chamando o Senhor!”

Cris sorriu. Puxou a coberta até o pescoço e deixou Jesus atender a porta enquanto

voava rumo à terra dos sonhos.

Três semanas depois, voltou a se lembrar do ditado. Dessa vez quem ouviu o inimigo

bater foi Ted. Ele pensava que havia fechado a porta muito tempo antes.

Foi na noite da formatura dele. Os pais, o irmão e os tios de Cris foram à universidade

para, junto com o pai do Ted, comemorar a data importante com aplausos no momento em que

ele recebesse o diploma. Cris gastou um filme inteiro fotografando o Ted de beca e chapéu.

Depois, entregou a máquina ao David e pediu que ele tirasse várias fotos dela com o noivo.

Katie, Rick, Selena e outros amigos também foram à formatura. Cris não deixou escapar a

oportunidade e reuniu todos para uma foto com seu formando predileto.

Mais tarde, um grupo formado por onze parentes e amigos foi até uma churrascaria. O

pai do Ted reservou uma sala só para o grupo e ofereceu um jantar delicioso. O dia correu

repleto de alegria, risadas e aplausos. Cris pensou que não poderia ser mais perfeito.

Ainda assim, quando Ted levou Cris para o alojamento, ela precebeu, ao ver os ombros

dele caídos, que ele estava aborrecido ou triste com alguma coisa. Estendeu a mão e apertou o

braço dele três vezes. Um leve sorriso de agradecimento surgiu no rosto dele, que olhou para

ela.

- Sabe, disse ele, voltando os olhos para a estrada, achei que ela não poderia me magoar

mais. Pensei que tinha superado, mas, quando minha mãe telefonou ontem e disse que não

viria, comecei a me lembrar de todos os eventos importantes da minha vida que ela perdeu.

Ela nunca esteve ao meu lado, nunca.


Cris sentiu seu coração ligar-se ao dele.

- Exceto, claro, do dia em que nasci, disse ele elevando o tom, como se tentasse fazer

uma piada. Acho que não teve como escapar.

Desde o dia em que Cris experimentara o vestido de noiva da mãe, um mês antes, as

duas haviam se aproximado cada vez mais. Conversavam pelo telefone quase todos os dias e

estavam trabalhando juntas na preparação do casamento. Cris nem imaginava como seria

ouvi-la telefonar no último instante para dizer que “não era conveniente” para ela ir à

formatura da filha na universidade.

- Pensei naquele ditado que você citou outro dia, sobre pedir ao Senhor pra atender a

porta, quando o inimigo bate, disse Ted. Acho que é isso que preciso fazer hoje. É uma porta

de mágoa e decepção, que fechei há muito tempo, quando perdoei minha mãe, Não posso

voltar a abri-la.

- Pode ser, afirmou Cris, com cautela.

- O que você quer dizer?

- Lembra que na semana passada, no aconselhamento pré-nupcial, o Pastor Ross disse

que temos liberdade pra conversar com ele sobre qualquer área da nossa vida que possa trazer

dificuldade depois do casamento? Bem, acho que isso seja um problema pra você, pra nós,

para o resto da vida. Talvez fosse bom conversar abertamente com alguém sobre o assunto.

- É, pode ser, concordou Ted.

- Você acha que sua mãe virá para o nosso casamento?

- Não sei. De certa forma, nem sei se quero que ela venha. Sei que vai parecer loucura,

mas eu quase que prefiro ter Bob e Marta assentados no lugar em que meus pais deveriam

estar.

- Tenho certeza de que eles se sentiriam honrados se você os convidasse. Sei que os dois

consideram você um filho. Mas, e seu pai?


- Eu o convidei pra ser o meu padrinho.

- Convidou?

Ele não comentara nada com Cris sobre isso. No caderno de organização do casamento,

ela colocara Douglas na lista dos padrinhos, mas não se lembrou de conversar com o noivo

sobre isso. Simplesmente tomara como certo.

- Isso é permitido nas regras de etiqueta dos casamento O pai pode ficar em pé lá na

frente, como padrinho? perguntou ele.

Ted entrou no estacionamento que ficava atrás do alojamento da Cris e parou o carro.

- Não sei, mas nós repetimos toda hora que é o nosso casamento, então acho que

podemos fazer do jeito que quisermos.

- Meu pai sempre esteve pronto a me ajudar. Foi a primeira pessoa em quem pensei.

Quero que ele esteja ao meu lado altar.

- Certo, concordou Cris. Acho isso maravilhoso.

A mente dela se apressou a ajustar o que ela havia anotado no caderno.

- Precisamos conseguir tempo esta semana pra dar uma olhada em nossos planos. Minha

tia me entregou umas amostras de convites hoje.

- Eu vi. Gostou de algum?

- Não muito. Prefiro ir com você a uma gráfica pra olharmos juntos mais uns modelos.

Temos de decidir sobre o texto e a Tia Marta disse que pediu a uma amiga dela que sabe fazer

aquela caligrafia bonita pra endereçar nossos convites, mas ela vai levar um mês e meio. Os

convites têm de ser enviados de um mês e meio a um mês antes do casamento. Se a gráfica

levar um mês pra imprimir, já estamos ficando atrasados.

- Parece que você ‘tá começando a entrar em pânico, comentou Ted. Não há necessidade

disso. Podemos ir ver os convites esta semana, menos na segunda-feira, que é o dia em que

começo no novo emprego.


- Que novo emprego?

- Pintor de parede.

Dessa vez, Cris nem tentou esconder a expressão de choque.

- Que emprego é esse de pintor?

- Não contei?

- Não.

- Um homem lá da igreja perguntou se eu gostaria de um emprego em tempo parcial

como pintor, já que só vou trabalhar na igreja em tempo integral a partir de junho. Eu disse

que poderia começar logo depois da formatura. São só trinta horas por semana.

- Ted, é muito.

- Ele paga bem. Precisamos do dinheiro, Cris. O horário é flexível, dá pra conciliar com

minhas obrigações na igreja. Não vai interferir com o aconselhamento nas terças-feiras e

tenho os finais de semana livres. Tem certeza de que não falei nada disso pra você?

- Acho que eu me lembraria caso tivesse me contado, disse Cris, ajeitando-se no banco

do carro. É exatamente disso que eu estava falando semana passada no aconselhamento,

quando o Pastor Ross perguntou se eu achava que havia alguma área do nosso relacionamento

que precisava ser resolvida agora. Você não me conta as coisas, Ted.

- Eu achei que tinha falado com você sobre o emprego.

- Não me lembro de ter ouvido falar nisso antes deste exato minuto. A voz dela foi

ficando mais alta. Também foi a primeira vez que você comentou sobre seu pai ser seu

padrinho.

- Não achei que seria um problema, retorquiu Ted. Temos muito tempo antes do

casamento pra planejar tudo isso.

- Não temos, não. Você vai trabalhar sessenta horas por semana!

- Não são sessenta horas. São trinta pintando e vinte na igreja.


- Ted, você sabe que trabalha mais de vinte horas por semana na igreja, Participa das

reuniões e ‘tá sempre à disposição quando um dos adolescentes ou os pais querem conversar

com você. Como na semana passada. Você não veio jantar comigo porque levou uns garotos

pra andar de skate e ficou conversando com um deles até às 11:00h da noite.

- Isso acontece algumas vezes no ministério com a juventude. Ele tinha muitas

perguntas sobre Deus.

- Eu sei, falou Cris, esforçando-se para se acalmar um pouco e ser mais compreensiva. E

você é muito bom nisso. Só quero ter certeza de que vou continuar em sua lista de prioridades

depois que você começar em seu segundo emprego.

- Você ‘tá no topo da lista, disse Ted.

- Então marque um horário pra escolhermos os convites esta semana.

Ted parecia estar analisando uma agenda invisível em sua mente.

- Que tal o próximo sábado? Posso me encontrar com você depois do café da manhã e

da reunião de oração dos homens na igreja.

- Você não tem outro horário antes de sábado?

- Você pode ir sozinha, ou com a Katie ou outra pessoa, encontra alguma coisa de que

goste e depois me mostra. Não tenho preferências pra convite.

Cris sentiu ferver por dentro. Em geral, engolia a frustração e aceitava todas as

sugestões dele, mas não dessa vez. Queria aprender a se comunicar com seu futuro marido, e

seria agora ou nunca.

- Não, Ted! declarou, em voz alta. Não quero escolher convite com Katie, com minha

mãe nem com ninguém mais. É nosso casamento, e você tem de participar da organização.

Fico furiosa quando você se afasta e quer que eu faça tudo sozinha!

- ‘Tá bom, ‘tá bom!

Ted levantou a mão, como se quisesse se defender da força das palavras dela.
- Quando você quer ir escolher os convites?

- Não sei, disse ela, emburrada.

Cris não gostava do que estava sentindo.

- Sábado, acho, já que é o primeiro dia em que você ‘tá livre.

- Certo, falou Ted. Sábado. Por volta das 11:00h. ‘Tá bom pra você?

- ‘Tá.

- Certo.

- Certo.

Cris respirou fundo e fez força para não cair no choro.

Será que vou ter de lutar com você toda vez que alguma coisa for importante pra mim,

pelo resto da vida, Ted? Temos de melhorar a comunicação. Ainda estou com raiva, você

também. Quando será que as coisas vão melhorar em vez de piorar?


11

A primeira semana de fevereiro acabou sendo uma das piores da vida de Cris, mas,

estranhamente, foi também uma das melhores.

Na segunda-feira começaram as aulas do último semestre, mas Cris logo descobriu que

uma das matérias que precisava cursar para concluir o curso tinha sido cancelada. Havia outra

turma, mas para se matricular seria obrigada a mudar o horário de trabalho na livraria.

Precisou diminuir o número de horas trabalhadas de doze para oito por semana, o que

implicou redução de salário.

Na terça-feira, Ted não apareceu para a segunda reunião de aconselhamento pré-nupcial

na igreja. Deixou um recado com o Pastor Ross, dizendo que não poderia se afastar do

emprego de pintor naquela tarde. Pediu que o pastor dissesse a Cris que sentia muito, mas

que, com certeza, estaria lá na terça-feira seguinte.

Cris não tinha como ir embora da igreja, porque Katie lhe dera uma carona até lá.

Supunha que Ted iria levá-la de volta para a universidade. Não quis ficar e conversar com o

Pastor Ross porque estava com muita raiva do noivo, e certamente se arrependeria depois do

que dissesse. Ainda não aprendera a expressar os sentimentos sem explodir em um ataque de

fúria reprimida.

Brava e orgulhosa demais para pedir uma carona de volta à universidade, Cris decidiu

percorrer a pé os 8km. Durante o ano em que estudara na Suíça, caminhara muito e achou que

o exercício a ajudaria a aplacar a ira. Conseguiu apenas bolhas nos pés e mais raiva por Ted

ter colocado o trabalho acima dela.


Ensaiou inúmeros diálogos que teria com Ted assim que ele “desse as caras”. Nenhum

era agradável.

Para piorar a situação, Ted não telefonou na noite de terça-feira. No dia anterior à

formatura, ele havia se mudado para o apartamento do Rick. Então, toda vez que ela

telefonava, a ligação caía na secretária eletrônica do Rick. Por fim, desistiu e foi dormir cedo.

Katie estava trabalhando, e Cris achava-se aborrecida demais para estudar ou bordar o corpete

do vestido de noiva.

O telefone tocou às 6:30h da manhã de quarta-feira. Cris tinha certeza de que era o Ted,

pedindo desculpas. Mas era sua mãe, e ela falava em tom baixo.

- Seu avô morreu ontem à noite, informou ela. Ele vinha reclamando de umas dores no

estômago. Sua avó o levou para o hospital ontem à tarde. Ele morreu durante uma cirurgia.

Cris já estava se sentindo sem forças. Essa notícia a levou ao choro compulsivo. Amava

seus avós e de repente arrependeu-se de não ter voltado a visitá-los em Wisconsin depois das

bodas de ouro deles, no verão em que ela terminara o ensino médio. Marta telefonou uma

hora mais tarde para informar que reservara passagens de avião para Cris e Ted irem ao

enterro no sábado.

Sexta-feira à noite, Ted e Cris fizeram uma viagem triste com os pais e o irmão dela, e

também com Bob e Marta. O avião pousou no Aeroporto O’Hare, em Chicago, às 5:00h da

manhã. A conexão para Madison partiu às 6:00h. Alugaram uma van e viajaram durante três

horas sob uma leve nevasca. Só conseguiram chegar meia hora antes do funeral em

Brightwater, cidade em que Cris nascera, no estado de Wisconsin.

Cris e Ted não haviam conversado sobre os problemas não resolvidos. Ela continuava

aborrecida com ele, mas colocou esses sentimentos de lado para lidar com a dor pela morte de

seu avô.
Ted se portou como perfeito cavalheiro ao ser apresentado aos parentes da Cris, que

percebeu que sua avó, mesmo em meio ao sofrimento e ao choque, estava encantada com ele.

Marta decidira ficar em Wisconsin até interrogar em detalhes todos os médicos e

funcionários do hospital envolvidos no atendimento a seu pai. Estava convicta de que a morte

dele havia sido desnecessária, resultado de erro humano. Em vez de chorar a morte do pai,

como a mãe de Cris, queria brigar por justiça.

Estavam todos na sala de visitas da casa da avó, depois do funeral, quando David disse:

- Isso não vai trazer o vovô de volta.

Todos se voltaram para ele. David não costumava emitir opiniões em voz alta no meio

de um grupo.

- Mas vai fazer justiça, declarou Marta. E isso é muito importante neste mundo.

- Mas o vovô não ‘tá mais neste mundo. ‘Tá no céu, afirmou David. E você o verá de

novo, se entregar sua vida a Deus, como eu entreguei.

Cris olhou para seu irmão. Parecia Ted falando. Viu que a análise de David sobre a

situação era a última coisa que Marta queria ouvir, pois logo deu um jeito de sumir. Cris não

se surpreendeu ao ver Ted ir atrás dela. Enquanto eles conversavam, Cris se preparou para ir

embora.

O resto da família pretendia ficar em Brightwater até segunda-feira, mas Cris e Ted

pegariam o avião ainda naquela noite para que ele pudesse estar na igreja na manhã seguinte.

Parara de nevar, e a avó de Cris comentou que as ruas principais da cidade seriam limpas, de

modo que os dois não teriam dificuldade para chegar ao aeroporto.

Vendo sua rápida visita chegar ao fim, Cris sentiu vontade de ter um momento especial

com sua avó. Conduziu-a ao corredor, pegou as duas mãos dela e, em voz baixa, falou que

sentia muito o que tinha acontecido e afirmou que a amava muito.


- Muito obrigada, minha preciosa. E também obrigada por ter vindo de tão longe para o

sepultamento.

- Se eu pudesse, ficaria mais alguns dias.

- Não, disse a avó, haverá muita comoção aqui, nos próximos dias. Você e Ted poderão

voltar em outra oportunidade, para me ver, e ficar um pouco, em uma visita agradável. Eu

gostaria muito de receber vocês.

- Você vai ao nosso casamento, em maio, não vai?

- Eu não perderia de jeito nenhum. Você conquistou um rapaz de ouro, Cristina. Estou

feliz por vocês.

- Muito obrigada, vovó, disse Cris, apertando as mãos frias de sua avó. Você tem algum

conselho pra mim? Pra nós?

Cris lembrou-se das bodas de ouro de seus avós. Ela lhes perguntara como tinham se

conhecido e como souberam que um era a pessoa certa para o outro. O avô comentara que os

dois deveriam verificar se tinham o mesmo tipo de princípios. Entretanto, a avó dissera a Cris

para esperar até os problemas surgirem e então perguntar a si mesma se queria passar o resto

da vida com aquela pessoa.

Esse pensamento voltara à mente de Cris várias vezes na semana anterior, quando

estava com raiva do Ted. Sabia que continuava querendo passar o resto de sua vida com ele.

Queria apenas se relacionar melhor com ele.

- Tudo passa muito rápido.

Uma lágrima brilhou no canto do olho da avó e depois correu pelo rosto enrugado. Ela

continuou:

- Acaba muito depressa. Não mantenha registros longos, querida. Aprenda a perdoar

rápido e prosseguir, porque um dia você vai acordar e descobrir que ficou velha sem perceber.

Quando isso acontecer, os registros não vão ter mais a menor importância.
Cris envolveu sua querida avó com os braços e apertou-a em um abraço carinhoso.

Sentiu que ela se sacudia soluçando em silêncio, com a cabeça encostada no ombro da neta.

Os olhos de Cris se encheram de lágrimas.

Piscou para não chorar, e uma fotografia bem perto dela chamou sua atenção. O

corredor em que estavam era uma longa galeria de fotos de família. A que estava na frente de

Cris era do casamento dos pais dela. A mãe estava com o vestido que as duas haviam

desmanchado para criar o de Cris. Os pais eram tão jovens! O lindo cabelo castanho da mãe

caía graciosamente pelos ombros, e o pai era alto, forte, empertigado. Ao lado do casal

estavam os avós de Cris, elegantes e portando um grande sorriso. Pela primeira vez a

realidade atingiu Cris: seu avô morrera. Abraçou mais a avó e não conseguiu conter o pranto.

Horas mais tarde, ela e Ted estavam no avião que decolava. Ele pegou a mão dela,

levou-a aos lábios e beijou-a inúmeras vezes com carinho. Cris encostou a cabeça no ombro

dele e voltou a chorar.

Nenhum dos dois falou nada durante a primeira metade do vôo. Ted levantou o braço da

poltrona entre eles, e os dois sentaram o mais juntos possível, a cabeça dela no ombro dele e a

dele repousando na dela. Ela nem conseguiu contar quantas vezes ele pressionou os lábios nos

cabelos dela, colocando pequenos beijos que pareciam flocos de neve que derretiam assim

que tocavam o solo.

Cris observou as mãos do Ted. As feridas do terrível acidente haviam sarado, mas as

cicatrizes permaneciam. Pelo resto da vida ele carregaria as marcas dos lugares onde o vidro

estilhaçado penetrara na pele. Cris passou o dedo por elas, como se tivesse obrigação de

decorar onde ficava cada uma.

Quando, por fim, falaram, a voz grave do Ted ressoou por seu ouvido e percorreu todo o

caminho até o coração.

- Sinto muito, sussurrou ele.


Cris levantou a cabeça e encarou-o. Poucos centímetros os separavam, e ela cochichou:

- Ted, nós vamos envelhecer. Juntos. Se Deus quiser, teremos cinqüenta anos, ou mais,

como meus avós. Prometo apagar logo os registros das coisas que me aborrecerem. Estou

determinada a aprender a expressar minhas opiniões pra você, mas sempre de forma amável.

O amor é paciente e bondoso, certo? Decidi também aprender a perdoar logo. Nunca mais

quero guardar queixas contra você como guardei esta semana.

Ted tocou no rosto dela. Uma expressão engraçada cruzou os olhos dele.

- Em quê você estava pensando? indagou Cris.

Ele olhou bem nos olhos dela.

- Quando eu disse que sentia muito, estava pensando em seu avô. Não sabia que você

tinha passado a semana toda brava comigo.

Cris fez uma pausa antes de prosseguir. Surgira uma grande oportunidade para praticar

falar a verdade em amor.

- Fiquei brava porque você faltou ao aconselhamento. Mas não estou mais com raiva.

- E os convites? perguntou Ted.

- O que tem os convites?

- Nós íamos encomendar hoje de manhã, disse ele.

- Podemos fazer isso na semana que vem. Ou eu vou dar uma olhada e depois falo pra

você o que encontrei. Ou você olha e me fala. Tenho de aprender a ser mais flexível.

- E eu, a ser mais confiável.

- Certo, disse Cris com um sorriso carinhoso.

- Certo.

Ted retribuiu o sorriso. Os lábios dele venceram a pequena distância que os separava e

ele a beijou com carinho.


- Com licença, interrompeu a comissária, inclinando-se para eles. Desejam frango ou

lasanha?

- Cris endireitou-se na poltrona e tomou uma decisão rápida.

- Frango, disse ela.

- Pra mim também, acompanhou-a Ted.

Enquanto jantavam, conversaram sobre a agenda superlotada dos dois e procuraram

formas de conseguir passar mais tempo juntos. Era o semestre mais apertado para Cris e,

como ela previra, Ted muitas vezes trabalhava mais de cinquenta horas por semana.

Debateram alternativas para ajustar os horários e chegaram a uma conclusão. Os sábados

seriam reservados para eles. Os compromissos durante a semana lhes deixavam pouco tempo

para se encontrarem, de modo que todos os sábados, daquele dia até 22 de maio, seriam

separados para fazerem juntos o que precisassem ou quisessem.

- Você sabia, perguntou Ted, que só faltam treze sábados? Ou quatorze?

Ele moveu os dedos, enquanto contava.

- Tanto faz, porque são poucos, afirmou Cris. Vou tentar fazer sozinha tudo que for

possível, mas vou ter o cuidado de contar tudo pra você.

- Tem certeza de que não vai achar ruim? Eu posso tentar ajustar minhas atividades se

você quiser que eu vá com você comprar algo ou resolver alguma pendência.

- Não tem problema. Ir sozinha não me incomoda mais, agora que adquiri uma visão

mais realista. Eu estava sendo romântica, achando que deveríamos fazer tudo juntos pra criar

recordações especiais de todos os detalhes do casamento. Acho que assisti a filmes demais.

Nossa realidade é que você trabalha cinquenta horas por semana pra termos dinheiro pra

comer depois do casamento, e estou no semestre mais apertado de todo o curso e ainda por

cima trabalhando uma parte do dia. Temos de fazer concessões.


- Sua mãe e sua tia estão morrendo de vontade de se envolverem mais nos preparativos.

Você não pode passar algumas de suas tarefas pra elas?

Cris entregou a bandeja vazia para a comissária e fechou a mesinha. Ted a imitou.

- Você tem razão, disse Cris. Vou percorrer minha lista de tarefas e delegar a elas o

máximo possível, assim que voltarem de Wisconsin.

- Ótimo. Já pensou no que vamos resolver no próximo sábado?

