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Elói Soares Lima Neto: Estagiário
Helena do Sul
ROTA
EXISTENCIAL
2007
Copyright 2007 - Maria Helena Vargas da Silveira
Capa
Nailê Cordeiro de Oliveira
Editoração eletrônica
Péricles Cruz
Revisão
Shaiane Vargas da Silveira
Sul, Helena do
Rota Existencial / Helena do Sul – Brasília, DF:
Funcação Cultural Palmares, 2007.
254 p. : il. color.
ISBN 978-85-7572-015-8
CDU 82(81=4140
LITERATURA AFIRMATIVA
R
ota Existencial, da escritora afro-descendente Maria He-
lena Vargas da Silveira, a Helena do Sul, aborda aspectos
implícitos e ou explícitos das relações étnico-raciais no
Brasil, a partir de contos breves, crônicas, depoimentos, sátiras e
poesias. A generosidade literária da autora transborda no univer-
so da negritude, fazendo deste novo livro um presente inusitado
de Literatura Afirmativa.
O livro divide-se em quatro momentos diferenciados, po-
rém de estrita relação.
Narrando especificidades do povo negro, que o poder he-
gemônico tenta tornar invisível, afloram o talento, a criatividade
e ousadia da escritora, na produção dos contos, crônicas e sátiras
que compõem o ineditismo da primeira parte da obra.
Com um olhar que remete à Antropologia Social, ao gêne-
ro literário memorialístico e às constatações de realidades atuais,
os textos se concretizam na prosa leve sem perder a firmeza da
narrativa que caminha, de forma natural, para a contundência
de muitas análises sócio-econômicas, culturais, educativas e de
gênero, provocativas para os leitores.
A segunda parte do livro traz um documento histórico que
se configura como revitalização e síntese da obra e da trajetória
da escritora. Brinda-nos com um original passeio pelos bastido-
res dos lançamentos dos livros anteriores, destacando, afirma-
tivamente, algumas pessoas da vida real. Uma “ação afirmativa
social” que reconhece e valoriza representantes daquelas e daque-
les que, por pertencerem a um segmento cujas identidades são
marcadas, lutam por uma nova forma de representação. Ousadia
prática e política.
A terceira parte acolhe preciosidades de cada um dos nove
livros anteriores da escritora, o que pode ser visto como um “mix”
entre a fidelidade com a literatura, a temática escolhida e a sinto-
nia com todas as gerações e os novos tempos.
A poesia fecha a Rota Existencial, sem ficar indiferente à
negritude, aos espaços, aos processos sociais e emocionais em
que a vida transita.
Destaca-se a preocupação e solidariedade de Maria Hele-
na, ao mencionar, nas últimas páginas do livro, pessoas e insti-
tuições que colaboraram para a concretização de sua caminhada
literária.
Considero relevante que nesta obra, ao tomar posse da
fala, a autora dá passagem para personagens reais atemporais que
ajudam a alicerçar a construção do passado, do presente e do fu-
turo do povo negro brasileiro, tendo por viés a dignidade. Sendo,
portanto, um poderoso e muito bem-vindo exercício das poten-
cialidades da narrativa pós-colonial, a partir da perspectiva de
uma brasileira, negra, mulher
Também o bom humor que, na hora certa, perpassa algu-
mas das narrativas apresentadas, mantém o estilo da autora, sem-
pre reconhecido pelo seu público fiel. Ninguém é de ferro! Salve
Ogum!
Rota Existencial é um livro que pode emocionar. Fazen-
do rir, chorar, lembrar... Uma obra para estudar, pesquisar. Mas,
sobretudo, um instrumento para refletir, acreditar na potenciali-
dade do poder resistente da humanidade e, em especial, da popu-
lação negra brasileira.
Acredito que tais argumentos sejam suficientes para atiçar
o desejo de leitoras e leitores que, a cada novo trabalho da autora,
multiplicam-se, estando reconhecidamente presentes em todas
as regiões do Brasil e em alguns países africanos e da diáspora
africana.
Diony Maria Oliveira Soares
Jornalista, especialista em Antropologia Social,
mestranda em Educação
REFLEXÕES DA AUTORA
R
ealidades, ideologia e delírios do feminino negro estão
presentes por aqui, na “Rota Existencial”, além do debo-
che saudável e necessário para amenizar algumas verda-
des mais doloridas.
O primeiro momento do livro compõe-se de contos bre-
ves, crônicas e sátiras, onde a criatividade busca personagens do
passado e do presente, sem distanciamento do universo da po-
pulação negra, ainda que não ignore toda gama da diversidade
étnica brasileira.
Mesmo que tentasse, não conseguiria escrever sem um
passeio pelas paisagens, pela gente, pelas emoções, pelas realida-
des de minha negritude. Seria impossível não falar destas realida-
des próximas. Elas possuem colorido, vivacidade, vozes, cheiros,
animação e consistência de coisas vividas, observadas, participa-
das e, sobretudo sentidas. São quadros que vão sendo fortemente
pincelados na mente com matizes intensos, tornando-se figura-
fundo da existência.
A presença dos trabalhadores negros e negras, costureiras,
lavadeiras, motoristas, gráficos, professores e artistas protagoni-
zam as narrativas, assim como os militantes pelo desenvolvimen-
to da população negra, os conflitos emocionais, as enfermidades
da alma que atormentam os negros e geram morte, a inversão de
valores de nossa sociedade de aparências, os absurdos com que se
defrontam os que não têm vez de falar e submetem-se aos discur-
sos poderosos que se perdem no ar. São exemplos das realidades
que fazem a História.
Rota Existencial é o décimo livro que publico, ocasião
em que consolido 20 anos de Literatura. Então, em um segundo
momento do livro, aproveito para incorporar de forma desnuda,
muito franca, o que representam estas duas décadas de dedicação
à Literatura, envolvida com a população negra. Sou eu e os outros
e outras, nos bastidores da escrita e dos lançamentos de meus li-
vros. Vou simplesmente narrando os fatos que aconteceram. Mas,
ao final, sinto que compus um corolário temático que poderá mo-
vimentar os mais atentos sociólogos, antropólogos, psicólogos,
educadores e gente preocupada em entender de gente, principal-
mente de negras e negros e as históricas estratégias de resistência
para o alcance de suas aspirações.
