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MECÂNICA CLÁSSICA I

2019-2020

Princı́pios da Mecânica

1. Introdução
A Mecânica Clássica pode ser apresentada sem se recorrer às leis de Newton, partindo apenas do
princı́pio de Hamilton. Landau e Lifshitz fazem todo o desenvolvimento da Mecânica Clássica desta
forma, sem mesmo assumir uma expressão concreta para o lagrangiano. A forma para o lagrangiano
decorre apenas de considerações acerca da homogeneidade e isotropia do espaço e do tempo e do
princı́pio da relatividade de Galileu. A enorme elegância desta forma de apresentar o formalismo
leva-nos a expor, neste capı́tulo, a matéria contida nos dois primeiros capı́tulos do livro de Mecânica
de Landau e Lifshitz. A apresentação será efectuada pressupondo o mı́nimo de conhecimento prévio
possı́vel, mas exigindo, evidentemente, um grande à vontade na matéria para se poder acompanhar
e apreciar o raciocı́nio que está a ser aqui exposto (e que é, como já foi referido, o descrito no livro
atrás mencionado).
2. Considerações gerais
A Mecânica estuda o movimento dos corpos. Começamos por lembrar o conceito de partı́cula,
como o de um corpo cujas dimensões se podem desprezar na descrição que se pretende fazer do
seu movimento. Definimos um referencial para estudar o movimento de uma partı́cula e o seu (da
partı́cula) vector posição como o vector ~r de coordenadas x, y e z que tem ponto de aplicação na
origem do referencial e extremidade no ponto onde se encontra a partı́cula. Definimos velocidade
da partı́cula ~v = d~r
dt como a derivada do seu vector posição em ordem ao tempo e aceleração
2
~a = d~ v d ~r
dt = dt2 como a sua segunda derivada em ordem ao tempo. Sabemos, por experiência, que
não precisamos de considerar derivadas do vector posição de ordem superior à segunda.
Um sistema de N partı́culas tem s = 3N graus de liberdade. É possı́vel, em geral, definir variáveis
qj , j = 1, ...s, chamadas de coordenadas generalizadas, mais adequadas do que as coordenadas
cartesianas para descrever o sistema. Nesse caso, q̇j são as velocidades generalizadas. Sabemos
ainda, por experiência, que é necessário definir os 2s valores das coordenadas e velocidades num
certo instante para se poder prever a trajectória futura do sistema. Isto significa que, se as posições q
e velocidades q̇ num certo instante forem conhecidas, podemos calcular as acelerações nesse instante.
Essas relações, entre acelerações, velocidades e posições são chamadas de equações do movimento.
3. Princı́pio de Hamilton
O Princı́pio de Hamilton estabelece que um sistema mecânico é caracterizado por uma função
L(q, q̇, t) (em que q e q̇ representam o conjunto das coordenadas e das velocidades generalizadas,
respectivamente), chamada função de Lagrange. Segundo este princı́pio, sabendo que, nos instantes
t1 e t2 , o sistema ocupa as posições q (1) e q (2) , a trajectória que ele segue entre esses dois instantes
de tempo é a que torna estacionário (mı́nimo ou ponto de sela, nunca máximo) o integral de acção
Z t2
S= L(q, q̇, t) dt. (1)
t1

A condição de estacionariedade conduz, de imediato, às equações de Lagrange:


!
d ∂L ∂L
− =0 ∀j . (2)
dt ∂ q̇j ∂qj

1
É claro que estas equações não se alteram se o lagrangiano for multiplicado por uma constante
arbitrária.
Consideremos um sistema constituı́do por dois subsistemas A e B, que são levados para muito longe
um do outro, por forma a que não haja interacção entre eles. Estando eles isolados um do outro,
sejam LA o lagrangiano do sistema A e LB o lagrangiano do sistema B. Então, cada um destes
lagrangianos deverá obedecer a uma equação de Lagrange, LA relativamente às coordenadas do
sistema A e LB relativamente às coordenadas do sistema B. Considerando o sistema constituı́do
pelo conjunto dos dois subsistemas A e B, o seu lagrangiano L, tem que ser tal que, quando A e B
estão isolados um do outro, o comportamento do sistema A seja descrito por LA e o comportamento
de B por LB . Isso significa que, quando não houver interacção entre A e B, L deve ser dado por

