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SUBSÍDIOS
Para rezar
na Escola de Inácio de Loyola
Marie-Elisabeth Houdot
Tradução. R. Paiva, S.J.
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CONSELHO EDITORIAL
André Marcelo Machado Soares
Danilo Marcondes Filho
Eliana Yunes
José Carlos Barcellos
Luiz Basilio Cavalieri
Maria Clara Lucchetti Bingemer
Maria Lilia Campello Pereira
Pe. Paul Schweitzer, S.J.
EQUIPE DE PRODUÇÃO
PRODUÇÃO EXECUTIVA
Equipe do Centro Loyola de Fé e Cultura PUC-Rio
PROJETO GRÁFICO
Felipe R. Chalfun
REVISÃO DE TEXTOS
Annamaria Wolter
Gilda Maria Rocha de Carvalho
Thaís Rodrigues Abraham
DIAGRAMAÇÃO
José Antonio de Oliveira
ASSESSORIA GRÁFICA
Editora PUC-Rio
EXPEDIÇÃO E ASSINATURAS
Francisca Sônia R. P. Fontes
Telefone: 21 3874-8093
EDITORIAL
Os cadernos MAGIS têm a alegria de colocar à disposição de seus leitores e de todos os que
freqüentam o Centro Loyola de Fé e Cultura uma nova série de material de reflexão.
Trata-se da série SUBSÍDIOS, que agora inauguramos com este número traduzido da revista
Vie Chrétienne, das Comunidades de Vida Cristã (CVX) da França, que tem como conteúdo
orientações práticas para rezar segundo a metodologia de Santo Inácio.
Preparados por Marie-Elisabeth Houdot, membro das CVX francesas, estes roteiros
certamente poderão ajudar imensamente a todos aqueles e aquelas que desejem crescer na oração e
na intimidade com Deus segundo a metodologia de Inácio de Loyola.
Sendo o Centro Loyola marcado por uma clara identidade inaciana, e tendo no seu projeto
para a formação do laicato a programação de retiros segundo a metodologia dos Exercícios
Espirituais de Santo Inácio e o oferecimento de orientação espiritual segundo esta mesma
metodologia para os seus freqüentadores, este subsídio deverá certamente ser de grande ajuda para
todos aqueles que freqüentam o Centro e que nele trabalham a serviço do crescimento espiritual de
todos.
A oração volta hoje a ser um dos grandes anseios da humanidade. Conseguir comunicar-se
com Deus, ouvir Sua Palavra e a Ela responder com atos e em verdade torna a ser considerado um
caminho de vida mais plena e mais total. Os Exercícios de Santo Inácio têm sido, há vários séculos,
um método de ajuda para essa busca.
Possa este subsídio que hoje publicamos ser um elemento a mais em todo o processo
dinâmico e apaixonante que Inácio chamava de “buscar e encontrar Deus em todas as coisas”.
A EQUIPE
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Introdução
Todas as pessoas sabem rezar na medida em que sua humanidade as torna capazes de dizer
“eu”, de se reconhecerem como maiores, mais amplas e mais profundas do que o limite pelo qual
são forçadas a se afirmar. O homem é capaz de entrar em relação.
Deus, o Espírito de Deus, é, em nós, o nosso único pedagogo, Ele que murmura para o Pai,
com “gemidos inefáveis” e nos faz dizer “Abba!” (Rm 8,15). Toda oração já se consumou e
encontra a sua fonte na prece de Jesus a seu Pai e, mais ainda, na pessoa mesma de Jesus, na qual a
relação com Deus e a vida em Deus coincidem. Quando Jesus nos ensina como rezar, Ele nos diz,
ao mesmo tempo, quem Ele é e como viver.
Sim, na oração, como em nosso dia-a-dia, acontece-nos de ajardinar, revolver, tirar as más
ervas, preparar a terra, lançar o grão conforme a sua qualidade, o clima e a estação, Contudo, só
Deus, o Jardineiro, dá o crescer e o ser. Sim, a oração como a ação não teriam nem sentido nem
existência fora do campo de Deus e da imensidade do seu trabalho.
Prece e ação são uma só realidade: no coração de cada um de nós se mesclam à obra de Deus
(a ser recebida) que dá à pessoa o agir (um fazer) no sentido de Deus.
A ilusão é grande para atribuir à contemplação a forma ideal, talvez absoluta, da acolhida e da
união com Deus, pelo jogo da interioridade, enquanto que o agir diário seria a parte de nossa pobre
humanidade, submetida ao contingente, até a sua libertação, o que o disporia, enfim, a uma
felicidade passiva na eternidade. Ora, Jesus, que não passou todo o seu tempo em oração, mas trinta
anos em Nazaré, envolvido com as tarefas do dia-a-dia, empenhava-se em nos fazer compreender
que “O Reino de Deus está no meio de vós!”.
parte, mas também de Deus. O conjunto da fé visa, porém, “sentir e saborear interiormente estas
coisas por si próprio”.
Não se deve ler este manual, mas vivenciá-lo, experimentá-lo, prová-lo. A forma literária
seria, por sua vez, insuportável se cada qual não a revestisse com a sua própria experiência, com o
seu próprio “eu”. Passa-se com estas “Indicações” como com uma sugestão do professor de
ginástica: não há nada de interessado nem de eficaz no que ele diz, a não ser que o exercitante se
esforce para pôr em prática o que lhe é dito. E por muitas vezes! Só assim vão surgir novos
reflexos, novas capacidades físicas e mentais, uma musculação e uma respiração cujas
conseqüências são grandes para o todo da pessoa, muito além dos limites da sala de ginástica...
Bom caminho no Espírito do Cristo, pela graça que foi dada um dia à Igreja na pessoa de
Santo Inácio de Loyola.
As Condicões Prévias
I – Preparar a prece
“Rezar quanto me agrada” ou quando “me ocorre”? Neste caso, cabe-me correr o risco de
confundir Deus com minhas veleidades, Deus e meus humores. Cabe-me a tristeza, quando eu nada
encontrar de muito gratificante. Adeus à oração quando o meu tempo estiver todo empregado – e
ele será todo empregado se eu não rezo!
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“Rezar tanto tempo quanto me der gosto, desde que eu não me entedie?” Muito obrigado da
parte de Deus! A gratuidade não é poder rezar quando quero, é estar lá para o Senhor, não para o
meu próprio prazer. Trata-se de incluir nas minhas 24 horas ou nas minhas 168 horas semanais um
mínimo de tempo, doado ao Senhor para arriscar reconhecê-lo como a minha fonte, o que me é
essencial, dando-lhe ocasião de me converter à sua vida.
“Prever a duração”. Por que, sendo assim, não incluir este tempo na agenda, como qualquer
outro encontro? Prever o momento que favoreça a disponibilidade interior. Fixar uma duração
suficiente para rezar sobre um texto: 20, 30 minutos, sem ultrapassar uma hora. Um tempo
demasiado curto não permite mais que entrar na oração, e é bom se deter um lado (sobre um texto,
por exemplo), e concluir.
Prever o lugar
“Quando tu quiseres rezar, entra no teu quarto e reza a teu Pai que está ali, no segredo” (Mt
6,6).
O melhor é escolher um lugar que estimule o recolhimento, com meios simples que apoiem a
oração: cruz, ícones, lâmpada. Ou aproveitar um lugar propício, próximo do trabalho ou da
residência.
Se rezo no meio dos meus papéis, do telefone, de tudo o que me pode chamar a atenção para
aquilo que tenho de fazer, não posso espantar-me com as distrações, com o barulho interior ...1
Tanto quanto é bom se apresentar a Deus pelo coração e pela Fé, quanto seria prejudicial rezar
sem um apoio concreto: um Salmo, uma cena do Evangelho, algo vivido no dia, um acontecimento,
uma prece da Igreja, como o glória ao Pai, o pai-nosso, a ave-maria...
Escolher antecipadamente o apoio à oração.
Que texto?
* Podem ser os da liturgia do dia ou do domingo. São um meio de rezar no ritmo da Igreja.
* Escolher uma prece comum da Igreja pode me dar a vantagem de saborear o seu significado.
* Talvez um texto bíblico que me faça bem ou no qual eu pensei durante a semana ou que
possa esclarecer o que estou vivendo atualmente.
* Ler o texto a ser usado, por exemplo, na véspera. Preparar os pontos sobre os quais me
parece bom deter-me, a graça que vou pedir. Ler as notas da minha edição da Bíblia para não ter
preocupações a respeito do texto.
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É possível, com a graça de Deus e desejo e boa vontade, que as pessoas rezem mesmo durante certos trabalhos,
viagens, lugares barulhentos, em "brechas" de tempo e lugar surpreendentes! Estas pessoas fazem das próprias causas
de "distração" outros tantos motivos de oração!