Cris não sabia como responder. Era o fim de semana anterior ao aniversário dele, e ela

pensara em fazer uma festa. Ainda não preparara nada, mas queria fazer uma surpresa.

- Não tenho muita certeza, respondeu.

- Pensei em passarmos o dia na praia. Podíamos fazer o café da manhã lá e eu poderia

experimentar a prancha de surfe que meu pai me deu no Natal.

- Ainda estamos no inverno, argumentou Cris. Será que não vai estar frio?

- Acho que vai.

Ela sabia que era um argumento fraco para dissuadi-lo. Fazia meses que ele não surfava,

e ela sabia que ele estava ansioso para voltar ao mar. Já tinham tomado café da manhã na

praia durante o inverno mais de uma vez. Cris decidiu ir direto ao ponto.

- É o sábado anterior ao seu aniversário, e eu...

- Eu sei, e é por isso que quero ir. Só nós dois. Café da manhã na praia. O que você

acha, Kilikina? É assim que quero comemorar meu aniversário.

Cris decidiu não mencionar os planos que fizera para a festa surpresa. Para ele, uma

ocasião inesquecível era, obviamente, um programa a dois.

- Perfeito, concordou ela. Vou preparar nosso lanche.

- Eu contava com isso.

Ted pegou a mão dela e bateu na pulseira com o polegar.


Permaneceram em silêncio um pouco, enquanto Cris reprogramava sua mente. Seria

bom. Ela poderia dormir na casa dos tios e ela e Ted iriam cedo para a praia. Isso lhes deixaria

com a tarde toda livre para ver bolos, convites e...

- Kilikina, murmurou Ted, invadindo o planejamento dela. Levou a mão dela aos lábios

e beijou o dedo anular. Acabei de tomar uma decisão.

- Qual?

Ele se ajeitou na cadeira e enfiou a mão no bolso traseiro da calça jeans. Tirou um lenço

amarrotado, que colocou na palma da mão.

- Eu ia fazer isso quando voltamos pra casa, depois do jantar no dia da minha formatura,

mas nenhum de nós dois estava muito bem naquela noite. Depois pensei em levar você a um

restaurante chique este fim de semana, mas aqui estamos nós, comendo frango em um avião.

Se eu fosse paciente, esperaria até sábado, na praia, ou faria um plano especial para o dia dos

namorados. Mas esperei demais, e estou ansioso pra lhe dar isto aqui.

Ted desdobrou o lenço e lá, no meio do tecido amassado na mão dele, estava o anel de

noivado da Cris.

- Casa comigo, Kilikina, disse Ted escorregando o anel pelo dedo da Cris. Casa comigo

e envelheça ao meu lado.

Naquele momento, atravessando a mais de nove mil quilômetros de altitude o estado do

Colorado, Cris sentiu, mais do que em qualquer ocasião anterior, com intensidade e

profundidade, que sempre amaria Ted Spencer. A força do amor que sentiu por ele naquele

instante fez parecer que ela só começara a amá-lo agora.

- Sim, falou baixinho, vou me casar com você.

Com um beijo longo e lento, eles selaram a promessa.

Cris contemplou sua mão, que agora ostentava um anel de noivado lindo, único.

- É muito lindo!
- É, gostei muito do jeito que ficou. Ficou certinho em você.

- Ficou. Em todos os aspectos.

Embora estivessem noivos antes, e Cris nunca pensasse que precisava de um anel para

provar seu compromisso com Ted, parecia que o anel tinha mudado tudo para ela. Olhar a jóia

fazia com que ela se lembrasse de que um dia, em breve, os dois se tornariam marido e

mulher. Além disso, mostrava que ela era comprometida. Logo seria entregue em casamento.

Alguém a amava e a desejava, e ela esperava a data do seu casamento.

Na noite da quinta-feira seguinte, anotou todos esses pensamentos em seu diário. Como

acontecia sempre, Katie ainda não tinha voltado do serviço. O relacionamento dela com Rick

continuava avançando em ritmo firme, e ela parecia mais feliz do que em qualquer outra fase

de sua vida.

Ted deixara a universidade, então eles não se encontravam mais na lanchonete para as

refeições. Katie estava sempre em algum outro lugar, de modo que Cris passava muito tempo

sozinha em seu quarto, estudando, bordando e pensando.

Às 10:00h daquela noite, Cris largou o bordado e foi se deitar, com a cabeça repleta de

pensamentos. Decidiu pegar o diário e anotar o que Ted dissera aos adolescentes na aula do

último domingo. Ele lhes contara que havia dado o anel para Cris no avião na noite anterior e

que o rosto dela havia se iluminado de felicidade.

Então Ted fez uma analogia maravilhosa entre nosso noivado e como Deus nos vê. Na

Bíblia, Deus descreve a Igreja coma a Noiva de Cristo. Ted disse que o Espírito Santo é o

anel de noivado que Deus nos dá como evidência de sua promessa de nos amar sempre e

voltar um dia para nos levar para sermos sua noiva e vivermos com ele para sempre.
A reação dos alunos foi surpreendente. Ted falou que os casamentos na Terra são

reflexos da grande festa do casamento do Cordeiro, que acontecerá quando ele vier para

levar sua noiva, a Igreja, para viver com ele.

Percebi, com mais profundidade, que mistério isso é. Senti-me diferente, muito mais

apaixonada pelo Ted depois que ele colocou o anel em meu dedo. E, cada vez que enxergo

esses paralelos em minha vida, meu amor por Cristo fica mais profundo. Ele me quer, e

espera o dia em que estarei para sempre com ele. Até que esse dia chegue, o Espírito Santo é

o sinal em minha vida, para que os outros vejam, que estou prometida a ele e espero por ele.

E entendi muito melhor aquele versículo em Efésios 4.30: “E não entristeçais o

Espírito de Deus, no qual fostes selados para o dia da redenção”. Ted comparou entristecer o

Espírito com uma situação em que eu escondesse meu anel com fita adesiva para ninguém

saber que estou noiva. Ele disse que, sendo meu noivo, ficaria de coração partido se eu

fizesse isso. E nós fazemos a mesma coisa quando não deixamos o Espírito Santo agir em

nossa vida.

Ted desafiou a turma a ser ousada e fazer o mundo inteiro saber que somos

comprometidos, que pertencemos a Cristo. Então ele falou: “Mas, se vocês estiverem

apaixonados mesmo pelo Noivo, as pessoas vão saber só de olhar no rosto de vocês. Olhem

para a Cris”.

Todos se viraram para me encarar, mas não me importei. Meu rosto e meu coração

estavam tão iluminados pelo fogo do meu amor por Deus e por Ted que não fiquei com

vergonha. Foi como se eu estivesse flutuando nas nuvens.

Cris parou de escrever por um momento e pensou na importância das nuvens no futuro

de todos os cristãos.
É isso que vai acontecer quando Cristo voltar pra sua noiva, não é? Ele vai nos

encontrar nas nuvens.

Ela lembrou-se de uma certa manhã magnífica, em que ela e Ted haviam se encontrado

na capela e depois caminhado pela campina. Naquele dia, pensara que as nuvens tinham

descido até a Terra.

Pegou a Bíblia e procurou todas as referências sobre nuvens que conseguisse encontrar.

Lembrou que 1 Tessalonicenses falava sobre ser levado até as nuvens e encontrar-se com o

Senhor nos ares. Um nó formou-se em sua garganta quando leu o final do versículo e

sublinhou-o. “E, assim, estaremos para sempre com o Senhor.”

Pegou o diário e escreveu:

Ted estava certo no que disse aos adolescentes. Meu irmão também tinha razão no que

falou para a Tia Marta depois do funeral. Minha avó, também. O que fazemos aqui não se

relaciona apenas a esta vida. Nosso verdadeiro ser, a alma, viverá para sempre. Deus deseja

que digamos “Sim” a seu Filho para vivermos eternamente com ele. É o “Sim” definitivo. É

o “Eu prometo” eterno.

Envolvida pela intensidade dos pensamentos, Cris largou o diário e apagou a luz.

Depois, em silêncio, afundou o rosto no travesseiro e chorou. Em parte, as lágrimas eram de

despedida e de “nos veremos no céu” para o seu avô, em parte de alegria pelo amor por Ted, e

em parte pelo mistério do amor de Deus, por ele querer estar para sempre com ela. A porção

final relacionava-se à sua tia, que ainda não dissera “Sim” a Cristo. Cris sabia que, segundo a

Palavra de Deus, Tia Marta só estaria para sempre com Deus se entregasse o coração a ele.

A porta se abriu e Katie surgiu, cantarolando.

- ‘Tá acordada? perguntou, baixinho.


- Hmm, respondeu Cris.

Não queria que Katie acendesse a luz e passasse a noite toda conversando. Mesmo

assim, se ela tinha alguma grande notícia, não queria perder.

- Vou amanhã cedo pra Feira de Alimentos Naturais em San Diego. Rick vem me pegar

às 6:00h. É só pra você saber.

- Mmm-hmm, resmungou Cris.

- Tudo bem?

- Mmm-hmm.

- Ótimo. Tudo ‘tá maravilhoso com o Rick. Vejo você amanhã à noite.

- Mmm-hmm.

Cris adormeceu com o som alegre de Katie cantarolando enquanto vestia o pijama.
12

O calendário pendurado na parede do quarto fitava Cris com inocência enquanto ela

tentava encontrar um espaço em branco para anotar a consulta com o dentista. Marcara o

horário enquanto estava no serviço, à tarde, sem olhar a agenda repleta de compromissos.

“Doze de março, murmurou para si mesma. Como já pode ser doze de março? Se eu for

ao dentista às 4:00h da tarde na próxima terça-feira, vou me atrasar para o aconselhamento na

igreja.”

Mastigou o lápis e tentou decidir se seria melhor pedir ao Ted que deixasse o carro com

ela na terça-feira ou ver se ele poderia sair do serviço para levá-la ao dentista. Poderiam

passar o aconselhamento para mais tarde.

Cris vinha se esforçando muito para ser flexível. Cada dia ficava mais difícil conciliar

os compromissos, pois Ted trabalhava demais. As semanas voavam. A única diversão que

conseguiram encaixar foi o café da manhã na praia. O dia amanhecera claro, fresco e

ensolarado e os dois aproveitaram todos os minutos. Cris comprara quinze presentinhos para o

Ted, e embrulhara cada um separadamente. Ele abriu o primeiro às 7:00h da manhã, enquanto

o bacon chiava sobre as chamas. Foi cera para a prancha.

Depois desse, a cada hora, Cris entregava outro presente. O último foi às 9:00h da noite.

Era uma fotografia dos dois que Trícia tirara anos atrás, na praia. Estavam assentados com o

resto da turma, e o Sol poente conferia ao rosto deles o brilho perfeito. Trícia captara o

instante exato em que eles trocavam um olhar. A expressão dos dois estava iluminada com o

brilho maravilhado e a alegria do nascimento do primeiro amor.


Cris não se lembrava de Trícia ter tirado a fotografia, mas, na manhã das omeletes na

casa do Douglas e da Trícia, esta tirara a foto de um álbum e dera a Cris.

Cris gostou demais da fotografia e fez uma moldura especial, colando pétalas secas

escurecidas de cravos do primeiro buquê que Ted lhe dera. As flores passaram mais de cinco

anos guardadas em uma velha lata de café e tinham um cheiro meio estranho. Com sua letra

mais caprichada, Cris escreveu, na parte de baixo da moldura: Guardo você em meu coração.

Para sempre, sua Kilikina.

Ted ficou sem fala quando abriu o último presente e viu fotografia.

- Éramos tão novos!

Depois, abraçou Cris e lhe disse que aquele tinha sido seu melhor aniversário em toda a

vida.

As lembranças gostosas desse dia especial foram a única companhia de Cris em seu

excesso de compromissos. A vantagem era que o tempo estava passando bem rápido.

Dedicava cada momento livre a bordar o vestido de noiva. O contorno de pequenos

miosótis no decote estava quase pronto e chegara a hora de decidir se bordava flores nas

mangas ou as deixava lisas. Estava demorando muito mais do que ela pensara para bordar.

A opinião de Katie era que tanto fazia bordar ou não, que ninguém iria reparar nas flores

das mangas. Selena, entretanto afirmava que o mais importante para Cris no dia do casamento

seria as pequenas coisas. Pelo menos, tinha sido assim para a irmã da Selena.

Selena estivera no quarto da Cris duas noites antes e chegara exatamente na hora em

que Katie declarava sua opinião sobre as mangas. Selena era caloura, a jovem de espírito mais

livre que Cris conhecia. Fazia três anos que Cris e Katie a tinham conhecido, durante uma

viagem missionária à Inglaterra, em que as três compartilharam o mesmo quarto.

A visita da Selena fora motivada pela necessidade de perguntar se Cris poderia pegá-la

no serviço, em um supermercado próximo, na noite de sexta-feira.


A última coisa que Cris precisava era de uma tarefa, mas disse que sim, porque sabia

que estaria com o carro, pois Ted iria acampar com alguns jovens da igreja. Embora a viagem

tivesse sido programada antes de eles combinarem passar todos os sábados juntos, Ted havia

dito que cancelaria, mas Cris achou melhor ele ir. Ela pretendia dedicar o sábado a trabalhar

no casamento com sua mãe e Tia Marta.

A tia retornara de sua longa estada no Wisconsin e desistira de processar o hospital.

Entrevistara o cirurgião, que contou que havia encontrado um tumor, que não poderia ser

operado, no estômago do avô. Aparentemente, ele já tinha o tumor havia algum tempo, talvez

sentisse dores, mas nunca se queixou. Quando descobriram, já era tarde demais, não dava para

fazer mais nada.

A mãe da Cris contou que Marta aceitara os fatos melhor do que o esperado.

Abandonara a idéia de processar o hospital e voltara para casa, pronta para se dedicar aos

preparativos do casamento. O convite de Ted para ela e o marido assentarem na frente, no

lugar dos pais dele, parecia ter dado a ela ainda mais incentivo para se envolver.

Na noite de sexta-feira, Selena já esperava à frente do supermercado quando Cris

chegou. Era fácil encontrar Selena. O cabelo dela era louro, rebelde e encaracolado. Ela usava

roupas de estilo próprio. Naquele dia, sua saia, que ia até o meio da perna, parecia ter sido

feita de gravatas. Nos pés, as mesmas botas de caubói que usava na Inglaterra, quando Cris a

conhecera.

- ‘Tá esperando há muito tempo? perguntou Cris, abrindo a porta do carro pelo lado de

dentro.

- Não, só alguns minutos. Saí mais cedo, porque a lingüiça acabou.

Cris estranhou e olhou para Selena.

- O supermercado ficou sem linguiça?


- Não, eu fiquei. Eu estava demonstrando. Não contei que era esse meu trabalho? Cada

dia a empresa me manda para um supermercado diferente, com um produto diferente. Hoje

era linguiça, mas me disseram pra só usar vinte pacotes. Só depois que distribuí metade das

linguiças eu descobri que tinha de cortar em pedacinhos e enfiar palito neles. Estava

entregando linguiças inteiras, e as pessoas fizeram fila na minha frente, como se eu

trabalhasse em um carrinho que distribui cachorro quente de graça.

Cris sorriu.

- Parece que seu trabalho é divertido.

- Perfeito pra mim, a não ser pelo transporte. Detesto ter de pedir carona. Agradeço

muito você ter vindo me buscar, Cris.

- Sem problemas. Deu tudo certo.

O plano era deixar Selena na universidade e ir para a casa da tia em Newport, pois sua

mãe já estava lá. Assim, poderiam começar a planejar logo cedo.

- Sua saia é linda, disse Cris, enquanto saía do estacionamento do mercado. Foi você

que fez?

- Minha mãe me ajudou. Fizemos durante os feriados de Natal. Já tive uma saia de

gravatas, mas era curta, e estragou há uns anos. Estas gravatas aqui eram do meu avô. Não são

engraçadas? Olha esta.

Selena mostrou uma listrada de verde e marrom, que estava do lado esquerdo. Tinha

pequenos arabescos alaranjados e triângulos azuis no topo das listras.

- Acho que devia combinar com qualquer roupa, com tantas cores, comentou Cris.

Selena sorriu:

- Ou então não combinava com nada por causa das cores. Minha avó, May, contou uma

história sobre cada uma das gravatas enquanto estávamos costurando. Ela tem sérios lapsos de
memória, fica confusa e desorientada, mas lembra detalhes mínimos de lugares em que ela e

meu avô foram e de coisas que fizeram quando ele estava com estas gravatas.

Cris contou a Selena que o avô dela morrera no mês anterior e comentou que isso a

levara a pensar na brevidade da vida.

- Sei o que você quer dizer, falou Selena. Tenho pensado nisso este semestre, porque

tenho de tomar decisões importantes.

- Por acaso alguma delas tem a ver com relacionamentos? perguntou Cris.

- Mais ou menos. Você ‘tá com fome? indagou Selena.

- Fome?

- É. A cantina já fechou, e passei três horas e meia em pé no supermercado cozinhando

linguiças. Seria bom ir a algum lugar e comer alguma coisa substancial. Se você tiver tempo,

eu gostaria muito de ouvir sua opinião sobre alguns assuntos.

Cris nem lembrava qual fora a última vez que saíra com uma amiga. Poderia mudar seus

planos e fazer o percurso de uma hora e meia até Newport na manhã seguinte, bem cedo.

Afinal, acabara de fazer um belo discurso sobre a brevidade da vida. Estava diante de uma

boa oportunidade de desfrutar do inesperado.

- Claro, disse Cris. Aonde vamos?

- Que tal o Ninho da Pomba? Ronny e sua banda estão tocando lá hoje. Foi por isso que

não consegui carona com minhas fontes costumeiras.

- Ótimo! E vai ser bom encontrar minha colega de quarto.

- Você e Katie nunca se encontram? conjeturou Selena.

- Nós duas andamos ocupadas demais.

- Contei pra minha irmã que Katie e Rick estão sempre juntos e ela ficou chocada. Sabia

que ele tentou paquerar a Tânia no casamento do Douglas e da Trícia?

Cris sorriu enquanto deixava a via expressa.


- Não me surpreende.

- Mas Katie disse que ele mudou muito.

- Ah, mudou mesmo. Deus tem trabalhado muito nele.

- Sabe de uma coisa? perguntou Selena. Acho que Katie e Rick dão certo juntos. Eu nem

ficaria surpresa se eles acabassem se casando.

- Por que você ‘tá falando isso? indagou Cris.

- Os dois são muito vibrantes, prosseguiu Selena. Encontrei com eles poucas vezes, mas

parece ter uma eletricidade. Um desperta o outro. Katie é cheia de energia por ela mesma, mas

quando ‘tá com o Rick; brilha ainda mais. E o mesmo acontece com ele. Sem ela, ele é meio

sem sal.

- Comentário interessante.

Cris nunca ouvira ninguém descrever Rick como sem sal. Sempre ficava impressionada

com a capacidade que Selena tinha de evitar que a máscara exterior a cegasse para a

verdadeira natureza escondida no interior das pessoas.

As duas chegaram ao Ninho da Pomba e encontraram o estacionamento lotado.

- Talvez a gente não encontre mesa vazia, comentou Cris.

- Isso é bom para o Ronny e a banda, observou Selena.

- E para o Rick também.

Entraram e logo viram um grupo que conheciam da universidade. Selena acenou para

sua companheira de quarto, Vicki, e Cris falou:

- Quer ir assentar com eles?

- Prefiro assentar só com você pra conversarmos. Vamos ver se ‘tá aberta aquela parte

da livraria que tem os sofás perto da lareira. Da última vez, estavam servindo lá.
Cris seguiu Selena até A Arca, a livraria contígua. Um sofá e duas poltronas

aconchegantes cercavam, pelo lado da livraria, a lareira, que se comunicava com os dois

ambientes. Estavam servindo no sofá.

- Perfeito! exclamou Cris. Quer guardar nosso lugar enquanto faço o pedido?

A banda acabara uma música e dava para ouvir os aplausos vindos do outro lado. Cris

achou bom não assentarem na parte mais barulhenta. De onde estavam, ouviam a banda, mas

ao mesmo tempo podiam conversar.

- Vamos nos revezar pra guardar o lugar, sugeriu Selena. Eu ainda não sei o que quero

comer.

- Concordo.

Cris foi fazer o pedido primeiro, pensando que era muito bom ouvir outra pessoa dizer

que não sabia o que queria. Essa sempre tinha sido a maior dificuldade dela nos restaurantes.

Mas já tinha melhorado muito.

Nessa noite, sabia que iria pedir a sugestão do chef, qualquer que fosse ela. Katie havia

se derramado em elogios ao fabuloso chef que tinham contratado havia pouco tempo. A

sugestão do Miguel era pizza de alcachofra com tomate seco. Parecia meio estranho, mas Cris

decidiu experimentar. Dirigiu-se ao balcão, e só então Katie a viu.

- Cris, quando você chegou?

- Faz pouco tempo. Trouxe Selena. Parece que vocês estão muito ocupados hoje.

- A maioria do pessoal ‘tá pedindo apenas café e sobremesa, então a cozinha não ‘tá

sobrecarregada. Experimente a pizza de alcachofra. É muito boa.

- É exatamente o que eu vou pedir. O que mais você recomenda?

- Acho que uma pequena salada iria bem, disse Katie. Quer experimentar meu chocolate

predileto?

- Claro. Estamos lá no sofá da livraria.


- Eu levo lá, falou Katie. E a Selena, o que ela quer?

- Ela vem aqui fazer o pedido.

Rick surgiu por trás de Cris e a saudou com um abraço amigável.

- Katie contou pra você a boa notícia?

Cris voltou-se para a amiga, com os olhos arregalados e disse:

- Não. Que boa notícia?

- O chá que ela preparou recebeu menção honrosa da feira de alimentos.

- Grande coisa, desdenhou Katie. Distribuíram dez menções honrosas. Vou aperfeiçoar a

mistura e entrar de novo ano que vem.

- Eu achei que foi um grande feito, disse Rick. Eram trinta e sete concorrentes, e ela

ficou entre os dez primeiros colocados. Cris, fale pra ela que foi uma grande conquista.

