Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
1.1 As origens
1
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. Porto Alegre-Rio de Janeiro: Globo. 1991. p. 98.
iluminismo. O século XVII foi um período de grandes questionamentos. Nesta época,
para justificar o Estado, a sociedade, o poder, a política, partia-se sempre do estado de
natureza – situação em que vivia o homem antes de constituir a sociedade civil, sem
nenhuma lei, sem proteção, mas sem obrigação a qualquer poder civil2. A descrição do
homem no estado da natureza se divide claramente entre otimistas e pessimistas ou
positivistas e negativistas. Para os primeiros, um estado de paz, liberdade, bem-estar,
para os segundos um estado de guerra, violência, opressão e medo. Thomas Hobbes, em
sua obra O Leviatã, (1651) defende radicalmente a segunda corrente. Para ele, no estado
da natureza, não existindo leis, nem limites, a situação era de absoluto caos e desordem.
A única salvação é a criação de um poder superior. Assim, por medo de seus
semelhantes e da insegurança perpétua, o homem cria o Estado. John Locke em seu
trabalho Tratado sobre o Governo Civil, I, II - (1689), também apresenta suas
considerações sobre a formação do Estado. Para ele o estado de natureza não é
essencialmente mau. Ocorre que, no estado de natureza, o homem era proprietário
legítimo e inconteste de sua vida e de sua liberdade, mas carecia de segurança para
preservar seus bens e direitos. Então, para garantir estes direitos os homens reúnem-se
em sociedade e convencionam a criação do Estado. Assim, o Estado é criado, por força
da razão, através de um ‘contrato’ entre os homens.
2
Ensina Bobbio que o conceito de estado de natureza não era desconhecido, mas foi Hobbes que fez dele
um elemento essencial do sistema, adotando-o como ponto de partida; imitado depois por Pufendorf,
Locke, Rousseau e tantos outros. BOBBIO, Norberto. Locke e o Direito Natural. 2ª ed. Brasília: UnB.
1998.
3
WARD, L., Sociologie Pure, Paris: Giard Brière. 1906, p. 58, Apud AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral
do Estado. Op. Cit. p 101.
4
OPPENHEIMER, Franz. Der Staat, 4a ed, Stuttgart, 1954, p 5, Apud BONAVIDES, Paulo Paes de
Andrade. Ciência Política, 10a ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 64.
dominação dos povos é um modo de formação de novos Estados; não é, contudo, a
origem do Estado. Todos os tratados de sociologia nos ensinam que nos primeiros
estágios da evolução o vencedor sempre matava o vencido; era, na verdade, um rito
religioso dos povos mais atrasados sacrificar aos guerreiros derrotados. Já em uma fase
posterior, por interesses econômicos, que somente as sociedades relativamente
desenvolvidas compreendem, os vencidos tem sua vida poupada em troca de seu
trabalho para os vencedores. A exploração econômica dos grupos vencidos é um fato
que somente se verifica em fases posteriores à evolução social.
5
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. Op. Cit. p. 107.
Maluf6, “extinguiram-se os agrupamentos primitivos oriundos de uma ordem natural
primitiva e sobre seus escombros ergueram-se os Estados do modo atual. Na sua
maioria, representam estes o renascimento ou a reformação dos velhos agrupamentos
existentes, extintos, mas conservando muitas vezes o nome e as tradições, porém,
ostentando nova configuração política”. Para estes pensadores, o Modo Originário de
surgimento de um Estado, se confunde com sua própria formação social, mas se
distingue em aspectos essenciais. Dar-se-ia quando, sobre um território que não
pertencia a nenhum Estado, uma população se organizou politicamente, por impulso
espontâneo de suas forças sociais e psicológicas. Atenas e Roma seriam exemplos
típicos desta formação originaria. Evidentemente, no mundo atual é praticamente
impossível este processo de formação. O surgimento pelo Modo Secundário pode
ocorrer de duas formas: quando um Estado de divide, o que permite a formação de
outros Estados (servem como exemplo os inúmeros Estados surgidos com a dissolução
da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS), ou quando dois ou mais
Estados se unem para formar um novo Estado (como Zanzibar e Tanganica, que se
uniram em 1964 formando o Estado da Tanzânia). Como Modos Derivados, temos o
exemplo dos Estados Americanos que se formaram pela colonização da Espanha,
Inglaterra e Portugal, dos quais se independizaram7.
6
MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 10ª ed. São Paulo: Sugestões Literárias. 1989.
7
Muitos autores, especialmente os internacionalistas, apresentam grande sub-divisão quanto aos modos
de surgimento histórico dos Estados. O modo secundário, que seria pela União ou Divisão, está sub-
dividido em União Real, União Pessoal, Federação ou Confederação. A Divisão de Estados se sub-divide
em Divisão Nacional ou Sucessoral, enquanto que os modos derivados se sub-dividem em Colonização,
Concessão de Direitos de Soberania ou Atos de Governo.
8
Apud AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. Op. Cit. p. 111.
9
Idem. p. 112.
direito. Nesta linha, para o Direito Internacional Público o nascimento jurídico de um
Estado se dá no momento em que os demais Estados o reconhecem como pessoa de
direito internacional.
10
MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense. 2002. p. 21.
Na Índia, o Bramanismo hindu, embora desenvolvesse amplamente a
idéia de pluralidade de existências, partiu da idéia de desigualdade entre os homens e os
dividiu em castas – idéia referendada pelo próprio Brahman. A casta privilegiada é a dos
Brâmanes, encarnação da justiça e designados por Deus para representá-la. Tudo lhes
pertence, são senhores absolutos, mas para evitar rebeliões se colocam atrás de um rei,
designado por Deus e ele mesmo um deus. Assim se trata de um Estado teocrático. O
poder é de Deus e exercido por um deus. Uma rebelião não seria, portanto, contra o
Estado e sim contra a própria divindade.
1.2 O Feudalismo
13
Analisando a estrutura jurídica do feudo, Pérez-Prendes refere-se a ‘necessidade’. Para ele, a fim de
atingir a máxima estabilidade e segurança possível naquele tempo histórico, se unem naturalmente os
vassalos, configurando o contrato do feudo, mediante mútua obrigação de fidelidade, porque não são os
vassalos simples elementos, possuem o caráter de intensidade-estabilidade necessário para a relação que
se instrumenta: o nascimento de um contrato bilateral, que cria obrigações para ambas partes. O vassalo
deve tanta fidelidade e lealdade a seu senhor como este para com seu vassalo. ( PÉREZ-PRENDES, José
Manoel. Instituiciones Medievales. Madrid: Sintesis, 1997, p. 53-54).
14
HELD, David. La Democracia y el Orden Global. Barcelona-Buenos Aires-México: Paidós, 1997, p.
54.
15
O conceito de direito vulgar foi introduzido por Enrique Brunner em 1880 quando ao estudar a história
da documentação romana e germânica, aplicou ao direito uma analogia filológica, o latim vulgar falado
nas províncias, que apresentava já muitos dos germes que dariam lugar mais tarde as línguas românicas.
(PÉREZ-PRENDES, José Manoel. Instituiciones Medievales Op. Cit. p. 26-32).
Neste período a economia estava baseada na agricultura já que as
invasões e as guerras internas tornavam difícil o desenvolvimento do comércio. Como
conseqüência, a terra é enormemente valorizada, pois é de onde todos, ricos e pobres,
poderosos ou não, tiram seu sustento. Assim lembra Dallari16, toda a vida social passa a
depender da propriedade ou da posse da terra, o que fez desenvolver-se um sistema
administrativo e uma organização militar estreitamente ligados a situação patrimonial.
Todo o excedente estava sujeito a ser reivindicado pelo senhor feudal, que distribuía
justiça e garantia proteção, e cujo poder somente era limitado pela Igreja que, em todo o
período da Idade Media procurou impor uma autoridade espiritual sobre o poder
senhorial, transferindo a suprema autoridade e sabedoria a Deus, ao qual também o
senhor feudal deveria submeter-se. Neste sentido a igreja era a principal rival do
feudalismo. Assim, quando a cristandade ocidental foi desafiada, especialmente pelos
conflitos que deram origem ao surgimento dos Estados nacionais e a Reforma, tomou
corpo a idéia de Estado Moderno, e se criaram as condições necessárias para o
desenvolvimento de uma nova forma de identidade política – a identidade nacional.
16
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 21a ed. São Paulo: Saraiva, 2000,
p. 69.
17
GONZAGA, João Bernardino. A Inquisição em seu Mundo. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 25.
As entidades públicas, ensina Strayer18, cada uma com seu núcleo
básico de gentes e de terras, adquiriram legitimidade pelo fato de se manterem ao longo
de muitas gerações. Estabeleceram-se instituições permanentes para assuntos
financeiros e jurídicos. Surgiram grupos de administradores profissionais; nasce um
organismo central de coordenação, a chancelaria, com uma equipe de funcionários
extremamente qualificados. Estes administradores profissionais constituíam um número
muito pequeno, mas eram auxiliados por funcionários eventuais – fundamentalmente
por religiosos, barões de menor expressão, cavaleiros e ricos burgueses. Muitos estavam
dispostos a trabalhar por um período como administradores de terras, agentes
financeiros, administradores locais, registradores ou juízes, como forma de ganhar
favores reais e aumentar seus rendimentos. Mas ao lado destes trabalhadores eventuais,
havia homens que consagravam a maior parte de seu tempo à profissão de administrador
público e seu número aumentou consideravelmente à partir do século XIII.
18
STRAYER, Joseph R. On the Medieval Origins of the Modern State. Princeton: Universit Press. 1969.
p. 39-40.
