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Violência nas Escolas:

dez abordagens européias

Éric Debarbieux
Catherine Blaya (Orgs.)

3
Violência nas Escolas:
dez abordagens européias

Éric Debarbieux
Catherine Blaya (Orgs.)

Brasília, novembro de 2002

1
Título original: Violence in Schools: ten approaches in Europe
 ELSEVIER 2002
 UNESCO 2002. Edição publicada pelo Escritório da UNESCO no Brasil.

Os autores são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos contidos neste livro, bem
como pelas opiniões nele expressas, que não são, necessariamente, as da UNESCO, nem
comprometem a Organização. As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo
deste livro não implicam a manifestação de qualquer opinião, por parte da UNESCO, a
respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região ou de suas autoridades,
nem tampouco a delimitação de suas fronteiras ou limites.

2
Edições UNESCO BRASIL

Conselho Editorial da UNESCO no Brasil


Jorge Werthein
Cecilia Braslavsky
Juan Carlos Tedesco
Adama Ouane
Célio da Cunha
Comitê para a Área de Ciências Sociais e Desenvolvimento Social
Julio Jacobo Waiselfisz
Carlos Alberto Vieira
Marlova Jovchelovitch

Tradução: Patrícia Zimbres e Paula Zimbres


Revisão: Carlos Alberto Vieira
Revisão Técnica: Candido Gomes
Diagramação: Eduardo Perácio (DPE Studio)
Assistente Editorial: Larissa Vieira Leite
Projeto Gráfico: Edson Fogaça

 UNESCO, 2002
Debarbieux, Éric
Violência nas escolas: dez abordagens européias / Éric Debarbieux e
Catherine Blaya. – Brasília : UNESCO, 2002.
268p.

ISBN: 85-87853-64-3
1. Educação-Violência-Juventude I. Blaya Catherine I.UNESCO II. Título

CDD 370

Division of Women, Youth and Special Strategies


Youth Coodination Unit/UNESCO-Paris

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura


Representação no Brasil
SAS, Quadra 5, Bloco H, Lote 6, Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9º andar.
70070-914 – Brasília – DF – Brasil
Tel.: (55 61) 321-3525
Fax: (55 61) 322-4261
E-mail: UHBRZ@unesco.org.br

4
SUMÁRIO
Abstract.........................................................................................09
Apresentação................................................................................ 11
1. Cientistas, políticos e violência: rumo a uma comunidade
científica européia para lidar com a violência nas escolas?....13
Eric Debarbieux.
A violência e o “politicamente correto”.................................... 14
“Violência”: venturas e desventuras de uma palavra.................18
O perigo da mídia..................................................................... 20
Desconstruindo opiniões........................................................... 23
O lado das vítimas, ou as virtudes da globalização do
conhecimento........................................................................25
Conclusão: violência e razão..................................................... 29
2. Evitando a violência no ambiente das escolas primárias....35
Janine Blomart
O nível de violência nas escolas da Bélgica francófona............ 36
A importância da prevenção precoce nos projetos europeus
para lidar com a violência escolar......................................... 40
Conteúdo e objetivos dos programas de prevenção precoce..... 43
Introdução de um programa pró-social experimental –
“Torne-se seu próprio mediador” na escola primária............ 45
Apresentação do programa “Torne-se seu prórpia mediador”... 48
Apoio e avaliação do experimento.............................................48
Conclusões................................................................................ 50
Análise qualitativa dos efeitos da introdução do
Programa na Escola.................................................................. 53
Conclusões e perspectivas......................................................... 56
3. Comportramentos violentos e agressivos nas escolas
inglesas..........................................................................................63
Carol Hayden e Catherine Blaya
Definição dos termos................................................................ 63
A violência no trabalho............................................................. 65
Indicadores de comportamentos violentos e agressivos
nas escolas............................................................................ 66
Intimidação por colegas (bullying).............................................. 72

5
Expulsão da escola....................................................................74
Comportamento de estranhos na área Escolar.......................... 80
O questionário...........................................................................85
Conclusão..................................................................................93
4. Violência nas escolas: orientação e situação atual
das pesquisas na França.............................................................103
Yves Montoya
A mobilização das autoridades públicas e o novo ímpeto dado
às pesquisas...........................................................................105
As diversas orientações e a situação atual das pesquisas
Francesas...............................................................................105
A redução da “Cifra Oculta” e os levantamentos de vitimização...107
Conclusão..................................................................................120
5. A violência nas escolas alemãs: situação atual.....................131
Walter Funk
Introdução...................................................................................131
As causas supostas da violência..................................................142
Vínculos estatísticos relativos à violência nas escolas................ 143
Os determinantes causais da violência nas escolas..................... 146
Processos sociais gerais que afetam a violência entre os alunos.... 147
6. A violência escolar na Grécia: panorama das pesquisas e
estratégias de ação...................................................................... 153
Vasso Artinopoulou
Introdução................................................................................. 153
A fenomenologia da violência escolar na Grécia....................... 155
Estratégias de intervenção........................................................ 166
Conclusão.................................................................................. 173
7. Parcerias de educação e assistência à juventude:
aperfeiçoamento da infra-estrutura social na Holanda........... 175
Dolf Van Veen
Introdução................................................................................. 175
Juventude em risco e escolas em risco:
a base de conhecimentos...................................................... 176
Uma política ampla para a juventude........................................ 178
8. O projeto de Sevilha contra a violência nas escolas: um
modelo de intervenção educacional de natureza ecológica........ 197
Rosario Ortega
6
Tornando visível o problema da violência nas escolas...............197
O primeiro trabalho de pesquisa na Espanha............................198
O projeto de Sevilha para lidar com a violência escolar............204
O seminário de conscientização................................................205
Outros seminários.....................................................................206
Além da prevenção: intervenções quanto aos riscos.................210
Os círculos de qualidade...........................................................210
Mediação de conflitos................................................................211
Programas de auto-ajuda entre pares.........................................212
Além da prevenção, a intervenção direta..................................214
O método Pikas.........................................................................214
Programas de treinamento da autoconfiança.............................215
Programas de desenvolvimento de empatias.............................216
As autoridades educacionais e a prevenção da violência
escolar: o programa educacional de prevenção de
maus-tratos entre colegas.......................................................217
O projeto europeu para o estudo e a prevenção
da violência escolar...............................................................220
9. Violência e incivilidade na escola: a situação na Suíça........ 223
Alain Clémence
A situação no ambiente escolar................................................. 224
Intervenções.............................................................................. 241
10. Violências nas escolas: uma perspectiva do Reino Unido.... 247
Helen Cowie e Peter K. Smith
Dados oficiais............................................................................ 248
Violência e intimidação nas escolas do Reino Unido.................249
Políticas públicas.......................................................................253

7
ABSTRACT

This book, published by the European Observatory of


Violence in Schools, brings together the contributions of ten
research teams from several European countries on the theme of
school violence. The first chapters focus on the European
dimensions of the issue, as well as on the links between scientists
and politicians. Different disciplines are involved, including
psychology, criminology, psycho-sociology, educational sciences
and sociology. In ten chapters, the book reviews research,
experiences and strategies on violence and the struggle against it
in French-speaking Belgium, England, France, Germany, Greece,
Netherlands, Spain, Switzerland and the United Kingdom. The
result is a rich discussion on the state of the art in each country. It
includes general topics concerning school violence, such as
conceptual issues, causes of the phenomenom, implications and
public policies adopted by each country, with strong emphasis on
victimization studies. Preventive treatments, experiments and
services integrated into schools as well as the difficulties in the
field are explored. These elements demonstrate similar analyses
in relation to the slow construction of violence that occurs through
incidents of micro-violence. The text also emphasizes the need for
adequate treatment of these incidents in order to limit the
emergence of career victims or aggressors.