L = LA + LB , (3)

uma vez que, sendo as equações de Lagrange lineares em L, as equações relativa às coordenadas
de A apenas vão incluir LA e as relativas às coordenadas de B apenas vão incluir LB . Quando os
sistemas interactuam, o lagrangiano irá, evidentemente, ter uma forma diferente.
Há pouco referimos que o lagrangiano pode ser multiplicado por uma constante arbitrária sem que
isso afecte as soluções das equações de Lagrange. A eq.(3) mostra que não temos a liberdade de
multiplicar cada lagrangiano por uma constante qualquer. A liberdade que existe é a de multiplicar
todos os lagrangianos pela mesma constante, o que equivale apenas a escolher unidades diferentes
para L.
Além da indeterminação no lagrangiano que advém da possibilidade de o multiplicar por uma
constante sem alterar as equações dele decorrentes, existe uma outra indeterminação. Se somarmos
ao lagrangiano uma derivada total em ordem ao tempo de uma função do tempo e das coordenadas,
obtemos um outro lagrangiano que conduz às mesmas equações do movimento. Seja
d
L0 (q, q̇, t) = L(q, q̇, t) + f (q, t). (4)
dt

O integral de acção passa a ser


Z t2 Z t2 Z t2
0 0 df
S = L (q, q̇, t) dt = L(q, q̇, t) dt + dt = S + f (q (2) , t2 ) − f (q (1) , t1 ), (5)
t1 t1 t1 dt

em que, como já foi referido, q (1) = q(t1 ) e q (2) = q(t2 ). Como S e S 0 apenas diferem de uma função
que apenas depende das posições do sistema nos instantes t1 e t2 (e dos próprios instante t1 e t2 ),
as suas variações são iguais (uma vez que as condições fronteira exigem que q (1) e q (2) não variem):

δS 0 = δS, (6)

pelo que
δS 0 = 0 ⇔ δS = 0 (7)
e ambos os lagrangianos conduzem às mesmas equações do movimento. Assim, o lagrangiano é
definido a menos do seu produto por uma constante e da sua soma com a derivada total em ordem
ao tempo de uma função arbitrária das coordenadas e do tempo.

4. Princı́pio de da relatividade de Galileu


Para estudar o movimento de um sistema, é necessário escolher um referencial. Da escolha efectuada
depende a maior ou menor dificuldade na resolução do problema. Verifica-se que existem referenciais
onde o espaço é homogéneo e isotrópico e o tempo é uniforme. Estes referenciais são chamados de
inerciais e são os que iremos usar no estudo dos sistemas mecânicos. Nestes referenciais, todos os
pontos do espaço são equivalentes, assim como todos os instantes de tempo. Assim, o lagrangiano

2
de uma partı́cula isolada não pode depender explicitamente da posição da partı́cula nem do tempo;
só pode depender da velocidade. Mesmo assim, sendo o espaço também isotrópico, o lagrangiano
não pode depender da direcção da velocidade; apenas do seu módulo:

L = L(v 2 ) (8)

As equações de Lagrange conduzem, desde logo, a


∂L d ∂L
 
=0 ⇒ =0 ⇒ ~v = const.. (9)
∂~r dt ∂~v
Chegamos assim à conclusão de que, num referencial inercial S, qualquer partı́cula livre tem um
movimento rectilı́neo uniforme (1a lei de Newton ou lei da inércia) com velocidade ~v constante.
A descrição do movimento da partı́cula livre num referencial diferente S 0 , mas que se mova com
velocidade constante V ~ relativamente ao referencial S segue a mesma lei do movimento, i.e., a
partı́cula livre mover-se-á nesse referencial a uma velocidade ~v 0 = ~v − V ~ que será constante, uma
~
vez que ~v e V são constantes. Verifica-se que, mesmo para partı́culas que interactuam, as leis do
movimento são as mesmas em todos os referenciais que se movem com velocidade constante em
relação ao referencial inercial, de modo que todos estes referenciais são, eles próprios, inerciais, não
existindo, por isso, nenhum referencial inercial priveligiado relativamente aos outros (princı́pio da
relatividade de Galileu). As coordenadas de uma partı́cula nos dois referenciais inerciais S e S 0
relacionam-se então através da equação

~r = ~r 0 + V
~t (10)

em que se pressupõe que o tempo decorre da mesma forma em todos os referenciais

t = t0 . (11)

Estas equações são as transformações de Galileu. O princı́pio da relatividade de Galileu estabelece


que as leis da mecânica são invariantes mediante as transformações de Galileu.

