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ACESSO À JUSTIÇA
GARANTIAS DO PROCESSO JUSTO
NOVO MODELO PROCESSUAL
ACESSO À JUSTIÇA
1. Direito à jurisdição
O art. 10º Declaração Universal dos Direitos do Homem estabelece que
“toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja
equitativa e publicamente julgada por um Tribunal independente e imparcial
que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação
em matéria penal que contra ela seja deduzida”.
Este direito à justiça sem qualquer discriminação por motivos económicos é
uma consequência do Estado social de direito que se encontra consagrado no
art. 2º CRP. O acesso à justiça não é, aliás, o único direito fundamental
assegurado ao cidadão na área da protecção dos direitos: adequadamente, o
art. 20º/1 CRP atribui, a par da garantia de acesso aos Tribunais, uma garantia
de acesso ao próprio direito. Sem este “direito ao direito”, a garantia do acesso
aos Tribunais poderia tornar-se vazia e ilusória, dado que não importa criar as
condições para aceder aos Tribunais se, simultaneamente, não se possibilitar o
conhecimento dos direitos que se podem defender através desses órgãos.
Nesta perspectiva, percebe-se que, nos termos do art. 20º/2 CRP, a garantia do
acesso ao direito envolva o direito à informação e consultas jurídicas e, em
caso de necessidade, ao patrocínio judiciário e que o art. 6º DL 387-B/87, de
29/12, englobe o direito à consulta jurídica e ao patrocínio judiciário num mais
vasto direito à protecção jurídica.
4. Imparcialidade do Tribunal
A administração da justiça não é possível sem um Tribunal independente e
imparcial: a imparcialidade do Tribunal constitui um requisito fundamental do
processo justo. As garantias de imparcialidade do Tribunal podem ser vistas,
quer como garantias do Tribunal perante terceiros, quer como garantias das
partes perante o Tribunal. Naquela primeira perspectiva, as garantias de
imparcialidade costumam classificar-se em materiais e pessoais: as garantias
materiais respeitam à liberdade do Tribunal perante instruções ou quaisquer
intromissões de outro órgão do estado (art. 206º CRP, art. 4º/1 EMJ – Estatuto
dos Magistrados Judiciais, Lei n.º 21/85, de 30/7, alterada pelo DL n.º 342/88,
de 28/9, e pelas Leis n.º 2/90, de 20/1, e 10/94, de 5/5); as garantias pessoais
protegem o juiz em concreto: são elas a irresponsabilidade (art. 5º EMJ) e a
inamovibilidade (art. 6º EMJ).
Na perspectiva das partes, as garantias de imparcialidade referem-se à
independência do juiz e à sua neutralidade perante o objecto em causa.
Constitui ainda uma garantia das partes a chamada independência interna
do juiz. Refere-se esta às influências a que o juiz está sujeito pela sua origem,
educação ou processo de socialização. É este aspecto da independência
interna que justifica a proibição da prática de actividade político-partidárias de
carácter público e de ocupação de cargos políticos pelos magistrados judiciais
em exercício de funções (art. 11º EMJ), bem como a proibição do desempenho
pelos mesmos de qualquer outra função pública ou privada, salvo as funções
docentes ou de investigação jurídica, desde que não remuneradas (art. 218º/3
CRP, art. 13º EMJ).
6. Garantia do contraditório
O direito do contraditório – que é, em si mesmo, uma decorrência do
princípio da igualdade das partes estabelecido no art. 3º-A – possui um
conteúdo multifacetado: ele atribui à parte não só o direito ao conhecimento de
que contra ele foi proposta uma acção ou requerida uma providência e,
portanto, um direito à audição antes de ser tomada qualquer decisão, mas
também um direito a conhecer todas as condutas assumidas pela contraparte e
a tomar posição sobre elas, ou seja um direito de resposta.
a) Direito à audição prévia:
O direito à audição prévia encontra-se consagrado no art. 3º/1 (o Tribunal
não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a
resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente
chamada para deduzir oposição) CPC in fine, embora possa sofrer as
excepções genericamente previstas no art. 3º/2 (só nos casos excepcionais
previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem
que esta seja previamente ouvida) CPC: assim, num procedimento cautelar
comum, o Tribunal só ouvirá o requerido se a audiência não puser em risco
sério o fim ou a eficácia da providência (art. 385º/1 CPC); a restituição
provisória da posse e o arresto são decretados sem a audiência da parte
requerida (arts. 394º e 408º/1 CPC). É ainda o direito à audição prévia que
justifica todos os cuidados de que há que revestir a citação do réu e a
tipificação dos casos em que se considera que ela falta (art. 195º CPC) ou é
nula (art. 198º/1 CPC) e que está subjacente à possibilidade de interposição do
recurso extraordinário de revisão contra uma sentença proferida num processo
em que tenha faltado a citação ou esta seja nula (art. 771º-f CPC) e de
oposição e anulação da execução com base nos mesmos vícios (arts. 813º-d e
921º CPC).
b) Direito de resposta:
O contraditório não pode ser exercido e o direito de resposta não pode ser
efectivado se a parte não tiver conhecimento da conduta processual da
contraparte. Quanto a este aspecto, vale a regra de que cumpre à secretaria
notificar oficiosamente as partes quando, por virtude de disposição legal, elas
possam responder a requerimentos, oferecer provas ou, de um modo geral,
exercer algum direito processual que não dependa de prazo a fixar pelo juiz,
nem de prévia citação (art. 229º/2 CPC). Concretizações desta regra constam
dos arts. 146º/5, 174º/1, 234º/1, 542º e 670º/1 CPC.
O direito de resposta consiste na faculdade, concedida a qualquer das
partes, de responder a um acto processual (articulado, requerimento, alegação
ou acto probatório) da contraparte. Este direito tem expressão legal, por
exemplo, no princípio da audiência contraditória das provas constante do art.
517º CPC.
O art. 3º/3 1ª parte CPC, impõe ao juiz, de modo programático, o dever de
observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do
contraditório. Significativa é também, quanto a este aspecto, a supressão dos
processos sumários e sumaríssimos como processos cominatórios plenos
(arts. 784º e 794º/1 CPC): neste caso, não é o contraditório que se garante,
mas as consequências do seu exercício que se atenuam.
A violação do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades
processuais constante do art. 201º/1 (fora dos casos previstos nos artigos
anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de
um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade
quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no
exame ou na decisão da causa) CPC: dada a importância do contraditório, é
indiscutível que a sua inobservância pelo Tribunal é susceptível de influir no
exame ou decisão da causa. Uma concretização desta regra encontra-se no
art. 277º/3 (são nulos os actos praticados no processo posteriormente à data
em que ocorreu o falecimento ou extinção que, nos termos do n.º 1, devia
determinar a suspensão da instância, em relação aos quais fosse admissível o
exercício do contraditório pela parte que faleceu ou se extinguiu) CPC.
8. Publicidade do processo
O Processo Civil é – diz enfaticamente o art. 167º/1 CPC – público. A
publicidade do processo tornou-se possível com a introdução da oralidade e
contínua a possuir a justificação tradicional: ela é um meio para combater o
arbítrio e assegurar a verdade e a justiça das decisões judiciais. A essa
publicidade estão subjacentes os princípios fundamentais do Estado de direito,
nomeadamente a possibilidade de um controlo popular dos órgãos que – como
sucede com os Tribunais – exercem poderes de soberania (art. 110º/1 CRP). É
nesta perspectiva que se deve entender a garantia da publicidade das
audiências dos Tribunais, que se encontra consagrada no art. 206º CRP e no
art. 656º/1 CPC, bem como a garantia do acesso aos autos por todos os
interessados estabelecida no art. 167º/2 CPC.
A publicidade das audiências dos Tribunais constitui uma importante
garantia numa dupla dimensão: em relação às partes, ela assegura a
possibilidade de um controlo popular sobre as decisões que as afectam
directamente; relativamente à opinião pública, essa publicidade permite
combater a desconfiança na administração da justiça.
A publicidade das audiências é, no entanto, excluída quando circunstâncias
ponderosas o aconselham. Esses motivos encontram-se constitucionalmente
tipificados (art. 206º CRP) e são repetidos no respectivo preceito da lei
ordinária (art. 656º/1 CPC): são eles a salvaguarda da dignidade das pessoas e
da moral pública e a garantia do normal funcionamento da audiência (art. 9º lei
3/99).
A publicidade do processo implica o direito, reconhecido a qualquer pessoa
capaz de exercer o mandato judicial ou a quem nisso revele um interesse
atendível, de exame e consulta dos autos na secretaria do Tribunal e de
obtenção de cópias ou certidões de quaisquer peças nele incorporadas pelas
partes (art. 167º/2 CPC). Este acesso aos autos é, porém, limitado nos casos
em que a divulgação do seu conteúdo possa causar dano à dignidade das
pessoas, à intimidade da vida privada ou familiar ou à moral pública ou pôr em
causa a eficácia da decisão a proferir (art. 168º/1 CPC).
9. Direito à prova
A prova é a actividade destinada à formação da convicção do Tribunal
sobre a realidade dos factos controvertidos (art. 341º CC), isto é, dos factos
que constituem a chamada base instrutória (art. 508º-A/1-e, 508º-B/2, e 511º/1
CPC). Essa actividade incumbe à parte onerada (art. 342º CC), que não
obstará uma decisão favorável se não satisfazer esse ónus (art. 516º; art. 346º
CC).
Para cumprir o ónus da prova, a parte tem de utilizar um dos meios de
prova legal ou contratualmente admitidos ou não excluídos por convenção das
partes (art. 345º CC). Dada a importância do cumprimento do ónus para a
contraparte e para terceiros, costuma falar-se de um direito à prova. Este
direito é habitualmente deduzido, para a generalidade dos processos
jurisdicionais, do disposto no art. 6º/3-d Convenção Europeia dos Direitos do
Homem, que garante ao acusado o direito de interrogar ou fazer interrogar as
testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das
testemunhas de defesa nas mesmas condições daquelas.