9
APRESENTAÇÃO

O presente livro, “Violência nas Escolas: dez abordagens


européias”, é parte de uma série de obras traduzidas e publicadas pela
UNESCO-Brasil, com o objetivo de trazer para a língua portuguesa
alguns dos mais importantes trabalhos sobre o tema. Publicado
recentemente pelo Observatório Europeu da Violência Escolar, um dos
inestimáveis parceiros desta Instituição, a publicação faz parte de um
esforço que percorre longa trajetória, iniciada nos últimos anos, quando
a UNESCO começou a realizar no Brasil diversas pesquisas a respeito
da violência, da juventude e da cidadania. Os problemas candentes que
foram encontrados e estudados exigiram novos esforços, especialmente
no campo da violência nas escolas, dando origem a uma pesquisa
nacional de grande porte, que tem repercutido amplamente, pelos
resultados que trouxe ao lume.
A escola, um ambiente social antes considerado seguro, deixou
de ter essa característica, não só no Brasil, mas em numerosos países do
mundo. Embora revestidas das nossas peculiaridades, as questões
detectadas mostraram os sofrimentos comuns a que as vítimas são
submetidas, bem como a similaridade de certos fenômenos e implicações.
Por isso mesmo, coloca-se a urgência de se abrir uma nova frente de
trabalho para melhor estudar esses fatos e não apenas estudá-los com
punhos de renda, mas atuar sobre eles, apoiando os educadores e os
educandos que enfrentam diuturnas dificuldades, e chegam, mesmo, a
arriscar as suas vidas para assegurar um bem inestimável à paz e ao
desenvolvimento: a escolaridade.
Como uma das medidas imprescindíveis à ampliação do
conhecimento e da atuação em campo, a UNESCO-Brasil lança vários
volumes indispensáveis da literatura internacional mais conceituada,
vertendo-os para a língua nacional. Evidentemente, não nos anima qualquer
11
intuito imitativo, como também não pretendemos a singularidade.
Conforme os documentos que a UNESCO e os seus países-membros têm
firmado, antes mesmo que se difundisse o conceito de globalização, o
mundo é profundamente interdependente. Por esse motivo, o
conhecimento da literatura, que reflete o que vai ocorrendo em diferentes
quadrantes geográficos, abre perspectivas novas, sem que isso signifique
apelar para as soluções fáceis, sem a devida redução à nossa realidade.
No que há de positivo e de negativo, o Brasil não está só nas dificuldades
inerentes à violência nas escolas, como também não está isolado nas suas
experiências para combatê-la e estabelecer a paz duradoura. É o que
espelham as próprias semelhanças e diferenças entre os casos nacionais
apresentados, singulares nas suas particularidades, plurais no que
patenteiam ter em comum.
O presente trabalho corresponde, pois, a uma abertura de
horizontes, em que, no entrecruzamento de diferentes disciplinas, como
a psicologia, a criminologia, a psicossociologia, as ciências da educação e
a sociologia, são discutidas experiências de dez países europeus.
Renomados especialistas apresentam o estado da arte em seus países,
abordando temas conceituais, causas dos fenômenos, implicações,
experiências e políticas públicas. Esperamos, portanto, que este livro, como
os demais, prepare nossa intelectualidade e os nossos decisores para melhor
conhecer a realidade e vir a formar massa crítica à altura da gravidade dos
problemas encontrados.

Jorge Werthein
Diretor da UNESCO no Brasil

12
1. CIENTISTAS, POLÍTICOS E
VIOLÊNCIA: RUMO A UMA
COMUNIDADE CIENTÍFICA
EUROPÉIA PARA LIDAR COM
A VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS?
Prof. Éric Debarbieux1

Nos dias 24, 25 e 26 de fevereiro de 1997, foi realizada em Utrecht,


na Holanda, uma conferência reunindo cientistas especializados e
servidores públicos de primeiro escalão de todos os países-membros da
União Européia. O tema dessa conferência foi a “segurança nas escolas”.
Em termos de especialistas presentes, nem todos os países estavam
representados, muito ao contrário2, e poucos foram os pesquisadores que
tiveram a oportunidade de então apresentar uma síntese provisória das
pesquisas realizadas em seus respectivos países: Inglaterra, Alemanha,
Espanha, França, Holanda e Suécia. Alguns outros especialistas nacionais
admitiram a escassez das pesquisas e de dados confiáveis, ou mostraram
até que ponto as instituições locais negam a existência do fenômeno,
cuja freqüência era pouco conhecida, apesar de, em alguns casos, os relatos
de campo serem reveladores. O principal objetivo deste capítulo será tratar
da questão de até onde a comunidade científica européia avançou desde
então. Essa comunidade “científica” não apresenta pontos de vista

1 Observatório Europeu de Violência nas Escolas. Université Victor Segalen Bordeaux 2, França.
2 Os países representados foram: Bélgica, França, Alemanha, Grécia, Portugal, Espanha, Suécia, Reino
Unido e Holanda.

13
necessariamente idênticos, e tomaremos como ponto de partida os
desacordos iniciais, mostrando quais modelos estão por trás deles e
prosseguindo para expor as tentativas feitas no sentido de fornecer
respostas a essas questões. Pretendendo ser mais que um mero capítulo
introdutório a um trabalho coletivo, o presente artigo tentará apresentar
uma “sociologia da ciência” sobre a violência nas escolas, mostrando como
essa ciência foi formada, graças às divergências, mais que apesar delas, e
levando em conta o debate público, ao invés de ignorá-lo.

A VIOLÊNCIA E O “POLITICAMENTE CORRETO”