- Foi mesmo, Katie, concordou Cris. Parabéns!

- Obrigada.

- Ted também veio? indagou Rick. Achei que ele ia acampar este fim de semana.

- E foi. Vim com a Selena.

- Ah, noite das garotas! disse Rick. E, voltando-se para Katie, perguntou: Você já

jantou?

- Não.

- Quer fazer seu intervalo agora? perguntou ele. Eu ofereço jantar para as três.

- Faça duas pizzas dessas, Miguel, gritou Katie. E dá pra pôr mais parmesão na minha?

Obrigada.

- Obrigada, Rick, falou Cris. Eu não esperava que você pagasse nosso jantar.

- Tenho o maior prazer. Faria isso com mais frequência, mas vocês nunca aparecem.

- Eu sei. Nunca estive tão ocupada em toda minha vida.


- Ted também, disse Rick. Nunca estamos em casa ao mesmo tempo. Nós quatro temos

de fazer alguma coisa juntos qualquer hora dessas.

- Seria divertido, concordou Cris.

- Ah, fala para o Ted que consegui conversar com o cara que meu pai conhece na loja de

smokings. É a Burton. Fica no shopping, na entrada perto do sinal luminoso, do lado da

locadora de vídeo. Fui lá hoje e tirei as medidas. Você e o Ted só precisam escolher o modelo

e dar as medidas dos outros padrinhos.

- Certo, disse Cris devagar.

Katie passou o braço pelo de Cris e disse:

- Vamos, só tenho uma hora.

Enquanto se afastavam, Cris perguntou:

- Katie, Rick vai ser padrinho no meu casamento?

- Você me faz rir, Cris! Claro que vai. O Ted o convidou há umas três semanas. Você

deve estar bem ruim pra não se lembrar dessas coisas.

Cris assentou-se ao lado da Selena no sofá e se esforçou para lembrar se Ted lhe dissera

alguma coisa sobre isso. Da última vez que conversaram, ele falara no pai dele e em Douglas.

Para madrinhas, Katie e Trícia. Haviam concordado em ficar só com esses, para simplificar.

Os vestidos das duas já estavam encomendados.

Quando foi que Rick entrou em cena? pensou.

Cris decidiu permanecer calma e não se enfurecer com o Ted - pelo menos ainda não. Se

ele convidara Rick para ser padrinho, deveria ter tido uma boa razão. Talvez Douglas tivesse

desistido ou poderia ser também que, por dividir o apartamento com o Rick, Ted tenha se

sentido obrigado a incluí-lo na cerimônia.

Rick vai ser padrinho também, então precisamos de outra madrinha. Será que convido

Selena agora ou espero até o Ted voltar do acampamento?


Katie, Selena e Cris assentaram-se ao lado da lareira e comeram enquanto a banda

enchia o ar com músicas originais, que tinham um som maravilhosamente leve. Cris gostou da

pizza, mas disse a Katie que elas deveriam ter dividido apenas uma, porque já estava satisfeita

só com a salada.

- Vou mandar embrulhar pra viagem, informou Katie. Vai estar deliciosa de manhã.

Pizza no café da manhã! Eu já volto.

Cris inclinou-se para chegar mais perto de Selena.

- Ainda não terminamos a conversa sobre relacionamentos e tudo mais, que você

começou no carro, disse. Não sabia que você queria falar só comigo. Podemos conversar na

volta pra universidade.

- Não estou enfrentando nenhum problema sério. Só gostaria de ouvir sua opinião. A de

Katie também.

- Ouvi alguém falar meu nome? perguntou Katie, voltando com uma embalagem

plástica na mão.

- Eu falei a Cris que gostaria de um conselho, disse Selena.

- Você veio ao lugar certo! exclamou Katie. Acontece que eu e minha assistente somos

as rainhas do conselho. Acho que Cris ‘tá farta de ouvir sobre minha vida e vai ser bom pra

ela ouvir sobre a sua. E, já que você falou em conselhos, por que não começa com o Paul?

Como vão as coisas com ele?

- Bem, Katie, uma das suas famosas expressões resume com perfeição meu

relacionamento com ele. Somos A.A. Lembra do clube que fundamos na Inglaterra?

Katie riu.

- Apenas Amigos! Eu tinha esquecido!

- Claro que esqueceu, implicou Selena. Você abandonou sua condição de membro

honorário quando começou a sair com o Rick.


- Foi sem querer, disse Katie, levantando a mão, para se defender. Foi idéia de Deus,

não minha. Pode acreditar.

- Ah, eu acredito! exclamou Selena. É bom ver vocês juntos também. É natural, parece

que o relacionamento ‘tá vivo, crescendo. Isso mostra como os relacionamentos saudáveis

devem ser.

Cris observou o rosto de Selena em busca de uma indicação do significado desse

comentário .

- Você não sentiu que era assim pra você e o Paul?

Selena assentiu.

- O que vocês querem saber sobre isso?

- Tudo, declarou Katie.

- Certo, disse Selena. Mas depois não reclamem.


13

Selena colocou a caneca de chá na mesa baixa perto da lareira e começou sua história.

- Vocês sabem que eu e o Paul somos meio parentes, agora que minha irmã se casou

com o irmão dele. Nossas famílias passaram o Natal juntas e de repente ficou bem claro pra

mim, enquanto estávamos assentados no chão assistindo a um filme, que não há nada de

romântico entre nós. Durante muito tempo, pensei que havia. Quis que houvesse. Sonhei com

o que aconteceria se namorássemos. E acho que nós dois nos esforçamos muito pra tudo dar

certo depois que ele voltou da Escócia. Mas não há “eletricidade”.

- Eletricidade? indagou Katie.

- Você sabe do que estou falando. Sei que você sabe.

Katie fez que sim com a cabeça e trocou olhares com Cris.

- Qualquer coisa que seja que faz um rapaz e uma garota descobrirem que existe alguma

coisa mais profunda e duradoura entre eles. Bem, cheguei à conclusão de que eu e o Paul não

temos... essa coisa. Somos amigos, pra sempre. Ele não me acha fascinante, e eu acho que ele

é quieto e introspectivo demais.

- Vocês conversaram? perguntou Cris. Isto é, ele sente a mesma coisa?

- Sim. Fizemos um longo passeio no parque no dia seguinte ao Natal e conversamos

muito. No início, parecia que ele ia pedir desculpas por não estar apaixonado por mim. Antes

que ele falasse tudo, eu o interrompi e disse o que sentia. Na falta de termo mais adequado,

contei que estava inquieta. Comentei que ele é contemplativo, o que é maravilhoso, mas não

pra acompanhar uma pessoa como eu. Ele disse que se sentia mal, porque havia pensado que
alguma coisa aconteceria entre nós, mas não aconteceu. Assumiu a culpa, dizendo que tudo se

deu porque no início ele insistiu pra irmos devagar e estabelecer a base de uma grande

amizade. Eu falei que tinha sido melhor assim, porque agora somos amigos, e acho que

sempre seremos. Mas não há nada mais.

- Parece que isso não incomoda você, comentou Cris.

- Nem um pouco. Estou me sentindo livre. Fazia muito tempo que não me sentia assim.

Ficava pensando que alguma coisa mais tinha de acontecer com o Paul. Vocês sabem como

me torturei, tentando descobrir o que deveria acontecer em seguida. Passei meses provando

meu coração, pra saber o que realmente sentia por ele. Fiz uma longa jornada que me levou de

volta ao ponto de partida. E não há problema nisso. É até bom.

- Se há uma coisa que aprendi, falou Katie, tomando um gole de chocolate e

transmitindo tranquilidade em seu entendimento, é que Deus escreve uma história específica

pra cada pessoa. Algumas vezes a gente pensa que sabe o que vai acontecer, mas aí o enredo

passa por um desdobramento inesperado.

- E algumas vezes temos de encerrar um capítulo antes de começar o outro, disse

Selena. Garotas, eu tenho muitos sonhos. Quero viajar. Na próxima etapa da minha vida,

quero ser livre pra ir aonde eu quiser. Já me inscrevi em um programa de extensão que a nossa

universidade oferece. Vocês nem imaginam onde é o curso.

- Onde? indagou Katie.

- No Brasil! Acho que deve ser muito divertido ir pra lá.

- Parece que você vai se tornar viajante profissional, disse Cris.

- Tudo começou naquela viagem pra Inglaterra, quando fiquei conhecendo vocês.

Depois, Cris, você me convidou pra ir à Suíça com você e sua tia. Fui fisgada. Amo viajar.

Cris fez a imagem mental de Selena percorrendo o mundo com suas botas de caubói.

Ela definitivamente tinha espírito aventureiro.


- No semestre passado, quando entrei na universidade, foi estranho. Estava empolgada

de vir pra Rancho Corona, mas, então, quando as aulas começaram, só pensava em sair de lá e

viajar. Toda hora, no campus, encontrava gente que conhecia lugares exóticos. Dizia a mim

mesma pra me concentrar em terminar o primeiro ano e levar a sério o relacionamento com o

Paul. Pensei que seria melhor me aquietar, como minha irmã e o resto dos meus amigos, mas,

sabem de uma coisa? Isso não combina comigo. Não me sentia em paz. Depois que conversei

com o Paul no Natal, me senti livre. Só sei explicar assim. Nada mais me detém. É como você

falou, Katie, Deus ‘tá escrevendo a história da minha vida, que é diferente da de todas as

outras pessoas.

- Tem razão, Selena, concordou Cris. Deus vai mostrar pra você o seu caminho.

- Mais do que isso, acrescentou Katie. Ele vai cumprir o propósito dele para com você.

É uma promessa. Salmo 138, versículo 8.

Selena terminou de beber o chá e balançou a cabeça, concordando.

- Sabem de uma coisa? Foi a primeira vez que parei pra explicar com clareza meus

sentimentos. Ouvindo a mim mesma conversar com vocês assim, tudo faz sentido. Não fica

parecendo que estou cortando as amarras e partindo como um balão desgovernado.

Cris deu um sorriso animador para Selena.

- E se você estiver cortando as amarras? perguntou Cris. Se Deus criou você para ser um

balão, então a única resposta correta, a única forma de obedecer, é voar - ser livre. Não

importa se os outros entendem. Só você sabe, bem no fundo do seu coração, quando ‘tá

obedecendo. Ele é aquele que vai levantar você e fazê-la voar.

- Muito obrigada, Cris. Eu precisava ouvir isso.

Em um movimento bem desajeitado, Selena estendeu braços e abraçou o pescoço de

Cris. Depois, foi a vez de Katie.

- Vocês duas são maravilhosas.


Com o canto do olho, Cris percebeu um movimento que fez prender a respiração. Rick

estava a poucos metros de distância, com os olhos fixos em Katie. Parecia encantado.

Uma sensação de tranquilidade e alegria tomou conta do coração de Cris. Vamos lá,

Rick Doyle, admire mesmo a Katie. Ela é maravilhosa, não é? E você também. Sei, sem a

menor sombra de dúvida, que o Senhor cumprirá o propósito dele para vocês dois.

Logo cedo, na manhã seguinte, Cris comprou um copo de café no campus para tomar no

caminho para a casa da Tia Marta. Parou para pegar a correspondência e encontrou um cartão

de sua avó. Leu enquanto voltava para o carro, mas releu as últimas linhas duas vezes, pois

não entendeu imediatamente. A avó agradeceu por ela e Ted terem ido ao sepultamento.

Depois, escreveu:

“Cristina, fiquei surpresa por ver como você esta parecendo com a Marta, sempre

controlando as situações. Não esqueça de deixar espaço para a paz em sua vida. Tenho certeza

de que o Ted a ajudará nisso.”

Cris pensou que sua avó havia se confundido ao dizer que ela se parecia com Tia Marta.

Não me pareço com ela de jeito nenhum. Por certo vovó queria dizer Margaret, minha mãe,

mas escreveu “Marta”. Espero que ela não esteja sofrendo lapsos de memória como a Vó

May da Selena.

Levou uma hora e quarenta e cinco minutos até Newport. Quando chegou, Margaret e

Marta, as duas irmãs, estavam na cozinha, olhando um livro e rindo muito. Reparou que

Marta imprimira uma lista, que esperava por elas no balcão.

- Do que vocês estão rindo tanto? perguntou Cris.

- Mais daqueles bolos criados pra cada casal conforme o jeito que eles se conheceram,

disse a mãe, apontando para uma foto. O bolo era uma cabeça de cavalo. Os noivos estavam

presos no glacê entre as orelhas.

- Vou adivinhar, disse Cris, eles se conheceram em uma corrida de cavalos.


- Não, em um haras. E vêm galopando desde então! Falou Marta com tom alegre.

Cris balançou a cabeça diante da tentativa de sua tia de fazer piada. A alegria de Marta

em sua função de “diretora” do casamento mostrara a Cris que Ted estava certo ao sugerir que

ela delegasse tarefas.

- Espero que esta não seja a única opção em confeitarias, disse Cris, virando mais umas

páginas. Prefiro um bolo de casamento simples, branco. E não quero, de jeito nenhum, os

noivos de plástico.

A mãe voltou-se para Marta e lhe disse:

- Eu falei que Cris saberia exatamente o que quer. Ela sempre se organiza e sabe o que

prefere.

- Sei disso, disse Marta. Foi por isso que falei que queria ajudá-la a organizar tudo.

Espero que você tenha trazido sua lista para compararmos, Cris.

Cris fez sinal afirmativo. Será que minha avó estava certa? Será que sou mais parecida

com minha tia do que tinha percebido?

- Cadê o Tio Bob? perguntou Cris.

- Foi a um café da manhã dos homens da igreja, respondeu Marta.

Cris reparou que ela não parecia aborrecida, como sempre ficava quando Bob se

envolvia com os trabalhos da igreja. Era um bom sinal de que seu coração já não estava tão

duro. Pelo menos, era essa a esperança de Cris.

- Você não queria que ele estivesse aqui hoje para nos ajudar, queria? indagou Marta.

Esses assuntos são demais para ele. Vai aceitar o que decidirmos.

A mãe de Cris sorriu para ela e comentou:

- Parece com alguém que conhecemos.

- Ted, declarou Cris, simplesmente.


Ted é exatamente como o Tio Bob. Eu sou como Marta. Os opostos se atraem. Mas não

posso ser parecida com Tia Marta! Não quero passar a vida controlando todo mundo.

Puxou um banquinho para perto do balcão da cozinha e assentou-se. Que revelação

terrível! Eu me transformei na minha tia!

- Só guardei essas fotografias para você rir delas, disse Marta, deixando-as de lado.

Claro que entendo que você quer um bolo mais tradicional. Tenho outras fotos aqui.

O que minha avó falou sobre dar espaço pra paz? É isso que preciso fazer. Aprender a

viver em paz comigo mesma e com as pessoas que me cercam. É o que falta na vida da minha

tia. Ela não tem paz.

Marta mostrou as fotografias de bolos tradicionais. Enquanto isso, Cris orou em silêncio

e sentiu aquela paz inconfundível. Era como se Deus reafirmasse que a criara para ser como

ela era, por algum motivo. O que mesmo que ela dissera a Selena na noite anterior? Estava na

hora de seguir seu próprio conselho e aceitar sua personalidade.

Não, não é verdade. Minha tia dizia, quando eu era adolescente, que eu precisava ser

eu mesma, fiel à minha verdadeira natureza. Mas isso não traz paz. A única maneira certa de

viver é ser de Deus. Transformar-me na pessoa que ele quer que eu seja, com mania de

arrumação e tudo. Não é errado ser organizada e, como diz minha avó, viver “controlando

as situações”, desde que não me afaste de Deus e dos outros. O importante é viver em paz

com Deus. É o único jeito de encontrar paz comigo mesma e com os outros.

Cris inclinou-se sobre o balcão e deu um suspiro profundo e trêmulo.

- ‘Tá se sentindo bem? perguntou a mãe, afastando os olhos das fotografias e fixando-os

em Cris.

Um sorriso nasceu no canto secreto do coração de Cris e foi abrindo caminho até o

rosto, onde se espalhou, com todas as suas implicações radiantes e cheias de paz.
- Mais do que bem, disse. Acho que nunca estive melhor. Não sou um balão, como a

Selena, mas agora sei como posso voar - ser livre. Aqui, disse, batendo no peito. Acho que

finalmente descobri quem eu sou.


14

- Não deu pra entender nada do que você falou, comentou Marta, olhando intrigada para

o rosto sorridente da Cris.

- Não foi nada, disse a jovem, mas apressou-se a corrigir. Na verdade, foi tudo. Foi

Deus. Ele acabou de me mostrar uma coisa, e entendi a mim mesma com uma clareza que

nunca tinha experimentado antes.

Tanto a mãe quanto a tia olharam para Cris.

Ela riu.

- ‘Tá tudo bem. Posso contar pra vocês mais tarde. Vamos em frente, Tia Marta. O que

você falou sobre este bolo?

Marta pigarreou. Parecia meio incomodada por Deus ter interrompido sua apresentação

para aconselhar Cris.

Certo, Tia Marta. Entendo sua frustração como nunca há entendido antes. Ted tinha

razão. O Noivo ‘tá aqui e irá ao casamento sem se importar com o tipo de bolo. Mas

podemos escolher o bolo e todo o resto, e continuar vivendo em paz. É só deixar o Senhor

controlar tudo, sem tentar assumir o comando.

- Perguntei o que você acha de um bolo de limão, em vez de branco? Eles fazem um

recheio delicioso de amêndoas que poderíamos escolher em vez daquele branco, pastoso,

Com isso, Marta prosseguiu, a todo vapor, apresentando informações que havia

recolhido. Tinha, inclusive, duas amostras para Cris e sua mãe provarem. Marta as conseguira

quando entrevistara dois confeiteiros naquela semana.


Cris preferiu o recheio de framboesa. Marta a fez repetir duas vezes antes de anotar.

Sem hesitar nem um segundo, Marta passou para as flores. Apresentou a Cris pelo

menos cinquenta fotografias de modelos de buquês.

- Gostaria que meu buquê tivesse cravos brancos, disse Cris, assim que olhou a primeira

fotografia.

Marta ignorou o comentário e apresentou um buquê enorme, de rosas vermelhas

enfeitadas com gipsófilas brancas.

- Eu gostaria de cravos brancos, repetiu Cris, depois de percorreram metade das

fotografias. Cravos brancos e um pouco de gipsófilas brancas ficaria bom.

Marta assentiu e passou para a outra pilha de fotografias, mostrando um buquê exótico

com mini-rosas brancas e gardênias brancas grandes.

Cris voltou a repetir:

- Gostaria de cravos brancos.

- Cris, querida, é comum demais.

A mãe de Cris interpôs:

- O primeiro buquê que Ted deu a ela era de cravos brancos.

- Eu sei disso, retorquiu Marta rapidamente. Eu estava lá. Mas não estamos mais

falando do baile de formatura do ensino médio. Agora é o casamento. Por que não pensar em

outras flores, como estas aqui?

E mostrou um buquê pequeno, bonito, composto de uma mistura de flores vermelhas,

azuis e amarelas. De repente, Cris teve uma idéia:

- O que vocês acham? Eu gostaria muito de um buquê como esse, só que sem as cores

vivas. Será que eles fariam o mesmo modelo todo em branco?

- Claro, disse Marta.

- Todas as flores brancas: cravos, gipsófilas, mini-rosas, gardênias e plumerias.


- Agora me parece uma escolha elegante, disse Marta, e pegou a caneta para anotar.

- Mas não quero que seja grande. Quero um buquê pequeno, alegre, mimoso.

- O buquê da noiva deve chamar atenção, falou Marta. Ele completa o vestido e o véu e

reúne tudo em um único foco.

- Meu vestido não vai chamar atenção. É simples. Acho que o buquê também deve ser.

- E o véu? indagou Marta.

Cris deu uma olhada para sua mãe.

- Ainda não decidimos. Sei que quero um véu sem enfeites, que cubra meu rosto, mas

não sei o que colocar na cabeça.

- Que tal um chapéu?

- Não.

- Tive uma idéia! disse Marta, mexendo em uma pilha de revistas que ainda não

mostrara a Cris. Você ficaria linda com uma dessas grinaldas, continuou, pegando uma revista

havaiana e mostrando a garota na capa. As flores são presas em uma grinalda que você coloca

na cabeça como uma coroa. Você poderia pôr a coroa sobre o véu.

- Amei! exclamou Cris.

- É mesmo?

Marta parecia espantada por ver uma idéia sua aceita sem nenhuma hesitação.

- É! O Ted queria que eu colocasse flores no cabelo. Ficaria perfeito. Quero todas as

flores brancas e a coroa mais estreita do que esta. Ah, Tia Marta, sua sugestão foi perfeita!

Marta encostou-se no balcão e inclinou a cabeça enquanto examinava Cris.

- Acho que é a primeira vez que você se entusiasma com uma sugestão minha.

- Mas é que foi uma idéia maravilhosa! Perfeita, não acha, mãe?

A mãe parecia um pouco mais séria.


- Estou pensando se não seria difícil demais encontrar um florista que faça uma

guirlanda assim do jeito certo.

- Isso não é problema, disse Marta. Bob conhece um florista em Maui. Encomendamos

a ele e pedimos para ele mandar para chegar aqui no dia do casamento. Aí as flores ainda

estarão frescas e terão o perfume irresistível das ilhas. Sabe, Cris, você tem de usar angélicas.

- Aquelas florzinhas brancas que colocam nos colares? O cheirinho é uma delícia!

- Elas mesmas. E são pequenas, muito menores do que plumerias, que, além de tudo,

murcham muito rápido. E também ficam escuras quando alguém toca nelas.

Cris sentiu seu coração inchar de alegria. O buquê ficaria lindo, e encontrara a solução

perfeita para o véu. Ted amaria vê-la usando flores do Havaí no cabelo. Sabia que seria muito

difícil se controlar para não contar a ele como seria a roupa dela, mas tinha de manter segredo.