O direito à prova contém limites impostos pela protecção de direitos de
terceiros: aquele direito cede perante direitos de terceiros que mereçam do
ordenamento jurídico uma tutela mais forte. Em geral, os limites do direito à
prova consubstanciam-se nas chamadas provas proibidas, que podem ser
tanto provas que são materialmente lícitas mas processualmente proibidas,
como provas que são materialmente e processualmente proibidas.
Algumas provas são materialmente lícitas, mas, apesar disso, não são
processualmente admissíveis. Estas provas podem conduzir a uma proibição
de produção ou de valoração. Noutros casos, a prova pode ser produzida num
processo, mas não pode ser valorada numa outra acção.
Outras provas são materialmente proibidas e, portanto, ilícitas. São
exemplo de provas ilícitas todas aquelas que são obtidas através dos métodos
previstos no art. 32º/8 CRP ou no art. 519º/3 CPC.
As provas ilícitas são, em regra, insusceptíveis de ser valoradas pelo
Tribunal, isto é, não podem servir de fundamento a qualquer decisão judicial.
Mas, quanto ao real âmbito destas provas insusceptíveis de valoração, parece
haver que distinguir entre aqueles meios de prova cuja produção é, ela própria,
um acto ilícito (é o caso das provas previstas no art. 32º/8 CRP e no art. 519º/3
CPC) e aquelas provas cuja produção não representa, em si mesma, qualquer
ilicitude.
14. Função
As facilidades de deslocação de pessoas, bens e capitais potenciam o
surgimento de litígios que apresentam, através quer das partes interessadas,
quer do seu próprio objecto, conexões com várias ordens jurídicas. Quando
emerge um desses litígios plurilocalizados, coloca-se o problema de determinar
qual o Tribunal que, no âmbito das várias ordens jurídicas envolvidas, tem
competência para o dirimir. Esta selecção incumbe às regras sobre a
competência internacional directa, às quais cabe determinar, em cada uma das
jurisdições com as quais o litígio tem contacto, se os Tribunais de alguma delas
são competentes para resolver o conflito. Essas regras são, por isso,
verdadeiras normas de conflitos, semelhantes na função que desempenham às
regras próprias do Direito Internacional Privado.
As regras relativas à competência internacional utilizam certos elementos
de conexão para determinar a jurisdição nacional competente. Esses
elementos podem ser, por exemplo, o domicílio de uma das partes, o lugar de
cumprimento da obrigação ou o da ocorrência do facto ilícito. Coloca-se então
o problema de saber como se procede à qualificação desses elementos de
conexão, sendo duas as orientações possíveis: de acordo com uma delas,
esses elementos são qualificados pela lex cause, ou seja, por uma lei que é
determinada pelas normas de conflitos de foro.
As regras sobre competência internacional não são, consideradas em si
mesmas, normas de competência, porque não se destinam a aferir qual o
Tribunal concretamente para apreciar o litígio, mas apenas a definir a jurisdição
na qual se determinará, então com o recurso a verdadeiras regras de
competência, qual o Tribunal competente para essa apreciação. Dada esta
função, as normas de competência internacional podem ser designadas por
normas de recepção, pois que visam somente facultar o julgamento de um
certo litígio plurilocalizado pelos Tribunais de uma jurisdição nacional. É esta a
estrutura da generalidade dos critérios que constam do art. 65º/1 CPC, e de
muitas das regras contidas nos arts. 2º a 24º Convenção de Bruxelas e da
Convenção de Lugano.
15. Limites
Para orientar a escolha da jurisdição competente para resolver o conflito
plurilocalizado não existem na comunidade internacional regras fixas e, menos
ainda, uniformes. Apenas se pode esperar que, cada Estado actue de tal forma
que os critérios definidores da sua competência internacional possam valer
simultaneamente como princípios de uma legislação universal. Quer isto dizer
que cada Estado pode determinar quais os elementos de conexão que
considera relevantes para abrir a sua jurisdição ao julgamento de litígios
plurilocalizados. Esses elementos podem ser escolhidos pela lei do Estado,
mas também é frequente que se reconheça relevância à vontade das partes
nesta matéria: é esse o caso da competência internacional convencional (art.
99; art. 17º Convenção de Bruxelas e da Convenção de Lugano).
MODALIDADES DE INCOMPETÊNCIA
MODALIDADES DE INCOMPETÊNCIA
24. Enunciado
A incompetência é a insusceptibilidade de um Tribunal apreciar
determinada causa que decorre da circunstância de os critérios determinativos
da competência não lhe concederem a medida de jurisdição suficiente para
essa apreciação. Infere-se da lei a existência de três tipos de incompetência
jurisdicional: a incompetência absoluta, a incompetência relativa e a preterição
de Tribunal Arbitral.
25. Incompetência absoluta
Segundo o disposto no art. 101º (A infracção das regras de competência
em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência
internacional, salvo quando haja mera violação dum pacto privativo de
jurisdição, determina a incompetência absoluta do tribunal) CPC, a
incompetência absoluta provém da infracção das regras da competência
internacional legal (arts. 65º e 65º-A CPC) e da competência interna material
(arts. 66º, 67º CPC; art. 46º LOTJ – Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais) e
hierárquica (arts. 70º, 71º, 72º CPC). A incompetência absoluta referida no art.
101º CPC, é, naturalmente, apenas aquela que se verifica no âmbito do
processo civil.
A incompetência internacional resulta da impossibilidade de incluir a
relação jurídica plurilocalizada na previsão de uma das normas de recepção do
art. 65º. A incompetência hierárquica verifica-se se a acção é instaurada num
Tribunal de 1ª instância quando o devia ter sido na Relação ou no Supremo, ou
vice-versa. Finalmente, a incompetência material decorre da propositura no
Tribunal comum de uma acção da competência dos Tribunais especiais ou da
instauração de uma acção num Tribunal de competência especializada
incompetente.
A incompetência absoluta resultante da infracção da competência material
decorrente da circunstância de a acção ter sido instaurada num Tribunal judicial
quando o deveria ter sido perante um outro Tribunal judicial até ao despacho
saneador ou, se este não tiver lugar, até ao início da audiência final (art. 102º/2
CPC).
A incompetência material que resulta do facto de a acção ter sido proposta
num Tribunal judicial quando o deveria ser num Tribunal não judicial pode ser
arguida pelas partes e conhecida oficiosamente pelo Tribunal até ao trânsito
em julgado da decisão de mérito (art. 102º/1 CPC).
Se houver despacho de citação (art. 234º/4 CPC), a incompetência
absoluta deve ser conhecida oficiosamente no despacho limiar (arts. 105º/1,
234º-A/1 CPC). O conhecimento oficioso da incompetência absoluta é
realizado, em regra, no despacho saneador (arts. 510º/1-a, 494º-a CPC).
O conhecimento da incompetência absoluta no momento do despacho de
citação determina o indeferimento limiar da petição inicial (arts. 105º/1, 234º-
A/1 CPC); se for apreciada em momento posterior, essa incompetência conduz
à absolvição do réu da instância (arts. 105º/1, 288º/1-a, 494º-a, 493º/2 CPC).
MODALIDADES DE INCOMPETÊNCIA
MODALIDADES DE INCOMPETÊNCIA
24. Enunciado
A incompetência é a insusceptibilidade de um Tribunal apreciar
determinada causa que decorre da circunstância de os critérios determinativos
da competência não lhe concederem a medida de jurisdição suficiente para
essa apreciação. Infere-se da lei a existência de três tipos de incompetência
jurisdicional: a incompetência absoluta, a incompetência relativa e a preterição
de Tribunal Arbitral.
25. Incompetência absoluta
Segundo o disposto no art. 101º (A infracção das regras de competência
em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência
internacional, salvo quando haja mera violação dum pacto privativo de
jurisdição, determina a incompetência absoluta do tribunal) CPC, a
incompetência absoluta provém da infracção das regras da competência
internacional legal (arts. 65º e 65º-A CPC) e da competência interna material
(arts. 66º, 67º CPC; art. 46º LOTJ – Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais) e
hierárquica (arts. 70º, 71º, 72º CPC). A incompetência absoluta referida no art.
101º CPC, é, naturalmente, apenas aquela que se verifica no âmbito do
processo civil.
A incompetência internacional resulta da impossibilidade de incluir a
relação jurídica plurilocalizada na previsão de uma das normas de recepção do
art. 65º. A incompetência hierárquica verifica-se se a acção é instaurada num
Tribunal de 1ª instância quando o devia ter sido na Relação ou no Supremo, ou
vice-versa. Finalmente, a incompetência material decorre da propositura no
Tribunal comum de uma acção da competência dos Tribunais especiais ou da
instauração de uma acção num Tribunal de competência especializada
incompetente.
A incompetência absoluta resultante da infracção da competência material
decorrente da circunstância de a acção ter sido instaurada num Tribunal judicial
quando o deveria ter sido perante um outro Tribunal judicial até ao despacho
saneador ou, se este não tiver lugar, até ao início da audiência final (art. 102º/2
CPC).
A incompetência material que resulta do facto de a acção ter sido proposta
num Tribunal judicial quando o deveria ser num Tribunal não judicial pode ser
arguida pelas partes e conhecida oficiosamente pelo Tribunal até ao trânsito
em julgado da decisão de mérito (art. 102º/1 CPC).
Se houver despacho de citação (art. 234º/4 CPC), a incompetência
absoluta deve ser conhecida oficiosamente no despacho limiar (arts. 105º/1,
234º-A/1 CPC). O conhecimento oficioso da incompetência absoluta é
realizado, em regra, no despacho saneador (arts. 510º/1-a, 494º-a CPC).