O objetivo do encontro de Utrecht foi preparar algumas


conclusões a serem apresentadas ao Conselho de “Educação”, ou seja,
aos Ministros da Educação europeus, visando tomar providências quanto
à questão da “segurança nas escolas”. Além da apresentação de relatórios
elaborados por especialistas, a maioria dos quais foi publicada (por
exemplo, o RFP, 1988), muitas horas de debate foram dedicadas a definir
o que estaria implicado no trabalho de uma rede internacional. É
deliberadamente que uso aqui o termo “definição”: tratava-se, de fato,
de nomear e batizar o tema dessa rede, o que representa uma maneira
de apontar o propósito do trabalho e da pesquisa. A intenção não era
descer a minúcias, e os debates, muitas vezes acalorados, foram
genuinamente importantes por já tratarem de modelos cuja extrema
disparidade tinha que ser ressaltada, e não destilada numa espécie de
consenso superficial. Desse modo, já de partida, os especialistas foram
convocados pelos políticos para auxiliá-los no processo de tomada de
decisões. Mas, precisamente, tendo em vista que objetivo?
Na verdade, o próprio projeto desse encontro encontrava-se
encoberto por uma certa ambigüidade que refletia as divisões sociais,
políticas, culturais e talvez até mesmo científicas. Um exemplo disso foi o
memorando preparatório enviado pela presidência holandesa à Comissão
de Educação, em 19 de dezembro de 1996 (SN 5094/96, EDUC), antes
da realização do encontro. No tocante ao tema “segurança nas escolas”,
esse memorando observava que essa questão às vezes é também citada
como “lidando com a violência escolar”. Por trás desse aparentemente
14
inofensivo “às vezes” espreitava uma polêmica semântica resultante da
visão inicial do fenômeno em questão. Deveria o termo “violência”,
recusado por muitos países, ser usado, ou melhor seria encontrar uma
palavra mais neutra? De partida, os debates colocaram em questão o uso
do termo “violência”, considerado talvez excessivamente radical por
alguns. Mas, acima de tudo, eles trataram da maneira como as perturbações
escolares são percebidas. Esse mesmo memorando sugeria que o foco de
interesse deveria ser dirigido para “as possibilidades de reduzir ou evitar
os comportamentos anti-sociais entre os próprios alunos e entre alunos e
professores”. A síntese preparatória elaborada por Ton Mooij (Mooij, 1997),
portanto, continha dois fatores importantes para a compreensão do objetivo
estratégico inicial: “lidar e evitar os comportamentos anti-sociais dos
alunos” e “promover comportamentos pró-sociais entre os alunos”. De
forma bastante lógica, o autor propôs que as iniciativas européias fossem
denominadas de “lidar com os comportamentos anti-sociais e promover
os comportamentos pró-sociais entre os alunos”.
Já de início, esse memorando qualificou as perturbações escolares
como sendo de natureza essencialmente comportamental e relacionadas
principalmente aos próprios alunos, muito embora uma causalidade
multifatorial fosse também admitida. Os programas resultantes, portanto,
visavam alterar esses comportamentos ou a promover outros mais
aceitáveis. A importância desses programas, dos quais alguns exemplos
exploratórios são apresentados neste livro, não pode ser negada. No
entanto, essa abordagem estritamente behaviorista do problema parecia
excessivamente simplista a alguns dos especialistas e – o famoso termo
chegou a ser pronunciado – um pouco “politicamente correta” demais. A
importância do papel das próprias escolas na gênese desses
comportamentos é subestimada por abordagens desse tipo. Todos, é claro,
aceitavam que a escola não poderia ser responsabilizada pela totalidade
da violência. Ninguém desejava que o debate fosse reduzido a uma espécie
de reflexo gerador de culpa dirigido contra os professores, do tipo
“violência nas escolas: violência das escolas”, o que é mais um slogan do
que uma certeza científica. Ao mesmo tempo, entretanto, essa abordagem
behaviorista foi submetida a uma contracorrente de crítica, o que levou a
que ela fosse rejeitada por alguns. É fato que o behaviorismo tende a
negligenciar as condições ambientais e institucionais dos comportamentos
15
individuais e o seu papel na construção da violência, uma vez que essas
condições ambientais têm de ser inseridas num contexto político mais amplo.
As responsabilidades das escolas e das organizações curriculares, sociais e
políticas têm de ser examinadas sem que se incorra em exageros. Não seria
verdade que o desejo de promover comportamentos “pró-sociais”
representaria uma espécie de “totalitarismo brando”, que não abre espaço
para as diferenças e impõe um modelo único de comportamentos aceitáveis?
O debate abrangeu também a promoção das “boas práticas”, que os
programas europeus têm em tão alta conta, por meio de um modelo de
inovação pedagógica que se propagaria e renovaria as práticas comuns por
meio de disseminação. Não haveria o risco de gerar culpa entre os que
passam por situações difíceis, trabalham em áreas críticas, e cujas condições
de trabalho desiguais não lhes permitem alcançar essas práticas-modelos,
formuladas independentemente dos contextos sociais e sem ter por base
estudos quanto a elas serem ou não transferíveis? Por outro lado, o excesso
de crítica subjacente a essa rejeição do behaviorismo poderia levar à
impotência, situando as possibilidades de mudança social no nível global.
No mínimo, o behaviorismo parecia mais pragmático, na medida em que
este correspondia melhor às demandas da área.
O desacordo quanto ao uso da palavra “violência” foi importante
ainda em um outro sentido: como poderia o objeto social em questão ser
delimitado, e como poderia ser controlada a abrangência de uma pesquisa?
Limitando-nos mais uma vez aos “comportamentos” indesejáveis, não
estaríamos correndo o risco de criar um debate insípido, além de passar
ao largo da realidade vivenciada no campo? Não haveria o risco de uma
ineficácia “politicamente correta”? Sem antecipar os resultados das
pesquisas sobre a freqüência dos atos mais graves, não seria melhor
usarmos um termo mais forte, que abrangesse não apenas esses
comportamentos, mas também os atos de delinqüência ocorridos nas
escolas européias? Isso não significaria aceitar as abordagens
multidisciplinares, que poderiam incluir não apenas as ciências pedagógicas
e psicológicas, mas também a criminologia, a sociologia e as ciências
políticas? E significaria também aceitar a possibilidade de uma
continuidade entre a violência “miúda” e a violência mais grave, suposição
essa que, sem dúvida alguma, daria margem a problemas.
16
As conclusões desse encontro mantiveram-se nos limites da prudência.
Embora os comportamentos “pró-sociais” e “anti-sociais” tenham sido
deixados de lado na proposta de descrição do programa, o termo violência
também não apareceu, e a fórmula inicial de “promoção da segurança nas
escolas” foi mantida. Isso não era muito, mas, pelo menos, os debates haviam
acontecido e, apesar das divergências, o desejo por um trabalho conjunto foi
expresso com clareza. Em princípio, pelo menos, uma vez que essas
divergências mascaravam também posições de poder no campo científico e
no complexo jogo das instituições internacionais. Não seria verdade que os
diversos debates sugeriam pistas sobre as maneiras pelas quais esse campo é
estruturado? Pesquisas antigas e bem-estabelecidas sobre políticas públicas,
que já haviam sido postas em prática nos países do norte da Europa,
disseminavam-se agora pelos países do sul, em parte por meio da
comercialização de um famoso questionário – o questionário Olweus. Essa
pesquisa, cujo interesse não é aqui colocado em questão e à qual iremos
retornar mais adiante, não tratava da “violência” como um todo e,
incidentalmente, sequer usava esse termo. Refiro-me aqui à pesquisa intitulada
Intimidação nas Escolas3 (Olweus, 1978, 1993, 1999). Por outro lado, o desejo
de empregar a palavra “violência” pode ter sido uma estratégia usada pelos
pesquisadores franceses, visando se afirmar no jogo internacional, uma vez
que, na França, essa questão já havia anteriormente sido estabelecida como
um tema legítimo de pesquisa (Debarbieux ,1996, 1999; Debarbieux e
Montoya, 1998). Seria fácil sentir indignação em face de jogos de poder como
esses, em se tratando de uma questão dessa natureza. No entanto, como foi
demonstrado por Bourdieu (1997), em continuidade a Max Weber (1919), é
exatamente criando controvérsias e possibilidade de debate,
independentemente dos motivos para tal, e vendo-se forçada a tratar os temas
de forma mais metodológica, que a comunidade científica realiza seu trabalho.
Como, de maneira correta e irônica, nos faz lembrar o sociólogo da ciência
Bruno Latour (Latour, 1995), “é precisamente a competição científica que
está na origem dos efeitos da racionalidade, da possibilidade de repetição dos
fatos estabelecidos e da solidez das conclusões extraídas”. A estruturação
inicial desse campo científico mostra assim a oposição de pontos de vista, na
qual a própria descrição do objeto de estudo é posta em questão.

