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Sumário

Defesa Profissional Seções


iv Carta do Presidente da SOCESP
Otávio Rizzi Coelho
v Carta do Editor Convidado
vi Eventos
Editor Convidado: Miguel Moretti viii Normas para Publicação

Artigos de Atualização

281 O papel e as ações das entidades 311 Defesa Profissional nas Sociedades de
médicas nacionais Especialidades Médicas
The role and the actions of the national Medical Specialist Association and
medical entities Professional Defense
ELEUSES VIEIRA DE PAIVA, JORGE CARLOS MACHADO CURI
EDUARDO DA SILVA VAZ
315 O ato médico em Cardiologia e suas
292 Honorários médicos e políticas de saúde interfaces
Professional remuneration and health politics The medical act in Cardiology and its
FLORISVAL MEINÃO interfaces
JOSÉ HENRIQUE ANDRADE VILA
296 Cooperativas médicas
Medical cooperative system 319 Prontuário do paciente: o papel na defesa
EMILIO CÉSAR ZILLI profissional do médico
Medical record: the paper in the professional
301 Avaliação da competência médica – defense
reflexão crítica MAX GRINBERG
Assessment of medical competency – critical
evaluation 328 Instalação do processo ético: o processo
BRÁULIO LUNA FILHO de julgamento
Initiation of ethics proceedings: the trial
306 A especialização profissional process
The professional specialization in Cardiology KRIKOR BOYACIYAN
JOÃO FERNANDO MONTEIRO FERREIRA,
MIGUEL ANTONIO MORETTI 332 Responsabilidade legal do médico —
civil, penal e administrativa
Legal responsibility of the professional of
health – civil, penal, and administrative
JOSÉ MARCELO MARTINS PROENÇA

Edição Anterior: O Coração, Esporte e Exercício Físico – II


Editor Convidado: Nabil Ghorayeb

Próxima Edição: Atualização em Cardiologia Invasiva


Editor Convidado: Marco Antonio Perin

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 iii
Carta do Nesta edição da Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, a Di-
retoria de Publicações da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo – SOCESP
optou pelo tema “Defesa Profissional” e convidou o Dr. Miguel Moretti para coordenação
Presidente dos artigos. Esse tema, embora venha merecendo, atualmente, bastante atenção da
classe médica, muitas vezes é pouco entendido pelos médicos, inclusive cardiologistas.
da SOCESP
A Diretoria da SOCESP agradece o distinto trabalho do Dr. Miguel Moretti, que conse-
guiu selecionar os pontos mais relevantes para o entendimento da essência da defesa
profissional, com destaque para a atualização da Classificação Brasileira Hierarquizada
e do de Procedimentos Médicos e para a importância do Título de Especialista em Cardio-
logia. Ao todo são dez capítulos escritos por colegas de renome de várias instituições
Diretor de Pub- do Estado de São Paulo.
A Diretoria da SOCESP, aproveitando este meio de comunicação, traz quatro notícias
para seus associados. Em primeiro lugar, a SOCESP está muito satisfeita com a eleição de
licações seu ex-presidente, Dr. Antonio Carlos Palandri Chagas, para a Presidência da Sociedade
Brasileira de Cardiologia (SBC), no biênio 2008/2009. No website www.apoiochagas.com.
br, o Dr. Chagas faz um agradecimento a seus eleitores: “A eleição da SBC para o biênio
2008/2009 chegou ao fim e nossa chapa foi eleita com 55,4% dos votos. Em nome de
todos os componentes de nossa futura Diretoria, faço questão de agradecer a você e a
todos os especialistas brasileiros pela participação efetiva, que só veio a legitimar esse
processo e a engrandecer nossa Cardiologia”. O Dr. Chagas contará com o apoio dos
colegas de São Paulo, com a certeza de que seu trabalho será competente e acolhedor,
como o realizado como Presidente da SOCESP, no biênio 2001/2003. Mais detalhes da
eleição podem ser obtidos no website da SBC www.cardiol.br.
Outra notícia refere-se ao XIII Curso Nacional de Reciclagem em Cardiologia SBC/
SOCESP, realizado nos dias 9 a 13 de julho de 2005. É a segunda atividade científica
da SOCESP, da qual participaram mais de 900 colegas nas 82 aulas do curso. Este ano,
o coordenador foi novamente o Dr. Rui F. Ramos, Diretor Científico da SOCESP, biênio
Otávio Rizzi Coelho 2004/2005. Assim, como o congresso anual, o curso é um dos pontos altos da progra-
mação científica da SOCESP e é desejo da atual Diretoria sempre aprimorar a dinâmica
Biênio 2004/2005 do curso. Pretendemos algumas novidades para o próximo curso, com o intuito de
proporcionar maior proveito científico aos participantes.
A terceira notícia é sobre o livro “Tratado de Cardiologia SOCESP”, sobre o qual
temos duas novidades. A primeira é que sua venda tem sido um sucesso, e desde seu
lançamento já foram vendidos cerca de três mil exemplares. A segunda é que vai ser
lançada a complementação do livro durante o 60º Congresso da SBC, que será realizado
nos dias 18 a 21 de setembro de 2005, em Porto Alegre: o CD-ROM “Atlas do Tratado de
Cardiologia SOCESP”, que disponibilizará todas as ilustrações (mais de 700) para que os
colegas possam utilizá-las no preparo de aulas.
A quarta e última notícia refere-se à nova Diretoria da SOCESP para o biênio 2006/2007:
Presidente – Bráulio Luna Filho (São Paulo/SP); Vice-Presidente – Ari Timerman (São
Paulo/SP); 1º Secretário – Ibraim Masciarelli Pinto (São Paulo/SP); 2º Secretário – Ieda
Biscegli Jatene (São Paulo/SP); 1º Tesoureiro – João Nelson Rodrigues Branco (São Pau-
lo/SP); 2º Tesoureiro – Miguel Antonio Moretti (São Paulo/SP); Diretor de Publicações
– Edson Stefanini (São Paulo/SP); Diretor de Regionais – Marcio Jansen de O. Figueiredo
(Campinas/SP); Diretor Científico – Fernando Nobre (Ribeirão Preto/SP); Assessor de Infra-
Estrutura – Carlos Vicente Serrano Jr. (São Paulo/SP); Assessor de Informática – Moacir
Fernandes Godoy (São José do Rio Preto/SP); Assessor de Defesa Profissional – José
Henrique A. Vila (São Paulo/SP). A atual Diretoria deseja ao Dr. Bráulio Luna Filho e sua
Diretoria uma gestão repleta de realizações e sucessos, como tem sido a nossa!
Desejamos a nossos associados uma boa leitura. Temos certeza de que o material
coordenado pelo Dr. Miguel Moretti vai ser muito útil na atualização dos avanços nessa
área. Aproveitamos a oportunidade para anunciar o tema da próxima edição da Revis-
ta da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo: “Atualização em Cardiologia
Invasiva”, sob a coordenação do Dr. Marco Antonio Perin.
Otávio Rizzi Coelho
Presidente da SOCESP
Biênio 2004/2005
Carlos V. Serrano Jr.
Diretor de Publicações da SOCESP

iv Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005


Carta do Ter a oportunidade de participar e colaborar com a Revista da Sociedade de
Cardiologia do Estado de São Paulo é uma honra e uma grande responsabilidade.
Principalmente com um tema que envolve a prática e o exercício da profissão médica,
Editor relacionada a aspectos que vão da postura do médico diante da sociedade, passando
pela sua formação, até as questões envolvidas com aspectos éticos e legais. Apesar dos
Convidado muitos assuntos que poderiam ser abordados, procuramos selecionar aqueles que no
momento sociopolítico de nosso país seriam mais relevantes.
Colocamos nesta edição um pouco da experiência adquirida ao longo de nosso
trabalho na Comissão Julgadora do Título de Especialista da SBC/AMB (1998-2003) e
na Assessoria de Defesa Profissional da SOCESP (2004-2005). Nessas oportunidades,
pudemos desenvolver conceitos que não são totalmente novos ou inéditos, mas que
não eram lembrados ou aplicados. Dessa forma, para esta edição da Revista da Socie-
dade de Cardiologia do Estado de São Paulo, trouxemos um pouco dessa experiência,
relatada e descrita por especialistas no assunto ou por aqueles que precisaram estudar
e se aprofundar nessas questões. Como essa experiência foi desenvolvida por meio de
aprendizado, muitos dos artigos apresentados possuem apenas a referência da vivência
e da grande experiência de cada um de seus autores. Alguns utilizaram, além da ex-
periência pessoal, uma linguagem mais específica, mas que precisa ser entendida por
nós. Sabemos que o leitor poderá aprender e refletir muito sobre cada um dos temas,
os quais estão longe de terem sido esgotados pelos autores.
Dando seqüência ao trabalho iniciado na edição publicada em novembro/dezembro
de 2002, reunimos as opiniões de colegas sobre assuntos com grande influência no
mercado de trabalho do médico. Temas que vão desde a formação até sua capacitação
e como se envolver e se relacionar com as questões de direito ético e civil aos quais
estamos sujeitos. Não podemos deixar para pensar a respeito de determinados assuntos
somente quando formos atingidos por um problema ou quando devemos responder
algumas questões.
Procuramos retratar um pouco do dia-a-dia do médico dentro do que entendemos
por Defesa Profissional. Na realidade, seria mais adequado utilizar Qualidade Assisten-
cial, termo mais amplo e que engloba alguns aspectos relacionados com a formação
do médico, sua capacitação, qualificação e exercício profissional. Desejamos uma boa
leitura e desde já nos colocamos à disposição para eventuais discussões ou trocas de
experiência.
Miguel Moretti
Editor Convidado

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O PAPEL E AS AÇÕES DAS ENTIDADES
PAIVA EV e col. MÉDICAS NACIONAIS
O papel e as ações
das entidades
médicas nacionais
ELEUSES VIEIRA DE PAIVA, EDUARDO DA SILVA VAZ

Associação Médica Brasileira


Disciplina de Medicina Nuclear –
Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto – SP
Sociedade Brasileira de Pediatria
COREME HGNI – Hospital Geral Nova Iguaçu

Endereço para correspondência: Associação Médica Brasileira –


Rua São Carlos do Pinhal, 324 – Bela Vista – CEP 01333-903 – São Paulo – SP

O papel e as ações das entidades médicas nacionais (Associação Médica Brasi-


leira – AMB, Conselho Federal de Medicina – CFM, Federação Nacional dos Médi-
cos – FENAM) têm sido de fundamental importância para garantia de medicina de
melhor qualidade à população brasileira e de melhor relacionamento entre os profis-
sionais médicos em nosso país. A AMB e o CFM, por meio das resoluções CFM
1634/2002, 1666/2003 e 1775/2044, disciplinaram e fortaleceram a qualificação pro-
fissional pelas especialidades. A construção e a luta pela implantação da Classifica-
ção Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos têm unido toda a categoria
médica brasileira, passando pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e
pelo Congresso Nacional. As diretrizes, instrumento de qualificação sem interferên-
cia da indústria e do mercado comprador de serviços médicos, com cerca de 140 já
produzidas e mais de 40 a serem concretizadas, têm reconhecimento internacional.
As ações desenvolvidas para conter a abertura indiscriminada de escolas médicas,
por meio de fóruns, documentos e ações tanto judiciais como no Congresso Nacio-
nal, são marca constante nesta década. A preocupação dos médicos, por meio de
entidades, com a maioria da população que utiliza o sistema público de saúde, se
fez presente na aprovação da PEC 29 e na garantia constitucional de seu cumpri-
mento. E finalmente a luta árdua em todos os fóruns para aprovar o PL 25/2002, a
Lei do Ato Médico, tem demonstrado aos médicos e à sociedade, de maneira clara,
que nossas entidades estão trabalhando em prol de uma sociedade melhor.

Palavras-chave: política de saúde, papel do médico, Conselhos de Especialidade


Profissional, escolas médicas, Diretrizes para a Prática Clínica.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:281-91)


RSCESP (72594)-1540

O Brasil, atualmente, possui três segmentos de en- A AMB, associação sem fins lucrativos, foi fundada
tidades médicas nacionais que se ramificam nos esta- em 26 de janeiro de 1951 e tem como missão lutar
dos: Associação Médica Brasileira (AMB), Conselho Fe- pela defesa dos interesses da categoria médica. O sis-
deral de Medicina (CFM) e Federação Nacional dos tema associativo da AMB é formado por 27 associa-
Médicos (FENAM). ções médicas filiadas, no Distrito Federal e nas demais

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unidades da Federação. dos títulos de especialistas e de áreas de atuação e
Também fazem parte da cria a Comissão Nacional para elaborar normas e re-
AMB as associações mé- gulamentos para esse fim, além de coordenar a emis-
PAIVA EV e col. dicas de especialidades, são dos certificados de revalidação.
O papel e as ações que constituem seu con- De fundamental importância é a Classificação Bra-
das entidades selho científico. Seu papel sileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos
médicas nacionais
é defender a categoria (CBHPM), construída com a participação do CFM e da
médica nos terrenos cien- FENAM, que integram, com a AMB, a Comissão Naci-
tífico, ético, social, econô- onal de Honorários Médicos. A CBHPM é o resultado
mico e cultural, e contribuir de um trabalho árduo dos médicos brasileiros, com fun-
para a elaboração da polí- damentação científica da Fundação Instituto de Pes-
tica de saúde e para o quisa Econômica (FIPE). A decisão de construir esse
aperfeiçoamento do sistema médico assistencial do novo referencial surgiu durante o planejamento estra-
país tanto no público como no privado. Uma de suas tégico da AMB, em março de 2000, em São Paulo, com
mais importantes funções é a de orientar a população a participação de todo o segmento associativo, da di-
nos problemas relacionados à atenção à saúde(1). retoria da AMB, das Federadas da AMB, e da diretoria
O CFM e seus respectivos conselhos regionais, em das Associações de Especialidades Científicas. A Lis-
número de 27 distribuídos no Distrito Federal e demais ta de Procedimentos Médicos teria uma base científica
unidades da Federação, têm a atribuição constitucio- e seus procedimentos seriam hierarquizados, a fim de
nal de fiscalização e normatização da prática médica. que todos guardassem entre si uma relação justa en-
Criado em 1951, tem a responsabilidade de fazer o tre as várias especialidades, que valorizasse o ato
registro profissional do médico e de aplicar sanções do médico. A FIPE foi escolhida entre três empresas que
código de ética médica. Hoje, o CFM exerce papel po- apresentaram propostas ao Conselho Científico da
lítico na sociedade, atuando na defesa da saúde da AMB. O modelo desenvolvido foi aprovado após teste
população e dos interesses da corporação médica(2). piloto com atos médicos clínicos, cirúrgicos e de Servi-
A FENAM, entidade sindical de grau superior abran- ço de Apoio de Diagnóstico e Tratamento. As especia-
gendo todo o território nacional, com cerca de 54 sindi- lidades escolhidas foram Nefrologia, Ginecologia e
catos filiados, tem a atribuição de fazer a defesa sindi- Obstetrícia, e Radiologia, tendo como base o tempo
cal dos médicos(3). do procedimento (pré, intra e pós), a cognição, a habi-
O título de especialista é a mais importante contri- lidade (complexidade) e o risco.
buição da AMB à sociedade. Sua finalidade é a qualifi- O trabalho inicial de confecção da primeira apre-
cação dos profissionais que ingressam no mercado de sentação da CBHPM durou cerca de 40 meses, e, nes-
trabalho, valorizando o profissional que o possua e sa fase, a participação de todas as Associações de Es-
garantindo à população assistida melhor qualidade de pecialidades foi fundamental, tendo sido assessoradas
medicina. Os títulos são emitidos após rigorosa avalia- pelos técnicos da FIPE. Ao término, a CBHPM deixou
ção do conhecimento e do desempenho profissional, de ser uma tabela de especialidades para tornar-se uma
feita pelas Associações Médicas de Especialidades, Lista de Procedimentos Médicos organizada em qua-
conforme normas estabelecidas pela AMB e reconhe- tro grandes capítulos: Procedimentos Clínicos Ambu-
cidas pelo CFM. latoriais, Procedimentos Clínicos Hospitalares, Proce-
Na última década, o trabalho conjunto da AMB e do dimentos Cirúrgicos e Invasivos, e Procedimentos de
CFM na Comissão Mista de Especialidades, em con- SADT. Sua hierarquização foi agrupada em 14 portes
junto com a Comissão Nacional de Residência Médica e 3 subportes (A, B e C), de acordo com o método
do Ministério de Educação e Cultura, reformulou o sis- científico, de maneira que, no porte 1 A, o de menor
tema de especialização em nosso país, com grande valor, ficaram, entre outros, a eletrocardiografia de re-
proveito para os profissionais. Esse trabalho conjunto pouso, a remoção de cerume e a coleta de fluxo papi-
unificou a nomenclatura das especialidades médicas e lar da mama, e no porte 14 C, o de maior valor, foram
consagrou as áreas de atuação por meio de resolu- contemplados o transplante cardiopulmonar e o trans-
ções emitidas pelo CFM de números 1634/2002 (4) e plante hepático, incluindo o doador e o receptor. Foi
1666/2003(5). utilizado como critério para valorar os portes a evolu-
As Especialidades têm a responsabilidade de pro- ção dos índices inflacionários do período de agosto de
mover concursos para que a AMB outorgue Títulos de 1994 a abril de 2003, com a média dos quatro índices
Especialistas. A preocupação com a qualidade da me- reconhecidos pelo mercado financeiro: IGPM-FGV, ICV-
dicina desencadeou debates no CFM, na AMB e nas DIEESE, IPC-FIPE, e INPC-IBGE. Durante o Encontro
Especialidades, culminando com a publicação da re- Nacional das Entidades Médicas (ENEM), realizado em
solução CFM 1775/2004(6), que institui a revalidação maio de 2004, em Brasília, o conjunto dos médicos re-

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presentantes das três en- da última década, viram seus honorários serem signifi-
tidades nacionais aprovou cativamente reduzidos.
o método de valoração e Não faltaram gestões das três entidades nacionais
PAIVA EV e col. a variação das bandas (AMB, CFM e FENAM) diante da ANS para compatibi-
O papel e as ações para adequar a CBHPM às lizar o Rol de Procedimentos da ANS com a CBHPM,
das entidades diferentes realidades eco- pois legalmente é a Agência responsável por publicar
médicas nacionais
nômicas do país(7). Após o Rol. No dia 29 de setembro de 2004, a ANS publicou
essa decisão histórica, o a Resolução Normativa nº 82(9), que estabelece o Rol
CFM publicou, em 7 de de Procedimentos como a referência básica para a
agosto de 2003, a Reso- cobertura assistencial nos planos privados de assis-
lução CFM nº 1673/ tência à saúde, contratados a partir de 1º de janeiro de
2003(8), que adota como 1999. Apesar do compromisso assumido com as enti-
padrão mínimo e ético de remuneração para o Siste- dades médicas em compatibilizar o novo Rol com a
ma Suplementar de Saúde, com cerca de 38 milhões CBHPM, a publicação dessa Resolução ocasionou
de usuários, a CBHPM, incluindo suas instruções ge- grande frustração, e vários procedimentos novos, que
rais e valores. No seu artigo segundo, os valores dos beneficiariam os usuários, não foram incluídos, fazen-
portes de procedimentos deverão ser determinados do com que mais uma vez a ANS perdesse a oportuni-
pelas entidades médicas nacionais, por intermédio da dade de avançar. A Agência comprometeu-se a criar
Comissão Nacional de Honorários Médicos, e as vari- câmaras para a introdução dos novos procedimentos.
ações dentro das bandas determinadas nacionalmen- Independentemente da postura da ANS, as entidades
te (20%) serão decididas pelas Comissões Estaduais médicas nacionais vêm lutando arduamente para a
ou Regionais de Honorários Médicos, levando-se em implantação da Classificação.
conta as particularidades de cada local. Em 1º de agosto Foi criada, pelo Conselho Deliberativo da AMB e do
de 2003, foram publicados, pela Comissão Nacional CFM, a Comissão Nacional de Implantação da CBHPM
de Honorários Médicos, os valores dos portes e da (CNI), com representantes de todo o segmento médi-
Unidade de Custo Operacional (UCO), que incorpora co, coordenada pelo 1º Vice-Presidente da AMB, Dr.
depreciação de equipamentos, manutenção de mobili- Lincoln Marcelo Silveira Freire. Imediatamente foram
ário, imóvel, aluguéis, folha de pagamento, etc. Os va- ativadas ou criadas Comissões Estaduais e/ou Regio-
lores dos atos anestésicos foram classificados em por- nais para a implantação, em todo o território nacional,
tes de 0 a 8, em que o porte A N (anestésico) 0 refere- da CBHPM, tendo sido criado o informativo “Mobiliza-
se aos procedimentos médicos que não necessitam da ção”(10). Atualmente há acordos com a UNIDAS em 20
participação do anestesiologista. Estados da Federação e em 8 regionais. No sistema
Vários segmentos médicos estiveram presentes no UNIMED, 30 singulares já se comprometeram a implan-
lançamento oficial da CBHPM, em 15 de julho de 2003, tar, enquanto no sistema da medicina de grupo
em Vitória, no Espírito Santo. Essa capital foi escolhida (ABRAMGE) 85 empresas em 19 Estados já acorda-
por ter conseguido aprovar uma lei que garantia aos ram a implantação. Existe paralisação do atendimento
médicos determinar o valor de seu trabalho. Durante aos usuários das seguradoras em 19 Estados(10). Vári-
todo o processo de construção da CBHPM, a AMB as outras ações têm sido desenvolvidas, entre elas o
procurou quatros segmentos da medicina suplemen- esforço pela aprovação ao substitutivo do PL 3466/
tar (UNIMED – Cooperativa de Trabalho Médico, 2004(11) do Deputado Inocêncio Oliveira, cujo relator é
FENASEG – Federação Nacional das Segurado- o Deputado Rafael Guerra, pois, apesar do compro-
ras, ABRAMGE – Associação Brasileira de Medicina misso do Presidente da Câmara Federal, Deputado
de Grupo, UNIDAS – União Nacional das Auto-Ges- João Paulo Cunha, em junho de 2004, em Brasília,
tões), além da ANS (Agência Nacional de Saúde Su- durante a manifestação em que mais de mil médicos
plementar), para a discussão da implantação da compareceram à Câmara Federal, de que “a Câmara
CBHPM no território nacional. Em nenhum momento a assume o compromisso de se empenhar na busca por
qualidade técnica foi questionada, e foi considerada um uma solução para o conflito entre médicos e operado-
avanço. Infelizmente esse posicionamento não se con- ras, pois é evidente a discrepância entre os envolvidos
cretizou em ação, e os médicos brasileiros têm enfren- nesse setor”(12), esse projeto somente deverá ir a ple-
tado grandes dificuldades para sua implantação, que, nário após o dia 15 de fevereiro. Outra ação diz respei-
sem dúvida, traria benefícios incalculáveis para os usu- to à Resolução Normativa da ANS nº 71, de 17 de março
ários do Sistema Suplementar de Saúde. As “listas” ou de 2004(13), que estabelece os requisitos dos instrumen-
“tabelas” utilizadas atualmente apresentam defasagem tos jurídicos a serem firmados entre as operadoras de
de dez anos, além de acarretarem prejuízos de ordem planos privados de assistência à saúde e profissionais
econômico-financeira para os médicos, que, ao longo de saúde que prestam serviços em consultório, resolu-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 283
ção que ficou conhecida Outras câmaras técnicas foram criadas pela AMB
como de Contratualização com o intuito de otimizar os custos e viabilizar a im-
e que foi publicada após plantação da CBHPM. Nessas câmaras, além da parti-
PAIVA EV e col. várias reuniões na Câma- cipação de integrantes da AMB e do CFM, foram con-
O papel e as ações ra de Contratualização vidados representantes da UNIDAS e da UNIMED: câ-
das entidades convocada pela ANS com mara técnica da CBHPM, câmara técnica de órteses e
médicas nacionais
todos os segmentos. Infe- próteses, câmara técnica de materiais e medicamen-
lizmente o texto não foi o tos, câmara técnica de incorporação de tecnologia, e
esperado. O que a AMB câmara técnica de diretrizes.
buscava nessa câmara é Outra ação importante desenvolvida pela AMB e
que a resolução claramen- pelo CFM foi o projeto diretrizes(14), com o objetivo de
te definisse as formas de auxiliar a decisão médica e, conseqüentemente, otimi-
remuneração (CBHPM) e os índices de reajustes e a zar o cuidado aos pacientes. Esse processo foi desen-
periodicidade, além das obrigações e responsabilida- cadeado pelas Especialidades, com base nas evidên-
des das operadoras quanto ao cumprimento dos pra- cias científicas disponíveis na atualidade. Esse projeto
zos de pagamento. teve início em dezembro de 1999, em Brasília, a partir
A resolução 71, em seu artigo 3º, definia como pra- de um encontro entre a diretoria da AMB e os conse-
zo máximo de revisão contratual o período de 180 dias lheiros federais do CFM, no qual todos se pronuncia-
após sua publicação. Como era esperado, e por não ram unanimemente em favor da parceria entre as duas
ser clara e objetiva, a resolução 71 não respondeu aos entidades, delineando uma política de ação conjunta.
anseios dos médicos, e precisou ser prorrogada até 17 Essa parceria foi ratificada em março de 2000, durante
de março de 2004. A CNI reiteradamente vem solici- o planejamento estratégico da AMB. Efetivamente o tra-
tando ao Presidente da ANS nova prorrogação do pra- balho teve início em outubro de 2000, e em dezembro
zo de contratualização, pois, considerando as informa- os primeiros resultados começaram a surgir. Em me-
ções obtidas em todo o País, por meio das Federadas nos de um ano foram produzidas cerca de 40 diretri-
da AMB, constatou-se um número insignificante de zes, num trabalho inédito da categoria médica brasilei-
contratos assinados, com pressões e ameaças de des- ra. Em janeiro de 2005 já somavam 140, e até o final
credenciamento por parte das operadoras. Isso se deve de abril de 2005 devem ser 180.
invariavelmente a cláusulas unilaterais e sem critérios Esse processo, com a coordenação da diretoria
de reajuste, pois, como já foi mencionado, a resolução científica da AMB, contou com uma comissão asses-
não ficou clara. Na busca de solução, foi instituída, pela sora técnica especializada.
AMB, a câmara de contratualização, com a participa- Procurou-se, de maneira ética e com rigorosa me-
ção de representantes da UNIDAS e do CFM, a fim de todologia científica, construir as bases de sustentação
que se possam traçar linhas gerais em benefício do das recomendações de conduta médica, utilizando-se
médico. os meios da ciência atual, de forma crítica e desprovi-
Outra frente da comissão nacional de implantação da se não aquele que resulte na melhoria do binômio
refere-se ao aspecto jurídico. Em 13 de Janeiro de 2005, médico-paciente. Cada associação de especialidade afi-
na sede da AMB, em São Paulo, as assessorias jurídi- liada à AMB é responsável pelo conteúdo informativo e
cas das entidades nacionais discutiram o texto da ação pela elaboração do texto de sua diretriz. Os temas abor-
de reequilíbrio econômico-financeiro, e o termo da re- dados foram escolhidos pelas especialidades, que fo-
ferida ação foi distribuído às comissões estaduais de ram orientadas a realizar uma busca sistemática na
honorários médicos, que, por meio de suas assessori- literatura da melhor evidência científica disponível, pelo
as, avaliarão e farão as alterações que julgarem ne- comitê técnico do projeto, levando-se em considera-
cessárias para promover a imprescindível ação judici- ção o desenho da pesquisa, a consistência das medi-
al. Essa ação tem por finalidade buscar, por meio da das e a validade dos resultados dos trabalhos levanta-
justiça, os valores que as operadoras são credoras dos dos, contemplando os desfechos clínicos de natureza
médicos, por não terem reajustado seus honorários na diagnóstica, terapêutica, preventiva e prognóstica. Ex-
última década. cepcionalmente foram incluídos desfechos relaciona-
Outra ação já havia sido encaminhada a associa- dos ao custo dos procedimentos, de tal forma que a
ções de especialidades, visando à implantação, por via utilização das diretrizes como instrumento referencial
judicial, da CBHPM(10). A comissão nacional de implan- para os aspectos econômicos e financeiros da remu-
tação tem solicitado que a UNIMED Brasil recomende neração dos serviços é indevida. A relação entre a qua-
a todas as suas singulares a discussão, em seus ambi- lidade do estudo e o grau de recomendação, e, portan-
entes próprios, dos meios possíveis para a implanta- to, sua influência na decisão médica, é insuficiente se
ção da CBHPM. utilizada de maneira absoluta e isolada, sendo esta de