O conhecimento da incompetência absoluta no momento do despacho de
citação determina o indeferimento limiar da petição inicial (arts. 105º/1, 234º-
A/1 CPC); se for apreciada em momento posterior, essa incompetência conduz
à absolvição do réu da instância (arts. 105º/1, 288º/1-a, 494º-a, 493º/2 CPC).
MODALIDADES DE INCOMPETÊNCIA
MODALIDADES DE INCOMPETÊNCIA
24. Enunciado
A incompetência é a insusceptibilidade de um Tribunal apreciar
determinada causa que decorre da circunstância de os critérios determinativos
da competência não lhe concederem a medida de jurisdição suficiente para
essa apreciação. Infere-se da lei a existência de três tipos de incompetência
jurisdicional: a incompetência absoluta, a incompetência relativa e a preterição
de Tribunal Arbitral.
25. Incompetência absoluta
Segundo o disposto no art. 101º (A infracção das regras de competência
em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência
internacional, salvo quando haja mera violação dum pacto privativo de
jurisdição, determina a incompetência absoluta do tribunal) CPC, a
incompetência absoluta provém da infracção das regras da competência
internacional legal (arts. 65º e 65º-A CPC) e da competência interna material
(arts. 66º, 67º CPC; art. 46º LOTJ – Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais) e
hierárquica (arts. 70º, 71º, 72º CPC). A incompetência absoluta referida no art.
101º CPC, é, naturalmente, apenas aquela que se verifica no âmbito do
processo civil.
A incompetência internacional resulta da impossibilidade de incluir a
relação jurídica plurilocalizada na previsão de uma das normas de recepção do
art. 65º. A incompetência hierárquica verifica-se se a acção é instaurada num
Tribunal de 1ª instância quando o devia ter sido na Relação ou no Supremo, ou
vice-versa. Finalmente, a incompetência material decorre da propositura no
Tribunal comum de uma acção da competência dos Tribunais especiais ou da
instauração de uma acção num Tribunal de competência especializada
incompetente.
A incompetência absoluta resultante da infracção da competência material
decorrente da circunstância de a acção ter sido instaurada num Tribunal judicial
quando o deveria ter sido perante um outro Tribunal judicial até ao despacho
saneador ou, se este não tiver lugar, até ao início da audiência final (art. 102º/2
CPC).
A incompetência material que resulta do facto de a acção ter sido proposta
num Tribunal judicial quando o deveria ser num Tribunal não judicial pode ser
arguida pelas partes e conhecida oficiosamente pelo Tribunal até ao trânsito
em julgado da decisão de mérito (art. 102º/1 CPC).
Se houver despacho de citação (art. 234º/4 CPC), a incompetência
absoluta deve ser conhecida oficiosamente no despacho limiar (arts. 105º/1,
234º-A/1 CPC). O conhecimento oficioso da incompetência absoluta é
realizado, em regra, no despacho saneador (arts. 510º/1-a, 494º-a CPC).
O conhecimento da incompetência absoluta no momento do despacho de
citação determina o indeferimento limiar da petição inicial (arts. 105º/1, 234º-
A/1 CPC); se for apreciada em momento posterior, essa incompetência conduz
à absolvição do réu da instância (arts. 105º/1, 288º/1-a, 494º-a, 493º/2 CPC).
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
CAPACIDADE JUDICIÁRIA
REPRESENTAÇÃO JUDICIÁRIA
INCAPACIDADE JUDICIÁRIA E VÍCIOS DA REPRESENTAÇÃO
JUDICIÁRIA
LITISCONSÓRCIO INICIAL: MODALIDADES
LITISCONSÓRCIO INICIAL: CONSEQUÊNCIAS
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
28. Noção
A personalidade judiciária é a susceptibilidade de ser parte processual (art.
5º/1 CPC). Só pode ser parte processual quem tiver personalidade jurídica.
31. Noção
A capacidade judiciária é a susceptibilidade de a parte estar pessoal e
livremente em juízo ou de se fazer representar por representante voluntário
(art. 9º/1 – a capacidade judiciária consiste na susceptibilidade de estar, por si,
em juízo – CPC). Assim, não possuem capacidade judiciária quer os que
podem intervir pessoal mas não livremente (os inabilitados), quer os que não
podem actuar nem pessoal, nem livremente (os menores e os inabilitados).
32. Aferição
A capacidade judiciária é aferida pela capacidade de exercício para a
produção dos efeitos decorrentes da acção pendente (art. 9º/2 – a capacidade
judiciária tem por base e por medida a capacidade do exercício de direitos –
CPC). O que revela para essa aferição é a capacidade de exercício quanto a
esses efeitos e não quanto à prática do acto que constitui ou integra o objecto
do processo.
Exceptuam-se do âmbito da incapacidade judiciária os actos que o incapaz
pode excepcionalmente praticar pessoal e livremente (art. 10º/1 in fine – os
incapazes só podem estar em juízo por intermédio dos seus representantes, ou
autorizados pelo seu curador, excepto quanto aos actos que possam exercer
pessoal e livremente – CPC).
A capacidade judiciária dos estrangeiros e apátridas (que depende, da sua
capacidade de exercício, art. 9º/2 CPC) determina-se pela sua lei pessoal (art.
25º CC). Essa lei é a da sua nacionalidade (art. 31º/1 CC) ou, no caso dos
apátridas, a do lugar onde tiverem a residência habitual ou, na hipótese da sua
menoridade ou interdição, a do domicílio legal (art. 32º/1 CC).
35. Noção
A representação judiciária é a representação de entes que estão
submetidos a uma representação orgânica ou que podem ser representados
pelo Ministério Público.
36. Regime
a) Estado:
O Estado é representado pelo Ministério Público, sem prejuízo dos casos
em que seja permitida a representação por mandatário judicial próprio (art.
20º/1 CPC) ou em que as entidades autónomas possam constituir advogado
que intervenha no processo conjuntamente com o Ministério Público (art. 20º/2
CPC). Segundo o disposto no art. 4º/1 LOMP, o Ministério Público é
representado no Supremo Tribunal de Justiça pelo Procurador-geral da
República, nas Relações por Procuradores-Gerais-Adjuntos e nos Tribunais de
1ª instância por Procuradores da República e Delegados do Procurador da
República.
b) Pessoas colectivas e sociedades:
Sobre a representação das pessoas colectivas e das sociedades, há que
distinguir entre as acções dessas entidades com terceiros e as causas entre
elas e o seu representante. Nas acções com terceiros, as pessoas colectivas e
as sociedades são representadas por quem a lei, os estatutos ou o pacto social
designarem (art. 21º/1 CPC). As sociedades em nome colectivo e as
sociedades por quotas são representadas pelos gerentes, as sociedades
anónimas pelo conselho de administração e as sociedades em comandita pelos
sócios comanditados gerentes.
Nas acções entre pessoa colectiva ou a sociedade e o seu representante,
aquelas entidades são representadas por um curador ad litem (art. 21º/2 CPC).
Este regime justifica-se pela impossibilidade de o representante assumir, nesse
caso, as suas funções de representação.
c) Incapazes e ausentes:
Os incapazes e ausentes são representados pelo Ministério Público em
todas as acções que se mostrem necessárias à tutela dos seus direitos e
interesses (art. 17º/1 CPC; art. 5º/1-c LOMP). A representação pelo Ministério
Público cessa se for constituído mandatário judicial do incapaz ou ausente ou
se, tendo o respectivo representante legal deduzido oposição a essa
representação, o juiz, ponderado interesse do representado, a considerar
procedente (art. 17º/2 CPC; art. 5º/3 LOMP).
d) Incertos:
Quando a acção seja proposta contra incertos, por o autor não ter a
possibilidade de identificar os interessados directos em contradizer, eles são
representados pelo Ministério Público (art. 16º/1 CPC; art. 5º/1-c LOMP),
excepto se este representar o autor, caso em que é nomeado um defensor
oficioso para servir como agente especial do Ministério Público naquela
representação (art. 16º/2 CPC). Esta representação cessa quando os citados
como incertos se apresentam para intervir como réus e a sua legitimidade se
encontrar reconhecida (art. 16º/3 CPC).
e) Pessoas judiciárias:
As pessoas judiciárias – isto é, as entidades que só possuem
personalidade judiciária – são representadas da seguinte forma:
- A herança jacente, por um curador (art. 22º CPC; art. 2048º/1 CC);
- As associações sem personalidade judiciária, pelo órgão da
administração (art. 22º CPC; art. 195º/1 CC);
- As comissões especiais pelos administradores (art. 22º CPC; art. 996º/1
CC);
- As sociedades comerciais não registadas, pelas pessoas a que as
cláusulas do contrato atribuam a representação (art. 22º CPC);
- O condomínio, pelo administrador (art. 22º CPC; art. 1437º/2 CC);
- As sucursais ou equivalentes, pelos directores, gerentes ou
administradores (art. 22 CPC).