Ele teria de esperar pela surpresa quando a visse. Ela achava que ele ficaria mais do que

surpreso, ficaria maravilhado, como só um homem apaixonado pode ficar, um homem que

esperara pelo dia em que veria sua noiva vestida de branco da cabeça aos pés indo em direção

ao altar para se encontrar com ele.

A mãe da Cris continuava estudando as fotografias sobre o balcão .

- As flores pequenas na guirlanda vão combinar com as que você ‘tá bordando no

vestido.

- Que vestido ela está bordando? perguntou Marta.

- O vestido de noiva dela, respondeu a mãe. Ou talvez fosse melhor dizer meu vestido

de noiva.

- Nosso, disse Cris sorrindo com carinho para sua mãe. Quer ver, Tia Marta?

- Como não fiquei sabendo nada disso? indagou Marta. Eu achava que você ainda não

tinha decidido nada sobre o vestido.

- Não, o vestido ‘tá todo encaminhado.


Cris tirou o corpete da sacola e o segurou para a mãe e a tia verem. Decidira deixar as

mangas sem bordado e agora estava feliz com a escolha, porque as flores delicadas no corpete

ficaram em evidência.

- Foi você que bordou?

Marta examinou os pontos precisos na sequência delicada de miosótis.

- Puxa, Cristina, ficou excelente! disse afinal.

- Obrigada.

- Era o seu vestido, Margaret?

- Era. Ficou muito bom, Cris. Eu trouxe a saia, e posso alinhavar no corpete na hora que

você quiser experimentar.

- Quero agora, disse Cris. Ah, você lembrou de trazer os endereços para os convites,

mamãe?

- Lembrei.

- Ótimo, porque eu os peguei esta semana. A gráfica só levou duas semanas pra

imprimir, menos do que disseram que levariam quando eu e o Ted encomendamos.

- Maravilha, disse Marta. Vou levar tudo para Fiona na semana que vem, e ela pode

começar a endereçar logo.

- Precisamos resolver mais alguma coisa? indagou Cris.

Marta voltou a observar a lista de tarefas. Tinham horário marcado com o fotógrafo dali

a uma hora e depois, se quisessem, poderiam ir à confeitaria degustar outros bolos, para o

caso de Cris mudar de idéia quanto ao bolo de limão com recheio de framboesa.

- Não. Tenho certeza de que prefiro a framboesa.

Ela sabia que a tia achava melhor o de amêndoas.

- Ted gosta muito de frutas, Tia Marta. Eu não gosto de amêndoas, então o de framboesa

é o melhor pra nós.


- Está certo.

Cris sentiu-se em paz. Estava tudo correndo bem.

- O último item que precisamos decidir é sobre o bufê para a recepção, disse Marta, que

reunira muitas informações sobre esse assunto e sugeriu que deixassem para mais tarde.

- Certo, concordou Cris.

- Acho que agora é uma boa hora pra eu trazer a saia do vestido, disse a mãe.

Ela deixou Cris e Marta sozinhas na cozinha.

Cris aproveitou a oportunidade e abraçou e beijou sua tia.

- Por que está fazendo isso?

- Porque você ‘tá aqui, respondeu Cris.

- Bem, é claro que estou aqui.

Marta menosprezou o comentário , como se entendesse o significado profundo do que

Cris dissera mas preferisse não pensar nisso.

Cris decidiu pressionar.

- Você poderia estar agora em Santa Fé, fazendo cerâmica naquela colônia. Há algum

tempo, você me disse que pretendia fazer isso. Estou muito feliz porque ficou, porque

cumpriu a promessa que fez ao Tio Bob.

Marta demonstrou indignação.

- Que promessa?

- Amar, respeitar e cuidar dele na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza

e na pobreza, até que a morte os separe.

- Parece que você andou ensaiando os votos do casamento. Já decorou muito bem.

Marta arrumou as fotografias e listas sobre o balcão , mas não olhou para Cris.

- E você tem praticado, em sua vida, disse Cris. Eu amo você, Tia Marta. Quero que

saiba que aprecio muito sua ajuda, pois você ‘tá fazendo o que sabe fazer de melhor -
organizar tudo. É a perfeita organizadora de casamento. Acima de tudo, estou muito feliz

porque você ‘tá aqui para o meu casamento. Felizmente não ‘tá em Santa Fé.

Marta deu uma olhada em Cris e depois voltou o olhar para outro lado.

- Não é fácil. Você logo vai descobrir isso. Nem sempre a vida é como pensamos.

- O Senhor cumprirá o propósito dele para você, Tia Marta. Cris não planejara dizer

isso. As palavras simplesmente saíram de sua boca, mas seu coração estava repleto de paz, e

desejava que sua tia desfrutasse da mesma paz.

Como posso falar de um jeito que ela consiga entender? Senhor, o que desejas que

minha tia ouça?

- Eu sei que ele cumprirá o propósito que tem para você repetiu Cris. Mas você precisa

confiar nele com todo o seu coração e entregar sua vida a ele.

Marta respirou fundo, sem tirar os olhos da caneca de café que estava no balcão, na

frente dela. Devagar, escolhendo as palavras com cuidado, falou:

- Tenho pensado nisso, Cristina.

O coração de Cris parecia querer sair pela boca. Esperava há anos ouvir sua tia dizer

que estava abrindo pelo menos uma fresta em seu coração. Como Marta não acrescentou mais

nada, Cris inclinou-se para frente e falou com suavidade, transmitindo à tia a imagem que

estava muito clara em sua mente naquele momento:

- Posso contar algumas coisas que tenho pensado sobre casamentos nos últimos tempos?

- Claro, disse Marta. É disso que estamos falando hoje, não é?

- Meus pensamentos são sobre o céu e sobre como a Bíblia diz que Cristo é o noivo.

Marta voltou os olhos escuros, sérios, para Cris.

- Não sei se você já ouviu alguém colocar desta maneira, mas, em certo aspecto, Cristo

pediu cada um de nós em casamento e pediu que fôssemos a noiva dele pra vivermos com ele.

Pra sempre.
Como Marta não interrompeu, prosseguiu:

- Por causa do pecado, não podemos chegar perto de Deus. Ele é puro e santo, e nós,

não. Foi por isso que ele permitiu que seu único Filho morresse em nosso lugar. Jesus pagou o

preço da nossa desobediência. Mas você já sabe disso tudo, Tia Marta. Sabe que Deus quer

que fiquemos limpos pra que nada mais nos separe dele.

Cris engoliu para controlar a emoção. Não sei se você sabe, mas ele quer dar a você um

novo coração, Tia Marta. Quer que você receba a salvação como se fosse um vestido de noiva.

Puro, branco, e muito caro. Tão caro que custou a vida dele. Ele o oferece a todos que

queiram receber para usar enquanto seguem pela vida. Mas precisamos vestir o presente de

Deus.

Cris percebeu que estava usando as mãos para demonstrar o ato de tirar o vestido velho

e colocar o novo, puro e branco, oferecido por Deus. Colocou as mãos nas costas e concluiu

seu pensamento.

- Então, depois que percorremos toda a vida, chegamos ao altar, onde Cristo nos espera.

Ele é o verdadeiro Noivo. Ele nos ama de todo o coração e espera por nós desde o dia em que

nascemos.

Marta não afastou os olhos do rosto da Cris. Pequenas rugas se formaram em sua testa

lisa. Lágrimas brilharam no canto de seus olhos.

- Você acredita mesmo nisso, não é, Cristina?

- Acredito, de todo o coração.

Marta pressionou os lábios, como se quisesse prender as palavras em seu interior.

Cris se admirou da clareza com que conseguiu transmitir a mensagem que queria contar

à sua tia há muitos anos. Não havia ensaiado as palavras nem planejado as imagens.

Simplesmente aconteceu. Quem sempre fazia analogias maravilhosas era o Ted.


Talvez eu esteja aprendendo a ver as coisas como o Ted as vê. Ou pode ser que, quanto

mais eu confiar em Deus, mais ele me use do jeito que eu sou para falar a verdade em amor.

Marta estendeu a mão e pegou a de Cris; que reparou que a da tia estava fria e úmida.

Em voz baixa, Marta falou:

- Não desista de mim, Cristina. Estou chegando muito perto.

A mãe da Cris estava prestes a voltar para a cozinha, e Marta largou a mão da sobrinha.

Cris inclinou-se mais perto da tia e disse:

- Não vou desistir de você, Tia Marta. Nem Deus. Ele é o apaixonado incansável, e você

é o primeiro amor dele. Deus não vai desistir, porque deseja ter você de volta.

Marta se virou e se afastou.

- Preciso passar batom e depois temos de sair para encontrar o fotógrafo.

- Ela ‘tá bem? perguntou a mãe da Cris quando Marta desapareceu.

O rosto da jovem se iluminou com um grande sorriso e ela balançou a cabeça.

- Mais do que bem, falou. ‘Tá ótima.

- Quer dar uma olhada rápida nisto?

A mãe tirou da sacola a saia do vestido de noiva e Cris soltou um longo “Oh!”.

- Acho que ficou muito bonito, concorda?

- Mamãe, ficou perfeito. Amei o jeito como as pregas deixam a saia mais cheia sem

criar muito volume, disse Cris, segurando o corpete sobre a saia. Vai ficar lindo. Muito

obrigada, mãe! Amei!

- Muito bonito, concordou Marta, ao reaparecer. Parecia que a conversa íntima que

acabara de ter com a Cris não a havia afetado. É simples e gracioso. Exatamente como você.

Cris, já pensou na lingerie que vai usar? Acho que poderíamos acrescentar roupas íntimas na

lista de compras desta tarde.


Com o passar dos anos, Cris fizera compras muitas vezes com sua tia, mas lingerie elas

ainda não haviam experimentado comprar juntas. E Cris não sabia muito bem o que sentia

quanto a fazer esse tipo de compra com a mãe e a tia.

- Mas antes precisamos ir ver o fotógrafo, disse Marta, e as empurrou para a porta.

Reuniram-se com ele, viram uma pilha de álbuns e escolheram o serviço que agradou as

três. Cris achou que era caro demais, mas Marta falou que ela e o Tio Bob ofereceriam essa

parte, de modo que a noiva não deveria esquentar sua linda cabecinha.

- O mais importante é contratar um bom profissional que consiga capturar aquilo que

você deseja, disse Marta.

Cris pensou na fotografia do casamento de seus pais que vira no corredor da casa de sua

avó. Duvidava que tivesse sido tirada por um profissional que cobrasse tarifas exorbitantes.

Ainda assim, mostrava a alegria do dia, a felicidade do casal e de seus pais.

- Gostaria de colocar daquelas câmeras descartáveis em todas as mesas da recepção,

disse Cris. Assim os convidados podem tirar fotografias uns dos outros e teremos uma porção

de fotos espontâneas para o nosso álbum.

- Podemos fazer isso, retorquiu Marta, enquanto percorria a rodovia Costa do Pacífico,

rumo a um restaurante que ela queria que a irmã e a sobrinha conhecessem. Explicou que o

chef trabalhava em um bufê de recepções de casamentos.

Cris sugeriu que contratassem o chef do Ninho da Pomba, mas Marta rejeitou a idéia.

Depois Cris lembrou à tia que a recepção seria na Rancho Corona, e que seria mais racional

contratar uma empresa mais próxima da universidade. Marta informou que os donos de bufê

estavam acostumados a viajar por todo o sul da Califórnia, e que o local da festa não fazia a

menor diferença.

Cris abandonou o assunto. Não valia a pena discutir agora, depois de terem decidido em

paz tantos outros pontos naquele dia. Além disso, adquirira novo senso de responsabilidade
pela tia. Marta ouvira de boa vontade sua apresentação do evangelho naquela manhã, com a

analogia do casamento. Não queria agora invalidar tudo sendo indelicada, pois a tia estava se

esforçando muito para ajudar.

Ao final do dia atarefado, Cris decidiu dormir na casa dos tios para ir à igreja com Bob

na manhã seguinte. Telefonou para o Ted para lhe dizer que só o veria na tarde do domingo,

quando voltasse para a universidade. Mais uma vez, deixou recado na secretária eletrônica.

Estava com saudade do Ted. Seria tão gostoso sentir os braços dele em volta dela, contar que

o bolo teria recheio de framboesa e falar sobre os detalhes do contrato com o fotógrafo.

Mas não contaria das flores nem do véu. Também não falaria sobre as belas peças de

lingerie que ela, sua mãe e Marta haviam comprado naquela tarde. Tudo isso seria surpresa.

Ted não telefonou no domingo, quando ela voltou para o alojamento da universidade,

mas isso não a surpreendeu. Provavelmente, estava exausto depois do acampamento e tinha

muito trabalho na igreja, separando e guardando tudo que foi usado no fim de semana.

Durante as compras, na tarde de sábado, Marta perguntara a Cris se ela já sabia que

presente daria ao Ted no dia do casamento. A tia insistiu que era tradição os noivos trocarem

presentes. Cris, instintivamente, falou:

- Vou dar a ele um celular, pra não ser mais tão difícil encontrá-lo.

Falou como piada, mas agora estava começando a achar uma boa idéia. Poderiam

comprar telefones iguais para os dois.

Katie dançou quarto adentro às 7:00h da noite, segurando outro buquê colorido e um

balde de plástico cheio de água.

- Ele me ama, disse, com simplicidade.

Cris sorriu.

- Rick se declarou?
- Não, mas ele fica me mostrando que me ama. Passei o fim de semana emburrada

porque estou atrasada com os trabalhos da universidade. Ainda não acabei o de Economia.

Então, em vez de jogar tênis, como tínhamos planejado, passamos a tarde na biblioteca,

pesquisando dados e estatísticas. Depois, ele me deu essas flores e me agradeceu pelo dia

maravilhoso.

Katie arrumou as flores no vaso de plástico. Parecia tranqüila e sonhadora em seu

relacionamento com Rick. Essa tranquilidade fazia contraste completo com sua entrada

tempestuosa no quarto, meses antes, empolgada pela cafeína, perguntando a Cris se era

possível estar apaixonada.

- Sabe de uma coisa? Acho que esse cara não vai abrir mão de mim.

O tom da voz da Katie recordou a Cris o da sua tia, quando lhe pedira para não desistir

dela. A comparação entre o relacionamento de amor eterno com Deus e o de noivos se

comprometendo um com o outro pareceu ainda mais forte para Cris.

É isso que acontece com apaixonados incansáveis, pensou ela. Eles não desistem, não

é? Assim como o Rick ‘tá cortejando você, Katie, Jesus ‘tá cortejando a Tia Marta. E acho

que nenhum dos dois vai desistir. Nunca.


15

Depois de arrumar as flores com cuidado sobre a mesa, Katie esticou-se no que ela

chamava de sofá de surfe.

- E aí, como foi seu fim de semana, Cris? Fez muitos planos com sua tia?

Cris, empolgada, apresentou relatório detalhado de suas atividades. Contou a Katie

sobre a receptividade da tia quando falou sobre Deus. Falou ainda a respeito da guirlanda e

das flores que viriam de Maui. Depois, tirou de debaixo da cama duas caixas e mostrou a

Katie a linda lingerie que havia comprado.

- Nunca tive nada parecido com isto, disse Cris. Achei lindo. E foi superdivertido

comprar com minha mãe e minha tia. Não sei se você me entende, mas me senti igual a elas.

- E o médico? perguntou Katie.

- Que médico?

- Já marcou consulta no ginecologista pra fazer os exames pré-nupciais?

- Não. Preciso marcar. ‘Tá na minha lista de tarefas. Vou ao médico da minha mãe, lá

em Escondido. Ela me deu o número do telefone há uns dias. Ainda não telefonei.

- O que você pensa de tudo isso? falou Katie, mais baixo. Estou falando da lua-de-mel.

Você ‘tá preparada pra... sabe... tudo?

Cris sentiu vontade de gritar: “Estou! Estou! Totalmente!” Mas fez sinal afirmativo com

a cabeça e, com calma e simplicidade, falou:

- Sim, estou preparada.

- Vocês querem ter filhos logo? perguntou Katie.


Cris percebeu que, embora tivessem falado sobre quantos filhos queriam ter e sobre dar

a eles nomes compostos, havaianos, não haviam falado sobre quando os teriam.

- Ainda não falamos nisso, disse Cris.

- Vocês já tiveram alguma discussão séria?

Cris não sabia qual era a intenção de Katie com tantas perguntas inesperadas.

- Claro que sim.

- Eu e o Rick tivemos uma briga feia ontem. Levamos uma hora e meia pra resolver

tudo e chegar a um acordo. Mas acho que foi bom. Isto é, se ele quiser continuar comigo

depois de ver meu lado pior, foi a oportunidade perfeita. Se ele fosse desistir de mim,

provavelmente teria sido ontem.

- Parece que o relacionamento de vocês ‘tá ficando bem sério, comentou Cris.

- ‘Tá. ‘Tá ficando sério.

Katie olhou para Cris e depois deu um peteleco em seu cabelo ruivo e completou:

- E acho que estou gostando.

Segunda-feira à tarde, Ted telefonou para Cris em seu trabalho, na livraria.

- O que você vai fazer hoje à noite? perguntou ele.

Ela não conseguiu evitar um sorriso. Fazia três dias que não se falavam, desde que ele

fora para o acampamento. Mesmo assim, ele não começava a conversa como todo mundo:

“Oi, tudo bem?” Embora nunca tivesse iniciado a conversa ao telefone com um cumprimento,

por algum tempo ele perguntara: Como vão as coisas?”

Entretanto agora se limitava a ir direto ao ponto.

Cris decidiu responder de maneira tão sucinta quanto a dele:

- Estudar.

- Estudar? Não sei o que é isso!


- Ah, não! Seja bonzinho comigo! disse Cris, afastando-se do caixa, pois não havia

nenhum cliente naquele momento. Já esqueceu como é a vida de nós, pobres mortais que

ainda não nos formamos?

- Esqueci, disse ele.

E, abaixando a voz, acrescentou:

- Estou com saudade de você, Kilikina.

- Eu mais ainda, disse ela.

- Impossível, retorquiu ele. Olha, você não pode deixar de estudar uma noite pra ir

jantar comigo?

- É só marcar a hora e o lugar que estarei lá.

- Não ria de mim, disse Ted. Mas eu gostaria de ir à cantina da universidade, jantar em

nossa mesa ao lado da janela. Estou com saudade de me encontrar com você lá.

- Combinado. A que horas?

- Às 5:15h, se quiser me ver na roupa de pintor. As 6:00h se preferir me encontrar

limpo.

- Vou ficar com 5:15h, respondeu Cris.

Ansiosa para evitar que outros ocupassem a mesa deles, Cris saiu imediatamente da

livraria ao terminar seu horário, às 5:00h, e foi direto para a cantina. Esperou alguns minutos e

avistou Ted se aproximando. Controlou-se para não pular, atravessar o salão correndo e

abraçar seu amado. Ele estava com sua roupa velha para pintar e o sorriso em seu rosto era

largo e brilhante suficiente para iniciar um pequeno incêndio.

- Ainda bem que a tinta ‘tá seca, disse Ted.

Cris se afastou e deu uma olhada em sua roupa. O rapaz tinha razão. A tinta salpicada na

roupa dele não sujara a dela.

- Já comeu? perguntou ele.


- Não. Cheguei um pouco mais cedo pra esperar você.

- Vou pegar alguma coisa pra você, ofereceu ele. O que você quer?

- Qualquer coisa. Nem estou com fome. Quero mesmo é conversar.

- Acho que temos muitos assuntos a tratar, né? Já volto.

Cris observou-o enquanto ele avançava pela fila, cumprimentando os amigos e pegando

a comida. Voltou a pensar na semelhança entre o relacionamento com Deus e o amor dos

apaixonados. Agora que estava atenta, via paralelos por toda parte.

Como seria meu relacionamento com Deus se eu reservar uma hora pra me encontrar

com ele todos os dias? Será que eu chegaria mais cedo, por causa da ansiedade pra

conversar com ele?

Ted voltou e Cris falou que queria orar antes de comerem. De todo o coração, agradeceu

a Deus por Ted e pela oportunidade de se encontrarem durante a semana tão atarefada. Disse a

Jesus que queria amá-lo cada vez mais, para que houvesse um fogo ardendo na alma dela

todos os dias e que desejava se encontrar com ele de coração aberto.

- Amém! disse Ted.

- Como quiseres, declarou ela, encerrando a oração.

Levantou os olhos e sorriu para o Ted. Ele retribuiu o sorriso.

- Gostaria de ter entendido antes o que é o amor, falou Cris. Gostaria de saber como é

estar apaixonada assim quando eu era mais nova. Se soubesse, acho que meu relacionamento

com Deus seria muito mais profundo do que é hoje. Eu não entendia.

Ted concordou.

- Ei, conversei com seu tio hoje. Ele falou que a Marta ‘tá mesmo abrindo o coração

para o Senhor. Ele disse que ela contou que vocês conversaram.
Cris narrou, em linhas gerais, o que tinha acontecido no fim de semana. Ele falou do

acampamento. Ela contou que tinha ido ao Ninho da Pomba na sexta-feira com Selena e isso a

fez lembrar do recado do Rick sobre a loja de aluguel de smokings.

- Achei que tinha falado com você sobre convidar o Rick pra ser padrinho, disse Ted.

- Não falou. Creio que eu não me esqueceria disso. Agora temos três padrinhos e só

duas madrinhas.

- Quatro, disse Ted, espetando o brócolis com o garfo. Douglas, meu pai, Rick e David.

- David? Meu irmão? Quando foi que você convidou o David pra ser nosso padrinho?

- Faz algumas semanas. Com certeza falamos sobre isso.

- Lembro que falamos sobre encontrar alguma tarefa especial pra ele.

- Foi, disse Ted.

- Mas depois não conseguimos encontrar nada.

- Exato, então eu o convidei pra ser padrinho. Ele ficou muito feliz. Acho que vai se

sentir mais importante, você não acha?

Era essa a lógica de Ted. A mente dele funcionava assim. Pensava sempre no bem-estar

dos outros. David se sentiria importante. E isso era importante para o Ted.

Cris sabia que pelo resto da vida, por mais que se organizasse, o fator imprevisível da

lógica do Ted sempre entraria em cena.