O ser e o resistir importam muito, na rota existencial da
população negra. Inventamos o enfrentamento das adversidades
com um jeito próprio ou coletivo, capaz de nos fortalecer para
encarar as subidas e as descidas da gangorra vital, nosso cotidiano
na sociedade brasileira.
Podemos tombar, ralar no chão, em condições adversas.
Mas também podemos mudar o rumo da adversidade, inventan-
do estratégias de resistência. Eu invento. Os outros e outras in-
ventam comigo. Nós inventamos.
Observo o próprio passo e arrumo um tempinho para as-
sobiar ou cantar uma canção; fico com olho de choro diante do
tombo de mau jeito, mas sigo em busca de condições para sorrir
dos próprios arranjos que faço para não cair. Coloco um detalhe
a mais naquilo que realizo, enquanto realizo. Acrescento marcas
muito pessoais ao ato de viver cada história.
Muito pessoal é a tentativa ou o alcance daquilo que qual-
quer pessoa pretende realizar e realiza. Muito pessoal, mas nem
sempre tão individual. Nestes vinte anos de Literatura foi assim,
os outros e eu, envolvidos por uma gama de situações de toda
ordem e a conseqüente aprendizagem.
As narrativas da segunda parte do livro comprovam que
as realidades de uns se cruzam com a de outros e todas as coi-
sas acontecem, de bom ou de ruim, nas intersecções destas rea-
lidades. Elas permeiam pelos espaços temporais e estão sempre
nascendo. A sensação maravilhosa de que cada tempo é o nosso
tempo, advém da vivência destes renascimentos, que se deixam
acompanhar pelas nossas ideologias.
Em um terceiro momento, revisito brevemente a criação
de meus nove livros editados, anteriormente. Transcrevo alguns
textos desses livros e acredito ser uma estratégia atenciosa para
suprir a carência de não poder brindar a todos e todas com a ree-
dição solicitada do que tenho escrito. Exponho o exercício da es-
crita, desde o nascedouro da minha caminhada literária e ideoló-
gica que, fundamentada na “negricite”, meu vírus de nascença, vai
tomando formato de ensaios, contos, crônicas e novela social.
Sinto o quanto fico sem imunidade cerebral, acometida pe-
las aspirações do ideário de uma negritude mais feliz. Sendo um
processo que me ataca as idéias, isto é ideologia. Procuro convi-
ver com ela sem retê-la em tensão, materializando-a nas faíscas
das reflexões e dos deboches de mentiras que mexem com muitas
verdades. Nem mais me surpreendo, pois identifico na escrita,
minha atitude espontânea de resistência. Sei que não basta. Mas
também exercito outros processos ideológicos, no coletivo.
Aproveito o imprevisível tempo de viver e poemar. Com
todos os seus vértices filosóficos, emocionais e perceptivos, a poe
sia germina e circula por armadilhas e sonhos a que estão sujeitos
os seres, finalizando o livro.
A vida é um poema que questiona, ama e resiste no proces-
so álmico, atávico, em paradoxal estado de delírio e consciência.
Escrever tem sido um ato solitário, mas publicar o que es-
crevo só é possível com o envolvimento e movimento de muita
gente. Agradeço a todos e todas por me acompanharem.
Rota Existencial
Parte 1.............................................................................................. 15
Cortes e recortes.............................................................................. 17
Pouco mais que um guri.................................................................. 20
A menina do cartaz.......................................................................... 22
Reportagem de jornal...................................................................... 24
Movimentos de um operário da palavra....................................... 26
De Bilac ao Negro Drama............................................................... 29
Performance aliada.......................................................................... 32
Senhora do avesso........................................................................... 34
As irmãs Limeira e o samba de roda............................................. 36
Contadora de histórias..................................................................... 40
Cambitus............................................................................................ 44
Obituário .......................................................................................... 48
Bailarinos odara................................................................................ 51
Atrás desse mato mora um povo.................................................... 53
Interrogação de um silêncio............................................................ 61
Rota existencial
Parte 2.............................................................................................. 67
É Fogo - ano 1987 – Descobertas e polêmicas.............................. 68
Meu Nome Pessoa - três momentos de poesia - ano 1989 –
Cidadania no morro......................................................................... 74
O Sol de Fevereiro - ano 1991 – Negritude na periferia............. 78
Odara, Fantasia e Realidade - ano 1993 – Mística e
irreverência........................................................................................ 82
Negrada - ano 1995 – Registros vivenciais do universo
da população negra.......................................................................... 86
Tipuana - ano 1997 – Escola pública de maioria negra.............. 93
O Encontro - ano 2000 – Saudades e contextos de
diversidade........................................................................................ 98
As Filhas das Lavadeiras - ano 2003 – Tributo às mulheres
negras e mobilização social........................................................... 101
Os Corpos e Obá Contemporânea - ano 2005 –
Transgredindo “normas culturais” e trabalhando o
imaginário popular sobre os corpos afrodescendentes............ 107
Rota existencial
Parte 3............................................................................................ 112
Identidade........................................................................................ 114
A trova do Bola............................................................................... 116
Simiesca........................................................................................... 119
Iniciação........................................................................................... 122
Rezumbindo.................................................................................... 128
Rebelião dos sambistas.................................................................. 131
Conversa de negro.......................................................................... 143
O super evento................................................................................ 155
Forasteiros de muitos lugares........................................................ 159
Apresentação do nome da lomba................................................. 162
Izolda Maria mais ou menos......................................................... 163
Ata ordinária................................................................................... 165
Capítulo XXVI................................................................................ 167
Casarão das lavadeiras em Caxambu........................................... 171
Do Bengo à paixão pelas Congadas ............................................ 176
Lavação de roupas.......................................................................... 183