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- reconhecer-me simplesmente humano, crer que Deus se expressa também por suas
mediações;
- preferir a objetividade da Fé que anima a Igreja aos meus sentimentos, hábitos, à minha
subjetividade.
Mesmo uma prece de adoração, de coração a coração, não pode sobreviver senão recorrendo,
de um modo ritmado, a silêncios e palavras, pontos de referência e criatividade, atividade e
passividade. Pertence ao Senhor nos levar mais longe do que o texto, n’Ele mesmo, se esta for a sua
graça no momento.
“A um ou dois passos do lugar onde devo contemplar ou meditar, colocar-me de pé, pelo
tempo de um pai-nosso. O espírito voltado para o alto, considerar como Deus nosso Senhor
olha-me ... e fazer um ato de acatamento e humildade” (EE 75).
Desta maneira de proceder, proposta por Inácio, retenhamos essa pequena parada prévia.
Assim, alcançamos não nos introduzir à prece como a uma outra atividade qualquer do dia (como se
eu enfiasse contas, mesmo que fossem as pérolas do Reino!). Isto permite tomar consciência da
grandeza d’Aquele ao qual venho oferecer a minha oração.
2. O Senhor não é nem uma coisa, nem um colega, nem o meu espelho. Ele é o Outro, o
Senhor, o Amigo... Deus, Pai–Filho–Espírito. É Ele quem tem a iniciativa de me olhar, enquanto eu
sou quem cruza meu olhar com o d’Ele.
Escolher a atitude mais adequada, de um lado, quanto ao que quero manifestar durante a
oração; de outro lado, ao meu estado físico ou psicológico.
Não se trata de fazer atos ascéticos (penitências) durante a oração, o que seria um outro
exercício.
Não se trata de ficar bloqueado, paralisado, durante toda a oração na atitude inicialmente
escolhida. Rezar não é se converter num pedaço de gelo, congelar-se. Rezar é continuar vivo!
Simplesmente. Humildemente.
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Trata-se muito simplesmente de rezar também com o seu corpo, dentro ou pelo seu corpo.
A ausência do ruído exterior não basta. Ele pode até mesmo incentivar nosso barulho interior.
Será ilusão contar com esvaziar nosso espírito de tudo o que o atravanca, por todo o tempo de
técnicas preparatórias.
Rezar não é fazer o vácuo! É ser verdadeiro e presente. É juntar o Deus vivo, tal que eu esteja,
com tudo o que sou e tudo o que eu levo. Deus não se une a nós num lugar asséptico em nós
mesmos.
Apaziguar-me, fazer silêncio e, na fé, tomar consciência d’Aquele a quem desejo encontrar no
amor.
É surpreendente que Inácio não fale de “se pôr na presença de Deus”, como se diz hoje em
dia. Ele multiplica os conselhos para preparar a oração (pontos para rezar o texto, tempo de se deter
previamente), cuidando dos seus começos, com ajuda de várias atitudes ativas, denominadas por ele
de “preâmbulos” (e que nós vamos descrever mais adiante: prece preparatória, recordar a história,
composição de lugar, pedido de graça). Esta maneira de proceder tem a vantagem de mostrar que o
colocar-se na presença de Deus não se reduz a um ato inicial. Este colocar-se na presença de Deus
está na linha de uma orientação interior, de um desejo que se encarna nestes atos, e pervade toda a
oração.
Contudo, visto que este modo de falar é bastante empregado, arrisquemos dizer algumas
palavras para expressar a articulação fundamental do colocar-se na presença de Deus, qualquer que
seja a forma de oração utilizada.
Uma vez que tenha sido previsto o momento, a duração, o lugar e o apoio – que já são, para
Inácio, o cair em conta de Quem eu venho encontrar – chega o momento de entrar numa relação
com o Senhor.
Este “colocar-se na presença” acontece na fé. Sem ela, o tempo de oração corre o risco de se
dar “a propósito” de Deus e não “com e perante” Deus, à semelhança daquele que lesse a
correspondência recebida de alguém sem notar que esta pessoa está ali, presente. Sem dúvida, Deus
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é presente a todo momento, inclusive na hora de nossas atividades e ocupações, mas a nós pertence
cair na conta desta realidade.
Como fazê-lo?
A expressão “fazer-se presente a Deus” parece mais exata do que “pôr-se na presença de
Deus”.
* “Pôr-me lá”: eu, com tudo o que sou, totalmente, com as minhas grandezas, os meus limites,
as minhas preocupações, como estou naquele instante: fatigado, feliz, com o coração pesado, com
todo o meu desejo ou não-desejo de rezar.
* “Fazer-me presente a alguém” é, de certo, estar presente a mim mesmo. Portanto, é habitar o
ato que estou pondo, o rezar ao Senhor. “Fazer-me ...”: é um movimento para um outro, e não uma
atitude instalada que existiria por si só, atingida ou não atingida. Um movimento que é vida a ser
cuidada. “Fazer-se” significa toda a liberdade ativa e também todo o despojamento de si próprio
empenhados na oração.
* O “pôr-se na presença de Deus” vai então muito além de um puro exercício formal ou
psicológico, e reúne, em poucos instantes, todo o caminho da fé e da vida. Talvez seja o que torne
este “pôr-se” tão simples ou tão difícil.
* Presente a Deus... Rezar não é uma atividade narcisística. É o doar-se ao encontro com um
Outro, que é Vivo. É o cair na conta de que ele é realmente o Deus Vivo, na presença de quem eu
me mantenho: seja o Pai, seja o Filho, seja o Deus Criador ou o Ressuscitado...
* Podemos nos ajudar com a Cruz, o Tabernáculo ou uma imagem, mas a ajuda por
excelência é o Espírito, Deus presente em mim, e não atrás de um muro. Ele anima o movimento
mesmo desta prece para Ele.
* Presença a Deus que é presente a mim: tomar consciência desta inversão. Eu me pus aqui,
eu tomei os meios. Contudo, é Ele que se antecipava, que já estava lá, esperando-me e desejando
unir-se e se doar a mim.
* Eventualmente ajudar-me com uma frase pessoal, com um louvor que me focalize sobre ele
mais do que sobre mim; com um gesto de inclinação, de mãos abertas; com uma passagem de
Salmo reformulada em “eu e Tu” (“Tu és o meu pastor, nada me falta ... tu me fazes repousar...
Senhor, sabes tudo ...”).
* Deter-me aí um tempo suficiente, mas na Fé, sem esperar “um sentir” especial, mas uma
real tomada de consciência de si e de Deus a quem eu me dirijo. Depois passar à etapa seguinte.
* Se neste fazer-se presente a Deus, o coração encontra mais do que procurava, deter-me nesta
graça enquanto a saboreio, para então progredir em paz para o corpo da oração.
* Se acontecer que eu não “sinta nada”, alegrar-me desta ocasião de fidelidade mais
desinteressada, verdadeiro amor d’Ele, e permanecer “como uma sentinela”, avançando pelo corpo
da prece.
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Por quê?
O “fazer-se presente a Deus” é como o leito de um rio no qual corre a água da oração, clara ou
turvada, calma ou agitada: pouco importa a água, pois nada procuro senão “orientar todas as
minhas ações e operações para Deus”. Portanto, é necessário não pôr entre parênteses esta relação
de fundo.
Sem esta relação de fundo, corre-se o grande risco de manejar com grande destreza o texto
(ou minhas idéias) numa relação do tipo “eu, texto, eu de novo “falando” a propósito de Deus .
Os Preâmbulos
I – A oração preparatória
Como?
“A oração preparatória consiste em pedir a Deus nosso Senhor sua graça para que todas as
minhas intenções, ações e atividades sejam puramente ordenadas para o serviço e o louvor
de Sua Divina Majestade.” (EE 46)
Cabe-nos captar a atitude profunda aqui expressa e a reformular segundo nossas próprias
palavras e experiências. Por exemplo:
“Senhor, que eu esteja aqui para te conhecer. Gratuitamente. Não por sentimentos que já
pude saborear na prece ou pelas respostas que procuro. Que tudo o que eu fizer seja somente na
procura de teu serviço e louvor e não na procura do meu próprio serviço e louvor.”
Por quê?
* Voltar-me para Ele e por Ele é uma graça. Expressar o pedido é reconhecer esta graça.
* É também, conhecer-me. Com efeito, nós que tão depressa procuramos, na oração, um
proveito egoísta, um sabor, uma resposta a nossos problemas, nos deixamos estar lá “por Ele”,
porque Ele é Deus.
* É reconhecer igualmente a parte pessoal que a oração contém: intenções (desejos, lucidez),
ações (ler, meditar, atitudes físicas), atividades (refletir, amar, indagar...).
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* Rezar é ir a Deus com toda nossa matéria hurmna e, orientando todo o ser a Ele, receber
d’Ele esta capacidade de o alcançar, este movimento do Espírito que, do interior, nos converte ao
Pai.
