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A FILOSOFIA E SEU ENSINO NA ESCOLA PÚBLICA: RESULTADOS

DE UMA PESQUISA EM REPRESENTAÇÃO SOCIAL

Claudio Luis de Alvarenga Barbosa*

Partindo de algumas constatações empíricas iniciais, tivemos


oportunidade de perceber que o professor que leciona filosofia no ensino
médio tem dificuldade para conseguir despertar em seus alunos o
interesse pelo estudo desta disciplina. Apesar de geralmente ocorrer em
apenas uma série desse nível de ensino, a filosofia consegue, nesse curto
espaço de tempo, gerar um certo desconforto entre o corpo discente que
freqüenta as aulas. A partir dessa constatação, intuímos que o que parece
estar em jogo é a elaboração de representações sociais da filosofia no
ensino médio.
Essas representações sociais, muitas vezes impedem que os
professores de filosofia tenham uma visão clara e distinta de sua função
dentro de nossa sociedade, gerando como conseqüência, uma crença
ingênua de que a prática pedagógica pode isentar-se de qualquer
comprometimento político, uma vez que o professor acredita que pode
ministrar aulas “politicamente neutras”. Portanto, ao procurarmos
identificar — através dos sujeitos do processo — representações sociais,
nosso interesse é pensar sobre o ensino de filosofia e seus sentidos
educacionais, discutindo qual o tipo de filosofia que se pretende trabalhar
no ensino médio e para quê fazê-lo. Com os resultados da pesquisa,
acreditamos trazer contribuições aos professores que se ocupam da
filosofia no ensino médio, no interesse de que se consiga compreender a
importância dessa disciplina como fator essencial à formação do aluno.
Assim, podemos também, demonstrar a importância da presença da
filosofia no currículo escolar.

*
Drº em Educação/UFF. Departamento de Educação e Sociedade da UFRRJ

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A Teoria das Representações Sociais
O termo representações sociais foi cunhado pelo psicólogo social
francês Serge Moscovici para designar um conjunto de fenômenos e o
conceito que os engloba, assim como a teoria construída para explicá-los.
Através da obra A representação social da psicanálise (1978) — traduzida
da segunda edição francesa, intitulada La psychanalyse – son image et
son public (1976) — Moscovici apresenta um primeiro esboço do conceito
e da teoria das representações sociais.
Logo no prólogo desse trabalho inicial, Moscovici (1978, p. 14) deixa
claro que sua intenção era “redefinir os problemas e os conceitos da
psicologia social a .partir desse fenômeno [da representação social],
insistindo sobre sua função simbólica e seu poder de construção do real”.
Mas apesar de acreditar que as representações sociais são entidades
quase tangíveis, que se fazem fortemente presentes em nosso universo
cotidiano, por meio da fala, do gesto ou de um encontro, admite que “se a
realidade das representações sociais é fácil de apreender, não o é o
conceito” (ibid., p. 41).
Com o intuito de se afastar de uma vertente da psicologia social que
se ocupava basicamente dos processos psicológicos que envolvem um
indivíduo, considerando como foco “vagamente social” a influência que
esse indivíduo possa sofrer de outro indivíduo, Moscovici busca uma
primeira inspiração no conceito de “representação coletiva” da sociologia
de Durkheim (Sá, 1998). Mas, como o conceito de representações
coletivas era utilizado por Durkheim como elemento básico para
elaboração de uma teoria da religião, da magia e do pensamento mítico,
Moscovici considerou essa noção muito abrangente, pois era capaz de
referir-se a diferentes modos de organização social do pensamento, sem
defini-los.
Assim, para dar conta dos fenômenos que pretendia estudar,
Moscovici (2003, p. 198) prefere falar de representações sociais em lugar
de representações coletivas, procurando “romper com as associações que
o termo coletivo tinha herdado do passado e também com as
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interpretações sociológicas e psicológicas que determinaram sua natureza
no procedimento clássico”.
Para Durkheim, a representação coletiva é vivida de maneira
homogênea por todos os membros de um grupo, da mesma forma que
partilham uma língua. Tendo por substrato a sociedade em sua totalidade,
a representação coletiva tem por função preservar o vínculo entre os
membros desse grupo e “prepará-los para pensar e agir de modo
uniforme. Ela é coletiva por isso e também porque perdura pelas gerações
e exerce uma coerção sobre os indivíduos, traço comum a todos os fatos
sociais” (Moscovici, 2001, p. 47).
Mas se na perspectiva de Durkheim a representação indica
prioritariamente “uma ampla classe de formas mentais (ciências, religiões,
mitos, espaço, tempo), de opiniões e de saberes sem distinção” (ibid., p.
47), para Moscovici — ao retomar o estudo das representações, por volta
do início dos anos 60 — a própria noção se modificou, na medida em que
as representações coletivas foram “cedendo lugar” para as representações
sociais. Buscando deixar bem nítido que sua proposta afasta-se da noção
de representação coletiva, Moscovici (ibid., p. 63) afirma que a
representação social “tem um caráter moderno pelo fato de que, em
nossa sociedade, substitui mitos, lendas e formas mentais correntes nas
sociedades tradicionais”. E o autor ainda faz questão de acrescentar que
as representações sociais que lhe interessam
não são nem as das sociedades primitivas, nem as suas
sobreviventes, no subsolo de nossa cultura [...]. Elas são as
de nossa sociedade atual, de nosso solo político, científico,
humano, que nem sempre têm tempo suficiente para se
sedimentar completamente para se tornarem tradições
imutáveis (Moscovici, 2003, p. 48).