Corpo-inquietação......................................................................... 210
Corpo-texto..................................................................................... 212
Corpo-ironia (O ensaio)................................................................ 215
Rota existencial
Parte 4............................................................................................ 220
Morro, clave de sol......................................................................... 222
Quero mais que falas . ................................................................... 225
Prece do negro ao professor de qualquer cor............................. 226
Neguinha na rede........................................................................... 228
Palavras............................................................................................ 229
Verdade............................................................................................ 230
Plim! Plim!...................................................................................... 231
Infantil.............................................................................................. 232
A lágrima......................................................................................... 233
Retalhos de esperança.................................................................... 234
Parada cardiáca............................................................................... 235
Sobrevivência.................................................................................. 237
Alvorada dos negros....................................................................... 238
Criança-cidadã................................................................................ 239
Rota existencial .............................................................................. 240
Herança dos deserdados................................................................ 241
Oficina do Rap............................................................................... 242
Histórias........................................................................................... 245
Outro êxtase.................................................................................... 246
Insana............................................................................................... 247
Mórbida........................................................................................... 249
Sonho bom...................................................................................... 250
Descoberta afinal............................................................................ 251
pagina em branco
HELENA DO SUL
Rota Existencial
Parte 1
Cortes e recortes
Pouco mais que um guri
A menina do cartaz
Reportagem de jornal
Movimentos de um operário da palavra
De Bilac ao Negro Drama
Performance aliada
Senhora do avesso
As irmãs Limeira e o samba de roda
Contadora de histórias
Cambitus
Obituário
Bailarinos odara
Atrás desse mato mora um povo
Interrogação de um silêncio
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pagina em branco
HELENA DO SUL
CORTES E RECORTES
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A MENINA DO CARTAZ
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REPORTAGEM DE JORNAL
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do Diário, bem como José nomear uma comissão para bem o problema do Diário,
Faustini, Aires Adures, dr. estudar a possibilidade de do qual havia sido revisor,
Sylvio da Cunha Echenique, fazer com que o Diário revisor, noticiarista e in-
Balbino Mascarenhas e não voltasse a circular. Dessa terpretador de telegramas,
recordo se presente se acha- comissão, em seguida des- estabelecesse os primeiros
va mais alguém, se manife- ignada, faziam parte o sr. contatos com os propri-
staram simpáticos à idéia e Victorino Menegotto, como etários e, ao mesmo tempo,
que o assunto deveria ser seu presidente, e mais di- elaborasse um trabalho, no
abordado e discutido na retores dr. Sylvio da cunha qual deveria focalizar os
próxima reunião da Dire- Echenique, Balbino Mas- meios indispensáveis e ne-
toria. carenhas, Carlos Gotuzzo cessários ao ressurgimento
“E assim, na reunião Giacobono, José Faustini e do jornal”.
da Diretoria daí a poucos Aires Noronha Adures. Seguiram-se, então, as
dias realizada, fazendo-se “Como medida pre- providencias, que iriam cul-
eco das aspirações general- liminar, a comissão, ainda minar com o reaparecimen-
izadas, após ser o assunto nessa reunião, pediu-me to do jornal, a 20 de julho,
amplamente discutido pe- que, na qualidade de dire- portanto, dois meses e 20
los diretores presentes, deli- tor geral da Associação, dias após a paralisação.
berou-se, por unanimidade, e, ainda, porque conhecia
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HELENA DO SUL
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negro drama/ tenta ver, e não vê nada/ a não ser uma estre-
la, longe meio ofuscada/ sente o drama, o preço, a cobrança/
no amor, no ódio a insana vingança/
negro drama/ eu sei quem trama e quem tá comigo /o trau-
ma que eu carrego/ prá não ser mais um preto .../...passagei-
ro do Brasil...
...periferia, vielas, cortiços/ você deve tá pensando o que você
tem a ver com isso/ desde o início, por ouro e prata/ olha
quem morre então/ veja você quem mata/
...me ver pobre, preso ou morto já é cultural
...histórias, registros escritos /não é conto nem fábula, len-
da ou mito/ não foi sempre dito que, preto não tem vez/
(então)...
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PERFORMANCE ALIADA
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SENHORA DO AVESSO
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CONTADORA DE HISTÓRIAS
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CAMBITUS
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HELENA DO SUL
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Mas sei por informações, que não sai do mesmo lugar, não tem
progresso.
– E este nome da loja, tem a ver com o quê?
– Os cambitus são muito utilizados no nordeste. São apro-
veitados para armação de banquinhos com assento de couro de
bode. E ainda, podem ser usados na lateral dos jegues, como su-
porte para carregar madeiras. Com os cambitus no painel, mos-
tramos de onde somos. Não negamos nossas origens. Fincamos
nossa bandeira e quem quiser que venha. Muitos idiotas não gos-
tam de nordestino, mas meu pai me ensinou que gente é gente.
– E estes porta-retratos, cheios de caras negras?
– Precisei colocar, coisa minha. Se mais tivesse retratos de
negros, mais botaria. Entra muita gente aqui, mas algumas pes-
soas têm atitudes que me marcam e me levam a pensar e a fazer
alguma coisa pela valorização delas, para educar. Elas precisam
se respeitar.
– O que elas têm a ver com os porta-retratos?
– Veio aqui uma família de negros com uma menina de
oito anos e o pai mostrou para a menina uma boneca negra, elo-
giando a boneca. Tomei o maior susto, quando a criança falou
para o pai: já te disse que negro não entra no meu carro.
Olha que problema. Uma criança de oito anos. Não leva-
ram a boneca.
– E o pai , falou alguma coisa?
– Falou nada. Ela deve ter repetido as palavras do pai.
– Mais um caso destes?
– Com certeza. Entraram na loja quatro senhoras negras
com uma menina negra de seis anos, bonita, muito bonita. Era
tão bonita que chamei a criança de princesinha linda. Então a
criança, de seis anos, me olhou e disse: Eu, não. Eu não sou bonita
porque sou negra.