* Esta oração preparatória é um ato fundamental. Sobre a atitude que ela instaura repousa a
exatidão da prece. Não tem nenhuma importância em si mesmo que depois eu encontre gosto, luzes,
ou sequidão e aridez, que eu viva na oração uma provação, o combate da fé ou a alegria das
núpcias.
O essencial, na prece, como nos meus dias, reside nesta adesão do meu querer a Deus, nesta
orientação do desejo que toca e comunga com a do Espírito em mim.
II – A composição de lugar
Modo de fazer
Podemos utilizar:
– imagens reais de paisagens vistas (Terra Santa ou outras) para imaginar “as sinagogas,
povoados e cidades por onde pregava Jesus Cristo”, ou o Mar da Galiléia, ou “o Monte”. As
imagens fixadas por um pintor ou um escultor podem ajudar a entrada no ambiente do mistério
contemplado.
– imagens simbólicas a serem descobertas para orar sobre as realidades invisíveis, como a
ternura e o amor criador de Deus (Is 43 ou Os 2,16) ou como o pecado (“considerar o corpo e a
alma aprisionados ou exilados”, sugere Inácio).
Por que dar um espaço à minha oração?
Fixar um espaço à minha oração significa acolher o lugar particular e concreto onde se
realizou o mistério de Deus para os seres humanos. Como Inácio, é uma maneira de me fazer
“peregrino”, procurando ver, tocar os lugares de nossa terra onde Deus se revelou.
O que rezo (um texto ou um mistério) é uma realidade e não um fruto de minha fantasia.
Compor um lugar não se faz em vista de uma reconstituição histórica, mas de uma atividade
simbólica. Sou um ser humano que Deus atinge e que vai a Deus com toda a sua realidade,
inclusivamente com sua dimensão imaginativa e sensível.
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* Fixar a minha imaginação é um bom meio de a dispor, como todo o meu ser, a serviço da
oração. “Ver o lugar” ajuda o silêncio interior.
* Minha imaginação, toda a minha afetividade, minha inteligência ou vontade têm o “direito”
de ser evangelizados, orientados, feitos criativos em minha busca de Deus.
* Tudo isto se passa na fé: ver com a imaginação os lugares para ponderar a realidade do que
contemplo.
* Imaginar o lugar também é crer que Deus entrou na história e toca o hoje de minha história.
* Neste pôr-se a caminho, tudo o que eu sou se deixa evangelizar pelo mistério meditado e
permite o encontro na oração tomar corpo.
Qualquer que seja a cena, “Deus no meio de nós” é vivido no concreto de sua humanidade.
Estes lugares fazem parte do Deus verdadeiramente feito homem. Eles permitem sentir o peso
(bíblico, divino) da terra que hoje é nossa casa (multidões, amigos, messes, deserto). Esta
“composição de lugar” convida a procurar Deus aqui e agora, não numa atmosfera vaporosa, mas
na vida humana, em nossa realidade.
* Jesus era filho de Nazaré, andou pelos povoados da Galiléia, percorreu as margens de um
lago, falou da encosta de uma montanha, visitou a casa de Zaqueu, entrou em certa cidade.
* Os Salmos são repletos de toda espécie de experiências dos seres humanos em sua busca de
Deus: clamores, desejos, sofrimentos, desesperos, alegrias consolações, fé e esperança. Ditos e
repetidos pelas pessoas daqueles tempos, eles são como pedras polidas que a minha realidade atual
continua a esculpir e aperfeiçoar. Cabe-me ver a que ponto tal ou qual Salmo se refere à minha
história pessoal de abandono, de júbilo... (“Teu altar, Senhor... como uma tenda nos céus ... como
um cervo ...”).
* Para meditar sobre o pecado ou sobre o inferno dos seres humanos é de fato necessário que
eu me apoie no lugar onde estou, na experiência que eu conheço do fundo de mim mesmo, dos seus
sintomas, desta zona pantanosa, turva, fumarenta, névoa forte escondendo a aurora.
* Para meditar sobre a profundeza do amor de Deus, ou do seu poder criador, vou extrair a
imagem, a visualização daquilo que conheço interiormente, como do mar, renovando-se sem cessar,
da mão que toca com ternura.
Vendo, então, através dos olhos da minha imaginação, a casa, a sinagoga, o caminho e a
multidão por onde passa Jesus, tenho uma grande oportunidade de, pouco a pouco, reconhecer
minha casa, o lugar de minha celebração, minha estrada, minhas multidões como lugares da
presença do Cristo que passa, hoje também, na minha vida, com tanto peso quanto naquele tempo.
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Depois de me ter preparado para este tempo de prece, de ter fixado o olhar de minha
imaginação sobre uma “composição de lugar”, eu vou exprimir a Deus a graça que desejo receber
nesta oração:
O que pedir?
“Pedir o que eu quero e desejo” não significa “pedir qualquer coisa”, mas “olhar o próprio
desejo, tornar-se atento ao próprio querer, às suas verdadeiras necessidades e dizê-las a Ele...”
“O que eu quero e desejo”: mais do que “fazer pedidos” é entrar verdadeiramente em oração,
ser alguém que sabe o que quer, que tem o direito de “querer” alguma coisa para a sua vida, alguém
que deseja, que tem aspirações: ser verdadeiramente humano. E então? Sucede, então, que eu
mergulhe rapidamente nesta vontade de coração que reside em mim, e de pedir a Deus a graça,
pois é uma graça, e não o fruto do meu esforço.
* Em harmonia com o mistério a ser meditado ou com o texto a ser contemplado: a atitude de
um personagem, a cura descrita ou uma palavra poderão suscitar um pedido a Deus de qualquer
coisa da qual eu tenha necessidade para melhor viver evangelicamente (disponibilidade, luz, paz,
conhecimento d’Ele ...).
* Ora mais centradas para o próprio eu, ora mais dirigidas para fora, genéricas ou específicas,
pode ser que elas mudem ao longo da oração, ou do ano. Este deslocar-se do desejo será
interessante de ser observado.
Pedir é dispor-se a receber: receber a Palavra, o Espírito, a Luz do Senhor e manifestar assim
que a oração nos coloca perante um outro.
Estar assim perante Deus, “em estado de desejo”, já é sair de si e entregar-se à ação do
Espírito para consentir que Ele reze, fale e atue em nós. Com efeito, não é em vista de nossos
interesses pessoais que pedimos a graça de Deus, mas a fim de nos submeter interiormente mais e
mais ao Senhor para melhor estar a seu serviço e em seu louvor.
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Pedir é um ato de fé no Senhor, ato que não é mais do que um dom. É reconhecer que tudo
vem d’Ele, não de nossas obras, admitindo que até mesmo a oração é dom seu. É crer que Deus
(como Ele nos disse) quer nos cumular do que Ele tem de melhor, doando-nos o Espírito.
Pedir a Deus é assumir a nossa condição de criatura, é ousar existir diante d’Ele como uma
pessoa que se põe de pé, que “quer” e “deseja”, tal qual Deus mesmo quis o ser humano, livre para
existir perante Ele. Se tenho desejos, isto significa que sou um ser vivo, uma pessoa única aos olhos
de Deus.
Pedir nos leva a selecionar os nossos desejos e reconhecer humildemente aquilo por que,
hoje, tenho necessidade de me abrir a Deus. É ordenar os meus desejos em relação a Deus, escutar
Quem, verdadeiramente, habita em mim, sair de mim para ir à Fonte, o Senhor.
O Espírito fará, pouco a pouco, evoluir meus pedidos, levando-me a descobrir o que preciso e
o que desejo de verdade. Meu pedido se aproximará mais e mais do desejo de Deus em mim mesmo.
Nas Escrituras, Deus mesmo se manifesta levando os que Ele encontra a se exprimirem e
respeitando os desejos deles. O próprio Filho pede aos seres humanos ou ao Pai. Portanto, Deus
espera que o ser humano se abra para que possa agir nele e escutá-lo no que ele tem de mais
profundo (“Que queres que eu faça por ti?”; “Pede o que te devo dar”; “O que quereis?”)
No entanto, para pedir com profundidade, é necessário ultrapassar certas objeções piedosas,
certas resistências:
1 – “Eu não quero pedir em meu favor, pois isto não importa, é egoísta”: então tenho
necessidade dos outros? E os pedidos deles serão desnecessários? Por força de nada pedir, acabarei
por não compreender o que os outros pedem! Como poderei dizer aos outros que Deus escuta se eu
mesmo não faço a experiência? Lembremo-nos do fariseu cheio de si, fechado, sob a aparência de
alguém que dá graças. Apenas o publicano, tudo esperando de Deus, partiu justificado e ouvido.
2 – “Quero uma relação gratuita e desinteressada! Deus não é meu banco da providência.”