19
LEAL, Rogério Gesta. Teoria do Estado. Cidadania e Poder Político na Modernidade. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1997, p. 47.
Mas o período histórico era extremamente difícil. Lembra Strayer que
os europeus criaram o seu sistema de Estados num momento particularmente crítico. A
grande depressão econômica – a mais prolongada da história – tem início em 1280. A
Europa tinha atingido o limite de suas possibilidades em matéria de produção agrícola,
de trocas comerciais e de atividade industrial. Até que se descobrissem novas técnicas,
novos mercados e novas fontes de abastecimento, a estagnação era certa e a regressão
inevitável. O excesso de população exercia uma grande pressão sobre a terra; a fome e
as pestes que acabaram por reduzir um grande número de habitantes, em nada
contribuíram para melhorar a moral dos sobreviventes. A peste negra que irrompeu
violentamente em meados do século, voltou a atacar em várias ocasiões, fazendo
desaparecer vários governos locais. A insegurança física e econômica refletiu-se na
instabilidade política. Nenhum governo poderia ter evitado a depressão, a fome e as
pestes, porque os conhecimentos e as técnica necessárias ainda não existiam, mas
poderiam evitar as longas e custosas guerras dos séculos XIV e XV, que vieram a
aumentar em muito os sofrimentos e a desmoralização da população. Mas para
Strayer20, estas guerras foram necessárias para completar o desenvolvimento de um
sistema de Estados soberanos. A soberania implica na independência perante toda e
qualquer potência estrangeira e na autoridade absoluta sobre os homens que vivem
dentro de determinado território. Neste período não se sabia bem quem era
independente e quem não era, pois não haviam limites claros e em muitas zonas as
autoridades se sobrepunham.
20
STRAYER, Joseph R. On the Medieval Origins of the Modern State. Princeton: Universit Press. 1969.
p. 63-65.
gregas. Entretanto, estes Estados antigos, não foram influência para o moderno. Os
homens que criaram os primeiros Estados modernos europeus, nada sabiam do Extremo
Oriente e, embora conhecessem alguma coisa do Direito Romano e dos tratados
aristotélicos, estavam muito longe, no tempo, da Grécia e de Roma. Assim, tiveram que
inventar seu próprio modelo e “o tipo de Estado que criaram acabou por funcionar
melhor do que a maioria dos antigos modelos”21.
21
Idem. p. 16-17.
22
GRUPPI, Luciano. Tudo começou com Maquiavel. Porto Alegre: L&PM Editores. 1980. Apud
STRECK, Lenio Luis e MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. 3ª ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora. 2003. p. 24-25.
23
STRAYER, Joseph R. On the Medieval Origins of the Modern State. Op. Cit. p. 18.
Então, a partir do século XV ao XVIII surgem novos regimes
políticos: as monarquias absolutas, como na França, Espanha, Rússia e outros, e as
monarquias constitucionais, como na Inglaterra e Holanda24.
1.3.1 O Absolutismo
31
WEBER, M. O Político e o Cientista. Lisboa: Presença, 1979, p. 17.
32
BARROSO, Pérsio Henrique. Constituinte e Constituição. Curitiba: Juruá. 1999. p. 29.
feudais menores – não como anteriormente quando dispunham de exército e moeda
próprios, e sim com uma estrutura administrativa tipicamente feudal. Isto se verifica
porque, em toda passagem de um modelo para outro, a ruptura nunca é completa, há um
período de convivência entre instituições antigas e instituições novas. Ademais, as
velhas formas se mantém também para que não pareça, aos olhos da povo, que houve
uma alteração tão grande, e vá assimilando aos poucos o novo modo de vida.
36
Idem. p. 108.
37
FERNÁNDEZ PARDO, C. A., (organizador) Teoria Política y Modernidad: del siglo XVI al siglo XIX.
Buenos Aires: Entro Editor de América Latina, 1977. p. 12.
38
BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant, Op. Cit. p. 23.
Assim, como ensina Wolkmer39, o Estado moderno surge inicialmente
absolutista devido a condições ambientais necessárias para sua consolidação, evoluindo,
posteriormente, para o chamado Estado Liberal Capitalista. Deste modo, o Estado
Absolutista é um Estado em transição: sua estrutura prepara a chegada do Estado
Liberal, fundada no modo de produção capitalista. Embora a organização absolutista
comporte matizes marcadamente capitalistas, a burguesia não é ainda, a classe política e
economicamente dominante. Se num primeiro momento houve uma aliança entre o Rei
e a burguesia em função de interesses comuns, com o passar do tempo, tais interesses
foram se afastando mais e mais uns dos outros. Roth 40 distingue o Estado Moderno do
feudal por três elementos principais: primeiro, se institui a separação entre a esfera
pública, dominada pela racionalidade burocrática do Estado, e a esfera privada, domínio
dos interesses pessoais; segundo, o Estado Moderno dissocia o poder político (poder de
dominação legítima legal-racional) do poder econômico (que possui os meios de
produção e os meios de subsistência), que se encontravam reunidos no sistema feudal e,
terceiro, o Estado Moderno realiza uma estrita separação entre as funções
administrativas e políticas, fazendo-se autônomo da sociedade civil.
39
WOLKMER, Antonio Carlos. Elementos para uma crítica do Estado. Op. Cit. p. 25.
40
ROTH, A-N, “O direito em Crise: Fim do Estado Moderno?” In Direito e Globalização Econômica.
(Organizador: José Eduardo Faria) São Paulo: Malheiros. 1996,. p.16.
41
STRAYER, Joseph R. On the Medieval Origins of the Modern State. Op. Cit.. p.115-116.
1.3.2 As idéias políticas de Hobbes, Locke e Rousseau
42
BOBBIO, Norberto. Locke e o Direito Natural. Op. Cit. p. 41.
43
LEAL, Rogério Gesta. Teoria do Estado. Cidadania e Poder Político na Modernidade. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora. 1997. p. 68
“bellum omnium contra omnes” – é guerra de todos contra todos. Não há qualquer
possibilidade de criar-se uma sociedade organizada com o homem em estado de
natureza. Mesmo existindo leis naturais, não há qualquer garantia de que serão seguidas.
A única salvação para o homem é a criação de um poder superior, cada um deve
renunciar ao direito absoluto que tem sobre todas as coisas em favor de um soberano,
que ao herdar o direito de todos terá um poder absoluto e ilimitado. Assim, por medo de
seu semelhante e da insegurança perpétua, o homem desiste do direito total, de livre
postura e livre agir, renuncia a seus direitos, transferindo-os a um soberano que em troca
lhe garantirá segurança.
Para Hobbes assim surgiu o Estado, que agarra para si o poder e a
violência que os indivíduos detinham quando na natureza e, coercitivamente, impõe
regras que irão nortear o campo social. O soberano cria o direito positivo e os
indivíduos são obrigados a obedecê-lo. Isto significa que somente existe um direito:
aquele imposto pelo soberano, o direito positivo. Assim, a segurança e as obrigações se
tornaram eficazes: todos sabem que quem não cumprir a lei será punido. Bobbio resume
assim o pensamento hobbesiano: “de uma concepção totalmente pessimista do estado da
natureza, como a de Hobbes, só podia derivar uma exaltação do homo artificialis, isto é,
do poder político, na qual o indivíduo resumir-se-ia no súdito, quase sem deixar
resíduo”.44
O Estado de Hobbes, detém o monopólio do aparato legal, ele é fonte
única do direito. Ele não reconhece direitos preexistentes, ele os cria. A única lei
oriunda do direito natural que permanece é a de obedecer ao soberano. Este Estado, de
poderes ilimitados, transforma-se no grande Leviatã45.
44
BOBBIO, Norberto. Locke e o Direito Natural. Op. Cit. p. 172.
45
Grande monstro mitológico devorador de homens – Crocodilo, descrito na Bíblia, Livro de Jó, cap. 40-
41.
46
BOBBIO, Norberto. Locke e o Direito Natural. Op. Cit. p. 75.
Mas suas conclusões são a princípio ambíguas. De início deixa claro que o estado da
natureza nada tem a ver com o estado de guerra: “Temos aqui bem clara a diferença
entre o estado da natureza e o estado de guerra, os quais, embora já tenham sido objeto
de confusão por algumas pessoas, estão muito distantes um do outro: um é um estado de
paz, benevolência, assistência e conservação recíprocas; o outro, um estado de
hostilidade, maldade, violência e mútua destruição”47. Entretanto, mais tarde reconhece
que “por falta de leis positivas e de julgamento por parte da autoridade a que se possa
apelar, o estado de guerra, uma vez iniciado, perdura”48. Ocorre que Locke estava frente
a duas fortes correntes: de um lado Hobbes – para quem o estado da natureza era um
estado de guerra, de outro Pufendorf – para quem ao contrário, era um estado de paz. A
posição de Hobbes era pouco aceitável e antipática aos teólogos, enquanto se a de
Pufendorf fosse absolutamente verdadeira, porque os homens sairiam do estado da
natureza? Diante desta dificuldade real, diz Bobbio49, é natural que Locke fosse tentar
uma solução intermediária onde o estado da natureza não é um estado de guerra, mas
pode tomar este rumo e ocorrendo tal transformação se torna difícil reconduzi-lo ao
estado de paz original. Se os homens fossem sempre racionais bastariam às leis da
natureza - que estabelecem que “ninguém deve prejudicar a outrem em sua vida, saúde,
liberdade ou propriedade” - contudo isso nem sempre acontece; no estado da natureza,
reconhece Locke, “algumas pessoas transgridem os limites, usurpando direitos de
outrem, prejudicando-se mutuamente...”. Então, o estado da natureza não é
essencialmente mau, mas apresenta inconvenientes. “Ao percebermos, em um certo
ponto, que suas desvantagens superam as vantagens, torna-se necessário abandona-lo”.