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caráter informativo e su- Ensino Médico no Brasil”, cuja repercussão gerou a
gestivo, cabendo ao profis- constituição, no Ministério de Educação e Cultura
sional que ministra o cui- (MEC), da Comissão de Ensino Médico, em 1971. Essa
PAIVA EV e col. dado ao paciente julgar a Comissão produziu o “Documento nº 1”, que reafirma-
O papel e as ações forma, o momento e a per- va as conclusões e as proposições do documento da
das entidades tinência da utilização da AMB, servindo de subsídio a uma portaria ministerial
médicas nacionais
diretriz. suspendendo a criação de novas escolas médicas. Du-
O método selecionado rante 13 anos – de 1971 a 1976 e de 1979 a 1987 –,
no presente projeto bus- nenhum curso de medicina recebeu autorização de fun-
cou a padronização do cionamento no país. Infelizmente, na última década,
texto objetivo e afirmativo houve uma proliferação indiscriminada associada à
sobre procedimentos diag- ampliação de vagas nos cursos já existentes, gerando
nósticos, terapêuticos e preventivos, recomendando ou queda de qualidade da formação acadêmica. Em 2002,
contra-indicando condutas ou, ainda, apontando a ine- a AMB promoveu fóruns regionais denominados “No-
xistência de informações científicas que permitam a re- vas Escolas de Medicina: Necessidade ou Oportunis-
comendação ou a contra-indicação. As referências bi- mo”, em Curitiba, Belo Horizonte, Belém, Brasília e
bliográficas são citadas numericamente por ordem de Salvador, com a finalidade de definir estratégias políti-
entrada no texto, seguidas do grau de recomendação co-institucionais e da adoção de um discurso nacional
A, B, C ou D. A classificação do grau de recomenda- fundamentado e coeso, direcionado à necessidade de
ção, que corresponde à força de evidência científica restrições à criação de novos cursos de graduação em
do trabalho, foi fundamentada nos centros de medicina medicina. Recentemente, o Conselho Nacional de Saú-
baseada em evidências do “National Health Service” de (CNS) recomendou ao Conselho Nacional de Edu-
da Grã-Bretanha e do Ministério da Saúde de Portugal. cação (CNE) a suspensão de autorizações para a cria-
Todos os graus de recomendações, incluindo-se o “D”, ção de cursos na área de saúde, por um período míni-
são baseados em evidência científica. mo de 180 dias. As deliberações do CNS estão conti-
O projeto diretrizes foi avaliado durante o 2º Con- das na Resolução nº 324/03, publicada no D.O.U. de
gresso Internacional de Medicina Baseado em Evidên- 15 de julho de 2003. Em outra resolução, de nº 325/03,
cias, realizado na Itália de 10 a 14 de setembro de 2003, o CNS recomenda a realização de audiência pública
em Palermo, e foi amplamente elogiado por lideranças com a Comissão Especial de Avaliação para analisar
médicas de 18 países que representaram os cinco con- os critérios atualmente adotados nos cursos da área
tinentes, sendo considerado uma das maiores experi- de saúde(17). No entendimento das entidades médicas,
ências mundiais no assunto. A AMB recebeu solicita- essa proibição deveria ser por pelo menos dez anos,
ções para intercâmbio com vários países, entre eles conforme propõe o Projeto de Lei 65/03, de autoria do
Alemanha e Chile. Anteriormente, Inglaterra e México Deputado Arlindo Chinaglia(18). Por outro lado, enten-
também já haviam demonstrado interesse em desen- dem ser, também, de alta prioridade a aprovação do
volver projetos semelhantes, e com a Argentina a AMB Projeto de Lei nº 6240, de 2002, cujo Artigo 5º propõe
já firmou convênio(15). O projeto já foi adotado pelo Mi- alterar o Artigo 53 da Lei nº 9.384, de 20 de dezembro
nistério da Saúde, para utilização como parâmetro no de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-
Sistema Único de Saúde, e também pela Associação cional –, estabelecendo que a criação de vagas nos
de Hospitais Privados, com o objetivo de ofertar aten- cursos da área de saúde, em qualquer caso, deverá
dimento de qualidade à população. ser submetida, em caráter terminativo, à manifestação
Em outra frente de luta das entidades médicas e do CNS, no que diz respeito à necessidade social de
contra a abertura de escolas de medicina no País, em abertura de novos cursos de medicina(19). Na defesa
janeiro de 2004 a AMB e o CFM publicaram um relató- desses projetos de lei, as entidades médicas não pre-
rio denominado “Abertura de Escolas de Medicina no tendem ferir os princípios democráticos ou fechar as
Brasil. Relatório de um cenário sombrio”(16), organiza- portas ao mercado de trabalho, mas tentar provar que
do pelos Drs. Ronaldo da Rocha Loures Bueno e Ma- a autorização de funcionamento de cursos de medici-
ria Cristina Pieruccini. Há vários anos as entidades mé- na deve ser compatível com reais condições de formar
dicas tentam incluir na agenda das políticas públicas a bons profissionais, do ponto de vista técnico, ético e
questão da avaliação e do controle da abertura de cur- humanitário.
sos de medicina, com interesse no número de escolas Várias ações movidas por entidades médicas, ob-
médicas, nos números de médicos formados a cada jetivando impedir a abertura de novas escolas médi-
ano e, sobretudo, na qualidade do ensino ofertado. cas, tramitam na justiça, sem que se tenha obtido, até
Já na década de 1960 a AMB encaminhou às auto- agora, resultados favoráveis. Nada é mais difícil que
ridades responsáveis o documento “Problemática do fechar uma escola em funcionamento, porque gera co-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 285
moção social e esbarra de cerca de R$ 5,6 bilhões nos três anos subseqüen-
nos direitos dos alunos tes. Felizmente, com a pressão das entidades médi-
matriculados. Por esse cas e demais setores da sociedade envolvidos, o
PAIVA EV e col. motivo, a mobilização governo voltou atrás.
O papel e as ações deve ser contra a abertu- As entidades médicas estão em permanente con-
das entidades ra de novos cursos. En- tato com a Frente Parlamentar da Saúde na defesa
médicas nacionais
tende-se que a manuten- dos interesses da saúde pública no Brasil. Atualmente
ção de cursos de baixa a AMB faz parte da Frente Brasileira contra a Medida
qualidade é um ato pre- Provisória 232 (22), que define melhores estratégias
judicial à sociedade, por para sensibilizar os parlamentares a votarem contra
servir-se de cursos que a medida provisória, que aumenta a base de cálculo
não propiciarão a seus do imposto de renda de pessoa jurídica (IRPJ) e da
egressos condições competitivas de enfrentar o mer- contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) de
cado de trabalho, mantendo a desigualdade. Mas, em 32% para 40% para as empresas prestadoras de
se tratando da medicina, agrega-se um elemento tão serviço no regime de lucro presumido. Essa frente
ou mais importante que o direito do cidadão de obter foi lançada em 18 de janeiro de 2005 na sede da
boa formação profissional, envolvendo diretamente AMB, com a participação da Associação Comercial
a qualidade do atendimento que esses profissionais de São Paulo, do CFM e da Associação Paulista de
dispensarão à saúde da população. No início de maio Medicina (APM).
de 2004, a AMB, o CFM, a FENAM e as entidades Outro grande desafio das entidades médicas na-
médicas paulistas lançaram a campanha “Proteja-se. cionais é a aprovação da Lei do Ato Médico, o Proje-
Lute pela proibição de abertura de novos cursos de to de Lei do Ato Médico PL 25/2002(23), que está na
medicina. Por uma medicina ética, com qualidade e Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado
compromisso social”(20). O objetivo é alertar a popu- Federal para discussão de mérito, objetiva apenas
lação e sensibilizar as autoridades responsáveis so- regulamentar os atos médicos, fortalecendo o con-
bre os potenciais riscos representados pela criação ceito de equipe de saúde e atendendo de forma dig-
de escolas de medicina, sem condições necessárias na a população. Esse projeto tem apenas cinco arti-
de oferecer ao futuro médico formação consistente e gos e ressalta que o médico deve ter como priorida-
adequada. de a promoção da saúde, a prevenção, o diagnóstico
No site www.proteja-se.org.br há dados atualiza- e o tratamento das doenças, e a reabilitação dos
dos sobre a grave situação das escolas médicas tan- doentes. Preocupado com a atenção à saúde da po-
to em São Paulo como no restante do país. A partir pulação, em especial dos menos favorecidos, em 23
de 2 de janeiro de 2005, o credenciamento e o recre- de outubro de 2001 o CFM publicou a resolução nº
denciamento de instituições de educação superior e 1.627/2001(24), definindo o ato profissional médico
a autorização de cursos terão processos mais rápi- como todo procedimento técnico-profissional pratica-
dos e rigorosos. No dia 10 de novembro de 2004, o do por médico legalmente habilitado e dirigido a pro-
Ministério da Educação publicou portaria que esta- moção da saúde, prevenção de enfermidades ou pro-
belece uma sistemática para a tramitação dos pro- filaxia, prevenção da evolução das enfermidades ou
cessos e fixa prazo específico para finalização de execução de procedimentos diagnósticos ou terapêu-
cada etapa. A luta das entidades médicas para o fi- ticos, e a prevenção da invalidez ou reabilitação dos
nanciamento público para o setor de saúde é antiga, enfermos. É importante que se fortaleça o conceito
e desde 1998 a AMB tem participado da aprovação de equipe em saúde, respeitando as esferas de com-
da Emenda Complementar nº 29(21), que somente teve petência de cada profissional. Ninguém trabalha pela
sua tramitação encerrada com sua aprovação em saúde da população sozinho, e muito menos sem a
definitivo no dia 13 de setembro de 2000. Essa emen- presença do médico. É de suma importância o enga-
da garante recursos advindos dos três níveis de go- jamento de todos na aprovação desse projeto, pois
verno para o sistema público de saúde. Em 2001, a essa matéria tem muita relevância(25). Por definição
AMB entrou com uma Ação Declaratória de Inconsti- em seu Art. 1º, ato médico é todo procedimento téc-
tucionalidade no Supremo Tribunal Federal questio- nico-profissional praticado por médico habilitado e
nando a interpretação do Ministério da Fazenda e da dirigido para: I) a prevenção primária, definida como
Advocacia Geral da União (AGU) em relação à pro- a promoção da saúde e a prevenção da ocorrência
posta de Emenda Constitucional nº 29, pois uma in- de enfermidades ou profilaxia; II) a prevenção secun-
terpretação equivocada do Ministério da Fazenda dária, definida como a prevenção da evolução das
ocasionou a diminuição dos recursos advindos da enfermidades ou execução de procedimentos diag-
União da ordem de R$ 1,2 bilhão apenas em 2001, e nósticos ou terapêuticos; III) a prevenção terciária,

286 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005
definida como a preven- da indicação de condutas para o tratamento, somen-
ção da invalidez ou rea- te o médico e o odontólogo, este em sua área espe-
bilitação dos enfermos. O cífica, possuem a habilitação exigida para tais ações.
PAIVA EV e col. projeto tem como objeti- E os médicos veterinários, no que diz respeito aos
O papel e as ações vo definir, em lei, o alcan- animais.O inciso III aborda as atividades de recupe-
das entidades ce e o limite do ato médi- ração e reabilitação, também compartilhadas entre a
médicas nacionais
co. Para tanto, esse Art. equipe de saúde. Não são atos privativos dos médi-
1º expõe de maneira cla- cos. Por medidas ou procedimentos de reabilitação
ra a definição adotada devem ser entendidos os atos profissionais destina-
pela Organização Mundi- dos a devolver a integridade estrutural ou funcional
al da Saúde (OMS) quan- perdida ou prejudicada por uma enfermidade (com o
to às ações médicas que sentido de qualquer condição patológica). O parágrafo
visam ao benefício do indivíduo e da coletividade, único desse artigo explicita quais os atos privativos
estabelecendo a prevenção, em seus diversos está- dos médicos e os compartilhados com outros profis-
gios, como parâmetro para a cura e o alívio do sofri- sionais (procedimentos diagnósticos de enfermida-
mento humano. A definição do ato médico foi elabo- des ou que impliquem indicação terapêutica são atos
rada com base nessa ordenação de idéias, porque, privativos do profissional médico). As atividades de
na medida em que abrange todas as possibilidades prevenção tanto primária como terciária que não im-
de referir procedimentos profissionais na área da pliquem a execução de diagnósticos e indicações
saúde, essa classificação pareceu ao autor a melhor terapêuticas podem ser atos profissionais comparti-
maneira de sintetizar clara e legalmente os limites lhados com outros profissionais da área da saúde,
da atividade dos médicos. Com sua utilização, pare- dentro dos limites impostos pela legislação pertinen-
ce ser possível diferenciar o que se deve considerar te. Há um consenso indubitável acerca desses con-
como atividade privativa dos médicos e quais os pro- ceitos, estabelecidos há milênios pela prática da
cedimentos sanitários que não o são. Como se vê, o Medicina. Diante da estupefação de alguns pela ine-
conceito de cura não se opõe ao de prevenção, uma xistência, até hoje, de lei que afirmasse o óbvio, vale
vez que a cura, quer com o sentido de tratamento esclarecer que nunca houve tal necessidade antes,
quer como resultado dele, está implícita na preven- o que só agora se impõe em virtude do crescimento
ção secundária. Razão pela qual não faz sentido opor de outras profissões na área da saúde. Estabelecer
a medicina curativa à medicina preventiva, posto que limites e definir a abrangência do ato médico passa-
aquela é parte integrante desta. O inciso I trata da ram a constituir assunto de extremo interesse de toda
atenção primária, que cuida de prevenir a ocorrência a sociedade, e não apenas dos médicos.
de doenças por meio de métodos profiláticos e das Atribuições do CFM no Art. 2º: Compete ao Con-
ações que visem à promoção da saúde para toda a selho Federal de Medicina, nos termos do artigo e
população. A prevenção primária reúne um conjunto respeitada a legislação pertinente, definir, por meio
de ações que não são privativas dos médicos; ao de resolução, os procedimentos médicos experimen-
contrário, para que obtenham êxito, exigem a co-par- tais, os aceitos e os vedados, para utilização pelos
ticipação de outros profissionais da saúde e até mes- profissionais médicos. Esse artigo estabelece a com-
mo da população envolvida. O inciso II, por sua vez, petência do CFM em definir os atos médicos veda-
estabelece os atos que são privativos dos médicos. dos, os aceitos e os experimentais, à luz da ética e
São aqueles que envolvem o diagnóstico de doen- do conhecimento científico existentes.
ças e as indicações terapêuticas, atributos que têm Vale ressaltar que o estabelecimento de atribui-
no médico o único profissional habilitado e prepara- ções em lei para os conselhos federais de fiscaliza-
do para exercê-los, além dos odontólogos em sua ção profissional não constitui inovação para os mé-
área de atuação. Não se incluem aqui os diagnósti- dicos. A análise das leis que regulamentam outras
cos fisiológicos (funcionais) e os psicológicos, que profissões da área de saúde assim o demonstra:
são compartilhados com outros profissionais da área Decreto nº 88.439/83 – Biomedicina Art. 12º – Com-
de saúde, como os fisioterapeutas e os psicólogos. pete ao Conselho Federal: XVIII – definir o limite de
O diagnóstico fisiológico refere-se ao reconhecimento competência no exercício profissional, conforme os
de um estado do desenvolvimento somático ou da currículos efetivamente realizados; Lei nº 3820/60 –
funcionalidade de algum órgão ou sistema corporal. Farmácia Art. 6º – São atribuições do Conselho Fe-
O diagnóstico psicológico refere-se ao reconhecimen- deral: g) expedir as resoluções que se tornarem ne-
to de um estado do desenvolvimento psíquico ou da cessárias para a fiel interpretação e execução da
situação de ajustamento de uma pessoa. No entan- presente lei; j) deliberar sobre questões oriundas do
to, quanto se trata do diagnóstico de enfermidades e exercício de atividades afins às do farmacêutico; l)

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 287
ampliar o limite de com- qualidade, análise prévia, análise de controle e
petência do exercício pro- análise fiscal de produtos que tenham destinação
fissional, conforme o cur- terapêutica, anestésica ou auxiliar de diagnósti-
PAIVA EV e col. rículo escolar ou median- cos ou capazes de determinar dependência física
O papel e as ações te curso ou prova de es- ou psíquica; IV - a elaboração de laudos técnicos
das entidades pecialização realizada ou e a realização de perícias técnico-legais relacio-
médicas nacionais
prestada em escola ou nadas com atividades, produtos, fórmulas, proces-
instituto oficial; m) expe- sos e métodos farmacêuticos ou de natureza far-
dir resoluções, definindo macêutica; V - o magistério superior das matérias
ou modificando atribui- privativas constantes do currículo próprio do cur-
ções ou competência dos so de formação farmacêutica, obedecida a legis-
profissionais de farmácia, lação do ensino.
conforme as necessidades futuras; Parágrafo único - Decreto nº 53.464/64 – Psicologia Art. 4º – São fun-
– As questões referentes às atividades afins com as ções do psicólogo: II - Dirigir serviços de Psicolo-
outras profissões serão resolvidas através de enten- gia em órgãos e estabelecimentos públicos, au-
dimentos com as entidades reguladoras dessas pro- tárquicos, paraestatais, de economia mista e par-
fissões; Lei nº 5.766/71 – Psicologia Art. 6º – São ticulares. III - Ensinar as cadeiras ou disciplinas
atribuições do Conselho Federal: d) definir, nos ter- de Psicologia nos vários níveis de ensino, obser-
mos legais, o limite de competência do exercício pro- vadas as demais exigências da legislação em vi-
fissional, conforme os cursos realizados ou provas gor. VI - Realizar perícias e emitir pareceres so-
de especialização prestadas em escolas ou institu- bre a matéria de Psicologia.
tos profissionais reconhecidos; n) propor, ao Poder - Lei nº 6.965/81 – Fonoaudiologia Art. 4º – É da
Competente, alterações da legislação relativa ao exer- competência do fonoaudiólogo e de profissionais
cício da profissão de Psicólogo; no Art. 3º – As ativi- habilitados na forma da legislação específica: g)
dades de coordenação, direção, chefia, perícia, au- lecionar teoria e prática fonoaudiológicas; h) diri-
ditoria, supervisão, desde que vinculadas, de forma gir serviços de fonoaudiologia em estabelecimen-
imediata e direta, a procedimentos médicos e, ain- tos públicos, privados, autárquicos e mistos.
da, as atividades de ensino dos procedimentos mé- - Lei nº 7.498/86 – Enfermagem Art. 11 – O Enfer-
dicos privativos incluem-se entre os atos médicos e meiro exerce todas as atividades de enfermagem,
devem ser unicamente exercidos por médicos.Este cabendo-lhe: I - privativamente: a) direção do ór-
artigo preconiza que os cargos de direção e chefia gão de enfermagem integrante da estrutura bási-
relacionados diretamente aos atos médicos sejam ca da instituição de saúde, pública e privada, e
exercidos exclusivamente por médicos. Não há nada chefia de serviço e de unidade de enfermagem;
de extraordinário nisso. As leis que regulamentam as c) planejamento, organização, coordenação, exe-
outras profissões da saúde sempre realçaram esse cução e avaliação dos serviços de assistência de
quesito, garantindo-lhes as chefias de enfermagem, enfermagem; h) consultoria, auditoria e emissão
nutrição, etc. de parecer sobre matéria de enfermagem. Com o
Senão, vejamos: intuito de aclarar essa intenção, o parágrafo úni-
- Lei nº 8.234/91 – Nutrição Art. 3º – São atividades co deste artigo dissipa todas as dúvidas que po-
privativas dos nutricionistas: I - direção, coorde- deriam existir: Parágrafo único – Excetuam-se, da
nação e supervisão de cursos de graduação em exclusividade médica prevista no caput deste ar-
nutrição; V - ensino das disciplinas de nutrição e tigo, as funções de direção administrativa dos es-
alimentação nos cursos de graduação da área de tabelecimentos de saúde e as demais atividades
saúde e outras afins; VI - auditorias, consultorias de direção, chefia, perícia, auditoria ou supervi-
e assessoria em nutrição e dietética. são que dispensem formação médica como ele-
- Decreto nº 85.878/81 – Farmácia Art 1º – São atri- mento essencial à realização de seus objetivos
buições privativas dos profissionais farmacêuticos: ou exijam qualificação profissional de outra natu-
II - assessoramento e responsabilidade técnica reza. Uma direção administrativa, uma secretaria
em: a) estabelecimentos industriais farmacêuticos ou até mesmo o Ministério da Saúde podem ser
em que se fabriquem produtos que tenham indi- cargos exercidos por profissionais não-médicos,
cações e/ou ações terapêuticas, anestésicos ou desde que, em respeito à lei, haja um responsá-
auxiliares de diagnóstico, ou capazes de criar de- vel técnico médico para responder pelas questões
pendência física ou psíquica; b) órgãos, laborató- técnicas e éticas que envolvam aquela instância
rios, setores ou estabelecimentos farmacêuticos administrativa. Nenhuma novidade neste passa-
em que se executem controle e/ou inspeção de do recente de nosso país. Os dois últimos titula-

288 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005
res da pasta da Saúde cam-se:
são economistas. Art. 4º – A 21ª Vara Federal da Seção Judiciária do Dis-
– A infração aos disposi- trito Federal, nos autos da ação ordinária Nº
PAIVA EV e col. tivos desta lei configura 2002.34.00.001438-0, negou o pedido do Con-
O papel e as ações crime de exercício ilegal selho Regional de Enfermagem do Estado de
das entidades da Medicina, nos termos São Paulo – COREN/SP de antecipação dos
médicas nacionais
do Código Penal Brasilei- efeitos da tutela, objetivando que fosse decla-
ro. O exercício ilegal da rada a ilegalidade da Resolução nº 1.627/2001
Medicina é crime, tipifica- (Resolução do Ato Médico) – DJU 30.04.2002.
do no Código Penal Bra- O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirma
sileiro em seu artigo 283. que a acupuntura deve ser diagnosticada e
Ressalta-se que este ar- prescrita por médico O presidente do STJ, Mi-
tigo reforça o preceito legal, lembrando que a pro- nistro Nilson Naves, nos autos da petição Nº
fissão médica requer habilitação, aqui entendida 1.681, decidiu em sede de medida liminar, isto
como a legalização de uma atividade social regu- quer dizer, sem adentrar ao mérito, que é pos-
lamentada. sível a execução da acupuntura pelos profissi-
O objetivo desse Projeto restringe-se a definir a onais enfermeiros, desde que seja devidamen-
abrangência e os limites dos atos médicos, resguar- te diagnosticada por médicos (25) .
dando as prerrogativas definidas em Lei para as ou- Concluindo, as entidades médicas têm exercido
tras profissões da área de saúde. Várias decisões seu papel e agido em prol da defesa do médico e da
judiciais já validam o ato médico. Entre elas, desta- qualidade da medicina em nosso país.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 289
THE ROLE AND THE ACTIONS OF THE
PAIVA EV e col. NATIONAL MEDICAL ENTITIES
O papel e as ações
das entidades
médicas nacionais
ELEUSES VIEIRA DE PAIVA, EDUARDO DA SILVA VAZ

The role and the actions of the National Medical Entities (AMB, CFM, FENAM)
have been of fundamental importance to guarantee a better quality medicine to the
Brazilian population and a better relationship between the medical professionals in
our country. The AMB and the CFM, making use of the resolutions CFM 1634/2002,
1666/2003 and 1775/2044, have disciplined and made stronger the professional
qualifications among the medical Specialties. The development and the fight for the
implementation of the Brazilian Hierarchic Classification of Medical Procedures have
joined the entire Brazilian Medical category, passing through the ANS and through
the National Congress. The directives, mechanism of qualification, without the in-
dustry and the medical services market interferences, counting about 140, already
concluded, and more than 40 to be concluded, have international respect. The efforts
developed to contain the not critical creation of medical schools, making use of forums,
documentations and actions (judicial and in the National Congress) is the constant
mark of this decade. The concern from physicians, through the Medical Entities, over
the great majority that make use of the public health system, is showed in the appro-
ving of the PEC 29, and in the constitutional guarantee of its compliance. And finally,
the difficult fight inside all the forums, to approve the PL 25/2002, the Law of the
Medical Act, has shown to physicians and to the society, in a clearer way, that our
Entities are working aiming a better society.

Key words: health policy, physician’s role, specialty boards, medical schools, prac-
tice guidelines.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:281-91)


RSCESP (72594)-1540

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 291
HONORÁRIOS MÉDICOS E POLÍTICAS DE SAÚDE
MEINÃO F
Honorários médicos FLORISVAL MEINÃO
e políticas de saúde

Associação Paulista de Medicina

Endereço para correspondência: Av. Brigadeiro Luiz Antonio, 278 – 3º andar –


Bela Vista – CEP 04727-040 – São Paulo – SP

O artigo analisa a política de saúde, tanto pública como privada, e sua influência
na atividade profissional do médico.
São feitas referências quanto aos investimentos em saúde, quanto ao gerencia-
mento desses recursos e quanto à necessidade de controle social do sistema.