Decerto! Mas Deus mesmo instaurou uma aliança conosco, uma relação feita de desejos e pedidos
recíprocos. Ele conta conosco: para que trabalhemos com Ele, é bom que experimentemos que
d’Ele tudo recebemos. De fato, quando, numa família, não se fazem mais pedidos, a morte ronda e a
desagregação está próxima.
3 – “Deus sabe melhor do que eu o que é melhor para mim!” É certo, mas eu não peço para
informar a Deus, mas para me formar na conformidade com o seu desejo. É balbuciando meus
pedidos que ele me fará descobrir e participar no que o Espírito suscita em nós. “Que a tua vontade
seja feita”, verdade, mas qual é esta vontade?
No coração de cada pedido há um louvor, o reconhecimento de que Ele pode conceder o que
se pede. Nada pedir a Deus é uma maneira de se igualar a Ele (aliás falsamente, pois Ele nos faz
pedidos!), uma maneira de viver por si mesmo, autarquicamente, uma maneira de “nada ter a fazer
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com Ele na minha humanidade” e procurar o que preciso por outros caminhos. Insinua-se uma falsa
imagem de Deus.
“Tudo abandonar a seu querer” pode esconder uma recusa de Deus, uma maneira de me
fechar na minha vontade: “não há o que fazer...” subtende: “se Ele quer uma coisa diferente do que
eu quero...”. Esta é uma atitude caprichosa: a pessoa se amua, defende-se de uma decepção ou de
um fracasso afetivo: “Ele não me deu o que eu queria. Já que é assim, então não peço mais nada!” É
colocar Deus na minha medida. A menos que este abandono não esconda, sutilmente, uma demissão
de minha liberdade.
Pedir é entrar, à semelhança de Jesus Cristo, na relação de dois desejos que se procuram e se
escutam. Nada desejar é ter perdido a própria humanidade...
* Sim, àquilo que, sob o pedido, é conforme ao Espírito, e, portanto, àquilo que é melhor para
mim.
* Sim, àquilo que ainda não foi concedido no ponto “estratégico” onde Deus se liga comigo.
Deste modo, aos filhos de Zebedeu, que queriam ter seus lugares um à direita, outro à
esquerda d’Ele, Jesus provê um deslocamento do pedido: “Vós não sabeis o que pedis. Será que
podereis beber do cálice que eu vou beber? – Sim!” Cada qual descobrirá mais tarde como foi
atendida a sua súplica.
O silêncio de Deus, a falta aparente de resposta, desloca e ajusta o nosso desejo ao mais
essencial. Se eu nada exprimir, não avançarei nesta descoberta.
A Meditação
Este modo de rezar requer um “trabalho” simples da parte de quem ora e pode se aplicar tanto
a um texto bíblico, a uma epístola de Paulo, a um tema de meditação (pecado, criação), a um texto
da Igreja, ao Credo, a uma das orações eucarísticas (anáforas).
Modo de fazer
* Cuidar, como já foi explicado, o começo da oração (fazer-se presente, fixar uma imagem
interior do lugar ou do tema, pedir a graça).
* Em cada etapa:
– terminar cada etapa ou o tempo da oração exprimindo ao Senhor o que germinou durante a
meditação.
l – Aplicando a minha memória: o que este ponto me evoca? Como a minha história pessoal é
tocada por este ponto?
Trata-se de tomar toda a sua amplidão na história, trazer à memória os fatos, a realidade que
conheço a este respeito, recordando-me do que a Escritura diz, ou do que minha própria história me
deu a conhecer, ou outras pessoas, ou a Igreja...
Por exemplo: Meditando sobre o Credo, o Símbolo dos Apóstolos, eu me recordarei de todos
e de tudo o que me permitiu dizer: “Eu creio em Deus, Pai Todo-Poderoso”.
2 – Exercer a minha inteligência: o que compreendo a este respeito? Qual o alcance deste
pomo? Refletir.
Depois de empregar a memória, envolvendo a minha história e a realidade, cabe à inteligência
trabalhar: para melhor compreender as ressonâncias, as implicações, a extensão do mistério. Para
isto, precisarei buscar em minhas capacidades de comparar, associar, raciocinar; notar os paradoxos
ou as indagações que este ponto põe para a minha vida, a Igreja, ou as imagens de Deus que ele
questiona...
3 – Mover o meu coração pela vontade: retomo à relação com o Senhor. Como esta oração
me impele a viver ou o que ela me leva a viver ou a exprimir ao Senhor?
Mas, o coração nem sempre estando sensível a emoções, a vontade e a fé devem e podem
ocupar o espaço da prece.
Alargar a minha memória, sacudir a minha inteligência sobre tal ou qual ponto, não passaria
de um exercício retórico se não chegasse a “tocar o coração”. Trata-se não de fazer acrobacias e
malabarismos com um artigo de fé, mas de aderir ao Senhor mesmo, sem decepar a fé de suas
outras dimensões interiores que são a memória e a inteligência.
No coração se reúne tudo o que sou, na minha capacidade de decidir-me por Deus.
Fortalecido, então, do que recordei, do que compreendi, eu me oriento no meu hoje, empenho a
minha liberdade, conforme o amor fiel. Isto poderá se fazer:
lembranças do passado, ou se reduza à uma reflexão cerebral, sem referência à minha história, ou,
ainda, se feche em estímulos à afetividade. O mistério e a ação de Deus atingem à totalidade da
pessoa. A esta palavra de Deus, recebida, ruminada, é o “eu” em sua unidade que responde e
assume compromisso.
Por que rezar teria de ser sempre tedioso, insípido, sem prazer? Não está dito nas Escrituras:
“Esta palavra está em minha boca e em meu coração”; “Provai e vede”; “Abri a boca e eu a
encherei”; “Comei e bebei gratuitamente.”?
Conhecer Deus (no sentido bíblico) não está na linha de uma operação intelectual, mas na
linha de uma experiência pessoal.
Modo de fazer
Se o gosto da Palavra é um dom de Deus, eu posso, de minha parte, favorecer esta recepção
em profundidade da Palavra e, através dela, acolher o Mistério de Deus. Devemos proceder como
quem saboreia um alimento delicado ou um bom vinho:
– e tomar tempo para saborear, degustar e descobrir todos os aspectos, refletindo no seu
alcance, deixando a Palavra evolar o seu perfume. Permanecer lá até que esta Palavra desça ao meu
profundo, ressoe e seja verdadeiramente recebida e compreendida.
– não procurar novos conhecimentos, procurando ver muitas coisas, mas demorar-se nelas o
bastante para “senti-las e saboreá-las interiormente”;
– não se forçar a sentir, a fazer surgir o gosto, nem ter a expectativa de que se passarão coisas
prodigiosas.
– acolhê-lo e permanecer nesta palavra, tanto tempo quanto nela encontrar o fruto;
– não procurar interpretá-la imediatamente: “Se esta palavra não me toca é porque devo fazer
isto ou aquilo”;
– continuar a aderir ao Senhor por ele próprio, e não por meu gosto;
18
O gosto interior pode tomar formas variadas, conforme as pessoas ou os momentos da vida.
Intensas ou discretas, tais formas são sempre observáveis:
– Sentimento de conivência ou cumplicidade com tal passagem, tal personagem, uma palavra
que me revela minha realidade, um lado de mim mesmo, um rosto de Deus, um apelo, um desejo.
– Eco dinamizador de tal palavra que realimenta o desejo de viver, de servir, de imitar.
– Existem também formas mais dolorosas, por exemplo, quando se medita nas realidades
difíceis ou sofridas da vida do Cristo ou de minha vida:
* sentimento de compaixão, de contrição que nos volta para Deus ou para os outros em
verdade;
* sofrimento, lágrimas mesmo à vista de uma ferida ou de uma fase de minha história, mas
sem amargura, numa certa paz.
* secura, sede, dor por uma impermeabilidade: será melhor, neste caso, permanecer numa
fidelidade pacífica. Na incapacidade de saborear seja o que for, Deus fala.
ATENÇÃO! “Sentir e saborear”: não é à toa que esta linguagem dos sentidos permite evocar
o fato de que Deus nos toca verdadeiramente e nos atinge na oração. Com efeito, em nossa
realidade corporal, afetiva, inteligente e não no imaginário é que Deus fala e se comunica a nós. E é
por esta realidade que tomo consciência de sua comunicação.
O que eu sinto e saboreio não é Deus mesmo, mas uma indicação, um sinal de que a sua
Palavra trabalha em mim, toca-me. Interiorizando tal passagem, assimilando-a, a Palavra me nutre,
“encarna-se”, ensina-me.
Sentir e saborear interiormente as coisas de Deus não depende de nós. Pensar o contrário seria
cair na ilusão. A iniciativa de Deus – que se dá a provar tanto como presença quanto como ausência
– vai ao encontro da nossa, mas se revela como precedente. Após um certo trabalho, aquele que
saboreia e sente interiormente as coisas experimenta então que o fruto ultrapassa o esforço pessoal
empregado.