Durante os dez minutos seguintes, conversaram sobre o que Cris chamava de “fator

aleatório”. Ela sabia que essa qualidade do Ted os acompanharia sempre na longa jornada que

se colocava diante deles, e estava decidida a aprender a conviver com ela em paz. Apresentou

a Ted exemplos de ocasiões em que havia afetado o relacionamento, como quando ele parara

no viaduto em Carlsbad para compartilhar o café da manhã com o mendigo. Ted não via nada

de diferente nesse padrão de pensamento, mas disse que iria tentar se lembrar de falar com a

Cris sobre suas decisões antes de partir para a ação.


- Então, você acha que consegue conviver com isso? perguntou Ted. Isto é, comigo.

Minha lógica. O “fator aleatório”. Será que vou tirar você do sério?

- É bem provável, disse Cris, com um sorriso. Mas eu também vou tirar você do sério

com minha mania de organização.

- Acho que estamos melhorando, não acha? Estamos aprendendo a manter o outro em

equilíbrio, falou Ted, retribuindo o sorriso dela.

Cris notou que a testa dele estava cheia de pequenos pingos de tinta bege e que havia

um pedaço de brócolis preso entre os dois dentes da frente.

É, as coisas es tão ficando bem reais aqui!

Mostrou a ele que havia alguma coisa nos dentes e recordou um dos primeiros encontros

dos dois. Tio Bob possuía uma bicicleta com dois assentos, e eles foram com ela até a ilha

Balboa. Ted comprou para ela um sorvete com cobertura de chocolate. Na volta, o chocolate

lambuzara o rosto dela, mas Ted não fala nada, embora ela tivesse visto, depois que ele fora

embora, que estava ridícula.

Hoje isso não aconteceria. Avançamos muito no nosso relacionamento. O Ted me diria

se eu ficasse com o rosto sujo de chocolate, ou tivesse um pedaço de brócolis no dente. Somos

uma equipe. Uma boa equipe. Como ele disse, damos equilíbrio um ao outro.

- Eu falei com você sobre a viagem ao México no próximo fim de semana? perguntou

Ted.

- Que viagem?

- Uns homens da igreja querem ir lá trabalhar no orfanato. Programaram pra partir na

quinta-feira à noite e voltar no sábado à noite. Quer ir também?

Cris se esforçou para lembrar o que acabara de dizer a si mesma sobre serem uma boa

equipe, mas as palavras escaparam:


- Ted, estou sobrecarregada este fim de semana. Tenho aula na sexta-feira, e vou

trabalhar até às 6:00h da tarde. Não tenho a menor chance de conseguir mudar tudo pra ir ao

México com você!

Então, sabendo que precisava expressar seus pensamentos, tentou falar de forma

bondosa, e disse:

- Você percebeu que vai passar o segundo fim de semana seguido fora?

- Percebi. Por isso esperava que você fosse também. Mas acho que posso cancelar.

- Parece que é melhor você ir, disse Cris.

- E nós? E os preparativos do casamento?

- Posso fazer sozinha. Temos... Quantos? Mais sete ou oito fins de semana depois deste.

- Vou fazer o possível pra não marcar nenhum compromisso para os próximos oito fins

de semana, falou Ted.

Cris inclinou-se para frente e lhe disse:

- Prometa apenas que não vai marcar nada para o dia 22 m maio. Esse fim de semana ‘tá

definitivamente tomado.

- Já anotei na minha agenda.

Cris olhou para ele com ceticismo.

- Duvido que você tenha uma agenda.

Ted encolheu os ombros.

- Não tenho mesmo, mas no meu talão de cheques tem um calendário e eu marquei lá o

dia 22 de maio.

Cris deu uma gargalhada. Poucos meses antes, teria chorado, agora ria.

Ted observou o riso dela com ar de tranquilidade.

- Como fui achar que dava pra organizar tudo isso pra casarmos em Janeiro?

Cris riu ainda mais.


- Há horas em que eu gostaria que tivéssemos casado em Janeiro, porque agora já

estaríamos juntos, disse ela.

- Mas uma cerimônia arranjada às pressas não seria tão especial quanto a que você ‘tá

organizando pra nós, elogiou Ted.

- Podemos decidir alguns assuntos da cerimônia? indagou Cris. Seria bom fazer isso

hoje, ainda mais porque você vai viajar no fim de semana.

- Claro. O que precisamos resolver?

- Os smokings.

- Certo, vamos ver isso.

- Agora? perguntou Cris.

- Sim. Por que não?

- Por que não? repetiu ela.

Comeram mais um pouco, depois saíram da cantina, entraram no carro e foram até a

Burton’s Smokings. Enquanto dirigia, Ted cantarolava.

Cris estendeu a mão e apertou o braço dele três vezes.

- Puxa, você ‘tá ficando bem musculoso!

Ele levantou as sobrancelhas.

- Não subestime a eficácia de mover um pincel pra cima e pra baixo o dia inteiro.

Cris sorriu, apertando-lhe mais uma vez o braço, e ele o flexionou. Ela riu, lembrando

de seu pai chamando os filhos, ela e David, quando pequenos, para apertarem os músculos

dos braços dele. O pai flexionava os braços, mostrando a força, e levantava as crianças do

chão.

- Você é o meu herói, disse Cris, com doçura.

Quem riu dessa vez foi Ted.


- Quer que eu entorte alguma barra de ferro? Se precisar, também posso saltar por cima

de um muro bem alto.

- Nada disso, disse ela, com firmeza. Basta ficar parado e deixar o homem tirar suas

medidas quando chegarmos à loja.

- Entendi.

Ted voltou a cantarolar uma música que Cris não conhecia.

- Que música é esta? Já ouvi você cantarolando-a outras vezes.

- É uma música que estou compondo. Qualquer hora eu a canto pra você.

- Ah, canta agora! pediu ela.

Ted deu um grande sorriso.

- Não, fica melhor com o violão. Tenha um pouco de paciência. Qualquer dia eu canto.

Prometo.

Entraram de mãos dadas na Burton’s Smokings, e Ted ainda cantarolava. Aparentemente

o funcionário não os levou muito a sério. Cris pensou que talvez fosse por causa da roupa do

Ted. Assentaram-se e começaram a examinar o álbum com os modelos.

Haviam virado a quinta página quando Ted disse:

- É este. Gostei. O que você acha, Cris?

Ela pensou que preferia olhar todos os modelos e depois voltar e examinar com mais

cuidado antes de tomar uma decisão.

- Bonito. Básico. O smoking clássico, falou Ted. Acho que gostei. O que você acha?

- Bonito.

- Então podemos escolher este?

- Claro.
Cris não vira nas páginas anteriores nada que tivesse chamado sua atenção em especial e

lembrou a si mesma que, no fim das contas, quem iria vestir o smoking era o Ted. Então,

quem deveria decidir o que queria era ele.

- Senhor! chamou Ted pelo homem que estava do outro lado. Poderia reservar cinco

destes aqui para a festa Spencer-Miller?

Cris cobriu a boca com a mão. Participara de várias reuniões formais com a mãe e a tia

durante o fim de semana e percebeu que Ted estava fazendo tudo errado. Parecia que estava

pedindo cinco sanduíches para viagem.

- São cinco, certo? repetiu ele.

Cris tirou a mão da boca.

- São seis. Meu pai finalmente decidiu usar um smoking também. Não sei se o Tio Bob

vai querer o mesmo modelo.

- Senhor! chamou Ted novamente pelo atendente. Da pra reservar sete?

- Ted, acho melhor irmos até lá pra falar com ele, sugeriu Cris.

Preencheram os pedidos, Ted pagou o sinal e então o funcionário pediu que ele ficasse

na frente do espelho para tirar as medidas. Ted abriu os braços e, felizmente, limitou-se a

fazer alguns poucos comentários.

Dez minutos depois tudo estava acabado, e eles iniciaram a volta à universidade. Cris

perguntava a si mesma se algum dia, depois do casamento, aprenderia um pouco da postura

despreocupada do Ted diante da vida.

Até isso acontecer, tinha alguns assuntos nada despreocupantes para tratar com o noivo,

a começar pela recepção do casamento. Pararam em uma sorveteria antes de chegar ao

campus e tomaram o sorvete em uma mesa que ficava no canto.

Ted parecia não ver problema em terem quatro padrinhos e duas madrinhas.

- Acho que não tem a menor importância essa diferença de número.


- Eu me importo, disse Cris. Preciso convidar mais duas amigas pra ficarem quatro

casais.

Ela pensou em quem poderia convidar. Era muito mais simples quando eram apenas

Katie e Trícia. Nem ela nem Ted tinham irmãs ou primas que pudessem incluir.

- Eu poderia pedir ao Douglas e ao Rick para ficarem na porta recebendo os convidados.

Eles não precisam ficar lá na frente, falou Ted.

- Não acho que a solução seja voltar atrás no convite feito aos homens. Seria melhor se

eu escolhesse mais duas mulheres. O problema é que não tenho outras amigas chegadas o

suficiente pra convidar pra participarem do nosso casamento. Selena é a única de quem me

lembro, e não me sentiria bem se a convidasse agora. Ela perceberia que foi um convite

improvisado.

Cris sempre fora o tipo de garota que tem apenas uma grande amiga. Paula fora essa

amiga durante todo o ensino fundamental. As duas sempre diziam que seriam madrinhas uma

das outra, mas haviam se separado quando Cris se mudara para a Califórnia. Paula se casara

um ano antes, Cris recebeu o convite mas não pôde ir à cerimônia.

Então, percebeu que o ano passado na Suíça havia interrompido seus relacionamentos.

Tinha amigos na Europa, mas não era provável que eles viessem ao casamento. Durante seus

primeiros anos na universidade, morara com seus pais e frequentara uma faculdade perto de

casa. Não desenvolvera nenhuma amizade duradoura lá. De repente, sua lista de amigas ficou

muito reduzida.

- Por que não misturamos os homens e as mulheres dos dois lados? sugeriu Ted.

Estamos falando do nosso casamento, certo? Podemos fazer do jeito que quisermos. Meu pai,

Douglas e Trícia poderiam ficar do meu lado, e Katie, Rick e David, do seu.

Cris pensou um pouco na sugestão dele. Mais uma vez, a visão única que ele tinha das

situações abria um mundo de possibilidades para ela.


- O que você acha? perguntou Ted.

Cris não conseguiu evitar um sorriso, lembrando-se de quando ele fizera a mesma

pergunta durante a escolha do anel de noivado. Com um grande sorriso, disse:

- Sabe o que eu acho? Que você beija muito bem.

Ted pareceu gostar do toque de humor e retrucou com uma das falas dela:

- Você quer falar de romance ou de negócios? Estou falando dos padrinhos.

Em tom de brincadeira, Cris falou:

- Prefiro o romance, claro, mas vou tentar me controlar e me limitar aos negócios,

dizendo que, mais uma vez, seu esperto fator aleatório salvou o dia apresentando uma solução

inesperada para um problema que vinha deixando a mim e a minha mania de organização em

pânico.

Ted riu, pegou os copinhos de sorvete vazios e levou para o lixo do outro lado da

sorveteria.

Exatamente nessa hora, Cris viu uns alunos da Rancho Corona entrando. Selena estava

no grupo. Cris acenou para ela, que se aproximou.

Assentou-se na cadeira que Ted deixara vazia.

- Que bom que você ‘tá aqui! Eu queria saber quando é seu casamento.

- Dia 22 de maio.

- Ótimo! Eu esperava que fosse nesse dia. Fui aceita naquele curso de verão de que

falei. Meu vôo é no sábado seguinte ao do casamento. Eu não queria perder a cerimônia.

- Maravilha! Ainda bem que você vai participar, disse Cris.

- Também acho. Além disso, eu queria agradecer a você, falou Selena, inclinando a

cabeça na direção de Cris.

Cris viu que Ted conversava com o pessoal que chegara com Selena e voltou toda a sua

atenção para a amiga.


- Aquilo que você falou no Ninho da Pomba sobre ser como Deus quer que eu seja me

ajudou muito. Especialmente agora que estou preparando a viagem para o Brasil.

- De certa forma me ajudou também.

Cris lembrou que havia descoberto que se parecia muito com sua tia, mas que isso

acabou sendo bom, quando entendeu que Deus poderia cumprir seus propósitos para ela

exatamente do jeito que ela era.

- Bem, foi muito bom pra mim e eu comecei a pensar no que há em você que me faz

gostar tanto de você.

Cris se sentiu meio sem jeito diante de tantos elogios da Selena.

- Sabe o que é? indagou Selena. Você ama as pessoas. Com gentileza, calma, com

atenção bondosa e específica. Assim, faz todo mundo se sentir à vontade. Cris, isso é um dom.

Acho que Deus deu a você o dom da hospitalidade, além do da organização.

Cris pensou nas palavras da amiga.

- Não sei quanto à hospitalidade. Não posso dizer que viva em um lugar em que seja

possível acolher os outros. Nunca morei. E, depois que me casar com o Ted, acho que uma

casa grande, com quartos pra hóspedes, não será uma realidade.

- Quem precisa de casa? Estou falando do seu coração. Aí você tem muito espaço pra

receber hóspedes. E é isso que você faz. Abre o coração pra todo mundo. Tem uma porção de

quartinhos bem arrumados, prontos pra abrigar seus amigos. As pessoas percebem que podem

entrar, exatamente do jeito que são. Você não hospeda ninguém, você ama. E isso permanece.

É por isso que gente como eu sente que vai ser sua amiga pra sempre. Você mantém um lugar

especial pra mim em seu coração.

Lágrimas rolaram pelo rosto da Cris antes que ela pudesse enxugar.

- Obrigada, Selena, muito obrigada.


- Não agradeça a mim, agradeça a Deus. Foi ele quem fez você como você é, disse

Selena, disparando um sorriso brilhante e livre, e dando um salto da cadeira. Parece que o

pessoal já fez o pedido. É melhor eu ir. Nós nos vemos depois.

Parecia, para Cris, que um dos grandes mistérios da vida havia sido desvendado. Agora

sabia quem era, conhecia os dons que Deus lhe dera e sentiu a paz descer sobre ela, como um

consolo muito bem-vindo.

Não importa onde eu e o Ted vamos morar, nem como vou usar meu diploma. Agora sei

pra que serve minha vida. Posso amar os outros, sou uma mulher hospitaleira. Uma mulher

que ama.
16

As últimas semanas de Cris na universidade foram passando, e a vida parecia entrar nos

eixos. Sentia que seu futuro estava mais definido. O comentário da Selena sobre o dom de

hospitalidade abrira um mundo de novos entendimentos e possibilidades para ela. Cris

apreciava ser hospitaleira e pensava que ser organizada e atenta aos detalhes eram

características que iam bem com a hospitalidade. Agora tudo fazia sentido. Sabia qual o

propósito de sua vida e estava ansiosa para ir adiante, sendo como Deus pretendia que ela

fosse quando a criou.

Os preparativos da cerimônia iam bem. A conta bancária crescia graças ao emprego do

Ted como pintor, e Cris tinha tempo para estudar, pois raramente via o noivo.

Na sexta-feira antes da Semana Santa, fez hora extra na livraria, enquanto os outros

alunos que também trabalhavam lá partiam para aproveitar os feriados. Mark Kingsley

apareceu com um boné de beisebol escondendo o cabelo castanho claro. Parecia que tinha

crescido alguns centímetros desde a última vez em que se viram.

- Oi, disse Cris.

- Oi, garota, falou Mark, e os olhos castanhos dele, carinhosos, sorriam para ela. Você

estava escondida? Não vejo você há várias semanas. Passei aqui algumas vezes, mas não a

encontrei.

- Mudei meu horário neste semestre, contou Cris. Além disso, tenho mais aulas. Estou

sobrecarregada.

- Nem me fale! Os treinos de beisebol também estão uma loucura.


- Como vão as coisas com você?

- Ótimas. Minha mãe me contou que seu avô morreu, disse Mark. Senti muito. Ele era

um homem muito bom.

Mark e Cris cresceram juntos, em Brightwater. Ele fora sua paixão de infância, na

Escola Elementar Washington. Agora, estudavam de novo no mesmo lugar. No semestre

anterior, encontravam-se toda hora. Neste, raramente.

- Obrigada, Mark, falou Cris. Concordo. Ele era maravilhoso. Vi suas irmãs no enterro.

Elas estão bem grandes.

- É, elas estão bem. Minha família vem pra Califórnia no verão, então as duas estão

empolgadas.

- Você vai ficar aqui nas férias?

Mark fez que sim.

- Consegui emprego no Centro de Evangelização de Jovens. É por isso que não tenho

ajudado o Ted com a mocidade na igreja dele. Agora tenho meu próprio grupo de garotos. São

muito mais ativos do que os do Ted. Gosto disso. Até agora já formamos dois times de

beisebol.

- Acho que você deve ser bom nisso, comentou Cris. Como conseguiu esse emprego?

- Jenna trabalha lá e me indicou.

- Jenna?

- Não lembra dela? Eu contei pra vocês na lanchonete um dia, em dezembro, que estava

com vontade de convidá-la pra sair comigo e vocês me convenceram a participar daquele

encontro em grupo no Ninho da Pomba.

- Ah, lembrei!

- É muito natural você não lembrar muita coisa daquela noite. Você e o Ted estavam

bem ocupados ficando noivos.


Cris sorriu.

- Foi uma noite especial. Que bom que você estava lá!

Mark hesitou e olhou envergonhado sobre o ombro antes de dizer:

- Ainda estamos juntos.

- Estão? Você e a Jenna?

Mark assentiu.

- Que bom! Ela parece ser muito legal.

- E é, confirmou Mark. Queria contar pra você porque, é... acho que só queria que você

soubesse e ficasse feliz por mim. Você é a pessoa mais próxima da minha família que tenho

aqui.

- Gostei muito de você ter me contado. Espero que você a leve ao meu casamento.

Ainda não mandamos os convites, mas vai ser no dia 22 de maio.

- Estarei lá, disse Mark. E vou levar a Jenna.

- Ótimo!

Cris desejou que seu sorriso mostrasse a Mark que estava muito alegre por vê-lo feliz.

- Ah, nós vamos jogar boliche hoje à noite. Você e o Ted não querem ir conosco?

- Boliche, é?

Cris pensou que era maravilhoso Mark ter encontrado uma garota que apreciava

esportes.

- Obrigada, mas acho que não vai dar. Assim que sair do serviço, tenho de ir à casa dos

meus pais. Os vestidos das madrinhas chegaram e preciso entregar o da Trícia. Talvez ela

tenha de ajustar.

- Ah, concordou Mark, mas parecia que ele não tinha a menor idéia do que Cris estava

falando. Podemos tentar fazer algum programa juntos em outra hora.

- Claro, disse Cris, mas sabia que não seria possível, não nos dois meses seguintes.
Talvez, depois do casamento, eu e Ted possamos retomar nossa vida social, pensou Cris.

Na tarde de sábado, Cris foi em seu Volvo até Carlsbad com o vestido da Trícia no

banco de trás. As duas haviam combinado de se encontrar para lanchar no Blue Ginger, mas

Cris estava um pouco adiantada. Não se importou, porque conseguiu uma mesa na parte

externa, onde o Sol fresco da primavera a cobriu, aquecendo-a e deixando-a ansiosa pela

chegada do verão. Largou o cardápio e fechou os olhos, desfrutando do calor.

Momentos depois, Trícia chegou, e Cris sorriu ao ver a barriga de sua amiga

transformada em uma bola compacta.

- Já sei, falou Trícia, batendo na barriga. ‘Tá aparecendo mesmo.

- Você ‘tá bonitinha demais! Linda! disse Cris e a abraçou, batendo com carinho na

barriga. ‘Tá com a aparência muito boa, Trícia.

- Obrigada, Cris. Não posso dizer que acredito, mas muito obrigada, agradeceu Trícia,

puxando uma cadeira e assentando-se à frente da amiga. Já fez o pedido?

- Não, estava aqui aproveitando um pouquinho o Sol.

- O dia ‘tá lindo, não ‘tá? Tomara que eu não tenha deixado você esperando muito

tempo. Tínhamos consulta no médico antes de vir pra cá e demorou mais do que o previsto.

Ele tinha uma surpresa pra nós.

Cris tirou os óculos escuros para ver o rosto da Trícia com mais clareza.

- Gêmeos? perguntou.

- Não, disse Trícia, dando uma risada nervosa. Nem fale nisso! Ficamos sabendo que é

menino. E já escolhemos o nome: Daniel.

- Que maravilha! Você preferia menina?

- Não, estou empolgada. O Douglas também.

- Você gosta do nome Daniel?


- Amo. Podemos chamá-lo de Dani enquanto for pequeno e, quando fizer seu doutorado,

ele passa a ser conhecido como Daniel.

Cris sorriu.

- Você tem aspirações elevadas pra esse menino.

- Isso não acontece com todos os pais e mães?

A garçonete aproximou-se, e as duas pediram salada e água mineral com gás.

- Será que estamos envelhecendo? perguntou Cris. Olha o que pedimos - salada e água

mineral. Esse é o pedido da minha tia.

- Conversei com ela esta semana, contou Trícia.

- Foi mesmo?

É. Tenho novidades pra você. Estou organizando um chá de panela pra você e o Ted.

Douglas queria fazer surpresa, mas falei que iria contar pra você hoje, porque achei que seria

mais fácil se vocês soubessem.

- Obrigada, Trícia.

- Vai ser na quinta-feira, e sua tia ofereceu a casa dela. Quando eu e o Douglas

começamos a fazer a lista de convidados, vimos logo que não daria pra receber mais de vinte

pessoas em nossa casa.

- E minha tia concordou?

- Ficou animada e se sentiu honrada. Eu disse que levaria toda a comida, mas ela insistiu

pra eu deixar tudo por conta dela por causa de meu “estado”, disse Trícia, recostando-se na

cadeira e colocando o braço sobre a barriga. Em outra ocasião eu teria argumentado com ela,

mas a verdade é que me sinto muito cansada o tempo todo.

- Ted falou que você pretende deixar seu emprego depois que o bebê... ou melhor,

depois que o Dani nascer.