Palavras-chave: políticas de saúde, honorários médicos.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:292-5)


RSCESP (72594)-1541

A medicina teve extraordinário avanço nas últimas ço ao conseguir controlar a inflação e estabilizar a eco-
décadas. A incorporação de sofisticada tecnologia ali- nomia, porém não conseguiu se constituir em um ins-
ada ao progresso científico permitiu melhor condição trumento de justiça social. Ao contrário, nos últimos
na prevenção, no diagnóstico e no tratamento das dife- anos aprofundou-se ainda mais o abismo que separa
rentes doenças, tendo como mais direta conseqüência as classes sociais. Os ricos estão cada vez mais ricos
o aumento da média de idade da população em todo o e os pobres, cada vez mais pobres. As sucessivas pro-
mundo. Em nosso país, graças a um trabalho de gran- messas de “investimento no social” não conseguem ul-
de valor realizado pelas entidades médicas, principal- trapassar os períodos eleitorais, caindo em seguida no
mente pelas sociedades de especialidades, os médi- esquecimento.
cos mantêm-se constantemente atualizados, habilita- O Sistema Único de Saúde, cuja concepção é con-
dos e capacitados para oferecer atendimento da me- siderada, quase que de forma unânime, a ideal para as
lhor qualidade a nossa população. características de nosso país, enfrenta uma dificulda-
No entanto, a maioria dos brasileiros não se benefi- de crônica de financiamento. Investe-se no Brasil (go-
cia desse avanço da medicina, a julgar pelos diversos verno federal, estados e municípios) aproximadamen-
índices de avaliação do estado de saúde da popula- te R$ 25,00 por mês por pessoa para financiar todo o
ção. atendimento, incluindo as campanhas preventivas, o
Nosso sistema de saúde, tanto público como priva- atendimento médico-hospitalar, medicamentos, reabi-
do, enfrenta uma crise, que, até certo ponto, contrasta litação, etc. Esses valores representam por volta de 3%
com o quadro econômico previsto para o ano de 2005. do PIB brasileiro, enquanto outros países investem em
Enquanto os analistas especializados prevêem cresci- média 10% de seus respectivos PIBs. São números
mento econômico com a balança comercial superando absolutamente insuficientes, razão pela qual o acesso
recordes ano a ano, com o produto interno bruto (PIB) ao sistema é limitado, as filas são extensas, e o atendi-
crescendo de forma sustentada, o Real valorizando-se mento deixa a desejar. Para os médicos as principais
diante do Dólar, o risco Brasil caindo progressivamen- conseqüências são: precárias condições de trabalho,
te, trazendo consigo de volta os investimentos, o setor baixa remuneração e falta de abertura de novos pos-
saúde continua sem merecer a atenção que lhe é devi- tos de trabalho. Vivemos uma contradição: excesso de
da. médicos e falta de atendimento à saúde para milhões
Na verdade, o Plano Real representou enorme avan- de brasileiros. Como se isso não bastasse, as sucessi-

292 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005
vas administrações não na, profissão organizada no Brasil em 1957, ainda não
conseguiram fechar todos tem seu campo de trabalho especificado, enquanto to-
os ralos por onde escoam das as demais profissões ligadas à área de saúde tive-
MEINÃO F esses recursos impune- ram seus campos de trabalho definidos nas legislações
Honorários médicos mente, muito embora nes- pertinentes. Apesar disso, esse projeto sofre uma forte
e políticas de saúde se aspecto deva-se reco- resistência por parte das entidades que representam
nhecer que houve consi- esses profissionais. O que pretendemos é que a legis-
deráveis progressos nos lação explicite quais são os procedimentos específicos
últimos dez anos. Em re- dos médicos e aqueles que podem ser compartilhados
sumo, gastamos melhor com outros profissionais de saúde. Não podemos es-
que ontem, porém temos quecer que o curso de medicina é o único que capacita
muito a caminhar. e habilita os profissionais para “diagnosticar e tratar
O sistema privado ou complementar de saúde con- doenças”. Esse é um ponto crucial no processo de aten-
vive com eternos conflitos entre médicos, usuários e dimento à saúde, e a sociedade precisa conhecê-lo,
empresas, trazendo muita intranqüilidade ao setor. para que possa saber o que esperar de cada profissio-
Usuários reclamam das complexas burocracias e nal que atua na área. É exatamente nesse ponto que
dos inúmeros obstáculos que enfrentam quando ne- existe a maior resistência. “A questão da assistência
cessitam de atendimento, além de reajustes excessi- médica não é um assunto político eleitoral para ser re-
vos de suas mensalidades, motivos esses que levaram solvida em termos democráticos, com o sentido do di-
milhões de pessoas a deixar o sistema nos últimos reito de todos que desejam exercê-la. É uma questão
anos, engrossando ainda mais as filas do SUS. de política de bem-estar público, a ser resolvida demo-
As empresas, por sua vez, afirmam que os custos craticamente em termos de segurança social e de ho-
assistenciais sobem, ano a ano, acima dos índices in- nestidade relacional e, principalmente, do dever do
flacionários, em decorrência dos avanços técnicos e poder público de assegurar o melhor tratamento para
científicos da medicina. Afirmam ainda que não conse- todos os que dele necessitem” (Conselho Federal de
guem repassar esses custos aos usuários, pois sua Medicina). Por trás disso tudo, uma perversidade: a
capacidade de absorvê-los chegou ao limite. Reclamam medicina sem médico custa menos. Aí estão as casas
também da perda de milhões de usuários em decor- de parto sem obstetras e neonatologistas, as equipes
rência do desemprego e da crise econômica e social de programas de saúde da família sem médicos, en-
dos últimos anos. Utilizam esses argumentos para jus- fermeiros autorizados a prescrever medicamentos, etc.
tificar os baixos honorários e o não reajuste dos valo- Quem mais sofre é a população de baixa renda. A
res pagos aos médicos nos últimos dez anos. medicina, que deveria ser um instrumento de justiça e
Diante desse quadro, a classe médica, cujo traba- inclusão social, transforma-se justamente no oposto,
lho depende fundamentalmente dessas políticas de um instrumento de exclusão social.
saúde, vive um delicado momento em sua atividade 4. Falta de uma legislação específica que regula-
profissional. Os problemas são muitos e de difíceis so- mente as relações entre médicos e empresas opera-
luções: doras de planos de saúde – a Lei 9656, criada para
1. Excesso de médicos no mercado de trabalho – regulamentar o setor privado ou complementar de saú-
fruto de uma política irresponsável e inconseqüente de de, não abordou a relação entre médicos e empresas,
abertura de novas escolas de medicina, sem que suas sob a óptica que o mercado se “auto-regula”. A Agên-
necessidades sociais fossem analisadas. Como agra- cia Nacional de Saúde, órgão criado especificamente
vante, sabemos que essas novas escolas, na sua mai- para fiscalizar e regular o setor, não conseguiu até o
oria, não dispõem de recursos para oferecer boa for- momento estabelecer regras claras e equilibradas para
mação profissional, colocando em risco a saúde da po- a contratação de médicos por essas empresas. Diante
pulação. desse quadro desfavorável, a classe médica, fragiliza-
2. Falta de novos postos de trabalho – tanto o SUS da nessa negociação, acumulou enormes perdas de
como o sistema privado de saúde não conseguem ab- honorários nos últimos anos, além de sofrer interferên-
sorver os novos profissionais que se formam ano a ano, cia perniciosa em sua relação com os pacientes.
provocando uma séria distorção no mercado de traba- 5. Honorários médicos – essa é a questão que mais
lho: excesso de oferta e pouca procura. Os resultados aflige os médicos nos dias atuais. Estamos sem rea-
diretos são os baixos honorários e as restrições que justes há oito anos, acumulando defasagens enormes,
nos são impostas no exercício de nossa atividade pro- que, de acordo com alguns índices inflacionários, ul-
fissional. trapassam 200%, enquanto nesse período nossas des-
3. Falta de regulamentação do ato médico – cujo pesas para manter os consultórios acompanharam a
projeto de lei tramita no Congresso Nacional. A medici- inflação. Muitos colegas fecharam seus consultórios,

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 293
enquanto os mais jovens Norte a Sul no país os médicos foram à luta, organi-
não se animam a abri-los, zando-se em um movimento nunca antes visto, com
tendo como resultado uma grande inserção na mídia e no seio da sociedade, de
MEINÃO F queda nessa atividade quem tivemos forte apoio. A nova Classificação Brasi-
Honorários médicos profissional, detectada re- leira Hierarquizada de Procedimentos Médicos
e políticas de saúde centemente por pesquisa (CBHPM), idealizada como um instrumento técnico para
do Conselho Federal de balizar as relações entre médicos e empresas, trans-
Medicina. É a medicina, na formou-se em um instrumento político, unindo médi-
sua forma mais tradicional, cos em todo o país que passaram a exigir, por meio de
que perde terreno ante po- sua implantação, aquilo que lhes é devido. O resultado
líticas inconseqüentes na foi positivo: empresas concederam reajustes de hono-
área de saúde. rários e incorporaram novos procedimentos constan-
No entanto, o ano de 2004 marcou o início de uma tes na CBHPM a suas tabelas. O legislativo, sensibili-
reação a essa situação. A classe médica reagiu: de zado com a dimensão do problema, elaborou um pro-
jeto de lei que “tramita em regime de
urgência”, estabelecendo a CBHPM
como instrumento de relacionamen-
to entre médicos e empresas. A
Agência Nacional de Saúde incorpo-
rou no seu rol de procedimentos vá-
rios dos itens que constam na
CBHPM.
As entidades médicas tanto na-
cionais como estaduais uniram-se,
superando suas divergências, crian-
do um momento único e propício
para lutarmos pelo resgate de nos-
sa dignidade profissional. Dessa
união decorrem alguns importantes
avanços, não só na questão da im-
plantação da CBHPM, como também
na tramitação de projeto de lei que
regulamenta o ato médico, na revi-
são dos contratos entre médicos e
Figura 1. São Paulo – Assembléia dos Médicos, julho de 2004. empresas, entre outros.
Devemos também aprofundar
Figura 2. São Paulo – Manifestação na Av. Paulista, julho de 2004. nossa luta para melhorar o SUS, pois
dele dependem 80% dos brasileiros.
A aprovação, há alguns anos, da
“PEC da saúde”, que definiu o mon-
tante de verbas a ser aplicado pelo
governo federal, pelos estados e
pelos municípios, representou um
avanço significativo, porém é preci-
so avançar mais, buscando novas al-
ternativas de financiamento, geren-
ciamento dos recursos e, principal-
mente, controle social eficiente. A
classe médica tem um importante
papel a desempenhar nesse proces-
so.
O problema dos honorários mé-
dicos depende fundamentalmente
das políticas de saúde, tanto públi-
cas como privadas, e é necessária

294 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005
a participação de todas as do influenciar as decisões que envolvem nossa ativi-
entidades que nos repre- dade profissional. É também necessário, cada vez mais,
sentam de forma unida e estreitarmos nosso relacionamento com a sociedade
MEINÃO F coesa, mas é imperativa a civil, beneficiária de nossos serviços. A luta por hono-
Honorários médicos participação de toda a rários dignos é a mesma luta por melhorias na qualida-
e políticas de saúde classe médica, procuran- de dos serviços de saúde.

PROFESSIONAL REMUNERATION AND


HEALTH POLITICS

FLORISVAL MEINÃO

This article analyzes the public and private health politics and their influence on
professional activity of physicians.

Key words: health politics, professional remuneration.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:292-5)


RSCESP (72594)-1541

LEITURA RECOMENDADA

1. Revista Associação Paulista de Medicina. São Paulo, outubro/2004.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 295
COOPERATIVAS MÉDICAS
ZILLI EC
Cooperativas médicas EMILIO CÉSAR ZILLI

Cooperativas SBC

Endereço para correspondência: Estrada do Galeão, 1905 – Ilha do Governador –


CEP 21931-001 – Rio de Janeiro – RJ

A relação atual entre emprego e salário, aliada à dificuldade cada vez maior de
uma justa adequação do mercado de trabalho ao cardiologista brasileiro, vem pro-
vocando, no seio da sociedade de especialidade, um clamor cada vez maior dos
associados na busca de uma solução que tenha alternativas mais justas e uma
premissa mais técnica para o desenvolvimento da especialidade em nosso país. A
criação de cooperativas cardiológicas, fomentada pela Sociedade Brasileira de Car-
diologia, constitui, assim, um caminho ético, racional e viável para o desenvolvimen-
to da prática cardiológica em nosso meio.

Palavras-chave: cooperativas, cooperativismo, sistemas de trabalho, capital, em-


prego.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:296-300)


RSCESP (72594)-1542

COOPERAR – Do latim: “Cooperare”. Verbo trans. indi- Foi no século XIX, com o desenvolvimento do mé-
reto. Operar simultaneamente. Trabalhar em conjunto. todo anatomoclínico, que a medicina passou a ser con-
Ajudar, auxiliar, colaborar. siderada ciência.(3)
COOPERATIVA – Substantivo feminino. Cooperativo. Na segunda metade daquele século, descobertas
Sociedade ou empresa constituída por membros de científicas de grande impacto modificaram o pensamen-
determinado grupo social ou econômico, e que objeti- to ortodoxo, então dominante, e transformaram o “sa-
va desempenhar em benefício comum determinada ber” médico, fazendo-o caminhar celeremente em dire-
atividade econômica.(1) ção à “era” da especialização.(4)
A cardiologia, como especialidade, foi especialmente
“O cooperativismo, indiscutivelmente, será, no futuro, contemplada, graças à rápida implementação do mé-
a melhor e mais edificante ferramenta para o progres- todo anatomoclínico aos estudos da doença cardíaca,
so e o desenvolvimento do ser humano.”(2) mas sobretudo ao desenvolvimento de “fantásticos”
aparelhos, como o estetoscópio, o esfigmomanômetro
Somos, hoje, protagonistas de um mundo, que se e o galvanômetro, que, mais tarde, evoluiria ao moder-
debate em meio a várias crises. Assistimos atônitos, no eletrocardiógrafo(5). Assim, o médico, antes interpre-
ora como atores ora como mero espectadores, atitu- tado pela sociedade como mais um (meio divino, é ver-
des e conseqüências, que na maioria das vezes não dade) dentre tantos artesãos disponíveis, passa a ocu-
desejamos ou concordamos, mas que invariavelmen- par um espaço cada vez mais importante e decisivo,
te, cedo ou tardiamente, nos envolvem e nos fazem como agente de transformação e promoção social.
alterar o ser, o estar e até mesmo o pensar. Entretanto, essa transformação é breve. Apenas um
O liberalismo, como estado social e filosófico, é posto século e meio depois, já sob nossa presença, a partir
em dúvida! As profissões liberais extinguem-se e abrem da década de 60, a contenda entre capital e trabalho
espaço cada vez maior para outras formas de manifes- torna-se uma das mais agudas crises em que se deba-
tação funcional e de organizações. te o mundo contemporâneo.

296 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005
E quais soluções se listas, pelo alto custo operacional brasileiro, o chama-
apresentam? do “custo Brasil”, esses modelos, em nosso meio, de-
É interessante ressal- vem ser reavaliados.
ZILLI EC tar que, em um mundo que E aí, em minha opinião, é o momento de pensar-
Cooperativas médicas tanto evoluiu (?) em suas mos no Sistema Cooperativo. O modelo cooperativis-
relações sociais, filosófi- ta, como o conhecemos, iniciou-se em 1844, no pe-
cas e comportamentais, queno bairro de Rochdale, subúrbio de Manchester,
as formas encontradas Inglaterra, quando um grupo de 28 tecelões criou uma
para equacionar a menci- associação, que mais tarde seria conhecida como “a
onada relação ainda con- Cooperativa” (Fig. 1).(7)
templem apenas dois sis- Inicialmente, para fazer frente ao que entendiam
temas de administração: o como “exploração dos atravessadores”, criaram um
sistema negocial, prevalente em países como França, pequeno armazém, onde venderiam seus produtos di-
Estados Unidos, Itália, Espanha e Japão e na maioria retamente aos consumidores. Com o passar dos anos,
do mundo chamado desenvolvido, em que o Estado essa associação patrocinou a construção de casas pró-
tem poder regulador sobre essa relação; e o sistema prias para os tecelões e organizou uma linha de produ-
estatutário, praticado em países como China, Cuba e ção para trabalhadores desempregados, surgindo as-
Brasil, em que o poder do Estado se manifesta de for- sim a primeira cooperativa do mundo moderno.
ma constante, determinante e quase sempre arbitrário A cooperativa de trabalho:
sobre essa relação.(6) – aumenta o poder de negociação do participante;
Pelo exposto, pode-se perceber que ambos os mo- – flexibiliza a relação capital/trabalho;
delos não se adequam às realidades que interagem, o – maior capital – HUMANO;
que é claramente demonstrado em nosso país. Seja – protege corporativamente o cooperado;
por remuneração insuficiente seja por inépcia na pro- – reduz o custo operacional.
dutividade, ou seja, como preconizam alguns especia- São princípios fundamentais do cooperativismo:

Figura 1. Os pioneiros de Rochdale (cópia do original). (Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB/Iden-
tidade das Cooperativas).

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 297
– universalização; Dados oficiais da Organização das Cooperativas
– autonomia; Brasileiras – OCB, publicados em dezembro de 2003 e
– educação; dispostos em seu “website” (www.ocb.org.br), informam
ZILLI EC – intercooperação. que aproximadamente 11 milhões de cidadãos brasi-
Cooperativas médicas Segundo Meneses (8), leiros são usuários de cooperativas médicas, enquan-
em recente declaração, “o to outros 3 milhões já utilizam as cooperativas odonto-
movimento cooperativista lógicas(7).
médico vem crescendo no As cooperativas de saúde no Brasil já são em nú-
Brasil, a partir da necessi- mero de 878, envolvendo 262 mil cooperados, e res-
dade dos médicos em res- ponsáveis por mais de 25 mil empregos indiretos. Em
gatar a autonomia do ato 1996, por força de regulamentação, as cooperativas
médico”. E mais: “Ao se médicas que faziam parte do ramo “cooperativas de
pensar na criação de uma cooperativa de trabalho na trabalho” passaram, para atender sua demanda, a fa-
especialidade, é indispensável resolver-se uma ques- zer parte de um grupo específico, o das “Cooperativas
tão: a necessidade da cooperativa é sentida pela mai- de Saúde”, tendo a partir daquele ano aumentado em
oria dos associados?”. quase 20% sua participação nesse mercado.
Essas duas questões, que me parecem fundamen- Os princípios que regem uma cooperativa médica
tais para o desenvolvimento de uma cooperativa de são os mesmos princípios que orientam uma coopera-
trabalho médica, já foram respondidas entre nós, car- tiva geral, e entre eles cabe ressaltar os fundamentais
diologistas associados à Sociedade Brasileira de Car- para a organização e o funcionamento, como se se-
diologia, de forma clara. Se não, vejamos. Em dezem- guem:
bro de 2003, a Sociedade Brasileira de Cardiologia, – adesão livre e voluntária;
por meio de sua Diretoria de Qualidade Assistencial, – gestão livre e democrática;
realizou pesquisa via Internet, em seu “website”, em – participação econômica dos membros;
que, em um universo de 1.314 cardiologistas (número – autonomia e independência;
considerado suficiente como amostra de nossa reali- – educação, formação e informação;
dade, segundo os institutos de pesquisa), 93% respon- – intercooperação;
deram que apoiariam a formação de cooperativas de – interesse pela comunidade.
trabalho cardiológico patrocinadas pela Sociedade Bra- Esses princípios orientaram a Sociedade Brasileira
sileira de Cardiologia. de Cardiologia no desenvolvimento de todo o proces-
O outro ponto citado por Meneses, referente à “ne- so de fomentação de Cooperativas Cardiológicas,
cessidade do resgate da autonomia do ato médico”, já acompanhadas permanentemente por nosso serviço
se converteu, como é do conhecimento de todos em jurídico, em estreita colaboração com os órgãos legis-
nossa categoria, em verdadeiro combate, que, extra- ladores, desde a concepção do estatuto padrão até a
polando os preceitos técnicos e acadêmicos, vem cons- formatação contratual dos acordos de prestação de
tantemente desembocando em tribunais das mais di- serviços. Independentemente dessas disposições, os
versas alçadas. Atualmente é objeto de projeto de lei procedimentos para constituição de uma cooperativa
25/2002(9), que deverá ser votado por nossos legisla- médica devem seguir os procedimentos básicos de uma
dores ainda no decorrer deste ano, e pelo qual deve- cooperativa geral e precisam estar em concordância
mos todos nós, médicos, muito menos por questões com aqueles dispostos universalmente para a consti-
corporativas e muito mais por preceitos éticos e filosó- tuição de uma cooperativa.
ficos, estar vigilantes e mobilizados. A lei 5.764 de 16 de dezembro de 1971 dispõe como
O trabalho de uma cooperativa médica privilegia o número mínimo de integrantes para a formação de uma
Contrato de Serviços em relação ao tradicional Con- cooperativa 20 pessoas, que tenham um interesse eco-
trato de Emprego. Nessa modalidade, o agente con- nômico comum e que estejam dispostas, para viabili-
tratante, que poderá ser tanto o empregador tradicio- zar esse interesse, em constituir um empreendimento
nal como o “plano de saúde”, reporta-se diretamente à próprio, em que o produto final, ou seja, seu resultado,
cooperativa, como intermediadora e responsável pela seja distribuído proporcionalmente à participação de
contratualização do(s) profissional(is) e dos serviços cada cooperado.
acordados. Um exemplo bem-sucedido e magnifica- Entretanto, em nossa opinião, mesmo que esses
mente administrado em nosso meio é o da COOPER- quesitos básicos estejam contemplados, ainda não são
CARDIO – Cooperativa Cardiológica de Pernambuco, o bastante.
que serviu de “base” para todo o modelo cooperativo A atividade médica, por suas condições específi-
proposto pela Sociedade Brasileira de Cardiologia para cas e necessidades de auto-avaliações permanentes,
suas filiadas em todo o Brasil. não comporta espaço para erros negligenciais e/ou de

298 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005
conceituação. Outras em nosso país nos últimos dez anos, sendo atualmen-
questões tão importantes te de 135 o número de escolas médicas no Brasil(10).
precisam ser respondidas: Recentemente, dados deste autor, em artigo publica-
ZILLI EC – A necessidade da forma- do no “Jornal SBC”, em dezembro de 2003, demons-
Cooperativas médicas ção da cooperativa é divi- travam a relação entre cardiologistas associados da
dida por todos os interes- Sociedade Brasileira de Cardiologia/cooperados da(s)
sados? UNIMED(s), a principal cooperativa médica existente
– É a cooperativa a solu- no país, postulando que, em pelo menos quatro gran-
ção mais adequada? des Estados da federação, esses dados sejam no mí-
– Já há alguma outra coo- nimo preocupantes.
perativa na mesma região
que produza serviços se- Tabela 1.
melhantes?
– O volume do negócios será proporcional aos eventu- Estado Associados Cooperados
ais benefícios?
Essas e outras questões deverão fazer parte de todo RJ 1.895 370 (C)
o fundamento cooperativista, principalmente no cam- SP 2.932 527 (I)
po saúde, em que cada vez mais a competência, a RS 640 218 (I)
transparência e a objetividade se configuram como MG 1.036 314 (C)
valores primordiais, para que nos afastemos de forma
concreta desse verdadeiro caos estrutural e adminis- C = confirmado; I = informado.
trativo, que políticas hipócritas e descompromissadas
nos legaram. Associados a esses, os dados publicados pela As-
Somos, atualmente, quase 11 mil cardiologistas as- sociação Médica Brasileira informam que a taxa de re-
sociados à Sociedade Brasileira de Cardiologia. Ao con- muneração livre nos consultórios médicos, isto é, a por-
trário do que gostaríamos, temos hoje um mercado de centagem de pacientes que não pertencem a nenhum
trabalho cada vez mais restrito em relação a quanto plano ou cooperativa de saúde, se encontra em “que-
somos e a quanto mais seremos em um futuro bastan- da livre”, estando atualmente em cerca de 25% do to-
te próximo. Apesar da consciência crescente de quão tal dos atendimentos, enquanto a porcentagem daque-
danosa é a proliferação das escolas médicas desquali- les pertencentes aos “planos” já atinge cifras superio-
ficadas, cada vez mais elas se expandem. Segundo res a 45%.
dados do próprio Conselho Federal de Medicina, uma O que fazer? Serão as cooperativas de saúde um
nova escola médica foi inaugurada a cada três meses novo caminho? Parece que sim.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 299
MEDICAL COOPERATIVE SYSTEM
ZILLI EC
Cooperativas médicas EMILIO CÉSAR ZILLI

The present relationship between job and salary, allied to the ever bigger difficul-
ty of a fair adaptation of the Brazilian cardiologist to the labour market, is causing a
strong clamor in the breast of the societies of specialties among their associates in
order to find a solution with fairer alternatives and a more technical premise for the
development of the specialty in our country. The creation of Cardiology cooperatives
stimulated by the Brazilian Society of Cardiology constitutes a viable, rational, and
ethical way for the development of the practical Cardiology in our environment.

Key words: work systems, job, medical cooperatives.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:296-300)


RSCESP (72594)-1542

REFERÊNCIAS Hospital. Boston: Little, Brown Co.; 1962. p. 371-6.


5. Postel-Vinay N. Measuring blood pressure. In: A Cen-
1. Ferreira ABH. Novo Dicionário da Língua Portugue- tury of Arterial Hypertension: 1896-1996. London:
sa. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira; 1975. p. 380. John Wiley & Sons, Ltd.; 1996. p. 10-30.
2. Cunha A. Organização das Cooperativas do Rio Gran- 6. Castro M. Manual de Cooperativas. Ed. Santos; 1998.
de do Sul. RBC. 2003;72-4. 7. Organização das Cooperativas Brasileiras. www.ocb.
3. Entralgo PL. La história clinica e teoria del relato org.br
patográfico. 2 ed. Barcelona: Ed. Salvat; 1961. p. 141- 8. Meneses JAG. Cooperativas de especialidades. Rev
57. Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2002;6:850-3.
4. Castleman B, DeSanctis RW. Cardiac Clinicopatho- 9. JAMB. 2003;XVIII (146):6.
logical Conferences of the Massachusetts General 10. JAMB. 2003;XVIII (146):7.

300 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005
AVALIAÇÃO DA COMPETÊNCIA MÉDICA –
LUNA FILHO B REFLEXÃO CRÍTICA
Avaliação da
competência médica –
reflexão crítica
BRÁULIO LUNA FILHO

Disciplina de Cardiologia – Setor de Cardiopatia Hipertensiva – UNIFESP-EPM

Endereço para correspondência: Rua Botucatu, 740 – CEP 04023-900 –


São Paulo – SP

A evolução exponencial do conhecimento aumentou a importância da educação


médica continuada e tem fomentado discussões sobre as melhores estratégias. As
evidências científicas apontam que a eficácia das abordagens tradicionais tem se
revelado insuficiente para cumprir os objetivos de informar e originar mudanças na
conduta e na aquisição de habilidades, necessárias à prática médica. Não obstante
as variadas abordagens, o aspecto mais importante na incorporação de novos co-
nhecimentos é o compromisso pessoal em ministrar cuidado médico de alto nível.
Aspecto também relevante é a tendência mundial na certificação e na recertificação
dos profissionais médicos. Premido pela evolução de novas técnicas e pela deman-
da da sociedade por cuidados médicos cada vez mais eficientes, ocorre o aumento
da exigência da competência profissional. Nesse cenário, surgem propostas tanto
das entidades médicas como de órgãos governamentais no sentido de exigir dos
especialistas a participação em programa de atualização em intervalo de tempo
regular.