19
Modo de fazer
Este momento vive-se habitualmente no fim do tempo da oração, após ter deixado tempo à
Palavra para que ela nos atinja. Nossa expressão torna-se uma espécie de resposta ou de eco.
Dirigimo-nos ao Pai, a Jesus Cristo, à Virgem ou mesmo a um Santo pelo qual tenhamos uma
devoção particular, ou a personagens contemplados na cena evangélica (João Batista, Pedro...).
Falar-Lhe, “como um amigo fala a seu amigo ou um servidor a seu senhor”, ou um filho, uma
filha a seu pai ou mãe... uma criatura a seu Criador e Salvador, conforme o que tenhamos vivido na
oração e a atitude interior que tenho desejo de assumir doravante...
Que esta expressão seja simples, cordial, embora respeitosa. Trata-se verdadeiramente de
falar.
Para encerrar completamente o tempo de oração, tomar uma prece vocal. Por exemplo: o
“pai-nosso”, a “ave-maria”, a “Alma de Cristo”, ou outra oração cujas palavras me sejam familiares
e que me permitam fazer uma saudação final ao Senhor com sentido eclesial.
Ajuda, portanto, a aceitar que Deus faça de nós filhos, amigos, com os quais estabelece um
relacionamento.
Trata-se, com efeito, de responder à Palavra, de deixá-la desde já tomar corpo exprimindo-a
em algumas palavras.
Nunca falar ao Senhor seria não tomá-lo como pessoa, mas d’Ele fazer uma abstração, uma
sorte de “invisível totalmente outro”, um simples “distribuidor de dons”. Assim, eu esqueceria de
olhar, enquanto me exprimo, ao Doador mesmo.
20
Entrar em colóquio com Ele é tomar consciência de que o Senhor contemplado na Escritura
está aqui, comigo, agora.
O que eu exprimo (ou não posso exprimir a Deus) revela-me melhor ainda no que desejo, mas
não chego a viver. É, por conseguinte, o caminho do progresso.
Possa comparar o que exprimi a Deus no colóquio como o que eu lhe exprimira no pedido
inicial de graça: houve qualquer mudança, deslocamento, confirmação? O Senhor talvez tenha
atendido o pedido de graça que formulei no começo da minha oração.
ATENÇÃO! Não se trata de viver a oração sob a forma de uma expressão verbal: deixo a Palavra
me falar, ressoar em mim; mas, de tempo em tempo ou na conclusão, dirijo-me a Deus mesmo ali
presente, dou-lhe parte dos frutos de sua Palavra em mim, do que ainda procuro,. de minhas
descobertas, dos passos que me pareceriam convenientes encetar...
“Após terminar o exercício, durante um quarto de hora, sentado ou passeando, verei como
as coisas se passaram para mim, durante a contemplação ou a meditação. Se mal, olharei a
causa donde isto provém, e, tendo-a descoberto, vou me arrepender dela para emendar-me
no futuro. Se bem, darei graças a Deus nosso Senhor e farei o mesmo uma outra vez.”(EE
77).
Modo de fazer
Depois de ter orado o texto bíblico, é útil e proveitoso fazer uma “revisão da oração”
observando durante alguns minutos:
2 – O que eu senti:
0 – Tom geral
Em uma ou duas palavras qualificar como vivenciei a oração e seu efeito sobre mim: estado
interior com o qual saí da oração.
l – Como me coloquei
* Se o texto nada me disse ou tocou: como eu reagi? (acolhida, fuga, gulodice?). Rezei com
todo o meu ser, inteligência, apoiando-me nas idéias, de coração?
Sem ter de passar obrigatoriamente todos estes pontos em revista a cada oração terminada,
dar atenção e perceber o que é proveitoso e o que convém melhorar.
* Que eventuais luzes percebi: sobre Jesus, sobre minha vida; esclarecimentos, pacificações.
* O que saboreei, que desejos me vieram? Por exemplo: uma atração por um aspecto da vida
cristã do Cristo ou outro.
* Ela permite levar a sério os dons de Deus e sua palavra, bem como a sua liberdade a meu
respeito.
* Ela permite reconhecer os dons, as luzes recebidas, guardar memória, voltar a estes pontos,
pois foram notados, e de me ajustar a eles em minha vida quotidiana.
* Ela permite avançar, progredir realmente, não sobre as minhas “impressões” ou as minhas
“idéias”, mas sobre as realidades vivenciadas.
– Ela permite, através dos efeitos que produz a passagem da palavra viva de Deus, unificar
suavemente oração e vida.
ATENÇÃO!
– Não devo julgar se eu “rezei bem” ou “rezei mal” (!!!). Devo simplesmente olhar.
– Não querer anotar tudo (somente algumas palavras) nem me recordar de tudo.
– Não recomeçar a oração durante o tempo de fazer esta releitura. Empregar apenas alguns
minutos.
– Não tentar ficar observando-me durante a oração para verificar deste então o que devo reter!
Confiar no Senhor quanto ao que guardarei depois.
– Não se trata de fazer um tratado de demonstração bíblica ou teológica, mas uma síntese bem
ordenada.
– Não apenas observar “a propósito do que” se passou qualquer coisa, mas aquilo que se
passou.
A Oração de Repetição
Em vez de passar sempre de um texto para outro, é muito frutuoso rezar várias vezes o mesmo
tema para deixá-lo significar tudo o que ele pode me dizer.
A “oração de repetição”, contudo, é um pouco mais precisada por Santo Inácio. Ele propõe
que nos demoremos numa palavra que já foi rezada e que já nos disse alguma coisa (oferecendo
sentido ou o contrário!).
Modo de fazer
* Na releitura de uma ou outra das orações precedentes, cair na conta dos versículos que mais
me marcaram (pelo tempo em que neles me detive, ou pelo sabor experimentado, ou pela
resistência...) mesmo se estão em textos diversos.
* Esta palavra me poderá dizer mais ou outra coisa ou diferentemente ou mais nada.
* Se eu não encontro o mesmo sabor, adiro na fé, na paz, no silêncio, a esta palavra sem
consolação sensível.
23
Por vezes é conveniente ou prudente fazer uma segunda ou terceira repetição sobre estes
mesmos versículos que terão de novo despertado o meu gosto ou minhas resistências.
* Tal ou qual versículo revelam o segredo de um aspecto de minha vida, uma dimensão do
meu ser, de minha vocação. Ele me desloca, me atinge.
* Repetir afina a sensibilidade da escuta de Deus, deixa tempo à Palavra para verdadeiramente
descer, encarnar-se, “fazer o seu caminho em mim”.
* Ela depura a minha relação com Deus, meus sentimentos, minhas idéias. Ela põe em relevo
as constantes, as graças de Deus.
EVITAR...
...principiar esta prece de repetição sem primeiro me fazer presente a Deus. Estar ali para Ele
e não por aquilo que eu quereria alcançar.
Mesmo se há um método para ajudar a contemplação, é mais que um modo de rezar, mas um
modo de estar com o Cristo.
24
Um modo de fazer
Esta maneira de rezar convém a cenas bíblicas onde há personagens a ver ou a escutar.
* Recordar brevemente a história, o que afasta o risco da cena evangélica se tornar uma
imagem pietista, mas contribuir para que ela nos chegue como eco de uma realidade vivida e relida:
o Senhor na história dos homens.
* Fixar a atenção sobre o lugar geográfico ou simbólico (montanha, mar) ou sobre o clima
humano (a Ceia, a festa da Páscoa) onde se passa o episódio.
* Depois, “ver os personagens, escutar o que eles dizem, olhar o que eles fazem, reparar no
que eles fazem e refletir para tirar algum proveito”.
* Trata-se de uma tríplice abordagem da cena para a saborear mais profundamente, e por aí
conhecer o Senhor.
* Ver os personagens;
Contemplá-los, não como se eles fossem uma coleção de fotos pietistas, ou figuras de uma
história um tanto imaginária, mas como participantes de uma aventura humana.
Empenhar-me em compreender, sentir, conhecer o interior como S. João dirá: “O que nós
vimos, o que nossas mãos tocaram do Verbo da Vida, nós o anunciamos”. Deixar-se como que
impregnar pela cena para saborear um tanto o mistério. Deixar que a cena se manifeste por si
mesma.
Ousar colocar-me na cena: meter-se na barca, no presépio, na situação deste paralítico, para
melhor captar o que eles teriam podido perceber de Jesus, o que se passa neles...
2. As palavras
Ponderar o que as palavras significam, ditas por tal ou qual personagem, o que elas me
revelam a respeito dele (“Dá-me de beber!”... “Hoje quero permanecer em ti!”... “Bem sei quem tu
és”... “Tu me lavares os pés?”).
Os gestos, as atitudes, as ações, as reações (reparar nos verbos). Estes atos são os de Deus ou
da pessoa (então meus!) em relação a Deus.