– E a mãe, falou alguma coisa?
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OBITUÁRIO
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BAILARINOS ODARA
Odara, grupo de dança que faz parte do Centro de Ação Social, Cultural e Educacio-
nal Odara, da cidade de Pelotas-RS. Iniciou suas atividades pela dança e atualmen-
te dedica-se ao teatro do Oprimido, educação, atividades de implementação da Lei
10.639/2003, nas escolas.
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INTERROGAÇÃO DE UM SILÊNCIO
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Sergio Pinheiro, 28 anos, era paulista, solteiro, geógrafo, intelectual, ativista do Movi-
mento Negro, técnico da equipe dos Projetos Inovadores de Curso, do Programa Di-
versidade na Universidade, do Ministério da Educação, Secretaria de Educação Conti-
nuada , Alfabetização e Diversidade. Lutava pelas causas da negritude, para que negros
e negras tivessem uma vida digna, com direito à educação e cidadania. Seu anunciado
bebê era um livro que idealizara com a transversalidade de conteúdos do Ensino Mé-
dio, com as questões étnico-raciais Seus delírios provinham de doença psíquica que
foi acelerada por muitas angústias que acompanham o cotidiano da população negra,
resultando em um surto psicótico que o levou, inconsciente, a se atirar da janela do
sexto andar de um prédio da Asa Sul, em Brasília - no Distrito Federal, onde estava em
companhia do casal Daisy Cadaval Basso e Max Basso, uns de seus amigos prediletos.
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Faço parte da Academia desde o ano 2000, cadeira 19, tendo por
patrono o Conselheiro Antônio Ferreira Vianna, ilustre cidadão
de história bonita e filantrópica. Fundou escolas, no Rio de Ja-
neiro, dava assistência a menores abandonados e mendigos. Mas
ajudou a redigir o texto “capenga”, socialmente incorreto, sem re-
parações de perdas para os escravos, enfim, o texto da Lei Áurea
que a Princesa assinou para libertar os negros. Que ironia!
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PARTE 3
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IDENTIDADE
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A TROVA DO BOLA
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Bedeu - Jorge Moacir da Silva, compositor gaúcho de Música popular brasileira, de clás
sicos sambas suingados, tais como Carolina, em parceria com Leleco Teles. Ambos fale-
cidos.
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SIMIESCA
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INICIAÇÃO
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persegues o horizonte.
– Se pisarem nos meus pés?
– Cuida para não pisares nos pés dos outros.
– Mas se doer muito?
– Então não guarda o choro. Liberta o pranto, enquanto
ages. Faz alarde. Busca teus espaços e confia em teus atávicos ri-
zomas. Tua vontade ajudará a definir as ações do teu odú. A dor
apressará o passo para buscar lenitivo ou irá esmorecer tua ca-
minhada. Escolhe.
– Meu odú é de fazer alarde, de apressar o passo ou de es-
morecer?
– Teu destino é de viver. Terás muitos compromissos no
terreiro. Teu lugar não é aqui, sentada na esteira.
– É hora de ir?
– Toda hora será hora de ir. Vai em busca do respeito pelo
teu nome de MULHER. Grita-o com voz alta e muito clara para
que todo mundo te ouça, na cidade, no campo, nos quilombos
e nos mercados – MULHER. Quero te ver possuída de fêmea na
gira de todos os toques sociais.
– Mas poderei ficar cansada, ofegante?
– É possível. Proclama então o teu erê12. Brinca. Foge
da percepção de ti mesma e das convenções nas quais foste ini
ciada.
– Brincarei ou ficarei desencontrada?
– Estarás apenas vivendo a outra, a outra personalidade
que disse possuíres. Podem até te desconhecerem mas não deixa-
rás de ser. Tuas convenções ficarão relaxando, enquanto recupe-
ras as energias.
– Que confusão! O Orixá Mulher é bem complicado!
– Mulher não é um Orixá, mas é relíquia dos deuses, po-
voando o mundo.
12 erê – estado intermediário entre a consciência total e o transe do Orixá
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HELENA DO SUL
– E mulher negra?
– Achas que a cor irá interferir em teu destino? E já carre-
gas este fardo de preocupação?
– Poderei agüentar pesada carga?
– Mulher negra é poderosa. Acredita nesta revelação e se-
gue teu caminho. Não é mais hora de ficar aqui. Nem há mais
tempo de desvendar os mistérios da outra concha. Deixo-a con-
tigo, para que tua intuição feminina a descubra nos momentos
certos.
– Mas o que houve, meu velho? Estás tremendo? Ficaste
tão frágil de repente.
– Foram tuas mãos que pousaram sobre meus ombros e
me fizeram balançar. Se souberes aproveitar tua energia, farás tre-
mer este mundo. E então, tua mão permanecerá sobre todos que
se renderão aos teus poderes. Estás iniciada nos encantos e nos
mistérios de Oxum13. Teu odu é viver. Teu odu é amar. Teu odu
possui todos os privilégios da criação.
E, ajeitando na cabeça da mulher a coroa de folhas, pro-
clamou-a Rainha, mesmo naquela humilde tenda. Conduzia um
cerimonial de iniciação.
Era um velho sábio, um ganga, o Amor.
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REZUMBINDO
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CONVERSA DE NEGRO
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O SUPER EVENTO
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ATA ORDINÁRIA
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CAPÍTULO XXVI
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REALmente
Rua era para carro
Calçada era pra gente
“Van”, lembrança da arte.
Economia global,
Primado neo-liberal.
No reino Do Faz de Conta
Ninguém pergunta pela rua
Sucumbiram todos
Sufocados.
Pelos radinhos, cigarros
Pilhas, badulaques
E até bichinhos.
E os homens?
Ora, oram... Numa luta em vão
“Van...”