INCAPACIDADE JUDICIÁRIA E VÍCIOS DA REPRESENTAÇÃO JUDICIÁRIA
42. Classificações
O litisconsórcio é susceptível de várias classificações: pode-se classificá-lo
quanto à origem, ao reflexo na acção e ao conteúdo da decisão, ou seja, pode-
se atender, nessa classificação, ao momento da propositura da acção, às
consequências da sua verificação na acção, ao momento do proferimento da
decisão e ainda à posição dos litisconsortes. Dado que se referem a realidades
distintas, essas classificações podem classificar-se entre si.
a) Origem do litisconsórcio:
Quanto à sua origem, o litisconsórcio pode ser: voluntário, todos os
interessados podem demandar ou ser demandados, mas não se verifica
qualquer ilegitimidade se não estiverem todos presentes em juízo ou;
necessário, todos os interessados devem demandar ou ser demandados,
originando a falta de qualquer deles uma situação de ilegitimidade. Assim,
enquanto o litisconsórcio voluntário decorre exclusivamente da vontade dos
interessados, o litisconsórcio necessário é imposto ao autor ou autores da
acção.
b) Reflexo na acção:
Atendendo aos reflexos na acção, o litisconsórcio pode ser: simples, é
aquele em que a pluralidade de partes não implica um aumento do número de
oposições entre as partes; ou recíproco, é aquele em que a pluralidade de
partes determina um aumento do número de oposições entre elas.
c) Conteúdo da decisão:
Atendendo ao conteúdo da decisão, o litisconsórcio pode ser: unitário, é
aquele em que a decisão tem de ser uniforme para todos os litisconsortes; ou
simples, pelo contrário, a decisão pode ser distinta para cada um dos
litisconsortes.
d) Posição das partes:
Atendendo à posição das partes, o litisconsórcio pode ser: conjunto,
verifica-se quando todos os litisconsortes activos formulam conjuntamente o
pedido contra o demandado ou quando o autor formula o pedido conjuntamente
contra todos os litisconsortes demandados; ou subsidiário, pressupõe que o
objecto da causa só é apreciado em relação a um litisconsorte activo ou
passivo se um outro autor ou réu não for considerado titular, activo ou passivo,
desse mesmo objecto.
43. Litisconsórcio voluntário
Sempre que existe uma pluralidade de interessados, activos ou passivos,
opera, quanto à constituição do litisconsórcio, uma regra de coincidência, pois
que a acção pode ser proposta por todos esses titulares ou contra eles (art.
27º/1, 1ª parte CPC). O litisconsórcio voluntário verifica-se por iniciativa da
parte ou partes em causa: são os vários interessados que decidem instaurar a
acção conjuntamente, é o autor da acção que resolve propor a acção contra
vários réus e é esse autor ou o réu que opta por promover a intervenção de
outras partes durante a pendência da acção.
Apesar de o litisconsórcio voluntário se encontrar na disponibilidade das
partes, que o podem constituir ou não, isso não significa que a sua constituição
seja irrelevante, isto é, que a parte que o pode conformar possa conseguir os
mesmos benefícios e vantagens com ou sem a sua conformação.
a) Litisconsórcio comum:
A parte que o conforma pretende apenas integrar determinados sujeitos no
âmbito subjectivo do caso julgado, numa situação em que, sem a sua
participação na acção, eles não ficariam abrangidos por ele.
b) Litisconsórcio conveniente:
A parte que o constitui visa alcançar uma vantagem que não poderia obter
sem essa pluralidade de partes, activas ou passivas. Quer dizer: a constituição
do litisconsórcio é uma condição indispensável para alcançar um certo
resultado ou efeito.
São vários os motivos que podem determinar o litisconsórcio conveniente.
Este litisconsórcio verifica-se em relação a obrigações conjuntas, pois que, sem
a participação de todos os credores ou devedores, a acção só pode ser
procedente na quota-parte respeitante ao sujeito presente em juízo (art. 27º/1,
2ª parte CPC).
51. Pressupostos
A necessidade da composição provisória decorre do prejuízo que a demora
na decisão da causa e na composição definitiva provocaria na parte cuja
situação jurídica merece ser acautelada ou tutelada. A finalidade específica das
providências cautelares é, por isso, a de evitar a lesão grave e dificilmente
reparável (art. 381º/1 CPC) proveniente da demora na tutela da situação
jurídica, isto é, obviar ao chamado periculum in mora. Esse dano é aquele que
seria provocado quer por uma lesão iminente quer pela continuação de uma
lesão em curso, ou seja, de uma lesão não totalmente consumada.
Se faltar o periculum in mora, ou seja, se o requerente da providência não
se encontrar, pelo menos, na iminência de sofrer qualquer lesão ou dano, falta
a necessidade da composição provisória e a providência não pode ser
decretada. Quer dizer: esse periculum é um elemento constitutivo da
providência requerida, pelo que a sua inexistência obsta ao decretamento
daquela.
Nas providências cautelares existem apenas a prova sumária do direito
ameaçado, ou seja, a demonstração da probabilidade séria da existência do
direito alegado (arts. 403º/2, 407º/1 e 423º/ CPC), bem como do receio da
lesão (arts. 381º/1, 384º/1, 387º/1, 406º/1, 407º/1, 421º/1 e 423º/1 CPC). As
providências só requerem, quanto ao grau de prova, uma mera justificação,
embora a repartição do ónus da prova entre o requerido e o requerente
observe as regras gerais (art. 342º/1/2 CC).
Assim, para o decretamento da providência cautelar exige-se apenas a
prova de que a situação jurídica alegada é provável ou verosímil, pelo que é
suficiente a aparência desse direito, ou seja, basta um fumus boni iuris.
O fumus boni iuris decorre da suficiência da mera justificação, mas não tem
qualquer tradução numa discricionaridade do Tribunal quanto aos fundamentos
da providência; se isso não suceder, o Tribunal não a pode decretar, ainda que
isso se pudesse justificar por outros factores.
As providências cautelares exigem todos os pressupostos processuais
gerais. Especificamente quanto ao interesse processual, importa referir que ele
falta sempre que o requerente possa atingir a garantia do direito, a regulação
provisória ou a antecipação da tutela através de um meio mais adequado que o
procedimento cautelar, ou seja, quando, em função das circunstâncias, aquele
procedimento não for meio mais célere e económico para obter a tutela dos
interesses do requerente.
52. Providências especificadas
A regulamentação legal das providências cautelares assenta na seguinte
dicotomia: a lei define várias providências nominadas e admite, sempre que
nenhuma delas seja aplicável, uma providência comum de âmbito residual (art.
381º/3 CPC). As providências nominadas são a restituição provisória da posse
(arts. 393º a 395º CPC), a suspensão de deliberações sociais (arts. 396º a 398º
CPC), os alimentos provisórios (arts. 399º a 402º CPC), o arbitramento de
reparação provisória (arts. 403º a 405º CPC), o arresto (arts. 406º a 411º CPC),
o embargo de obra nova (arts. 412º a 420º CPC) e o arrolamento (arts. 421º a
427º CPC).
No grupo das providências nominadas, algumas visam garantir a realização
de um direito, outras destinam-se a regular provisoriamente uma situação e
outras ainda procuram antecipar a tutela jurisdicional que se pretende obter
através da acção principal.
a) Providências de garantia
· Arresto
O arresto e o arrolamento são providências cautelares cuja finalidade
específica é garantir a realização de uma pretensão e assegurar a sua
execução. O arresto pode ser requerido pelo credor que demonstre a
probabilidade da existência do seu crédito e tenha justo receio de perda da sua
garantia patrimonial (arts. 406º/1 CPC; 601º e 619º/1 CC). O arresto consiste
na apreensão judicial de bens do devedor (arts. 406º/2 CPC; 619º/1 CC) ou de
bens transmitidos pelo devedor a um terceiro (arts. 407º/2 CPC; 619º/2 CC)
· Arrolamento
Enquanto o arresto visa assegurar a garantia patrimonial do credor, o
arrolamento destina-se a evitar o extravio ou a dissipação de bens, móveis ou
imóveis, ou de documentos (art. 421º/1 CPC), que, para esse efeito, são
descritos, avaliados e depositados (art. 424º/1 CPC). Essa providência visa a
conservação de bens ou documentos determinados (art. 422º/1 CPC), sendo
por isso que os credores só a podem requerer quando haja necessidade de
proceder à arrecadação de herança ou dos próprios bens (arts. 422º/2 e 427º/2
CPC; 90º e 2048º/2 CC).
b) Providências de regulação
· Restituição provisória da posse
O possuidor que for esbulhado com violência, isto é, que for violentamente
privado do exercício, da retenção ou da fruição do objecto possuído, tem o
direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, desde que alegue e prove
os factos que constituem posse, o esbulho e a violência (arts. 393º CPC; 1279º
CC). A reconstituição provisória da posse é justificada não só pela violência ou
ameaças contra as pessoas, mas também por aquela que é dirigida contra
coisas, como muros e vedações.
· Embargo de obra nova
O embargo de obra nova pode ser judicial ou extrajudicial. O embargo
judicial pode ser requerido por quem se sentir ofendido no seu direito de
propriedade (ou de compropriedade), num outro direito real ou pessoal de gozo
ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço que lhe cause
ou ameace causar prejuízo (art. 412º/1 CPC).
· Suspensão de deliberações sociais
Se alguma associação ou sociedade tomar, em assembleia-geral,
deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode
requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja
suspensa, desde que, além de provar a sua qualidade de sócio, mostre que
essa execução pode causar dano apreciável (art. 396º/1 CPC).
O dano causado deve ser apreciável, mas não tem de ser irreparável ou de
difícil reparação. Assim, por não poder causar qualquer dano considerável, não
pode ser requerida a suspensão da deliberação respeitante ao recebimento de
dividendos.
c) Providências de antecipação
· Alimentos provisórios
A providência de alimentos provisórios pode ser requerida como
dependência da acção em que, principal ou acessoriamente, seja pedida uma
prestação de alimentos (arts. 399º/1 CPC; 2007º/1 CC). Essa causa pode ser,
por exemplo, uma acção de reconhecimento da maternidade ou paternidade
(arts. 1821º, 1873º e 1884º/1 CC). Os alimentos provisórios são fixados numa
quantia mensal (art. 399º/1 CPC), tomando em consideração o que for
estritamente necessário para o sustento, a habitação e o vestuário do
requerente e ainda para as despesas da acção, se o autor não puder beneficiar
de apoio judiciário (art. 399º/2 CPC).
· Arbitramento de reparação
Como dependência da acção de indemnização fundada em morte ou lesão
corporal, pode o lesado, bem como aqueles que lhe podiam exigir alimentos ou
aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação
natural, requerer o arbitramento de uma quantia certa, sob a forma de renda
mensal, como reparação provisória do dano (art. 403º/1 CPC). O mesmo pode
ser requerido nos casos em que a pretensão indemnizatória se funda em dano
susceptível de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado
(art. 403º/4 CPC).