Trícia assentiu e bebeu um gole da água mineral que a garçonete trouxera.


- Talvez a gente tenha de se mudar.

- Por quê? A casa de vocês é linda!

- Sei disso, mas o contrato vence em novembro e a casa é muito pequena. Só temos um

quarto. Tudo bem enquanto o Dani for pequeno, mas ele vai precisar de um quarto só dele.

- Eu não tinha pensado nisso, falou Cris. O que vocês vão fazer? Mudar pra um

apartamento de dois quartos?

- Ainda não sei. Até agora só estamos no começo desse assunto. Douglas sonha em

comprar uma casa, ter um cachorro e um quintal grande pra colocar um balanço. Mas, pra

morar em um imóvel assim teríamos de ir pra longe da praia.

- E acho que vocês sentiriam muita falta do mar.

- É, concordou Trícia. Mas você ficaria admirada. Nós quase não vamos mais à praia.

Quando nos mudamos pra lá, íamos sempre. Acho que precisamos ser mais responsáveis e

simples e morar em uma área mais barata.

Cris balançou o copo misturando o gelo e a água.

- Quem sabe? Talvez a gente acabe morando no mesmo bairro.

- Você e o Ted vão morar perto da Universidade Rancho Corona? indagou Trícia.

- Estamos tentando encontrar um apartamento no condomínio em que Rick mora,

acredita? De lá até a igreja são só uns cinco minutos.

- Vou ter de convencer o Douglas a procurar alguma coisa por lá. Ontem à noite ele

disse que poderíamos nos mudar para o Oregon, porque ele conhece um homem que mora em

uma cidade pequena onde poderíamos comprar uma casa.

Cris se ofereceu para orar quando a garçonete trouxe as saladas. Depois, as duas

conversaram sobre todos os assuntos, dos planos para o chá de panela e o casamento de Cris à

primeira vez que Trícia sentiu o Dani se mexendo. Enquanto tirava disfarçadamente todas as

nozes de sua salada, Cris pensou em como essas duas horas no Sol eram as mais tranquilas
que ela tinha há muitos meses. Esperava que o Douglas e a Trícia não se mudassem para o

Oregon. Precisava da Trícia por perto, depois do casamento, para ter mais momentos como

esse.

Quando as duas se dirigiam para o estacionamento, para Cris entregar o vestido da

Trícia, ela perguntou sobre Rick e Katie.

- Estão ótimos, disse Cris. Katie ‘tá avançando devagar, e Rick a trata como ela merece.

- Você acha que eles vão ficar juntos? perguntou Trícia. Quer dizer, acha que eles vão se

casar?

Cris pensou um pouco.

- Eu não ficaria surpresa. Katie ‘tá decidida a concluir o curso superior e ainda não

conversei com ela sobre isso, mas acho que eles escolheriam um noivado bem curto.

- Você não fica espantada? perguntou Trícia.

- Se eu parar e pensar, acho que fico. Mas mesmo assim parece que é bom pra eles. ‘Tá

evidente que o Senhor ‘tá cumprindo o propósito dele pra cada um de nós.

- É verdade, concordou Trícia, com um suspiro de contentamento.

Na quinta-feira, Ted saiu mais cedo do serviço para os dois irem ao chá de panela. Ele

foi até o alojamento buscar Cris. Vestia uma camisa muito bem passada, de estampa havaiana

e mangas curtas, com uma bermuda caqui. Abraçou Cris e ela sentiu que ele havia se

barbeado e usado uma colônia com perfume amadeirado.

- Você ‘tá lindo! elogiou Cris. E muito cheiroso, também.

Ted pegou a mão dela e conduziu-a até o carro.

- Passei a colônia do Rick. Gostou?

- Muito.

- Rick passou a camisa pra mim. Ele é bom nas tarefas domésticas.

Cris pensou que isso era ótimo, pois nunca vira Katie passar uma peça de roupa sequer.
- Você ‘tá muito bonita, disse Ted, e passou o braço pela cintura da Cris e puxou-a mais

para perto dele. Gosto dessa saia. Não sei se falei isso da outra vez que você a usou. Fica

muito bonita em você.

- Obrigada. Você ‘tá com fome? Quer parar e comer alguma coisa antes de irmos pra

Newport?

- Não, estou bem. E você?

- Não estou com fome.

Entraram no carro, que era um dos poucos no estacionamento.

- Você não ‘tá aproveitando muito os feriados da Semana Santa, né? perguntou Ted.

Preferia ter ido pra casa?

- Foi melhor ter ficado, disse Cris. Trabalhei vinte e duas horas esta semana, fazendo

levantamento de estoque na livraria. O dinheiro vai nos ajudar muito. E quase consegui acabar

meu segundo trabalho. Só faltam dois. As provas serão daqui a três semanas e meia e aí,

acabei!

- Estou orgulhoso de você, Kilikina. Já falei isso? Você tinha razão sobre o tempo

necessário pra planejar o casamento. Estou espantado de ver quanta coisa você conseguiu

fazer, além de concluir seu último semestre na universidade. Se eu tivesse tido o mínimo de

compreensão, teria concordado em casar em agosto, como você queria, pra você não sofrer

tanta pressão.

- Não tem sido coisa demais, disse Cris. É muito, mas enquanto não tento inventar

atividades sociais além de todo o resto, ‘tá tudo bem.

- Sei, concordou Ted, entrando com o carro na via expressa. Não temos conseguido nos

encontrar muito, né?

- Isso vai mudar muito em breve, afirmou Cris. Estamos atravessando uma etapa. Bem

curta. Acho que estamos nos saindo bem, concorda?


- Concordo. Agora, me conta, pediu Ted, o que as pessoas fazem nesses chás?

- Algumas vezes há brincadeiras. Depois, um lanche e a gente abre os presentes.

Ted parecia não ter a menor idéia do que fosse.

- Que tipo de brincadeira?

- Sabe, caça-palavras ou usar papel higiênico pra fazer o vestido e o véu da noiva.

- E vai ser divertido, certo?

Cris sorriu.

- Você vai se divertir, Ted. Pelo menos, é melhor se divertir, porque é o convidado de

honra.

Ted balançou a cabeça. Passou os dedos pelo cabelo curto.

- Por acaso um dos rapazes falou sobre alguma brincadeira hoje?

Finalmente, Cris entendeu o nervosismo dele. Achava que seria sequestrado no chá,

como ele e os amigos fizeram com o Douglas na despedida de solteiro. Eles o levaram até a

balsa que ia para Balboa, vestiram nele uma fantasia de frango e o prenderam na balsa.

Segurando a risada, Cris perguntou:

- Por que você ‘tá perguntando isso?

- Só queria saber...

Cris não ouvira nada sobre planos para sequestrar o Ted, mas achava que ninguém iria

contar para ela.

- Tenho certeza de que meus tios vão controlar essa festa.

Mas quem convidou foram o Douglas e a Trícia, não foram?

- Sim, foram.

Ted parecia preocupado. Cris fez forca para não rir.


17

Ted e Cris chegaram à casa de Bob e Marta e encontraram Trícia na sala, tentando pegar

no chão uma etiqueta com um nome escrito. Mas o empreendimento parecia um grande

desafio para ela.

- Eu pego, disse Cris, que se abaixou sem nenhuma dificuldade e colocou a etiqueta na

cesta pendurada no braço da Trícia.

- Muito obrigada. Já desisti de amarrar os sapatos, disse Trícia. Ontem tive de comprar

estas sandálias aqui, de só enfiar o pé, porque estou muito inchada. Não posso dizer que a

gravidez seja minha melhor condição.

- Você ‘tá magnífica, disse Ted.

Cris virou-se e contemplou seu noivo, tão amável. Ele se inclinou e deu um beijo no

rosto da Trícia.

- Falei sério, Trícia. Acho que você ‘tá muito bonita grávida. Seu rosto brilha. Acho que

você ‘tá linda.

Parecia que Trícia ia começar a chorar.

- Muito obrigada, Ted.

Ah, que homem maravilhoso! Espero que você se lembre de dizer essas coisas lindas

pra mim no dia em que minha barriga estiver maior do que uma bola de basquete!

- Não ouvi vocês chegarem, disse Marta, entrando apressadamente na sala. Trícia,

querida, não é melhor você se assentar?


- Estou bem, falou Trícia, lançando a Cris um olhar que dizia: “Espere só até você ficar

grávida!”

- Ted, querido, Bob quer que você vá até a garagem.

- Por quê? o tom da pergunta do Ted tinha um traço de rispidez.

Marta fez ar de ofendida.

- Ele precisa de ajuda para carregar uma mesa. Eu vou com você, Ted. Vamos.

Ted olhou para Cris como se dissesse: “Adeus pra sempre”, e avançou devagar até a

garagem.

Cris cochichou para Trícia:

- Ele ‘tá achando que os rapazes vão sequestrá-lo hoje e fazer alguma maluquice, como

quando prenderam o Douglas na balsa.

- Você acha que meu maravilhoso marido faria uma coisa assim?

- Não é com ele que estou preocupada, disse Cris. Um homem sozinho não representa

ameaça nenhuma, mas quando todos se unem pra pensar, fico alarmada. Especialmente com

Rick de volta à cena.

Ted e Douglas avançaram pela sala, carregando uma mesa dobrável.

- Marta quer que a gente ponha os presentes nesta mesa, informou Douglas. Falou pra

gente colocar na frente da janela. Cris, você pode tirar a cadeira de balanço de lá?

Os três se dedicaram a arrumar a sala do jeito que Tia Marta queria. Não parecia que

Douglas estava armando nada escondido. Entretanto, quando se tratava do Douglas, ninguém

nunca podia ter certeza. Um sorriso travesso vivia permanentemente no rosto dele.

Os convidados foram chegando, e Marta recebeu cada um. Falou para Trícia ficar ao

lado dela com a cestinha do de crachás e não deixou ninguém entrar sem o nome pendurado.

Uns eram pretos, recortados na silhueta de um noivo, inclusive com chapéu. Nesses foram

escritos, com tinta branca, os nomes dos rapazes. Os das garotas foram escritos com caneta
preta em silhuetas de noivas recortadas em papel branco. Cris considerou a idéia interessante,

mas meio engraçada, já que todo mundo no chá era amigo. Ninguém iria tentar entrar como

penetra na festa, porque Marta olharia na cesta e diria:

“Desculpe, mas não estou vendo aqui um noivinho com seu nome. Pode ir embora!”

A primeira brincadeira que Marta dirigiu foi a que Cris previra. As garotas tiveram de

vestir Cris de noiva com papel higiênico em cinco minutos. Os rapazes só observaram. Selena

fez sozinha o véu, que foi o que provocou mais risadas. Ela pegou um rolo de durex e

conseguiu fazer as tiras do véu ficarem duras em todas as direções.

Cris viu seu reflexo no vidro da janela e exclamou:

- Selena, estou parecendo a Estátua da Liberdade!

A sala se encheu de gargalhadas e vários flashes brilharam quando os amigos

capturaram o momento. Cris, paciente, esperou todos os desdobramentos da brincadeira. Foi

bem divertido.

Mas Ted, por sua vez, se mostrava arisco como um gato quando o chamaram para ficar

ao lado dela. Os rapazes agora tinham de vesti-lo de noivo com papel higiênico. Ted deu uma

olhada para sua noiva como se esperasse a qualquer momento ver um saco de batatas ser

jogado sobre sua cabeça e ser arrastado porta afora, içcado a um avião de carga e despachado

para Aruba.

O máximo que aconteceu foi os rapazes transformarem Ted em uma múmia de papel

higiênico, com os braços presos ao lado do corpo e o papel cobrindo boca, ouvidos e olhos.

Douglas brincou que isso era a verdade sobre a vida de casado e, como toque final, prendeu

no peito do Ted um chumaço de papel higiênico imitando um cravo na lapela.

Cris achou que ele estava muito engraçado todo embrulhado, mas sabia, pelo jeito como

ele arrastava os pés, que estava nervoso. Não gostava de ser o centro das atenções e, por certo,

não apreciava ficar sem poder enxergar possíveis sacos de batata que se aproximassem dele.
Alguns flashes brilharam quando Cris ficou ao lado do Ted, com seu véu louco e seu

buquê de bolas de lenço de papel. A múmia hesitante partiu sua mortalha e livrou os olhos e a

boca do papel.

- É a última brincadeira? perguntou ele baixinho a Cris enquanto se desfazia do casulo e

pulava por cima do que sobrou.

- Espero que sim, respondeu Cris, apertando três vezes o braço musculoso dele.

Contudo isso não o acalmou. Mandaram que os dois se assentassem no sofá ao lado da

mesa para abrir os presentes. Ted olhou atrás do sofá, para verificar se ninguém estava

escondido lá.

Cris fez questão de agradecer a cada pessoa e fazer algum comentário especial sobre

cada presente que desembrulhou. Foi fácil elogiar o da Trícia, um bule de chá rechonchudo,

charmoso, todo pintado de rosas vermelhas.

- Parece com aquele que vimos naquela casa de chá na Inglaterra, disse Trícia. Lembra?

Quando nós duas fomos tomar chá.

- Claro que lembro. Muito obrigada, Trícia. Amei.

Uma imagem surgiu na mente da Cris, mas ela sabia que só ela acharia engraçada. Viu a

si mesma esquentando água no fogareiro e servindo chá para Trícia com o lindo bule,

assentada no sofá de surfe. Poderia vestir seu vestido de noiva, tirar uma fotografia e mandar

para uma revista de noivas com a legenda “Noiva das regiões longínquas servindo chá”.

Os presentes do Ted incluíam ferramentas, uma frigideira e um cortador de unhas,

brincadeira do Rick. Ganharam toalhas de banho, uma saladeira e uma concha para sorvete

que tocava uma musiquinha quando se apertava o botão no cabo.

- Precisamos de uma dessas lá no Ninho da Pomba, falou Katie para Rick.

- Acho que é melhor não, disse ele, retribuindo o sorriso dela.


Cris reparou que eles estavam muito bonitos, sentados bem juntos. Ninguém via nada de

estranho no comportamento deles, só Marta. Na hora do lanche, puxou Cris de lado e falou:

- O que, exatamente, ‘tá acontecendo com Rick e Katie?

Cris sentiu vontade de responder: “Deus ‘tá cumprindo o propósito dele para os dois”.

Entretanto hesitou, Marta não merecia uma resposta petulante, estava fazendo uma pergunta

sincera.

- Estão se conhecendo melhor, respondeu Cris.

- Como assim? indagou Marta, levantando uma sobrancelha.

Selena estava por perto e entrou na conversa:

- Você conhece a lei não-escrita da Universidade Rancho Corona?

- Não, disse Marta, caindo na brincadeira.

- Toda mulher de primeira classe tem a garantia de um gatão antes do verão ou seu

dinheiro de volta.

Marta não achou graça.

- Será que eles planejam ficar noivos logo?

- Não sei, disse Cris. Pergunte a Katie.

- Não, eu jamais faria isso. Que coisa, Cristina! A vida amorosa é assunto muito pessoal.

- Além disso, acrescentou Selena, descobri que, quando duas pessoas têm de ficar

juntas, ninguém consegue separá-las. E, se não foram criadas pra se unir, não há como mantê-

las juntas

Tanto Cris quanto Marta olharam para Selena, que estava enfiando um morango na boca

e virou-se para conversar com outra pessoa. Sua “juba” de cachos dourados a seguiu.

- Sinceramente, disse Marta, alguns de seus amigos são...

- Umas figuras? sugeriu Cris.

- É, figuras incontroláveis.
Cris sorriu.

- Gosto dos meus amigos como eles são. Eles me fazem bem.

Naquele momento, Marta não estava muito feliz, mas havia demonstrado muita alegria

quando Cris e Ted abriram o último presente, dado por ela e Bob. Era louça para duas pessoas,

um modelo que Cris havia escolhido semanas antes, quando fora ao shopping com sua mãe e

sua tia. Ted não manifestou muita empolgação, mas Cris sabia que o presente havia sido bem

caro e fez questão de demonstrar para a tia sua satisfação.

Voltou a agradecer quando ela e Ted estavam indo embora.

- O chá foi maravilhoso, disse Cris, beijando o rosto da tia. A comida estava deliciosa e

amei a louça. Muito obrigada por tudo.

- Vocês têm certeza de que não querem dormir aqui? peguntou Bob. Já está bem tarde

pra vocês saírem.

- Começo a trabalhar às 7:00h amanhã de manhã, disse Ted. Nós vamos sem problemas

daqui lá. Mais uma vez, muito obrigado por tudo. Ah, e também por deixarem a gente guardar

os presentes aqui até termos nosso apartamento.

- Não há problema. Cuidado na estrada, replicou Bob.

- Nós vamos com cuidado.

- Tchau.

Cris jogou um beijo para eles e se dirigiu para a calçada, com Ted. Viu que, por cima da

casa, a lua cheia enfeitava o céu noturno.

- Nós amamos vocês, gritou Marta.

Então Cris viu sua tia passar o braço pela cintura do Tio Bob e encostar a cabeça no

ombro dele, enquanto acenava para os sobrinhos. O sorriso do tio brilhava tanto quanto a lua

cheia que piscava do céu para Cris.


Ela também piscou para a lua. Era uma noite perfeita para apaixonados incansáveis

fazerem seus galanteios.

Assim que ela e Ted chegaram ao carro, soou um brado de guerra. Os convidados do

chá, que eles achavam que tinham ido embora, saíram de seus esconderijos atrás de carros e

arbustos e correram para cima deles.

Ted agarrou Cris para protegê-la de qualquer tipo de ataque que viesse. De todos os

lados vinham sobre eles serpentinas em spray. Muitos jatos surgiram enquanto os amigos os

rodeavam, cada um esguichando duas latas. As risadas e os gritos encheram o ar da noite. Cris

riu para o Ted, que reagiu como um guerreiro dedicado, protegendo-a com um braço e

desviando as serpentinas com o outro. Tiras de cores vivas cobriram o casal e os amigos

gritavam, alegres com a vitória.

Ted declarou, no caminho para casa, que se essa fosse a brincadeira mais grave que

fizessem com ele, até que ele se daria bem. Enquanto corria o mês seguinte, eles foram se

convencendo de que isso era verdade.

No dia em que Cris vestiu a toga e o chapéu e recebeu seu diploma, encontrou bola

verde e alaranjada florescente de serpentina em seu melhor sapato. Foi também o dia em que

começou a espirrar, a sentir coceira nos olhos, e o nariz passou a escorrer. A cerimônia da

formatura e o jantar de comemoração que se seguiu acabaram sendo repetição do que

acontecera com o Ted, com quase os mesmos participantes. Só que dessa vez Cris espirrava o

tempo todo.

Marta sugeriu que talvez fosse alergia, já que a Cris nunca havia morado onde morava

agora. Ali havia um tipo de pólen diferente dos de Escondido, lugar ao qual Cris estava

acostumada, comentou a tia.

A mãe reparou que Cris tinha olheiras fundas e perguntou se ela não queria ir para casa

naquela noite mesmo.


- Acho que vou fazer como tinha planejado, disse Cris. Vou hoje para o alojamento,

tentar dormir. Amanhã levo minhas coisas para o apartamento do Ted.

- Nosso apartamento, corrigiu Ted.

Eles haviam alugado um apartamento de um quarto no mesmo condomínio em que Rick

morava. Ted já levara as coisas dele uns dias antes, mas os poucos bens terrenos da Cris

continuavam em seu quarto na universidade.

O último mês fora uma confusão de trabalhos, provas, acertos finais na cerimônia do

casamento, entrevistas para um novo emprego e nada de encontros com o Ted. Ela sabia que a

culpa das olheiras não era da alergia. Mas agora tinha acabado. Conseguira. Tinha se formado.

A sensação era muito boa. Talvez tenha passado rápido demais e não fosse tão memorável

como ela gostaria, mas um outro evento importante se aproximava. Faltavam apenas nove

dias.

- Bom, veja o que você acha do meu plano, falou ela à sua mãe, quando saíam do

restaurante. Vou tomar um antialérgico, dormir bastante no meu quarto na universidade.

Amanhã de manhã levo minha mudança para o apartamento e vou pra casa. Aí você pode me

mimar o quanto quiser.

O plano até que funcionou bem. O remédio a fez dormir por dez horas, o que era muito

raro. Só acordou depois das 8:00h da manhã seguinte. Em dois minutos, descobriu que a dose

do remédio não a impedia de espirrar, mas pelo menos havia descansado.

Katie saiu do banho e disse:

- Oi, bela adormecida, o que você tem pra fazer hoje?

Cris tentou dizer: “Katie, vou me casar daqui a oito dias”, mas o nariz estava tão

entupido que só conseguiu falar:

- Katie, fou be cassar taqui a oito tias.

- É, vai mesmo, disse Katie, rindo. E vai ser uma noiva linda.
- Até lá, chá fou ter belhorato.

Cris notou que sua toga e seu chapéu estavam pendurados em um gancho acima do

armário. Não parecia ser verdade que havia se formado. O dia passara muito rápido. Esperava

que o dia do casamento fosse mais tranquilo, mais memorável.

As aulas só haviam acabado para os formandos, e Katie comentou que precisava ir fazer

uma prova.

- Você ainda vai estar por aqui quando eu voltar?

- Não sei. Ted vai pedir o caminhão do Mark emprestado pra levarmos nosso lindo sofá

de surfe para o apartamento. Não sei a que horas ele vem.

- Ele telefonou antes de eu entrar no banho, disse Katie. Falou que não vem, porque

apareceu um serviço de pintura esta manhã. Disse que conversou com o Mark, que vem às

10:00h pra fazer sua mudança.

- Estamos melhorando, falou Cris, com um suspiro antes de assoar o nariz. Agora ele

pelo menos telefona.

- Quer que eu vá junto pra ajudar? Só tenho de ir trabalhar à tarde.

- Seria ótimo.

- Então encontro você aqui às 10:00h, combinou Katie.

- Obrigada, Katie. Vou tomar um banho quente e mais antialérgico.

Selena apareceu às 9:45h.

- Oi. ‘Tá melhor? perguntou ela a Cris, estendendo-lhe uma garrafa de suco de laranja.