Palavras-chave: educação médica continuada, competência, certificação, recertifi-


cação.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:301-5)


RSCESP (72594)-1543

“The higher the standard of education in a profession profissional. Longe se vão os tempos em que os avan-
the less marked will be the charlatanism.” (William ços diagnósticos e terapêuticos perpetrados em ou-
Osler) tros países e continentes levavam meses ou anos
para serem conhecidos em outros lugares. Longe se
INTRODUÇÃO vão os tempos quando o conhecimento era uma aqui-
sição tardia da prática individual e muitas vezes soli-
O conhecimento na área biológica nas últimas dé- tária de médico especialmente talentoso. Concomi-
cadas, particularmente na Medicina, evoluiu em pa- tantemente, porque filho profícuo dos avanços cien-
drão exponencial. Estima-se que cerca de 17 mil no- tíficos, ocorreu a revolução da informação, que tão
vos livros e mais de 2 milhões de artigos sejam pu- bem caracterizou a metade final do século XX, origi-
blicados anualmente. Esse avanço espetacular do co- nando novos caminhos e novas modalidades de trans-
nhecimento científico criou a necessidade de aper- missão do conhecimento e suas técnicas.
feiçoar a maneira de transmiti-los à prática médica.(1) Os compassos e as tonalidades que esse proces-
Longe se vão os tempos em que os egressos do cur- so desenvolveu na área médica, assim como as ino-
so médico adentravam imediatamente no exercício vações e os aperfeiçoamentos que se fazem mister

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 301
que continuem aconte- Além disso, faz-se necessário que os programas de
cendo em benefício de educação continuada estejam vinculados ao local de
seus praticantes – os trabalho, inclusive em sintonia com as atividades mais
LUNA FILHO B médicos – e dos pacien- freqüentes e os instrumentos disponíveis naquele
Avaliação da
tes – a razão de ser da ambiente. Todavia, sabe-se que um número razoável
competência médica –
reflexão crítica Medicina – é o que pre- de médicos se encontra à margem dos esforços que
tendemos abordar neste as entidades médicas fazem para propiciar aos afili-
artigo. ados informação atual e de qualidade. Outro aspecto
relevante é que cada vez mais os médicos trabalham
EDUCAÇÃO MÉDICA com outros profissionais de saúde. Essa situação cria
CONTINUADA – UM um ambiente complexo para o sistema de aprendi-
CONSENSO; COMO zagem e tem reflexo em como desenvolver um pro-
FAZER? QUANTO DISSENSO grama adequado de educação continuada. Nesse
contexto, surgiu, em vários países, quer por iniciati-
A necessidade de atualização continuada dos mé- va das organizações médicas quer por demanda da
dicos é inconteste. Mas assim como a qualidade da sociedade civil, a demanda pela avaliação da qualifi-
graduação médica vem sendo criticada e debatida cação médica de modo contínuo.
em todo o mundo, também as formas de estimular o Não se pode olvidar que várias circunstâncias so-
aperfeiçoamento dos médicos vêm sendo alvo de dis- ciais contribuíram para que a expectativa de atuali-
cussão. Embora pareça existir um “continuum” entre zação dos médicos se tornasse, em várias partes do
essas duas fases da vida dos médicos — como estu- mundo, manchetes de jornais e outras mídias. Os
dante ainda desenvolvendo habilidades e como espe- avanços das ciências biológicas e, por extensão, tam-
cialista no exercício diário daquelas habilidades —, há, bém da área médica originaram uma exigência por
sem dúvida, diferenças cruciais nos caminhos para resultados cada vez mais espetaculares. O resumo
a proficiência profissional. Em princípio, destacamos da história é que ocorreu o aumento da denúncia de
que ao estudante geralmente é dito o que aprender, erro médico e de má prática. A reação é conhecida.
mas ao médico se exige que seja responsável pelo Nos países com melhor desenvolvimento econômico
direcionamento do aprendizado que deverá realizar e social e com tradição de cidadania, as entidades
durante toda a vida (2). médicas passaram a discutir como tornar mais efici-
Vários estudos demonstraram que as formas de ente o processo de atualização profissional(4). Deve-
atualização médica tradicional (seminário, congres- ria continuar voluntário ou deveria tornar-se obriga-
so, cursos específicos, discussão de casos, etc.) tório? A mancha dos acontecimentos pende para a
apresentam questionamentos em sua eficácia. Con- comprovação compulsória da atualização dos conhe-
trário ao aparente bom senso, fatores regulatórios cimentos. É o que discutiremos a seguir.
junto aos órgãos governamentais e outros, como dis-
pensa para participação em congressos, jornadas, LICENCIAMENTO, CERTIFICAÇÃO E
cursos de atualização, etc., têm tido pequeno impac- RECERTIFICAÇÃO
to.(3) Mas um ponto se destaca: o desejo do médico
de ser mais competente em sua prática clínica é o De maneira paulatina, seja em função da forma
fator motivacional mais importante no aprendizado e como os serviços médicos se organizam seja em fun-
na atualização do conhecimento. A força motora na ção da maior ou menor influência das corporações
manutenção da competência através de décadas de no controle do número de graduandos ou de especi-
vida profissional é, sem dúvida, a satisfação que es- alistas, há uma tendência universal de controle cada
ses médicos têm em exercer uma prática adequada, vez mais rigoroso da capacitação dos egressos dos
concomitantemente ao melhor conhecimento cientí- cursos médicos(5).
fico. Nos países de tradição anglo-saxônica, há uma
Nesse cenário, é compreensível que aqueles mé- inequívoca postura de avaliação pré-entrada no mer-
dicos cujas práticas se encontram muito abaixo do cado de trabalho. Em curso há várias décadas, ge-
padrão recomendável se constituam no maior desa- ralmente é realizada por organismo que se constitui
fio. Assim sendo, o que fazer? Há a idéia geral de com essa finalidade e independência das instituições
que as escolas de Medicina e as sociedades médi- médicas(6). Se considerarmos que naqueles países
cas devam aperfeiçoar suas competências educaci- já existe uma experiência de avaliação da qualidade,
onais e elevar a qualidade da educação ministrada. quer porque existe fiscalização governamental quer

302 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005
porque sejam usuais as ainda é exceção pelas razões óbvias: custo e tempo.
instituições realizarem
exames no final dos cur- AVALIAÇÃO É NECESSÁRIA
LUNA FILHO B sos, essa forma de avali-
Avaliação da
ação externa se consubs- Existe uma expectativa do público leigo em rela-
competência médica –
reflexão crítica tancia numa garantia que ção à prática médica, que está, intrinsecamente, re-
fatores objetivos, e não lacionada à credibilidade dos médicos. Por conseguin-
outros, tenham participa- te, a competência não pode ser apenas presumida,
ção importante nos resul- mas é necessário que seja avaliada de maneira ob-
tados. jetiva. Nesse diapasão, na Inglaterra, o “Royal Colle-
Particularmente no ge of General Practitioner” distingue entre competên-
Brasil, vivemos no pior cia clínica – o que o médico pode fazer – e desempe-
dos mundos: não há fiscalização governamental, não nho clínico – o que ele realmente faz. Dessa manei-
há avaliação terminal nas escolas de Medicina e não ra, define competência como uma combinação de
há, muito menos, avaliação externa por organismo conhecimento, habilidade e atitude, que, quando apli-
independente. E, para complicar, não há uma cultura cados em uma situação particular, conduz a um de-
de avaliação dentro das escolas médicas. Nestas, terminado resultado. Vale ressaltar que, refletindo
após os estudantes cursarem as matérias básicas, sobre o tema da competência, Miller(11) descreve qua-
raramente há avaliação adequada e rigorosa duran- tro estágios: começa pelo “saber”, progride pelo “sa-
te o período de treinamento das disciplinas clínicas ber como” e pelo “mostrar como”, e culmina pelo “fa-
e cirúrgicas. zer”. O desempenho, assim, depende do contexto em
Em conseqüência desses fatos, a “European Uni- que o médico trabalha com todas essas habilidades.
on of Medical Specialist” e o “Standing Committee of Embora possa não ser simples caracterizar um
European Doctors” enfatizam a adoção de progra- bom médico, é razoável exigir, em respeito às expec-
mas de educação médica continuada voluntários tativas dos paciente e familiares, que a certificação
entre seus membros, com a argumentação de que dos estudantes de medicina e a recertificação dos
os médicos têm obrigação tanto moral como ética de médicos sejam comparáveis, do ponto de vista fun-
se manter atualizados. (7, 8) Não obstante isso, em 2000 cional, à carteira de motorista, que, de tempos em
o governo inglês aprovou lei no parlamento tornando tempos, tem que ser revalidada. Assim sendo, tanto
obrigatório tanto o licenciamento dos recém-gradua- os egressos do curso médico deveriam se submeter
dos como a recertificação dos especialistas e não- a uma avaliação antes da obtenção da licença para
especialistas a cada cinco anos, sob penas de per- o exercício profissional como os médicos, em geral,
derem o registro profissional se não ficar comprova- deveriam também ser reavaliados pelo desempenho
da a atualização profissional. durante o tempo de prática(12). Esta última situação
Ressalte-se que as condições ideais de trabalho contemplaria análise em forma de auditoria de
e acesso à informação não são garantia de que os
médicos voluntariamente se manterão atualizados.
Por exemplo, na Dinamarca, apenas 70% dos médi- Tabela 1. Aspectos relevantes.
cos inscrevem-se voluntariamente nos Programas de
Educação Médica Continuada (3, 9). – Os programas tradicionais de Educação Médica
Nos Estados Unidos, a maioria das especialida- Continuada apresentam eficácias questionáveis.
des emite o título de especialista por período limita- – As Escolas e as Associações Médicas necessitam
do de tempo. No Canadá, há obrigatoriedade da re- aperfeiçoar suas competências educacionais para
certificação e a Universidade de MacMaster tem pri- prover Educação Médica Continuada de alta qua-
mado pelo desenvolvimento de programas de com- lidade.
petência com base no aprendizado em pequeno gru- – O fator mais importante nas mudanças de conduta
po e em situações clínicas.(10) médica e na aquisição de novos conhecimentos e
De maneira geral, o que se observa nos países habilidades é o compromisso pessoal em minis-
em que há o sistema de recertificação é que o mes- trar cuidados de alto nível.
mo se fundamenta na documentação de participa- – A Educação Médica Continuada deve atender a ne-
ção em atividade formal de educação. A contraparti- cessidade do médico e basear-se não apenas em
da da avaliação individual, ou em tempo real, tipo auto-avaliação ou aulas formais, mas também em
programa de auditoria no consultório ou no hospital, avaliação externa e objetiva.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 303
prontuário em consultó- Indubitável que não há forma de avaliação perfei-
rio/hospital bem como ta, mas isso não é justificativa para não se fazer ne-
atividades educacionais nhuma avaliação. Imprescindível é que o médico sai-
LUNA FILHO B formais que incluíssem ba combinar sua habilidade clínica individual com as
Avaliação da
programa estruturado e melhores evidências científicas em benefício dos
competência médica –
reflexão crítica objetivo de situações pacientes. Utilizar as melhores evidências científicas
clínicas freqüentes na- é um condicionante ético da maior relevância, sendo
quela especialidade ou fundamental que sejam consideradas em todos os
área de atuação. estágios da educação médica.

ASSESSMENT OF MEDICAL COMPETENCY –


CRITICAL EVALUATION

BRÁULIO LUNA FILHO

The exponential development of the human knowledge has increased the impor-
tance of the continuing medical education and has stimulated discussion about the
possible strategies. The scientific evidence points out that the traditional approa-
ching revealed insufficiency to fulfill the goals to inform and generate changing in the
behavior and in the acquisition of new skills to the medical practice. Despite of diver-
se approaching, the most relevant aspect is a worldwide tendency to certification
and recertification of the medical professionals. The advance of new technologies
and social demand for efficient and better medical care also increased the pressure
for medical competency. In this scenario, the Medical Associations and governmen-
tal offices both recently requested that medical specialists attend educational pro-
gram in regular period of time.

Key words: continuing medical education, competency, certification, recertification.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:301-5)


RSCESP (72594)-1543

REFERÊNCIAS tinuum. Acad Med. 1996;71:28-34.


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nes RB. Evidence-based medicine. How to practi- 4. Leung WC. Competency based medical training:
ce and teach EBM. New York: Churchill Livings- review. Br Med J. 2002;325:693-5.
ton; 1997. 5. Norman GR, Davis DA, Lamb S, Hanna E, Caul-
2. Slotnik HB. How doctors learn: the role of clinical ford P, Kaigas T. Competency assessment of pri-
problem across the medical school-to-practice con- mary care physicians as part of peer review pro-

304 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005
gram. JAMA. 1993;270: cal specialists in the European Union. Brussels:
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6. Bashook P, Parboosin- 9. Berwick DL, Enthoven A, Bunker JP. Quality mana-
LUNA FILHO B gh J. Recertification. Br gement: the doctor’s role – II. Br Med J. 1992;304:
Avaliação da Med J. 1998;316:545-8. 304-8.
competência médica – 7. European Union of Ge- 10. Manning PR, Clintworth WA, Sinopli LM, Taylor
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Charter on continuing medical education of medi- competencies. Acad Med. 2002;77:361-7.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 305
A ESPECIALIZAÇÃO PROFISSIONAL
FERREIRA JFM e col.
A especialização JOÃO FERNANDO MONTEIRO FERREIRA, MIGUEL ANTONIO MORETTI
profissional

Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 –


Cerqueira César – CEP 05403-900 – São Paulo – SP

A especialização médica tornou-se necessária em decorrência dos inúmeros avan-


ços no conhecimento das doenças e da aquisição de novas técnicas, o que repercu-
te tanto no diagnóstico como na terapêutica. Entretanto, o tempo demonstrou que
não se pode deixar de lado a formação básica, e que a capacitação profissional
deve ser encarada de forma séria e continuada.
O título de especialista é fornecido seguindo regras explícitas dos Conselhos
Regional e Federal de Medicina, por meio da Associação Médica Brasileira, esta
vinculada às sociedades de especialidades. Serve como comprovação para a soci-
edade civil da qualificação do profissional médico em determinada especialidade,
sendo válido apenas quando registrado no Conselho Federal de Medicina.
A revalidação do título de especialista é um tema atual, tendo como finalidade o
estímulo à educação continuada, sendo uma ferramenta de comprovação do esfor-
ço desse profissional para manter-se atualizado e, portanto, preparado para ofere-
cer a seus pacientes o que a medicina tem de mais atual.

Palavras-chave: título de especialista, revalidação, especialização, educação médi-


ca continuada.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:306-10)


RSCESP (72594)-1544

INTRODUÇÃO CAPACITAÇÃO E HABILITAÇÃO

As habilidades e os conhecimentos específicos Antes de a medicina adquirir a atual velocidade


são cada vez mais exigidos e aprofundados sobre de aquisição de novos conhecimentos e técnicas, a
um determinado assunto ou tema em todas as áreas formação profissional seguia a seqüência: curioso
profissionais. O processo de aperfeiçoamento e es- (admirador), talento, prática, amador e, por fim, pro-
pecialização implica a reestruturação da formação fissional. Atualmente esse processo vem se aprimo-
inicial e continuada do profissional, acarretando as- rando e levando à necessidade de métodos mais pro-
pectos negativos e positivos como resultado desse fissionais e técnicos envolvendo educação e forma-
processo. Apesar de próximos, os conceitos de for- ção. Esse processo deve, naturalmente, ser geral no
mação, capacitação e habilitação são diferentes, so- primeiro momento e só depois específico. Quando
bretudo no que se refere aos aspectos legais. No pre- se prioriza exclusivamente a formação específica
sente artigo destacaremos a importância de cada um restringe-se muito o campo de atuação e de habili-
desses aspectos que envolvem o processo de espe- dades para enfrentar a diversidade de doenças e de
cialização. doentes, o que acaba criando a figura do profissio-

306 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005
nal setorizado, que não de Duke apresentou os dados do estudo CRUSADE
consegue abordar seu (“Can Rapid Risk Stratification of Unstable Angina
paciente de forma gene- Patients Suppress Adverse Outcomes with Early Im-
FERREIRA JFM e col. ralista. Algumas vezes, plementation of the ACC/AHA Guidelines”). Realiza-
A especialização
profissional essas áreas técnicas do com mais de trinta mil pacientes portadores de
acabam por se desenvol- síndrome coronária aguda atendidos nas várias uni-
ver demais e geram uma dades de emergência participantes do estudo, foram
nova profissão, que tam- avaliados alguns parâmetros como mortalidade hos-
bém irá depender de uma pitalar, evolução para infarto e outras complicações
formação geral seguida decorrentes da síndrome coronária aguda ou de seu
de outra específica. tratamento. Esses parâmetros foram comparados
O profissional médico interage diretamente com entre os pacientes atendidos por cardiologistas e por
o paciente e o sistema, cada um com exigências di- outros médicos não-cardiologistas. Observou-se que
ferentes pertinentes a sua realidade. O paciente co- as taxas de mortalidade (3% vs. 6%), de evolução
bra eficiência, postura, dedicação e, sobretudo, re- para infarto (3% vs. 4%), de insuficiência cardíaca
sultados, que correspondam a suas expectativas. Já (8% vs. 14%), de acidente vascular cerebral (0% vs.
o sistema espera cumplicidade com os aspectos so- 1%) e de tempo de internação (4 dias vs. 5 dias) fo-
ciais e econômicos, além de, especificamente na área ram significativamente menores nos pacientes aten-
médica, outro tipo de cobrança muito forte, personi- didos por cardiologistas.
ficado no código de ética médica. Dessa forma, a for- Com a modernização da sociedade e o aumento
mação e a unificação do conhecimento médico, além de seu acesso ao conhecimento e à tecnologia de
do ensino do conhecimento, envolvem também a ponta, o mercado de trabalho exige correspondente
postura. A faculdade sempre deve prover o conheci- capacitação e qualificação cada vez maior dos pro-
mento técnico, mas deve atuar também na formação fissionais. O conhecimento torna-se cada vez maior
do caráter e na formação pessoal. Assim, os cursos e mais específico, e o fenômeno da globalização fa-
de graduação são responsáveis pela formação inte- cilita seu acesso, exigindo maior dedicação e mais
gral do médico, ou seja, pela sua capacitação profis- tempo para o aprendizado. Por exemplo, nos últimos
sional. dez anos, foram publicados mais de 1.200 artigos
As entidades de classe e os órgãos profissionais clínicos originais (só com seres humanos) sobre in-
são responsáveis pela habilitação profissional, de for- farto agudo do miocárdio, o que tornaria necessária
ma que o Conselho Federal de Medicina (CFM) e suas a leitura de pelo menos um artigo a cada dois dias
regionais são responsáveis pela fiscalização ética da para que os médicos se atualizassem em “tudo” do
profissão e também pela habilitação para exercer a infarto do miocárdio.
profissão. Atualmente, todo médico capacitado em Apesar da indiscutível necessidade da especiali-
faculdade de medicina reconhecida pelo Ministério zação, o mercado ainda exige que esse profissional
da Educação e Cultura (MEC) recebe diretamente do continue a conhecer e a atuar sobre os aspectos
Conselho Regional de Medicina (CRM) a habilitação básicos e gerais inerentes a sua profissão, garantin-
para exercer a atividade profissional, sem a necessi- do a abordagem global do atendimento ao paciente.
dade de se submeter a qualquer outro tipo de avalia- Entretanto, as vantagens auferidas pela superespe-
ção. Nesse contexto, vem aumentando a discussão cialização podem desaparecer em situações como
sobre o papel da implantação de um exame de habi- da perda de um emprego, levando esse profissional
litação específico após a graduação, como o já exis- a trabalhar em tarefas que não condizem com sua
tente na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com formação ou especialidade, caracterizando o chama-
o objetivo de garantir para a sociedade a qualidade do ônus da recolocação.
técnica desse profissional para o exercício da medi- As especializações são alcançadas nos cursos de
cina. pós-graduação, sendo a chamada Residência Médi-
ca a forma mais conhecida.
ESPECIALIZAÇÃO
TÍTULO DE ESPECIALISTA
Durante congresso do “American College of Car-
diology” (ACC), em 2003, um grupo da Universidade O título de especialista não pretende definir se um

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 307
médico pode ou não exe- ÁREA DE ATUAÇÃO
cutar determinada fun-
ção. Para os Conselhos A formação geral do indivíduo é a base para uma
FERREIRA JFM e col. Federal e Regional de boa especialização; entretanto, deve-se ter cuidado
A especialização
profissional Medicina, essa titulação na criação e na regulamentação dos cursos de es-
serve como referência pecialização para se evitar a criação de novas pro-
para veiculação da infor- fissões. A área de atuação representaria uma subes-
mação. Um médico re- pecialidade dentro da especialidade, como, por exem-
cém-formado pode reali- plo, o cardiologista pediátrico, que é uma área de
zar qualquer procedimen- atuação dentro das especialidades de cardiologia clí-
to médico, mas só pode- nica e pediatria. Nesse caso, é uma mesma área de
rá anunciá-lo se for portador do Título de Especialis- atuação vinculada de comum acordo com duas es-
ta. Poderá atender pacientes cardiopatas, mas não pecialidades. Recentemente a comissão mista de
pode se identificar como especialista em doenças car- especialidades (CNRM, AMB e CFM) divulgou a lista
díacas pelo seu cartão de visitas, receituário ou ou- atualizada de especialidades e de áreas de atuação.
tro veículo de identificação sem ser portador do títu- Na realidade, não existe restrição à atividade mé-
lo. Ou seja, o título não coíbe o exercício da profis- dica quando se fala em título de especialista, já que
são, ele regula a divulgação da habilidade do médi- qualquer médico portador de registro em um conse-
co em executar determinada função. lho regional de medicina pode exercer atividade mé-
Quem habilita o médico é o órgão de classe, dica. Assim, a titulação tem papel de demonstrar a
mas quem certifica ou credita é a instituição que qualificação desse profissional perante a sociedade,
regulamenta a profissão e a formação. Essa cre- autorizando-o a divulgar sua especialidade ou área
ditação para a especialização era fornecida pela de atuação. Atualmente, é permitido registrar, nos
Comissão Nacional de Residência Médica conselhos regionais de medicina, apenas duas es-
(CNRM), a qual credenciava os serviços formado- pecialidades. Existe discussão quanto à regulamen-
res de especialistas mediante normas e regula- tação da especialização e do novo conceito da reva-
mentações. Entretanto, recentemente, as Socie- lidação, e à adoção de uma ferramenta, como a cria-
dades de Especialidades, vinculadas e sob orien- ção da ordem dos médicos, que possa regular a ha-
tação da Associação Médica Brasileira (AMB), bilitação de forma compatível com a capacitação e
também passaram a expedir certificados de espe- definir o ato/procedimento médico com os órgãos
cialista registrados pelo CRM. competentes e fiscalizadores, seja na esfera socie-
A obtenção do Título de Especialista é uma via tária/profissional seja na esfera jurídica. Fica eviden-
cada vez mais utilizada e prestigiada, a ponto de a te, portanto, a necessidade de se criar regras que
maioria dos que fazem residência médica também definam e regulamentem formação, capacitação e
procurarem as Sociedades Especializadas para ad- qualificação profissional. Projetos de lei nos âmbitos
quirir o Título de Especialista. O número crescente federal e estadual, envolvendo a comissão mista de
de médicos no mercado de trabalho somado às exi- especialidades (CNRM, AMB e CFM), tratam da re-
gências mais específicas dos usuários estão forçan- validação do título como o foco principal de estímulo
do esse fato. Outro importante fato impulsionador para a educação continuada. Outros projetos viabili-
seria a escassez de centros formadores de especia- zam a criação da Ordem dos Médicos ou regulamen-
listas, impedindo que todos os médicos graduados tam o Ato Médico.
possam realizar sua especialização. Segundo dados
do CNRM, divulgados em 2002, o Brasil possuía 74 REVALIDAÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA
centros formadores com o reconhecimento de resi-
dência médica. A maioria desses centros localiza-se As informações médicas modificam-se com muita
na região Sudeste (62,1%), seguida da região Sul rapidez, as novidades são grandes e a medicina é
(16,2%) e, por fim, das regiões Nordeste e Centro- uma das áreas de maior crescimento. A revalidação
Oeste (10,8% cada). Esses centros contam, no ge- periódica dos títulos de cardiologia é uma tendência
ral, com apenas 294 vagas para R1 (primeiro ano de mundial, sendo obrigatória em países como Portugal
residência), 272 vagas para R2, 81 vagas para R3 e e tendo início este ano na Inglaterra. Na maioria dos
5 vagas para R4. países, o intervalo adotado é de cinco anos, com cré-

308 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005
ditos obtidos em partici- pecialista como sua revalidação. O Título de Especi-
pação em congressos e alista em Cardiologia fornecido pela SBC e aprova-
cursos.O princípio básico do pela AMB já existe desde a década de 80, tendo
FERREIRA JFM e col. da revalidação é fazer sido aprimorado e valorizado nesses últimos anos
A especialização
profissional com que o médico se atu- graças aos esforços de sua comissão. A revalidação,
alize e possa se aprimo- após muito se discutir, passou a vigorar em nossa
rar por meio do estudo sociedade desde 2000, fato que valorizou a cardiolo-
continuado. gia brasileira no cenário mundial. Por medida de re-
Em nosso meio, a So- solução do CFM, desde o dia 2 de abril de 2005 a
ciedade Brasileira de revalidação tanto do título de especialista como da
Cardiologia (SBC) foi área de atuação passa a ser obrigatória para todas
uma das pioneiras em instituir tanto o Título de Es- as especialidades.

THE PROFESSIONAL SPECIALIZATION


IN CARDIOLOGY

JOÃO FERNANDO MONTEIRO FERREIRA, MIGUEL ANTONIO MORETTI

Medical specialization is more and more necessary due to the increasing know-
ledge of diseases and to the endless number of advances in technology, both in
therapeutic and diagnostic spheres. But the basic education can not be left aside.
The rules should be adequated and the professional qualification should be faced in
a grave form.
The title of specialist is provided according to the rules of the Regional and Fede-
ral Medicine Councils, throughout the Brazilian Medicine Association linked to the
societies of specialties. The title of specialist is an evidence to the society of the
rating of a professional of health in one of the specialties, and it has to be validated
close to the Federal Medicine Council.
The revalidation of the title of specialist is a present issue, aiming to stimulate the
continuous medical education as well as being an instrument to confirm the efforts
of the professional of health addressed to his updating, allowing him to offer to his
patients the most updated medicine.

Key words: continuous medical education, specialization, Cardiology Certificate,


re-certificate.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:306-10)


RSCESP (72594)-1544

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 309
LEITURA RECOMENDADA 4. Jornal do CREMESP. 2005;213:5-7.
5. Jornal do CREMESP. 2005;210:10.
1. Resolução CFM 1.755/ 6. Jornal do CREMESP. 2004;199:2-11.
FERREIRA JFM e col. 04. 7. Revista da APM. 2004;547:14-8.
A especialização 2. Jornal do CFM. 2005; 8. Diretrizes para Obtenção do Título de Especialista em
profissional XX(154):21. Cardiologia.
3. Jornal do CFM. 2004; 9. Estudo CRUSADE.
XX(152):11. 10. Código de Ética Médica.

310 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005
DEFESA PROFISSIONAL NAS SOCIEDADES
CURI JCM DE ESPECIALIDADES MÉDICAS
Defesa Profissional
nas Sociedades de
Especialidades Médicas
JORGE CARLOS MACHADO CURI

Disciplina de Cirurgia do Trauma – UNICAMP


Associação Paulista de Medicina
Hospitais Irmãos Penteado e Samaritano – Campinas – SP
CREMESP

Endereço para correspondência: Rua Antonio Fálcaro, 106 –


Condomínio Arboreto dos Jequitibás – CEP 13105-652 – Campinas – SP

Honorários justos e condições adequadas para o exercício da Medicina são ape-


nas duas das vertentes da Defesa Profissional. Estar vigilante quanto às pressões
que ferem a autonomia profissional, organizar serviços jurídicos contra a indústria
do erro médico e lutar por justiça tributária, pela regulamentação da profissão e por
recursos para a saúde também são pontos fundamentais à defesa do médico.