A providência requerida é decretada se se verificar uma situação de
necessidade em consequência das lesões sofridas e se estiver indiciada a
existência da obrigação de indemnizar a cargo do requerido (art. 403º/2 CPC).
O montante da reparação provisória é fixado equitativamente e é subtraído ao
quantitativo indemnizatório que vier a ser apurado na acção principal (art.
403º/3 CPC).
54. Características
a) Dependência
As providências cautelares têm por função obter uma composição
provisória. Essas providências são decretadas em processos especiais
próprios (os procedimentos cautelares, arts. 381º a 427º CPC) e, porque visam
compor provisoriamente a situação das partes, são dependência de uma acção
cujo objecto é a própria situação acautelada ou tutelada (arts. 383º/1, 399º/1,
403º/1 e 421º/2 CPC). Essa acção pode ser declarativa ou executiva (art.
383º/1 in fine CPC), embora, nesta última, não sejam frequentes as hipóteses
em que está assegurado o interesse processual no decretamento da
providência. A acção principal pode decorrer perante um Tribunal estadual ou
Arbitral.
Dada esse dependência, as providências caducam se a acção principal vier
a ser julgada improcedente (art. 389º/1-c CPC) ou se o réu for nela absolvido
da instância e o autor não propuser, dentro do prazo legal, uma nova acção
(art. 389º/1-d; sobre esse prazo art. 289º/2 CPC). Se a acção principal for
julgada procedente, verifica-se, em regra a substituição da composição
provisória pela definitiva resultante dessa decisão.
As providências cautelares podem ser requeridas antes da propositura da
acção principal ou durante a pendência desta última (art. 383º/1, 2ª parte CPC),
mas nunca após o trânsito em julgado da decisão dessa acção. Como
dependência da mesma causa não pode ser requerida mais do que uma
providência relativa ao mesmo objecto, ainda que uma delas seja julgada
injustificada ou tenha caducado (art. 381º/4 CPC).
As providências cautelares podem ser solicitadas mesmo quando não
esteja pendente nenhuma acção (art. 383º/1, 2ª parte CPC). Isso possibilita a
situação em que a providência é requerida, mas a acção principal nunca chega
a ser proposta pelo requerente.
b) Celeridade
As providências cautelares são apreciadas e decretadas nos
procedimentos cautelares. Dada a celeridade indispensável a essas
providências, estes procedimentos revestem sempre carácter urgente e os
respectivos actos precedem qualquer outro serviço judicial não urgente (art.
382º/1 CPC); como consequência desta urgência, os prazos processuais neles
previstos não se suspendem sequer durante as férias judiciais (art. 144º/1
CPC).
c) Modificação
O Tribunal não está adstrito à providência requerida (art. 392º/3, 1ª parte
CPC), isto é, pode decretar uma providência distinta daquela que foi solicitada
(art. 661º/3 CPC). Esta faculdade concedida ao Tribunal decorre da não
vinculação deste órgão à indagação, interpretação e aplicação das regras de
direito (art. 664º, 1ª parte CPC) e pressupõe, naturalmente, que os factos
alegados pelo requerente possibilitem essa conversão. Desse regime também
decorre que uma idêntica modificação da providência pelo próprio requerente
não é condicionada pelo disposto no art. 273º/1/2 CPC.
d) Cumulação
O requerente pode solicitar o decretamento de várias providências
cautelares num mesmo procedimento cautelar, desde que a tramitação para
cada uma delas não seja absolutamente incompatível e essa cumulação
corresponda a um interesse relevante ou seja indispensável para a justa
composição do litígio (art. 392º/3, 2ª parte CPC). Isso significa que se podem
cumular tanto diferentes providências especificadas, como providências
nominadas e providências comuns.
Podem cumular-se duas ou mais providências cautelares se, na acção de
que são dependentes (art. 383º/1 CPC), for admissível a cumulação dos
respectivos pedidos.
e) Proporcionalidade
A provisoriedade cautelares e a sua finalidade de garantia, de regulação ou
de antecipação justificam que as medidas tomadas ou impostas devam ser as
adequadas às situações que se pretende acautelar ou tutelar. As relações entre
aquelas medidas e estas situações devem orientar-se por uma regra de
proporcionalidade: as medidas provisórias não podem impor ao requerido um
sacrifício desproporcionado relativamente aos interesses que o requerente
deseja acautelar ou tutelar provisoriamente (arts. 387º/2; 397º/2, 408º/2/3 e
419º CPC).
f) Eficácia relativa
Uma das consequências da summaria cognitio e da suficiência da mera
justificação no julgamento da providência é a insusceptibilidade de a decisão
proferida na procedimento cautelar produzir qualquer efeito de caso julgado na
respectiva acção principal: o julgamento da matéria de facto e a decisão final
proferida no procedimento cautelar não têm qualquer influência no julgamento
da acção principal (art. 383º/4 CPC). Como a providência decretada caduca se
a acção vier a ser julgada improcedente por sentença transitada em julgado
(art. 389º/1-c CPC), também isso demonstra que o seu decretamento, não é
vinculativo na acção principal (que, apesar desse decretamento, vem a ser
julgada improcedente).
Pela mesma razão, a desistência da providência e a confissão do pedido
(art. 293º/1 CPC) realizadas no procedimento cautelar não podem condicionar
a apreciação da acção principal.
g) Substituição por caução
As providências cautelares destinam-se a obter uma composição provisória
que tutela ou acautela o interesse na efectividade da tutela jurisdicional. Isso
não impede, contudo, que esse interesse possa ser acautelado de outra forma.
Uma delas consiste na prestação de uma caução pelo requerido em
substituição do decretamento da providência: é o que é admissível nas
providências cautelares não especificadas (art. 387º/3 CPC) e no embargo de
obra nova (art. 419º/1 CPC).
A substituição da providência cautelar pela prestação de caução pelo
requerido pressupõe, no entanto, que através desta se pode obter o mesmo
efeito a que se destina aquela providência. Normalmente, a providência
cautelar pode ser substituída por caução, sempre que ela vise evitar um
prejuízo patrimonial.
h) Garantia e execução
De molde a assegurar a efectividade da providência cautelar decretada, é
admissível a fixação de uma sanção pecuniária compulsória, se a providência
impuser uma prestação de facto infungível e esta não exigir especiais
qualidades científicas ou artísticas do requerido (arts. 384º/2 CPC; 829º-A/1
CC).
55. Caducidade
As providências cautelares fornecem, uma composição provisória, pelo que
elas caducam se a decisão que vier a ser proferida na acção principal não for
compatível com a medida provisória decretada. É o que acontece quando essa
acção for julgada improcedente por uma sentença transitada em julgado (art.
389º/1-c CPC).
A caducidade da providência cautelar decorrente da extinção do direito
acautelado (art. 389º/1-e CPC) é apenas uma das situações possíveis de
inutilidade superveniente dessa providência (art. 287º-e CPC), pelo que essa
inutilidade pode decorrer de outros fundamentos.
Normalmente a caducidade da providência abrange-a na totalidade, mas
também são pensáveis situações de caducidade parcial da providência. Se, por
exemplo, a acção for julgada parcialmente improcedente no despacho
saneador (art. 510º/1-b CPC), a providência decretada só caduca na parte
respectiva (art. 389º/1-c CPC); o mesmo sucede se o direito acautelado se
extinguir apenas em parte (art. 289º/1-e CPC).
A caducidade da providência não opera automaticamente e nem sequer é
de conhecimento oficioso. O levantamento da providência com fundamento na
sua caducidade depende de solicitação do requerido, que é apreciada após a
audição do requerente (art. 389º/4 CPC).
57. Noção
A composição da acção pode ser decisivamente influenciada pela omissão
de um acto processual: trata-se da revelia do réu, que consiste na abstenção
definitiva da contestação.
A contestação – na qual o réu pode impugnar as afirmações do autor ou
deduzir uma excepção (art. 487º/1 CPC) – constitui um ónus da parte, não
existindo, assim, qualquer dever de contestar. Daí decorre que a revelia não
determina a aplicação ao réu de qualquer sanção (pecuniária, nomeadamente),
mas antes certas desvantagens quanto à decisão da acção.
58. Modalidades
a) Revelia absoluta e relativa
A revelia é absoluta quando o réu não pratica qualquer acto na acção
pendente; é relativa se o réu não contesta, mas pratica em juízo qualquer
outro acto processual, designadamente a constituição de mandatário judicial.
b) Revelia operante e inoperante
A revelia – quer a relativa, quer a absoluta – pode ser operante ou
inoperante. É operante quando produz efeitos quanto à composição da acção;
é inoperante quando esses efeitos não se realizam, isto é, quando a falta de
contestação nada implica quanto à decisão da causa (arts. 233º/1; 484º/1;
485º-b, 2ª parte; 233º/6 e 248º; 485º-a; 485º-c CPC; art. 354º-b CC; art. 485º-d
CPC; art. 364º CC). As situações que conduzem à inoperância da revelia são
comuns ao processo ordinário, sumário e sumaríssimo, pois, na falta de uma
regulamentação específica, vale para estes últimos o que se encontra
estipulado para o processo ordinário (arts. 463º/1 e 464º CPC).
59. Efeitos
A revelia operante implica uma importante consequência quanto à decisão
da acção. Essa consequência, que se produz ex lege e não ex voluntate,
consiste no seguinte: a revelia operante implica a confissão dos factos
articulados pelo autor (art. 484º/1 CPC; quanto à aplicação dessa regra ao
processo sumário e sumaríssimo, arts. 463º/1 e 464º CPC).