3 Nota do Tradutor: em inglês, School Bullying.

17
“VIOLÊNCIA”: VENTURAS E DESVENTURAS
DE UMA PALAVRA

Três anos após esse primeiro encontro, poucos são os países e os


cientistas que não aceitam, mesmo que com certa má-vontade, o termo
“violência nas escolas” ou algum outro equivalente – o que,
evidentemente, causa alguns problemas, inclusive de ordem lingüística.
Existe hoje um “Observatório Europeu da Violência nas Escolas”, que
edita o presente livro. Em março de 2001, esse Observatório realizou,
em Paris, uma conferência internacional sobre “Violência nas Escolas e
Políticas Públicas”, a primeira conferência a enfocar especificamente
esse tema e que já recebeu aproximadamente 200 propostas de trabalhos
vindas dos cinco continentes, o que testemunha a importância conferida
pela comunidade científica internacional ao tema (agora) explícito da
“violência nas escolas”. Por que razão essa mudança teria acontecido, e
como? Que tipo de construção de objeto vem hoje ocorrendo?
Devemos, de partida, mostrarmo-nos céticos e críticos com relação
a dois pontos. O primeiro deles é de natureza epistemológica: usar o termo
“violência” para descrever fenômenos altamente díspares não seria uma
extrapolação abusiva e bastante anti-científica desse conceito? Bonafé-
Schmitt (1997) denuncia a “visão inflacionista da violência”, conceito
sob o qual “foram agrupados não apenas a agressão física, a extorsão e o
vandalismo, mas também aquilo que é conhecido como ‘incivilidade’: falas
ofensivas, linguagem chula, empurrões, xingamentos e humilhação”. Essa
abrangência excessiva parece tornar o conceito impensável, criando
confusão semântica e léxica. O segundo ponto, que é de natureza mais
política, está ligado a um possível “efeito de moda” ou, o que é ainda
pior, a uma pré-fabricação social da violência nas escolas, com origem na
mídia, o que faz com que a questão científica seja arrastada para o nível
do sensacionalismo e da demanda social por repressão. Um corolário
freqüente dessa crítica é: será que os cientistas, falando sobre a violência,
não estariam contribuindo para sua existência? Essas duas críticas são
fortes e bem-fundamentadas, devendo ser tratadas de forma direta.
A primeira crítica parte de uma compreensão equivocada da
maneira como é construída a terminologia das ciências humanas, esse
“léxico impraticável”, nas palavras de Passeron (Passeron, 1991). Uma
18
vez que a “violência” se tornou um conceito científico (usado por
cientistas), podemos aplicar a ela a excelente demonstração proposta por
esse autor, que mostra que as definições teóricas da palavras nada fazem
além de assegurar sua legibilidade, ao passo que é na escolha de raciocínios,
métodos e formulações que o pesquisador garante o “controle teórico”
das virtualidades semânticas dos conceitos. Como também afirma
Passeron, nas situações de pesquisa, qualquer tentativa de confinar os
conceitos aos limites estritos de uma definição “imediatamente os reduz
a pálidos resíduos acadêmicos, concentrados ineficazes de associações
verbais, desprovidos de indexação ou de vigor”. Levando ainda mais longe
essas observações epistemológicas, poderíamos até mesmo nos basear no
pragmatismo da linguagem, que, a partir de Wittgenstein, coloca em
questão a própria idéia de “conceito” e, portanto, da eterna definição,
num vocabulário apropriado à coisa. “A verdade não pode ser externa –
ela não pode existir independentemente da mente humana –, uma vez
que as sentenças não existiriam, não estariam aí, à nossa frente. O mundo
está lá, do lado de fora, mas não as descrições que dele fazemos. Apenas
elas podem ser verdadeiras ou falsas. O mundo, em si, não poderia ser
sem a intervenção das descrições feitas por seres humanos” (Rorty, 1993).
Em suma, o vocabulário científico não “descobre” o que é verdade; ele é
construído e, ao construir-se, ele constrói novos paradigmas. Em outras
palavras, é um erro fundamental, idealista e anti-histórico acreditar que
definir a violência – ou qualquer outra palavra – consista em aproximar-
se o mais possível de um conceito absoluto de violência, de uma “idéia”
de violência que permita um encaixe preciso entre a palavra e a coisa.
Em termos metodológicos – e veremos mais adiante como a
pesquisa européia tenta fazê-lo – não deveríamos estar realizando
pesquisas sobre a violência como um todo indivisível, mas, ao contrário,
estar multiplicando pontos de vista (indicadores) que nos ajudem a
encontrar o que é real num conceito que é ineficaz devido à sua
generalidade. Os pesquisadores deveriam explicitar seus pontos de vista
e suas escolhas, mostrando como seus resultados conferem nova
visibilidade a essa realidade. O poder cumulativo dos pontos de vista
fragmentários fornece uma perspectiva geral do objeto4, formando um
conhecimento que é sempre temporário e passível de ser superado, de
4 É precisamente isso que faz a análise fatorial: situar os objetos num espaço multidimensional, alterando a direção
dos eixos.

19
acordo com os novos indicadores e as novas operações de pesquisa.
Não pode haver conhecimento total sobre a violência – sobre a violência
social na escola – porque tudo o que nos é possível é obter representações
parciais dela, e temos que aceitar esse fato ou tornarmo-nos prisioneiros
da fantasia de onisciência, que é tudo menos científica. Podemos aqui
perceber uma primeira oportunidade de ir além das cisões e das
divergências, mostrando que as diferenças de pontos de vista oferecem
uma pluralidade de conhecimento e de representações. Quanto a isso, a
abordagem internacional é imensamente rica, contribuindo, como de
fato o faz, para colocar em perspectiva as certezas etnocêntricas e até
mesmo para abrir novos estilos de pesquisa e de escrita5. No entanto,
não se deve negar que uma nova posição, nesse campo, possa também,
por vezes, demonstrar a distorção ou o mau uso da maneira como os
fatos são vistos. Em termos ainda mais concretos e muito simples, o
fato de atos sociais heterogêneos serem agrupados sob o termo genérico
“violência” pelos protagonistas escolares é, em si, algo que deve ser
levado em conta, consistindo num dos pontos de vista possíveis.

O PERIGO DA MÍDIA

Essa extrapolação, por parte dos próprios protagonistas, da palavra


“violência”, para abranger atos que aparentemente são de outra natureza,
nos leva à segunda crítica, que, como já dissemos, é de ordem política.
Esse interesse pela violência pode parecer suspeito, na medida em que ele
talvez venha a alimentar as representações conservadoras de uma infância
indisciplinada, justificando assim todas as políticas repressivas e
retrógradas do excesso de supervisão. Não seria o desejo de conhecimento
um disfarce para a necessidade de controle, que é a rede de segurança das
sociedades liberais? Essa é a fundamentação da crítica de Loïc Wacquant
(1999), sobre a “nova orientação punitiva comum” que, originária das

5 Esses outros “estilos” são evidentemente limitados em número e devem ser colocados num contexto de
globalização, particularmente no que concerne ao conhecimento especializado (Giddens, 1923). Este próprio livro,
no entanto, dá testemunho dessa diversidade ainda assim muito ampla, e que não é meramente disciplinar.

20
Américas, está agora se disseminando pela velha Europa sob a forma
de um neo-conser vadorismo que vem contribuindo para a
criminalização da pobreza e, ao menos no que se refere a nosso assunto,
mutatis mutandis, para que ele, ainda em seus primórdios, seja
interpretado como uma maneira de aliviar o Estado “de suas
responsabilidades na gênese social e econômica da insegurança,
apelando, ao contrário, para a responsabilidade individual dos
habitantes das áreas ‘incivis’, dos quais agora se espera que exerçam
controle social estrito sobre si próprios” (id., p. 23), advogando uma
tolerância zero a partir de tenra idade.
Desse ponto de vista, a construção do objeto está vinculada à opinião
pública manipulada pela mídia e pelos poderes políticos. Seria a “violência
nas escolas” nada além de um modismo de mídia, no qual os pesquisadores
europeus embarcaram ou, pior ainda, um álibi para as tentações repressivas
que o mundo dos “especialistas” estaria tentando justificar? Essa é uma
crítica severa, mas não de todo infundada. É bem possível, aliás, que o
tema da violência escolar tenha ganho proeminência principalmente por
meio de campanhas de mídia extravagantes, ocorridas na maioria dos países
europeus. Novos episódios impactantes – e raros – foram enfatizados para
descrever a erupção da barbárie infantil, confusamente misturados a um
discurso sobre a decadência educacional (tendo como alvo principalmente
as famílias de um só genitor) e acompanhados de explicações simplistas
sobre a influência direta da violência da televisão ou dos videogames, ou das
conseqüências sombrias da imigração. Foi isso que se sucedeu no caso da
Alemanha, onde a reunificação serviu de combustível a tensões xenófobas
(ver o texto de Funk, neste livro). Na Inglaterra, como o demonstram Blaya
e Hayden neste mesmo livro, os assassinatos de Dunblane atuaram como
catalisadores (ver também Blaya, 2000), e sabemos também que, na Suécia
(Lindström, em RPF, 1998) e na Espanha (Moreno, em RPF, 1998), a tensão
provocada pela mídia não foi menor. Também eu analisei essa construção
no caso francês (Debarbieux, 1998), onde o assunto parece ter-se
transformado numa inexaurível mina de ouro para a imprensa escrita e
televisiva. No tocante aos próprios programas de ação, estes, muitas vezes,
foram diretamente patrocinados pelas autoridades públicas. Na França, por
exemplo, foi uma licitação conjunta, de iniciativa do Ministério da Educação
e do Ministério do Interior, realizada em 1995, que deslanchou o trabalho
21
de cerca de dez equipes (Charlot e Emin, 1998). No nível europeu, a maior
parte dos programas de larga escala (Socrates, Daphné, Connect, etc.) hoje
inclui a luta contra a violência escolar entre as iniciativas que se qualificam
para os subsídios. Na Suécia e na Inglaterra, entre outros países, os programas
para tratar da intimidação por colegas (bullying) há vários anos vêm dando
origem a inúmeros incentivos nacionais e locais.
As equipes de pesquisa, portanto – embora em graus variáveis –, vêm
transformando a questão da “violência nas escolas” num meio de vida, e
muitas carreiras já foram construídas sobre esse tema, todas elas fazendo uso
dos subsídios concedidos pelas autoridades públicas. No entanto, seria
demasiadamente falso e injusto reduzir todas as pesquisas realizadas na área
a uma questão de produção pública ou, para ser mais exato, isso seria ingênuo
a ponto de dar uma impressão totalmente equivocada das regras que regem a
produção social de dados científicos. É precisamente nesses períodos de
competição exacerbada que maiores dúvidas tendem a ser levantadas quanto
às pesquisas sobre questões delicadas. Essa dúvida hiperbólica exige clareza
na formulação dos princípios e métodos que, normalmente, garantiriam a
natureza refutável dessa dúvida. No caso francês, anteriormente a esse período
de mobilização das autoridades públicas, o discurso sobre a violência nas
escolas já existia, mas os trabalhos empíricos eram poucos. Foram propostos
modelos (por exemplo, sobre a importância da padronização do ensino), mas
não havia muitos bancos de dados para conferir seus resultados, completá-
los ou propor outros modelos explicativos. O período que teve início em
1995 assistiria, nessa área, ao surgimento de novos modelos e de novas equipes
capazes de questionar determinadas idéias estabelecidas e, mais adiante, iremos
ver como está a situação no nível europeu. Condenar a entrada de novos
pesquisadores no debate é inútil. Essa entrada não pode ser reduzida a uma
coletânea cínica de novos episódios – coletânea essa que deve mais àqueles
que comentam do alto, a partir de suas cátedras pouco simbólicas, do que a
um ponto de vista empírico. Longe de se tratar de uma legitimação pseudo-
científica da doxa política que criminaliza a pobreza, o que vemos é, de fato,
uma desconstrução dos novos episódios, um novo rigor metodológico e o
surgimento de novas questões que, ao contrário do que propõe a tese
ultra-esquerdista, tendem a opor resistência à rationale puramente
repressiva.
22
DESCONSTRUINDO OPINIÕES