Dentro dessa perspectiva, podemos inferir que para Moscovici, as


representações sociais são típicas das culturas modernas e acompanham o
ritmo dessas culturas. Os meios de comunicação de massa aceleram essa
tendência e as representações sociais podem disseminar-se por toda a
população, ao mesmo tempo em que podem permanecer por um curto

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período de existência, ou então, “ancorarem-se” por mais tempo nas
comunicações e interações sociais.
É interessante notar que, além de se formarem a partir das
percepções que o sujeito tem da realidade, as representações também
influem na configuração dessa mesma realidade. Elaboradas e partilhadas
coletivamente, as representações sociais expressam conhecimentos
práticos, do senso comum, constituído em “teorias” sobre saberes
populares, cuja finalidade é a construção e interpretação do real. Dessa
forma, as representações sociais podem ser caracterizadas como
verdadeiras teorias do senso comum, “pelas quais se procede à
interpretação e mesmo à construção das realidades sociais” (Sá, 1998, p.
26).
Segundo Moscovici (2003, p. 203), “as representações sociais têm
como finalidade primeira e fundamental tornar a comunicação, dentro de
um grupo, relativamente não-problemática e reduzir o ‘vago’ através de
certo grau de consenso entre seus membros”. Para isso, é necessário
colocar o conteúdo “estranho”, que se apresenta na representação, em
contato com um conteúdo conhecido, e trazer para o interior de nosso
universo o que se encontra fora dele, transformando o estranho em algo
familiar.
Assim, “a finalidade de todas as representações é tornar familiar
algo não-familiar, ou a própria não-familiaridade” (ibid., p. 54).
Entretanto, ao formarmos representações objetivando nossa
familiarização com o estranho, formamo-nas também para reduzir a
margem de não-comunicação. Ou seja, ao formarmos nossas
representações sociais (de uma teoria científica, de uma noção, de um
objeto etc), estas “são sempre o resultado de um esforço constante de
tornar comum e real algo que é incomum (não-familiar), ou que nos dá
um sentimento de não-familiaridade” (ibid., p. 58).
Transformar palavras, idéias ou seres não-familiares em palavras
comuns próximas e atuais não é tarefa fácil. Para transformar o não-
familiar, dando-lhe uma feição familiar, é necessário um processo de
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pensamento baseado na memória e em conclusões passadas que põem
em funcionamento os dois mecanismos responsáveis pela “familiarização”
e que geram as representações sociais (Moscovici, 2003).
A familiaridade a que Moscovici se refere é conseguida através da
ancoragem, que é “o processo de assimilação de novas informações a um
conteúdo cognitivo-emocional preexistente” (Sawaia, 1995, p. 76) e da
objetivação, que é a transformação de um conceito abstrato em algo
concreto e tangível. Portanto, a ancoragem e a objetivação são os
mecanismos fundamentais, responsáveis pela formação de uma
representação social.
Ou seja, as representações sociais só podem ser adequadamente estudadas,
na medida em que compreendemos como funcionam os mecanismos de
ancoragem e objetivação, responsáveis diretamente pela criação dessas
representações. Os dois
mecanismos transformam o não-familiar em familiar,
primeiramente transferindo-o a nossa própria esfera
particular, onde nós somos capazes de compará-lo e
interpretá-lo, e depois, reproduzindo-o entre as coisas que
nós podemos ver e tocar, e, conseqüentemente, controlar
(Moscovici, 2003, p. 61).