Daí conclui: “reconheço plenamente que o governo civil constitui o remédio
apropriado”. Mas lembra que o homem, desde o estado de natureza foi proprietário
legítimo e inconteste de sua vida e de sua liberdade – liberdade no sentido “de organizar
seus atos e dispor de seus bens como julgasse conveniente, dentro dos limites da lei da
natureza, sem pedir licença ou depender da vontade de qualquer outro homem”, - o que
significa: o direito de agir à sua própria vontade, sem restrições nem coações. Os
homens nascem iguais e nenhum tem poder sobre os demais, portanto os homens são
livres para agir, tendo como único limite a lei da natureza. Esta e outras tantas situações
preexistem ao Estado, portanto estão consumadas na ordem do mundo e não podem ser
47
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. Cap. III, § 19 e Cap. IX, § 123. Apud BOBBIO,
Norberto. Locke e o Direito Natural. Op. Cit. p. 117-181
48
Idem
49
BOBBIO, Norberto. Locke e o Direito Natural. Op. Cit. p. 179.
alteradas. O poder civil, portanto, está impedido de alterar ou inovar neste campo, pois
sua constituição ocorreu exclusivamente para satisfazer as necessidades humanas (de
segurança e estabilidade) e assegurar os direitos do indivíduo. Ele foi criado de modo
convencional, momento em que o homem abre mão de sua liberdade ilimitada para
delegar poder à autoridade pública, que assume a tarefa de proteger os direitos naturais.
Portanto este é o poder e o limite do Estado. Caso ele transgrida o limite de sua
competência, perde a legitimidade, consequentemente sua função, pois os homens não
abririam mão de seus direitos, seus bens e sua liberdade do estado de natureza
colocando grilhões em si mesmos, sem a garantia de rompimento do acordo, para a
preservação de seus direitos naturais, até porque os direitos que constituem a natureza
humana são inalienáveis. Os homens renunciaram unicamente ao direito de defesa e de
fazer justiça, para conseguir que os direitos inalienáveis fossem melhor garantidos.
Em resumo, para Locke, (a) os direitos do homem derivam da lei da
natureza, que é a expressão da vontade de Deus e são universais, isto é, estendem-se a
todos os homens, independente de sua condição social; (b) Deus ofertou o mundo a
todos os homens, em iguais condições. Os homens trabalharam e o fruto de seu trabalho
é sua propriedade; (c) para preservar e garantir esses direitos os homens se reuniram em
sociedade e convencionaram a criação do Estado; (d) a função do Estado é proteger e
garantir os direitos naturais dos homens, não o fazendo, perde sua legitimidade e a
convenção pode ser rompida. O que se observa é que para Locke, “a finalidade máxima
e principal que buscam os homens ao reunir-se em Estados ou comunidades,
submetendo-se a um governo, é a de salvaguardar seus bens; esta salvaguarda era muito
incompleta no estado de natureza”50.
O que se verifica é que ao contrário de Hobbes, para quem o Estado é a
única fonte do direito, não reconhecendo direitos fora dele, sendo tudo uma convenção,
para Locke o direito que o homem tem sobre si mesmo traz como conseqüência o
direito sobre as coisas, sendo então naturalmente proprietário e não graças a uma
convenção. Deve-se observar que o conceito de propriedade em Locke tem um sentido
muito amplo, englobando não somente os bens materiais, mas o próprio corpo, a vida, a
liberdade, a consciência.
Assim, se para Hobbes o indivíduo acata o poder e entra em sociedade por
medo de seu semelhante, para Locke isto se dá para garantir seus interesses, seus bens e
50
FERNÁNDEZ-LARGO. Antonio Osuna. Teoría de los Derechos Humanos. Conocer para practicar.
Salamanca: San Esteban - Madrid: Edibesa. 2001. p. 91.
seus direitos. É claro que a primeira razão pela qual o homem abandona o estado de
natureza e se reúne com os outros no estado civil, submetendo-se a uma autoridade é o
desejo de conservar sua vida, um dos primeiros direitos naturais, mas o homem não
constituiu o Estado somente para conservar sua vida, mas também para conservar outro
direito natural fundamental que é a propriedade. O estado civil nasce, portanto, segundo
Locke, do desejo que os homens tem de conservar os direitos naturais fundamentais, ou
seja, a vida e a propriedade51. Assim Locke se opõe a Hobbes apresentando uma teoria
antagônica ao absolutismo do Leviatã. O homem livremente agregou-se em sociedade
para garantir segurança pessoal e proteger seus bens (vida, liberdade, propriedade) e
este é o limite e a função do Estado. Para Dias52, o objetivo principal de Locke “era
proteger o indivíduo contra o poder ilimitado do governo ou de outros indivíduos”.
Usando o direito natural ele fixa os limites deste poder. Os homens devem ser livres
para escolher sua forma de vida, seu governo e sua própria comunidade.
Contudo, Hobbes e Locke estão de acordo que o interesse individual
é, e deve ser o propulsor da sociedade. Concordam que a propriedade privada é a base
de toda sociedade e que o único Estado legítimo é o que surge de um livre contrato entre
os cidadãos e que a única razão de existir do Poder Estatal reside em assegurar o
cumprimento da leis53.
51
BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant. Op. Cit. p. 60.
52
DIAS, Maria Clara. Os Direitos Sociais Básicos. Uma investigação filosófica da questão dos direitos
humanos. Porto Alegre: EDIPUCRS. 2003. p. 33.
53
ANTÓN, Joan et al. El liberalismo. Madrid: Tecnos. 1996. p. 193.
Leal54, o estado de natureza não tem a mesma função que seus predecessores. Para os
iluministas, defensores do direito natural, os homens no estado de natureza são livres e
iguais. Nenhum é dotado de poder de comandar os outros. Portanto a autoridade política
não tem origem natural, ela deriva de uma convenção, da qual os homens se despojam
de uma parte de sua soberania em benefício de um terceiro. Assim, diz Rousseau: “Uma
boa constituição será aquela que garanta a liberdade e a desigualdade natural dos
homens”. Pufendorf afirmava que os homens na natureza eram dotados de razão e
sociáveis, por isso uniram-se para sair daquela condição infeliz; para Locke os homens
se uniram para garantir direitos que já possuíam; Hobbes afirmava que o homem na
natureza não era sociável, era ávido e orgulhoso em constante guerra com os outros
assim, temendo seu semelhante, criou o Estado.
Rousseau recusa estas concepções do estado de natureza. Para ele o
homem no estado de natureza não é nem sociável, nem dotado de razão, nem egoísta
ativo. Para Rousseau, os demais pensadores pecaram ao atribuir ao homem natural,
características que só surgiram com a sociedade, como o egoísmo, a razão, a paixão, a
sociabilidade. Para ele o homem natural é desprovido de todas as características do
homem social; ele é solitário, independente e ocioso por natureza, somente se agita para
satisfazer suas necessidades naturais, seus sentidos são proporcionais a suas
necessidades; ele não tem sequer consciência de ser homem. “Na natureza não há
nenhuma espécie de relação entre os homens, conseqüentemente não conheciam a
vaidade, nem a consideração, nem a estima, nem o desprezo, não tinham a menor noção
do teu, e do meu, nenhuma idéia de justiça”. Assim, nem a linguagem, nem a razão,
nem a família, nem o trabalho, nem a propriedade, nem a moral são naturais ao homem;
são criações posteriores. Paradoxalmente, o homem natural é superior aos animais
apenas por sua nulidade, por sua ausência de determinações. Não possuindo nenhuma
característica exclusiva, pode adquirir todas. Para construir a evolução do homem,
Rousseau parte daqui acrescentando as duas características que julga distinguirem o
homem dos outros animais: a liberdade da vontade e a perfectibilidade.
A desigualdade entre os homens surge com os progressos no seio do
próprio estado de natureza. A descoberta da metalurgia, o desenvolvimento da
agricultura, a divisão de trabalho estão na origem da propriedade e da desigualdade.
Mas, nesta fase o homem já está se desfigurando. O bom selvagem, o estado de natureza
como um estado de bondade pura já não existe mais. A civilização arruinou o homem.
54
LEAL, Rogério Gesta. Teoria do Estado. Cidadania e Poder Político na Modernidade. Op. Cit. p. 86
“No estado de natureza o homem não conhece mais que os prazeres simples e inocentes.