Haveria, com relação ao tema da violência nas escolas, uma


“fantasia de insegurança”, fantasia essa que serviria apenas para
exacerbar a demanda social por mais repressão e pelo aumento de um
controle social ilegítimo, e não estariam os pesquisadores, por meio de
seu trabalho, alimentando essa fantasia e essa demanda por repressão?
A resposta a essa pergunta pode ser dupla: há, sem dúvida alguma, um
certo exagero na representação da violência nas escolas, e o trabalho
científico contribui para medir a extensão desse exagero, sem
necessariamente relegar as vítimas à infame categoria de “fantasiadores
da insegurança”. A maioria dos trabalhos concorda que, mesmo sem
subestimar a extensão quantitativa dos crimes e dos delitos ocorridos
no ambiente escolar, ela é limitada (Debarbieux, 1996; 1999; Facy, em
Charlot & Emin, 1997; Gill & Hearnshaw, 1997). A febre da mídia já
está estabelecida como tal e, nas escolas, alguns observadores notaram
uma real tendência a usar a ‘“violência” como desculpa para a repressão
e o conservadorismo (Debarbieux, 1996, p. 60; Payet, 1997). A tarefa
dos pesquisadores é demonstrar – muitas vezes com uma sensação de
cansaço, devido à repetição – que temos que resistir à tentação de buscar
uma segurança exagerada, que se alimenta de incidentes únicos que põem
em estado de alerta a opinião pública e os políticos. Mais que uma
simples qualificação alternativa desses novos episódios, tentando colocá-
los em perspectiva de curto e de longo prazo, há uma tentativa de mostrar
que a violência tem uma história, que ela não aparece de repente e que
ela é previsível, porque é socialmente construída. Dessa maneira, as
pesquisas justificam mais as estratégias preventivas que as repressivas,
não apenas por razões de valores ideológicos, mas também por razões
de pragmatismo. Isso não vale apenas para a Europa: as pesquisas norte-
americanas de criminologia não são realizadas por um bando de
conservadores neofascistas, como denunciado por Wacquant (1999) –
que só erra ao esquecer que as sociedades, até mesmo as científicas,
são estratificadas, reificando, portanto, as chamadas posturas norte-
americanas. Ao contrário, o debate tratando dos contraventores
muito jovens ou da presença de ar mas letais nas escolas tenta
23
demonstrar a natureza infundada e ineficaz da cruzada conservadora,
que tenta aplicar aos menores as leis adultas, inclusive a pena de morte.
No entanto, ao subestimar a extensão quantitativa da violência,
corremos o risco de aprisionar suas vítimas na culpa ou no silêncio. Apesar
de as vítimas serem raras, nem por isso é menor o dever social de conhecê-
las melhor e de assegurar que elas sejam bem-cuidadas após o trauma sofrido.
Além disso, a “cifra oculta” da vitimização (ou seja, o número das vítimas
desconhecidas, em razão de elas não terem dado parte da ocorrência) está
ligado à própria produção de dados estatísticos oficiais diretos ou indiretos.
O paradoxo das estatísticas criminais é bem conhecido: elas medem, acima
de tudo, o estado de mobilização dos serviços públicos, sejam estes a polícia
ou, como no presente caso, as instituições educacionais e jurídicas. O uso
dessas estatísticas para corroborar alegações de aumento (ou redução) da
delinqüência juvenil ou da violência nas escolas é, portanto, enganoso
(Aubusson de Carvalay, 1998) – o que não significa que as estatísticas sejam
desprovidas de valor. Mas há ainda um outro paradoxo oculto por esse
foco num possível exagero: essas estatísticas sempre subestimam o número
das vítimas. Apenas os levantamentos de vitimização podem nos levar a
conhecê-las melhor. Diferentemente das pesquisas sobre “delinqüência”,
que medem as representações e as atividades das instituições policiais e
jurídicas, a abordagem dos estudos de vitimização, ao invés de concentrar o
foco no perpetrador, permite que os delitos sejam entendidos do ponto de
vista da vítima, que assim se vê transformada num informante privilegiado.
Essa abordagem trata do problema do sofrimento sem vinculá-lo a algum
modelo que possa fazer com que as vítimas se sintam culpadas.
Metodologias desse tipo estão se tornando mais comuns na
Europa, mobilizando pesquisadores em levantamentos de ampla escala
e construindo bancos de dados que irão permitir uma mensuração mais
precisa da extensão e da evolução do fenômeno. Na França, o
levantamento elaborado por Horenstein (em Charlot & Emin, 1997)
sobre professores vitimados abrangeu 269 professores que haviam
sofrido ataques, enquanto o estudo de vitimização de autoria de Carra e
Sicot (1996) teve como objeto 2.855 alunos. A pesquisa realizada por
nosso Observatório cobre agora quase 30.000 alunos franceses, com
estudos feitos em 1995-1996 e 1998-1999; mais de 1.500 alunos na
Inglaterra; mais de 1.000 na Bélgica, e ela será estendida à Espanha e à
24
América Latina. Os levantamentos sobre intimidação por colegas ocorrida
nas escolas são amplamente generalizados: questionários foram aplicados
a várias centenas de milhares de alunos na maioria dos países europeus,
bem como no Japão e na América do Norte (Smith & Sharp, 1994). Além
dos levantamento de larga escala, muitos outros métodos vêm sendo usados:
questionários enviados pelo correio ou aplicados diretamente, grupos de
trabalho, entrevistas individuais, levantamentos de vitimização, análise
secundária de dados estatísticos ou de documentos administrativos,
observações etnográficas e estudos de caso, intervenção de pesquisa
através de mediação, etc. Longe de nos encontrarmos numa situação de
aplicação de opiniões estabelecidas, vemo-nos na presença de uma real
revolução metodológica, uma maneira de estabelecer a distância necessária
para a construção do objeto, enquanto os dados empíricos se acumulam e
se ampliam as discussões sobre modelos.