Posso experimentar o sentido, ou qualquer coisa de mim, do meu desejo, ou descobrir então
toda uma fisionomia de Deus. Eu os tocarei com o dedo, em vez de teorizar a respeito!
Refletir como um espelho: qualquer coisa do mistério se imprime em mim, deixa uma
impressão, um gosto, um sentir espiritual pelo qual compreendo ou conheço qualquer coisa de
Deus, de sua maneira de ser ou do ser humano ou de mim mesmo em relação a Ele.
Pode acontecer que este “eco”, este “refletir”, se dê quase sem palavras no momento, e,
apenas no colóquio final com o Senhor, ou na revisão que eu tinir da oração, será notado.
Pode acontecer também que, retomando, repetindo tal passagem do texto, eu encontre repouso
em viver a cena de mais perto, ao ponto que não somente pela vista ou pelo ouvido eu poderia
CONTEMPLAR, mas mesmo tocar, sentir o odor, o gosto. Todos os meus sentidos rezam, sinal de
que a minha prece se simplifica, unifica, que meu corpo e meu ser se deixam atingir pela Palavra
de Deus.
Contemplar o Cristo é mais do que uma maneira de fazer, é uma maneira de ser ou estar com
Cristo e de se fazer presente a seu mistério. Deus assumiu corpo um dia para me tocar e, hoje, em
mim, o seu Espírito me torna contemporâneo desta história e de sua graça.
* Uma contemplação na fé e na Igreja, pois o que eu creio é o que vejo e não o contrário, e é
no discernimento eclesial que acolho, do modo justo, este mistério e a sua iluminação sobre a minha
vida ou percebo os seus apelos.
* Deus é Vivo hoje. Do mesmo modo que Ele afirmou a Moisés ser “o Deus de Abraão, Isaac
e Jacó”, ele afirma hoje: “Eu sou este Deus de Moisés, de Zacarias, de João Batista, da pecadora,
aquele que tu contemplas...; a ti sucede o que lhes sucedeu: passo em tua vida como passei na
deles”. Ele é a ponte entre eles e eu. Ele me enraíza nesta longa linhagem da História Santa.
* O Verbo feito carne, Palavra única e definitiva de Deus; único caminho de união com Deus.
Hoje, no seu corpo, que é a Igreja e por meu corpo que O contemplo, esta palavra toma carne em
minha vida; ela me “fala” (fala “a” mim e “de” mim).
Contemplar o Cristo me modela, desde o interior, à sua imagem. Esposando, pouco a pouco,
seus sentimentos, sua maneira de ver, eu viverei, não as mesmas coisas que ele, mas no mesmo
Espírito. “Nós nos tornamos aquilo que contemplamos”, diz um provérbio. Portanto, contemplemos
o Cristo!
Não confundir a contemplação evangélica aqui proposta com uma oração unitiva, mística,
para a qual, contudo, ela talvez venha a ser o caminho.
Não fazer uma hierarquia de valor: meditar, rezar ao ritmo da respiração são importantes do
mesmo modo.
Não querer “viver as coisas espirituais”: não é a gulodice que ajudará, mas a simplicidade do
descentramento de si. Simplesmente: “olhar, escutar”.
Demorar-se, dar-se o tempo necessário sem querer tudo examinar, tudo vasculhar na cena.
Não voar muito alto: não se deixar prender em considerações bíblicas ou teológicas.
Não descer muito baixo: não se amarrar a sentimentos de piedade forçada, sentimental (“Este
bebezinho na manjedoura, oh, Deus Salvador!”).
Nossa inteligência, nossa intuição teológica e a fé que nos dá a Igreja são boas garantias
contra o abuso da imaginação nesta abordagem sensível.
27
Estar preocupado por assuntos particulares pode impedir de contemplar o Senhor. Melhor será
rezar sobre a minha vida ou meditar o texto do que rezar forçando-me a pôr “de lado” estas questões
que me tocam.
Esta passividade de fundo necessita do trabalho tranqüilo dos sentidos interiores, pelos quais
ela ensaia o ver, o escutar, o tocar, o saborear, o sentir o odor interiormente.
Portanto, esta aplicação dos sentidos virá após abordagens sucessivas da cena, repetições que
me permitirão passar do mais global ao mais particular, do mais exterior ao mais íntimo, da
inteligência ao corpo e ao coração.
Modo de fazer
* Preparar meu tempo de prece: sobre o texto já contemplado. O olhar sobre os personagens, a
escuta das palavras ou o sentir interior já introduzido ao âmago da cena.
* Entrar na oração pelo modo habitual: imaginar o lugar pelo qual eu desejo entrar e retomar
o caminho do mais exterior ao mais interior.
* Permaneço neste conhecer interior, até mesmo sensível, mas respeitoso do Senhor: “Tocar
pelo tato; pelo exemplo, abraçar e beijar os lugares onde pisam estas pessoas e onde elas se apóiam,
procurando sempre tirar proveito” (EE 125).
* Posso demorar-me, gratuitamente, nesta relação profunda e simples com o mistério de Deus
que se entrega a mim nesta ceia. Saboreando o que me for dado, disponível e aberto, sem tentar me
apoderar do dom.
* Termino concretamente com uma expressão pessoal ao Senhor, com uma ação de graças ou
uma prece da Igreja.
28
“A diferença é a que se dá entre trabalhar em uma obra e usufruir da obra feita, ou ainda entre
o receber e o aproveitar o que foi recebido, ou entre se fatigar em seguir um caminho e se repousar
no término do caminho, ou, se quiser, entre preparar um alimento e tomar e saborear o alimento já
preparado.”2
* Não se trata de procurar sensações, mas de procurar o Senhor e disto tirar proveito.
* A procura contemplativa chama os frutos na vida de cada dia: eles autenticam ou não a
verdade de minha prece. Se o que me apraz saborear de Deus me faz sair do caminho da Igreja e do
mundo, não terei eu confundido movimentos de minha afetividade com a verdade divina?
* A imaginação espiritual acolhe e não força. Ela não é um abrir a porta ao imaginário. No
coração da prece contemplativa vive-se uma forma de castidade, de despojamento. Estar sempre
“puramente ordenado ao louvor e ao serviço de Deus...”.
* O conhecimento interior que adquiro se verifica e autentica por aquele que o Senhor revelou
à sua Igreja e que nós confessamos na fé.
* O Verbo tomou carne e corpo. Sua palavra viva não pode nos alcançar fora de nossas
faculdades humanas, aí incluídas as corporais, pelas quais nós apreendemos as realidades
espirituais.
* A aplicação dos sentidos é a marca de uma oração simplificada, descida ao coração mesmo.
Verdadeira, ela dará a paz, a humildade, a simplicidade; forçada, ela fatigará e desviará.
* Repetições e aplicação dos sentidos unificam o orante pouco a pouco. Todo a pessoa se
“recolhe” no essencial e “colhe” um fruto maduro.
* Deus responde ao pedido de graça e de “melhor conhecer internamente para melhor amá-lo
e segui-lo”.
2
“A subida do Carmelo, Obras Espirituais”, Seuil, p. 161.
29
Mais do que um simples método, a revisão quotidiana do dia, ou exame ou avaliação do dia,
formaliza e permite um movimento de encontro que alguns têm chamado, com justa razão, “uma
oração da Aliança”. Esta Aliança da qual Deus tem a iniciativa – e que se manifesta sempre no
quotidiano – chama a uma volta, ao consentimento da parte de cada pessoa.
O postulado inicial é que Deus, o Primeiro, doa. No coração mesmo de minha vida, “Deus
pena e trabalha por num”.
Em segundo lugar, é neste viver quotidiano (e não em algum “além”) que se afirma, se
exprime ou se nega a nossa resposta à Aliança; nossa fidelidade ou infidelidade ao Senhor.
Em terceiro lugar, ocorre-nos “não esquecer”, “trazer à memória”, que Deus é a nossa força e
de celebrá-lo, não apenas liturgicamente, mas vivendo em coerência com esta realidade da fé. Cabe
então a nós o “reler”, rever, o passado para dar graças e orientar o futuro. “Recorda-te, Israel, trás
ao coração, não esqueças... sou Eu quem te...” Quantas vezes este convite repercute nas Escrituras!
De fato, as Escrituras não são mais do que a releitura, na fé no Deus Vivo que se revela presente à
História do seu Povo.
Em quarto lugar, é por um uso regular e freqüente da releitura que se toma possível discernir
como Deus trabalha e como melhor lhe responder no dia a dia.
Assim, será bom renovar a cada dia esta Aliança. Por isto, o exame do dia será, em primeiro
lugar, um encontro pessoal com o meu Deus, e não, em primeiro lugar, um encontro com a minha
própria consciência. É no íntimo desta relação de fé, como no interior do leito de um rio, que eu
olharei, com Ele, e, mais freqüentemente como Ele, o conteúdo do meu dia, ou certo acontecimento,
ou algum episódio de minha vida. Neste conteúdo discernirei, pouco a pouco, a sua presença, a sua
fidelidade, os seus dons, seu Espírito em ação, e a maneira de a isto responder e me ajustar.