O homem é bom por natureza; a sociedade o corrompe”. Agora a ganância, o ciúme, a
inveja e a violência imperam. A sociedade nascente deu lugar ao mais horrível estado
de guerra. Ricos e pobres possuem interesses conflitantes entre si e esta nova situação
força os ricos proprietários a conceberem “um projeto de empregar a seu favor as
próprias forças que os atacavam, de fazer seus adversários seus defensores de lhes dar
instituições que lhes fossem tão favoráveis quanto eram contrárias ao direito natural.” A
instituição desta proteção deu-se por um pacto de associação, feito, evidentemente, em
favor de quem dos mais fortes, pois “o mais forte não será para sempre o amo e senhor
se não transformar sua força em direito”.55 Assim, buscou-se encontrar uma forma de
associação que defenda e proteja com a força comum das pessoas os bens de cada
associado onde, cada um, unindo-se a todos, não obedeça senão a si mesmo e
permaneça livre como antes. Esta associação, instituída por um ‘Contrato Social’, é que
cria o Estado. Assim “o homem perde sua liberdade natural de direito ilimitado a tudo
que deseja e ganha em troca a garantia e a segurança da liberdade civil e da propriedade
que possui”56
Para Fortes57, a teoria de Rousseau é, sob vários aspectos, uma
síntese de Hobbes e Locke, pois para Rousseau, o contrato social é “uma associação de
seres humanos inteligentes, que deliberadamente resolvem formar um certo tipo de
sociedade, à qual passam a prestar obediência mediante o respeito da vontade geral”. O
contrato social, ao considerar que todos os homens nascem livres e iguais, encara o
Estado como objeto de um contrato no qual os indivíduos não renunciam a seus direitos
naturais, mas ao contrário, entram em acordo para a proteção desses direitos, que o
Estado é criado para preservar. Então, o Estado é a unidade, e como tal expressa a
“vontade geral”, porém esta vontade é posta em contraste e se distingue da “vontade de
todos”, a qual é meramente o agregado de vontades, o desejo acidentalmente mútuo da
maioria. Ocorre que a institucionalização do convívio social, na verdade se
consubstancia no processo de persuasão, desencadeado por aqueles que mais se
beneficiam com esta associação: os ricos. Esta é a forma que Rousseau apresenta o
surgimento do Estado.
55
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Contrat social ou principis du droit politique. Versão espanhola El
Contrato Social. Barcelona: Edicomunicaciones. 1994. p. 31.
56
Idem. p.42.
57
FORTES, Luiz Roberto Salinas. In www.culturabrasil.pro.br. Acessado em 02.05.2006.
Thomas Hobbes John Locke Jean-Jacques Rousseau
O Leviatã (1651) Tratado sobre o Governo Civil, I, II Do Contrato Social (1762)
(1689)
O Estado é a única fonte de direito Os direitos são naturais, anteriores ao A lei vincula a todos
Estado.
O homem constituiu a sociedade O homem constituiu o Estado para A vontade geral cria o Estado
(Estado) por medo de seu semelhante garantir suas propriedades e realizar
seus interesses.
Ao constituir o Estado o homem abriu O homem constituiu o Estado para
Os ricos concebem um
mão de seus direitos garantir seus direitos projeto para proteger suas
posses
Estado = Leviatã. Tudo pode. Sem O Estado tem como limite sua O Estado (governo) deve
limites. finalidade = promover o bem buscar uma justiça que sirva
a todos
58
PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitucion. 2ª ed.
Madrid: Tecnos, s/d. p. 212-245.
legislação positiva”.59 Para Perez Luño, o que se desprende da tese de Kant é que “é o
direito, como condição de coexistência das liberdades individuais, que atribui o Estado,
a garantia, mediante sua não ingerência, do livre desenvolvimento da liberdade”.60 Para
Bobbio61, Kant reflete em sua obra a coexistência de uma noção de liberdade como
autonomia de inspiração democrática, com um conceito de liberdade como não
ingerência, de inequívoco sentido liberal.
64
Idem. p. 180.
65
PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitucion. Op. Cit.
p.212-245.
66
MALUF, Sahid., Teoria Geral do Estado. Op. Cit. p. 139.
das revoluções (a americana, 1776, e a francesa, 1789, são os grandes exemplos). E se
mantiveram definitivamente, em grande parte pela vontade de se criar uma esfera
privada, independente do Estado, assim como pela preocupação de reformular-se o
próprio Estado, isto é, liberar a sociedade civil – a vida pessoal, familiar, religiosa e
econômica – de toda interferência política não necessária e, simultaneamente delimitar a
autoridade estatal. O constitucionalismo, a propriedade privada e a economia de
mercado, junto com um modelo de família patriarcal, se consagraram como pilares do
Estado liberal67. Mas lembra Held que mesmo tendo o liberalismo celerado os direitos
dos indivíduos, a vida, a liberdade, e a propriedade, foi o proprietário varão quem
ocupou o centro de toda atenção; e as novas liberdades se atribuíram primeira e
principalmente aos varões das novas classes médias ou da burguesia.68 Para ele, o
mundo ocidental foi primeiro liberal e, somente mais tarde, depois de grandes conflitos,
democrático liberal, isto é, somente com o tempo se obteve o sufrágio universal que
permitiu a todos os adultos expressar sua opinião a respeito da atuação daqueles que os
governavam.
67
Entre os traços que comumente identificam o Estado Liberal, Wolkmer cita: a) a ascensão social da
burguesia enriquecida; b) consagração do individualismo e da tolerância; c) descentralização democrática
e separação dos poderes; d) principio da soberania popular e do governo representativo; e) supremacia
constitucional e o império da lei; f) doutrina dos direitos e garantias individuais; g) existência de um
liberalismo econômico, movido pela lei de mercado e com a mínima intervenção estatal (Wolkmer,
Antonio Carlos. Elementos para uma crítica ao Estado. Porto Alegre: Antonio Sergio Fabris Editor. 1990.
p. 25).
68
HELD, David. La democracia y el orden global Op. Cit. p. 21.
69
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado.Op. Cit. p. 275-278.
70
MILL, John Stuart. A Liberdade/Utilitarismo. São Paulo Martins Fontes. 2000.
mesmo acertado. No que diz respeito ao indivíduo, “sua independência é, de direito
absoluta. Sobre si mesmo, sobre seu corpo e mente, o indivíduo é soberano”.71 Para
Mill, seja qual for a forma de governo nenhuma sociedade é livre se tais liberdades não
existirem em caráter absoluto e sem reservas. Afirma que “cada um é o guardião
adequado de sua própria saúde, seja física, mental ou espiritual. A humanidade ganha
mais tolerando que cada um viva conforme o que lhe parece bom do que compelindo
cada um a viver conforme pareça bom ao restante”.72 Referindo-se expressamente a
doutrina de Humboltd ratifica a idéia de que cada indivíduo deve imprimir em seu modo
de vida e na condução de seus interesses, algo do seu próprio julgamento, ou do seu
caráter individual. Como conclusão, Mill apresenta três objeções fundamentais à
interferência do Estado na sociedade: a) ninguém é mais capaz de conduzir qualquer
negócio, ou determinar como ou por quem deverá ser conduzido, que aquele que tem
interesse pessoal. Assim, “a coisa a se fazer será provavelmente mais bem feita pelos
indivíduos do que pelo governo”; b) ainda que os indivíduos não realizem tão bem os
negócios que desejam, ainda assim é melhor que eles o façam, não o governo, como
elemento de sua própria educação; c) a que considera a mais convincente de todas, se
refere ao grande mal de se aumentar o poder do Estado sem necessidade, pois, “toda
função que se acrescenta às já exercidas pelo governo promove maior difusão de sua
influência sobre as esperanças e medos, e transforma, mais e mais a parte ativa e
ambiciosa do público em dependentes do governo, ou de algum partido que pretenda
chegar ao governo”.73
80
BARROSO, Pérsio Henrique. Constituinte e Constituição. Op. Cit. p. 23.
81
PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitucion. Op. Cit. p.
223.
promover o crescimento dos Estados arrasados pelo conflito, que se deve ao
investimento de políticas sociais e redistribuitivas. Assim começa o Estado Social de
Direito que segundo Perez Luño82, teve uma origem híbrida, fruto de um compromisso
entre tendências ideológicas opostas: por um lado representou uma conquista do
socialismo democrático, por outro uma vitória do pensamento liberal mais progressista.
82
Idem
83
QUADROS DE MAGALHÃES, J. L., Direitos Humanos: sua história, sua garantia e a questão da
indivisibilidade. São Paulo: Juarez, 2000, p. 30.
84
MARTÍNEZ DE PISÓN, J., “El final del Estado Social: Hacia qué alternativa”. In Revista Sistema 160.
Colección Politeia. Madrid: Sistema, 2001, p. 75-93.
85
Referindo-se a teoria econômica de Keynes e o trabalho de Beveridge (1942) que definiu as bases de
um modelo público de previdência social em substituição ao sistema privado de mutualismo.
cidadãos em geral, as condições necessárias e os serviços públicos adequados para o
pleno desenvolvimento de sua personalidade, reconhecida não somente através das
liberdades tradicionais, mas também a partir da consagração constitucional dos direitos
fundamentais de caráter econômico, social e cultural; ao mesmo tempo o Estado Social
assume a responsabilidade de reestruturar e equilibrar as contas públicas mediante o
exercício de políticas fiscais. Neste novo Estado supõe-se a abolição da separação entre
o Estado e a sociedade, e então, a possibilidade da exigência de que o Estado assuma a
responsabilidade da transformação econômica-social no sentido de uma realização
material da idéia democrática de igualdade. Implica também na superação do caráter
negativo dos direitos fundamentais que deixam, deste modo, de serem considerados
uma limitação ao poder do Estado para definir limites que o principio democrático da
soberania popular impõe aos órgãos que dependem deles. Assim lembra Martín 86, desde
o fim da Segunda Guerra Mundial até a crise econômica dos anos setenta, houve uma
significativa redução das desigualdades sociais e econômicas, ao menos nos países
desenvolvidos da Europa.
86
MARTÍN, Nuria Belloso., “Igualdades Injustas o Igualdades Justas: Breves Apuntes Sobre el Post-
Liberalismo”, In Júris Poiesis, Revista Jurídica da Universidade Estácio de Sá. Rio de Janeiro:UES,
2000. p. 15.
87
WOLKMER, Antonio Carlos. Elementos para uma crítica do Estado. Op. Cit. p. 26.
trabalho e produção. d) crescente complexidade dos conflitos sociais e aumento das
demandas populares88.