Partindo do princípio de que as representações sociais são produtos


sociais, parece haver uma grande aceitação, por parte dos pesquisadores
dessa área de que, no estudo dessas representações, devemos sempre
remetê-las ao seu contexto de produção, ou seja, às condições sociais que
as engendraram. Dessa forma, a adequada compreensão das
representações sociais aponta “a necessidade de partir das relações
sociais para compreender como e por que os homens agem e pensam de
determinada maneira, afirmando o caráter histórico da consciência”
(Sawaia, 1995, p. 75).
Em um nível relativamente superficial — no nível em que a
representação social se mostra como um conjunto de proposições
emitidas pelo “coro” coletivo de que cada sujeito faz parte, independente
de sua vontade — ou seja, no nível da opinião pública, as proposições,

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reações ou avaliações organizam-se de diversas maneiras de acordo com
“as classes, as culturas ou os grupos, e constituem tantos universos de
opinião quantas classes, culturas ou grupos existem” (Moscovici, 1978, p.
67). Assim, não deixamos de considerar em nossa pesquisa, a hipótese
elaborada por Moscovici (1978) de que cada universo de opinião possui
três dimensões, a saber: a atitude, a informação e o campo de
representação (ou imagem). Ao tomarmos as dimensões da representação
como categorias básicas de análise consideradas nesta pesquisa, nos
reportamos, portanto, à caracterização dessas dimensões, elaboradas pelo
próprio Moscovici (1978).
A atitude, primeira dimensão citada, busca “destacar a orientação
global em relação ao objeto da representação social” (ibid., p. 70),
suscitando em todos os sujeitos envolvidos tomadas de posição (atitudes)
determinadas. Essa dimensão nos permite perceber pessoas que são
favoráveis e pessoas que são desfavoráveis ao objeto representado,
admitindo que, entre esses dois extremos, há também atitudes
intermediárias. Assim, enquanto uma tomada de posição do sujeito em
relação ao objeto representado, podemos identificar nas atitudes “os
valores positivos (necessidades sociais, valor científico, conseqüências de
guerra) e os valores negativos” (ibid., p. 71).
A dimensão designada pelo termo informação “relaciona-se com a
organização dos conhecimentos que um grupo possui a respeito de um
objeto social” (ibid., p. 67). E segundo o próprio Moscovici (2003, 1978),
a melhoria das condições de informação sobre esse objeto representado é
diretamente proporcional ao nível de conhecimento que o sujeito tenha
sobre o objeto. Seguindo este raciocínio, infere-se que “quanto maior for o
conhecimento que uma pessoa ou um grupo tenha de uma dada
realidade, mais coerente e próximas do real são as representações sociais
que dela façam” (Moysés, 2001, p. 47).
Na dimensão campo de representação, somos remetidos “à idéia de
imagem, de modelo social, ao conteúdo concreto e limitado das
proposições atinentes a um aspecto preciso do objeto da representação”.
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(Moscovici, 1978, p. 69). No entanto, apesar de o conteúdo das
proposições poder englobar o conjunto representado, isso não quer dizer
que esse conjunto seja ordenado e estruturado. A amplitude do campo de
representação e os pontos que lhe orientam variam muito e englobam
tantos juízos sobre o objeto representado, quanto os tipos de sujeitos que
elaboram representações.
A expressão do conteúdo da representação, que se encontra nas
proposições e imagens dos sujeitos, é tanto menos percebida quanto
maior for a amplitude do campo de representação. Isso nos permite,
freqüentemente, apenas constatar a existência de uma organização
subjacente ao conteúdo.
A convicção no potencial da pesquisa que se utiliza das dimensões
da representação como categoria de análise fica evidente quando
Moscovici (1978, p. 71) admite que “as três dimensões — informação,
campo de representação ou imagem, atitude — de representação social
[...] fornecem-nos uma panorâmica do seu conteúdo e do seu sentido”
que nos permite “formular legitimamente a questão de utilidade dessa
análise dimensional”. Para ele, o argumento da precisão, tão necessário à
abordagem quantitativa, não é decisivo nas pesquisas referentes às
dimensões da representação.
Ao nos propormos estudar a filosofia no ensino médio à luz da
Teoria de Representação Social, balizamos nossa pesquisa pela
perspectiva adotada por essa teoria de que “o social é coletivamente
edificado e o ser humano é construído através do social” (Oliveira; Werba,
1998, p. 111). Assumindo essa postura, não podemos deixar de levar em
consideração que
cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma
função essencial no mundo da produção econômica, cria para
si, ao mesmo tempo, de um modo orgânico, uma ou mais
camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e
consciência da própria função, não apenas no campo
econômico, mas também no social e no político (Gramsci,
1995, p. 3).