Palavras-chave: diretrizes, tributos, Lei do Ato Médico, defesa profissional, CBHPM,


defesa jurídica.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:311-4)


RSCESP (72594)-1545

Para pensar como deveria ser o perfil da ação de diferentemente de outras profissões em que, com o
Defesa Profissional de uma Sociedade de Especiali- avançar dos anos, o cidadão tem certeza de contar com
dade Médica, obrigatoriamente temos de refletir sobre uma aposentadoria digna.
as últimas avaliações do médico brasileiro em relação A maior parte (52%) atua em plantões, dos quais
à profissão. O livro “O Médico e o seu Trabalho”, publi- 64% de forma presencial. Esse quadro reflete bem o
cado em 2004 pelo Conselho Federal de Medicina, traz desgaste da profissão referido por 58% deles. O acha-
várias novas informações sobre a nossa profissão e tamento da renda mensal é evidente, pois na pesquisa
que já vinham sendo sinalizadas desde o levantamen- anterior os que recebiam até US$ 2.000,00 represen-
to anterior, de 1996. Fica claro, por esses dados, que tavam cerca de 45% e agora somam 52%. Já os que
nossa classe médica, em sua quase totalidade, se en- recebiam acima de US$ 4.000,00 eram 19% e agora
contra trabalhando na própria medicina (98%). No en- são cerca de 9%. Esse quadro se reflete na insatisfa-
tanto, é crescente o número de colegas que exercem ção com sua vida relatada por um terço dos médicos,
atualmente múltiplas atividades (28%) na profissão. embora, como os dados demonstram, quase todos
Os médicos têm protagonizado uma autêntica ci- permaneçam nela e a maior parte (dois terços) se diz
randa de ocupações nos diversos setores empregatí- satisfeito.
cios: consultório, privado, público, filantrópico e docen- Somado a esse sombrio perfil de mercado, aparece
te. Isso sem falar que aproximadamente 10% possuem a necessidade de atualização que nossa profissão exi-
algum tipo de trabalho fora da Medicina. É patente a ge continuamente e a dificuldade que grande parte dos
preocupação dos médicos em garantir seu sustento colegas tem para freqüentar congressos ou se ausen-
enquanto gozam de saúde tanto física como mental, tar de suas atividades. É também relevante considerar

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 311
na área privada a enorme acabar sendo inviabilizadas.
restrição de que os médi- Assim, um Departamento de Defesa Profissional de
cos se queixam em rela- uma Sociedade de Especialidade, se quiser realmente
CURI JCM ção à liberdade de fixação atuar em toda a extensão da defesa do trabalho de
Defesa Profissional de honorários (84%), à di- seus associados, deve desenvolver ações em todas
nas Sociedades de minuição da autonomia essas situações e ter estrutura para isso ou realizá-las
Especialidades Médicas
profissional (78%) e à re- em parceria com outras entidades. Não há dúvida de
duzida liberdade de esco- que existem inúmeras vantagens e conveniências para
lha para o paciente (52%). que essas ações sejam empreendidas de maneira as-
Quase 40% dos colegas sociada ou em sintonia com a Associação Paulista de
são contrários ao atendi- Medicina (APM), com a Associação Médica Brasileira
mento de planos de saú- (AMB) e outras entidades médicas (Conselhos Regio-
de e outros 40% são pouco favoráveis; no entanto, a nal e Federal de Medicina e Sindicatos), e, ainda, com
maioria sabe da necessidade de se manter o atendi- todas as inúmeras instituições que têm relacionamen-
mento por esses planos. É evidente, portanto, que al- to às vezes vital com as especialidades, como as de
mejam a mudança da postura negativa dos mesmos ensino, caso das Faculdades de Medicina, a Associa-
em relação à classe e aos pacientes. ção Brasileira de Ensino Médico (ABEM) ou as Comis-
Não há dúvida de que existe enorme expectativa sões Estadual e Nacional de Residência Médica, enti-
em relação à atuação de uma central reguladora, ou dades hospitalares (como o Sindicato dos Hospitais do
central de convênios, que iniba essa ação predatória e Estado de São Paulo – SINDOSP), entidades repre-
favoreça atendimento adequado, além de honorários sentantes de planos de saúde e medicina privada, re-
dignos. Na área pública – em que pese algum avanço presentantes da saúde pública nos vários níveis, de
no atendimento do Programa de Saúde da Família defesa do consumidor (como a Fundação de Proteção
(PSF), no qual os médicos têm atualmente valorização e Defesa do Consumidor – Procon), jurídicas (como a
um pouco melhor –, é extremamente necessário que Ordem dos Advogados do Brasil – OAB), e outras.
se crie um adequado plano de cargos e salários, con- Dentre essas ações em parceria com as entidades
dizente com a respeitabilidade e a complexidade da médicas, convém realçar as mais importantes do mo-
profissão, para que esse segmento fundamental não mento, que são a implantação da Classificação Brasi-
seja encarado apenas como “bico”. leira Hierarquizada de Procedimentos Médicos
A tudo isso se acrescenta, ainda, a ação extrema- (CBHPM), que, como o próprio nome diz, refaz a hie-
mente oportunista de empresas que gostariam que rarquização de aproximadamente quase cinco mil pro-
ocorresse, em nosso meio, a proliferação da “indústria cedimentos médicos, dos quais quase mil são novos.
do erro médico”, com processos envolvendo quantias Esse trabalho foi realizado por iniciativa da AMB, junto
fabulosas. É necessário considerar, ainda, os concei- com as demais entidades médicas nacionais (Conse-
tos trazidos pelo Código de Defesa do Consumidor, que lho Federal de Medicina – CFM e representações sin-
podem deturpar a boa relação médico-paciente, que já dicais) e as sociedades de especialidades médicas, por
passa por interrogações em decorrência dos grandes meio de um trabalho totalmente técnico realizado pela
avanços tecnológicos, diagnósticos e terapêuticos da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica da USP
Medicina, que nos ajudam a salvar vidas, mas que tam- (FIPE), de forma inédita, interagindo com todas as es-
bém criam falsas ou fantasiosas expectativas e aumen- pecialidades e tornando a CBHPM uma referên-
tam a dificuldade de a sociedade moderna entender a cia absolutamente coerente e única e que, portanto,
Medicina como uma ciência de meio e não de fim. pode ser adotada tanto pelo sistema suplementar como
Outra dificuldade que os médicos têm, e que se apre- pelo Sistema Único de Saúde (SUS), pela legitimidade
senta de forma sempre progressiva, diz respeito a como e pela coerência em sua arquitetura.
montar e gerir seu consultório ou seu “negócio” e sua É lógico que um trabalho de tal envergadura pode e
vida contábil e financeira, pois, aturdido com a neces- deve ser continuamente revisado para se manter atual
sidade de ter múltiplos empregos e ocupações, e sem e corrigir distorções. Neste último ano, as entidades
o devido preparo, acaba sendo vítima freqüente de médicas e as sociedades de especialidades estiveram
questões burocráticas e trabalhistas, tributárias ou até envolvidas em um movimento que, de maneira inédita,
mesmo de manutenção de sua estrutura de trabalho. mobilizou os médicos de praticamente todo o país na
Com a dificuldade de recebimentos de planos de saú- luta por sua implantação. Tão importante é sua adoção
de e com a somatória de gastos para manter o consul- que se tornou uma resolução do CFM e existe um pro-
tório e, eventualmente, uma variedade de procedimen- jeto de lei tramitando no Congresso Nacional (autoria
tos com diferentes custos, como material, medicamen- do deputado Inocêncio de Oliveira e relatoria do depu-
tos, salários, impostos, etc., suas atividades podem tado Rafael Guerra) para sua legítima adoção em todo

312 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005
o território nacional. tência quando algo inesperado ou infeliz ocorre. Certa-
Espera-se que o Minis- mente, não se pode proibir ninguém de fazer os segu-
tério da Saúde e a Agên- ros, e cada colega e cada especialidade devem anali-
CURI JCM cia Nacional de Saúde Su- sar sua situação particular, mas a impressão das enti-
Defesa Profissional plementar (ANS) tenham dades médicas, e em especial da APM e suas regio-
nas Sociedades de sensibilidade e determina- nais, que possuem um serviço de defesa para todos
Especialidades Médicas
ção suficientes para enca- os seus associados no contexto do “Erro Médico”, é de
minhar a implantação da que ter o seguro em larga escala significa exatamente
CBHPM. E ainda para via- fazer o que as empresas oportunistas querem, multi-
bilizar uma contratualiza- plicando assim as ações e seus valores.
ção adequada entre pres- Finalmente é necessário referir, como uma das mai-
tadores e planos de saú- ores prioridades de Defesa Profissional, a campanha
de, o que não foi conseguido pela regulamentação dos nacional pela aprovação do projeto de lei do Ato Médi-
planos de saúde (Lei 9656-98). Aliás, uma lacuna que co (PL 25-2002), que regulamenta a profissão médica.
tem sido péssima tanto para médicos como para paci- É curioso que a Medicina, a mais antiga das profissões
entes. da Saúde (aproximadamente com 2.700 anos), seja
Infelizmente o poderoso “lobby” das operadoras de praticamente a última a procurar sua regulamentação
planos de saúde tem se mostrado sempre presente no e que exista tanta resistência para que ela ocorra. No
sentido de tentar impedir esse importante avanço que entanto, é fundamental que aconteça rapidamente, pois
seria a aprovação da CBHPM e sua implantação para temos a obrigação de esclarecer a sociedade sobre o
a devida regularização da atividade médica e para o papel de cada profissional e o melhor que cada um
benefício dos pacientes. pode fazer pelos pacientes, inclusive de forma integra-
Outra ação muito importante que vem sendo de- da. Como um dos pilares de nossa sociedade, de nos-
senvolvida e merece todo empenho em sua ampliação sa constituição e do próprio SUS, não podemos fazer
é o Projeto Diretrizes, coordenado pela AMB em con- discriminações e ter dois tipos de Medicina, uma para
junto com o CFM e as sociedades de especialidades os que podem e outra para os que não podem, como,
médicas. O projeto traz as melhores indicações, por por exemplo, nas Casas de Parto, em que atendimen-
intermédio da Medicina Baseada em Evidências, para tos temerários podem ocorrer pela não presença ime-
o diagnóstico e o tratamento das diversas doenças, nor- diata do médico. É muito importante, portanto, que to-
teando os médicos a como melhor utilizar os milhares dos os médicos se empenhem com todas as pessoas
de procedimentos disponíveis atualmente. Isso é fun- de sua relação e com seus deputados para que o pro-
damental, tanto no contexto público como no privado, jeto de lei do Ato Médico seja aprovado.
já que os recursos são poucos e precisam ser bem Felizmente está se consolidando o conceito da ne-
aproveitados. Além do mais, esse trabalho, que deve cessidade de se formar o médico com muito huma-
ser ampliado, poderia ser estendido inclusive com a nismo e que com muita sensibilidade usa toda sua
participação das próprias empresas de planos de saú- capacidade para ouvir, observar e examinar seu pa-
de, que poderiam sinalizar quais os procedimentos de ciente, e assim determinar qual a melhor opção de
maior freqüência e sua repercussão. Isso, de alguma diagnóstico e de terapêutica para o mesmo, sem exa-
forma, já vem sendo feito. gerar na utilização de métodos auxiliares. É funda-
Como prioridade, também no que tange à Defesa mental que estejamos continuamente reafirmando e
Profissional e em resposta aos processos contra os defendendo esse conceito, pois isso significa a pro-
médicos e que podem ser de ordem ética, penal ou teção da essência da Medicina, desde os insuperá-
civil, é estratégico que se estruturem serviços jurídi- veis princípios deixados por Hipócrates, e a defesa
cos, no sentido de prontamente planejar e realizar a de nossos pacientes e também nossa, pois perder
defesa dos médicos que simplesmente ficam atordoa- isso seria igualar nossa espetacular e milenar profis-
dos e sem ação quando algo desse tipo lhes ocorre. E, são a um simples comércio entre cliente e prestador
nesse momento, é necessário calma e profissionalis- de serviço, o que ninguém quer, a não ser oportunis-
mo. Obviamente não pensamos em fazer seguros co- tas que não enxergam a dimensão da Medicina ou
letivos para a classe, mas sim assegurar uma excelen- que querem fragilizar a relação médico-paciente ou
te defesa e tranqüilidade para realizá-la com compe- manipulá-la segundo seus interesses.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 313
MEDICAL SPECIALIST ASSOCIATION AND
CURI JCM PROFESSIONAL DEFENSE
Defesa Profissional
nas Sociedades de
Especialidades Médicas
JORGE CARLOS MACHADO CURI

To fight for fair remuneration and for adequate conditions for the exercise of the
Medicine are only two of Professional Defense actions. To be vigilant on the pressu-
res that wound the professional autonomy, to organize legal services against the
medical error industry, to fight for tributary justice, for the regulation of the professi-
on, for better resources for health care, among other points, also are basic to the
defense of the doctor.

Key words: guidelines, taxes, medical performance, laws.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:311-4)


RSCESP (72594)-1545

LEITURA RECOMENDADA Campinas, 2001.


5. Projeto Diretrizes – Associação Médica Brasileira
1. CBHPM. Associação Médica Brasileira, 2003. 2003/2004.
2. Código de Ética Médica – Conselho Regional de 6. Regimento do Departamento de Defesa Profissional
Medicina, 1988. – APM – Jaú.
3. Estatuto da Associação Paulista de Medicina, 2004. 7. Manual de Ética e Defesa Profissional – Sociedade
4. Estatuto da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Brasileira de Pediatria.

314 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005
O ATO MÉDICO EM CARDIOLOGIA E
VILA JHA SUAS INTERFACES
O ato médico em
Cardiologia e
suas interfaces
JOSÉ HENRIQUE ANDRADE VILA

Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo


Câmara Técnica de Cardiologia
CREMESP

Endereço para correspondência: Av. Paulista, 2073 – Ed. Horsa I – 15º andar –
sala 1512 – Cerqueira César – CEP 01311-300 – São Paulo – SP

O cardiologista, clínico por excelência, deve realizar pessoalmente toda a parte


inicial de anamnese e exame clínico, por conterem informações freqüentemente de
natureza crítica e também porque é nesse momento que se estabelece o bom rela-
cionamento entre médico e paciente, que será de grande valia em futuras decisões
que se possam fazer necessárias. No pós-consulta e na reabilitação de maneira
geral, o concurso de outros profissionais é desejado, inclusive no âmbito ambulato-
rial, como será comentado no artigo.

Palavras-chave: ato médico, relação médico-paciente, médico e outros profissio-


nais de saúde.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:315-8)


RSCESP (72594)-1546

INTRODUÇÃO Discordamos de práticas correntes em países de


Primeiro Mundo, em que as informações da anamne-
O ato médico, que aguarda regulamentação pelo se, cruciais para o raciocínio diagnóstico, sejam obti-
Congresso Federal, explicita, de forma simples e con- das por profissional não-médico, pois isso pode negli-
cisa, que o diagnóstico e a orientação terapêutica das genciar sintomas sutis ou levar a dispendiosos e inú-
doenças permanecem, como há milênios, atribuição ex- teis procedimentos diagnósticos. Características pró-
clusiva da classe médica, respeitando-se as interfaces prias da especialidade, com a gravidade potencial, com
com outros profissionais, como tem sido feito há mui- risco de morte súbita após sintomas aparentemente
tos anos. É preciso que as pessoas compreendam que inofensivos, exigem do cardiologista grande experiên-
nossa profissão milenar merece, como as demais, essa cia e adequado preparo, para que já no primeiro conta-
regulamentação, até porque ela é necessária. Lembra- to com o paciente sejam tomadas as providências enér-
mos que há mais de 70 anos consta como crime, no gicas que o caso requer, com o cuidado e a delicadeza
Código Penal Brasileiro, o exercício ilegal da medicina. necessários, levando em conta a parte psicológica, para
Dentre as especialidades clínicas, entendemos que evitar situação de pânico entre pacientes e familiares.
na Cardiologia o ato médico atinge toda sua plenitude, Somente o profissional médico bem preparado pode
ou seja, desde a obtenção da história clínica inicial até conseguir resolver com sucesso essas difíceis situa-
os mais sofisticados procedimentos invasivos exigem- ções, tão freqüentes nos consultórios de cardiologis-
se argúcia, equilíbrio, experiência e sentido humanísti- tas, como arritmias graves, coronariopatias agudas,
co do profissional médico, que não devem ser delega- pacientes com hipertensão grave ou com descompen-
dos a outros profissionais. sação aguda de ventrículo esquerdo. Quantos de nós

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 315
já abandonamos o consul- exame abdominal, entendemos que o cardiologista,
tório, após o início da con- além das visceromegalias, também deva se preocupar
sulta, para levar o pacien- com a palpação da aorta para detecção de eventual
VILA JHA te a um serviço de emer- aneurisma de aorta, tão freqüente em tabagistas inve-
O ato médico em gência em nosso próprio terados. Desnecessário mencionar a importância da
Cardiologia e automóvel? propedêutica pulmonar para a distinção entre os qua-
suas interfaces
dros de congestão das doenças próprias dos pulmões,
O PAPEL DO freqüentemente confundidas quando se analisam, sem
CARDIOLOGISTA grande experiência, unicamente os dados radiológicos.
Delegar a verificação da pressão arterial a outros
Como já dissemos, profissionais é prática freqüente e, a nosso ver, incor-
consideramos sempre ne- reta. Somente o médico tem experiência para a distin-
cessário que a história clínica seja obtida pelo médico. ção, em particular nos casos de insuficiência cardíaca,
Elemento absolutamente crucial para o diagnóstico, dos sons de Korotkoff, bastante apagados nessa con-
apresenta, entretanto, sutilezas que somente ao médi- dição, e sabe da utilidade de manobras como abrir e
co cabe distinguir. Lembramos a ausência de dor pre- fechar a mão do membro em que se verifica a pressão,
cordial típica no caso de isquemia miocárdica grave medida nas posições em pé e sentado e nos membros
em pacientes idosos e diabéticos, que podem apresen- inferiores. Pior ainda quando, além da verificação da
tar os chamados equivalentes anginosos, como tontu- pressão arterial, é delegada também a decisão de
ras, quadros pré-sincopais, náuseas inexplicáveis, fati- medicar ou não o paciente internado, com base na-
gabilidade súbita, etc. Repetimos que, apesar de ser quela medida. Entendemos esse fato como falta ética
prática corrente em alguns países de Primeiro Mundo, clara. A verificação da pressão arterial pelo pessoal de
não entendemos como atitude ética ou cientificamente enfermagem nos horários indicados é útil para dar ao
defensável em nosso país delegar a história clínica para médico uma visão panorâmica dessa importante vari-
profissional não-médico. A quem cabe a distinção en- ável nas 24 horas, porém não para medicação pontual.
tre o relevante e o irrelevante, que evitaria os excessos Em casos preocupantes, deve constar “frente a tal e
intoleráveis que às vezes assistimos, se não ao cardio- qual situação, avisar o médico”.
logista? Quadros de cervicobraquialgia à esquerda Dos exames auxiliares, entendemos que somente
podem em tudo mimetizar a doença coronária, porém a eletrocardiografia de repouso pode ser realizada por
são facilmente esclarecidos com a reprodução dos sin- profissional bem treinado, sem a participação física do
tomas, após a palpação das vértebras cervicais. Há médico. Todos os outros exames, inclusive e particu-
muitos anos nosso livro de cabeceira de semiologia larmente a ecocardiografia, devem ser realizados pelo
cardiovascular, editado por Jules Constant e que reco- médico e/ou devem ser acompanhados em tempo real
mendamos aos jovens colegas, traz um “checklist” muito pelo especialista para que imagens falso-diagnósticas
útil, porém quando aplicado por médico. não sejam impressas, levando a laudos incorretos ou,
O exame físico em Cardiologia permanece como pior ainda, à negligência de dados importantes. A pri-
elemento fundamental para a confirmação da suspeita meira condição ocorreu, como sabemos, na época dos
diagnóstica inicial advinda da anamnese e para a com- excessos diagnósticos de prolapso da válvula mitral.
plementação de informações para o diagnóstico mais No teste de esforço, impõe-se a presença do médico
completo possível. Em nenhuma outra especialidade em todo o procedimento, pois não são incomuns situa-
clínica o uso dos sentidos pode trazer tantas informa- ções de emergência, que requerem pronta atuação do
ções, até sobre a gravidade da doença, como em Car- profissional. No restante dos exames mais especiali-
diologia clínica. Lembramos a ausculta das valvulopa- zados e invasivos, a atuação do médico é absoluta.
tias mitrais e aórticas e das cardiopatias congênitas, Na terapêutica clínica, no coroamento de toda a jor-
como comunicação interatrial, tetralogia de Fallot e co- nada conjunta de médico e paciente, a participação da-
arctação da aorta, entre outras. Preocupa-nos a possibi- quele é absoluta na cuidadosa confecção da prescri-
lidade de a multiplicidade e do alto nível dos exames au- ção, com horários e advertências sobre o uso durante
xiliares levarem os jovens colegas a negligenciar essa ou fora das refeições, possíveis sintomas colaterais,
arte, que se consolidou há mais de século, transforman- interações medicamentosas desfavoráveis, etc. Aqui,
do os cardiologistas em propedeutas de excelência. entretanto, o concurso de outros profissionais é bem-
A palpação de todos os pulsos de grandes artérias vindo e passaremos a considerá-lo adiante.
do pescoço, fúrcula e membros deve ser cuidadosa-
mente feita e anotada, juntamente com as alterações A INTERFACE COM OUTROS PROFISSIONAIS
venosas visíveis, além do minucioso exame do precór-
dio, com inspeção, palpação e ausculta cuidadosas. No É salutar que clínicas cardiológicas de vulto, como

316 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005
as dedicadas a insuficiên- agnóstico de alterações psicológicas e na detecção de
cia cardíaca, além das de- quadros mais graves, que exigem o concurso de psi-
dicadas a hipertensão ar- quiatras, etc. Freqüentemente dados importantes, como
VILA JHA terial e doença coronaria- o uso de substâncias tóxicas proibidas, são informa-
O ato médico em na, por exemplo, possuam dos ao profissional de psicologia, que se utiliza de téc-
Cardiologia e enfermeiras, nutricionis- nicas mais sutis, e não ao médico cardiologista.
suas interfaces
tas, fisioterapeutas, psicó- Os fisioterapeutas têm importância fundamental na
logos e professores de recuperação de pacientes cardiopatas mais graves hos-
educação física. pitalizados, bem como no pós-operatório de cirurgia
Os enfermeiros, alia- cardíaca com ênfase na parte respiratória. Muitos ca-
dos de primeiro grau da sos também podem se beneficiar dos cuidados fisiote-
atividade médica, têm im- rápicos ambulatoriais para reforço de musculaturas
portância inegável no pós-consulta: devem reforçar cri- específicas, permitindo o recondicionamento físico com
teriosamente todas as informações da receita, devem sucesso.
dispor das medicações usuais, de preferência os ge- O excesso de repouso, tão freqüentemente reco-
néricos, para exibir ao paciente, devem organizar mé- mendado de forma incorreta por colegas do passado,
todos de controle de aderência terapêutica, etc. É bas- foi um erro que a moderna Cardiologia corrigiu. Os pro-
tante freqüente o fato de pacientes suspenderem por fessores de educação física, dedicados e com forma-
conta própria o uso de algum medicamento e não te- ção específica em Cardiologia, são os melhores alia-
rem coragem de informar isso ao médico, por se senti- dos para promover, após a necessária avaliação clíni-
rem envergonhados, mas informam a outro profissio- co-funcional, a reabilitação física desses pacientes, que
nal, por sensação de culpa e preocupação. A freqüen- sabemos hoje ser parte importantíssima na recupera-
te agregação de toda a medicação matinal em uma ção de muitos quadros, até avançados, de doença car-
única tomada, feita pelos pacientes, deve ser esclare- diovascular.
cida como perigosa, especialmente quando do uso de
vários vasodilatadores. CONCLUSÃO
Os nutricionistas ocupam hoje papel relevante no
apoio ao tratamento dos cardiopatas, não só quanto O cardiologista, clínico por excelência, deve reali-
às técnicas para restrição de sal como também para a zar pessoalmente toda a parte inicial de anamnese e
abordagem dos difíceis casos de dislipidemia e obesi- exame clínico, por conterem informações freqüente-
dade. Vícios na técnica culinária, freqüentemente não mente de natureza crítica e também porque é nesse
detectados pelos médicos, são corrigidos por esses pro- momento que se estabelece o bom relacionamento
fissionais. entre médico e paciente, que será de grande valia em
Os psicólogos, principalmente diante de quadros futuras decisões que se possam fazer necessárias. No
mais graves, como, por exemplo, candidatos a trans- pós-consulta e na reabilitação de maneira geral, o con-
plante cardíaco e portadores de transplante cardíaco, curso de outros profissionais é desejado, inclusive no
são também aliados muito úteis do cardiologista no di- âmbito ambulatorial, como comentamos no texto.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 317
THE MEDICAL ACT IN CARDIOLOGY AND
VILA JHA ITS INTERFACES
O ato médico em
Cardiologia e
suas interfaces
JOSÉ HENRIQUE ANDRADE VILA

The Cardiologist, clinician of excellence, must perform by himself the collection


of the clinical history and also the critical data from the physical examination, becau-
se it is in this very moment that the important and decisive link between doctor and
patient begins and, if strong enough, will be a most valuable tool in the entire treat-
ment of the patient. After this, in the orientation of the prescription to the patient and
in the rehabilitation program at the ambulatory level, the participation of other health
professionals is welcome.

Key words: medical act, doctor-patient relationship, doctors and other health pro-
fessionals.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:315-8)


RSCESP (72594)-1546

LEITURA RECOMENDADA Hurst’s the Heart: Arteries and Veins. 8a ed. New
York, NY: McGraw-Hill, Inc.; 1994. p. 205-91.
1. Semiologia Cardíaca – Diagnóstico e Tratamento 3. Willerson JT, Cohn JN. Cardiovascular Medicine.
Junto ao Leito. 5a ed. Lippincott Williams & Wilkins; 1995. p. 1-31.
2002. 4. Théroux P. Acute Coronary Syndromes. 2003. p. 1-
2. Schlant RC, Alexander RW, O’Rourke RA, et al., eds. 48.

318 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005
PRONTUÁRIO DO PACIENTE: O PAPEL NA DEFESA
GRINBERG M PROFISSIONAL DO MÉDICO
Prontuário do paciente: o
papel na defesa
profissional do médico
MAX GRINBERG

Unidade de Valvopatias – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 –


Cerqueira César – CEP 04015-011 – São Paulo – SP

Prontuário em Medicina é forma de comunicação escrita. Sem prontuário não há


Medicina, sem prontuário prejudica-se a ética, sem prontuário enfraquece-se a De-
fesa Profissional. O cuidado com o prontuário presta-se, pois, tanto para os proble-
mas de saúde do paciente como para a saúde profissional do médico. O prontuário
ideal é aquele que cumpre seu papel, literalmente, o de ser o documento, testemu-
nho com clareza e fidelidade, do vínculo entre médico e paciente. Pela visão de
Defesa Profissional, não basta o médico agir com competência, é preciso documen-
tá-la por escrito. A Defesa Profissional recomenda: prontuário, não saia da consulta
sem o preencher.

Palavras-chave: prontuário, defesa profissional, comunicação médica.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:319-27)


RSCESP (72594)-1547

“O papel do prontuário não é nem página virada, nem O médico deve ver o prontuário como elemento de con-
página em branco, é folha corrida que deve valer a ár- dução de um vínculo profissional, sujeito a um proces-
vore que foi cortada.” so de contínua interpretação.
Há limites e conseqüências da referida linguagem,
DIRETO DO ARQUIVO o que faz lembrar a Semiótica (Teoria dos Sinais) do
filósofo Charles Sanders Peirce (1839-1914). O assi-
Prontuário vem do latim “promptuarium”, lugar onde nalado no prontuário representa o realismo pela pala-
se guardam coisas que devem estar à mão. vra, que dá a idéia sobre uma verdade acontecida e
Prontuário, em Medicina, é forma de comunicação permite que se desenvolva a percepção do que é infor-
escrita, em que se usa uma linguagem de sinais e có- mação-foco e do que é informação-fundo.
digos que a comunidade médica desenvolveu entre Sem prontuário não há Medicina, sem prontuário
seus membros. Ela é registrada numa propriedade do prejudica-se a ética, sem prontuário enfraquece-se a
paciente, o qual, habitualmente, desconhece os sinais, Defesa Profissional.
os códigos e, inclusive, sua condição de proprietário. O O prontuário colabora sobremaneira para uma ide-
médico e a equipe de saúde constroem e resgatam al constituição de Defesa Profissional, eficiente a pon-
essa linguagem peculiar a cada fato novo da relação to de evitar uma desgastante batalha médico-paciente
médico-paciente. à margem do solidário combate à doença.
O prontuário pode aparentar ser um monólogo a
dois, mas, na verdade, em termos de Defesa Profissio- ABRINDO O PRONTUÁRIO
nal, é um precioso diálogo virtual que organiza mensa-
gens para permitir a decodificação ética do atendimento. Definido pela Resolução 1638/2002 do Conselho