O efeito cominatório realizado pela revelia não prevalece sobre a matéria
de conhecimento oficioso, nomeadamente as excepções dilatórias de que o
Tribunal deva conhecer ex officio (art. 495º CPC) e que obstem à apreciação
do mérito da causa (art. 288º/3 CPC).
O efeito cominatório da revelia operante também não pode prevalecer
sobre os efeitos ilegais pretendidos pelo autor. Se a confissão ficta ou
presumida que resulta da revelia respeitar a factos impossíveis ou
notoriamente inexistentes ou se o autor tiver formulado um pedido ilegal ou
juridicamente impossível, essa confissão não é admissível (art. 354º-c CC) e o
Tribunal não os deve considerar admitidos por um acordo e deve abster-se de
apreciar esse pedido.
COMPOSIÇÃO PELO TRIBUNAL
61. Modalidades
A principal diferenciação nas decisões judiciais distingue-as em sentenças
e despachos (art. 156º/1 CPC). As sentenças são, em regra, as decisões sobre
o mérito da causa ou sobre um incidente com a estrutura de uma causa (art.
156º/2 CPC), mas também podem conhecer de aspectos processuais (art.
660º/1 CPC); das sentenças que conhecem do mérito da causa pode interpor-
se recurso de apelação (art. 691º/1 CPC). Os despachos são, em princípio,
decisões sobre aspectos processuais e, por isso, são, em regra, decisões
interlocutórias, embora também possam incidir sobre o mérito (art. 510º/1-b
CPC) e, mesmo fora destes casos, possam ser decisões finais (art. 510º/1-a
CPC); dos despachos que não conhecem do mérito da causa cabe recurso de
agravo (art. 733º CPC) e daqueles que apreciam esse mérito pode apelar-se
(art. 691º CPC).
Às decisões dos Tribunais colectivos atribui-se a designação especial de
acórdãos (art. 156º/3 CPC). Quando o acórdão da Relação conhece do mérito
da causa, dele cabe revista (art. 721º/2 CPC); quando isso não sucede, cabe
agravo (art. 754º/1 CPC).
Alguns despachos incidem somente sobre aspectos burocráticos do
processo e da sua tramitação e, por isso, não possuem um conteúdo
característico do exercício da função jurisdicional, nem afectam a posição
processual das partes ou de terceiros. São os chamados despachos de mero
expediente, que são aqueles que se destinam a prover ao andamento regular
do processo e nada decidem quanto ao conflito de interesses entre as partes
(art. 156º/4, 1ª parte CPC)
Os despachos discricionários são aqueles cujo conteúdo é determinado
pelo prudente arbítrio do julgador (art. 156º/4, 2ª parte CPC), ou seja, por
critérios de conveniência e oportunidade. Assim, são despachos discricionários
todos aqueles que estabelecem prazos judiciais (art. 144º/1 CPC), com ou sem
limites legais (arts. 24º/2; 25º/1; 33º 40º/2; 486º/4 e 5; 508º/2 e 3 CPC).
Os despachos de mero expediente e os despachos discricionários não
admitem recurso (art. 679º CPC), nem reclamação (art. 700º/3 CPC)
DINÂMICA DA INSTÂNCIA
VICISSITUDES
FASES DO PROCESSO
VICISSITUDES
62. Início
A instância inicia-se com a propositura da acção, entendendo-se que esta
se considera proposta, intentada ou pendente quando for recebida na
secretaria (art. 150º/3 CPC) a respectiva petição inicial ou, se esta tiver sido
enviada pelo correio, na data do seu registo postal (arts. 267º/1; 150º/1 CPC).
No entanto, em relação ao réu, os efeitos decorrentes da pendência da causa
só se produzem, em regra, após a sua citação (art. 267º/2 CPC; sobre uma
excepção a esta regra, art. 385º/6 CPC).
63. Suspensão
São várias as circunstâncias que determinam a suspensão da instância:
· Quando falecer ou se extinguir alguma das partes (arts. 276º/1-a; 277º/1
CPC), salvo se já tiver começado a audiência final ou se o processo já tiver
inscrito em tabela para julgamento, hipótese em que a instância só se
suspende depois de ser proferida a sentença ou o acórdão (art. 277º/1
CPC);
· Nos processos em que for obrigatória a constituição de advogado (arts.
32º/1 e 3; 276º/1-b; 278º; 284º/1-b CPC);
· Sempre que o Tribunal a ordene (arts. 276º/1-c; 279º/1; 97º/1; 284º/1-c
CPC);
· Sempre que a lei o determine (arts. 276º/1-d – 12º/2 e 5; 24º/2; 25º/1;
39º/3; 356º; 549º/3; 550º/3; e 551º-A/4; no art. 1940º/3 CC; no art. 14º/3 DL
329-A/95, de 12/12; no art. 24º/1-b, DL 387-B/87, de 29/12, e ainda no art.
3º/2, CRegP.);
· A vontade das partes também constitui uma causa de suspensão da
instância: as partes podem acordar nessa suspensão por um prazo não
superior a seis meses (art. 279º/4 CPC).
Durante a suspensão da instância só se podem praticar os actos urgentes
destinados a evitar o dano irreparável (art. 283º/1, 1ª parte CPC) e os prazos
judiciais não correm enquanto ela se mantiver (art. 283º/2, 1ª parte CPC). Mas
a suspensão não impede a desistência, confissão ou transacção, desde que
estas não se tornem impossíveis ou não sejam afectadas pelo fundamento da
suspensão (art. 283º/3 CPC).
64. Interrupção
A instância interrompe-se quando o processo estiver parado durante mais
de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de
algum incidente do qual dependa o seu andamento (art. 285º CPC). A
interrupção da instância é, assim, consequência do incumprimento do ónus de
impulso subsequente das partes (art. 265º/1 CPC). A interrupção cessa se o
autor requerer algum acto do processo ou do incidente de que dependa o
andamento dele (art. 286º CPC).
A interrupção da instância provoca um importante efeito substantivo – é ele,
aliás, que justifica a ressalva feita no art. 286º in fine CPC. Quando a
caducidade se refere ao exercício jurisdicional de um direito potestativo, a
interrupção da instância implica que não se conta, para efeitos dessa
caducidade, o prazo decorrido entre a propositura da acção e aquela
interrupção (art. 332º/2 CC). Isto é, o prazo de caducidade começa a correr de
novo com a interrupção da instância, pelo que pode suceder que ele se esgote
antes de cessar essa interrupção.
65. Extinção
O meio normal de extinção da instância na acção declarativa é o
julgamento (art. 287º-a CPC), que, aliás, pode decorrer de uma sentença de
mérito ou de absolvição da instância (arts. 288º e 289º CPC). Mas existem
outras causas de extinção da instância. São elas:
- A celebração de um compromisso Arbitral (arts. 287º-b; 290º CPC; art.
1º/1 e 2 LAV), ou seja, a atribuição da competência para o julgamento da
acção pendente a um Tribunal Arbitral;
- A deserção da instância (art. 287º-c CPC), isto é, a interrupção da
instância durante dois anos (art. 291º/1 CPC);
- A desistência, confissão ou transacção (art. 287º-d; 293º a 295º CPC);
- A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (art. 287º-e CPC).
Com a extinção da instância terminam todos os efeitos processuais e
substantivos da pendência da acção (art. 481º CPC; arts. 323º/1 e 2; 805º/1; e
1292º CC). A desistência, absolvição e deserção da instância, bem como a
caducidade do compromisso Arbitral (art. 4º LAV), implicam que o prazo
prescricional – cujo decurso fora interrompido pela citação do réu (art. 323º/1
CC) ou passados 5 dias depois de esta ter sido requerida (art. 323º/2 CC) –
começa a correr de novo (e desde o início) a partir desse acto interruptivo (arts.
327º/2 e 326º/1 CC).
FASES DO PROCESSO
66. Noção
A tramitação da acção comporta uma sequência de actos que pode ser
decomposta em várias fases. A fase processual pode ser construída através de
um critério cronológico ou lógico: naquela primeira acepção, a fase engloba os
actos temporalmente contíguos na marcha do processo, mesmo que realizem
finalidades distintas; em sentido lógico, a fase abrange todos os actos,
qualquer que seja o momento em que sejam praticados, que prossigam uma
mesma finalidade.
Assim, a fase do processo integra todos os actos que realizam uma mesma
função, ainda que eles sejam praticados antes do início ou depois do termo da
respectiva fase em sentido cronológico.
PROCESSO ORDINÁRIO
FASE DA CONDENSAÇÃO
FASE DA INSTRUÇÃO
FASE DA SENTENÇA
68. Articulados
São as peças em que as partes expõem os fundamentos da acção e da
defesa e formulam os pedidos correspondentes (art. 151º/1 CPC). Essas peças
recebem o nome de articulados, porque, em princípio, nas acções, nos
incidentes e nos procedimentos cautelares é obrigatória a dedução por artigos
dos factos que interessam à fundamentação do pedido ou da defesa (art.
151º/2 CPC), isto é, cada facto deve ser alegado separadamente num artigo
numerado. O processo ordinário comporta, na tramitação normal, quatro
articulados: a petição inicial (art. 467º CPC), a contestação (art. 486º CPC), a
réplica (art. 502º CPC) e a tréplica (art. 503º CPC); em determinadas situações,
podem ainda ser apresentados articulados supervenientes (art. 506º CPC).
72. Contestação
A contestação é a resposta do réu à petição inicial do autor, ou seja, é a
manifestação da posição do réu perante aquele articulado do autor. Pode ser
entendida num sentido material ou formal. A contestação em sentido material é
qualquer acto praticado pelo réu, no qual essa parte mostre a sua oposição ao
autor e ao pedido formulado por esta parte (arts. 486º/2 e 487º/1 CPC).
A contestação em sentido formal é o articulado de resposta do réu à
petição inicial do autor: à contestação em sentido formal referem-se por
exemplo os arts. 488º e 489º/1 CPC.