O LADO DAS VÍTIMAS OU AS VIRTUDES DA


GLOBALIZAÇÃO DO CONHECIMENTO

Há uma convergência profunda nas pesquisas atuais sobre violência


nas escolas: essas pesquisas optaram por ouvir as vítimas, por não aprisioná-
las na negação ou na culpa. Adotando essa linha de ação, as pesquisas
demonstraram a importância daquilo a que poderíamos chamar de
“microviolência”, que provavelmente se enquadra na mesma categoria
que a intimidação ou na categoria de “incivilidade”, conceito esse
freqüentemente usado nas pesquisas francesas, após ter sido empregado
nas norte-americanas. É bem provável que esses dois conceitos estejam
em vias de se tornar obsoletos: um novo vocabulário tem sido criado, o
que é bom e dá testemunho do questionamento epistemológico e
metodológico pelo qual atualmente vêm passando esses conceitos.
Na Europa, já são antigas as pesquisas específicas sobre intimidação
por colegas na escola. Elas levaram a uma melhor compreensão de
determinados mecanismos da vitimização, fornecendo provas abundantes
dos riscos de longo prazo corridos pelas vítimas e mostrando, por exemplo,
após levantamentos longitudinais, que as crianças submetidas a
intimidação apresentavam um risco quatro vezes maior que as demais de
25
virem a tentar o suicídio. Elas mostraram também que a maioria dos
delinqüentes apresentava o perfil de um intimidador (bully). Mas esses
conceitos têm seus limites – como acontece também com qualquer conceito
científico, conforme afirmamos anteriormente. Como ressalta Catherine
Blaya (Blaya & Debarbieux, 2000) restringir a violência na escola à
intimidação é uma abordagem que não leva em conta, por exemplo, a
violência dos adultos para com os alunos ou a violência anti-institucional
que pode ser observada no aumento da vandalização dos prédios ou na
agressão (principalmente verbal) contra os professores que representam a
escola. Além do mais, a intimidação é um conceito psicologizante que
tende a individualizar o problema, responsabilizando apenas o perpetrador
e a vítima, ou, às vezes, a família. Esses protagonistas são retirados do
contexto, e nem o contexto socioeconômico nem o contexto da instituição
escolar são levados em consideração. O perigo aí contido é que podemos
ser induzidos à teoria de que o comportamento é determinado apenas por
fatores individuais, sobre os quais a pessoa não exerce qualquer controle.
A solução para o problema seria portanto fácil: isolar dos demais os
elementos causadores de perturbação. Muitas vezes, o risco de patologizar
os comportamentos desordeiros encontra-se presente, inocentando as
instituições sociais da geração de violência. Além disso, a palavra
intimidação não foi extraída do vocabulário cotidiano e reestruturada após
pesquisas científicas, como se deu com o conceito de violência, mas, pelo
contrário, devido à sua disseminação em meio ao corpo social, ela perdeu
sua definição original, ingressando no campo semântico da violência. Blaya,
entrevistando mais de 800 alunos britânicos, mostrou que, para eles,
intimidação hoje significa algo totalmente diverso de sua acepção original,
referindo-se agora mais a discussões entre amigos ou a brigas ocasionais,
a empurra-empurra nas filas da cantina ou a implicância entre as meninas.
Em outras palavras, a intimidação, tanto no campo quanto nas pesquisas
atuais, vem-se incorporando à “violência”, termo esse que reorganiza os
pontos de vista.
As pesquisas sobre intimidação por colegas, entretanto, permitiram
um grande avanço por terem sido as primeiras a fazer com que a
importância das vítimas fosse percebida, mostrando também que o
acúmulo de stress – como é possível descrever os efeitos da intimidação –
pode afetar essas vítimas tanto quanto atos de violência mais explícita.
26
Essas pesquisas ressaltaram também o fato de que há vítimas de carreira e
intimidadores de carreira, carreiras essas que são formadas ainda em tenra
idade. A influência dessas pesquisas sobre as políticas de prevenção, na
Europa e em outras partes do mundo, foi enorme. O fato de a França, até
tempos recentes, não ter dado atenção a esse conceito está relacionado ao
fraco acompanhamento das políticas preventivas nesse país. As comparações
internacionais, portanto, podem levar a uma revisão dos conceitos e das
políticas públicas. Por outro lado, estudando mais especificamente a
delinqüência no ambiente escolar, enfatizando os efeitos grupais ligados à
violência anti-escola e questionando de maneira mais completa os efeitos
dos fatores sociais e políticos, as pesquisas francesas enfocam outras questões
e contestam os modelos de orientação behaviorista, tendendo a conduzir as
pesquisas mais em termos de análise institucional e sociopolítica.
As pesquisas francesas sobre a violência nas escolas vêm, há anos,
se utilizando do conceito de incivilidade, que pode ser visto como o
correspondente sociológico da intimidação (Payet, 1992; Debarbieux,
1996, por exemplo). Os levantamentos de vitimização demonstram que,
embora um número significativo de alunos e professores sejam vitimados
por agressão criminosa caracterizada, na grande maioria dos casos, aquilo
que é considerado como violência não é passível de ser enquadrado no
Código Penal, podendo, entretanto, ser subdividido em categorias úteis
tais como “violência verbal”, ou, simplesmente, “atmosfera hostil” ou
“falta de respeito”. Essa extrapolação da palavra violência poderia ser
vista como imprópria e absurda, ou até mesmo perigosa. No entanto, uma
tal atitude estaria negligenciando, numa postura aristocrática e desdenhosa,
o que os alunos e seus professores estão tentando comunicar. O conceito
de incivilidade, originário da criminologia, foi proposto para permitir uma
melhor descrição daquilo que de fato acontece. A incivilidade é, antes
de mais nada, resultante da pequena delinqüência: passível de punição
e qualificação, embora de difícil controle – sabemos que 80% das queixas
não recebem acompanhamento. As vítimas desses pequenos delitos são
deixadas com uma impressão geral de desordem e de violência num
mundo mal regulamentado. O modelo psicossociológico da insegurança
como “fantasia” é assim colocado em questão: longe de ser uma
preocupação injustificada num período de rarefação do crime, a
insegurança vincula-se a microvitimizações que não são passíveis de
27
serem tratadas pelas autoridades públicas, em razão do seu número. Além
disso, esses incidentes não são necessariamente penalizáveis, eles são
“desordens comuns”, tomando de empréstimo a expressão de Roché (1996).
No entanto, mesmo em suas formas mais anódinas, elas não podem ser
toleradas, devido ao sentimento de desrespeito gerado entre os que são
vitimados por elas. Nas escolas, isso leva a uma forte crise de identidade,
tanto entre os alunos quanto entre os professores, e a palavra-chave do
discurso é “respeito”, sem o qual não pode haver nem prestígio nem uma
identidade social adequada. O que é importante, nesse conceito, é que ele
nos permite compreender o modo pelo qual as vítimas de atos repetidos de
incivilidade gradualmente se tornam introvertidas: elas abandonam um corpo
social do qual se sentem excluídas e desertam as áreas coletivas que, por
serem lugares de ninguém, são relegadas à violência mais severa. O que é
grave não é “um” ato de incivilidade, mas sua repetição, a sensação de
abandono que resulta nas vítimas e o sentimento de impunidade que se
desenvolve entre os perpetradores (sejam eles jovens ou adultos).
A incivilidade não deve servir para que a violência ou a
delinqüência sejam minimizadas. No entanto, tampouco ela deve ser
supervalorizada por generalização, ou ser usada para isentar as
representações de insegurança, quaisquer que sejam elas, de um possível
exagero, ou confundir ameaças à ordem com a desordem intolerável e
excessiva que acaba por levar ao crime. O uso excessivo do conceito de
incivilidade pode levar a uma superqualificação da desordem escolar, o
que significaria uma percepção equivocada do que está realmente em
questão e, ao mesmo tempo, a tendência à adoção de uma antropologia
cultural xenófoba. A incivilidade que ocorre nas escolas não deve ser
pensada em termos de uma confrontação entre o “bárbaro” e o
“civilizado”: a incivilidade não é falta de civilização, e tampouco “falta
de educação”. A incivilidade é interativa e pode acontecer tanto da parte
de adultos quanto de crianças. Em suma, esse conceito deve ser tratado
com cuidado, principalmente por ter conotações altamente negativas
junto ao público, podendo servir para estigmatizar populações inteiras.
Essa é a razão pela qual nós, hoje, preferimos abrir mão desse termo
excessivamente ambíguo, optando por usar, em seu lugar, o termo
microviolência, cujos mecanismos, entretanto, podem ser descritos em
termos de incivilidade ou de intimidação.
28
O que as noções de incivilidade ou de intimidação têm a nos
dizer? Elas mostram que a violência não se limita a um único elemento
traumático, eruptivo e inesperado – embora, por vezes, isso de fato
aconteça. Certamente, não devemos imaginar que todas as vítimas
tenham predisposição a serem vítimas. A violência, tanto para quem a
comete quanto para quem é submetido a ela, é, na maioria das vezes,
uma questão de violência repetida, às vezes tênue e dificilmente
perceptível, mas que, quando acumulada, pode levar a graves danos e a
traumas profundos nas vítimas, e a um sentimento de impunidade no
perpetrador (embora devamos ter sempre em mente que certos
perpetradores costumam ser, eles próprios, vítimas). Deve ser lembrado
que os estudos sobre intimidação estabeleceram com clareza um forte
vínculo entre esses atos e o suicídio. Essa microviolência tem também
efeitos sociais importantes: o baixíssimo nível de auto-estima das vítimas
costuma ser acompanhado de uma introversão que anula qualquer
possibilidade de ação conjunta, qualquer maneira coletiva de lidar com
a civilidade. Carreiras delinqüentes são construídas sobre atos repetitivos
e sobre a falta de preocupação com o dia-a-dia, e o mesmo acontece
com as carreiras das vítimas.
A construção do objeto “violência nas escolas”, atualmente em
curso, cria a oportunidade do encontro de movimentos de pesquisa
muitas vezes divergentes, mas que podem se enriquecer mutuamente
por meio da sugestão de novas questões e da construção de um novo
vocabulário, um dos pontos-chave do progresso científico. Se é verdade
o que disse Lévi-Strauss sobre um bom pesquisador ser alguém que
faça boas perguntas, não há então dúvida de que esses encontros, essas
convergências e essas divergências sejam atos de ciência, pelo simples
fato de perguntas serem colocadas.