88
Julios-Campuzano explica que a fórmula política do Estado Social de Direito, supôs um crescimento
espetacular das funções do Estado com o correspondente aumento das elites tecnocráticas na estrutura
burocrática estatal. Na medida em que o Estado se expandia foi surgindo uma nova elite social de
especialistas e tecnocratas cujo poder decisório na adoção de acordos e na execução de políticas públicas
foi erosionando paulatinamente o princípio democrático e adonando-se do espaço reservado a legitimação
das decisões na vontade majoritária. Tratou-se, certamente, de um dos efeitos mais perversos do Estado
benfeitor que, no afã de virtualizar os espaços de liberdade com doses crescentes de igualdade, terminou
afastando amplas zonas da liberdade que pretendia conquistar. E continua o professor Sevilhano, a
conformação fortemente hierárquica dos partidos políticos permitiu que este processo se consolidasse,
pois com freqüência, as estruturas partidárias foram blindadas frente as aspirações democráticas da
militância e da cidadania. Deste modo, os mecanismos de representação da vontade popular ficaram
obstruídos na medida em que se produziu uma fratura entre representantes e representados, pois a cúpula
dirigente dos partidos, com freqüência, deixou de representar os interesses dos governados e se erigiu em
porta-voz de um grupo reduzido, cada vez mais isolado do resto da cidadania, com interesses específicos
da classe: a classe política enquanto setor diferenciado da sociedade. Esta mecânica de representação
gerou uma fratura entre governantes e governados, entre a elite dirigente, que ocupava cargos políticos, e
os cidadãos, cujas possibilidades de acesso democrático ao poder ficaram de fato, drasticamente
limitadas.(Julios-Campuzano. Alfonso (de). En las encrucijadas de la modernidad. Política, Derecho y
Justicia. Sevilla: Universidad de Sevilla. 2000, p. 129-171).
89
MARTÍNEZ DE PISÓN, J. “El final del Estado Social: Hacia qué alternativa”. In Revista Sistema. Op.
Cit., p. 75.
são visíveis e chocantes os efeitos de seu desmonte, dando lugar a um Estado mais débil
e omisso.
90
MIRANDA. Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Op. Cit. p. 23.
91
GIDDENS, Anthony. La tercera via. La renovación de la socialdemocracia, Madrid: Taurus, 1999, p
18.
organizar um trabalho eficaz e motivado”92. Isto porque, segundo Marsland,93 o Estado
de Bem-Estar inflige um dano enormemente destrutivo em seus supostos beneficiários:
os fracos, os marginalizados, os excluídos..., pois debilita o espírito empreendedor e
valente dos homens e mulheres e põe uma carga de profundidade de ressentimento
explosivo sob os fundamentos de nossa sociedade livre. Cruz94 lembra que esta crítica
possui dois aspectos: um deles é o gasto público gerado pela intervenção estatal. O
financiamento da seguridade social absorve a poupança interna impedindo sua
utilização na atividade produtiva. O outro aspecto é mais filosófico, já que entende o
Estado de Bem-Estar como uma ameaça à liberdade individual ou, pelo menos, inibidor
da livre iniciativa. Os cidadãos, ao se acostumarem com a ampla proteção do Estado,
perdem a capacidade de competição e o estímulo ao trabalho e tornam-se menos aptos
para assumir os riscos e obterem vantagens num mundo competitivo.
92
“Um escritor”, citado por Giddens, Anthony. Op. Cit. p. 24.
93
MARSLAND, D. Welfare or welfare state? Basingstoke: Macmillan, 1996, p. 197.
94
CRUZ, Paulo Márcio. Política, Poder, Ideologia & Estado Contemporâneo. 3ª ed. Curitiba: Juruá.
2005. p. 234-235.
95
CORREAS, Óscar. “El neoliberalismo en el imaginario juridico” In Direito e Neoliberalismo.
Elementos para uma leitura interdisciplinar. Agostinho Ramalho Marques Neto et all, Curitiba: EDIBEJ,
1996, p. 7.
por si”, daí seu ataque ao Estado. Para o neoliberalismo o ideal seria um Estado
reduzido a função de polícia: que se limita a defender os direitos de propriedade. Como
comumentemente dizia Reagan: “Não temos problemas com o Estado, mas o Estado é o
problema”, Entretanto nos lembra Martínez de Pisón96, que as políticas neoliberais de
desmantelamento do Estado Social produziram, sem dúvida, um alto desenvolvimento
econômico nos países ocidentais, mas, ao mesmo tempo, um vertiginoso aumento da
desigualdade social.
96
MARTÍNEZ DE PISÓN, J. “El final del Estado Social: Hacia qué alternativa”. In Revista Sistema. Op.
Cit. p. 83.
97
COMBLIN, José. O Neoliberalismo. Ideologia dominante na virada do século. Petrópolis: Vozes, 2000,
p. 18-24.
98
Depois da renuncia de Fujimori, foi eleito, em 03 de junho de 2001, Alejandro Toledo, obstinado
defensor do livre mercado, da política neoliberal e da globalização.
Jorge Batlle no Uruguai99, inclusive a eleição de Vicente Fox100 no México, isto somente
para citar os principais Estados do continente. Para Comblin101, este apoio popular tem
várias razões, e cita especialmente a frustração provocada pelos governos populistas e
porque na América Latina as expectativas populares são fracas; os pobres não esperam
nem exigem muito das autoridades, o Estado de Bem-Estar nunca foi completo. Mas
estas conclusões valem para América Latina e ainda assim com reservas, não justificam
a eleição de Batle no Uruguai, onde a economia sempre foi estável nem a eleição de
neoliberais no Chile, país com os melhores índices econômicos da América Latina102;
tampouco justificam o expressivo apoio popular ao neoliberalismo na Europa.
99
O Uruguai era a única exceção na onda de privatizações que varreu a América do Sul nos anos 90. Em
19 de janeiro de 2001, o presidente Batle publicou por decreto a chamada Lei de Urgência, feita para
desregulamentar setores da economia e desmontar os monopólios nas mãos do Estado. A lei abriu o
capital das estatais a investidores privados, inclusive estrangeiros e distribuiu concessões públicas em
áreas como telefonia, combustíveis, portos, ferrovias e cassinos. E, não se pode esquecer que,
diferentemente de muitos países as estatais uruguaias eram motivo de orgulho da população, a maioria
possuía índices de aprovação superior a 70%. (“Um país a Venda”. In Revista Veja, Ed. 07 de março de
2002, p.56).
100
No México, o Partido Revolucionário Institucional – PRI manteve-se no poder por 71 anos, embora
acusado de inúmeras fraudes eleitorais. Trata-se de um partido que se proclama centro-esquerda,
entretanto seus últimos governantes, em especial Ernesto Zedillo (1994-2000), sempre adotaram políticas
econômicas neoliberais. Em 02 de julho de 2000, foi eleito Vicente Fox, pelo partido de Ação Nacional
(centro-direita). Embora Fox tenha demonstrado simpatia pelos rebeldes Zapatistas (grupo guerrilheiro de
tendência marxista), e ser um político comprometido com as causas sociais, em seus discursos sempre
deixou muito claro sua tendência de manter a política econômica do país – liberal.
101
COMBLIN, José. O Neoliberalismo. Ideologia dominante na virada do século. Op. Cit. p. 72.
102
Desde a década de 70, enquanto os regimes de força instalados na América Latina (Brasil, Argentina,
Uruguai, Paraguai, Bolívia y outros) apregoavam uma política protecionista e nacionalista, o Chile de
Pinochet se abria (economicamente) ao mundo. Com a saída do ditador, os governos democráticos que o
sucederam, mantiveram a política econômica neoliberal. Apesar do sonho frustrado de converter-se em
um tigre econômico, as sinais de prosperidade no Chile são visíveis: Seu PIB cresce em media 7% al ano
desde o inicio dos anos 90; neste período mais de 2 milhões de chilenos deixaram a linha de pobreza, o
que representa uma ascensão social de 15% da população; o analfabetismo caiu de 6,3% a 4,5%, a
mortalidade infantil foi reduzida em 1/3 do que era na década de 80 e a esperança de vida equivale a do
primeiro mundo (75 anos).
Contudo, parece que a ideologia neoliberal tende a prosperar e tornar-
se a ideologia dominante neste novo século, talvez com uma pequena preocupação
social, face às pressões de grupos organizados, mas não se vislumbra num futuro
próximo qualquer modelo alternativo. Assim também pensa George 103 quando afirma
possuir sérias dúvidas de que, nas próximas décadas, um sistema político-econômico
mundial alternativo possa competir razoavelmente com a economia de mercado global,
quer no terreno teórico quer no prático. O que ocorre é que as pessoas, em sua maioria,
crêem fervorosamente que podem melhorar sua vida. Assim, o capitalismo não é uma
mera doutrina econômica ou um logro intelectual, é sim uma forma revolucionária e
milenar e uma fonte de esperanças. A aspiração ao bem estar material aqui e agora é
mais poderosa – por que não dizer mais veraz – que as promessas do comunismo ou da
religião, que prometem a gratificação em um radiante futuro ou em outra vida. Nestes
confrontos, a reação e o estrondo do mercado sempre ganhará dos coros terrenos ou
celestiais do paraíso prometido104. Ao menos, um pouco nos tranqüilizam e nos
confortam as palavras de Bobbio: “o Estado Liberal é o pressuposto não só histórico,
mas jurídico do Estado Democrático”, para concluir que “é pouco provável que um
Estado não liberal possa assegurar um correto funcionamento da democracia, e de outra
parte é pouco provável que um Estado não democrático seja capaz de garantir as
liberdades fundamentais”.105 Neste sentido também Reynold afirma que “O liberalismo
e a democracia nasceram juntas. Ele é o espírito, ela é a forma. Só se separam
artificialmente, graças às confusões sobre os sentidos dos dois termos, às distorções
infringidas à história”. 106
103
GEORGE, Susan. Informe Lugano, Barcelona: Içaria-Intermón Oxfam, 2001, p. 22
104
Idem, p. 23.
