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Drº em Educação/UFF. Departamento de Educação e Sociedade da UFRRJ
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A Teoria das Representações Sociais
O termo representações sociais foi cunhado pelo psicólogo social
francês Serge Moscovici para designar um conjunto de fenômenos e o
conceito que os engloba, assim como a teoria construída para explicá-los.
Através da obra A representação social da psicanálise (1978) — traduzida
da segunda edição francesa, intitulada La psychanalyse – son image et
son public (1976) — Moscovici apresenta um primeiro esboço do conceito
e da teoria das representações sociais.
Logo no prólogo desse trabalho inicial, Moscovici (1978, p. 14) deixa
claro que sua intenção era “redefinir os problemas e os conceitos da
psicologia social a .partir desse fenômeno [da representação social],
insistindo sobre sua função simbólica e seu poder de construção do real”.
Mas apesar de acreditar que as representações sociais são entidades
quase tangíveis, que se fazem fortemente presentes em nosso universo
cotidiano, por meio da fala, do gesto ou de um encontro, admite que “se a
realidade das representações sociais é fácil de apreender, não o é o
conceito” (ibid., p. 41).
Com o intuito de se afastar de uma vertente da psicologia social que
se ocupava basicamente dos processos psicológicos que envolvem um
indivíduo, considerando como foco “vagamente social” a influência que
esse indivíduo possa sofrer de outro indivíduo, Moscovici busca uma
primeira inspiração no conceito de “representação coletiva” da sociologia
de Durkheim (Sá, 1998). Mas, como o conceito de representações
coletivas era utilizado por Durkheim como elemento básico para
elaboração de uma teoria da religião, da magia e do pensamento mítico,
Moscovici considerou essa noção muito abrangente, pois era capaz de
referir-se a diferentes modos de organização social do pensamento, sem
defini-los.
Assim, para dar conta dos fenômenos que pretendia estudar,
Moscovici (2003, p. 198) prefere falar de representações sociais em lugar
de representações coletivas, procurando “romper com as associações que
o termo coletivo tinha herdado do passado e também com as
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interpretações sociológicas e psicológicas que determinaram sua natureza
no procedimento clássico”.
Para Durkheim, a representação coletiva é vivida de maneira
homogênea por todos os membros de um grupo, da mesma forma que
partilham uma língua. Tendo por substrato a sociedade em sua totalidade,
a representação coletiva tem por função preservar o vínculo entre os
membros desse grupo e “prepará-los para pensar e agir de modo
uniforme. Ela é coletiva por isso e também porque perdura pelas gerações
e exerce uma coerção sobre os indivíduos, traço comum a todos os fatos
sociais” (Moscovici, 2001, p. 47).
Mas se na perspectiva de Durkheim a representação indica
prioritariamente “uma ampla classe de formas mentais (ciências, religiões,
mitos, espaço, tempo), de opiniões e de saberes sem distinção” (ibid., p.
47), para Moscovici — ao retomar o estudo das representações, por volta
do início dos anos 60 — a própria noção se modificou, na medida em que
as representações coletivas foram “cedendo lugar” para as representações
sociais. Buscando deixar bem nítido que sua proposta afasta-se da noção
de representação coletiva, Moscovici (ibid., p. 63) afirma que a
representação social “tem um caráter moderno pelo fato de que, em
nossa sociedade, substitui mitos, lendas e formas mentais correntes nas
sociedades tradicionais”. E o autor ainda faz questão de acrescentar que
as representações sociais que lhe interessam
não são nem as das sociedades primitivas, nem as suas
sobreviventes, no subsolo de nossa cultura [...]. Elas são as
de nossa sociedade atual, de nosso solo político, científico,
humano, que nem sempre têm tempo suficiente para se
sedimentar completamente para se tornarem tradições
imutáveis (Moscovici, 2003, p. 48).
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período de existência, ou então, “ancorarem-se” por mais tempo nas
comunicações e interações sociais.