O réu pode tomar uma de duas atitudes fundamentais perante a petição
inicial: opor-se ao pedido do autor ou não se opor a ele. A opção por uma
destas condutas depende dos factos indagados pelo mandatário do réu e das
provas de que esta parte possa dispor, havendo, naturalmente, que observar o
dever de verdade que recai sobre essa parte (art. 456º/2-a, b CPC) e o dever
de não advogar contra a lei expressa e de não usar meios ou expedientes
ilegais que obriga o mandatário (art. 78º-b EOA).
A contestação do réu marca a sua oposição relativamente ao pedido do
autor. A contestação pode consistir na impugnação dos factos articulados pelo
autor ou na invocação de uma ou várias excepções dilatórias ou peremptórias
(art. 487º CPC). A escolha da modalidade da defesa (por impugnação ou por
excepção) é condicionada pela posição que o réu pretende assumir na acção
(arts. 487º/2 e 493º/2 e 3 CPC).
Em conjunto com a contestação ou independente dela, o réu pode formular
um pedido reconvencional contra o autor (art. 501º CPC). Sempre que o pedido
reconvencional não esteja sujeito a qualquer preclusão se não for formulado na
acção pendente, a opção pela sua formulação nessa acção só deve ser
tomada quando for possível coligir, no prazo de contestação, todos os
elementos necessários para a sua procedência.
A reconvenção deve ser deduzida separadamente na contestação, na qual
devem ser expostos os seus fundamentos, formulado o correspondente pedido
e indicado o seu valor (art. 501º/1 e 2 CPC).
O réu pode contestar no prazo de 30 dias a contar da sua citação (art. 486º
CPC). A esse prazo acresce uma dilação de 5 dias quando a citação não tenha
sido realizada na própria pessoa do réu (arts. 236º/2 e 240º/2 e 3 CPC) e
quando o réu tenha sido citado fora da comarca sede do Tribunal onde pende a
acção (art. 252º-A/1 CPC).
O articulado de contestação apresenta o mesmo conteúdo formal da
petição inicial (art. 488º CPC).
A contestação (em sentido material) está submetida a uma regra de
concentração ou de preclusão: toda a defesa deve ser deduzida na
contestação (art. 489º/1 CPC), ou melhor, no prazo da sua apresentação (art.
486º/1 CPC), pelo que fica precludida quer a invocação dos factos que,
devendo ter sido alegados nesse momento, não o foram, quer a impugnação,
num momento posterior, dos factos invocados pelo autor. Se aqueles factos
forem invocados fora do prazo determinado para a contestação, o Tribunal não
pode considerá-los na decisão da causa; se o fizer, incorre em excesso de
pronúncia, o que determina a nulidade daquela decisão (art. 668º/1-d, 2ª parte
CPC).
Para determinar a incidência desta regra de concentração ou de preclusão,
importa ter presente que, na contestação, o réu tanto pode alegar factos novos
que fundamentam uma excepção dilatória ou peremptória, como limitar-se a
impugnar os factos invocados pelo autor na petição inicial (art. 487º/2 CPC).
74. Réplica
É a resposta do autor à contestação do réu. A réplica pode ser entendida
num sentido formal ou material: naquela primeira acepção, a réplica é o
articulado que o autor apresenta em resposta à contestação do réu; em sentido
material, a réplica consiste na contestação de uma excepção oposta pelo réu
ou na dedução de uma excepção contra o pedido reconvencional formulado
pelo réu (art. 502º/1 e 2 CPC). Se aquele articulado contiver aquela
impugnação ou a dedução daquela excepção, a réplica em sentido formal é-o
também em sentido material.
A réplica é admissível sempre que o réu deduza alguma excepção ou
formule um pedido reconvencional (art. 502º/1 CPC): naquele primeiro caso, a
réplica destina-se a possibilitar a impugnação pelo autor da excepção invocada
pelo réu ou a alegação de uma contra-excepção; no segundo, a réplica permite
a apresentação pelo autor de qualquer contestação, por impugnação ou por
excepção (art. 487º/1 CPC), do pedido reconvencional. A réplica encontra a sua
justificação nos princípios da igualdade das partes (art. 3º-A CPC) e do
contraditório (art. 3º/1 e 3 CPC).
A falta da réplica ou a não impugnação dos factos novos alegados pelo réu
implica, em regra, a admissão por acordo dos factos não impugnados (art. 505º
CPC). Esta admissão não se verifica nas situações previstas do art. 490º/2
CPC, e, além disso, há que conjugar o conteúdo da réplica com o da petição
inicial, pelo que devem considerar-se impugnados os factos alegados pelo réu
que forem incompatíveis com aqueles que constarem de qualquer desses
articulados do autor.
Se o réu tiver formulado um pedido reconvencional, a falta de réplica
implica a revelia do reconvindo quanto a esse pedido (art. 484º/1 CPC). Essa
revelia é inoperante nas condições referidas no art. 485º CPC, mas, se for
operante, determina a confissão dos factos articulados pelo réu como
fundamento do seu pedido reconvencional (art. 484º/1 CPC).
Acessoriamente a estas funções, a réplica pode ser utilizada para o autor
alterar unilateralmente o pedido ou a causa de pedir (art. 273º/1 e 2 CPC)
75. Tréplica
É a resposta do réu à réplica do autor. Também a tréplica pode ser referida
numa acepção formal ou material: em sentido formal, a tréplica é o articulado
de resposta do réu à réplica do autor; a tréplica em sentido material é a
contestação pelo réu das excepções opostas à reconvenção na réplica, a
impugnação da admissibilidade da modificação do pedido ou da causa de pedir
realizada pelo autor na réplica (art. 273º/1 e 2 CPC) ou a contestação da nova
causa de pedir ou do novo pedido apresentado pelo autor na réplica (art.
503º/1 CPC).
A tréplica só é admissível em duas situações (art. 503º/1 CPC):
- Quando o autor tiver modificado na réplica o pedido ou a causa de pedir
(art. 273º/1 e 2 CPC) e o réu pretender contestar quer a admissibilidade
dessa modificação, quer o novo pedido formulado ou a nova causa de pedir
invocada;
- Quando o réu tiver deduzido um pedido reconvencional, o autor tiver
alegado contra esse pedido uma excepção e o réu desejar contestá-la por
impugnação ou pela invocação de uma contra-excepção. A tréplica destina-
se, por isso, a assegurar o contraditório do réu a essas matérias.
O ónus de impugnação também vale na tréplica. Assim, a falta da tréplica,
a não impugnação da nova causa de pedir e a não contestação da excepção
alegada pelo autor na réplica determinam, em regra, a admissibilidade por
acordo desses factos e dessa excepção (art. 505º CPC).
Se o réu tiver formulado um pedido reconvencional (art. 501º/1 CPC), o
autor pode contestar na réplica esse pedido através da dedução de uma
excepção, à qual o réu pode responder na tréplica com a alegação de uma
contra-excepção.
PROCESSO SUMÁRIO
PROCESSO SUMARÍSSIMO
ASPECTOS COMUNS
CONSIDERAÇÕES GERAIS
DIREITO À IMPUGNAÇÃO
GENERALIDADES
ESTUDO ANALÍTICO
114. Revista
O campo de aplicação do recurso de revista delimita-se duplamente pelo
objecto e pelo fundamento:
- O objecto da revista é o acórdão da Relação que decide do mérito da
causa (art. 721º/1 CPC), isto é, que prenuncia uma condenação ou
absolvição do pedido;
- O fundamento específico do recurso de revista é a violação da lei
substantiva (art. 721º/2, 1ª parte CPC), embora, acessoriamente, o
recorrente também possa alegar a violação da lei processual (arts. 721º/2
in fine, 722º/1 CPC). Note-se que, como a revista cabe do acórdão da
Relação sobre o mérito da causa (art. 721º/1 CPC), ela é igualmente
admissível da decisão que conhece desse mérito no agravo em 1ª
instância (art. 753º/1 CPC) e que é impugnada com fundamento na
violação da lei substantiva (art. 721º/2 CPC).
A revista é o recurso ordinário pelo qual se impugna uma decisão de mérito
da 2ª instância com fundamento na violação de lei substantiva. A revista deve
ser admissível, por isso, sempre que um Tribunal de 2ª instância se pronuncie
sobre o mérito da causa e a decisão seja recorrível. Como, em certos casos,
essa decisão da Relação se pode verificar depois do julgamento de um outro
recurso pelo Supremo, existem algumas situações de revista diferida e outras
de segunda revista.
Encontram-se também situações em que é admissível a interposição de
uma segunda revista. Tal sucede nos casos em que, como resultado da
procedência de uma revista pendente, o supremo manda baixar o processo à
Relação e esta profere uma decisão sobre o mérito da causa: desta última
decisão pode interpor-se uma nova revista.
116. Constituição
O objecto do recurso é constituído por um pedido e um fundamento. O
pedido consiste na solicitação de revogação da decisão impugnada e o
fundamento na invocação de um vício no procedimento (error in procedendo)
ou no julgamento (error in iudicando).
O pedido de revogação fundamenta-se num error in procedendo ou in
iudicando, mas importa salientar um aspecto especialmente importante. Para
que o recurso seja procedente não basta que o Tribunal ad quem verifique
qualquer desses erros; é ainda indispensável que a decisão impugnada, apesar
de padecer do vício invocado pelo recorrente, não possa ser confirmada por
um fundamento diferente do utilizado pelo Tribunal recorrido.
O pedido do recorrente deve ser formulado no requerimento de
interposição do recurso, no qual, em certos casos, também devem ser
apresentados os respectivos fundamentos (art. 687º/1 CPC). Esse pedido pode
ser restringido nas conclusões das alegações do recurso (art. 684º/3 CPC)
através, por exemplo, da exclusão de um dos recorridos ou da aceitação da
decisão quanto a um dos pedidos cumulados, mas não pode ser ampliado em
relação àquele que consta do requerimento de interposição, porque qualquer
restrição realizada neste último vale como aceitação da decisão não
impugnada e, portanto, como renúncia ao recurso (art. 681º/2 e 3 CPC).