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 319
Federal de Medicina Tabela 1. Dez ações pró-defesa profissional do médi-
(CFM), Prontuário é docu- co. (Adaptado de Colon(2).)
mento único constituído de
GRINBERG M um conjunto de informa- 1. Ter boa comunicação verbal.
Prontuário do paciente: o ções, imagens e sinais re- 2. Ter boa comunicação por escrito.
papel na defesa gistrados, gerados a par- 3. Respeitar os valores do paciente.
profissional do médico
tir de fatos, acontecimen- 4. Esmerar-se pela eficiência.
tos e situações sobre a 5. Aplicar o considerado Beneficência.
saúde do paciente e a as- 6. Ter em alta consideração a Não-Maleficência.
sistência a ele prestada, 7. Agir com honestidade quanto a limites do conheci-
de caráter legal, sigiloso e mento e da capacitação.
científico, que possibilita a 8. Ter boa-fé nas atitudes.
comunicação entre membros da equipe multiprofissio- 9. Zelar pelo sigilo.
nal e a continuidade da assistência prestada ao indiví- 10. Acatar o Código de Ética Médica e as leis referen-
duo. tes ao exercício profissional.
“O que merecer ser feito deve ser bem feito” apli-
ca-se integralmente ao prontuário. Visto mais comu- COMUNICAÇÃO POR ESCRITO
mente como memória para o seguimento do caso,
sua elaboração não pode prescindir da visão de ser- Os dois primeiros itens do decálogo referem-se às
vir para esclarecimento de dúvidas éticas na condu- boas práticas da comunicação verbal ou por escrito.
ção do caso (1). Elas permitem visibilidade e compreensão do cumpri-
O cuidado com o prontuário presta-se, pois, tanto mento de preceitos da ética médica.
para os problemas de saúde do paciente como para a Pela visão de Defesa Profissional, não basta o mé-
saúde profissional do médico. dico agir com competência, é preciso documentá-la por
O médico, na qualidade de editor da biografia etica- escrito. Essa lógica do conhecido ditado romano refe-
mente autorizada sobre o paciente, tem em suas mãos, rente à mulher de César é essencial quando a docu-
literalmente, a diferença entre estar ou não estar ético, mentação sobre o paciente sai do ambiente sagrado
já que devemos subentender que ser ético é o “default” da saúde e vai parar no campo minado dos tribunais.
de todo médico. Diálogo e redação formam dupla eficiente da Defe-
Prontuário não deve ser aquele cobertor curto que sa Profissional(3). Mas quando eles batem cabeça, o
desprotege ora o paciente ora o médico. É anotação descuido na comunicação transforma-se em Ataque ao
ética em três vias virtuais, uma para o paciente, uma Profissional por um adversário eticamente temível: o
para a equipe de saúde e uma para os tribunais (ética, mau prontuário não somente não defende o médico
judiciário). como também o coloca na marca do pênalti, discutin-
Cabe aqui menção ao aforismo, talvez não tão ori- do com o juiz ou simplesmente fazendo gol contra.
ginal, de Miguel Couto (1865-1934): há doentes, não Assim como é preciso ouvir-nos falar para evitar do-
doenças. Essa frase tem grande impacto na Defesa minar indevidamente um diálogo e ouvir-nos ouvir para
Profissional pelo prontuário. Se cada paciente não ti- não nos distrairmos ou tirar conclusões apressadas
vesse sua própria doença, poderíamos simplesmente apenas com nossa pretensiosa base interna de dados,
escrever no prontuário, por exemplo, doença de Cha- devemos ver-nos escrever, desenvolver a habilidade da
gas, e o resto estaria dentro de um comportamento de narrativa. Tinta de caneta economizada no prontuário
estereótipo “de livro”. pode vir a ser usada para assinaturas em audiências e
Todavia, a realidade é totalmente diferente. Cada julgamentos constrangedores.
caso é um humano, reagindo de modo peculiar, não O correto preenchimento do prontuário requer dis-
importam as superposições de CID. Valeria dizer que ciplina, é uma ascensão ética, é um estado de espírito
cada prontuário é impressão digital pela unicidade, só em relação ao habitat natural das informações sobre a
que também apõe o dedo do médico que o elabora. relação médico-paciente.
O prontuário ideal é aquele que cumpre seu papel,
AÇÕES PRÓ-DEFESA PROFISSIONAL literalmente, de ser o documento, testemunho com cla-
DO MÉDICO reza e fidelidade, de um vínculo entre médico e paci-
ente.
Há um decálogo de ações pró-Defesa Profissional(2). É um papel plural na medida em que dele se pre-
Tê-lo em mente e praticá-lo são consideradas atitudes tende a satisfação de diferentes objetivos: assistenci-
úteis por médicos e não-médicos que têm vivência com al, pesquisa, ensino, econômico-financeiro, ético, judi-
denúncias de erro profissional (Tab. 1). cial, controle da qualidade. A empatia na relação médi-

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co-paciente deve transpa- eletrônico são de manutenção permanente (CFM Re-
recer impregnada na apa- solução 1638/2002).
rência do prontuário. 10. É vedado ao médico na função de auditor realizar
GRINBERG M anotações no prontuário do paciente (CFM Resolução
Prontuário do paciente: o CÓDIGO DE ÉTICA 1614/2001).
papel na defesa MÉDICA, RESOLUÇÕES
profissional do médico
DO CONSELHO CONFIANÇA E BOA-FÉ
FEDERAL DE
MEDICINA E A confiança entre os personagens envolvidos no
LEI 10241/99 (SP) atendimento precisa estar transferida para o prontuá-
rio. Deve haver credibilidade na comunicação escrita
Nosso Código de Ética pelo médico em sintonia com cada passo dado, seja
Médica(4), as resoluções do CFM e a lei 10241/99 do este firme ou hesitante.
Estado de São Paulo(5) fazem referências ao prontuá- Prontuário é guardião da verdade, inclusive na fun-
rio. Os dez itens apresentados a seguir expressam a ção de documentar uma moderação a respeito de ex-
responsabilidade do médico: pectativas irrealistas de riscos e prognósticos, estimu-
1. É vedado ao médico deixar de elaborar prontuário ladas pela expansão da divulgação da ciência médica
para cada paciente (art. 69 do Código de Ética Médi- entre leigos.
ca). Há uma tácita confiança na boa-fé do preenchimento
2. É vedado ao médico negar ao paciente acesso a do prontuário pela equipe de saúde. “Sou leigo, como
seu prontuário (art. 70 do Código de Ética Médica). eu poderia elaborá-lo?” expressa essa representação,
3. É vedado ao médico facilitar manuseio e conheci- mas o paciente delegar não significa que ele vá renun-
mento dos prontuários por pessoas não obrigadas ao ciar à supervisão de sua propriedade, à intenção de lê-
sigilo profissional (art. 108 do Código de Ética Médi- lo quando assim o desejar, ao direito de dar sua opi-
ca). nião e ao direito de usá-lo como prova de acusação
4. É direito dos usuários da saúde acessar, a qualquer contra o médico.
momento, seu prontuário, nos termos do artigo 3º da É lição da beira de leito o quanto deve haver de
Lei Complementar 791 de 7 de março de 1995 (art 2º boa-fé, como virtude, como respeito à verdade, num
VIII da lei 10241/99). testemunho sobre a relação médico-paciente.
5. É direito dos usuários da saúde ter anotadas em seu Pode até haver equívocos, mas tem que ser a ver-
prontuário, principalmente se inconsciente durante o dade sobre a qual acreditamos de fato. Não percebe-
atendimento, todas as medicações, com suas dosa- mos uma terceira bulha à ausculta, nos enganamos,
gens, utilizadas e o registro da quantidade de sangue mas o registro foi autêntico, fiel ao apurado.
recebida (art 2º XIII da lei 10241/99). Assim, um prontuário elaborado com boa-fé pode
6. A criança, ao ser internada, terá em seu prontuário a conter dados originados por má captação, mas eles
relação das pessoas que poderão acompanhá-la inte- são verdadeiramente equivocados e, por isso, não con-
gralmente durante o período de internação (art 2º § 1º figuram mentira.
da lei 10241/99). O médico é assim verídico pela anotação conforme
7. É obrigatória a criação da Comissão de Revisão de o que sabe ou o que crê realmente. O prontuário que é
Prontuários nos estabelecimentos e/ou instituições de sincero dignifica o médico-cidadão, aliás é uma exigên-
saúde em que se presta assistência médica, que deve cia moral, porque nada mais antiético que a má-fé.
ser coordenada por um médico (CFM Resolução 1638/ O prontuário elaborado com boa-fé não deixa, to-
2002). davia, de servir de base para ações de justiça, pois
8. As instituições de saúde devem garantir supervisão boa-fé não substitui a justiça, não vacina contra lapsos
permanente dos prontuários sob sua guarda, visando e acidentes; mas um erro profissional seria isento de
a manter a qualidade e a preservação das informações evidências de má intenção. O mau uso da boa-inten-
neles contidas (CFM Resolução 1638/2002). ção pode ser atenuante e má-fé é sempre agravante
9. Compete à instituição de saúde e/ou ao médico o em situações de indícios de infração ao Código de Éti-
dever de guarda do prontuário e o mesmo deve estar ca Médica. É emblemática a vigilância ética pelo art.
disponível nos ambulatórios, nas enfermarias e nos 55 do Código de Ética Médica: “é vedado ao médico
serviços de emergência para permitir a continuidade usar da profissão para corromper os costumes, come-
do tratamento do paciente e documentar a atuação de ter ou favorecer crime”.
cada profissional. Os prontuários em papel devem ser O crédito no prontuário é um dever ético, patrimô-
preservados por um prazo mínimo de 20 anos a partir nio da Medicina pelo qual todos devemos zelar. É prin-
do último registro. Os prontuários arquivados em meio cípio fundamental do Código de Ética Médica (art. 4)

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que “ao médico cabe ze- do Ministério da Saúde relaciona mais de trinta doen-
lar e trabalhar pelo perfei- ças de notificação compulsória e cujo cumprimento, por
to desempenho ético da ser quebra do segredo, precisa estar registrado e justi-
GRINBERG M Medicina e pelo prestígio ficado no prontuário do paciente.
Prontuário do paciente: o e bom conceito da profis- Médico e/ou instituição têm alta responsabilidade
papel na defesa são”. em preservar o conteúdo do prontuário do conhecimen-
profissional do médico
Desde a faculdade, to de quem desautorizado para tal. É de interesse da
aprende-se a usar o co- Defesa Profissional a redação do art. 107 do Código
nhecimento acumulado e de Ética Médica (“é vedado ao médico deixar de orien-
a deixar de lado a ilusão. tar seus auxiliares e de zelar para que respeitem o se-
Quem busca a verdade gredo profissional a que estão obrigados por lei”) e do
constantemente, no diag- art. 108 do Código de Ética Médica (“é vedado ao mé-
nóstico, na terapêutica, no prognóstico e na pesquisa, dico facilitar manuseio e conhecimento dos prontuári-
não poderia se comportar diferente na lide com o os, papeletas e demais folhas de observações médi-
prontuário. Falso no médico, quem sabe, só o uso do cas sujeitas ao segredo profissional, por pessoas não
placebo, assim mesmo sob a mira condenatória de obrigadas ao mesmo compromisso”).(4)
certas opiniões da bioética.
O prontuário não é uma crônica de felicidades e de O PRONTUÁRIO É DO PACIENTE
infelicidades, é um diário de momentos felizes e infeli-
zes, de expectativas e resultados, de decisões e de O prontuário pertence ao paciente, é elaborado pela
intenções de humanização. equipe de saúde e guardado pela instituição; portanto,
Por isso, o prontuário até pode não admitir certas a denominação prontuário do paciente é preferível a
verdades. É admissível não dizer – e não anotar – tudo prontuário médico.
em certas ocasiões. Há razões de não-maleficência, O prontuário é documento de porte obrigatório nas
em que revelações naquele momento poderiam ser uma consultas, mas nenhum paciente, habitualmente, se
omissão de socorro psicossocial. E, daí, esconde-se preocupa em ter uma cópia ou “backup”. A idéia é de
uma parte da verdade, não falando e não escrevendo. que o prontuário seja do doutor, pois a guarda é res-
O que precisa ficar bem claro é que a parte não revela- ponsabilidade do médico/instituição Aliás, não se cos-
da não deve ser preenchida por palavras mentirosas; tuma observar interesse do paciente em conhecer o
deliberadamente anotar o que não se crê não constrói prontuário que lhe pertence, mas, como salientado,
uma base ética. funciona, habitualmente, como posse virtual.
Esse comportamento, de raízes culturais, inclui re-
SEGREDO DO CONTEÚDO DO PRONTUÁRIO jeitar um convite do médico para ler o que ele escre-
veu. Por incrível que possa parecer, esses médicos
O prontuário é aquele diário com fechadura, cader- existem e uma pesquisa revelou que há receio por par-
no de anotações sob segredo, em que estão escritos te do paciente em ler seu diagnóstico de moléstia gra-
muitos fatos que o paciente nunca revelaria para mais ve em geral, doença mental e, inclusive, os comentári-
ninguém. São palavras que continuam pertencendo ao os sobre o caso; a rejeição acentua-se quando não hou-
paciente, como que “emprestadas” para serem usadas ve ainda uma discussão mais aprofundada sobre tra-
em seu benefício e devolvidas em ações “doadas” pela tamento e prognóstico(6).
equipe de saúde. Aspecto interessante dessa virtualidade de propri-
Pela propriedade vem a privacidade e assim o con- edade do prontuário pelo paciente é a falta que faz
teúdo do prontuário não pode ser “invadido” sem a ex- quando ocorre um atendimento fora do local onde ele
pressa autorização do “dono”. É um policiado pela ética. está guardado. Quantos plantonistas teriam podido dar
Há duas previsões de permissão ética para quebra melhor assistência se os pacientes estivessem na pos-
do sigilo pelo médico, independentemente da vontade se de suas informações por escrito? Paradoxalmente,
do paciente (art. 102 do Código de Ética Médica: por o bom senso da Defesa Profissional recomenda que o
dever legal, atender expressa determinação judicial e prontuário só percorra um curto caminho, num círculo
para notificar compulsoriamente certas doenças à de poucos metros, desde o arquivo, e devidamente
Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA). O escoltado.
Código Penal de 1940 prevê, em seu art. 269, deten-
ção de seis meses a dois anos para o médico que dei- PRONTUÁRIO NO CONSELHO REGIONAL DE
xar “de denunciar à autoridade pública doença cuja no- MEDICINA
tificação é compulsória”, tipificado como crime contra
a saúde pública. A Portaria nº 1943, de outubro de 2001, Nenhum médico deseja que o prontuário por ele

322 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005
elaborado seja motivo de clamação. O prontuário admite a seguinte lógica: “está
apreciação por colegas escrito no prontuário, foi feito; não está escrito, terá sido
delegados ou conselheiros feito?”.
GRINBERG M do Conselho Regional de Uma cicatriz na pele não é suficiente nem para afi-
Prontuário do paciente: o Medicina (CRM). Alguns ançar que um órgão foi operado nem para assegurar a
papel na defesa até desejam para demons- qualidade da técnica empregada; a descrição minucio-
profissional do médico
trar que a reclamação é in- sa do ato operatório no impresso próprio é a comple-
fundada, mas, obviamen- mentaridade eticamente correta. Esparadrapo sobre a
te, depois da denúncia, pele e caneta sobre o impresso da descrição cirúrgica
por si só já uma auto-ape- no prontuário são símbolos da proteção pós-operató-
nação para quem não é ria para o paciente e para o cirurgião.
um eticopata. Pais desesperados acusam pediatra de erro profis-
Desejando ou não desejando, o médico precisa evi- sional. Sua defesa é ter anotado no prontuário “ausên-
tar a má comunicação, reconhecer a diversidade natu- cia de rigidez da nuca” na consulta em que o registro
ral das pessoas e preparar-se para qualquer compor- foi de “virose” e que antecedeu por algumas horas a
tamento desagradável do paciente, desde um simples volta do paciente já em óbito em decorrência de me-
mal-entendido até uma demanda complexa. Há recla- ningite meningocócica. A Defesa Profissional fortale-
mações de fazer inveja aos mais criativos. Meses após ce-se com a experiência — temperada com intuição —,
ter sido submetido a esplenectomia em decorrência de como é natural em qualquer ramo de atividade. Preo-
rotura do baço num acidente, que causara choque he- cupar-se com condições sabidamente conflituosas,
morrágico, o paciente manifestou ao CRM sua indig- como a subtaneidade com que um quadro febril ines-
nação por ter sido privado de um órgão sem sua auto- pecífico se torna uma catástrofe, pode significar regis-
rização. Um prontuário impecável quanto à presteza trar no prontuário vários não propedêuticos, que funci-
do socorro e à intervenção cirúrgica determinou o ar- onam como comprovantes antinegligência.
quivamento do expediente. Caso tivesse havido des- Há situação de atenção da Defesa Profissional em
cuido na elaboração do prontuário, o médico teria fica- que o ponto essencial é a deficiência das informações
do em desvantagem, apesar do absurdo questionamen- prestadas pelo paciente; há carência de anamnese ini-
to(7). cial ou nos adendos, ausente ou subqualificada quan-
O cardiologista sabe que já passou o tempo em que do o paciente não verbaliza certos acontecimentos,
a eletrocardiografia de 12 derivações era o supremo espontaneamente ou na anamnese dirigida(9).
tribunal das arritmias, e até já se esqueceu dessa fra- A capacidade de ser um bom informante sofre influ-
se célebre. Mas não dá para esquecer que o prontuá- ências do momento clínico e de certas características
rio representará eternamente um supremo tribunal da da pessoa, como idade e nível social.(10) O impacto do
relação médico-paciente que sai do ritmo. mau informante pode ser grande, tanto sob o ponto de
Cerca de 80% das reclamações ao CRM fundamen- vista assistencial como no uso do prontuário como
tam-se em alguma modalidade de má comunicação. O Defesa Profissional. Intolerância a medicamentos
médico, envolvido no que lhe é rotina, muitas vezes (10%), omissão de tratamentos cirúrgicos (15%) e quei-
não se apercebe da importância de esclarecer a quem xas crônicas (15%) são exemplos de omissões relati-
vê tudo como inédito; em conseqüência, surgem recla- vamente freqüentes(11). Entretanto, o maior porcentual
mações por não ter falado ou não ter ouvido, e quem de desinformação no prontuário (60%) parece ficar por
não dialoga com o paciente tem mais chance de não conta de subvalorização da informação pelo próprio
preencher adequadamente o prontuário. médico, por razões que não são claras(11). É possível
Todos são professores-doutores em preencher um que aspectos relativos a particularidades da formação
prontuário, até o momento em que ele provoca uma profissional de especialidades exerçam influência so-
situação desconfortável, ao não servir como o presen- bre a valorização do detalhamento da história clínica.
te do passado E o que se verifica é que o contato fre- A receita médica é raramente testemunha de defe-
qüente do médico com ele, embora várias vezes ao sa do médico nos conflitos, pois é documento na pos-
dia, não traz imunização natural contra a escassez de se do paciente-reclamante. Ela só costuma aparecer
anotação. Prontuário mal administrado favorece con- como peça de acusação; por isso, cada medicamento
denações por erro profissional e pagamentos de inde- prescrito precisa ser anotado no prontuário, evitando-
nizações em vários países(8). se o não incomum “digo + HCT + iECA”. É conveniente
É rotina inicial de expedientes instaurados no CRM escrever o nome do sal, a dosagem do comprimido, a
solicitar o prontuário ou seu equivalente como ficha clí- dose diária, o período de uso, etc. Muitas vezes só va-
nica. A palavra constante no prontuário, sobretudo para lorizamos o que perdemos, e nenhum médico gostaria
os colegas, traz a credibilidade da antecedência à re- de reconhecer, posteriormente, o valor da oportunida-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 323
de perdida para bem ano- classes I e IIa de diretrizes propedêuticas e terapêuti-
tar sua conduta. cas. A não-maleficência, como atitude antiimprudên-
cia, é organizada em hierarquia superior à beneficên-
GRINBERG M REFLEXÕES SOBRE cia. É o caso da conduta conceitualmente benéfica, mas
Prontuário do paciente: o O PAPEL DO que não se comporta dessa maneira na circunstância,
papel na defesa PRONTUÁRIO NA ou daquele caso cujo histórico não recomenda. A ano-
profissional do médico
DEFESA PROFISSIONAL tação do por que não foi aplicado é essencial para não
soar como negligência, como já referido. Habitualmen-
Parece-nos que as dez te, o raciocínio sobre não-maleficência restringe-se ao
reflexões a seguir são aspecto clínico, mas não podem ser esquecidos cer-
úteis para promover as tos aspectos morais, que são entendidos como preju-
boas práticas da Defesa diciais pelo paciente. Essa não-maleficência, que evita
Profissional na utilização de um prontuário(12). Parte-se prejuízo moral, é um dos pontos fortes de reflexões
do pressuposto de que um bom prontuário não neces- sobre o princípio da autonomia. É praxe subentender
sariamente dá razão ao médico, mas que um mau pron- que a disposição do paciente em cumprir está embuti-
tuário é sempre desvantajoso para o médico. da no registro dos exames solicitados ou da conduta
1. Não se deve economizar palavras sobre o que se recomendada. Dá ensejo, contudo, a dúvidas, quando
fez ou o se que pretende fazer. Não deixe de anotar o de análises retrospectivas, quanto a ter havido simples
que foi dito para o paciente; evite ambigüidades; não anuência (heteronomia) ou consentimento de fato (au-
deixe espaços em branco; registre atitudes destoan- tonomia). Anotações sobre o grau de participação do
tes; não abrevie o que não for de praxe; mantenha có- paciente na decisão podem vir a se tornar úteis, princi-
pias de relatórios e atestados emitidos e guarde cartas palmente naqueles casos em que houve divergências
de encaminhamento. Desenvolva um estilo que conci- de opinião. Ajustes de conduta podem ter acontecido
lie praticidade e segurança. O registro de dados nega- após o exercício das três modalidades de autonomia: a
tivos no sentido de estarem sendo aguardados ou de do paciente, a do médico e a da instituição. A chamada
terem afastado possibilidades pode ser útil. Informa- “escolha de Sofia” exemplifica o valor de uma organi-
ções que faltam trazem o perigo de poderem ser “com- zação de registro de raciocínios e justificativas (A de
pletadas na mente” de acordo com interesses contrári- SOAP). É importante, em termos de Defesa Profissio-
os de momento. nal, que fique assegurado que quando há, por exem-
2. Todas as informações precisam ser legíveis ou com- plo, dois pacientes para única vaga de internação a
putadorizadas e gramaticalmente corretas. “Letra de decisão foi ajustada por boa-fé, o que não invalida, to-
médico” já perdeu, há muito, o charme que um dia teve. davia, nenhum ponto de vista entendendo ter havido
As anotações devem ser acompanhadas de data, assi- injustiça. E que a escolha resultou de uma conjugação
natura e carimbo com número do CRM (ou equivalente da autonomia do médico que representou o persona-
eletrônico). Facilidade de leitura, de identificação do gem Sofia e da instituição por meio de seus critérios
profissional e de compreensão das idéias contribui para de serviço. Em outro pólo fica o predomínio do enten-
uma boa impressão sobre o autor, sendo o inverso ain- dimento do paciente, que discorda explicitamente do
da mais verdadeiro. conselho do médico ou das normas institucionais e toma
3. É conveniente exercer a supervisão de informações iniciativas contrárias. Por isso, é fundamental que o
registradas por outros profissionais da saúde que es- prontuário sirva de registro além das ações da equipe
tejam sob sua responsabilidade. de saúde relativas ao conhecimento científico e à ca-
4. Todas as informações devem ser organizadas. Uma pacitação técnica. A Defesa Profissional exige que o
sugestão é utilizar o acrônimo SOAP(12): Subjetivas, as prontuário contenha também memória das atitudes.
referidas pelo paciente/familiar; Objetivas, as obtidas Essa prática torna-se essencial, porque costuma ser
pela equipe de saúde; Analíticas, raciocínios e justifi- uma atitude do médico que desagradou que dá início à
cativas; Planejamento, estratégias de tratamento, acom- maioria das divergências na relação médico-paciente.
panhamento e prevenção. Um prontuário organizado Exemplos não faltam na Seção de Denúncias de um
como SOAP “é limpo, reduz atritos e fica mais difícil de CRM, incluindo omissão de socorro, atestados, hono-
ser pego”. A Bioética da beira do leito(13-16) cabe bem rários, dificuldade de vagas, assédio(7). O descumpri-
nas páginas de um prontuário organizado por quem mento de orientação médica é uma verdade do cotidi-
valoriza a humanização. A integração entre S e O fun- ano e a frustração pelo evento que poderia ter sido
damenta as condutas para que A e P selecionem as evitado pode provocar acusações ao médico do tipo
com perspectivas de útil e eficaz. A beneficência tem “eu não sabia e nada foi dito”. Exemplo é o registro que
base na experiência individual e na coletiva da literatu- o paciente recebeu orientação para controle laborato-
ra científica, como, por exemplo, em recomendações rial periódico de anticoagulação oral, que não foi cum-

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prida; a anotação facilitou ceu por fatores dependentes de um colega ou do hos-
a absolvição da acusação pital. Algo como “eximir da responsabilidade”, escrito
de negligência, alegada de modo o mais respeitoso possível: “insistido para vir
GRINBERG M pelo “desinformado”, após fazer a interconsulta”, “informado de que não há dispo-
Prontuário do paciente: o ter sofrido evento hemor- nibilidade do material no momento”, “suspensa a cirur-
papel na defesa rágico. Nesses casos de gia pela administração do Centro Cirúrgico”.
profissional do médico
acusações de erro profis- 7. Proteja o prontuário contra quebra da confidenciali-
sional por parte do “deso- dade de seu conteúdo. Devemos quebrar o sigilo da
bediente”, desencadeadas doença não do doente, o que, aliás, é do juramento na
pela perda da aposta com formatura.
as realidades da vida, o 8. Não se disponha a usar papeizinhos afixados com
prontuário que registra clipes ou autocolantes, pois são estranhos aos impres-
uma “crônica das idas e vindas” funciona como um ver- sos e estão sempre em iminente perigo de perda.
dadeiro bumerangue da idoneidade tanto profissional 9. Não adultere o conteúdo do prontuário. É infração
como moral do médico, que volta ao eventual contes- eticamente inafiançável. O eticamente correto é anotar
tador(17). Uma ocasião em que a anotação de atitudes à medida que as informações se tornam disponíveis.
se torna fundamental em termos de Defesa Profissio- Não faça acréscimos com data prévia. Não use o cor-
nal é quando não seguimos exatamente uma diretriz. retor “branquinho” para não suscitar que se pretendeu
É preciso deixar explícito que não foi por desconheci- esconder alguma informação indesejada e comprome-
mento da mesma; pelo contrário, sua atitude foi uma tedora. Não faça anotações do tipo rodapé ou no meio
precaução, que privilegiou a não-maleficência. Diría- da frase, pois podem dar margem a dúvidas de quan-
mos, uma dupla não-maleficência: a ação acautelató- do de fato elas aconteceram. É conveniente deixar à
ria, que visou a não prejudicar o paciente (“primum non mostra o que eventualmente for imediatamente corrigi-
nocere”), e a redação, que objetivou não prejudicar o do, para dar uma idéia, no futuro, da natureza da modi-
próprio médico. O Projeto Diretrizes da AMB/CFM(18) ficação. Quando errar, não fique riscando várias vezes
registra, com muita propriedade, que a relação entre em cima, basta um risco e seguir anotando, afinal não
qualidade de estudo e grau de recomendação é insufi- estamos encaminhando um artigo para publicação.
ciente se utilizada de maneira isolada, cabendo ao mé- Anotações enganosas no prontuário retiram do médi-
dico julgar a forma, o momento e a pertinência da utili- co a condição de homem livre. As concessões o tor-
zação, conforme a diretriz. Um aspecto do dia-a-dia são nam refém das mesmas. O preço do resgate moral pode
as orientações, os ajustes, os acréscimos e as redu- ser alto ou impossível de ser pago. O que fazer quando
ções do que foi anotado no prontuário, realizados por há extravio do prontuário ou acidente com a anotação
telefone. Não é hábito da maioria buscar a ficha e es- eletrônica, incluindo “backup”? O caminho é, também,
crever o que acabou de recomendar, fora as ligações o da sinceridade e da reconstrução do que for possí-
na residência ou pelo celular. Essa virtualidade da in- vel. Nova anamnese, lembranças do exame físico e da
formação que agora substitui realmente a registrada evolução, resgate de exames originais guardados com
merece reflexões sobre a rotina de atenção ao prontu- o paciente ou de cópias de instituições efetoras podem
ário em termos de Defesa Profissional. compor uma segunda via. A participação do paciente é
5. Não devem ser feitos comentários degradantes so- essencial, em primeiro lugar para ser comunicado do
bre a pessoa do paciente. Lembre-se, além de tudo, de acontecido e depois para colaborar na reposição de
que o prontuário pertence ao paciente; é como o médi- informações. Esse novo conjunto de informações deve
co atirar pedra na vidraça do vizinho tendo telhado de ser explicitamente nomeado como anotação de repo-
vidro. Aquelas anotações de mãe chata, paciente ma- sição e com a data atual. Caso tenha havido algum
nipulador ou que só vem para falar mal do marido de- dano reconhecido no local do armazenamento ou no
vem sofrer pronta autocensura. computador, é útil registrá-lo por fotos ou documentos,
6. Não anote no prontuário do paciente uma observa- para contornar futuras alegações de intencionalidade.
ção desrespeitosa a um colega também envolvido no 10. Na eventualidade de ser necessário fazer uma cor-
atendimento. Evite, de modo geral, o supérfluo e o des- reção tempos depois e de se querer evitar que alguém
cabido, que denotam falta de profissionalismo e não leia a anotação original como a verdade antes de che-
são de interesse para o paciente. Embora o prontuário gar no adendo corretor, basta riscar uma linha sobre o
não seja local para “lavar roupa suja”, um plantonista que se deseja modificar e escrever “vide adendo”, o
escreveu, na evolução, que o médico-assistente deve- qual deve ser informado após a última anotação pre-
ria publicar aquela conduta que entendia inusitada(7). sente naquele momento e acompanhado da data da
Há certas situações em que caberiam anotações ex- correção e assinatura. Fraudes podem ser como óleo
pressando que o médico pretendeu mas não aconte- na água para experientes e muitas delas podem ser

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 325
descobertas por métodos exemplos de que esses ensinamentos acadêmicos se
científicos Um caso verídi- perdem no cotidiano das atribulações do exercício pro-
co é a identificação do uso fissional. Assim, em prol da Defesa Profissional, é útil
GRINBERG M de uma tinta que só foi lan- que o tema “Prontuário como Papel da Defesa Profis-
Prontuário do paciente: o çada no mercado dois sional” seja incluído em programas de educação conti-
papel na defesa anos depois da data do re- nuada de todas as especialidades médicas.
profissional do médico
gistro(12).
ARQUIVANDO O PRONTUÁRIO
FECHANDO O
PRONTUÁRIO Há aspectos da consulta médica que não preci-
sam ser documentados; para todos os demais existe
É na faculdade que os o prontuário. Ele é a apólice de seguro de vida pro-
hábitos da boa documentação começam a ser educa- fissional.
dos, em meio ao desenvolvimento das práticas segun- A Defesa Profissional recomenda: prontuário, não
do os preceitos da ética médica; contudo, há muitos saia da consulta sem o preencher.