É interessante notar que, além de se formarem a partir das
percepções que o sujeito tem da realidade, as representações também
influem na configuração dessa mesma realidade. Elaboradas e partilhadas
coletivamente, as representações sociais expressam conhecimentos
práticos, do senso comum, constituído em “teorias” sobre saberes
populares, cuja finalidade é a construção e interpretação do real. Dessa
forma, as representações sociais podem ser caracterizadas como
verdadeiras teorias do senso comum, “pelas quais se procede à
interpretação e mesmo à construção das realidades sociais” (Sá, 1998, p.
26).
Segundo Moscovici (2003, p. 203), “as representações sociais têm
como finalidade primeira e fundamental tornar a comunicação, dentro de
um grupo, relativamente não-problemática e reduzir o ‘vago’ através de
certo grau de consenso entre seus membros”. Para isso, é necessário
colocar o conteúdo “estranho”, que se apresenta na representação, em
contato com um conteúdo conhecido, e trazer para o interior de nosso
universo o que se encontra fora dele, transformando o estranho em algo
familiar.
Assim, “a finalidade de todas as representações é tornar familiar
algo não-familiar, ou a própria não-familiaridade” (ibid., p. 54).
Entretanto, ao formarmos representações objetivando nossa
familiarização com o estranho, formamo-nas também para reduzir a
margem de não-comunicação. Ou seja, ao formarmos nossas
representações sociais (de uma teoria científica, de uma noção, de um
objeto etc), estas “são sempre o resultado de um esforço constante de
tornar comum e real algo que é incomum (não-familiar), ou que nos dá
um sentimento de não-familiaridade” (ibid., p. 58).
Transformar palavras, idéias ou seres não-familiares em palavras
comuns próximas e atuais não é tarefa fácil. Para transformar o não-
familiar, dando-lhe uma feição familiar, é necessário um processo de
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pensamento baseado na memória e em conclusões passadas que põem
em funcionamento os dois mecanismos responsáveis pela “familiarização”
e que geram as representações sociais (Moscovici, 2003).
A familiaridade a que Moscovici se refere é conseguida através da
ancoragem, que é “o processo de assimilação de novas informações a um
conteúdo cognitivo-emocional preexistente” (Sawaia, 1995, p. 76) e da
objetivação, que é a transformação de um conceito abstrato em algo
concreto e tangível. Portanto, a ancoragem e a objetivação são os
mecanismos fundamentais, responsáveis pela formação de uma
representação social.
Ou seja, as representações sociais só podem ser adequadamente estudadas,
na medida em que compreendemos como funcionam os mecanismos de
ancoragem e objetivação, responsáveis diretamente pela criação dessas
representações. Os dois
mecanismos transformam o não-familiar em familiar,
primeiramente transferindo-o a nossa própria esfera
particular, onde nós somos capazes de compará-lo e
interpretá-lo, e depois, reproduzindo-o entre as coisas que
nós podemos ver e tocar, e, conseqüentemente, controlar
(Moscovici, 2003, p. 61).
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reações ou avaliações organizam-se de diversas maneiras de acordo com
“as classes, as culturas ou os grupos, e constituem tantos universos de
opinião quantas classes, culturas ou grupos existem” (Moscovici, 1978, p.
67). Assim, não deixamos de considerar em nossa pesquisa, a hipótese
elaborada por Moscovici (1978) de que cada universo de opinião possui
três dimensões, a saber: a atitude, a informação e o campo de
representação (ou imagem). Ao tomarmos as dimensões da representação
como categorias básicas de análise consideradas nesta pesquisa, nos
reportamos, portanto, à caracterização dessas dimensões, elaboradas pelo
próprio Moscovici (1978).
A atitude, primeira dimensão citada, busca “destacar a orientação
global em relação ao objeto da representação social” (ibid., p. 70),
suscitando em todos os sujeitos envolvidos tomadas de posição (atitudes)
determinadas. Essa dimensão nos permite perceber pessoas que são
favoráveis e pessoas que são desfavoráveis ao objeto representado,
admitindo que, entre esses dois extremos, há também atitudes
intermediárias. Assim, enquanto uma tomada de posição do sujeito em
relação ao objeto representado, podemos identificar nas atitudes “os
valores positivos (necessidades sociais, valor científico, conseqüências de
guerra) e os valores negativos” (ibid., p. 71).