5. Função de Lagrange para a partı́cula livre


Comecemos com o caso mais simples: o de uma partı́cula livre. Já sabemos que, em qualquer
referencial inercial, o seu lagrangiano só pode depender do módulo do vector velocidade (ou do
seu quadrado). Seja L dado (em qualquer referencial inercial) pela função L = L(v 2 ). O princı́pio
da relatividade de Galileu exige que as equações do movimento (equações de Lagrange) sejam as
mesmas no referencial S e no referencial S 0 , que se move relativamente a S com uma velocidade
infinitesimal constante −~ε. A relação entre as velocidades ~v e ~v 0 da partı́cula em relação ao
referencial S e S 0 respectivamente é
~v 0 = ~v + ~ε. (12)
O lagrangiano no referencial S 0 é dado pela função

L0 = L(v 02 ) = L(v 2 + 2 ~ε · ~v + ε2 ). (13)

Expandindo em série de Taylor e mantendo apenas os termos de primeira ordem, obtemos


∂L
L(v 02 ) = L(v 2 ) + 2 ~ε · ~v . (14)
∂v 2

Para os lagrangianos L e L0 serem equivalentes, a segunda parcela da eq.(14) tem que ser uma
derivada total de uma função f (~r, t) em ordem ao tempo:
∂L d ∂f ∂f
2
2 ~ε · ~v = f (~r, t) = + · ~v = f1 (~r, t) + f~2 (~r, t).~v , (15)
∂v dt ∂t ∂~r

3
o que implica que
∂L
f1 (~r, t) = 0 e 2 ~ε = f~2 (~r, t), (16)
∂v 2
∂L
i.e., o factor que multiplica ~v na segunda parcela da eq.(14) não depende de ~v , pelo que 2 ∂v 2 também
∂L
não pode depender de ~v . Como L também não pode depender de ~r nem de t, isso significa que 2 ∂v 2
é uma constante
∂L
2 2 = m. (17)
∂v
(L podia vir somado de uma constante, mas podemos escolhê-la como sendo nula). À constante m
damos o nome de massa da partı́cula. Assim, obtemos finalmente
1
L = mv 2 . (18)
2

Estas contas foram feitas com L = L(v 2 ). Poder-se-ia pensar que usar esta forma para L em vez de
L = L(v) enviesa o resultado, mas não é assim, como podemos ver facilmente. Neste caso, obtemos

∂L
L(v 0 ) = L(v) + dv (19)
∂v
em que
∂v ∂v
dv = · d~v = · ~ε (20)
∂~v ∂~v
e !
∂v ∂ ∂ ∂ q vx vy vz ~v
= ı̂ + ̂ + k̂ vx2 + vy2 + vz2 = ı̂ + ̂ + k̂ = . (21)
∂~v ∂vx ∂vy ∂vz v v v v

Então,
~v ∂L ~v
dv = · ~ε e L(v 0 ) = L(v) + · ~ε. (22)
v ∂v v
Como, mais uma vez, a segunda parcela de L(v 0 ) deve ser uma derivada total de uma função f (~r, t)
em ordem ao tempo, ∂L ~v
∂v v · ~
ε deve ser linear em ~v , como já vimos na eq.(15). Mas, como L não
depende de ~r nem de t, isso implica que
∂L 1
=m (23)
∂v v
em que m é constante. Então
∂L 1
= mv ⇒ L = mv 2 , (24)
∂v 2
de acordo com o resultado anterior eq.(18).
Nestes dois exemplos, considerámos referenciais inerciais que têm um movimento relativo de translação
uniforme sem rotação, em que a velocidade entre esses referenciais é infinitesimal (dada por ~ε). Na-
turalmente, mesmo que essa velocidade seja finita, o Princı́pio da relatividade de Galileu exige que
os lagrangianos nos dois referenciais S e S 0 deem origem às mesmas equações do movimento. Seja
~ essa velocidade relativa. A eq.(12) terá agora a forma
então V

~v 0 = ~v + V
~ (25)

e o lagrangiano no referencial S 0 passará a ser


1 1 ~ )2 = 1 mv 2 + m~v · V
~ + 1 mV 2 ,
L(v 02 ) = mv 02 = m(~v + V (26)
2 2 2 2

4
que se pode ainda escrever como

~ + 1 mV 2 = L(v 2 ) + d m~r · V
~ + 1 mV 2 t .
 