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Assim, partimos da proposição de que representações referentes à
filosofia e seu ensino podem veicular valores que interpretam e
reconstroem os fatos reais, de acordo com os interesses de um
determinado grupo social, em detrimento de outro. Por essa razão,
acreditamos que as representações sociais da filosofia no ensino médio
tornam-se objeto de significativa importância à pesquisa em educação.
Não apenas pelas contribuições que podem trazer ao entendimento da
formação e consolidação de conceitos (socialmente veiculados e mantidos
por professores de filosofia), mas também por oferecerem subsídios ao
entendimento dos mecanismos de elaboração desses conceitos e suas
imagens da “realidade” dessa disciplina.

As dimensões na representação da filosofia e o discurso de


professores e alunos

Referindo-se à coleta e tratamento de dados relativos à pesquisa em


representações sociais (RS), Souza Filho (1995, p. 115) nos alerta sobre a
necessidade “de saber qual a melhor forma de expressão a ser usada pelo
sujeito para a (re) produção de RS, bem como a respeito da situação mais
adequada para fazê-lo a fim de permitir uma validade maior”. E visando
facilitar o acesso do pesquisador à realidade vivida pelo sujeito, “o ideal
seria usar a forma de linguagem e situação o mais perto possível da
realidade natural onde (e como) o fenômeno ocorre” (ibid., p. 115).
Partindo desse princípio, ao intentarmos discutir a filosofia no ensino
médio através de suas representações sociais, priorizamos o discurso
escrito, por acreditarmos que essa é uma forma de linguagem muito
próxima da realidade natural do local onde buscamos nosso fenômeno, ou
seja, da escola. Para coletarmos o discurso que nos interessava analisar,
fizemos uma consulta sistematizada, através da aplicação de
questionários (de perguntas abertas), em duas escolas de ensino médio
da rede pública estadual do Rio de Janeiro, situadas no município de
Queimados, limitando nossa amostra a 235 (duzentos e trinta e cinco)
elementos. Essa amostra foi formada por alunos que cursavam o primeiro
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ano do ensino médio no ano de 2003, juntamente com seus respectivos
professores de filosofia e os coordenadores pedagógicos dos
estabelecimentos de ensino.
Inicialmente, nossa escolha inspirou-se em um longo período de
convivência profissional com as escolas situadas nesse município.
Podemos apontar como uma segunda razão — conseqüência da anterior —
para a escolha dessa população, a facilidade de acesso aos sujeitos da
pesquisa, gerada pelo bom relacionamento profissional no passado. Dados
estatísticos também foram levados em consideração na escolha da
população. Sendo assim, a constatação do elevado número de matrículas
no ensino médio da rede pública, nos últimos anos, teve um papel
decisivo em nossa escolha pelas duas escolas citadas.
Em princípio, nossa pesquisa não objetivou a generalização dos
resultados obtidos, mas apenas admitiu o princípio da transferibilidade. Ou
seja,
a possibilidade de aplicação dos resultados a um outro
contexto dependerá das semelhanças entre eles e a decisão
sobre essa possibilidade cabe ao “consumidor potencial”, isto
é, a quem pretende aplicá-los em um contexto diverso
daquele no qual os dados foram gerados (Alves-Mazzotti;
Gewandsznajder, 1998, p. 174).