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ser o sabão em barra, o anil e muito sol para quarar. Depois eram
passadas com o ferro de brasa. Ajudei a lavar muitos ternos de
linho branco, chiques naquele tempo. A calça tinha que ter o friso
bem marcado com o ferro de passar.
Minha mãe lavou para pessoas ilustres, como o Dr. Bene-
dito Valadares, Governador de Minas Gerais, como o Presiden-
te Getúlio Vargas e sua esposa, que costumavam vir a Caxambu
para veranear.
Aos quinze anos eu já namorava e o namorado me ajudava
a entregar as roupas. Ao mesmo tempo, era cortejada pelo segu-
rança do presidente Getulio Vargas, chamado Gregório e apelida-
do de Anjo Negro.
Mais tarde, com o fechamento dos cassinos, Caxambu e
todas as outras estâncias hidrominerais sofreram uma baixa na
economia que era movimentada pelas pessoas que vinham vera-
near e jogar nessas cidades.
A queda financeira da cidade atingiu os ganhos das lava-
deiras que atendiam os fregueses dos hotéis. Minha mãe não teve
mais condições de manter o trabalho com as cinco lavadeiras que
eram encarregadas das roupas de cama, mesa e banho. Com a
diminuição da oferta de trabalho, o dinheiro diminuiu muito e
não dava mais para ser dividido.
Mas também não foi só de sacrifícios que a gente viveu.
Tivemos momentos bem alegres dos quais me lembro da minha
família toda, tanto do lado materno, como paterno, escutando
música e cantando. Meu pai, Antonio Bartolomeu Gonçalves era
maestro da primeira Banda de Música da cidade e participava
de um conjunto musical, juntamente com meus irmãos e uma
tia paterna que cantava em coral de igreja. No dia dos ensaios da
Banda ou do conjunto musical, a casa era uma festa com música
de todo gênero. Dançavam em um clube onde havia concurso de
dança. O clube carrega até hoje o mesmo nome que é bastante
discutido: “Grêmio Recreativo Prazer das Morenas”. Minha mãe
levava todos os filhos para o clube, pois era uma agremiação fa-
miliar. Quando a criançada sentia sono, dormia lá mesmo, en-
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gos, minha terra, para entrar em outro sistema de vida até então
desconhecido para mim.
Depois de vinte anos, voltei para Caxambu, aposentada.
Hoje em dia, não lavo mais roupas, profissionalmente. Mas
foi lavando roupas que minha mãe me educou e eu, mais tarde,
eduquei os filhos, não deixando faltar o que comer, o que vestir, o
que calçar e, sobretudo, ajudando para que pudessem estudar.
Na época em que minha mãe me criou, ainda estava muito
difícil um estudo mais avançado para os filhos pobres e negros,
pois existia em primeiro lugar uma luta muito grande para so-
breviver, para suprir as necessidades básicas. Mas havia bastante
preocupação das famílias negras para passarem valores de bem
para as futuras gerações.
Lavei roupas, como minha mãe, porém já pude contribuir
para o estudo dos meus filhos. Bom seria que houvesse sempre
este crescimento em nossa sociedade, através das gerações.
Tenho orgulho de ser honesta, amiga, solidária e informada.
Aprendi a viver assim, junto com minha mãe, Alice Maria Bru-
no Gonçalves, uma especial lavadeira, com a qual compartilhei de
muitos momentos, no Casarão das Lavadeiras de Caxambu.
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e nem sabem a força que têm, que através dessa dança que eles
apresentam, que já estava em extinção, poderão melhorar a pró-
pria vida.
Então começamos a distribuir umas fichas para que cada
um respondesse, oralmente, ou por escrito, de acordo com a esco-
laridade, as perguntas relacionadas com questões que eles vivem
no mundo do trabalho e em geral. Os resultados nos apontaram
rumos a tomar para trabalhar a justiça social que tanto se apre-
goa. Temos um documento denominado A Carta dos Congadei-
ros, em que fazem reivindicações para o desenvolvimento deles,
das suas famílias.
Pretendemos começar a ajudar o pessoal das Congadas
com a implantação de um curso de alfabetização para os par-
ticipantes de Caxambu e suas famílias. Também já estamos com
uma proposta elaborada, da criação de uma Escola de Congada
onde todos devem aprender a dançar e estudar. Teremos perío-
dos de apoio escolar para os alunos das comunidades carentes de
maioria negra, artesanato, teatro e até um pré-vestibular. A Esco-
la de Congada Nossa Senhora do Rosário e São Benedito estará
funcionando na Escola Wenceslau Braz, cedida pela Prefeitura
de Caxambu.Para que isto aconteça temos poucas pessoas que
ajudam. Apesar de sabermos que existem recursos destinados ao
desenvolvimento da população negra, a gente fica muito longe
destes recursos.
Então, o nosso compromisso é com o resgate, o aprofunda-
mento, a valorização e difusão da história e cultura negras, con-
siderando como legítima a comunidade afro-descendente para
atuar em sua defesa e seus direitos.
O Movimento Negro de Caxambu trabalha a parte cultural
e social e resolvemos, junto com os dirigentes do Centro Caxam-
buense Afro-brasileiro, trabalhar em conjunto com a Pastoral do
Negro, na parte religiosa, porque temos o trabalho do seu Ismael,
mestre da Congada.O seu Ismael sai com os congadeiros, fazendo
novena nas casas, rezando o terço, dando explicações religiosas
durante os meses de maio e no mês de outubro. Justamente essa
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LAVAÇÃO DE ROUPAS
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ção nos córregos, nos rios, nas fontes, nas cachoeiras, utilizan-
do gravetos para o fogo onde ferviam as roupas, aproveitando o
pasto para botar as roupas a quarar borrifadas com sal e suco
de limão. Enfrentaram o calor, o sol muito forte, ou as geadas do
inverno que endureciam a água e as mãos. Fazem alusão às longas
caminhadas, por trabalharem longe de casa, às subidas de morros
e higiene do local das fontes, em solidariedade às companheiras
que viriam lavar no mesmo local, no dia seguinte. Faziam a Hora
do Gari, com a maior alegria.