A dimensão designada pelo termo informação “relaciona-se com a
organização dos conhecimentos que um grupo possui a respeito de um
objeto social” (ibid., p. 67). E segundo o próprio Moscovici (2003, 1978),
a melhoria das condições de informação sobre esse objeto representado é
diretamente proporcional ao nível de conhecimento que o sujeito tenha
sobre o objeto. Seguindo este raciocínio, infere-se que “quanto maior for o
conhecimento que uma pessoa ou um grupo tenha de uma dada
realidade, mais coerente e próximas do real são as representações sociais
que dela façam” (Moysés, 2001, p. 47).
Na dimensão campo de representação, somos remetidos “à idéia de
imagem, de modelo social, ao conteúdo concreto e limitado das
proposições atinentes a um aspecto preciso do objeto da representação”.
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(Moscovici, 1978, p. 69). No entanto, apesar de o conteúdo das
proposições poder englobar o conjunto representado, isso não quer dizer
que esse conjunto seja ordenado e estruturado. A amplitude do campo de
representação e os pontos que lhe orientam variam muito e englobam
tantos juízos sobre o objeto representado, quanto os tipos de sujeitos que
elaboram representações.
A expressão do conteúdo da representação, que se encontra nas
proposições e imagens dos sujeitos, é tanto menos percebida quanto
maior for a amplitude do campo de representação. Isso nos permite,
freqüentemente, apenas constatar a existência de uma organização
subjacente ao conteúdo.
A convicção no potencial da pesquisa que se utiliza das dimensões
da representação como categoria de análise fica evidente quando
Moscovici (1978, p. 71) admite que “as três dimensões — informação,
campo de representação ou imagem, atitude — de representação social
[...] fornecem-nos uma panorâmica do seu conteúdo e do seu sentido”
que nos permite “formular legitimamente a questão de utilidade dessa
análise dimensional”. Para ele, o argumento da precisão, tão necessário à
abordagem quantitativa, não é decisivo nas pesquisas referentes às
dimensões da representação.
Ao nos propormos estudar a filosofia no ensino médio à luz da
Teoria de Representação Social, balizamos nossa pesquisa pela
perspectiva adotada por essa teoria de que “o social é coletivamente
edificado e o ser humano é construído através do social” (Oliveira; Werba,
1998, p. 111). Assumindo essa postura, não podemos deixar de levar em
consideração que
cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma
função essencial no mundo da produção econômica, cria para
si, ao mesmo tempo, de um modo orgânico, uma ou mais
camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e
consciência da própria função, não apenas no campo
econômico, mas também no social e no político (Gramsci,
1995, p. 3).
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Assim, partimos da proposição de que representações referentes à
filosofia e seu ensino podem veicular valores que interpretam e
reconstroem os fatos reais, de acordo com os interesses de um
determinado grupo social, em detrimento de outro. Por essa razão,
acreditamos que as representações sociais da filosofia no ensino médio
tornam-se objeto de significativa importância à pesquisa em educação.
Não apenas pelas contribuições que podem trazer ao entendimento da
formação e consolidação de conceitos (socialmente veiculados e mantidos
por professores de filosofia), mas também por oferecerem subsídios ao
entendimento dos mecanismos de elaboração desses conceitos e suas
imagens da “realidade” dessa disciplina.
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Partindo desse princípio, podemos inferir que as representações
atribuídas à filosofia podem refletir a visão de mundo da classe
hegemônica, que numa economia capitalista aparece como classe
burguesa. A linguagem utilizada por professores e alunos, ao tratarem
questões referentes à filosofia, reproduz através dos significados das
palavras, os valores associados a práticas sociais que se cristalizaram.