CONCLUSÃO: VIOLÊNCIA E RAZÃO

Que ninguém se engane: a interpretação que aqui proponho para


as pesquisas européias sobre a violência nas escolas não é nem romântica
nem cínica. Para concluir, eu gostaria de demonstrar que essas pesquisas
estão em estado de constante construção e que, gradualmente, elas chegam
29
a atingir a maturidade. Para tal, simplesmente retornarei às características
que Bruno Latour (Latour, 1995) propôs para descrever “o trabalho do
pesquisador, aplicando sua demonstração não a casos individuais, mas a
toda uma comunidade”. Latour propõe um modelo que define os cinco
horizontes da pesquisa, que são descrições das tarefas que têm de ser
executadas por uma comunidade científica, para que ela possa ser considerada
como tal.
A primeira categoria de tarefas tem como objetivo obter uma
mobilização do mundo que, para as ciências sociais, vem através da
construção de bancos de dados organizados após a realização das
pesquisas. Esse trabalho faz com que seja possível a mobilização do
mundo, em outras palavras, torna-o legível e capaz de entrar em cálculos
e combinações diversas, estatísticas, inclusive. Sem dúvida alguma, é
esse o caso dos pesquisadores interessados, na Europa: os
levantamentos realizados incluem dezenas de milhares de indivíduos
entrevistados, e os bancos de dados internacionais são regularmente
enriquecidos, graças, entre outras agências, ao Observatório Europeu
da Violência nas Escolas.
O segundo horizonte, nas palavras de Latour, vem “criando
colegas”, o que quer dizer, pessoas capazes de entender e criticar – de
forma cortês, mas firme – o que é feito (metodologia) e o que é dito (modelos).
As políticas públicas, tanto nos níveis nacionais quanto no nível europeu
foram os elementos que deslancharam a construção dessas redes de contatos.
A própria existência de diferentes projetos (por exemplo, o Observatório,
mas também o projeto sediado em torno de Peter Smith, na Inglaterra)
constitui-se numa oportunidade de criar essa comunidade de colegas –
comunidade essa que, às vezes, é amigável, às vezes, competitiva, mas que
é de fato uma comunidade de debate, o que representa a pedra angular de
qualquer ética específica a uma comunidade científica.
O terceiro horizonte é a criação de alianças com “pessoas que possam
ter tido interesse em operações prévias”. As instituições públicas participam
intensamente do financiamento das pesquisas, embora isso não evite a crueldade
do “gerenciamento comercial” das equipes. De importância pelo menos
equivalente é a abertura do campo para essa pesquisa, como muitas vezes é o
caso em relação aos projetos de iniciativas de combate à violência escolar.

30
O quarto horizonte é o da “divulgação” do trabalho científico.
Não se trata aqui de “jogar o jogo da mídia”, mas não precisamos nos
esconder por trás de uma atitude desdenhosa com relação ao público.
Paradoxalmente, o tema da violência escolar oferece aos pesquisadores,
caso eles ajam com cuidado, a oportunidade de contribuir para tornar
racional um debate de mídia que vem se configurando como um verdadeiro
campo minado.
Por fim, o quinto horizonte trata das idéias e dos conceitos que
reúnem os quatro horizontes anteriores e que consistem no próprio
conteúdo da atividade científica. Todos os debates sobre os indicadores
de violência, delinqüência, intimidação e incivilidade apontam para a
existência de uma comunidade em operação.
O trabalho de pesquisa não tem lugar numa aristocrática torre de
marfim, reservada aos pesquisadores natos. Seu trabalho não pode ser
isolado das condições estratégicas que permitem que ele seja posto
em prática: sem essas condições não haveria créditos, nem colegas,
nem mobilização do mundo. Não se trata de uma concepção
cinicamente utilitarista, mas apenas da aplicação à sociologia da ciência
de um clichê sociológico desnaturalizante: “você não nasce
pesquisador nato, você se transforma em um”. Não se trata aqui da
comunidade científica em si, mas apenas de uma comunidade em
construção permanente, e isso é o que acontece na Europa, em relação
à violência escolar.
No entanto, independentemente desse suposto cinismo ou da
possibilidade de algum tipo de instrumentalização de uma questão dolorosa,
as pesquisas sobre violência escolar estão particularmente bem-equipadas
para implementar processos de racionalização científica ou, se me permitem
o uso desse termo, de logos, no sentido de que logos é também – embora não
exclusivamente – uma implementação da razão, constituindo-se no extremo
oposto da violência (Weil, 1967). Há projetos científicos que, de saída, têm
de ser também projetos éticos. Essa, pelo menos, poderia ser a similaridade
entre o cientista e o político, no que diz respeito à violência nas escolas: um
projeto ético que leva em conta as vítimas, tanto em termos de uma ética
de debate quanto de uma ética de responsabilidade. Se o oposto da violência
é a opção pela razão, essas duas éticas, então, podem se aliar para
esclarecerem-se mutuamente. É essa a vantagem de formar uma comunidade
31
científica em torno da questão: ela, quase que automaticamente, aumenta a
demanda pela razão, estabelecendo as condições para desmontar ideologias
e esclarecer ações. É bem verdade que não devemos esperar milagres, e a
necessidade de rejeitar gurus e charlatães deve ser constantemente
reafirmada. No entanto, a comunidade científica européia que trata da
violência nas escolas existe, na medida em que ela é crítica, múltipla e
conflituosa: essa é a única maneira dela realizar seu trabalho.