* Uma relação narcisística consigo mesmo a propósito do dia: “Eu/minha vida... a partir de
Deus ou de minha vida.”
* Uma nomenclatura de acontecimentos sobre os quais farei um juízo moral.
* Um simples balanço, tal qual qualquer outra pessoa poderia fazer no fim do seu dia.
* Um ajuntamento de diversos pontos propostos para rever o seu dia.
* Um remédio infalível para encontrar Deus e sua ação “como uma coisa” bem delimitada no
decorrer do meu dia.
3° ponto: Pedir à minha alma que ela me dê conta desde a hora de levantar até o momento
do exame, hora por hora, dos pensamentos, das palavras, das ações...
5° ponto: Fazer o propósito de me emendar com a sua graça. Concluir com um “pai-nosso”.
O conjunto do procedimento
* Escolher o bom momento e me dar uma boa posição (à meia-noite e na cama eu corro o
risco de dormir!).
* Como para toda a oração, retomar a consciência que estou na presença de Deus, e voltar o
meu coração e intenções para Ele, tal como eu estou neste fim de dia.
2. Peço a luz, a abertura de coração para rever o modo pelo qual eu acolhi o dom de Deus.
3. Examino: olho para o que fiz do meu dia, dos acontecimentos, ações, palavras e
pensamentos. É um tempo para o discernimento.
4. Peço perdão por minhas faltas ou quedas.
Que cada qual adapte esta forma de oração segundo o ponto onde ele se encontra (ritmo,
lugar).
Os principiantes ou os que têm dificuldade de dar graças a Deus poderiam se deter várias
semanas sobre os 3 primeiros tempos para não transformar este modo de rezar num “exame
narcisístico” (A).
Depois, poder-se-á progredir no que torna mais sutil e precisa esta forma de oração: o
discernimento (C).
Usar das propostas seguintes com liberdade e sabedoria, mas também com generosidade e
desejo de progredir.
Exercitar-me, em primeiro lugar na ação de graças durante várias semanas, sobretudo se tiver
dificuldade de dar graças, ou se me sentir inclinado a me olhar pelo lado negativo, inicial ou
predominantemente.
Mais que o passado, o que importa é este momento com o Senhor, agora... Com um gesto,
uma prece singela, volto-me para o que é a fonte e a finalidade de minha vida. Neste final de dia,
entro na Aliança que o Senhor não cessou de me oferecer.
2° tempo: pedir-Lhe a luz
Peço-lhe que me conceda ver o meu dia segundo o seu coração e o seu olhar. Colo-me na
sintonia, na fé no Deus rico de misericórdia, Deus Vida, Amor, Verdade...
Atirar-me diretamente no que eu fiz de bem ou mal, seria julgar conforme os meus critérios e
arriscar o narcisismo. Celebro primeiramente a Deus e seus dons para melhor me situar.
3° tempo: dar graça a Deus (ou reconhecer e atribuir a Deus as suas graças)
Olhar, no que vivi, tudo o que me possibilite dar graças a Deus e exprimir-me a Ele:
– seja fazendo desenrolar-se diante de mim o filme do meu dia, reconhecendo como, do
começo ao fim, o Senhor trabalhava para mim, para o Reino, e reconhecendo os seus dons;
– seja deixando-me evocar tudo o que foi motivo de alegria, de reconhecimento, de paz... e
agradecer a Deus que é a sua fonte. Não temer ser “simplista” ou ter razões “ingênuas” de
agradecer a Deus, pois dar graças abre espaço à graça;
– seja olhando mais de perto um aspecto, um momento ou uma situação vivida: tudo o que me
fala de Deus, de seu amor, ou do Reino, que vai acontecendo, do Evangelho. Talvez ocorram-
me comparações com o que viveu Jesus ou o Povo de Deus: os recomeços, as reconciliações,
as curas;
(Esta primeira atitude de releitura foi denominada “de Ti a mim” por Pierre GOUET, SJ).
32
Confiar ao Senhor o dia de amanhã, pedindo-lhe sua graça. Verificar se, tendo retomado
consciência do amor e da presença de Deus em minha vida, não haveria um ponto ao qual seria bom
dar atenção no dia seguinte. Tomar decisão e pedir a Deus a sua ajuda.
ATENÇÃO! Este tempo de releitura na ação de graças é capital. Apenas esta atitude
fundamental permitirá reler com o acento justo o desenrolar-se e o conteúdo de minha vida. É,
portanto, aconselhável demorar-se, permanecer semanas, até mesmo meses, empenhado em
desenvolver este devotar-se para Deus, à sua Aliança, descobrindo como Ele se mantém fiel.
Esta fase de ação de graças não significa que o orante se mantenha num sentimento constante
de louvor e alegria. A ação de graças é, essencialmente, um voltar-se para Deus, um reconhecer os
seus dons, como o Filho o faz. E isto pode ajudar em situações difíceis.
Se, quando procedo a esta revisão, encontro-me agitado, fatigado ou turvado, posso me pôr na
presença de Deus tal como eu sou, com tudo o que carrego e tentar, então, simplesmente afastar-me
de mim mesmo para “re-pousar” tudo isto em Deus, confiando-lhe o que me agita, insistindo
comigo mesmo como Ele é Amor, Paz, Fidelidade.
Depois ter vivido os três primeiros tempos precedentes... em alguns poucos minutos:
Relendo os meus dias, enquanto “conservo a mão na mão de Deus”, descobrindo os seus dons
e a sua presença neste quotidiano, percebo melhor minhas infidelidades:
– seja por uma distância entre o que creio do Senhor (amor, justiça, verdade) e minha atitude
em tal ou qual circunstância (desamor, injustiça, inverdade...);
– seja por uma confusão interior, vendo quanto ele me deu e a sua fidelidade, experimento
tanto maior horror perante a carência de sentido do meu pecado ou de tal ou qual atitude que tomei
no meu dia.
33
– seja por um outro modo de ver as coisas diferente da hora em que as vivi; por exemplo, meu
procedimento me parecia justificado esta manhã, e, agora, de noite, perante Deus, percebo que
houve nele uma procura dissimulada de mim mesmo ou uma falta de respeito a alguém...
– seja por movimentos (“moções”) que causam remorso, tristeza, que estão em mim agora.
Para todas estas faltas ou quedas, por pecados, há lugar no coração de Deus. Eu lhe peço
perdão e me confio à sua misericórdia. Seu Espírito tem sido vitorioso sobre os combates, mentiras,
traições; Jesus tem sabido vivificar tudo o que é ressecado e moribundo. Se eu, anteriormente, tive
tempo de me ajustar às dimensões do coração de Deus, à sua presença amante agora (pois o meu dia
passou, e eu não o refarei), a seus dons, a tomada de consciência do meu pecado será confiante e
aprazível.
Concluirei pelo pedido de ajuda sobre um ponto mais particular sobre o qual tenha
necessidade especial de conversão, e, então, um “pai-nosso”.
* Ser mais orientado para Deus do que para mim a fim de receber o filme do meu dia sem
julgamento intelectual ou afetivo prévio. É a relação com Deus, agora, que importa: uma relação de
amor, aliança, uma prece.
* “Debruçar-se” sobre Deus, e, portanto, ter imagens positivas dele e ser mais inclinado à
ação de graças que a culpabilização psicológica.
Viver o 1° tempo de acolhida do dom de Deus, dos seus benefícios (ver acima)
Depois o 2o tempo: pedir a luz do Espírito a fim de conhecer que eu aderi a seu movimento da
vida hoje ou como dele me afastei.
3° tempo
Trazer à memória o que vivi (olhei, escutei, fiz, pensei) hoje, torna-me atento aos movimentos
espirituais, às moções que atuam em meu coração agora, perante o Senhor.
34
– Os que eu vivi (ao acordar, nesta manhã, nesta tarde; nas minhas relações com os outros; na
minha relação com o Senhor).
* Como respondi?
– Qual foi a sua influência sobre os meus pensamentos, minhas palavras, minhas disposições?
Eu os tenho controlado?
4o tempo: Assinalar o que experimento diante de Deus misericordioso e cujo Espírito quer me
configurar à imagem do Cristo:
* Seja os movimentos que vão, mais adiante, no sentido da consolação: paz, alegria tranqüila,
louvor, dinamismo, reconhecimento, sinal de uma cena união com o Espírito de Deus. Posso então
agradecer ao Senhor de me ter permitido ajustar-me globalmente ao Evangelho.