Ao pretendermos identificar representações sociais da filosofia,


analisando o discurso de coordenadores pedagógicos, professores e alunos
do ensino médio, lembramos que a análise do discurso “nos coloca em
estado de reflexão” para que não tenhamos a “ilusão de sermos
conscientes de tudo”, e pelo “menos sermos capazes de uma relação
menos ingênua com a linguagem” (Orlandi, 1999, p. 11). A linguagem
“reproduz através dos significados das palavras [...] os valores associados
a práticas sociais que se cristalizaram; [...] reproduz uma visão de
mundo” (Lane, 1994, p. 32).
Assim, a análise das dimensões da representação da filosofia
permite sublinhar também, a observação de semelhanças predominantes
nos três grupos entrevistados das duas escolas pesquisadas. A atitude
(julgamento de valor do objeto representado), a informação (organização
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do conhecimento que o grupo possui) e o campo de representação
(proposições e imagens dos sujeitos, atinentes ao objeto), enquanto
dimensões da representação, aparecem como categorias básicas de
análise consideradas nesta pesquisa.
Ao tomarmos as dimensões da representação como categorias de
análise, procuramos fazer uma descrição minuciosa do universo de opinião
dos sujeitos da pesquisa, identificando fatores das condições de produção
do discurso, com atenção especial as suas contradições. A partir dessas
categorias básicas, classificamos os dados coletados por afinidades de
idéias, para que pudéssemos, a partir disso, passar a uma interpretação
referencial levando-se em consideração as representações sociais da
filosofia no ensino médio.
Dentre as possíveis interpretações do papel das representações
sociais, destacamos a corrente que surge da dialética marxista. Em Marx,
“a produção de idéias, de representações, da consciência, está, de início,
diretamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio
material dos homens” (Marx; Engels, 1986, p. 36). Por outro lado, se “as
idéias dominantes de uma época sempre foram as idéias da classe
dominante” (Marx; Engels, 1993, p. 85), a manifestação da consciência
através da linguagem da vida real, mostra-nos como as idéias estão
comprometidas com as condições de classe.
Para esses autores, a consciência é um produto social: não são as
idéias que determinam o comportamento do homem, mas a forma com
que os homens participam da produção de bens é que determina seus
pensamentos e ações, ou ainda, sua consciência. A despeito de
considerarem a consciência como categoria principal para tratar das
idéias, para Marx e Engels as representações estão vinculadas à prática
social, pois “a classe que tem a sua disposição os meios de produção
material dispõe, ao mesmo tempo, dos meios de produção espiritual [...].
As idéias dominantes nada mais são do que a expressão ideal das relações
materiais dominantes” (ibid., p. 36).