105
BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia – Uma defesa das regras do jogo. Trad.de Marco
Aurélio Nogueira, São Paulo: Paz e Terra, 5ª ed. 1992, p. 20.
106
In CORRÊA, Oscar Dias. O Sistema Político-Econômico do Futuro: O Societarismo. Rio de Janeiro:
Forense Universitária. 1994. p. 36.
Evidentemente que isso não significa o fim do Estado como apregoou
Engels, independentemente do juízo de valor positivo ou negativo que tenhamos do
Estado, sendo ele um mal necessário ou não. Mas, parece-nos que a sociedade civil, sob
a forma de sociedade de livre mercado, segue com a pretensão de restringir os poderes
do Estado ao mínimo necessário. Neste sentido, obra moderna de notável impacto é
Anarchy, State and Utopia, de Robert Nozick, que utiliza a teoria do contrato social para
questionar a legitimidade do Estado moderno, que utiliza seu aparato coercitivo-jurídico
para conduzir os cidadãos e violar seus direitos. Tece severas críticas aos modelos
constituídos que, fruto do contrato social, o desrespeitam, em detrimento das liberdades
individuais. Defende a idéia de um Estado-mínimo, com a única função de proteger os
direitos individuais e não para obter condições de igualdade entre os indivíduos, nem
mesmo para alcançar objetivos políticos de uma maioria, com a limitação dos direitos
individuais. Seguindo o pensamento de Locke, propõe um direito natural reduzido a
“inviolabilidade da pessoa”. Pretende limitar as possibilidades e faculdades do Estado,
que não possui o direito de erigir-se em estado socializador de bens nem mesmo
promotor da justiça social, uma vez que ele não possui possessão natural sobre nada ou
ninguém, pois todos os títulos residem exclusivamente no ser humano.
Em suas conclusões Nozick afirma que somente um Estado mínimo respeita
os direitos invioláveis das pessoas, com a dignidade que isso pressupõe. “Tratando-nos
com respeito ao acatar nossos direitos, ele nos permite individualmente ou em conjunto
com aqueles que escolhemos, determinar nosso tipo de vida, atingir nossos fins e nossas
concepções de nós mesmos…”107. Em seu entendimento qualquer outro modelo de
Estado, que não o Estado-mínimo, viola os direitos da pessoa. Para Nozick os direitos
naturais têm sempre absoluta prevalência sobre os poderes do Estado. Assim, “somente
um Estado-mínimo é moralmente legítimo, inspirador e certo ... nenhum Estado mais
extenso poderia ser moralmente justificado, pois qualquer um deles violaria (violará) os
direitos do indivíduo”.108 Em resumo: todo Estado que ultrapasse as fronteiras do
Estado mínimo é imoral e ilegítimo; em termos práticos, redistribuir a riqueza é um ato
imoral. Quanto aos direitos humanos são os direitos de liberdade, mas sem garantia de
defesa nem proteção. A jurisdicidade destes direitos somente acontece através da
organização política, que não é produto de um hipotético contrato, mas de uma
complexa e progressiva organização por parte de grupos que vão introduzindo
107
NOZICK, Robert. Anarquia, Estado e Utopia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 1994. p. 357.
108
Idem
instituições de proteção jurídica com sucessiva complexidade, até chegar a formação do
Estado que, formalmente, não é mais que um organismo de proteção e segurança mas
todo o conteúdo dos direitos humanos deriva da situação pré-estatal e está fundado na
radicalidade do indivíduo e de sua liberdade.
109
CRISE, como define Gramsci, “consiste justamente no fato de que o velho não morre e o novo não
pode nascer”. Ensina Barroso que é uma situação intermediaria entre dos modelos, portanto, possui como
característica a transitoriedade. É sempre um rito de passagem que, por conseqüência, não é pacífico nem
tranqüilo, daí ligar-se a idéia de ruptura, de quebra da ordem. Convivem ao mesmo tempo o velho, em
decadência e o novo, em gestação. Uma crise pode ter graus variados de intensidade. Assim será
operatória se restringe-se ao funcionamento de um determinado sistema, ao passo que se estrutura,
quando recai sobre a própria natureza do sistema. De qualquer maneira, as crises são sempre contextuais e
relacionais, o seja, não ha uma crise isolada em um determinado setor que não tenha reflexo em outros
domínios. (AGUIAR, R. A Crise da Advocacia no Brasil, 2 a ed. São Paulo: Alfa-ômega, 1992, p. 17;
BARROSO, Pérsio Henrique. Constituinte e Constituição. Curitiba: Juruá. 1999. p. 31-32.)
3.1 A globalização110
tais pretensões (ARNAUD, A-J, O Direito entre a modernidade e a Globalização. Rio de Janeiro:
Renovar. 1999. p. 7).
Não podemos deixar de lembrar aqui as palavras de Marx e Engels em seu Manifesto Comunista de 1848:
“Graças a exploração do mercado mundial, a burguesia deu um caráter cosmopolita a produção e ao
consumo de todo mundo. Arrancaram a indústria de sua base nacional.... As velhas industrias nacionais
foram destruídas e estão destruindo-se continuamente. São suplantadas por novas industrias, cuja
instalação se converte em um problema vital para todas as nações civilizadas, por industrias que já não
empregam matéria prima do país, mas matérias primas ventidas nas mas longínquas regiões do mundo e
cujos produtors não são consumidos somente no próprio país, mas em todas as partes do globo”. (MARX,
K. y ENGELS, F. Das Kommunistische Manifest. Op. Cit. p.100).
115
MOORE, Mike. “Entrevista Especial”. Revista Veja. Edição 1.653. 14 de junho de 2.000. p. 11
116
FERRANDÉRRY, J.L. Le point sur la mondialisation. Paris: Presses Universitaires de France. 1996. p.
3.
A globalização nos remete a um processo social, econômico,
cultural e demográfico que se instala no coração das nações e as transcende ao
mesmo tempo, de tal forma que uma atenção limitada aos processos locais, as
identidades locais e as unidades de análises locais, faz incompleta a compreensão
local. Assim estamos de acordo com Pacheco117, para quem “globalização não é um
fenômeno que possa ser explicado linear ou unilateralmente. A ele convergem muitos
e diversos fatores; é um processo em marcha, não finalizado, um processo em
transição a uma nova fase do capitalismo, cujo significado esta muito longe de ser
unívoco”. Então, a globalização não é uma ideologia, nem tampouco um programa
econômico a defender-se, é sim, um fenômeno que está ocorrendo no mundo.
117
PACHECO, P.M., “Transformaciones económicas y función de lo político en la fase de la
globalización” In Mundialización econômica y crisis político-jurídica,. Anales de la Cátedra Francisco
Suárez. Universidad de Granada, n° 32/2005. p. 103.
118
THESING, Josef. “Globalização, Europa e o Século 21”. Conferência proferida em 18.11.1997 na
Academia Teológica Católica de Varsóvia, Polônia. In A Globalização entre o Imaginário e a realidade.
Série Pesquisas. n° 13. São Paulo: Fundação Adenauer Konrad. 1998. p. 5.
119
MACEDO JUNIOR. Ronaldo Porto. “Globalização e Direito do Consumidor” In Direito Global.
(coordenadores: Carlos Ari Sundlfeld e Oscar Vilhena Vieira). São Paulo: Max Limonad. 1999. p. 227.
120
In CHONCHOL, Jacques. Hacia donde nos lleva la Globalización? Santiago de Chile: LOM. 1999.
p.31.
estão fora de controle dos sistemas políticos e dos Estados nacionais. Estar-se-ia na
presença de uma nova ordem natural e o acatamento destas leis é o fundamento da
racionalidade.
121
Segundo Capella Hernández, nos anos setenta o número de empresas multinacionais não passava de
umas poucas centenas. Em 1997 eram mais de 40.000. As duzentas multinacionais mais importantes
possuem um volume de negócios superior a quarta parta da atividade econômica mundial, ainda que
empreguem apenas 18,8 milhões de pessoas, o que é menos de 0,75 da mão de obra do planeta. Ademais,
em 1992, apenas setenta destas empresas interviram na metade das vendas em todo o mundo (CAPELLA
HERNÁNDEZ, J.R. Transformaciones del derecho en la mundialización. Op. Cit. p. 94).
atacou os salários e aumentou o desemprego. A retirada do Estado da economia agravou
principalmente o problema dos mais pobres que viram reduzir os subsídios concedidos
aos produtos básicos como transporte e alimentos e o corte de muitos serviços de bem
estar social.
É verdade que o mundo nunca foi tão pequeno e encolhe cada vez
mais por causa da tecnologia. A indústria da informática e da telecomunicação vive uma
122
LAMOUNIER. Bolívar. Gazeta Mercantil. p. A-3. ed. 26.11.99
123
ANDRADE, Manoel Correia de. Apud DANTAS, I. Direito Constitucional Econômico: Globalização
& Constitucionalismo. Curitiba: Juruá. 1999. p. 108.
explosão sem precedentes, o que acarreta baixo custo e sua conseqüente popularização.
Paralelamente se começa a esboçar uma convergência entre a infra-estrutura de
comunicação e a indústria, à medida que ambas se digitalizam. É essa a conjunção que
torna possível um mundo globalizado, o que condenará à morte a localização
geográfica. Com os novos satélites, desaparecerão os pontos negros de comunicação, o
planeta inteiro estará apto a comunicação por celular. As teleconferências progredirão,
as pessoas participarão interativamente de congressos internacionais sem sair de sua
casa, se fará cirurgias a distância, se dará consultoria, aulas, notícias de qualquer ponto
do planeta. Tudo isso, evidentemente, tem um custo, como veremos a seguir.