Encontrei a Katie, e ela contou que você não ‘tá conseguindo falar muito bem.

- Obrigada pelo suco. Acho que é alergia, disse Cris. Por favor, não conte pra minha tia.

Ela fica feliz demais quando tem razão. Já estou me sentindo bem melhor.

- Você precisa de ajuda com a mudança? indagou Selena.


- Seria ótimo. Mark deve chegar logo. Já encaixotei tudo. Quando ele chegar, você pode

nos ajudar a levar para o caminhão.

Cris abriu o suco e tomou um gole.

- ‘Tá animada com a viagem para o Brasil?

- Acho que sim, disse Selena. Ainda vou fazer as provas finais. É... mas você nem sabe

mais o que é isso.

- Ah, ainda tenho uma vaga lembrança.

- ‘Tá tudo pronto para o casamento? indagou Selena.

- É um espanto, mas acho que sim. Graças à minha mãe e à minha tia, todos os itens da

minha lista foram resolvidos. Eu e Ted concluímos o aconselhamento pré-nupcial, que foi

muito bom. Alugamos o apartamento que queríamos e tudo vai correr certinho daqui a uma

semana. Ainda temos alguns assuntos sobre nosso futuro pra resolver, mas vamos fazer isso

depois da lua-de-mel.

Exatamente nessa hora o telefone tocou. Era Donna, chefe da Cris na livraria.

- Que bom que encontrei você, disse ela. Liguei pra dizer que estou com seu último

pagamento. Se você quiser pegar hoje, pode dar uma passada aqui.

- Ótimo. Obrigada, Donna.

- De nada. E também quero perguntar uma coisa. Sei que é meio fora do comum e você

não precisa responder agora. Pedi demissão da livraria da universidade. Saio daqui a duas

semanas.

- É mesmo?

- Fui convidada pra ser gerente de outra livraria e decidi aceitar. Nesse novo emprego,

preciso contratar um subgerente, e o proprietário indicou seu nome.

- Indicou? Cris havia deixado seu currículo em várias lojas da cidade, mas não achou

que nenhum deles tivesse chegado até o proprietário.


- Vou trabalhar na livraria A Arca. A Sra. Doyle disse que você é amiga do filho dela,

que gerencia a cafeteria que fica na loja ao lado.

Cris sentiu vontade de rir.

- É, somos muito amigos. Deixei um currículo lá faz um mês, mas o gerente me disse

que estavam em fase de transição.

- Acho que faço parte da transição, falou Donna. Pense nisso. Ore a respeito. Gostaria

muito de ter você como minha assistente.

- Certo, respondeu Cris. Seria perfeito, mas só posso começar em junho.

- Tudo bem, porque só começo no dia primeiro de junho, informou Donna. Depois você

me conta sua decisão. Se não nos encontrarmos antes, vejo você no casamento.

- Obrigada, Donna.

- De nada.

Cris virou-se para Selena e disse:

- Parece que já tenho um emprego pra quando voltarmos da lua-de-mel. Quando o

telefone tocou, eu ia contar que um dos assuntos não-resolvidos é que eu estou sem emprego.

Acho que Deus resolveu isso em tempo recorde.

- Oi, garotas, tudo bem? falou Katie ao entrar no quarto e jogar uma maçã para Cris.

Isso é pra você, coleguinha. Achei que não seria bom ficar tomando antialérgico com

estômago vazio.

- Muito obrigada.

- Estão prontas pra se mexer? indagou Katie.

- Mark ainda não chegou, disse Cris. E sabe de uma coisa? Parece que arrumei um

emprego.

Contou tudo, enquanto Katie olhava atentamente as caixas empilhadas com cuidado no

lado do quarto que Cris ocupava.


- Não me abandone, implorou Katie.

Selena deu uma gargalhada.

- Você não ouviu o que a Cris disse? Ela acabou de contar que vai trabalhar na livraria

perto de você. Vão se encontrar todos os dias.

- Provavelmente vamos nos ver mais do que neste último semestre, disse Cris.

- Eu sei, falou Katie, em tom melancólico. Mas fique no alojamento até, pelo menos, a

semana que vem, e podemos ir embora juntas. É triste demais. Olha para o seu lado do quarto.

‘Tá vazio.

- Passou muito rápido, não foi? comentou Cris.

Katie assentou-se na beirada da cama desarrumada, que permanecera assim o ano letivo

inteiro, a não ser pelas raras vezes em que Cris a convencera a lavar os lençóis.

- Vocês se lembram da semana anterior ao início das aulas? perguntou Selena. Nós três

estávamos assentadas aqui, chorando nossas mágoas.

- Lembro, disse Katie. Foi um ano movimentado.

- Foi mesmo, concordou Cris.

- Sabem de uma coisa? indagou Selena. Acho que a gente deveria orar.

- Boa idéia! exclamou Cris.

As três amigas formaram um pequeno círculo, cada uma com os braços em volta das

outras duas. Pronunciaram palavras doces, repletas de gratidão e fizeram pedidos ousados de

bênçãos futuras.

Quando terminaram, Cris falou:

- Eu amo vocês duas. Vocês sabem disso, não sabem?

Alguém bateu na porta com hesitação. Katie abriu, Mark entrou e ela, com voz triste,

disse:
- Acho que ‘tá na hora. Vamos lá, Mark, leve as coisas dela. Eu sempre soube que ela

amava mais o Ted do que a mim.


18

Mark, rapaz forte, criado em fazenda, partiu para a ação e limpou o quarto da Cris. As

três moças carregaram as caixas até a calçada, enquanto ele lutava para colocar o sofá de surfe

na carroceria do caminhão. Katie foi à frente no Buguinho, mostrando o caminho e, pela

primeira vez, Cris destrancou a porta com sua chave.

Ao olhar para dentro, não sabia se ria ou chorava. Ted deveria estar lá, para carregá-la

no colo, ou alguma coisa assim. Em lugar da cena romântica, ela estava com seus amigos,

contemplando um apartamento vazio. Cris descobriu que criara uma fantasia sobre a primeira

casa que dividiria com o Ted. Nos sonhos, era um chalé, com lareira e flores alinhadas ao

longo da calçada.

- Onde quer que eu ponha isto? perguntou Katie.

- Em qualquer lugar, respondeu Cris. Há muito espaço.

Precisaram fazer duas viagens para esvaziar o caminhão. Mark arrumou o sofá de surfe

no meio da sala e informou que precisava voltar para a universidade para terminar um

trabalho.

- Muito obrigada mesmo, disse Cris.

- Vejo você no sábado, falou ele.

- Eu vou com ele, disse Selena, abraçando Cris. Vou mandar e-mails pra você lá do

Brasil.

- Pode mandar que eu respondo, prometeu Cris.


Mark e Selena partiram, e Katie colocou a mão na cintura enquanto examinava o

apartamento.

- É meio desanimador, né?

- Vai ficar mais alegre quando eu colocar uns quadros nas paredes, disse Cris.

- Ou talvez acrescentar um ou dois móveis.

Uma lágrima correu pelo rosto da Cris.

- Puxa, eu não quis magoar você, falou Katie. Vocês vão arrumar tudo. Vão receber uma

porção de presentes no casamento e você vai conseguir um sofá de verdade e uma mesa pra

cozinha. Vai ficar lindo. Você ‘tá apenas começando.

Cris respirou fundo.

- Preciso de flores, Katie.

- Flores?

- É, um vaso de flores ao lado da porta. E, quem sabe, tapete na porta. É disso que

preciso.

- Não diga mais nada. Eu queria comprar um presente para sua casa nova, e não sabia o

que. Agora já sei. Vamos lá, vamos comprar flores e um tapete.

Uma hora depois, voltaram ao apartamento, cheias de sorrisos, com um vaso de

margaridas vivas e alegres e um tapete para colocar na porta. Além disso, trouxeram uma

caixa de lenços de papel, seis bolinhos artesanais de chocolate comprados na confeitaria, uma

embalagem de detergente e uma de creme para as mãos, que colocaram na pia da cozinha.

- Agora virou um lar, comemorou Cris, arrumando seus tesouros.

- Você é mesmo fácil de se contentar, comentou Katie.

- O minimalista é Ted. Não sou de grandes exigências, mas minhas poucas necessidades

são importantíssimas.
- Gostaria de ficar e ajudar você a pendurar os quadros nas paredes, mas estou com

pressa. Você ‘tá bem?

- Sim, estou. Quando o Ted chegar em casa, ele vai me levar até a casa dos meus pais.

- Ouviu o que você acabou de falar? perguntou Katie. Você disse: quando Ted chegar

em casa. Funcionou. Agora você já vê este lugar como sua nova casa.

Enquanto desencaixotava seus pertences e verificava o interior dos armários da cozinha,

Cris lembrou a si mesma esse comentário da Katie. Encontrou três copos descartáveis, uma

caneca e uma pilha de pratos descartáveis. Lavou a caneca, encheu de água que aqueceu no

microondas e fez uma xícara de chá consoladora.

Procurou a caixa de lenços para assoar o nariz e descobriu que Katie a levara para o

banheiro. Lá, viu creme dental derramado na pia e a toalha de banho no chão, e não em seu

devido lugar. Ted andara por ali.

Continuou em sua inspeção e chegou ao quarto, e ficou aliviada por ver que a cama

havia chegado. Antes, Ted vinha dormindo no chão, em um saco de dormir. O pai dele

oferecera para lhes dar a cama como presente de casamento, e os dois aceitaram de muito bom

grado.

A cama, de aparência confortável, estava montada no pequeno quarto, mas não tinha

cabeceira nem lençóis. Nos pés, repousava um cobertor de lã já bem gasto. Parecia uma

relíquia da Segunda Grande Guerra, e isso era deprimente. Contudo Cris notou que estava

dobrado e encheu-se de esperança: talvez o Ted fosse um pouco mais organizado do que as

evidências no banheiro indicavam.

Ted possuía uma cômoda, e Cris, uma estante e uma cadeira.

É mais patético do que eu imaginava. Nós somos muito pobres, pensou.

Voltou a desencaixotar suas coisas, decidindo em qual das paredes vazias colocaria seus

poucos quadros e pôsteres. Trabalhou rápido e logo havia arrumado tudo. Colocou os livros
na estante, o tapetinho na frente da pia da cozinha e pendurou o pôster da cachoeira com a

ponte inesquecível na parede da cozinha. Os toques de cor fizeram muito bem ao

apartamento. Limpou em cima da cômoda do Ted e colocou o porta-retrato com a foto deles

dois ao lado do único objeto que Ted tinha sobre o móvel: a fotografia que ela lhe dera no

aniversário dele.

Só faltava abrir a caixa onde estavam a colcha de retalhos amarelos, dois inúteis lençóis

de solteiro, duas toalhas de banho, o travesseiro e um tesouro que ela sabia que queria guardar

para sempre - seu velho amigo, o ursinho Puff que Ted lhe dera na Disneylândia. O Puff

guardara os segredos dela e enxugara suas lágrimas por muito tempo. Não poderia ser

abandonado em uma caixa num armário na casa dos seus pais. Cris esprerava que Ted

entendesse isso.

Levou a colcha amarela para o quarto. A cama estava convidativa. Deitou-se, abraçou o

Puff e jogou a colcha sobre ela e seu amigo. Acomodou-se no lado direito da cama, mas

imaginou se Ted não preferiria aquele lado. Mas talvez eles dormissem todas as noites no

meio, abraçados.

Sua cabeça estava aérea e por ela flutuavam sonhos gostosos, leves e felizes,

semelhantes a nuvens de verão que enfeitam o céu azul. E essa foi a última coisa em que

pensou.

Acordou várias horas depois. A princípio, não sabia onde estava, depois tudo caiu sobre

ela. Olhou para a porta do quarto e arfou de susto ao ver Ted parado, contemplando-a

enquanto dormia.

Estava encostado no batente da porta, braços cruzados e um sorriso carinhoso nos

lábios.

- Oi, tudo bem?


Essa frase, essa voz, vinham ecoando há meia década nos sonhos da Cris e também em

sua mente, quando estava acordada. Por um instante, não soube se estava acordada ou se isso

era parte do sonho.

- Há quanto tempo você ‘tá aí?

- Um pouco. Tomei banho. Você não acordou com o barulho?

- Não.

- Você nem imagina como é linda quando dorme, Kilikina.

Cris sentiu vontade de estender os braços para seu amado, convidando-o para se

aproximar, mas não se moveu.

Ted também não se mexeu. Era como se, mais uma vez, estivessem em um cruzamento

em suas vidas. Nos primeiros tempos, a luz vermelha estivera presente para dar-lhes a

oportunidade para um beijo rápido e uma recordação. Hoje a luz vermelha fazia o oposto,

impedia que se beijassem. Cris sabia que Ted sentia o mesmo que ela. Deus controlava os

sinais de trânsito que ficam nos cruzamentos. Faltavam apenas oito dias para mudar o sinal

para verde. Antes disso, seria tolice avançar o sinal.

- ‘Tá melhor?

- Estou, respondeu Cris.

Ela empurrou a colcha, e o Puff caiu no chão. Não sabia se Ted havia reparado.

- Precisamos agradecer mil vezes a seu pai. Faz dois anos que não durmo em uma cama

tão confortável, falou ela.

- Entregaram hoje de manhã, disse Ted. Vi que você trouxe seu cobertorzinho.

Cris dobrou a colcha.

- Minha avó fez pra mim, disse ela. Tenho desde pequena.

- Eu não sabia, falou o rapaz.

- E eu não sabia que você jogava a toalha no chão.


Cris foi até perto dele.

- Ih! Será que isso é um daqueles problemas de que falaram no aconselhamento? Eu

tenho de pendurar a toalha pra você sentir que eu a amo?

- Não seria ruim, disse Cris. Mas devo admitir que a última pessoa que dividia o quarto

comigo nunca arrumava a cama nem pendurava a toalha. Talvez a Katie tenha me preparado

pra viver com você.

- O que você acha agora dos votos? Na alegria e na tristeza? Na riqueza e na pobreza?

Cris saiu do quarto. Assim que cruzou a linha invisível e ficou ao lado do Ted, ele a

abraçou e a puxou para perto dele.

- Acho que já cuidamos da parte da pobreza, disse Cris.

- Gostei de todos os toques que você deu em nossa casa, especialmente das flores ao

lado da porta e do tapete na entrada, murmurou Ted. Quer ir pra casa dos seus pais?

- É, acho melhor.

Os dois dormiram na casa dos pais dela. De novo, o antialérgico fez Cris apagar.

Acordou no sábado meio tonta e se arrastou até a cozinha de pijama, robe e pantufa.

A casa estava em silêncio. Preparou uma tigela com cereais e leite e assentou-se para

comer. Logo Ted e David entraram. Instintivamente, Cris fechou a parte de cima do robe.

Sabia que estava horrível. O cabelo, todo desalinhado, e além disso precisava de um banho.

- Bom dia, linda, disse Ted.

- Estou horrorosa! confessou Cris.

Pela expressão do David, podia ver que ele concordava com isso.

Se você consegue me chamar de linda quando estou neste estado, meu futuro marido,

então se prepare pra uma grande surpresa no próximo sábado.

- Vamos até a pista de skate e voltamos daqui a uma hora, mais ou menos, disse Ted.

Quando eu voltar, você pode me dar a última lista de tarefas.


- Certo, respondeu Cris, tentando colocar o cabelo sujo atrás das orelhas.

- Tchau, falou David, quando os dois passaram por ela.

A porta da garagem fechou-se. Um momento depois voltou a abrir-se e o rosto do Ted

surgiu na fresta, com um sorriso maroto.

- Ei, você aí, de roupão e pantufa, se você não tiver nada pra fazer no próximo sábado, o

que acha de se casar?

Cris sorriu e abriu os braços, para que ele visse o roupão desarrumado, o pijama de

flanela e o cabelo despenteado.

- No melhor e no pior, disse ela.

- É, acho que no sábado você só pode estar melhor. Pelo menos é o que espero.

Cris pegou uma das pantufas e jogou na direção do noivo, que fechou a porta no

momento exato para evitar de ser atingido.

Voltou à tigela de cereais, rindo consigo mesma. Lembrou-se da primeira vez em que

foram à Disneylandia e ela havia jogado a sandália nele.

Não percebera que sua mãe entrara na sala e observara toda a cena. Parecia surpresa,

como se ainda não conhecesse esse lado da sua filha.

- Não se preocupe, mamãe. Ele estava rindo.

A mãe balançou a cabeça.

- Muito natural, minha filha. Você deveria se olhar no espelho.

Apenas uma semana depois, Cris ouviu sua mãe dizer de novo:

- Você deveria se olhar no espelho.

Só que dessa vez ninguém ria da aparência dela.

Estava vestida de noiva, em pé no centro da sala de uma suíte que Marta reservara em

um hotel perto da Universidade Rancho Corona. Ela e Bob haviam passado a noite na suíte e

insistiram em cedê-la para que Cris se arrumasse, na manhã do dia 22 de maio. Além disso,
Marta fizera questão de contratar sua cabeleleira predileta, que era também maquiadora, para

chegar às 11:00h, depois que Cris tomasse banho, para ter duas horas do que a tia chamava de

“embelezamento”.

Eram 13:30h. O casamento seria às 15:00h. Estava pronta. Sob todos os aspectos.

- Seu vestido ficou perfeito, disse Katie, acertando a cauda. Quando você chegar lá na

frente, vou arrumar pra ficar esticada assim.

Cris avançou lentamente rumo ao quarto da suíte, para se olhar no espelho de corpo

inteiro que ficava no armário. Katie seguiu-a, arrumando a cauda à medida que ela andava.

- Espera aí! Vamos colocar o véu antes de você se olhar, disse Marta, e foi até o

frigobar, onde haviam guardado a coroa de flores que chegara de Maui naquela manhã.

- Feche os olhos, disse Trícia, ficando ao lado da amiga e pegando a mão dela. Vai ser

melhor se você só se vir depois de colocar o véu. Aí você vai ter a mesma sensação que Ted

terá quando a vir indo pelo tapete na direção dele.

Cris fechou os olhos e sentiu-se em paz. Todo esforço valera a pena. Tudo estava

perfeito. Os mimos extravagantes da Marta foram uma bênção, e Cris já dissera isso a ela

inúmeras vezes.

Na noite anterior, houvera um jantar especial. Ted se colocara ao lado do seu pai e o

elogiara com palavras muito belas. A mãe do Ted não havia conseguido “resolver tudo” para ir

ao casamento. Todos sabiam que isso era uma decepção de última hora e apoiaram o Ted em

silêncio, mas ele, aparentemente, lidara bem com a situação.

Depois de homenagear seu pai, Ted se voltara para Bob e Marta e agradecera a eles por

serem seus pais substitutos Sobre Marta, falou que ela era “a mãe que nunca tive”, e lembro

de muitos momentos importantes em sua adolescência e juventude quando ela estivera

presente. Disse a ela que a amava, e que a amaria para sempre. Deu um beijo nela, e Marta

chorou. Cris deixou Trícia conduzi-la até o quarto, até diante do espelho. Sentiu o perfume
das flores antes de sentir Marta colocar a guirlanda em sua cabeça. O aroma doce das

angélicas das ilhas trouxe recordações exóticas à mente de Cris. Sabia que Ted também

reconheceria o perfume, que envolveria os dois enquanto eles repetiam os votos.

- Incline-se um pouco, Cris querida. Você é mais alta do que eu, disse Marta. Não quero

despentear seu cabelo. Está perfeito. Absolutamente perfeito. Pronto. Um pouco mais baixo.

A avó de Cris falou:

- Por que você não deixa Margaret ajudar você?

- Consegui, declarou Marta, com firmeza.

- Não comecem a discutir, implicou Katie.

De olhos fechados, Cris lembrou-se da discussão que ela e o Ted tiveram, dois dias

antes. Foi uma das piores brigas que já haviam tido. Cinco meses antes, ao decidir que iriam

dizer “Eu prometo” em lugar de “Sim”, os dois haviam combinado escrever os votos. Cris

levara meses escrevendo o dela com cuidado e o concluíra antes do último encontro com o

Pastor Ross, que iria realizar a cerimônia.

Por sua vez, Ted nem começara o dele, dois dias antes do casamento. Cris ficou arrasada

ao descobrir. Disse a ele algumas coisas terríveis, e ele respondeu no mesmo tom. Por um

momento horrível, Cris pensou que teriam de cancelar tudo.

Mas os dois esfriaram a cabeça, aliviaram o coração e se acalmaram. Telefonaram então

para o Pastor Ross, que fez algumas sugestões que ajudaram. Por fim, decidiram repetir os

votos tradicionais para nenhum deles ficar sem saber o que dizer na hora, por causa do

nervosismo da cerimônia. Cris resolveu copiar o que escrevera em uma folha de papel de

carta decorada e colocar como a última carta na caixa de sapatos destinada ao seu futuro

marido.

A coleção de cartas, com os votos escritos, estava amarrada com uma fita de cetim

branco e guardada no fundo da mala da lua-de-mel, bem embaixo da lingerie branca. Um


sorriso passou pelos lábios da Cris quando pensou em tudo que o dia e a noite especiais

reservavam para ela e seu amado.

- Um pouco mais para a direita, comandou Marta. Katie, arrume essa mecha de cabelo

no ombro dela. Queremos que o lindo bordado apareça bem. Isso. Pronto, umedeça os lábios,

querida. Bom. Agora, afastem-se todas. Cristina, quando contarmos até três, você abre os

olhos.

Cris sentiu o coração saltar um pouco enquanto as pálpebras tremiam, no esforço de

permanecerem fechadas.

Em uníssono, as mulheres mais preciosas da vida da Cris contaram:

- Um, dois...
19

- Três! gritaram as acompanhantes, em uma só voz e um só coração.

Cris abriu os olhos para ver seu reflexo no espelho. A guirlanda de flores brancas

perfumadas, vindas das ilhas, coroava a cabeça como uma marca de pureza e paz. O véu

delicado e liso descia da cabeça e cobria os ombros como uma capa elegante feita de asas de

vaga-lumes tecidas para uma princesa de contos de fadas.