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Partindo desse princípio, podemos inferir que as representações
atribuídas à filosofia podem refletir a visão de mundo da classe
hegemônica, que numa economia capitalista aparece como classe
burguesa. A linguagem utilizada por professores e alunos, ao tratarem
questões referentes à filosofia, reproduz através dos significados das
palavras, os valores associados a práticas sociais que se cristalizaram.
E que práticas sociais são essas que se cristalizaram? Práticas que
em cada momento histórico surgiram numa tentativa de recomposição da
hegemonia burguesa. Se olharmos as diversas tendências pedagógicas
oficiais (pedagogia tradicional, nova e tecnicista) surgidas desde a
Revolução Francesa, quando a burguesia aparece como classe dominante
da sociedade, percebemos que todas elas tiveram o objetivo de recompor
a hegemonia e reproduzir as relações de produção capitalista, com a
colaboração da escola.
Nesse sentido, para compreendermos as representações sociais da
filosofia, manifestadas pelo discurso dos professores, devemos definir a
situação do indivíduo que as produz, no caso o próprio professorado. Pois,
como bem nos lembra Lane (1994, p. 37), “compreender representações
sociais implica, então, conhecer não só o discurso mais amplo, mas a
situação que define o indivíduo que as produz”.
O professor de filosofia precisa dessas representações sociais para
definir sua identidade social, ou seja, os conhecimentos sociais
construídos pelas representações têm por finalidade situá-lo no mundo, na
medida em que esse grupo de profissionais, enquanto intelectuais
“portadores da função hegemônica que exerce a classe dominante na
sociedade” (Mochcovitch, 1992, p. 20), foi criado por essa classe
dominante para lhes dar respaldo na “busca do consentimento ativo e
coletivo das classes sociais em função do projeto hegemônico existente”
(Cury, 1989, p. 113).
O desconhecimento dessa função hegemônica pode levar o professor
a acreditar que exerce sua prática docente para o “bem estar geral da
sociedade”, seguindo inclusive o que estabelece a legislação educacional
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ou os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), muitas vezes sem
qualquer tipo de questionamento. Nesse sentido, não percebem que “leis
burguesas” tem por finalidade legitimar a dominação burguesa, e que
essa legislação “é um veículo adequado à transmissão da ideologia —
enquanto concepção do mundo — para as instituições e práticas
educacionais. Ela serve de ponte entre as concepções ideológicas
dominantes e o aparelho escolar” (Severino, 1986, p. 55).
Na fala dos professores, por vezes transparece essa aceitação
passiva da função hegemônica que lhes é imposta pela burguesia. De
acordo com o discurso docente, os conteúdos ideais para serem
trabalhados nas aulas de filosofia “são os conteúdos definidos pelo Projeto
Político Pedagógico da Unidade Escolar” (Professor 1), ou então, “temas
ligados à cidadania: o trabalho e sua vida” (Professor 2). Segundo Alves
(2003, p. 102), a preocupação em determinar “à filosofia uma dada tarefa
de formatação dos indivíduos, via escola, no sentido de transformá-los em
partícipes da cidadania, considerada como último e eterno horizonte da
humanização”, conforme discurso defendido pelos PCN, pode ser
entendida como um forte indício de que os professores desconhecem que
a eleição de princípios assim realizada acaba por deslocar a
filosofia, o que ocorre também com outras disciplinas
científicas, para um registro diverso daquele característico da
academia e do ensino propedêutico. É uma relação com os
saberes e as disciplinas que, ao menos em tendência, indica
um abandono do exercício destes como intelecção científica
do mundo, em direção a uma preparação genérica da pessoa,
com vistas à sua inserção na ordem social do capital. O saber
como desvelamento das determinações essenciais e
imanentes da realidade se converte então em instrumento de
mera conformação dos indivíduos à forma da sociabilidade e
do político a esta adequada (ibid, p 102-103).