L(v 02 ) = L(v 2 ) + m~v · V (27)
2 dt 2

Esta equação mostra que a diferença entre os lagrangianos da partı́cula livre no referencial S e no
referencial S 0 é igual à derivada total em ordem ao tempo de uma função da posição e do tempo.
Assim, tal como acontece quando a velocidade relativa entre S e S 0 é infinitesimal, os lagrangianos
nesses dois referenciais também são equivalentes quando essa velocidade relativa é finita.
Como já vimos que o lagrangiano de subsistemas que não interactuam é aditivo, o lagrangiano de
um sistema de N partı́culas livres é dado por
N
X 1
L= mi vi2 . (28)
i=1
2

Vemos assim que a indefinição no lagrangiano pela possibilidade de multiplicar todos os lagrangianos
por uma constante arbitrária corresponde apenas à possibilidade de escolher arbitrariamente a
unidade de massa. A razão entre as massas das partı́culas, que é o que tem consequências fı́sicas,
mantém-se inalterável.
Da forma para o lagrangiano da partı́cula livre resulta, também, que a massa não pode ser negativa,
pois sabemos que o integral de acção não pode ser um máximo. Pelo contrário, deverá ser um mı́nimo
ou um ponto de sela e, neste último caso, a trajectória pode sempre ser dividida num número finito
de parcelas em cada uma das quais o integral de acção é mı́nimo. Se a massa fosse negativa, então
seria possı́vel ter um integral de acção
Z t2
1
S= mv 2 dt (29)
t1 2
arbitrariamente negativo, bastando, para isso, escolher uma trajectória que se afastasse muito
rapidamente de ~r(t1 ) a partir do instante t1 e regressasse a alta velocidade a ~r(t2 ) no instante t2 .
Não há limite para a velocidade da partı́cula (estamos no capı́tulo da mecânica não relativista), pelo
que o integral de acção iria ser um integral negativo (devido à massa negativa) mas com um valor
absoluto arbitrariamente elevado (devido ao integral do quadrado da velocidade) e não existiria um
valor mı́nimo.

6. Função de Lagrange para um sistema de partı́culas


Consideremos agora um sistema isolado de N partı́culas que interactuam umas com as outras.
Vamos assumir que a interacção apenas depende das posições das partı́culas (esta hipótese verifica-se
empiricamente na grande maioria dos casos, sendo a notável excepção a interacção electromagnética,
que necessita do formalismo relativista para evitar inconsistências). Então, a diferença entre o
lagrangiano L do sistema de partı́culas que interactuam e o do sistema de partı́culas livres é uma
função apenas das suas posições, pelo que L toma a forma
N
X 1
L= mi vi2 − V (~r), (30)
i=1
2

em que designamos por ~r ≡ (~r1 , ~r2 , ..., ~rN ) o conjunto das posições das partı́culas do sistema. Desta
expressão para o lagrangiano resulta que as interacções se propagam com velocidade infinita, pois
a mudança de posição de uma partı́cula reflete-se imediatamente no lagrangiano, indo influenciar
os movimentos das outras sem nenhum atraso temporal. Esta propagação instantânea é apanágio
da Mecânica Clássica e do postulado de o tempo ser universal (o mesmo em todos os sistemas
de referência). Em Mecânica Relativista (essencial para termos uma Mecânica coerente com as
equações do Electromagnetismo), tudo se passa de forma diferente.

5
Um outro comentário acerca da forma para o lagrangiano. O tempo é, não só uniforme, como já
foi visto, mas também isotrópico, pelo que as equações do movimento serão invariantes mediante
uma inversão no sentido do tempo t → −t. Isto significa que, se um movimento for possı́vel, então
o movimento inverso também será. Por outras palavras, se virmos um filme ao contrário (do fim
para o princı́pio) e se, nesse filme, as leis da Mecânica forem aplicáveis, não encontramos nenhuma
inconsistência. Note-se que o atrito não envolve só a Mecânica; é necessário entrar em linha de conta
com a energia interna dos sistemas (Termodinâmica), pelo que não está incluı́do neste formalismo.
Aplicando as equações de Lagrange ao lagrangiano da eq.(30) obtemos, para a equação do movi-
mento da partı́cula i,
d ∂L ∂L
 