O vestido era muito mais do que um simples vestido. A faixa larga que unia o vestido de

Cris ao de sua mãe acentuava sua cintura fina e seu corpo esbelto. A nova versão do sonho das

duas unido em um só ficara exatamente como Cris esperara. Sabia que isso seria sempre uma

das partes favoritas do seu casamento. O bordado refletia a luz e chamava atenção para o

rosto.

Fez uma pausa, para recuperar o fôlego diante de seu reflexo. O cabelo e a maquiagem

estavam exatamente como ela queria. Natural, mas com um brilho no rosto e nos olhos azul-

esverdeados. O longo cabelo castanho estava preso atrás das orelhas com presilhas brilhantes,

e dois cachos cheios brincavam sobre o corpete, embaixo do véu.

- Ótimo, agora eu vou chorar, disse Cris, quebrando o silêncio.

Todas riram, exceto Marta.

- Não ouse chorar! A maquiagem ‘tá perfeita!

- Olhe aqui, a avó aproximou-se da Cris e ficou ao lado dela. Eu estava esperando a

hora certa pra te dar isto. É o lenço que segurei em meu casamento. A mãe do seu avô bordou

pra mim. Quero dar a você.


Agora Cris tinha certeza de que ia chorar. Piscou rapidamente, levantou o véu um

pouquinho e deu um beijo no rosto da avó.

- Muito obrigada, vovó. Eu amo a senhora.

- Eu sei. E também amo você.

- Katie, chamou Marta, traga o batom da Cris aqui, rápido. Mamãe, você ‘tá com uma

marca de batom bem na bochecha. Ah, acho que ouvi alguém bater na porta. Deve ser o

fotógrafo. Ninguém saia do lugar. Vou abrir.

Marta saiu apressada para abrir a porta, e Cris contemplou suas amigas, em seus

vestidos de madrinhas.

- Vocês estão muito bonitas. Amei os vestidos de vocês. Esse arranjo de flores na cabeça

ficou lindo. Vocês gostaram? Não vai incomodar?

- Não vai incomodar nada, disse Trícia.

- Gostei, falou Katie, entregando o batom para Cris. ‘Tá aqui. Ou será que eu sou

obrigada a passar o batom em você, já que sou sua madrinha?

- Eu dou conta de passar. Mas seria bom você levar e me lembrar de passar de novo

antes de tirar as fotografias depois da cerimônia.

- Por quê? indagou Katie, com um sorriso. Você pretende fazer alguma coisa lá no altar

que vai tirar seu batom?

- No meu casamento eu fiz, disse Trícia, e sorriu para Katie e Cris.

- Pronto, meninas, disse Marta. Afastem-se todas para que o fotógrafo possa fazer seu

trabalho. Você prefere que ela fique aqui perto do espelho ou lá na sala?

O fotógrafo não se moveu. Parecia estar analisando a situação e fazendo alguma outra

coisa. Olhava fixamente para Cris.

- Desculpe, o que foi que a senhora disse? perguntou ele a Marta.

- Onde você quer que ela fique?


- No lugar em que ela ‘tá, respondeu ele, montando o tripé e voltando a olhar para Cris.

Desculpe por eu ficar olhando, mas preciso dizer que vejo noivas o tempo todo, mas você,

bem... você ‘tá muito linda.

- Obrigada.

Cris corou.

- Vou tirar fotos muito belas.

- Gente! gritou Marta. O buquê! Onde ‘tá ele? Katie, encontre o buquê.

Segurando o buquê, com os lábios retocados, Cris posou em seu lindo vestido de noiva

enquanto as mulheres que mais amava a cobriam de elogios e cumprimentos. Passou o peso

do corpo do pé direito para o esquerdo. Usava sapatilhas de balé de sola flexível, que a faziam

sentir-se pequena e delicada.

- Ted vai ficar de boca aberta, disse Trícia. Estou doida pra ver a cara dele quando você

estiver indo na direção dele.

- Eu também!

- Então, Katie, perguntou Marta enquanto elas pegavam o que precisavam levar e se

dirigiam para a entrada do hotel, você trouxe as alianças?

- Alianças? perguntou Katie, brincando.

- Katie!

Ela sorriu e levantou a mão para mostrar que as alianças estavam seguras com ela.

- Não é uma boa hora para brincadeiras. Vamos, as limusines estão esperando.

Katie se colocou atrás da Cris e pegou a cauda do vestido.

- As limusines estão esperando, disse Katie, em voz afetada.

Depois, passou a cantar, acompanhando Cris até o elevador, “Hoje a tarde é bela, vamos

à capela...”
Assim que se apertou no banco traseiro da limusine com Katie, Trícia e sua mãe, Cris

disse a Katie que os toques alegres dela faziam muito bem. Marta e a avó disseram que iriam

esperar o Tio Bob, que chegaria logo.

- Quando chegarmos lá, informou Katie, temos ordens estritas de fazer você sumir pra

capela pra ninguém te ver. Especialmente seu noivo. Então se prepare para o caso de ter de

correr. A limusine só chega até uns cem metros antes do caminho pra campina. Acho que

vamos ser as primeiras a chegar, mas talvez não sejamos.

Cris concordou.

- Será que por acaso você trouxe desodorante junto com o batom e a escova de cabelo?

- Tem lá na cesta da noiva, no porta-malas, disse Katie, inclinando-se, como se fosse

técnica de um time de basquete preparando a estratégia de ataque. Trícia, você pega a cesta e

tudo mais que a Marta colocou no porta-malas. Cris, pega o buquê e pendura a cauda no

braço. Mãe, fica do meu lado e se prepara para zunir se tivermos de correr até a capela.

Cris sorriu e disse.

- Katie, acho que não vamos precisar correr como se estivéssemos em um jogo de

futebol. Ainda não vai ter ninguém lá.

Entretanto, quando a limusine estacionou no campus superior da Rancho Corona, Cris

descobriu que estava enganada. Já havia vários carros no estacionamento e o pai dela e David,

de smoking, estavam parados no meio do caminho que levava à campina.

- Puxa, mamãe, olhe só! Eles não estão lindos?

- Lindos e maravilhosos, disse Katie, assumindo a função de coordenadora do

casamento, já que Marta não estava por perto. Agarre a cauda e o buquê e prepare-se pra

zarpar, senhorita. Se dois smokings estão à vista, é bem provável que haja outros nas

redondezas.
Cris seguiu as ordens da Katie de boa vontade, assim como sua mãe e Trícia. Quando o

motorista abriu a porta, saíram logo e se dirigiram apressadas para a capela. Katie segurou

Cris pelo ombro, como um guarda-costas, e observava em volta à procura de algum

“paparazzi”. Cris prendeu a cauda do vestido no braço, levantou a saia e avançou pela trilha

com suas delicadas sapatilhas de balé.

- Cris, chamou David. Espera aí!

- Sinto muito, gritou Katie. Não podemos parar. Ordens estritas da sua tia. Preciso

entregar esta mulher na capela imediatamente!

Cris sentiu-se como uma fada flutuando sobre a trilha para a campina. Riu de alegria

pelo que estava acontecendo e seguiu sua madrinha. A empolgante ruiva Katie parecia um

verdadeiro ser celestial, um anjo da guarda heróico.

Mas, quando estavam a poucos centímetros da porta da capela, Katie fez uma parada

súbita. Cris quase trombou nela.

- ‘Tá vendo aquilo? perguntou, em voz grave. Que belo exemplar da criação de Deus!

Cris seguiu o olhar da amiga. Poucos metros adiante, a campina encantada dela e do Ted

transbordava de cor e ação. No topo das estacas da cobertura, flâmulas brilhantes tremulavam

à brisa da tarde. Grande variedade de salgados, próprios para uma grande celebração,

adornava mesas compridas, enfeitadas com flores e fitas azuis. Na frente, havia uma cobertura

e sob ela uma mesa redonda com o bolo. Tudo estava exatamente como Cris havia imaginado.

Filas e mais filas de cadeiras vazias aguardavam os convidados, todas voltadas para o

arco “deles”, a arcada de treliça que serviria de símbolo para a passagem do Ted e da Cris

para a nova etapa da vida deles. A treliça estava enfeitada de samambaias verde-escuro e

flores naturais. Parecia que a armação havia crescido em uma caverna escondida em uma ilha

tropical, fora recolhida naquela manhã e transplantada para a campina, especialmente para o

casamento. Cris sabia que Ted ficaria empolgado.


- É maravilhoso! exclamou Cris para Katie, depois de contemplar os preparativos para a

grande celebração.

Ao longo da beirada da campina, dezenas de palmeiras altas e delicadas dançavam ao

sabor da brisa, como uma fila de dançarinas de hula enviando com alegria seu Aloha para o

evento.

- Ficou mais lindo do que eu imaginei, continuou Cris.

- Do que você ‘tá falando? indagou Katie, afastando os olhos do objeto que

contemplava e fitando Cris. Eu falei que o Rick é um belo exemplar da criação de Deus. Ele

‘tá bem ali, conversando com o pai do Ted do lado da poncheira. Ah, não, onde estou com a

cabeça? Você não pode ficar aqui! Cuidado, smoking à direita!

Katie empurrou a porta da capela e praticamente jogou Cris dentro do santuário frio e

silencioso.

- Katie, não era o Ted. Era o Douglas.

- Não importa. Se o padrinho ‘tá por perto, o noivo não há de estar muito longe. Relaxe.

Assente-se. Quer passar batom?

- Estou ficando empolgada, disse Cris, sorrindo.

- Nervosa?

- Nem um pouco. Estou ansiosa. Explodindo de tanta expectativa. É isso, garota, eu e o

Ted vamos nos casar hoje.

- É, ouvi dizer, retorquiu Katie, com calma. Agora, fique quieta. Tenho de arrumar seu

cabelo.

Alguém bateu na porta da capela.

- Quem vem lá? gritou Katie.


A porta se abriu, e Trícia entrou timidamente, carregando a cesta cheia de tudo de que

Katie e Cris precisavam para se refrescar. A mãe da Cris veio logo depois e, passado mais um

momento, a avó se juntou ao grupo.

A porta se abriu de novo e inundou a pequena capela de luz, quando Marta fez sua

entrada.

- Os convidados estão começando a chegar, anunciou. Fui checar o bufê. Está tudo

certo. Parece que o clima colaborou, não ‘tá muito quente. Bom, quem precisa de uma

pastilha de hortelã? Cris?

Marta passou os dez minutos seguintes ocupada com o véu e a saia da Cris. O fotógrafo

entrou para tirar algumas fotos e depois o pai da noiva surgiu, para tirar fotos com a filha na

capela. Parecia pouco à vontade vestido com o que ele chamava de “terno de macaco”, mas

Cris achou que ele estava bonito e elegante, como a mãe dela.

O fotógrafo tirou umas dez fotos. Cris virou-se para Katie e pediu água para beber.

- Aqui tem, disse Marta. Pedi que deixassem aqui uma caixa de garrafas de água

mineral. Está ali no canto. Alguém mais quer?

Cada um pegou uma garrafa e, por um instante, houve silêncio na capela. Cris olhou

para sua mãe e depois para seu pai. Marta olhou para o relógio.

- Está na hora da mãe, da avó e da tia da noiva saírem. Já estão nos esperando. Cristina,

minha querida, há mais alguma coisa que você queira ou de que precise?

- Não, estou bem. Estou pronta. Muito obrigada por tudo. Todos vocês. Muito obrigada.

- Vejo você lá na frente, disse a mãe da Cris com alegria, e deu-lhe um beijo rápido no

rosto.

- Olhe se não ficou marca de batom no rosto dela, ordenou Marta. E Katie, por favor,

puxe o véu dela para a frente do rosto. Deixe bem liso. E, Trícia, não perca sua hora de ir.

- Pode deixar, disse Trícia.


Cris inclinou-se enquanto Katie arrumava o véu. Envolveu a haste do buquê com o

lenço de sua avó. O lenço já estava úmido. Se fosse necessário usá-lo para enxugar lágrimas,

não seria de muita utilidade, mas estava ajudando a manter as mãos secas, e isso era

importante.

Passaram-se alguns minutos de silêncio, enquanto o pai da Cris mexia em seu colarinho.

Katie abriu uma fresta na porta da capela e fez sinal para Trícia avançar pela passadeira

branca. Katie iria em seguida. Depois, Cris e seu pai se uniriam ao desfile.

Cris deu uma olhada para ele e reparou que os olhos dele estavam cheios de lágrimas.

Poucas vezes ela o vira tão emocionado.

- Papai, você ‘tá bem?

- Vou ficar, respondeu ele, sorrindo para ela meio de lado. Não é todo dia que um

homem leva sua única filha ao altar. Acho que você não é mais minha ratinha, não é?

Cris sentiu um nó na garganta. Fazia anos que ele não a chamava de ratinha. Quando era

pequena, eles moravam em uma fazenda no estado de Wisconsin. Um dos passatempos

prediletos dela era seguir o pai pelo celeiro. Ele era tão grande que ela podia se esconder com

facilidade atrás dele. Ele a pegava nos braços, levantava-a acima da cabeça e gritava para as

vacas: “Vejam, encontrei uma ratinha! Ouçam como ela grita!”

- Papai, eu prometo uma coisa, disse Cris, baixinho. Vou sempre ser sua ratinha.

- E eu vou sempre sentir orgulho e gratidão por você, como estou sentindo agora.

- ‘Tá na minha vez, disse Katie, por cima do ombro, enquanto saía. Preparem-se, vocês

dois.

Cris pôs a mão por baixo do véu e tocou com o lenço de sua avó o canto de cada olho.

Passou o braço pelo de seu pai e ajustou a posição do buquê.

- Tudo bem, disse o pai, controlando-se. ‘Tá na hora.


20

Na hora exata, Cris saiu da capela fria para a tarde luminosa de maio. Os convidados se

viraram, e ela sentiu os olhos de todos sobre ela, observando-a aproximar-se da passadeira

branca de braço dado com seu pai. Ainda não dava para ver o Ted, e ela achava que ele

também ainda não a via.

Cris e seu pai chegaram à última fila de cadeiras. Aos pés dela, um tapete branco a

conduzia direto para o arco. Ela sabia que sob o arco decorado estava seu noivo, vestindo um

smoking preto elegante, esperando por ela, exatamente como havia prometido naquela manhã

encantada em dezembro, no dia seguinte à noite em que ela lhe prometera que seria noiva

dele.

Cris respirou fundo. Sob o véu, levantou os olhos e olhou para a outra ponta da

passadeira branca, para o noivo, o noivo dela. Ah, e que expressão havia no rosto dele! O

homem paciente e incansável que a esperava no final do longo tapete estava tão apaixonado

por ela que nem se importou em enxugar as lágrimas que corriam pelo rosto dele.

Enquanto ela o olhava, Ted a surpreendeu. Levantou os braços, convidando-a para ir até

ele. As mãos conhecidas, que ainda traziam as marcas do acidente, a recebiam.

Cris colocou um pé na frente do outro e foi caminhando.

Douglas começou a tocar o violão, e foi aí que o “fator aleatório” inesperado aconteceu.

No ensaio, Douglas cantara uma música conhecida, mas agora Ted começou a cantar para

Cris. A linda voz dele a envolveu, cortejando-a, chamando por ela.


“Entrei no jardim, procurando você,

Não desejo nenhuma outra, só você.

Como você é bela, meu amor.

Seus olhos me observam de sob o véu

Enquanto permaneço aqui, chamando você.

Recebe-me em seu coração. Fica comigo

Para sempre.

Esperei muito por este momento,

Por este dia. Jamais abandonarei você.

Meu coração está sempre com você.

Vem para o jardim, minha amada.

Venha, seja minha noiva,

Coloca meu coração no seu,

E serei seu

Para sempre.”

O último passo da Cris a colocou diante da treliça, exatamente quando Ted cantou “para

sempre”. O coração dela pulava como louco. Reconheceu a melodia. Fazia meses que Ted a

vinha cantarolando. Era a música que ele começara a compor na noite em que ficaram noivos,

mas durante todos estes meses ela só o ouvira cantarolar ou tocar a melodia. Notou que a letra

era baseada na Bíblia, em Cantares. Quando Ted contara que estava compondo, havia pensado

que era uma música de louvor a Deus. E, conhecendo Ted como ela conhecia, sabia que, no

fim das contas, era de louvor mesmo.

Mas hoje era a música dela. Ela era a noiva dele. Ele era o noivo dela. Era o momento

eterno deles. E Ted não tirara os olhos dela.


O Pastor Ross se colocou no espaço que separava Ted e Cris e perguntou:

- Quem entrega esta mulher para se unir em santo matrimônio a este homem?

O pai da Cris limpou a garganta. Ele tinha de dizer apenas “Eu e a mãe dela”, mas,

aparentemente, também tinha um traço do fator aleatório.

- Exatamente como Deus, em amor, nos deu a Cristina, hoje eu e a mãe dela, em amor, a

entregamos ao Ted.

Katie pegou o buquê, e o pai da Cris apertou a mão da filha e colocou-a na mão quente,

conhecida e forte do Ted. Ele passou o dedo pela pulseira de ouro que ela usara no pulso

direito todos estes anos.

- Até que enfim, cochichou ele.

Foi aí que ela começou a chorar. Conseguira se controlar até agora, talvez por causa das

muitas surpresas e porque o Ted mantivera os olhos fixos nela. Mas agora deu um suspiro

trêmulo e sentiu uma lágrima correr por seu rosto. Depois dela, veio uma coleção de outras.

Ted mantinha os olhos fixos nela, e ela fazia o mesmo com ele. Quase nem piscavam.

Mas agora se moviam. O pastor falou sobre a santidade da união. Seguiu-se uma canção.

Douglas cantou, mas Cris quase nem ouviu. Estava perdida, nadando nas profundezas do seu

amor pelo homem que estava ao lado dela sob a treliça santa e que segurava suas mãos com

tanto carinho. A música terminou, e o Pastor Ross pediu a Cris para repetir os votos depois

dele. Imediatamente, sentiu alívio por não ter de confiar na memória para falar o texto longo e

elaborado que escrevera para o Ted.

Com voz clara, mas baixa, repetiu:

- Eu, Cris, recebo você, Ted, como meu marido. Prometo amá-lo, respeitá-lo e cuidar de

você na alegria e na tristeza, na riqueza ou na pobreza, na saúde ou na doença, até que a morte

nos separe.

A seguir foi a vez do Ted:


- Eu, Ted, recebo você, Cris, como minha esposa. Prometo, iniciou ele, e aí apertou mais

forte as mãos dela, amá-la, respeitá-la e cuidar de você na alegria e na tristeza, na riqueza ou

na pobreza, na saúde ou na doença, até que a morte nos separe.

- Vamos orar, disse o pastor.

Ted ajudou Cris a se ajoelhar no apoio estofado que estava sob a treliça. Os dois

curvaram a cabeça, e o pastor orou, pedindo a bênção de Deus sobre eles e sobre os filhos que

o Senhor viesse a lhes conceder.

- Como quiseres, sussurraram Cris e Ted ao final da oração.

Ted segurou com firmeza o cotovelo dela enquanto se levantavam.

- O que você dará a Cris como sinal do seu amor por ela?

- Uma aliança, respondeu Ted.

O pai dele aproximou-se e entregou ao filho a aliança.

- Repita comigo, disse o pastor. Como evidência da promessa que fazemos agora diante

de Deus e destas testemunhas, com esta aliança, eu me caso com você.

Ted repetiu as palavras e colocou a aliança no dedo da Cris. Fazendo outra surpresa,

levou a mão dela aos lábios e selou a promessa com um beijo na aliança.

- Cris, falou o pastor, o que você dará ao Ted como sinal do seu amor por ele?

- Uma aliança, respondeu Cris.

Virou-se um pouquinho só e já viu a mão firme da Katie estendida, segurando a aliança

do Ted. Pegou-a e repetiu:

- Como evidência da promessa que fazemos agora diante de Deus e destas testemunhas,

com esta aliança, eu me caso com você.

Pôs a aliança no dedo do Ted, seguiu o exemplo dele, puxou a mão dele por baixo do

véu e selou a promessa com um beijo.


- Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, eu os declaro marido e mulher. Pode

beijar a noiva.

Cris prendeu a respiração. Parecia que o mundo inteiro, inclusive as palmeiras que

dançavam, haviam subitamente ficado em silêncio.

Devagar e com carinho, Ted pegou as pontas do véu delicado e colocou-o por sobre a

cabeça dela. Olhava-a como se nunca tivesse visto nada tão maravilhoso, belo e surpreendente

em toda a vida. Ele parou. Parecia estar aspirando a fragrância das flores que coroavam a

cabeça dela. Aproximou-se, escorregou as duas mãos pelo rosto dela até entrelaçar os dedos

no cabelo.

Cris inclinou a cabeça na direção dele e fechou os olhos.

Com todo o carinho de um homem paciente e toda a paixão de quase seis anos de

espera, Ted beijou Cris. E ela, com igual paixão e paciência, também o beijou.

Os dois permaneceram um pouco abraçados, e uma brisa suave dançou em volta deles,

apoderando-se do aroma das flores do cabelo da Cris e espalhando a doçura pela campina. O

vento circulou pelas palmeiras. Parecia que elas estavam aplaudindo.

Na santidade daquele momento eterno, Ted sussurrou:

- Eu amo você, minha Kilikina. Para sempre.

- E eu amo você, cochichou ela; enquanto lágrimas silenciosas corriam por seu rosto.

Para sempre.

Então, descendo da treliça deles, Cris ouviu uma voz forte e firme atrás dela proclamar

as palavras que ela sabia que iriam mudar sua vida para sempre. Até aquele momento, essa

mesma frase apenas ecoara no canto do coração dela, no lugar onde guardava os sonhos mais

preciosos.

Hoje, as palavras se tornaram realidade. Todas as estrelas do céu estavam nos olhos dela

quando contemplou o homem que agora estava ao seu lado. O pastor anunciou:
- Sinto-me honrado de apresentar a vocês, pela primeira vez, o Sr. e a Sra. Ted Spencer.

Fim

Potrebbero piacerti anche