124
CHONCHOL, Jacques. Hacia dónde nos lleva la globalización? Op. Cit. p. 11.
empresarial foram reduzidos à metade: somente representam 13% da arrecadação
global; em 1980 representavam 25% e antes, em 1960, 35%125.
125
Fonte: BECK, Ulrich. Que és la Globalización? Falácias del globalismo, respuestas a la
globalización. Barcelona-Buenos Aires-México: Paidós. 1999. p. 21.
126
MARTIN, H-P & SCHUMANN, H. A Armadilha da globalização. São Paulo: Globo. 1997. p. 7-12.
conceder isenções e subvenções inimagináveis a algumas décadas. Esta tendência
tem como marco 1986, quando os EUA reduziram os impostos sobre a renda das
sociedades de capital, de 46% para 34%, estabelecendo um novo padrão
internacional, pois com o passar dos anos a maioria dos países precisaram
acompanhar o modelo. Isto ocorre, lembra Aguirre127, porque os Estados necessitam
lutar para que as grandes empresas multinacionais se instalem em seu território e
ainda lutar para que suas próprias empresas não se mudem para outros Estados que
lhes ofereça vantagens mais competitivas. Esta situação conduz a alianças entre as
empresas multinacionais e os Estados e supõe uma ruptura no modelo tradicional de
diplomacia. As grandes empresas possuem alta tecnologia, velozes sistemas de
comunicações e acesso aos grandes mercados consumidores e toda essa capacidade
interessa aos Estados.
127
AGUIRRE, Mariano. Los días del futuro. Barcelona: Acaria. 1995. p. 22/25
128
MARTIN Hans-Peter & SCHUMANN Harald. A Armadilha da Globalização. Op. Cit. p. 275/281.
dos 180 Estados onde mantinha filiais. Em 4 anos, esta quota encolheu para apenas
20%129.
129
Idem. p. 279
130
A multinacional coreana Sansung, por exemplo, recebeu do Ministério da Fazenda Britânico 100
milhões de dólares para a instalação de uma indústria eletrônica no norte da Inglaterra, investindo 1
bilhão de dólares. Isto saiu muito barato ao governo britânico. Estados e regiões que desejam receber
unidades industriais terão que investir muito mais. Para a instalação da fábrica de carros pequenos da
Mercedes-Benz em Lorena, os contribuintes da União Européia e da França se comprometeram com
1/4 dos investimentos por meio de subvenções diretas. Se adicionarmos as isenções fiscais, a
participação do Estado chega a 1/3 do investimento total, e sem direito a voto na administração da
empresa. No Alabama, EUA, a Mercedes-Benz pagou somente 55% dos custos incidentes para a
instalação de uma nova unidade de produção, mas comparando com a isenção total de impostos por 10
anos que a General Motors negociou em 1996 chega a ser modesta a participação do Estado. A Índia
não somente oferece aos empresários estrangeiros salários baixos, como facilita o acesso aos satélites,
autoriza sem problemas qualquer produção, concede isenções fiscais por varias décadas e permite,
inclusive, a diminuição de garantias sociais. MARTIN Hans-Peter & SCHUMANN, Harald. A
armadilha da globalização. Op. Cit. p. 280/285.
131
AGUIRRE, Mariano. Los días del futuro. La sociedad internacional en la era de la globalización. Op.
Cit. p. 65.
torna muitas vezes, ao menos economicamente, mais fortes que os Estados. De fato,
na história do capitalismo nunca houve uma concentração tão acentuada de capital.
Apenas para ter-se uma idéia, as 200 maiores empresas do mundo faturam 1/3 do
PIB mundial, estimado em 24 trilhões de dólares132.
135
CASTELLS, M. La era de la información: Economía, Sociedad y Cultura. Volumen II. Madrid:
Alianza. 1998. p. 282.
136
CASSEN, B. “Vivier son el GATT” Cuatro Semanas/Lê monde diplomatique, junio 1993, p. 13. Apud
AGUIRRE, Mariano. Los dias del Futuro. La sociedad internacional en la era de la globalización.
Barcelona: Icaria Antrazyt. 1995. p. 151.
137
CHONCHOL, Jacques. Hacia dónde nos lleva la globalización? Op. Cit. p. 63.
(4) deve-se abrir ao máximo as fronteiras para os negócios, os capitais
e os fluxos financeiros do exterior. Isto permitirá que as empresas sejam competitivas e
de alta produtividade. As empresas ineficientes desaparecerão;
138
HEILBRONER, Robert. Visiones del Futuro. El pasado lejano, el ayer, el hoy y el mañana. Barcelona
–Buenos Aires-México: Paidós. 1996.
Tudo isso leva a sociedade a dar alguns passos para trás quanto aos
avanços alcançados nas relações de trabalho no curso do último século: a semana de 40
horas, aumento dos salários de acordo com o custo de vida, o direito a férias
remuneradas, aposentadoria, assistência social, inclusive a um salário mínimo. Como
lembra Aguirre139, em nome da modernização e adaptação às novas circunstâncias, se
modificam as leis para cortar o seguro desemprego, as pensões, facilitar a contratação
por curtos períodos de tempo e aliviar as responsabilidades dos empregadores; trata-se
de uma transformação regressiva do Estado Social. Ante esta tendência, os sindicatos
reagem com uma política de resistência, tratando de defender, em primeiro lugar, aos
que tem emprego.
139
AGUIRRE. Mariano. Los dias del Futuro. La sociedad internacional en la era de la globalización. Op.
Cit. p. 147/148.
140
MARTIN, Hans-Peter & SCHUMANN, Harald. A Armadilha da Globalização. Op. Cit. p.287.
141
ESTEFANÍA, J. La nueva economia.. La globalización. 1996. p. 14. Apud DANTAS, Ivo. Direito
Constitucional Econômico: Globalização & Constitucionalismo. Curitiba: Juruá. 2000. p. 114.
Para Chonchol a nova ordem mundial, a do capital, está
desestabilizando países inteiros e a ordem social pré-existente. Em não se tomando
medidas urgentes, a nunca estabelecida ditadura do proletariado será substituída pela
ditadura do mercado mundial. Ademais, lembra, a economia de mercado e a
democracia não são irmãos de sangue inseparáveis, que buscam juntas a
prosperidade de todos. Hoje o equilíbrio entre ambas é muito frágil, e faz com que
nos Estados mais fracos, a balança se incline mais para o lado dos poderosos142. De
maneira radical e contundente, Beck entende que a globalização não pretende
somente eliminar o poder dos sindicatos, mas também o poder do próprio Estado
nacional. Para ele a retórica dos representantes econômicos contra a política social
estatal revela suas reais intenções: “pretendem, definitivamente desmantelar o
aparato e as tarefas estatais com vistas a realização da utopia do anarquismo
mercantil do Estado mínimo”.143
142
CHONCHOL, Jacques. Hacia donde nos lleva la globalización? Op. Cit. p. 96.
143
BECK, Ulrich. Qué es la globalización? Falácias del globalismo, respuestas a la globalización.. Op.
Cit
144
Lewis, B. Diretor Presidente da McKinsey Global Intitute, cuja função e produzir estudos
comparativos do funcionamento do mercado em diferentes países e regiões do mundo. Nos últimos 10
anos, o instituto entrou nos segredos de dezenas de economias nacionais entre elas a do Japão, Coréia,
Brasil, Polônia, Estados Unidos, Suécia, Canadá e Dinamarca. Seus economistas visitam fábricas, prédios
em construção, bares de esquina, feiras livres, grandes companhias de produção, para entender as razões
do crescimento ou da resistência ao desenvolvimento dos países. Lewis é foi assessor especial do
Departamento de Defesa dos Estados Unidos da América no governo Klinton e está entre as pessoas que
mais conhecem a economia mundial. Revista Veja. ed. de 14.06.200l. p. 11.
desgraça. A globalização oferece aos países mais oportunidades que riscos. Por isso
afirmamos: nenhum medo da globalização”145.
3.1.2 As Resistências
147
Não se pode esquecer que até o século XVIII a riqueza produzida pelo mundo dobrava a cada 500
anos. No século XIX dobrou a cada 40 anos e no século XX a produção de riquezas alcançou um ritmo
jamais imaginado. O PIB Global vem dobrando a cada 25 anos.
148
HÖFFE, O. Derecho Intercultural. Madrid: Gedisa. s/d. p. 219-246.
O segundo grupo se compõe dos fenômenos que estão a serviço do
bem-estar individual e coletivo, onde se encontram não somente o mundo da economia
e das finanças, o mercado de trabalho, os sistemas de transporte, comunicações e o
turismo, aqui também se incluem as ciências – e não somente as ciências naturais,
medicina ou a técnica – mas todas as ciências humanas e os sistemas escolar e
universitário. Para ele, estes fenômenos a muito tempo já se difundiram no mundo.
Inclui-se ainda neste grupo, a democracia liberal, já que dela emana uma forte pressão
para a globalização e, ainda que as violações aos direitos humanos não sejam
combatidas com igual intensidade em todo mundo, são ao menos objeto de protestos
mundiais e, em alguns casos, se observa inclusive, um esforço de intervenção
humanitária.