E que práticas sociais são essas que se cristalizaram? Práticas que
em cada momento histórico surgiram numa tentativa de recomposição da
hegemonia burguesa. Se olharmos as diversas tendências pedagógicas
oficiais (pedagogia tradicional, nova e tecnicista) surgidas desde a
Revolução Francesa, quando a burguesia aparece como classe dominante
da sociedade, percebemos que todas elas tiveram o objetivo de recompor
a hegemonia e reproduzir as relações de produção capitalista, com a
colaboração da escola.
Nesse sentido, para compreendermos as representações sociais da
filosofia, manifestadas pelo discurso dos professores, devemos definir a
situação do indivíduo que as produz, no caso o próprio professorado. Pois,
como bem nos lembra Lane (1994, p. 37), “compreender representações
sociais implica, então, conhecer não só o discurso mais amplo, mas a
situação que define o indivíduo que as produz”.
O professor de filosofia precisa dessas representações sociais para
definir sua identidade social, ou seja, os conhecimentos sociais
construídos pelas representações têm por finalidade situá-lo no mundo, na
medida em que esse grupo de profissionais, enquanto intelectuais
“portadores da função hegemônica que exerce a classe dominante na
sociedade” (Mochcovitch, 1992, p. 20), foi criado por essa classe
dominante para lhes dar respaldo na “busca do consentimento ativo e
coletivo das classes sociais em função do projeto hegemônico existente”
(Cury, 1989, p. 113).
O desconhecimento dessa função hegemônica pode levar o professor
a acreditar que exerce sua prática docente para o “bem estar geral da
sociedade”, seguindo inclusive o que estabelece a legislação educacional
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ou os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), muitas vezes sem
qualquer tipo de questionamento. Nesse sentido, não percebem que “leis
burguesas” tem por finalidade legitimar a dominação burguesa, e que
essa legislação “é um veículo adequado à transmissão da ideologia —
enquanto concepção do mundo — para as instituições e práticas
educacionais. Ela serve de ponte entre as concepções ideológicas
dominantes e o aparelho escolar” (Severino, 1986, p. 55).
Na fala dos professores, por vezes transparece essa aceitação
passiva da função hegemônica que lhes é imposta pela burguesia. De
acordo com o discurso docente, os conteúdos ideais para serem
trabalhados nas aulas de filosofia “são os conteúdos definidos pelo Projeto
Político Pedagógico da Unidade Escolar” (Professor 1), ou então, “temas
ligados à cidadania: o trabalho e sua vida” (Professor 2). Segundo Alves
(2003, p. 102), a preocupação em determinar “à filosofia uma dada tarefa
de formatação dos indivíduos, via escola, no sentido de transformá-los em
partícipes da cidadania, considerada como último e eterno horizonte da
humanização”, conforme discurso defendido pelos PCN, pode ser
entendida como um forte indício de que os professores desconhecem que
a eleição de princípios assim realizada acaba por deslocar a
filosofia, o que ocorre também com outras disciplinas
científicas, para um registro diverso daquele característico da
academia e do ensino propedêutico. É uma relação com os
saberes e as disciplinas que, ao menos em tendência, indica
um abandono do exercício destes como intelecção científica
do mundo, em direção a uma preparação genérica da pessoa,
com vistas à sua inserção na ordem social do capital. O saber
como desvelamento das determinações essenciais e
imanentes da realidade se converte então em instrumento de
mera conformação dos indivíduos à forma da sociabilidade e
do político a esta adequada (ibid, p 102-103).
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Bibliografia
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SAWAIA, Bader B. Representação e ideologia: o encontro desfetichizador.
In: SPINK, Mary J. (Org.). O conhecimento no cotidiano. São Paulo:
Brasiliense, 1995. p. 73-84.
SEVERINO, Antonio. Educação, ideologia e contra-ideologia. São Paulo:
EPU, 1986.
SOUZA FILHO, Edson A. Análise de representações sociais. In: SPINK,
Mary (org.). O conhecimento no cotidiano. São Paulo: Brasiliense,
1995. p. 109-145.
TOMAZETTI, Elisete. Filosofia no ensino médio e seu professor: algumas
reflexões. Educação, Santa Maria, v. 27, n. 2, p. 69-75, 2002.
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