Se “a finalidade de toda as representações é tornar familiar algo


não-familiar, ou a própria não-familiaridade” (Moscovici, 2003, p. 54), a
preocupação dos professores em inserir os alunos na ordem social pode
estar refletindo a tentativa desses professores de “familiarização do não-
familiar”. A tentativa de familiarização com o estranho, também pode ser
identificada nas posturas docentes que adotam como conteúdo exclusivo
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da filosofia a própria “história da filosofia como centro” ou os “temas
banalizados”, gerando uma prática pedagógica desvinculada do contexto
sócio-econômico dos alunos freqüentadores das escolas estudadas.
Ao formarmos nossas representações sociais, estas “são sempre o
resultado de um esforço constante de tornar comum e real algo que é
incomum (não-familiar), ou que nos dá um sentimento de não-
familiaridade” (ibid., p. 58). Nesse contexto, o não familiar para o
professor de filosofia é a própria dinâmica de reprodução das relações de
produção capitalista. Se o não-familiar para o professorado de filosofia é a
própria dinâmica capitalista, será através da ancoragem e da objetivação
que esse grupo de indivíduos criará representações para “familiarizar-se”
com essa realidade capitalista, numa espécie de elaboração de
“conhecimentos de segunda mão” (Moscovici, 2003, 1978) dos
“conhecimentos científicos” propostos pela burguesia.
Ou seja, o professor de filosofia, principal articulador das
representações sociais dessa disciplina, parece não perceber que para
garantir a reprodução dos meios de produção, o capitalismo precisa
garantir também a reprodução da força de trabalho. E a reprodução da
força de trabalho é realizada pela escola (e por outras instituições que não
estão diretamente ligadas à produção) por meio da qualificação dos
trabalhadores e da submissão à ideologia dominante, que camufla os reais
interesses da classe burguesa, apresentando esses interesses “como
sendo a explicação verdadeira do mundo, correspondente, portanto, aos
interesses de todos os homens” (Severino, 1986, p. 10).
Na tarefa atribuída à filosofia de — via escola — transformar os
indivíduos em partícipes da cidadania, percebemos uma certa influência
do que se convencionou chamar pedagogia tecnicista. Essa influência
aparece na crença da neutralidade científica, presente tanto na pedagogia
tecnicista, quanto na preocupação de conformar os indivíduos à ordem
social do capitalismo.
Lembrando que a ancoragem é o processo de assimilação de novas
informações a um conteúdo cognitivo-emocional preexistente, esses
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princípios tecnicistas “ancoram-se” ao ideal de enciclopedismo, erudição e
valorização do pensamento europeu (Aranha, 1998), que caracterizam a
pedagogia tradicional em filosofia. E, paradoxalmente, ancoram-se ainda à
preocupação com os aspectos psicológicos do aluno, tendendo à
espontaneidade e ao não-diretivismo pedagógico. Ou seja, as “novas
informações” trazidas pela pedagogia tecnicista ancoram-se (assimilam-
se) às características, já “digeridas” pelos professores, da pedagogia
tradicional e nova.
Para completar essa “familiarização”, lança-se mão da objetivação,
processo pelo qual temos a transformação de um conceito abstrato em
algo concreto e tangível. Ou seja, ao invés de entender o complexo papel
da escola na estruturação social capitalista, o professor de filosofia
transforma essa complexidade em fenômenos que lhe seja mais familiar.
Dessa forma, procura entender a relação escola-sociedade a partir dos
valores típicos da pedagogia tradicional (tais como gosto pelo verbalismo,
memorização e “enciclopedismo”), ou ainda, da pedagogia da “escola
nova”, reduzindo as aulas de filosofia a pseudo-debates de temas da
moda (virgindade, sexo, drogas etc), mas sem o viés filosófico.
Devemos lembrar que as representações se formam a partir das
percepções que o sujeito tem da “realidade”, mas também influem na
configuração dessa mesma “realidade”. E inserir a filosofia no tempo
presente também pode ser algo estranho ou não familiar para o filósofo,
pois na história da filosofia, muitas vezes ela esteve “desligada” do seu
próprio tempo. E a escola, por influência das pedagogias críticas, cada vez
mais reclama para si uma inserção social, uma contextualização em seu
tempo presente. No entanto, historicamente, o filósofo não é preparado
para fazer essa “ponte” entre escola e sociedade, e em alguns casos, nem
mesmo para trabalhar na escola. Parafraseando Tomazetti (2002), pensar
filosoficamente a relação entre escola e sociedade pode ser muito difícil
para um professor de filosofia que não tome para si mesmo a filosofia
como um exercício de reflexão constante.

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