= (31)
dt ∂~vi ∂~ri
ou ainda
d~vi ∂V
m =− . (32)
dt ∂~ri

Definindo a força F~i que actua sobre a partı́cula i como


∂V
F~i = − , (33)
∂~ri
obtemos então
d~vi
m = F~i , (34)
dt
que corresponde à 2a lei de Newton ou lei fundamental da dinâmica.
Até agora, considerámos apenas sistemas isolados. Vamos agora eliminar essa restrição. Estamos
interessados em estudar um sistema, que designamos por A, que pode interactuar com outros
sistemas. Designamos por B tudo o resto que existe no Universo. Nesse caso, A + B é um sistema
isolado, descrito pelo lagrangiano

L = TA (qA , q̇A ) + TB (qB , q̇B ) − V (qA , qB ). (35)

Este Lagrangiano pode ser usado para descrever o movimento de ambos os sistemas A e B. Nós
não estamos interessados em descrever o movimento do sistema B, mas sabemos que B segue um
certo percurso qB (t). Assim, o lagrangiano que descreve o movimento de A será dado por

LA = TA (qA , q̇A ) + TB (qB (t), q̇B (t)) − V (qA , qB (t)) (36)

em que TB (qB (t), q̇B (t)) é função apenas do tempo e pode, por isso, ser descartado. O lagrangiano
para o sistema A fica então
LA = TA (qA , q̇A ) − V (qA , qB (t)). (37)

A diferença entre este lagrangiano e o do sistema isolado é que, agora, a energia potencial pode
depender explicitamente do tempo (o tempo já não é uniforme). Em geral teremos, então, para um
sistema que não está isolado,
L = T (q, q̇) − V (q, t), (38)
o que, em coordenadas cartesianas, terá a forma
N
X 1
L= mi vi2 − V (~r, t). (39)
i=1
2

6
7. Energia
No capı́tulo anterior, referimos a existência de integrais do movimento. Num sistema com n graus
de liberdade, há 2n constantes do movimento (que provêm da integração das n equações diferenciais
de segunda ordem que constituem as equações do movimento). Se o sistema for isolado, a uniformi-
dade do tempo leva a que uma das constantes seja a escolha da origem dos tempos. Por outro lado,
já vimos que a uniformidade do tempo tem por consequência a existência de uma grandeza que
se conserva que, como já vimos, é a função energia. Com muita frequência, esta função é igual à
energia mecânica do sistema considerado (as condições para que isso aconteça já foram discutidas
no capı́tulo anterior). No caso descrito aqui e no livro de Landau e Lifshitz, a mudança de coor-
denadas cartesianas para coordenadas generalizadas faz-se através de equações que não envolvem
explicitamente o tempo e o potencial não é generalizado (não depende das velocidades), pelo que
a função energia é a energia mecânica do sistema. Assim, a uniformidade do tempo implica a
conservação da energia mecânica.

8. Momento linear
Vamos agora considerar a homogeneidade do espaço. O lagrangiano contém toda a informação
acerca do sistema mecânico. Se o espaço é homogéneo, como é, novamente, o caso para um sistema
isolado, então o deslocamento do sistema como um todo não deve alterar em nada esse sistema e,
consequentemente, não deve alterar o lagrangiano. Por outras palavras, o lagrangiano não deve
ter qualquer informação acerca da localização o sistema, pois todas as localizações no espaço são
equivalentes (da mesma forma que, para uma partı́cula livre, o lagrangiano não deve depender da
sua posição).
Seja então um deslocamento infinitesimal ε e consideremos que o lagrangiano do sistema não se
altera quando todo o sistema se desloca de ε, i.e., quando todas as partı́culas do sistema sofrem o
mesmo deslocamento ε: ~ri → ~ri + ~ε. Então, teremos
N n
X ∂L X ∂L
δL = · δ~ri = ~ε · , (40)
i=1
∂~ri i=1
∂~ri

(notemos que, neste caso, estamos forçosamente a usar as coordenadas cartesianas) e a homogenei-
dade do espaço impõe que
δL = 0 (41)
para qualquer deslocamento infinitesimal ε. Isto só pode acontecer se
N
X ∂L
= 0. (42)
i=1
∂~ri