117. Âmbito
O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Antes do mais, esse âmbito é
determinado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados
na instância recorrida. Dado que o direito português consagra o modelo do
recurso de reponderação, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente
limitado pelas questões colocadas ao Tribunal recorrido, pelo que, em regra,
não é possível solicitar ao Tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma
questão que não se integra no objecto da causa tal como for apresentada na 1ª
instância.
Dentro do objecto do processo e com observância dos casos julgados
formados na acção, o âmbito do recurso delimita-se objectivamente pela parte
dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art. 684º/2, 2ª parte
CPC) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art. 684º-
A/1 e 2 CPC). Quer dizer: o objecto do recurso não é sequer a totalidade da
decisão, mas apenas o que nela for desfavorável ao recorrente ou recorrido, o
que, aliás, implica que o Tribunal de recurso não pode apreciar a parte da
decisão que não foi impugnada.
Finalmente, o âmbito do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente.
Sempre que a parte dispositiva da sentença contenha decisões distintas sobre
vários objectos, o recorrente pode distinguir o recurso a qualquer delas (art.
684º/2, 1ª parte CPC).
118. Limites
A função do recurso ordinário é a reapreciação da decisão recorrida e não
um novo julgamento da causa. Dessa circunstância decorre a proibição da
reformatio in melius e in peius. A proibição da reformatio in melius tem o
seguinte enunciado: como o objecto do recurso é delimitado pela impugnação
do recorrente, esta parte não pode alcançar através do recurso mais do que a
revogação e eventual substituição da decisão recorrida. A proibição da
reformatio in peius (que se encontra consagrada no art. 684º/4 CPC) traduz-se
no seguinte: a decisão do Tribunal de recurso não pode ser mais desfavorável
ao recorrente que a decisão impugnada.
A violação das proibições da reformatio in melius e in peius pressupõe que
o Tribunal de recurso conhece de matéria que não podia apreciar, porque
excede o âmbito da sua competência decisória. Assim, é nulo, por excesso de
pronúncia, o acórdão do Tribunal de recurso que não observa aquelas
proibições (arts. 668º/1-d, 2ª parte CPC, 716º/1, 732º, 752º/3, 762º/1 CPC).
A proibição da reformatio in melius é uma consequência da vinculação do
Tribunal superior à impugnação do recorrente: por isso, esse Tribunal não pode
conceder a essa parte mais do que ela pede no recurso interposto.
Esta proibição da reformatio in melius mantém-se mesmo quando o
Tribunal de recurso tem de apreciar matéria de conhecimento oficioso.
Não viola a proibição da reformatio in melius a circunstância de o Tribunal
de recurso confirmar a procedência da acção no quantitativo total do pedido do
autor, ainda que com diferentes montantes de cada uma das parcelas.
A decisão do Tribunal de recurso não pode ser mais desfavorável ao
recorrente do que a decisão recorrida: é nisto que consiste a proibição da
reformatio in peius (art. 684º/4 CPC).
A possibilidade de o Tribunal de recurso conhecer oficiosamente de certa
matéria não o isenta da sujeição à proibição da reformatio in peius.
119. Decisão
O âmbito da competência decisória do Tribunal depende do tipo de recurso.
Se esse recurso pertence ao modelo de cassação, o Tribunal ad quem só pode
revogar a decisão impugnada; se o recurso se integra no modelo de
substituição, o Tribunal ad quem pode não só revogar a decisão impugnada,
mas também substitui-la por outra. Esta substituição nem sempre é limitada
pelo objecto do recurso: se a Relação considera procedente o agravo
interposto, esse Tribunal pode substituir a decisão de forma impugnada por
uma decisão sobre o mérito (art. 753º/1 CPC).
Se o Tribunal superior, só podendo julgar segundo o modelo de cassação
e, portanto, podendo apenas revogar a decisão recorrida, substitui essa
decisão por uma outra, verifica-se um excesso de pronúncia, porque esse
Tribunal conhece de uma matéria que não pode apreciar. Tal excesso
determina a nulidade da sua decisão (arts. 668º/1-d, 2ª parte, 716º/1, 732º,
752º/3, 762º/1 CPC).
A improcedência do recurso e a consequente confirmação da decisão
recorrida podem resultar da modificação pelo Tribunal ad quem do fundamento
dessa mesma decisão. Isto é, o Tribunal superior pode aceitar a procedência
do recurso, mas encontrar um outro fundamento, distinto daquele que foi
utilizado pelo Tribunal recorrido, para confirmar a decisão recorrida.
Tal hipótese sempre que a decisão possa comportar vários fundamentos.
Esta pluralidade pode resultar, quanto a uma decisão de mérito, de um
concurso de pretensões ou de excepções peremptórias e, quanto a uma
decisão de forma, de um concurso de excepções dilatórias. No entanto, esta
possibilidade depende de duas condições:
- Uma delas é que o Tribunal de recurso possa conhecer do
fundamento que justifica a confirmação da decisão recorrida;
- Uma outra é que a procedência do recurso não impeça a confirmação
da decisão com base noutro fundamento.
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
120. Enunciado
Na instância de recurso relevam três tipos de pressupostos processuais: os
gerais, os especiais e os específicos. Os pressupostos gerais são comuns à
acção no seu todo: é o caso, por exemplo, da competência do Tribunal a quo e
da legitimidade das partes; os pressupostos especiais são adaptações à
instância de recurso dos pressupostos gerais: são eles a competência do
Tribunal ad quem e o patrocínio judiciário obrigatório do recorrente; finalmente,
os pressupostos específicos são restritos à instância de recurso: esses
pressupostos são a recorribilidade da decisão e a legitimidade para recorrer.
121. Apreciação
Os pressupostos processuais específicos condicionam a admissibilidade do
conhecimento do objecto do recurso, o que significa que, se eles não se
encontrarem preenchidos, o Tribunal ad quem não se pronuncia sobre a
procedência ou improcedência do recurso.
Os pressupostos específicos podem tornar-se, eles próprios, objecto de um
recurso. Esta solução é ditada pelo princípio da auto-suficiência do processo,
segundo o qual a aparência vale como realidade até se averiguar se
efectivamente ela corresponde a qualquer realidade.
Os pressupostos específicos da instância de recurso beneficiam, embora
não exclusivamente, a parte recorrida, dado que definem as condições em que
o recurso é admissível e em que pode ser impugnada uma decisão favorável a
essa parte. Isso significa que lhes é aplicável a dispensa, estabelecida no art.
288º/3, 2ª parte CPC, da necessidade da sua apreciação prévia relativamente
ao conhecimento do mérito do recurso.
Os pressupostos específicos devem ser controlados oficiosamente pelo
próprio Tribunal a quo (art. 687º/3, 1ª parte CPC). Mas a decisão desse
Tribunal não vincula o Tribunal ad quem (art. 687º/4 CPC), pois que lhe
incumbe controlar aqueles pressupostos (arts. 701º/1, 704º/1 CPC, aplicáveis à
revista – art. 726º CPC – e aos agravos – arts. 749 e 762º/1 CPC). Esta
duplicidade de momentos de apreciação dos pressupostos específicos implica
que há que considerar eventuais alterações entre o momento da apreciação no
Tribunal a quo e o julgamento no Tribunal ad quem.
Além dos pressupostos processuais específicos, na instância de recuso
também devem estar preenchidos os pressupostos gerais. Quanto ao seu
controlo pelo Tribunal de recurso, há que considerar duas situações. Esses
pressupostos podem constituir o próprio objecto do recurso, isto é, a
impugnação pode incidir sobre uma decisão relativa a esses pressupostos.
Mas, ainda que esses pressupostos não constituam o objecto de recurso, o
Tribunal ad quem pode sempre apreciar aqueles que forem de conhecimento
oficioso (art. 495º CPC) e absolver o réu da instância com base na falta de
qualquer deles (art. 493º/2 CPC). Pode assim dizer-se que os pressupostos de
conhecimento oficioso constituem um objecto implícito do recurso, porque o
Tribunal ad quem pode apreciá-los em qualquer recurso.
Em qualquer destes casos, ou seja, tanto na hipótese em que o objecto do
recurso é um pressuposto processual geral, como na eventualidade em que o
Tribunal superior pode controlar um pressuposto de conhecimento oficioso,
este Tribunal não deve ocupar-se desse pressuposto se a decisão sobre o
mérito puder ser favorável à parte que beneficiaria com o seu preenchimento: é
a solução imposta pelo art. 288º/3, 2ª parte CPC. É por isso que, se estiverem
simultaneamente pendentes uma apelação relativa à decisão de mérito
desfavorável ao autor e um agravo relativo à decisão sobre os pressupostos
processuais interposto pelo réu, o art. 710º/1 CPC (aplicável à revista ex vi do
art. 726º CPC), determina que este agravo só deva ser apreciado se a decisão
sobre o mérito não for confirmada.
Os pressupostos especiais dos recursos são a competência do Tribunal ad
quem (arts. 71º e 72º CPC; arts. 27º-a, 28º/1-a, 41º/1-a LOTJ) e o patrocínio
judiciário obrigatório do recorrente (art. 32º/1-c CPC). Quanto à possibilidade
de o Tribunal superior conhecer do mérito do recurso numa situação em que
esses pressupostos não se encontram preenchidos, há que verificar, segundo o
critério subjacente à desnecessidade da apreciação prévia dos pressupostos
processuais estabelecida o art. 288º/3, 2ª parte CPC, se aqueles pressupostos
são disponíveis e, em caso afirmativo, se a sua falta não prejudica a parte que
seria beneficiada com a sua verificação.