160
GEORGE, Susan. Informe Lugano. 3a ed. Barcelona: Acaria. 2002. p. 22-36.
espécies, não aparece em lugar algum. O ar, a água e o solo são considerados
gratuitos, não se reconhece nem se calcula seu valor em função de sua escassez. A
diminuição das reservas de pescado, da camada superficial do solo, dos minerais, da
camada de ozônio, de espécies animais e vegetais, são consideradas como
investimentos ou se compensa com subvenções para que estes mesmos produtores
sigam provocando sua diminuição. As tensões ecológicas poderão levar a uma maior
estabilidade política e ao aumento dos conflitos armados: 70% da população vive em
zonas onde a água é escassa. Para George, os eco-conflitos ocorrerão primeiro no
Oriente Médio, na África e na Ásia, depois afetarão outras regiões, o que trará
resultados imprevisíveis para a economia. Parece que os teóricos do neoliberalismo
globalizado estão cegos ante este perigo ecológico, comportando-se como se quanto
menos se falar do assunto melhor, ou temem que revelar ou analisar esta importante
contradição do sistema, vá em detrimento de sua manutenção. Para que o sistema
alcance êxito a longo prazo, esta é uma atitude suicida.
161
Idem
3) Os extremos sociais – Para George, o futuro do livre mercado
depende também de que recebe os benefícios do crescimento. Se os lucros vão para a
metade inferior da população, esta imensa maioria de pessoas relativamente pobres
usará seu dinheiro para o consumo, consequentemente manterão a demanda, o que
gera mais produção. Se, ao contrário, os bônus do crescimento se destinar somente a
camada superior da escala social, os beneficiados colocarão somas ainda maior nos
mercados financeiros ao invés de adquirir bens e serviços. Como conseqüência a
demanda cairá, trazendo consigo o aumento das ofertas, a superprodução e o
estancamento da economia. Assim, a forma de distribuição dos benefícios do
sistema, é crucial para sua manutenção a longo prazo. Este é também um perigo real,
pois como vimos a globalização, com suas economias desreguladas e competitivas,
ao mesmo tempo em que beneficia muitos, beneficia sobretudo os ricos. Para se ter
uma idéia, em 1960 os ricos ganhavam 30 vezes mais que os pobres; em 1994, sua
renda era 78 vezes superior a dos 20% mais pobres. Os 20% mais ricos, possuíam
86% de tudo o que havia sido produzido no mundo. No período pós-guerra, o
comércio mundial cresceu 12 vezes, chegando a U$ 4 trilhões por ano na década de
90, mas foi também o vilão que mais acentuou as desigualdades entre países pobres e
ricos. Com 10 da população do planeta, os países mais pobres do mundo detêm
apenas 0,3% do comércio mundial, isto é metade do que tinham a 20 anos. Esta
extrema divisão social constitui uma autêntica ameaça ao sistema. Na Europa, onde
os extremos sociais são menos flagrantes, o desemprego crônico, o estancamento dos
salários, o predomínio dos empregos temporários e o grande número de
trabalhadores pobres, já provocam ressentimento e temos. Na América Latina, onde
os extremos de pobreza e riqueza sempre foram a norma, os benefícios da
prosperidade já manifestam por seus inconvenientes. A segurança privada tornou-se
indispensável, filhos de pais ricos temem ir a escola desacompanhados por medo de
seqüestros, empresas pagas subornos de proteção, as mulheres não podem portar
jóias nas ruas, correr ou andar de bicicleta em parques públicos é quase impossível,
mesmo tomar um transporte público é tarefa arriscada. Nos Estados Unidos, embora
a grande separação social existente, parece haver ainda capacidade de absorver os
conflitos sociais não obstante a existência de milhares de condomínio privados, auto-
suficientes, murados e vigiados o que revela um profundo temor. Por quanto tempo
ainda poderá durar esta relativa tranqüilidade? Em escala global há poucos
vencedores e muitos perdedores. A ira dos pobres aumenta em todas as partes,
fomentada pelos meios de comunicação que exigem mais e mais consumo,
mostrando opulentos estilos de vida. Milhões de pessoas crêem nestas publicidades e
crêem que uma minoria se apropriou injustamente das riquezas, e que a maioria
também a merece. Alerta George que estas grandes massas de excluídos, cedo ou
tarde procurarão compensar a situação. Os meios que escolherão podem ser diversos:
desde o suicídio individual à migração maciça, desde protestos políticos e
manifestações pacíficas à criação de milícias armadas e ao terrorismo aberto. Assim
os excluídos – que são maioria absoluta – poderão invariavelmente, desestabilizar o
sistema.
162
MARTIN, Hans-Peter & SCUMANN Harald. A Armadilha da Globalização. Op. Cit. p. 288-289
10° Congresso para a Prevenção ao Crime e Tratamento dos Criminosos, realizado
em Viena, de 10 a 14 de abril de 2000, sob o patrocínio da ONU, representantes de
188 países tomaram conhecimento de estudos realizados pela ONU que concluíram
que o crime internacional organizado movimenta mais de l trilhão de dólares por ano.
Sua espantosa disseminação em escala planetária se deve em grande parte à
globalização, às políticas liberais e aos avanços tecnológicos em áreas como as
telecomunicações. O delito mais lucrativo continua sendo a tráfico de drogas, que
fatura em torno de 400 bilhões de dólares/ano. Apesar de seu fantástico poder
financeiro e de dominação de consciências, não é esta, segundo estudos da ONU, a
modalidade criminosa de mais rápida disseminação no mundo. O maior incremento
aponta para o tráfico de seres humanos, particularmente de crianças e mulheres, para
a escravidão econômica e a prostituição. O delito de maior potência é, sem dúvida o
digital, via internet. Dele se pode afirmar que apenas está dando os primeiros passos
ainda que já movimente algo em torno de 500 milhões de dólares anuais163. Com tudo
isso formam-se impérios clandestinos, que já dominam regiões do mundo, fora da
jurisdição de qualquer Estado. Podem contratar qualquer mão de obra que
necessitem, inclusive exércitos privados. Assim vão adquirindo não somente poder
econômico, mas também militar e estratégico, a ponto de afrontar ao próprio Estado.
George lembra a existência de rumores de que um poderoso barão da droga
chantageou a um Estado sul-americano, ameaçando abater aviões civis/comerciais
com mísseis comprados no mercado negro, caso seguisse a ‘pressão’ do Estado
contra suas atividades164. É assim que a desregulamentação, um fim desejável em si
mesmo, poderia frustrar sua própria finalidade. O grande capital acumulado pelo
crime organizado pode converter-se em algo autenticamente explosivo, um perigo
claro e presente para o sistema legal de mercado. Se o capital gangster suplantar o
das empresas legítimas, as normas de concorrência tradicionais cairão por terra e o
terrorismo empresarial estará implantado.
163
“A globalização do crime” Zero Hora. 11.04.2000. p. 16.
164
Segundo o Instituto Small Arms Survey, o comércio legal de armas pequenas e armamento leve, gira
em torno de U$ 4 bilhões ano, mas a estima que outro tanto é comercializado no mercado paralelo.
3.1.5 A Terceira Via
É neste cenário que surge uma ‘terceira via’, expressão comum nos
anos 20 entre grupos de direita, mas a usaram também os social-democratas e os
socialistas. No período pós-guerra, os social-democratas estavam convencidos de que
haviam encontrado um caminho distinto e alternativo ao capitalismo norte-americano e
ao comunismo soviético. A internacional socialista, no momento de sua fundação (1951)
também se referia expressamente a terceira via com este sentido. Durante os anos 70 a
terceira via tinha a conotação de um socialismo de mercado. Ao final dos anos 80 os
social-democratas europeus muito se referiam a ela como uma importante renovação
pragmática. A terceira via, portanto, representava um marco de pensamento e políticas
práticas que buscavam adaptar a social-democracia a um mundo que mudava muito
rapidamente e tornava-se mais pragmático. Como diz Giddens “é uma terceira via
enquanto tentativa de transcender, tanto a antiga social-democracia como ao
neoliberalismo”165. Trata-se, portanto, de uma política de meio termo, não liberal nem
paternalista. Enquanto a social-democracia clássica considera a criação de riquezas
quase como um acessório de suas preocupações básicas de segurança, e redistribuição
econômica, por outro lado os neoliberais se preocupam exclusivamente com a
competitividade e a geração de riquezas; mas a política de terceira via, sugere uma
economia mista – diferente da antiga economia mista que implicava na separação do
Estado e os setores privados, e com uma grande parte da indústria sob o controle
público. A nova economia mista, diz Giddens, busca um ponto comum entre setores
165
GIDDENS, Anthony. The third way. Op. p. 37
públicos e privados, aproveitando o dinamismo dos mercados, mas tendo em conta o
interesse público166. Requer um equilíbrio entre regulação e desregulação, tanto a nível
nacional como transnacional e local e um equilíbrio entre o econômico e a vida social.
Também deve a terceira via ajudas aos cidadãos a conduzir-se com segurança neste
novo mundo, tendo em vista principalmente a globalização, as transformações da vida
pessoal e as relações do homem com a natureza. Seus valores: a igualdade, a proteção
aos mais fracos, liberdade com autonomia, nenhum direito sem responsabilidade,
nenhuma atividade sem democracia, pluralismo cosmopolita e conservadorismo
filosófico.
166
Idem. p. 119.
Políticos e pensadores de direita sempre defenderam que sem tradição e formas
tradicionais de respeito, a autoridade desmorona. – as pessoas perdem a faculdade de
diferenciar entre o que esta certo e o que esta errado. A terceira via se oporia a esta
concepção. Em uma sociedade onde a tradição e o costume estão perdendo forças, o
único caminho para restabelecer a autoridade é a democracia. O novo individualismo
não coroe a autoridade, mas exige que se configure em uma base participativa.