MEDICAL RECORD: THE PAPER IN


THE PROFESSIONAL DEFENSE

MAX GRINBERG

Medical record is a way of written communication. Without medical record there


is no Medicine, the Ethics becomes impaired, and the Professional Defense grows
weak. The care with the medical record helps to attend both health problems and the
doctor’s professional health. The medical record is supposed to be a document that
clearly and accurately reports the relation between the doctor and his patient. Ac-
cording to the point of view of Professional Defense, the doctor’s expertise is not
enough, it is mandatory to write it down. The Professional Defense reccomends: an
appointment should be concluded only after the filling up of the medical record.

Key words: medical record, Professional Defense, Medical communication.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:319-27)


RSCESP (72594)-1547

REFERÊNCIAS tando a bioética. Rev Soc Cardiol Estado de São Pau-


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2. Colon VF. 10 ways to reduce medical malpractice expo- Edições Mandacaru, 2000.
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326 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005
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1997;15:180-3. 11. Lauteslager H, Brouwer HJ, Mohrs J, et al. The patient
GRINBERG M 7. Manual de Capacitação as a source to improve the medical record. Family Prac-
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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 327
INSTALAÇÃO DO PROCESSO ÉTICO:
BOYACIYAN K O PROCESSO DE JULGAMENTO
Instalação do
processo ético:
o processo de
julgamento KRIKOR BOYACIYAN

Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo

Endereço para correspondência: Rua Nebraska, 199 – ap. 81 – CEP 04560-010 –


São Paulo – SP

O autor descreve, pormenorizadamente, o processo ético-profissional que regu-


lamenta as infrações contidas no Código de Ética Médica em vigor. Faz considera-
ções desde o recebimento da denúncia e a instauração do processo disciplinar até o
julgamento dos profissionais médicos pelo Conselho Regional de Medicina do Esta-
do de São Paulo.

Palavras-chave: ética, Código de Ética Médica, Código de Processo Ético-Profissi-


onal, responsabilidade.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:328-31)


RSCESP (72594)-1548

A atividade do médico está sujeita a ampla fiscali- car atos profissionais danosos ao paciente, que pos-
zação e julgamento tanto pelos poderes judiciais, nas sam ser caracterizados como imperícia, imprudência
esferas criminal e civil, como pelos Conselhos de Me- ou negligência.
dicina, na esfera ético-profissional. A imperícia fundamenta-se na incapacidade, no des-
O Código de Ética Médica em vigor representa a conhecimento ou na falta de habilitação para o exercí-
consolidação dos princípios éticos assumidos por uma cio profissional. De acordo com a legislação em vigor,
sociedade. Amplia e atualiza os ensinamentos hipocrá- o médico pode exercer a Medicina em qualquer de seus
ticos e os princípios bioéticos, regulamentando sua ramos ou especialidades, exigindo-se somente o re-
aplicabilidade aos assuntos práticos da profissão. gistro do diploma do curso médico e a inscrição no
Com 14 capítulos e 145 artigos, o Código de Ética Conselho Regional de Medicina.
Médica foi instituído pela Resolução do Conselho Fe- A imprudência caracteriza-se pela ausência ou omis-
deral de Medicina No 1.246/88, de 8 de janeiro de são de cautelas e pela transgressão de normas técni-
1988(1). Possui caráter normativo, pois tem a força da cas. O ato médico tem uma seqüência de passos, des-
Lei Federal No 3.268/57, de 30 de setembro de 1957(2), crita na literatura técnica pertinente; o profissional, como
regulamentada pelo Decreto Federal No 44.045/58, de regra geral, não deve ter conduta pessoal própria so-
19 de julho de 1958(3). bre aquilo que não foi adequadamente testado.
As falhas médicas no exercício profissional deter- A negligência baseia-se na falta de observância dos
minam, geralmente, dano e sofrimento aos pacientes. deveres que as circunstâncias exigem; caracteriza-se
Resultados indesejáveis em conseqüência da ação ou por indolência, desatenção, desleixo ou ausência.
da omissão dos médicos, estando em pleno gozo de Como assinalamos anteriormente, na esfera da res-
suas faculdades mentais, são geralmente imputados a ponsabilidade ético-profissional, compete aos Conse-
imperícia, imprudência ou negligência dos mesmos, lhos Regionais de Medicina receber, apurar e julgar
conforme se encontra tipificado no artigo 29 do atual todas as denúncias contra os profissionais médicos,
Código de Ética Médica: É vedado ao médico – Prati- na abrangência de cada Estado da Federação onde o

328 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005
médico estiver escrito, ao Realizada a audiência e não aceita, pelas partes, a
tempo do fato punível ou conciliação, a sindicância prosseguirá regularmente em
de sua ocorrência. Essa seus termos.
BOYACIYAN K tarefa é toda regulamenta- Tendo a Câmara de Julgamento de Expedientes de-
Instalação do da pela Resolução do liberado pela instauração de processo ético-profissio-
processo ético: Conselho Federal de Me- nal, no Parecer Inicial deverão constar os fatos e a ca-
o processo de
julgamento
dicina No 1.617/01, de 16 pitulação do(s) delito(s) ético(s), fundamentada pelo
de maio de 2001, conhe- Código de Ética Médica em vigor. É nomeado um Con-
cida como Código de Pro- selheiro instrutor que irá coordenar a instrução do pro-
cesso Ético-Profissional(4). cesso, quando as partes terão iguais oportunidades de
Assim, o processo éti- apresentar provas de acusação e defesa.
co-profissional, no Conse- Aberto o processo ético-profissional, o mesmo não
lho Regional de Medicina, rege-se por esse Código (Re- poderá ser arquivado por desistência das partes, ex-
solução do Conselho Federal de Medicina No 1.617/ ceto pela ocorrência de óbito do médico denunciado,
01) e tramita em sigilo processual. quando então será extinto o feito.
Dessa forma, quando o médico é denunciado, está O denunciante é qualificado e interrogado sobre as
sujeito à apuração da denúncia, que, basicamente, é circunstâncias da infração e as provas que possa indi-
constituída por duas fases: a sindicância e a instaura- car, tomando-se por termo suas declarações.
ção de processo ético-profissional. O médico denunciado é qualificado e, depois de ci-
A abertura de expediente (sindicância) é a fase pre- entificado da denúncia, interrogado sobre os fatos re-
liminar para averiguação dos fatos denunciados. Pode- lacionados com a mesma e o que tem a alegar sobre
rá o expediente ser aberto a partir de reclamação en- os fatos. Se houver mais de um denunciado, cada um
caminhada ao Conselho Regional de Medicina, por é interrogado individualmente.
escrito ou tomada a termo, na qual conste o relato dos Os advogados das partes ou o defensor dativo não
fatos e a identificação completa do denunciante; pela poderão intervir ou influir de qualquer modo nas per-
Comissão de Ética Médica, Delegacia Regional ou guntas e nas respostas, durante as audiências, sendo-
Representação que tiver ciência do fato com supostos lhes facultado apresentar perguntas por intermédio do
indícios de infração ética, devendo esta informar, de Conselheiro instrutor.
imediato, tal acontecimento ao Conselho Regional; ou, Cada parte poderá arrolar até cinco testemunhas,
então, por iniciativa do próprio Conselho Regional (“ex- que serão ouvidas individualmente. As perguntas das
officio”). partes serão requeridas ao Conselheiro instrutor, que,
Instaurada a sindicância, é nomeado um Conselhei- por sua vez, as formula às testemunhas, recusando as
ro sindicante, que apresenta relatório contendo a des- que não tiverem estrita relação com os fatos ou impor-
crição dos fatos, as circunstâncias em que ocorreram, tarem em repetição de outra(s) já respondida(s).
a identificação das partes (denunciante ou denuncian- O Conselheiro instrutor, quando julgar necessário,
tes e médico ou médicos denunciados) e a conclusão poderá ouvir outras testemunhas, além das arroladas
sobre a existência ou a inexistência de indícios de in- pelas partes (testemunhas da instrução), sempre fun-
fração ética. damentando sua decisão.
Da referida conclusão do relatório da sindicância, Todos os depoimentos são registrados e assinados
que é apreciada por uma Câmara de Julgamento de pelos depoentes, pelas partes e pelo Conselheiro ins-
Expedientes do Conselho Regional de Medicina, po- trutor.
derão resultar o arquivamento da denúncia com sua Se o intimado, na condição de denunciante, denun-
fundamentação, a homologação de procedimento de ciado ou testemunha, for médico e não comparecer ao
conciliação ou a instauração do processo ético-profis- depoimento sem motivo justificado ficará sujeito às
sional. sanções previstas no Código de Ética Médica; se não
A conciliação orienta-se pelos critérios de simplici- for médico, estará sujeito às sanções previstas em Lei.
dade, informalidade e economia processual e exige ex- Concluída a instrução do processo, após a apre-
pressa concordância das partes (denunciante ou de- sentação das alegações finais pelas partes e a análise
nunciantes e médico ou médicos denunciados). do parecer processual da Assessoria Jurídica do Con-
Realizada a audiência e aceita, pelas partes, a con- selho Regional de Medicina, o Conselheiro instrutor
ciliação, o Conselheiro sindicante elabora relatório cir- apresenta relatório circunstanciado.
cunstanciado sobre o fato, para aprovação pela Câma- Em seguida, são designados um Conselheiro rela-
ra de Julgamento de Expedientes, com a respectiva tor e um Conselheiro revisor, os quais ficam responsá-
homologação pelo Plenário do Conselho Regional de veis pela elaboração de seus respectivos relatórios,
Medicina. após análise pormenorizada dos autos.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 329
Recebidos os relatóri- dias;
os dos Conselheiros rela- – Pena E – cassação do exercício profissional “ad refe-
tor e revisor, é marcado o rendum” do Conselho Federal de Medicina.
BOYACIYAN K julgamento, e as partes Da imposição de qualquer penalidade cabe recurso
Instalação do são intimadas com antece- de apelação, que pode ser interposto por qualquer das
processo ético: dência mínima de dez partes, no prazo de trinta dias contados a partir do re-
o processo de
julgamento
dias. cebimento do acórdão, para o pleno do Conselho Re-
Na sessão de julga- gional de Medicina (se foi realizado em Câmara de Jul-
mento, o Conselheiro rela- gamento) ou, então, para o Conselho Federal de Medi-
tor e o Conselheiro revisor cina. O recurso “ex-officio” é obrigatório nas decisões
fazem a leitura de seus re- de que resultar cassação do exercício profissional (pena
latórios e, em seguida, o E).
Presidente da sessão dá a palavra, sucessiva-
mente, ao(s) denunciante(s) e ao(s) médico(s)
denunciado(s), para sustentações orais, pelo tem-
po de dez minutos.
Efetuadas as manifestações orais, os Conse-
lheiros solicitam esclarecimentos sobre o proces-
so aos Conselheiros relator e revisor e, por inter-
médio do Presidente da sessão de julgamento,
às partes.
Finalizados os esclarecimentos, há a discus-
são dos fatos e do mérito, pelos Conselheiros, e,
na seqüência, são concedidos cinco minutos, su-
cessivamente, ao(s) denunciante(s) e ao(s)
médico(s) denunciado(s), para novas manifesta-
ções orais, se desejarem.
Após a manifestação final das partes, os vo-
tos são proferidos, quanto às preliminares, cul-
pabilidade, capitulação e apenação, quando hou-
ver, oralmente e seqüencialmente, pelos Conse-
lheiros relator e revisor, pela manifestação de
voto, divergente ou não, quando houver, e, ao
final, pelos demais Conselheiros. Proferidos to-
dos os votos, o Presidente da sessão anuncia o
resultado do julgamento, designando para redi-
gir o acórdão o Conselheiro relator ou o Conse-
lheiro revisor; se estes forem vencidos, a reda-
ção caberá ao Conselheiro que propôs o voto
divergente vencedor.
O julgamento é realizado em ambiente dota-
do de toda privacidade para que o sigilo proces-
sual seja preservado, sendo permitida apenas a
presença das partes e seus procuradores (advo-
gados).
As penas disciplinares aplicáveis pelos Con-
Figura 1. Fluxograma de procedimentos do Código de Pro-
selhos Regionais de Medicina a seus membros
cesso Ético-Profissional.
são as previstas no artigo 22 da Lei Federal No
3.268/57, de 30 de setembro de 1957(2), e são as
seguintes: A Figura 1 resume os procedimentos do Código de
– Pena A – advertência confidencial em aviso reserva- Processo Ético-Profissional.
do; Julgado o recurso em todas as suas instâncias e
– Pena B – censura confidencial em aviso reservado; publicado o acórdão na forma estatuída pelo Conselho
– Pena C – censura pública em publicação oficial; Federal de Medicina, os autos são devolvidos à instân-
– Pena D – suspensão do exercício profissional até trinta cia de origem do processo ético-profissional, para a

330 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005
execução do decidido. 20.470 (82,9%) foram arquivadas; 70 (0,3%), con-
No período de janei- ciliadas; e 4.138 (16,8%), transformadas em pro-
ro de 1994 a dezembro cesso disciplinar.
BOYACIYAN K de 2004, o Conselho Há, ainda, inúmeros processos em instrução, mas
Instalação do Regional de Medicina grande parte dos médicos denunciados já foi julga-
processo ético: recebeu 24.678 recla- da: aproximadamente 50% desses profissionais fo-
o processo de
julgamento
mações contra médicos: ram inocentados(5).

INITIATION OF ETHICS PROCEEDINGS:


THE TRIAL PROCESS

KRIKOR BOYACIYAN

The author describes, in details, the proceedings involved in professional ethics


trials due to infractions of the actual Code of Medical Ethics. Aspects analyzed inclu-
de the registration of the complaints, installment of the disciplinary process and the
trial of the denounced physicians by the Regional Council of Medicine of the State of
São Paulo.

Key words: Ethics, Medical Ethics Code, Professional Ethics Code Process, res-
ponsibility.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:328-31)


RSCESP (72594)-1548

REFERÊNCIAS Federal No 44.045/58 (publicado no Diário Oficial da


União; 1958; Jul 25).
1. Código de Ética Médica: Conselho Federal de Medi- 4. Código de Processo Ético-Profissional. Brasil: Con-
cina; 1988. (Resolução CFM No 1.246/88, publicado selho Federal de Medicina; 2001. (Resolução CFM
no Diário Oficial da União; 1988; Jan 26). No 1.617/01, publicado no Diário Oficial da União;
2. Conselhos de Medicina: Lei Federal No 3.268/57 (pu- 2001; Mai 16).
blicado no Diário Oficial da União; 1957; Out 4). 5. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Pau-
3. Regulamento dos Conselhos de Medicina: Decreto lo. Seção de Registro Profissional. São Paulo; 2005.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 331
RESPONSABILIDADE LEGAL DO MÉDICO –
PROENÇA JMM CIVIL, PENAL E ADMINISTRATIVA
Responsabilidade
legal do médico –
civil, penal
e administrativa JOSÉ MARCELO MARTINS PROENÇA

Faculdade de Direito – Universidade de São Paulo


Faculdade de Direito Damásio de Jesus – Complexo Jurídico Damásio de Jesus
Escola Superior de Advocacia – Seccional Paulista –
Ordem dos Advogados do Brasil
Escritório Approbato Machado Advogados

Endereço para correspondência: Av. Paulista, 2073 – Ed. Horsa I – 15º andar –
sala 1512 – Cerqueira César – CEP 01311-300 – São Paulo – SP

O artigo informa sobre as responsabilidades dos profissionais de saúde em ra-


zão de sua conduta profissional, sinalizando a interpretação dos tribunais judiciais
brasileiros sobre o assunto. Nesse contexto, a matéria é dividida em três tópicos
distintos: implicações do Direito Civil, implicações do Direito Penal e implicações
administrativas. No âmbito do Direito Civil, a atividade médica pode gerar a proposi-
tura de ações indenizatórias, em razão de uma conduta culposa que tenha gerado
danos ao paciente, dependendo a condenação da comprovação de existência do
nexo de causalidade. Ao lado da responsabilidade civil dos profissionais de saúde, a
atuação médica pode ensejar a instauração de inquéritos policiais e processos pe-
nais para apuração de eventual crime. O objetivo, nesse campo, é o de impor ao
profissional uma penalidade pelo desvalor da ação ou da omissão. A penalidade
pode ser de restrição da liberdade de ir e vir (prisão), monetária (multa) ou de outra
natureza, chamada de pena alternativa (como a de prestar gratuitamente serviços à
coletividade). O terceiro tópico tratado deriva dos Códigos de Ética Profissional, que
regulam as profissões liberais. Ao lado das responsabilidades civil e penal, o profis-
sional da área da saúde pode, em razão de sua conduta (omissiva ou comissiva),
sujeitar-se a processo ético. Nesse caso, as penalidades possíveis são: advertência
confidencial, em aviso reservado; censura confidencial, em aviso reservado; censu-
ra pública, em publicação oficial; suspensão do exercício profissional até 30 dias; ou
cassação do exercício profissional. Todas as disciplinas legislativas citadas poderão
incidir em razão de um único ato médico, sujeitando-se o profissional a três proces-
sos distintos: ação de indenização na esfera civil, visando ao ressarcimento dos
danos ocasionados; processo criminal, para a averiguação da prática de determina-
do crime; e processo ético administrativo, para a apuração de eventual transgressão
de norma ética profissional.

Palavras-chave: erro médico, responsabilidades civil e penal médica, processo


médico, negligência, imperícia, imprudência.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:332-40)


RSCESP (72594)-1549

332 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005
Este artigo visa a infor- caso de indenização devida por aquele que, no exercí-
mar as responsabilidades cio de atividade profissional, por negligência, impru-
dos profissionais de saú- dência ou imperícia, causar a morte do paciente, agra-
PROENÇA JMM de em razão de sua con- var-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o
Responsabilidade duta profissional, tudo se- trabalho”.(3)
legal do médico – gundo a legislação nacio- Quanto a essa responsabilidade civil, ou seja, essa
civil, penal
e administrativa
nal e a interpretação des- obrigação de reparar os danos, existem duas teorias
sas normas manifestada sobre sua natureza: a da responsabilidade objetiva, em
pelos nossos tribunais. que o causador do dano, sem qualquer avaliação da
Dito de outra forma e sen- culpa, é obrigado a indenizar o dano causado(4), e a da
do mais específico e fiel a responsabilidade subjetiva, em que, para haver a con-
seu exato conteúdo, pre- denação em indenizar pelos danos causados, é mister
tendemos demonstrar a forma pela qual o Poder Judi- a existência de culpa, ou seja, de imprudência, imperí-
ciário vem trabalhando com as inúmeras ações judici- cia ou negligência na conduta de alguém.
ais promovidas contra os profissionais de saúde em No campo da responsabilidade dos profissionais de
razão do exercício da profissão. saúde, em regra, o elemento de referência é a análise
A matéria pode ser dividida em três tópicos distin- da culpa, nos exatos termos do artigo 951 transcrito.
tos, uma vez que temos que nos ater às três responsa- Trata-se, portanto, da responsabilidade subjetiva.
bilidades médicas. Como será explicitado no decorrer Esse é o entendimento manifestado, reiteradamen-
de nosso trabalho, o profissional de saúde, em razão te, pelos nossos tribunais. Nesse sentido, o Tribunal de
do exercício de sua profissão, sujeita-se aos dispositi- Justiça do Estado de Santa Catarina entendeu que,
vos do Código Civil, no que se refere à responsabilida- em se tratando de indenização decorrente de erro mé-
de civil; sujeita-se às normas do Direito Penal, poden- dico, a responsabilidade civil é subjetiva, de modo que
do ser processado criminalmente; e sujeita-se, ainda, cabe à vítima do dano provar a imprudência, a negli-
a seu Código de Ética Profissional, podendo sofrer pro- gência e a imperícia do profissional para ser plenamente
cesso administrativo perante o Conselho Profissional ressarcida.(5) O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
a que estiver submetido. Janeiro, do mesmo modo, entendeu que a responsabi-
No âmbito do Direito Civil, a atividade ou a inativi- lidade civil dos médicos somente decorre de culpa. Não
dade humana, profissional ou não, pode gerar a pro- resultando provadas imprudência, imperícia ou negli-
positura de ações indenizatórias, em razão de uma gência, nem o erro grosseiro, fica afastada a respon-
conduta culposa, ou seja, negligente, imperita ou im- sabilidade dos doutores em medicina em virtude, mes-
prudente, que tenha gerado danos a alguém.(1) mo, da presunção de capacidade constituída pelo di-
A doutrina jurídica há alguns anos vem demonstran- ploma obtido após as provas regulamentares.(6) Esse
do, contrariando o que vinha ocorrendo, que o homem mesmo Tribunal, em outro julgamento, manifestou o
moderno se mostra dia a dia menos tolerante com da- entendimento da inexistência de culpa profissional na
nos de qualquer espécie, motivo do crescimento con- conduta de profissional de saúde que, no atendimento
siderável das ações indenizatórias tramitando perante de paciente, se utiliza de meios adequados e indica-
o Poder Judiciário, inclusive daquelas envolvendo pro- dos pela experiência, pelo simples fato de não ter com
fissionais de saúde. seu atendimento alcançado o resultado exitoso.
Os usuários dos serviços de saúde, mesmo aque- A responsabilidade do profissional da saúde é, en-
les que provêm de camadas sociais menos afortuna- tão, em regra, “de meio”, e não “de resultado”. Cumpre
das, em decorrência, parece-nos, do aumento da dis- a ele utilizar-se de toda perícia, diligência e prudência
seminação da informação, têm uma idéia clara de seus no atendimento de seus pacientes, não se obrigando,
direitos como pacientes. De fato, o exercício da advo- contudo, à respectiva cura ou a determinado resultado
cacia na área médica permite-nos afirmar que os usu- específico.
ários dos serviços de saúde, hoje, detêm clara percep- Repita-se: a análise da aplicação da legislação na-
ção do erro inescusável, da imperícia inadmissível, da cional permite-nos afirmar que o profissional de saúde
negligência criminosa, sendo incentivados, portanto, à se obriga pelos meios que oferece à cura e não ao
busca da reparação dos respectivos danos decorren- resultado que, muitas vezes, independe daquela. O Tri-
tes da conduta de determinado profissional. bunal de Justiça do Paraná entendeu que, tratando-se
Especificamente para os profissionais de saúde, o de atividade-meio, na qual o médico não se compro-
Código Civil Brasileiro regula essa responsabilidade mete a curar, mas a aplicar toda a diligência na cura,
civil, ou seja, a obrigação de reparar os danos causa- não se pode falar de culpa quando não chega o profis-
dos, em seu artigo 951(2), nos seguintes termos: “O dis- sional ao resultado desejado. Desde que o diagnóstico
posto nos artigos 948, 949 e 950 aplica-se ainda no foi correto e a terapêutica adequada, não há que cogi-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 333
tar de relação de causa e nos aprofundarmos nessa questão.
efeito entre a atividade do Para a caracterização da culpa não se torna neces-
médico e o dano. (7) Do sária a intenção, basta a simples voluntariedade de con-
PROENÇA JMM mesmo modo, entendeu o duta, que deverá ser contrastante com as normas im-
Responsabilidade Tribunal de Justiça do Rio postas pela diligência, pela prudência ou pela perícia
legal do médico – Grande do Sul que, em se comuns. A culpa, assim, nos exatos termos da legisla-
civil, penal
e administrativa
tratando de obrigação de ção, é caracterizada pela negligência, pela imprudên-
meio, se exija dos médicos cia ou pela imperícia.
que envidem todos os es- A negligência caracteriza-se por inação, inércia, pas-
forços e todo seu empe- sividade, configurando-se pela falta de observância aos
nho para a busca de um deveres que as circunstâncias exigem. Trata-se de um
resultado satisfatório ao ato omissivo, como o abandono do doente, a omissão
paciente.(8) O Tribunal de Justiça de São Paulo, na mes- de tratamento, o esquecimento, em cirurgia, de corpo
ma esteira, em determinado caso entendeu que, sen- estranho no abdome do paciente.
do a prescrição da medicação pertinente e cercada das Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Paraná en-
cautelas recomendáveis, e não havendo prova de que tendeu que “é induvidosamente negligente o médico
o profissional da medicina foi negligente, imperito ou que, após realizar uma episiotomia em parturiente, não
imprudente, improcede a ação de indenização.(9) dá maior atenção a suas queixas posteriores, deixan-
Verifica-se, portanto, que, para se impor ao profis- do de proceder a um exame mais detalhado, muito em-
sional de saúde a obrigação de indenizar pelos danos bora o quadro anormal, permitindo a formação de um
causados em razão de sua conduta, não importa a ve- abscesso de graves proporções do reto, que exigiu ci-
rificação da efetividade ou não do resultado esperado, rurgia de emergência no dia imediatamente após a úl-
mas, sim, da existência ou não de conduta culposa do tima consulta com o profissional, sem que qualquer
profissional. Em outras palavras, a conclusão é a se- providência mais atuante fosse tomada”.(10) Por sua vez,
guinte: a doutrina jurídica qualifica a obrigação do pro- o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entendeu que o
fissional de saúde como obrigação de meio, ou seja, ato de esquecer agulha de sutura no organismo do
ele não se compromete a curar, mas a proceder de paciente configura grave violação dos deveres impos-
acordo com as regras e os métodos da profissão. Es- tos ao cirurgião e equipe, assim como ao hospital con-
pecificamente em caso de cardiopatia, o E. Tribunal de veniado, incidindo reparação civil e reconhecendo a
Justiça do Estado do Paraná entendeu que não ocor- negligência médica.(11) O mesmo tribunal, em determi-
reu erro médico em caso de paciente internado com nado caso, entendeu que o médico, ao deixar o bisturi
diagnóstico de labirintite e que 24 horas depois faleceu elétrico junto da mão da paciente, provocando-lhe quei-
por infarto agudo do miocárdio. Consta do acórdão: maduras, agiu com negligência, de modo a configurar
“Causa do óbito não relacionada com a do internamento sua conduta culposa e, conseqüentemente, o dever de
– sintomatologia que apontava para o diagnóstico apre- indenizar.(12) O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez,
sentado – ausência de quaisquer das modalidades de reconheceu a obrigação de indenizar decorrente da
culpa do profissional – ônus da prova a cargo dos au- conduta negligente do médico quanto aos cuidados
tores, porque a obrigação do médico era de meio, e posteriores à intervenção cirúrgica.(13) Para um caso
não de resultado – ... O extrato de monografias no es- cardiológico, entendeu o Tribunal de Justiça de São
tudo da chamada ‘morte súbita’ circunscrito ao campo Paulo que houve falha do hospital por não atentar à
da cardiologia indica, na incidência de isquemia mio- evolução rápida de dores e do estado geral de pacien-
cárdica silenciosa, como fator imprevisível e irreversí- te, que, mesmo sem poder se comunicar, foi mantido
vel de razoável freqüência, a ocorrência de nenhum em sala de repouso, vindo a falecer “em razão de gra-
sintoma aparente” (acórdão n. 14.559, relator - Desem- ve problema que o vulgo costuma denominar de sínco-
bargador Ulysses Lopes). pe ou ataque cardíaco”(14).
Contrariamente a essa, na obrigação de resultado, Na imprudência há culpa comissiva. Age com im-
o profissional obriga-se a atingir determinado fim; o que prudência o profissional que tem atitudes não justifica-
interessa é o resultado de sua atividade, sem o qual das, açodadas, precipitadas, sem usar de cautela. Im-
não terá cumprido a obrigação e, portanto, deverá in- prudência é o contrário de prudência e prudência é si-
denizar os prejuízos causados, o que, repise-se, não nônimo de previdência. A doutrina exemplifica casos
ocorre, em regra, para os profissionais da área médi- de imprudência como o do cirurgião que não espera
ca. pelo anestesista, realizando, ele mesmo, a anestesia;
Verificada que a culpa, a atuação culposa, é condi- como o médico que resolve realizar em trinta minutos
ção indispensável para a condenação do profissional cirurgia que, normalmente, é realizada em uma hora.
de saúde em indenizar os danos causados, é mister Nesse sentido, entendeu o Tribunal de Justiça de