Usando as equações de Lagrange,


N
!
∂L d ∂L d X ∂L
= ⇒ = 0. (43)
∂~ri dt ∂~r˙i dt i=1 ∂~r˙i

Da forma do lagrangiano para um sistema isolado eq.(30), temos que


N
∂L d X dP~
= mi~r˙i = p~i ⇒ p~i = = 0, (44)
∂~r˙i dt i=1 dt

em que p~i é o momento linear da partı́cula i e


N
P~ =
X
p~i = const. (45)
i=1

7
é o momento linear total do sistema de partı́culas.
Vemos assim que a homogeneidade do espaço está intimamente relacionada com a conservação do
momento linear total do sistema. Facilmente reconhecemos a propriedade aditiva do momento
linear, i.e., que o momento linear do conjunto de dois sistemas de partı́culas é igual à soma dos
momentos lineares desses dois sistemas. Em geral, esta propriedade é válida apenas para sistemas
que não interactuam um com o outro (é o que acontece no caso da energia mecânica). Porém, neste
caso, mesmo quando os sistemas interactuam um com o outro, o momento linear do conjunto de
dois sistemas é ainda igual à soma dos momentos lineares desses sistemas.
No caso de a homogeneidade do espaço apenas ocorrer segundo uma ou duas direcções, então apenas
as componentes do momento linear total segundo essas direcções se conservam. Isto significa que,
se existir uma força exterior que apenas tem componente segundo o eixo dos zz, por exemplo, o
potencial apenas vai depender da coordenada z e as componentes do momento linear total segundo
os eixos x e y serão constantes.
Lembrando a forma do lagrangiano para um sistema isolado eq.(30) e a definição de força eq.(33),
podemos escrever
∂L ∂V
=− = F~i (46)
∂~ri ∂~ri
e a eq.(42) pode ser escrita como
N
F~i = 0,
X
(47)
i=1

i.e., a soma de todas as forças internas do sistema é nula.


Em particular, se tivermos um sistema isolado de apenas duas partı́culas, esta equação terá a forma

F~1 + F~2 = 0 (48)

i.e., as forças que duas partı́culas exercem uma sobre a outra são ”iguais e opostas” (3a. lei de
Newton ou lei da acção reacção).

9. Momento angular
Consideremos, finalmente, a isotropia do espaço, como acontece, por exemplo, num sistema isolado.
Neste caso, será a rotação do sistema como um todo que deverá deixar invariante o lagrangiano.
Seja uma rotação de um ângulo infinitesimal δϕ em torno de um eixo. Esta rotação vai provocar
uma variação em qualquer vector ~r de δ~r tal que

|δ~r| = r sin θδϕ (49)

(é mais simples assumir que o vector ~r está aplicado sobre o eixo de rotação, mas este resultado é
válido com o vector aplicado em qualquer ponto do espaço). Definindo um vector rotação infinites-
imal δϕ~ como sendo um vector com a direcção do eixo de rotação, sentido dado pela regra da mão
direita e módulo igual a δϕ, facilmente se pode constatar por inspecção que se verifica a igualdade:
~ ∧ ~r.
δ~r = δϕ (50)

Esta igualdade verifica-se para qualquer vector que sofra uma rotação de δϕ. ~ Assim, os vectores
posição e velocidade da partı́cula i terão variações mediante essa rotação dadas por
~ ∧ ~ri ,
δ~ri = δϕ (51)
~ ∧ ~vi .
δ~vi = δϕ (52)

8
Então, a variação do lagrangiano com a rotação do sistema como um todo será
N 
∂L ∂L
X 
δL = · δ~ri + · δ~vi . (53)
i=1
∂~ri ∂~vi

Usando a definição de momento linear e as equações de Lagrange, obtemos


∂L
p~i = mi~vi = , (54)
∂~vi
d ∂L ∂L
 
p~˙i = = . (55)
dt ∂~vi ∂~ri
Usando agora estas equações e as eqs.(51) e (52), obtemos
N  
p~˙i · δϕ
~ ∧ ~ri + p~i · δϕ
~ ∧ ~vi .
X
δL = (56)
i=1

~ em evidência,
Efectuando agora uma permutação circular nos dois produtos mistos e pondo δϕ
N   N  
~ · ~ri ∧ p~˙i + δϕ
~ · ~vi ∧ p~i = δϕ
~ · ~ri ∧ p~˙i + ~vi ∧ p~i .
X X
δL = δϕ (57)
i=1 i=1