E essas interações com o meio ambiente que as filhas das
lavadeiras faziam com suas mães, têm um sentido relevante.
Assim como as interações que os elementos da flora e da fauna
provocam na natureza, quando cada ser vivo busca harmonica-
mente a sobrevivência, contribuindo involuntariamente para o
estabelecimento do equilíbrio, as lavadeiras, talvez nem sequer
imaginavam, mas foram fundamentais para que as comunidades
em que viviam funcionassem, assim como as flores, as árvores, os
animais e os diversos recursos ambientais que formam as flores-
tas, compõem os biomas e são além de tudo, o mundo em que
vivemos.
Os depoimentos das filhas das lavadeiras também apontam
alguns aspectos históricos e detalhes geográficos de suas regiões
de origem, comprovando o grande carinho que as pessoas têm,
geralmente, pela sua terra natal. São riquezas de detalhes que
fazem de cada história uma verdadeira jóia , um memorial que
surpreende pela quantidade de informações de várias naturezas,
de usos e costumes de época, descrição de paisagens, de transpor-
te, entre outros hábitos, principalmente religiosos.
Mas o maior entusiasmo frente a esses memoriais, é a ale-
gria, a satisfação de sentir que aquelas lavadeiras foram capazes,
que foi possível para aquelas lavadeiras, impulsionarem a mobi-
lidade social do país.
As filhas das lavadeiras demonstraram que têm diferentes
componentes étnicos em suas origens e não somente o africano,
constituindo a demanda das afrobrasileiras, uma mistura de ne-
gro com índio, com português, com italiano, com alemão, com
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Tem muita roupa para ser lavada, a trouxa está pela meta-
de. Terminou o sabão, um sabãozinho de nada... Perdi os meus
botões...Que vontade de gritar bem alto. Gritar, quando se pode é
cantar? Vamos cantar e é já.
Ogum, olha a sua bandeira,
ela é branca, verde e encarnada.
Ogum, no campo de batalha,
Ele venceu a guerra.
E não perdeu soldado.
– Mamãe! Que negócio é este de sabãozinho de nada? Que
coisa estranha de conversa inacabada? E essa cantoria?
– Homenagens, homenagens para as guerreiras.
– Mas a Senhora conversava com quem?
– Estava falando com os meus botões.
– Botões não falam.
– Mas me escutam. De repente entrou alguma interferên-
cia e eles se perderam.
– Mamãe, existem tantos botões para se ligar nesta casa... E
ainda quero saber da conversa inacabada.
– Era com elas, a conversa. Com elas e com os meus botões.
Mas por momentos roubaram a minha atenção, revirei a cabeça,
perdi os meus botões.
– A Senhora está brincando comigo. Onde estão elas que
não as vejo? E por acaso foram elas que falaram do seu máxi-len-
col, que transformaram uma cortina em poesia, que saudaram
Xangô, com Caô! Caô! E agora, ainda há pouco cantaram para
Ogum? São coisas suas, mamãe, bem suas. .A senhora era elas.
Elas eram a senhora.
– Não sei de nada. Até meus botões desapareceram.
– Compre outros, mamãe. Peça pelo tele-botão, por fax,
pela internet. Não chore os botões perdidos. Temos botões em
casa para apertar e plic, plic, tudo cai em suas mãos.
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CORPO-INQUIETAÇÃO
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CORPO-TEXTO
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CORPO-IRONIA
( O ENSAIO )
(fala do apresentador)
A Força Negra TV, o canal onde queremos ver você, está
inaugurando uma série de cem documentários que irão tratar
de assuntos étnico-raciais, dando o devido destaque para a va-
lorização da população negra de nosso país, conhecida também
como afrobrasileira, afrodescendente e negrada urbana ou rural,
quilombola.
O primeiro documentário intitula-se Carussandê. È uma
produção do Coletivo de Mulheres. deste lado do mundo. Traz
assuntos relevantes assinados por doutoras da universidade da
vida de mulheres negras.
Acreditamos que os cinco minutos semanais de documen-
tário sejam bem recebidos pelos telespectadores. e que o progra-
ma não enfraqueça sob o controle remoto de mãos que teimam
em colocar os negros no ar, mas nos devidos lugares concebidos
e julgados sem pecado.
Ao término do documentário, se você desejar a continui-
dade de vídeos como este, entrando em seu terreiro, vá ao ore-
lhão, ou pegue o celular ou seu fone residencial e ligue já para
1695, número que lembra o ano da morte de um guerreiro negro
de Palmares e diga: valeu Zumbi!
Mas se você se sentir incomodado e desejar que o progra-
ma saia de seu barraco, ligue já para 1888, número que lembra o
ano em que a princesa aboliu o tronco e deixou os galhos para os
negros quebrarem. Diga consciente: eu mereço.
Ligue, ligue já. Você decidirá o destino do Carussandê.
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Rota Existencial
Parte 4
A lágrima
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INÉDITAS
Retalhos de esperança
Parada cardiáca
Sobrevivência
Alvorada dos negros
Criança cidadã
Rota existencial
Herança dos deserdados
Oficina do Rap
Histórias
Outro êxtase
Insana
Mórbida
Sonho bom
Descoberta afinal
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Na pauta da estrada,
seio gigante,
jorrando seiva
para o imigrante,
pobre forasteiro
que chegou primeiro.
Na mala, a esperança,
carregando os outros
no colo, nos braços,
descobrindo o morro.
Miragem! Miragem!
Pousar no morro...
Socorro! Socorro!
Morar no morro.
Morrer no morro.
Morro sem dinheiro.
morro da cidade.
Morro de saudade.
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Vida se inquieta
no dorso da rua,
na trajetória tua
gente reluz
Morro da Cruz!
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Morro da Cruz
de outras realidade,
das nossas verdades de cidadão,
cães consumidos,
homens esquecidos,
nas dores da vida
entre a treva e a luz,
no limite da cruz.