334 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005
São Paulo que é impru- raio X e delas não extrai o que a ciência lhe obrigara. É
dente o profissional da or- imperito o médico que não constata lesões externas
todontia que se utiliza de no mesmo dia diagnosticadas na necropsia e impru-
PROENÇA JMM técnicas cirúrgicas não dente é o profissional da medicina que libera menino
Responsabilidade aprovadas pela comunida- de onze anos com história de acidente envolvendo um
legal do médico – de científica em virtude do caminhão e que padece de fortes dores, prescrevendo
civil, penal
e administrativa
comprometimento de analgésicos e pomada inflamatória”.
enervações e da estrutu- A título de contraponto e conclusão, deve-se enten-
ra óssea.(15) der que não é imperito quem não sabe, mas aquele
A imperícia, por sua que não sabe aquilo que ordinariamente um profissio-
vez, consiste na falta de nal da saúde deve saber; não é negligente quem des-
observação das normas, cura alguma norma técnica, mas aquele que descura
deficiência de conhecimentos técnicos da profissão, norma que todos os outros observam; não é impruden-
despreparo técnico. Trata-se da incapacidade para exer- te quem usa experimentos terapêuticos perigosos, mas
cer determinados ofícios, por falta de habilidade ou au- aquele que os utiliza sem necessidade.
sência dos conhecimentos necessários, rudimentares, Para a subsistência da responsabilidade civil, ou
exercidos em uma profissão. seja, da obrigação de indenizar os danos causados,
A doutrina exemplifica casos de imperícia como o não basta a conduta culposa, é necessária a existên-
de um médico que emprega meio de tratamento ante- cia efetiva de um dano. O dano revela-se, portanto, ele-
riormente utilizado, mas já abandonado; o caso de um mento constitutivo da responsabilidade civil, que não
ginecologista que empregou, sistematicamente, um mé- pode existir sem ele. Mesmo em se constatando con-
todo que não oferecia mais todas as garantias requeri- duta culposa, em não havendo dano, nada haverá a
das pela boa técnica; o de obstetra que, na operação indenizar.
cesariana, corta a bexiga da parturiente. Os danos advindos da conduta médica podem ser:
Nossos tribunais, por sua vez, já manifestaram o a) Físicos – Trata-se do prejuízo corporal e se compõe
entendimento de que comete erro profissional, sob a de elementos variáveis, indenizáveis separadamente
modalidade de negligência e imperícia, o médico que, conforme a invalidez parcial ou total, permanente
ao atender criança vítima de desastre por queda sobre ou temporária. Exemplo: perda de movimentos cor-
uma cerca, faz sutura em sua face sem constatar a póreos, amputação de membros, cicatrizes, etc.
presença de estrepe encravado na carne e ainda dei- b) Materiais – Trata-se de conseqüências dos danos
xa de ministrar vacina antitetânica, causando a morte físicos. Exemplos: lucros cessantes, despesas mé-
do infante.(16) O Tribunal de Justiça do Rio Grande do dico-hospitalares, medicamentos, viagens, contra-
Sul proferiu entendimento de que age com negligên- tação de enfermeiros, pensão alimentícia daqueles
cia, imperícia e imprudência o médico que sem saber que se privaram em caso de evento morte, etc.
exatamente o quadro clínico como um todo, a exten- c) Morais – Trata-se da dor sofrida, o profundo mal-
são da moléstia ou, ainda, a integralidade da enfermi- estar advindo de danos causados à esfera das rela-
dade realiza cirurgia de catarata congênita na criança, ções sociais, a frustração pela abrupta cessação
que padecia de processo infeccioso.(17) Por sua vez, o de uma atividade profissional ou perda de ente que-
Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu ser imperi- rido, etc.
to e negligente o médico cardiologista que não enca- De acordo com os danos apurados, especifica-se
minhou ou reencaminhou um paciente senil ao profis- ou arbitra-se o montante para o ressarcimento.
sional adequado (neurologista), dados os sintomas que Os danos podem ser classificados em emergentes,
apresentava, tendo sido apurado, posteriormente, que ou seja, o que se perdeu (como as despesas com no-
o paciente, em razão do traumatismo craniano decor- vos tratamentos ou cirurgias, transporte, etc.), ou lu-
rente de uma queda, apresentava quadro neurológico cros cessantes, ou seja, aquilo que se deixou de ga-
grave, com a presença de hematoma subdural de pro- nhar (como a suspensão do recebimento de rendas
gressão lentificada.(18) em razão da incapacidade temporária ao trabalho).(19)
Para sintetizar todos os elementos configuradores Assim, em caso de uma conduta culposa de profis-
da culpa, expressivo é o entendimento manifestado pelo sional de saúde que tenha causado a morte de pacien-
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “É negligen- te pai de família, poderá haver condenação ao reem-
te o médico plantonista do setor de urgência que deixa bolso de todas as despesas com hospitais, médicos,
de investigar corretamente as circunstâncias do aci- medicamentos, funeral, etc. (a título de danos emer-
dente, no seu aspecto de gravidade, e que deixa de gentes), ao pagamento de pensão alimentícia aos fi-
encaminhar a exame radiológico ao profissional habili- lhos e dependentes do falecido (lucros cessantes), bem
tado. É imperito o facultativo que examina chapas de como ao dano moral, a ser arbitrado pelo Juízo, em

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 335
face da dor proporcionada o Tribunal de Justiça de São Paulo que, em razão da
aos familiares do pacien- comprovação da regularidade da cirurgia, que era a
te. indicada pela patologia diagnosticada, é lícito presu-
PROENÇA JMM Por fim, é mister ressal- mir que o insucesso decorreu muito mais de fatores
Responsabilidade var que a leitura atenta do imponderáveis relacionados à natureza biológica da
legal do médico – já transcrito artigo 951 do paciente. No mesmo sentido, conforme decisão profe-
civil, penal
e administrativa
Código Civil leva-nos à rida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, “as con-
percepção de que, além dições clínicas inerentes a cada paciente, como bióti-
da ação ou da omissão po, hipertensão arterial, situação emocional e outros
culposa e da efetividade fatores, são capazes de interferir no resultado da cirur-
do dano, para a existência gia, independentemente da boa técnica cirúrgica utili-
da obrigação de indenizar, zada”, motivo pelo qual foi julgada improcedente a pre-
deve haver ainda a demonstração do nexo de causali- tensão do paciente em ser indenizado pelos prejuízos
dade entre a ação culposa e o dano, ou seja, o dano que alegou ter sofrido(20).
ocorrido tem que ter por causa a ação ou omissão cul- Assim é que, mesmo que tenha ocorrido dano ao
posa. paciente, poderá inexistir a responsabilidade em inde-
Verificada a existência de dano, de prejuízo à saú- nizá-lo, quer pela falta de conduta médica culposa quer
de do paciente, mas não evidenciado o liame de cau- pela inexistência de nexo de causalidade. Nesse senti-
salidade desses danos com o comportamento do pro- do: “Responsabilidade civil. Deformidade decorrente de
fissional de saúde, improcedente deverá ser o pleito moléstia palmar – ‘contratura de Dupruyten’. Cardiopa-
indenizatório. tia hipertensiva constatada após a realização de cirur-
No tocante ao nexo de causalidade, deve-se des- gia. Prova pericial que atestou a inexistência de erro
pender maior cuidado na análise da sua (in)existência. médico. Nexo causal não configurado. Apresenta-se
A prática tem-nos mostrado que pacientes poliqueixo- improcedente o pleito que busca responsabilizar médi-
sos, após serem submetidos a um tratamento ou cirur- co cirurgião-plástico por deformidade na mão, decor-
gia, com ou sem sucesso, tendem a responsabilizar o rente da moléstia denominada Contratura de Dupruyten,
profissional de saúde pelos outros males, preexisten- quando não houve comprovação de ser inadequado o
tes ou supervenientes. Aduzem que o primeiro trata- tratamento ministrado. Nexo causal não configurado a
mento foi incorreto, que trouxe seqüelas, etc., não obs- ensejar a obrigação do médico a ressarcir os danos
tante os males reclamados decorrerem, na verdade, postulados na inicial”.(21)
da própria condição orgânica do paciente ou mesmo Ao lado dessa responsabilidade civil dos profissio-
serem preexistentes à atuação do profissional de saú- nais de saúde, que enseja o dever de indenizar pelos
de. danos causados, a atuação na área da saúde pode
Frise-se, ainda, nesse tópico, que a verificação do ainda ensejar a instauração de inquéritos policiais e
nexo de causalidade, em alguns casos, pode ser ex- processos penais para apuração de eventual crime. O
tremamente difícil. Dois pacientes acometidos do mes- objetivo, nessa seara, não é impor a obrigação de in-
mo mal e tratados de modo idêntico podem apresentar denizar a vítima do evento pelos prejuízos experimen-
reações absolutamente distintas à terapia: num caso, tados, mas sim o de impor ao profissional uma penali-
a cura; noutro, o agravamento da enfermidade ou mes- dade pelo desvalor da ação ou da omissão. Em outras
mo o óbito. palavras, o objetivo, no âmbito do direito penal, é impor
Assim, em ações judiciais envolvendo profissionais ao agente uma sanção que vise a, primordialmente,
de saúde, nunca se deve descartar a ponderação acer- desestimular a reiteração da conduta dada como ilícita
ca das condições orgânicas ou preexistentes do paci- pelo legislador. A penalidade pode ser de restrição da
ente, nem sempre possíveis de avaliação pelo profissi- liberdade de ir e vir (prisão), monetária (multa) ou de
onal. Essas condições podem ser as responsáveis pelo outra natureza, chamada de pena alternativa (como a
eventual dano sofrido pelo paciente, ou seja, indepen- de prestar gratuitamente serviços à coletividade).
dentemente da conduta desenvolvida pelo profissional Os principais tipos penais relacionados com a atua-
de saúde, o dano efetivou-se, inexistindo, portanto, nexo ção de profissionais de saúde estão descritos a seguir.
de causalidade entre a ação ou a omissão do profissi- a) Homicídio culposo, estabelecido no artigo 121,
onal e o dano ocorrido. parágrafo 3o, do Código Penal (pena de um a três anos
Tal problema é bastante enfrentado pelos tribunais. de detenção) – O homicídio é considerado culposo
Em caso de paciente com histórico de luxação congê- quando o agente deu causa ao resultado por impru-
nita displásica bilateral dos quadris submetido a cirur- dência, negligência ou imperícia, que, dentro do direito
gia, sem maior sucesso, gerando, ao contrário, agra- penal, são entendidas de maneira semelhante ao di-
vamento de suas condições de locomoção, entendeu reito civil, ou seja: a imprudência está relacionada com

336 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005
a prática de atos não jus- ção, utilizando-se do bisturi elétrico – logo após a as-
tificados, precipitados, sepsia efetuada com “mertiolate” –, o médico pratica-
sem cautela; a negligên- mente ateou fogo na região pubiana do paciente. Cum-
PROENÇA JMM cia, com desleixo, inação pria-lhe, em verdade, retardar a intervenção cirúrgica
Responsabilidade e torpidez; e a imperícia, durante o tempo necessário a que o anti-séptico apli-
legal do médico – com o despreparo técnico cado perdesse, pela evaporação, a característica de
civil, penal
e administrativa
prático ou insuficiência de substância inflamável. Logo, houve delito culposo, in-
conhecimentos técnicos discutivelmente, pela omissão de cautela necessária a
no exercício de uma pro- impedir o resultado antijurídico”. O médico, nesse caso,
fissão. A pena poderá ser foi condenado à pena de cinco meses de detenção,
aumentada em um terço com “sursis” pelo prazo de dois anos.(24) Em outro jul-
se o crime resultar da gado, entendeu o Tribunal de Alçada Criminal de São
inobservância de regra técnica, de profissão, ou se o Paulo que “comete crime de lesão corporal culposa o
agente deixar de prestar imediato socorro à vítima, não médico que por imperícia, ao submeter vítima à cirur-
procurar diminuir as conseqüências de seu ato ou fugir gia para retirada de pino metálico inserido em osso le-
para evitar a prisão em flagrante. Nossos Tribunais, ao sado, pinça nervo ciático conjuntamente com vaso san-
enfrentarem questões relacionadas aos profissionais grante, acarretando total comprometimento desse ner-
de saúde, entenderam que um profissional médico co- vo, atrofia do membro atingido e equinismo do pé.”(25)
meteu homicídio culposo, agindo com negligência, ao c) Omissão de socorro, previsto no artigo 135 do
deixar de examinar convenientemente uma criança em Código Penal (pena de um a seis meses de detenção
estado de saúde precário, que, logo após ter deixado o ou multa, sendo a pena aumentada em metade se da
hospital em que foi atendido, em situação anormal e omissão resultar lesão corporal de natureza grave, e
tecnicamente desaconselhável e sem medicação pres- triplicada se resultar em morte). Trata-se de crime con-
crita, veio a falecer.(22) Em outro caso, entendeu o Tri- sistente na vontade consciente e livre de não prestar o
bunal de Alçada Criminal de São Paulo que desenga- possível socorro à pessoa em grave ou iminente peri-
nadamente pratica homicídio culposo o médico que, go ou não pedir, nesse caso, o socorro da autoridade
sem previamente providenciar testes de sensibilidade pública. Sobre esse tipo penal, expressivo foi o julga-
em paciente, encarrega, sem sua supervisão, um es- mento, já ocorrido, com a condenação de um médico
tagiário de enfermagem de aplicar injeção de soro an- do interior que, estando de plantão na Santa Casa lo-
titetânico, vindo a vítima a falecer, instantes depois, em cal, deixou de atender pessoa que ali se apresentou
razão de problema cardiopático.(23) com forte crise de bronquite, em razão de a mesma
b) Lesão corporal culposa, prevista no artigo 129, não possuir convênio hospitalar. Cuidava-se de situa-
parágrafo 6º do Código Penal (pena de dois meses a ção de grave e iminente perigo enfrentada pelo paci-
um ano de detenção, podendo ser ela aumentada nos ente. Entenderam os julgadores que “o dever de pres-
mesmos termos do homicídio culposo) – Para a confi- tar socorro a quem se acha especialmente afetado em
guração desse tipo penal é mister que o profissional sua incolumidade física ou fisiológica nasce da situa-
de saúde, no desempenho de sua profissão, venha a ção de fato e fundamenta-se no valor ético social da
agir com imprudência, negligência ou imperícia, cau- solidariedade humana”. Ainda nesse sentido, confor-
sando danos à integridade física do paciente. Como me decisão proferida pelo Tribunal de Alçada Criminal
exemplo, pode-se conjeturar o caso de um cirurgião de São Paulo, configura o crime de omissão de socor-
plástico que, ao ignorar regras técnicas médicas, cau- ro a conduta de médico que recusa assistência a do-
sa deformidade em seu paciente. A jurisprudência bra- ente grave, a pretexto de falta de pagamento de hono-
sileira mostra o caso de um médico que, ao realizar rários.(26) O mesmo tribunal, em outra decisão, enten-
uma operação de fimose, com emprego de bisturi elé- deu que “responde por omissão de socorro o médico
trico, após a anestesia geral do paciente, procedeu à que, embora solicitado, deixa de atender de imediato o
assepsia da região pubiana com a tintura “mertiolate”, paciente que, em tese, corria risco de vida, omitindo-
passando à cauterização da veia do frênulo com o bis- se no seu dever de facultativo.(27) Em outro caso, en-
turi elétrico. Nesse momento, conforme explicação do tendeu o Tribunal de São Paulo que não se encontra
médico, ocorreu o acidente como um choque elétrico, tipificado o crime de omissão de socorro quando o
tendo sido produzidas queimaduras na glande, no pre- médico se recusa a mandar ambulância buscar partu-
púcio, no corpo do pênis e, inclusive, na pele do escro- riente com rompimento de bolsa do líquido amniótico,
to. As queimaduras determinaram a necrose do órgão face à ausência de perigo imediato e grave, uma vez
genital do paciente, tornando-se necessária a ablação que o parto não é imediato ao rompimento da bolsa.
do mesmo. O entendimento manifestado pelos julga- Não obstante serem esses três tipos penais os de
dores foi o de que: “Ao iniciar o trabalho de cauteriza- incidência mais freqüente na área da saúde, outros ti-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 337
pos podem incidir pela cassação do exercício profissional.
conduta dos profissionais É importante salientar que todas as disciplinas le-
dessa área, como o abor- gislativas citadas (civil, penal e ética) poderão incidir
PROENÇA JMM to ilícito, prescrito nos ar- em razão de uma única conduta médica, sujeitando-
Responsabilidade tigos 125 e 126 do Código se, assim, o profissional de saúde, em razão daquela
legal do médico – Penal (com pena de até única conduta, a três processos distintos – ação de
civil, penal
e administrativa
dez anos de reclusão). indenização na esfera civil, visando ao ressarcimento
Também é reiterada- dos danos ocasionados; processo criminal, para a ave-
mente discutido no âmbi- riguação da prática de determinado crime; e processo
to dos profissionais da ético administrativo, para a apuração de eventual trans-
saúde o crime de falsida- gressão de norma ética profissional. Assim, exemplifi-
de ideológica, previsto no cando, pode-se conjeturar que, configurada a conduta
artigo 299 do Código Penal (pena de reclusão de um a culposa em parto gerando o óbito do nascido, poderá
cinco anos e multa, se o documento é público, e reclu- ser instaurado um processo civil de natureza indeniza-
são de um a três anos e multa, se o documento é par- tória, um processo penal sob o argumento da ocorrên-
ticular), caracterizado pela omissão, em documento cia de homicídio culposo, e um processo ético perante
público ou particular, de declaração que dele devia o Conselho Regional da respectiva profissão.
constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração ou De outro lado, salientamos que poderá haver uma
diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudi- conduta de profissional de saúde que configure ato ilí-
car direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre cito civil, com a conseqüente condenação na obriga-
fato juridicamente relevante, bem como o de falsidade ção de reparar os danos causados, sem que haja con-
de atestado médico, previsto no artigo 302 do Código denação na esfera criminal e ética e vice-versa. Exem-
Penal (pena de detenção de um mês a um ano, que plos: falsidade ideológica, sem qualquer conseqüência
poderá ser cumulada com a pena de multa, se o crime na esfera civil – há a incidência da norma penal, sem,
for cometido com o fim de lucro), que se caracteriza contudo, qualquer relevância de natureza civil; e firmar
especialmente pela conduta do médico, no exercício contrato de assistência médica que subordine os ho-
da profissão, quando emitir atestado falso. norários ao resultado do tratamento ou à cura do paci-
O terceiro tópico a ser tratado deriva dos Códigos ente, sem qualquer conotação civil ou penal.
de Ética Profissional, típicos instrumentos reguladores Antes de finalizar este artigo sobre a responsabili-
das profissões liberais. Assim, ao lado das responsa- dade legal do médico, não poderíamos omitir as dispo-
bilidades civil e penal, já ventiladas, o profissional da sições do Código de Defesa do Consumidor relaciona-
área de saúde poderá ainda, em razão de sua conduta das com os profissionais de saúde. Referida legisla-
(omissiva ou comissiva), sujeitar-se a processo ético ção, vigente em nosso País desde 1990, trouxe novas
perante seu órgão de classe. regras para as relações de consumo (relações entre
Nesse sentido, o Código de Ética Médica (Resolu- fornecedores e consumidores de produtos ou serviços),
ção do Conselho Federal de Medicina nº 1246/88) pres- em que se inclui, sem dúvida, a relação entre paciente
creve um rol de condutas, cuja prática é vedada aos e profissional de saúde.
médicos. Exemplos: artigo 29 – Praticar atos profissio- O artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor
nais danosos ao paciente, que possam ser caracteri- prevê: “O fornecedor de serviços responde, indepen-
zados como imperícia, imprudência ou negligência; ar- dentemente da existência de culpa, pela reparação dos
tigo 42 – Praticar ou indicar atos médicos desnecessá- danos causados aos consumidores por defeitos à pres-
rios ou proibidos pela legislação do País; artigo 46 – tação dos serviços, bem como por informações insufi-
Efetuar qualquer procedimento médico sem esclareci- cientes e inadequadas sobre sua fruição e risco”.
mento e/ou consentimento prévios do paciente ou de Assim é que, em um primeiro momento, poderia se
seu responsável legal, salvo em iminente perigo de vida; afirmar que os profissionais de saúde, após o advento
artigo 57 – Deixar de utilizar todos os meios disponí- do referido Código, responderiam, objetivamente, ou
veis de diagnóstico e tratamento a seu alcance em fa- seja, sem averiguação de culpa, pelos danos sofridos
vor do paciente. pelos seus pacientes.
Instaurado o processo administrativo, que tramita e Entretanto, o parágrafo quarto do referido artigo es-
é julgado pelo próprio órgão de classe, poderá o pro- tabelece, em relação aos profissionais liberais, a ne-
fissional sofrer as penalidades estampadas na própria cessidade da existência de culpa como pressuposto
legislação, quais sejam: a) advertência confidencial, em da responsabilidade civil. Assim, os profissionais de
aviso reservado; b) censura confidencial, em aviso re- saúde, como os advogados e os contadores, respon-
servado; c) censura pública, em publicação oficial; d) dem pelos danos ocasionados a seus pacientes ou cli-
suspensão do exercício profissional até trinta dias; e e) entes, quando comprovada uma atuação negligente,

338 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005
imperita ou imprudente. sagradáveis, motivo pelo qual procedimentos e investi-
Em conclusão, o erro, mentos de qualquer ordem para preveni-lo configuram
quer para profissionais de conduta inteligente, devendo ser incentivados. Assim é
PROENÇA JMM saúde quer para todas as que o velho brocardo “é melhor prevenir do que reme-
Responsabilidade outras atividades, pode diar”, largamente utilizado pelos profissionais de saú-
legal do médico – acarretar conseqüências de em destinação a seus pacientes, também deve ba-
civil, penal
e administrativa
jurídicas relevantes e de- lizar a conduta desses profissionais.

LEGAL RESPONSIBILITY OF THE PROFESSIONAL


OF HEALTH – CIVIL, PENAL, AND ADMINISTRATIVE

JOSÉ MARCELO MARTINS PROENÇA

The article is focused on the responsibilities of the professionals of health regar-


ding their professional procedure, according to the Brazilian judicial courts. It is divi-
ded in three distinct topics: implications of the Civil Law, implications of the Penal
Law, and administrative implications. Regarding to the Civil Law, the medical activity
can generate compensate actions, on account of a faulty procedure that has gene-
rated mischief to the patient, depending on the condemnation of the high connection
between medical act and damage. Besides the civil responsibility of the professio-
nals of health, the medical action is able to start police inquiries and penal trials
aiming at the verification of occasional crime. The penalty can be of restraint of the
liberty of go and come (prison), monetary (fine), or of another nature, called alterna-
tive penalty. The third topic is based on the Codes of Professional Ethics, which
regulate the liberal professions. Besides penal and civil responsibilities, the professi-
onal of health is able to, on account of his conduct, subject himself to ethical trial. In
that case, the possible penalties are: confidential warning, in private notice; confi-
dential censure, in private notice; public censure, in official publication; suspension
of the professional exercise for 30 days; or permanent suspension of the professio-
nal exercise.

Key words: medical malpractice, penal and civil medical responsibilities, medical
activity, negligence, unskilfulness, carelessness.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:332-40)


RSCESP (72594)-1549

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 339
NOTAS artigo 936 do Código Civil: “O dono, ou detentor, de
animal ressarcirá o dano por este causado, se não
1. Nesse sentido, a reda- provar culpa da vítima ou força maior”.
PROENÇA JMM ção do artigo 186 do Có- 5. Decisão proferida nos autos da Apelação Cível nº
Responsabilidade digo Civil Brasileiro de 10 97.003506-3, Relator Des. Sérgio R. Baasch Luz.
legal do médico – de janeiro de 2002 – Lei 6. Decisão transcrita na Revista dos Tribunais 558/178.
civil, penal
e administrativa
10.406: “Aquele que, por 7. Decisão transcrita na Revista dos Tribunais 714/206.
ação ou omissão voluntá- 8. Decisão proferida nos autos dos Embargos Infrin-
ria, negligência ou impru- gentes nº 70003739042, Des. Relator Clarindo Fa-
dência, violar direito e cau- vretto.
sar dano a outrem, ainda 9. Decisão transcrita na Revista dos Tribunais 613/46.
que exclusivamente moral, 10. Decisão transcrita na Revista dos Tribunais 608/
comete ato ilícito”. 160.
2. Referido artigo substituiu o de número 1.545 do Có- 11. Decisão proferida nos autos da Apelação Cível nº
digo Civil anterior, de 1916, que assim disciplinava 4486/93, Rel. Des. Pedro Américo Rios Gonçalves.
a questão: “Os médicos, cirurgiões, farmacêuticos, 12. Repertório de jurisprudência IOB – nº 4/2002 – ca-
parteiras e dentistas são obrigados a satisfazer o derno 3 – p. 90.
dano, sempre que da imprudência, negligência ou 13. Decisão proferida nos autos do Recurso Especial
imperícia em atos profissionais resultar morte, ina- nº 73.958, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar.
bilitação de servir ou ferimento”. 14. Decisão proferida nos autos da Apelação Cível n.
3. Os artigos 948, 949 e 950 citados no próprio artigo 113.803-4/9-00, relator Des. José Osório.
951 transcrito referem-se aos danos a serem repa- 15. Decisão proferida nos autos da Apelação Cível
rados: 94.807, Rel. Des. Renan Lotufo.
Artigo 948 – “No caso de homicídio, a indenização 16. Decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal
consiste, sem excluir outras reparações: I - no pa- da 1ª Região, nos autos da Apelação Cível
gamento das despesas com o tratamento da víti- 89.01.226480.
ma, seu funeral e o luto da família; II – na prestação 17. Decisão proferida nos autos da Apelação Cível nº
de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, 70002471480, Rel. Des. João Pedro Pires Freire.
levando-se em conta a duração provável da vida da 18. Decisão proferida nos autos da Apelação Cível no
vítima”. 83.927.4/2, Rel. Des. Ivan Sartori.
Artigo 949 – “No caso de lesão ou outra ofensa à 19. A indenização deve ser fixada de acordo com os
saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despe- artigos 948, 949 e 950, transcritos na Nota 3.
sas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim 20. Decisão proferida nos autos da Apelação Cível nº
da convalescença, além de algum outro prejuízo que 6928/94, Relator Des. Marlan Marinho.
o ofendido prove haver sofrido”. 21. Acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Artigo 950 – “Se da ofensa resultar defeito pelo qual Sul de no 700002384857/2001/Cível.
o ofendido não possa exercer seu ofício ou profis- 22. Decisão proferida pelo Tribunal de Alçada Criminal
são ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a de São Paulo, nos autos da Apelação Criminal nº
indenização, além das despesas do tratamento e 20855.
lucros cessantes até o fim da convalescença, incluirá 23. Decisão proferida nos autos da Apelação Criminal
pensão correspondente à importância do trabalho nº 198237.
para que se inabilitou ou da depreciação que ele 24. Decisão transcrita na Revista dos Tribunais 578/
sofreu. 391.
Parágrafo único – O prejudicado, se preferir, pode- 25. Decisão proferida nos autos da Apelação Criminal
rá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de nº 579959/4.
uma só vez.” 26. TACrSP, julgados 83/321.
4. Como exemplo, pode-se citar a hipótese descrita no 27. Jurisprudência do TACrimSP 47:223.

340 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005

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