* Se eu experimento um sentimento pouco claro, confuso por ocasião de uma situação difícil,
de uma escolha a fazer, ou de um sofrimento: recolocar-me no coração do Pai, “desdobrar” um
tanto o que sinto. Nomear estes sentimentos múltiplos e aceitar, em verdade, o que eles revelam:
apegos, medos, violências... Falar ao Senhor sobre eles e confiá-los a Ele.
Escolher um pequeno ponto, concreto, para amanhã, para o qual eu viverei doravante em
Aliança com o Senhor.
Ei-los um tanto quanto atualizados. Cabe a cada um se exercitar neles e descobrir como fazer
para se abrir mais ainda ao Espírito de Deus.
Nos 3 casos
* Preparar-se em primeiro lugar ao encontro com Deus: colocar-se em calma, atitude corporal
adaptada.
Escolher uma série de pontos como, por exemplo, as séries propostas por Inácio: os Dez
Mandamentos; os Sete Pecados Capitais; as Sete Virtudes; as Três Capacidades da Alma (vontade,
inteligência e memória); os Cinco Sentidos.
Cada um pode criar listas: as Oito Bem-aventuranças, as Três Virtudes Teologais (fé,
esperança e amor); os membros de minha família ou os companheiros de trabalho...
* Rezar: a respeito de que posso dar graças quanto a este assunto? A propósito do que pedir
perdão? Como progredir amanhã?
1. A visão:
– o que recebi pelos meus olhos hoje? como olhei para os outros, para o mundo, para mim?
2. A audição
– sobre o que dar graças de tudo o que escutei? O que escutei e o que me recusei a escutar?
Etc.
Exemplo: rezar sobre as pessoas de minha família, do meu trabalho, do lugar onde me engajo, ou
aqueles que combato ou com os quais luto.
– a respeito de que posso dar graças quanto a esta pessoa? (na fé, se meus sentimentos lhe são
contrários)
– do que devo pedir perdão em meu relacionamento com tal pessoa? O que pedir ao Senhor
para mim a respeito desta pessoa e para ela?
Minhas mãos
– Que fiz com as minhas mãos hoje: construí. acolhi, apoiei, toquei...?
Meus pés
– Para quem eu os orientei hoje? Quem veio a meu encontro? Quem eu encaminhei à porta?
Minha cabeça
– O que pensei? Estou preocupado? Em que ou em quem não pensei suficientemente? Fico
entregue às minhas próprias idéias? O que criei, inventei?
Etc.
Sobre cada ponto posso pensar assim: contemplar ou imaginar Jesus ou Maria: qual seria o
seu olhar? como ou quem eles escutavam? que fariam com suas mãos? como eles terão vivido cada
um destes pontos, ou as bem-aventuranças, ou os mandamentos?
É uma ocasião de deixar iluminar a minha vida por algumas lembranças evangélicas para a
reordenar ou a descobrir inteiramente como prece e lugar de minha relação com Deus.
É ocasião de rezar sobre o mundo a partir da atualidade, de ter uma prece mais universal, mas
com a condição de que ela continue a me concernir concretamente.
Baseado no que estou informado a respeito dos acontecimentos atuais sobre este ou aquele
país (ou graças a uma pessoa conhecida que lá reside):
– a respeito de que agradecerei, pedirei perdão (por eles, mas também por mim com referência
a eles), que conversão preciso viver e por que iniciativa e gesto concreto, mesmo pequeno?
Pode ser que seja esta a ocasião de decorar, para melhor rezar, um salmo, um pequeno trecho
do Evangelho, um hino de S. Paulo, uma passagem de uma anáfora eucarística.
* Escolher a atitude que mais ajude conforme a situação em que me encontro, o lugar e o
momento em que rezo: de joelhos, sentado ou andando, os olhos fechados sobre um ponto, a atenção
sustentada ou levemente flutuante, “segundo o modo como me sinto mais disposto e seguindo a
devoção maior que se segue” (EE 252).
* Pronunciar uma ou umas poucas das primeiras palavras e aí se deter “tanto tempo quando
aí encontro sentido, comparações, gosto, alegria espiritual nas considerações que se seguem a cada
palavra” (EE 252).
Por exemplo, “Pai nosso”... Considerar este nome “Pai”..., o possessivo “nosso”..., habitar
nesta palavra, modelar a sua massa, ouvir o inaudito ou a esperança ou o mistério ou o que me
revela de Deus, de mim, de nós... Se estas duas palavras me aparecem ricas de sentido, não cuidar
de ir adiante, mesmo se elas me ocuparem todo o tempo disponível para a oração. Caso contrário,
continuar...
* No fim do tempo fixado, concluir vocalmente a prece escolhida, “voltando-me para a pessoa
a quem ela é dirigida” e lhe exprimir em poucas palavras (as minhas próprias desta vez) a graça ou
as necessidades que me pareceram importantes.
* Apaziguar-se (corpo, espírito, respiração) e orientar o meu espírito e meu coração para Deus
através de uma breve oração preparatória.
– a cada expiração pronuncio, deixo deslizar interiormente uma palavra ou um pequeno grupo
de palavras,
Esta maneira de rezar favorecerá a concentração ou o recolhimento, sobretudo nos dias onde
terei dificuldades em meditar ou contemplar um texto em razão de uma agitação interior ou de um
cansaço.
Concluindo:
Estas indicações para rezar segundo a escola de Santo Inácio estão bem longe de ser muros ou
baluartes dentro dos quais seria necessário se meter a todo custo e literalmente, para dispor assim de
um fio espiritual que me permitiria, enfim, encontrar a Deus como que no fim de um labirinto.
Como cada qual o descobre por experiência, os meios visam uma finalidade: eles “in-formam”,
desde o interior, uma maneira de viver. Balizam um caminho seguro de relacionamento com Deus
Encarnado, que leva em conta o que é o homem e as constantes, as etapas ou as armadilhas a
respeito da oração e do caminho espiritual. Ligados a uma dinâmica de crescimento, dados a viver
nos Exercícios Espirituais, estes modos inacianos de rezar podem ajudar a “procurar e encontrar
Deus em todas as coisas” e unindo-se mais a Cristo e livrando-se de “todo apego desordenado”.
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Do exterior ao interior
Sucede com o uso destes quadros de prece na evolução espiritual de cada qual como do
conjunto dos ossos na evolução animal. O molusco (desculpem a comparação pouco
entusiasmante!), não sendo constituído de mais do que um corpo mole, tem necessidade de uma
concha exterior para protegê-lo e permitir-lhe alimentar-se sem ser ele mesmo devorado ou
conduzido ao sabor das correntes.
Ora, a evolução, ajudando o animal, dispensa a casca externa, substituída por uma coluna
vertebral interna o que lhe permite uma liberdade de movimento muito maior. Do mesmo modo,
todo método é necessário para adquirir flexibilidade e criatividade, crescente autonomia.
Uma vez que a ossatura esteja no seu lugar (mas é preciso tempo!), cada qual se encontra
libertado para personalizar sua prece, embora sem esquecer certos dados incontornáveis da fé e da
experiência espiritual. Quando a escala foi percorrida, quando se saboreou no interior a mensagem
da qual a Escola Espiritual Inaciana é portadora, então pode-se, sem receio, empregá-la e atualizá-
la.
Ilustrando, eis uma proposição para rezar sobre a sua vida e nela descobrir Deus amando. Ela
permite a alguns de rezar mesmo quando o coração não se dispõe muito. Então, por que não a
propor a todos os que queiram aproveitá-la? Ela pode ser uma variação da releitura, permitir uma
relação interior e íntima com o Senhor a propósito de minha vida, perceber no interior como Deus
está presente em toda a minha existência.
3. Trazer à memória as pessoas, os acontecimentos que dizem respeito a este ponto, deixando-
me tocar, afetar pelo que experimento agora, quando eu tomo consciência interiormente.
Por exemplo, ir interiormente aos lugares: onde eu amo, sou amado, sinto-me mal amado...
onde sofro ou sou testemunho de sofrimentos... onde há trabalho, ação, obra em minha vida...
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4. Daí e com isto, voltar-me para Deus, e deixar-me unir a Ele, apresentando-lhe certo aspecto
de minha vida, que ofereço a seu olhar, a seu amor, deixando-o iluminar, Ele mesmo, este ponto.
Fazendo-me saborear o quanto Ele me conhece e me ama no centro mesmo daquilo que eu
experimento. Olhando como ele trabalha, ou está presente nisto, ou se doa a mim, ou aí me revela
qualquer coisa de Si, olhando como este ponto pessoal me coloca em relação ou em comunhão com
outros, com o mundo, com o Deus Criador, Salvador...
Deter-me neste “vai e vem” entre Deus e este ponto de minha vida tanto tempo quanto eu
experimentar gosto, reconforto, paz, luzes...
Pode-se, em seguida, tomar outra dimensão da existência para aí descobrir ou acolher como
Deus nela trabalha ou é concernido.
A.M.D.G.
R.Paiva, S.J.