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NEGUINHA NA REDE
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PALAVRAS
Palavras,
Duplo sentido:
Problema...
Percepção...
Palavras,
Sexto sentido:
Firmeza...
Intuição...
Palavras,
Meias palavras
Ironia...
Falsidade...
Palavras
Soltas,perdidas
Esconderijo,
Inverdade.
Palavras,
Sentido perfeito:
Diálogo,
Compreensão,
Ecos sublimes,
Aproximação.
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VERDADE
Verdade,
Um sólido,
Muitas faces
Com a cara do dono.
Verdade,
Dependência,
Ângulo,
Aresta,
Ponto de vista.
Verdade,
Foco cintilante,
Risca pisca.
Relativa luminosidade
Manipulada pela sociedade.
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PLIM! PLIM!
Plim! Plim!
Quem se veste bem,
O mundo trata melhor
Us Top.Stop!Stop!
Ele não quer o pior,
Fresh! Fresh!
Que vergonha!
Não tem Batavo na sua geladeira?
Plim!Plim! Aldeia Brasileira.
Falta café na sua prateleira?
Plim!Plim! Fome nacional...
Tudo pelo social.
Ah! Meu brasileiro,
Que loucura!
Censura!Censura!
Us Stop! Stop!
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INFANTIL
Uma criança,
Mundo fantasia,
Contagio de graça,
Pedido de amor.
Uma criança,
Pluminha leve,
Cantiga de roda,
Roda de viver.
Uma criança,
Rosa,
Sempre-viva,
Sempre!
Sempre!
Viva!
Viva a criança!
Esperança da gente,
Prá cirandar
A roda diferente.
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A LÁGRIMA
A lágrima
Mexeu com o olho,
O olho do negro.
Olho não chorou.
A lágrima
Tremeu o olho.
Olho segurou
A lágrima.
Ficou acanhada,
Entrou pra dentro,
Derramou por dentro,
Veias e veias,
Coração,
Ser inteiro do cidadão.
A lágrima
Parou na garganta.
Foi cuspida com a palavra
Num poema de dor,
Dejeto da agonia,
Irreverência,
Expurgo da criação.
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RETALHOS DE ESPERANÇA
Os fios de linha
Bordavam o tapete multicor,
Deixando no assoalho
A recordação
Das pelúcias,
Das sarjas
E das sedas
Dos casacos das meninas,
Dos coletes dos maiorais,
Do uniforme da enfermeira,
Das saias das colegiais,
Dos vestidos das senhoras
Que procuravam a costureira,
Dona de casa, operária
De um tempo que ficou lá atrás,
Com os retalhos de esperança
Que por anos e anos
Encheram os pratos das crianças.
E em cada dia
Garantiram
O pão nosso.
Amém!
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HELENA DO SUL
PARADA CARDIÁCA
De terno frisado,
Gravata e colarinho,
Quepe amarelinho,
Ia rodando...
Levando fardos e gente.
Ia levando...
Das festas ao cemitério,
Do mercado ao cabaré,
Da escola ao futebol,
Do hospital ao carnaval.
Ia rodando...
Ia levando...
Carregando...
Seu doutor,
Dona e madame,
Senhorita, prostituta,
Mascarado, marginal,
Político, colegial.
Ia levando
Professora, vagabundo,
Toda espécie deste mundo.
Ia rodando...
Ia levando
De auto, rodando
De ônibus,
De caminhão.
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ROTA EXISTENCIAL
Ia levando
Nas ruas,
Na beira mar,
Na chuva,
Cruzando pontes,
Na serra,
subindo montes.
Ia levando...
Na estrada,
Enfrentando a balsa,
Caindo no rio,
Mas voltando à tona
Para respirar
E espiar a vida,
Com todos os pesos de seu destino
De fardos, de gente que carregou.
Parou...
Uma parada cardíaca.
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HELENA DO SUL
SOBREVIVÊNCIA
Folhas de papel,
Páginas
Molhadas.
Palavras,
Palavras
Impressas,
Dispersas,
Ávidas pela bolinação
Que o negro fazia
Em cada escrito novo,
Com um lápis roxo de revisão
Que escorria a cor,
Tingindo a identidade
Do negro revisor
Das folhas de papel,
Molhadas,
Com as palavras
Impressas,
Na página branca
Do jornal branco
Da cidade.
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Quando fugia
Do barulho das crianças,
Das falas das senhoras,
Dos latidos,
Dos miaus,
Dos gemidos,
Dos pedidos:
Quero leite, quero pão,
A qualquer hora.
Quando fugia...
Aportava outro porto
Na cômoda velha de jacarandá,
Confessionário das ideologias,
Com entalhes de poemas,
Para receber as crônicas
O despejo das palavras
pela igualdade
Que nas horas caladas
Ensaiavam gritos
Para o jornal Alvorada.
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HELENA DO SUL
CRIANÇA-CIDADÃ
Carrinho de mão
Com laranjas prá vender.
Capina e areia
Para o jazigo enfeitar.
Hora de trabalhar...
Carrinho de lomba
Com as rodas a girar.
Esconde-esconde
Com neguinho pra encontrar.
Hora de brincar...
Escola da vila
Com o leite prá tomar.
Livro aberto,
Uma nova lição:
La.. le, li, lo, lu.
Hora de estudar...
sa, se, si, so, sonho,
Sonho prá sonhar.
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O barco partiu
Do porto sombrio.
E foram muitos
Que partiram
Com nome de navio,
Com deserdados negros
Dos pensamentos, donos.
Só dos pensamentos,
No mar de negritude.
241
ROTA EXISTENCIAL
OFICINA DO RAP
Na oficina do Rap
As cidades do Brasil
De quem não faz “répiaurs”
De quem não tem “répideis”
Só rapidez, rapidez
Na boca do funil
Na correria
Das cidades do Brasil
Que na rota do mapa
Só mudam a posição
Da mesma história nacional
Dos negros, da pobreza a negação
Da mais antiga a de menor idade
Tudo igual, tudo igual
Tem cidade do regae,
Cidade do acarajé
Cidade dos doces da princesa
Como é? Como são?