Mas ~vi = ~r˙i , pelo que os termos entre parênteses são a derivada do produto:
N
~ ·
X d ~ · d~`
δL = δϕ (~ri ∧ p~i ) = δϕ (58)
i=1
dt dt

em que
N
~` =
X
~ri ∧ p~i (59)
i=1

é o momento angular do sistema de partı́culas. Assim, para que δL seja nulo para qualquer rotação
~ do sistema como um todo, tem que
infinitesimal δϕ

d~` ~` = cons..
=0 ⇔ (60)
dt

A conservação do momento angular total de um sistema isolado está, consequentemente, associada


à isotropia do espaço.
Se o sistema não estiver isolado mas o lagrangiano for invariante mediante uma rotação em torno
de um eixo, então é a componente do momento angular segundo esse eixo que é constante. Um
sistema sujeito a um campo de forças central, por exemplo, tem um lagrangiano que é invariante
mediante qualquer rotação em torno de qualquer eixo que passe pela origem do campo. Assim, o
momento angular em relação a esse ponto é constante, embora o momento angular em relação a
outros pontos possa não o ser.
Finalmente, vamos ver que a componente do momento angular de uma partı́cula do sistema segundo
um eixo é o momento canonicamente conjugado ao ângulo de rotação dessa partı́cula em torno desse
eixo. Para isso, consideremos o lagrangiano em coordenadas cilı́ndricas, em que o eixo dos zz é
orientado segundo o eixo de rotação:
N
1X  
L= mi ρ̇2i + ρ2i ϕ̇i 2 + zi2 − V (61)
2 i=1

9
em que V só depende das posições das partı́culas. Então
∂L
= mi ρ2i ϕ̇i (62)
∂ ϕ̇i
A componente do momento angular da partı́cula i segundo o eixo dos zz é

`iz = mi (xi ẏi − yi ẋi ) , (63)

que, em coordenadas cilı́ndricas, tem a forma

`iz = mi [ρi cos ϕi (ρ̇i sin ϕi + ρi cos ϕi ϕ̇) − ρi sin ϕi (ρ̇i cos ϕi − ρi sin ϕi ϕ̇)] = mi ρ2i ϕ̇i (64)

de onde podemos concluir que


∂L
`iz = = pϕi (65)
∂ϕi
é o momento canonicamente conjugado a ϕi .

10. Semelhança mecânica


Já foi referido que a multiplicação do lagrangiano por uma constante não altera as equações do
movimento. Vamos agora usar esse facto para tirar conclusões acerca do movimento de um sistema
sem integrar as equações do movimento. Nesta secção, assumimos sempre coordenadas cartesianas
para descrever o movimento do sistema.
Suponhamos que o potencial é uma função homogénia de grau k das coordenadas cartesianas:

V (α~r1 , α~r2 , ..., α~rN ) = αk V (~r1 , ~r2 , ..., ~rN ) , (66)

sendo α uma constante qualquer.


Façamos agora uma transformação de escala nas coordenadas e no tempo:

~ri → ~ri 0 = α~ri (67)


0
t → t = βt (68)

Esta transformação de coordenadas transformará a velocidade de cada partı́cula


α
~vi → ~vi 0 = ~vi (69)
β
e a energia cinética
α2
T → T0 = T. (70)
β2
Assumindo uma energia potencial que não depende do tempo, se escolhermos o valor de β por
forma a que
α2 k
= αk ⇔ β = α1− 2 , (71)
β2
então a transformação definida pelas eqs. (67) e (68) apenas multiplica o lagrangiano por uma
constante
L → L0 = αk L, (72)
pelo que as equações do movimento são as mesmas para L e L0 . Isso significa que as trajectórias do
sistema mantêm a mesma forma quando se faz uma mudança de escala, vindo a evolução temporal
afectada de um factor (pode ser mais lenta ou mais rápida):
 0 1− k2
t0 s
= (73)
t s

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0
Nesta equação, ss representa a razão entre as dimensões lineares das trajectórias com os dois
lagrangianos. As velocidades v e v 0 , as energias E e E 0 e os momentos angulares ` e `0 relacionam-
se com a variação das dimensões lineares das trajectórias areavés das equações:
 0  k2
v0 s
= (74)
v s
 0 k
E0 s
= (75)
E s
 0 1+ k2
`0 s
= (76)
` s
Vejamos alguns exemplos:

• Oscilador harmónico
A energia potencial é dada por V = 12 Cx2 , sendo C a constante elástica. Esta é uma função
homogénia de grau k = 2. Assim,
 0 1− k2
t0 s
= = 1, (77)
t s
o que mostra que o perı́odo das oscilações é independente da amplitude.
• Peso
O peso de um corpo é a força gravı́tica que ele sofre à superfı́cie da Terra: P = mg = const.,
sendo a energia potencial gravı́tiva V = mgz, em que z é a altura a que está a partı́cula. V é
uma função homogénia de grau k = 1. Daqui resulta
 0 1− k2
s
 0 2
t0 s s0 s0 t
= = ⇔ = , (78)
t s s s t
de onde se pode concluir que a altura de que se deixa cair um grave varia com o quadrado do
tempo de queda.
• Interacção gravı́tica
O potencial gravı́tico V = −G mM
r é também uma função homogénia, sendo o grau de homo-
geneidade k = −1. Aqui, temos
 0 1− k2  0  32  0 2  0 3
t0 s s t s
= = ⇔ = , (79)
t s s t s
de onde podemos concluir que o quadrado do perı́odo das órbitas dos planetas em volta do Sol
é proporcional ao cubo do tamanho das órbitas, que é uma versão restrita da 3a. lei de Kepler
(a lei de Kepler relaciona o perı́odo com o semi-eixo maior, qualquer que seja a excentricidade
da órbita, enquanto que aqui se supõe que as órbitas são todas semelhantes, diferindo apenas
num factor de escala).

É de salientar que estes resultados se obtêm sem resolver as equações do movimento.


Vamos agora considerar que, além de o potencial ser uma função homogénea das coordenadas, o
movimento é limitado, i.e., a partı́cula apenas se move numa região limitada do espaço, nunca
saindo dos limites dessa região. Sendo a energia cinética uma função homogénea das velocidades de
grau dois (de lembrar que usamos coordenadas cartesianas), o teorema de Euler permite escrever
N N
X X ∂T
p~i · ~vi = · ~vi = 2T, (80)
i=1 i=1
∂~vi

11
∂T
uma vez que ∂~vi = p~i . Usamos agora a fórmula para a derivada do produto:

N N N N N N
! !
d X d X
p~˙i · ~ri + p~˙i · ~ri ,
X X X X
p~i · ~ri = p~i · ~vi ⇔ p~i · ~vi = p~i · ~ri − (81)
dt i=1 i=1 i=1 i=1
dt i=1 i=1

pelo que
N N
!
d X
p~˙i · ~ri .
X
2T = p~i · ~ri − (82)
dt i=1 i=1

Tomemos a média temporal desta igualdade. Define-se valor médio f de uma função do tempo f (t)
através da expressão
1 τ
Z
f = lim f (t) dt. (83)
τ →+∞ τ 0

Facilmente se pode ver que, se f (t) for uma derivada em ordem ao tempo f (t) = dFdt(t) de uma
função F (t) limitada (i.e., que não toma valores fora de um certo intervalo), o seu valor médio será
nulo:
1 τ dF F (τ ) − F (0)
Z
f = lim dt = lim = 0. (84)
τ →+∞ τ 0 dt τ →+∞ τ
Como estamos a assumir que o movimento do sistema é limitado, o valor médio da primeira parcela
do segundo membro da eq.(82) é nulo e obtemos então
N N
∂V
p~˙i · ~ri =
X X
2T = − · ~ri , (85)
i=1 i=1
∂~ri

em que usámos a equação do movimento


∂V
p~˙i = − . (86)
∂~ri
Como também assumimos que o potencial é uma função homogénea das coordenadas de grau k,
usamos novamente o teorema de Euler para obter

2T = kV (87)

Este resultado constitui o teorema do virial. Como a energia mecânica é constante, i.e., igual ao
seu valor médio, podemos escrever
T +V =E =E (88)
e, consequentemente,
2
V = E (89)
k+2
k
T = E. (90)
k+2

Assim, para o oscilador harmónico, por exemplo (k = 2),

T =V (91)

e os valores médios da energia cinética e da energia potencial são iguais.


Para a interacção gravitacional (k = −1)

2T = −V (92)

12
e
E = −T , (93)
pelo que a energia mecânica tem que ser negativa, para que se verifiquem as condições do teorema
do virial, nomeadamente, para que o movimento seja finito. De facto, só assim a órbita será uma
elipse (ou uma circunferência). Se a energia for nula a órbita será uma parábola e, se for positiva ,
uma hipérbole, que são trajectórias não limitadas.

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