Cidade do quarteirão
De Jorge Amado de Gabriela
Cidade das favelas
Com sombras e aquarelas
Cidades de lona,
Com os redutos de invasão
Cidades de morro
Cidades de bala sem direção
Cidade do museu da Balaiada
Tem um preto na exposição
só um Cosme sem Damião
E os outros, onde estão?
Cidade do mercado modelo
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HELENA DO SUL
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ROTA EXISTENCIAL
Cidade, maldade
Cidade, ansiedade
Cidade, verdade
Na diversidade,
Diversas cidades
Violentadas, massacradas
Estou de olho
Só eu, não
Estamos de olho
Está valendo, vou dizendo
Minha indignação
Eu te vi e ainda te vejo
Na oficina do Rap
De quem não faz “répiaurs”
De quem não tem “répideis”
Só rapidez, rapidez
Na boca do funil
Na correria
Cidades do Brasil
Que amo demais
além das belezas naturais
Até à vista
Estou na pista
Volto em breve
Na oficina do Rap
Dá-lhe Rap, “répiaurs”,
Dá-lhe Rap, “répideis”
Antes que os casarões de São Luís
Tombem as paredes podres
E matem os negros e os pobres do centro histórico
E todos tenham morte natural-acidental,
Naturalmente
Será que a gente mente?..
244
HELENA DO SUL
HISTÓRIAS
Era uma vez...
Eram duas...
Eram três.
E eram
Como histórias
Que se erram,
Que se contam,
E recontam,
Contadas mal,
Até perderem o final.
Era uma vez...
Eram duas ...
Eram três.
Na linha do tempo,
Sem atenção,
Na intersecção
Da mão única
Do silêncio.
Era uma vez...
Eram duas...
Eram três,
Premeditadas vezes
Dissimuladas,
Prá esconder os rastros,
Os passos, os cansaços.
E revelar o adeus.
245
ROTA EXISTENCIAL
OUTRO ÊXTASE
Desejo descansar a cabeça nos seus ombros
E ficar quieta
Prá que possa perceber minha quietude.
Desejo descansar a cabeça nos seus ombros
E ficar cismando,
Prá que possa perceber meu pensamento,
Bailando como folha recém voada,
Antes de cair ao chão.
Desejo descansar a cabeça nos seus ombros
E ficar silêncio...
Desejo tanto essa magia silenciosa nos seus ombros,
Que calo todas as palavras
Sem ser mulher nem homem
Prá entender-me
Capaz de silenciar
Prá viver a paz.
246
HELENA DO SUL
INSANA
Insanos dias
de insanas lutas
levam a guria
rebelde e fria
a se agitar
dentro de mim...
Subversiva marionete
que não obedece a voz do dono
que dono nem mais tem,
nem se expõe às histórias
que os outros lhe inventam,
pouco importa...
Não quer mais falar,
arremedar,
imitar passiva
o que já sabe de cor,
perdida nas vias malditas
onde qualquer um pode dizer
coisas comuns,
coisas iguais
que ela não quer mais saber.
Nos insanos dias
de insanas lutas
que transformam
em frieza, indiferença
ausência de crença
a mulher,
silenciosa, quieta
que segura o coração nas mãos,
equilibrando o sim
247
ROTA EXISTENCIAL
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HELENA DO SUL
MÓRBIDA
249
ROTA EXISTENCIAL
SONHO BOM
Sonho bom
É o que se faz ,
Que se repassa de cor,
De olhos abertos,
De olhos fechados,
Sonho bom...
Sonho bom
É aquele que vem
Com todas as flores
que se imagina germinar.
Com todos os abraços
que se gosta de abraçar.
250
HELENA DO SUL
DESCOBERTA AFINAL
A pior mentira
Não é o alheio quem diz.
É aquela que você
Conta e sustenta verdade
Para poder ser feliz.
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ROTA EXISTENCIAL
Aos capistas:
Adão Centeno (foto de família)
Desenhista anônimo dos Serviços Gráficos Ferreira, em 1987 -
RS
Djalma do Alegrete (em memória)
Getulio Santos Vargas
Janete Borges Dutra
Nailê Cordeiro de Oliveira
Nanci Miranda Andrade
Às Bibliotecárias:
Iara Neves
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HELENA DO SUL
Tatiana Barroso
Ao coletivo:
Academia Pelotense de Letras RS
Assembléia Legislativa de Santa Catarina-SC
Associação Clara Nunes-RS
Associação de Mulheres Negras Antonieta de Barros-SC
Associação Satélite Prontidão-RS
Biblioteca Erico Verissimo-RS
Biblioteca Ligia Meurer-RS
Biblioteca Pública de Pelotas-RS
Biblioteca Pública de Guaíba-RS
Casa Thomaz Jefferson-DF
Centro de Estudos Brasil-Haiti-DF
Centro de Professores do Estado do RS- 39° Núcleo
Congresso Nacional Afro-Brasileiro – CNAB – SP
Comenda Cultural de Brasília
Conselho de Defesa dos Direitos do Negro do DF
Clube Cultural Fica Ahi Prá Ir Dizendo-RS
Departamento Cultural do Partenon Tênis Clube-RS
Embaixada da Nigéria-DF
Embaixada do Haiti-DF
Espaço Cultural Afro Nzinga-DF
Evangraf - RS
Fundação Cultural Palmares - MinC
Griô, Acervo da Memória e do Viver Afro-brasileiro - RS
Grupo Cultural Rainha Ginga-RS
Grupo Multiétnico de Empreendedores Sociais - DF e RS
Museu Antropológico do RS
Quilombo Urbano da Guaragna-RS
Sindicato dos Professores do DF
Tribo das Artes-DF
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Aos Músicos:
João Pereira-RS
Máximo Mansur-DF
Moisés Machado-RS
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HELENA DO SUL
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