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33
2. EVITANDO A VIOLÊNCIA NO
AMBIENTE DAS ESCOLAS PRIMÁRIAS
Prof.ª Janine Blomart *

A violência é universal e sempre existiu. O que surpreende e


preocupa é que, nas últimas décadas, ela passou a se manifestar nas escolas.
As escolas eram vistas como lugares privilegiados e preservados,
protegidos dos conflitos – um lugar de socialização. No presente momento,
a “violência” não chega a afetar algumas das grandes escolas secundárias
da Bélgica. No entanto, ela vem lentamente aumentando nas escolas
primárias, sob a forma de incivilidade. Esse “comportamento anti-social”
cotidiano toma diversas formas (ruído permanente, rudeza, recusa a
trabalhar, passividade, hostilidade e zombaria) e envenena a atmosfera
das salas de aula, avilta os professores e desgasta sua energia e, ao mesmo
tempo, degrada as relações entre os adultos, entre as crianças e entre
crianças e adultos.
Frente a essa situação, uma disciplina mais severa, chegando a
levar à exclusão do aluno, tem-se tornado menos eficaz e menos
apropriada.
Sem reagir exageradamente à atual situação, é importante que
permaneçamos alertas e preparados para um possível aumento dessa
violência.
Algumas observações realizadas em outros países europeus, e que
foram conosco compartilhadas nos torna apreensivos quanto a esse
agravamento da situação:

* Universidade Livre de Bruxelas. Laboratório de Psicologia Clínica e Diferencial, Bélgica.

35
• A violência verbal e o uso de linguagem chula tornaram-se mais
freqüentes.
• Crianças cada vez menores passam a apresentar mau
comportamento, principalmente violência física.
• Um “jogo” chamado “matage” envolve agressão grupal a uma
vítima escolhida, no espaço do parque de recreio.
• Extorsão sofrida por alguns alunos e delatada por colegas, além
da introdução das drogas, que, em algumas escolas, se transformou
num verdadeiro flagelo.

Nos últimos anos, diversos autores (Debarbieux, 1996, 1988;


Montoya, 1988; Pain, 1997; Payet, 1995) identificaram vários outros
fatores que talvez propiciem a violência nas escolas. Eles são numerosos
– a difícil situação social (pobreza, desemprego, injustiça social,
xenofobia...), insegurança dentro da família (conflitos, separações, criação
de novas famílias, abandono, baixos padrões educacionais, etc.). Além
desses fatores, há também indivíduos com problemas especiais como
dificuldades emocionais, problemas de autocontrole, problemas de
relações humanas, etc. Devem ser mencionados também os fatores
relativos à instituição (prédios e ambientes sombrios e pouco acolhedores,
disciplina rígida, elitismo, o nível de fracasso acadêmico, conflitos internos
ao corpo docente...), como também os fatores ambientais (áreas de
cortiços, moradias de baixa qualidade, insegurança nas ruas...). Tudo isso
é bem conhecido, não necessitando de análises adicionais.

O NÍVEL DE VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS


DA BÉLGICA FRANCÓFONA

Esse problema, em anos recentes, começou a preocupar as


autoridades educacionais. Os estudos estatísticos são poucos e
incompletos.
J. Ganty (1995) realizou uma pesquisa baseada na “Radioscopie de
L’Enseignement” de 1992 e num estudo de autoria de M. Born (1993) sobre
as experiências dos adolescentes de idades entre 14 e 21 anos.
36
A “Radioscopie de L’Enseignement” traz as respostas dadas por
diretores de escolas primárias e secundárias à seguinte pergunta: “Durante
este último ano (1990-91), algum aluno participou das seguintes
atividades...? 60% dos diretores responderam ao questionário.
Levando em conta a freqüência dessas ocorrências, os percentuais
de diretores que as citaram são os seguintes:
A Tabela 1 confirma um aumento importante da violência ou dos
comportamentos anômalos entre adolescentes.
De 408 escolas secundárias, 82 (+/- 20%) necessitaram do auxílio
da delegacia de polícia para um ou mais atos de delinqüência cometidos
por alunos dentro do estabelecimento, naquele ano.
Por fim, uma pesquisa realizada em Liège (Tabela 2) envolvendo
450 alunos, de idades entre 14 e 21 anos e diferentes áreas de estudo, traz
também informações sobre a experiência de vitimização.
Recentemente, B. Galland e P. Philippot (1999) analisaram a
correlação entre violência, experiência escolar e hostilidade, entrevistando
1.141 alunos de nove escolas diferentes, em duas grandes cidades (Bruxelas
e Charleroi).
Tabela 1 – % de diretores confrontados com os seguintes atos

Ensino Primário Comum Ensino Secundário Comum


Ocasional Freqüente Ocasional Freqüente Muito
freqüente

Absenteísmo 40% 2,75% 62,43% 17,89% 6,62%


Violência física contra
professores 2,29% 0,05% 7,30% 0,18% 0%

Brigas violentas 49,89% 5,59% 59,46% 4,29% 0,89%


Indisciplina no parque 33,3% 0,99% 82,27% 7,80% 1,24%
de recreio
Drogas 0,27% 0,05% 33,89% 1,11% 0%

Pixações nas paredes 49,27% 2,01% 74,47% 11,35% 2,66%

Xingamento a professores 58,69% 3,26% 72,95% 12,28% 3,38%

Vandalismo na escola 64,06% 3,96% 77,09% 13,32% 2,31%

Violência sexual 0,93% 0,05% 3,23% 0% 0%

Roubo 46,83% 1,97% 81,85% 11,21% 0,89%

Média 29,96% 1,78% 50,79% 6,69% 1,50%

37
Tabela 2 – % de jovens confrontados com os seguintes atos

Todos os departamentos e todos os níveis, da primeira à sexta


séries do setor secundário, estiveram representadas. A maioria das queixas
dos alunos dizia respeito ao tratamento inadequado dado às relações
professor-aluno. Esta resposta demonstra que, à medida em que os alunos
avançam da primeira à sexta série, sua experiência escolar degenera, em
termos tanto emocionais quanto racionais – “quanto mais tempo os alunos
permanecem na escola, menos à vontade eles se sentem ali!”
Atualmente, há uma intensa atividade científica, bem como
iniciativas públicas e privadas, visando evitar e/ou combater de forma
eficaz a violência na escola.
Algumas universidades e instituições não-universitárias vêm
respondendo a solicitações ministeriais no sentido da elaboração de
pesquisas que visem ao registro de incidentes violentos e de medidas
adotadas para lidar com eles.1 Em algumas escolas secundárias, outros
estudos microssociológicos2 são realizados in loco, para pesquisar como
começa o comportamento violento e as estratégias preventivas possíveis.
A partir de 1998, uma Lei Ministerial relativa à discriminação
positiva nas escolas estabeleceu diretrizes para a questão da violência
escolar. Como resultado, foram feitas recomendações sobre como intervir
nas “escolas de risco”, e no importante papel que pode ser desempenhado
pelos Centros Psico-médico-sociais.

1 Ver B. Mouvet, ULG; B. Galand e P. Philippot, UCL; École de Santé Publique, ULB.
2 Ver A. Van Haecht, ULB.

38
Um artigo editado pelo Ministro da Educação Secundária3 enumera
os atos violentos considerados delituosos e sugere maneiras de reagir a
esses delitos, quando cometidos, em relação ao perpetrador, à vítima e ao
estabelecimento.
Em 1999, o mesmo ministério criou uma Unidade de Prevenção
da Violência, que tem, entre outros, os seguintes objetivos: incentivar as
escolas a criarem tantas estruturas democráticas quanto possível –
Conselhos Escolares, espaço para diálogo com os alunos, buscar o auxílio
do trabalho de outras agências – a escola, a polícia, assistentes sociais,
etc. – e o estabelecimento de um Centro de Crises de Emergência, para
atender às vítimas da violência escolar.
Na primeira parte de seu estudo, B. Mouvet e sua equipe de
pesquisadores4 definiram diversas categorias de métodos, entre os registrados
em data recente, relativos às pessoas e às instituições envolvidas:

• “Equipe educacional” (o diretor da escola, o


administrador, o coordenador educacional, os professores e
os educadores)
– Treinamento em como administrar conflitos e como melhorar
a relação aluno/professor.
– Disposição a estar aberto a critérios de avaliação.
– Trabalhar no currículo a ser lecionado, de maneira a que ele
corresponda tanto à evolução quanto às necessidades da sociedade.
– Modificação da organização da escola, de modo a reduzir o
anonimato.

• Os próprios alunos
– Treinamento em mediação entre os pares.
– Presença de representantes de classe.

3 Prévention des Violences em Milieu Scolaire, Ed. Communauté Française de Belgique, Cabinet de M. Hazette,
Ministre de l’Enseignement Secondaire des Arts et des Lettres, Bruxelas, 1999.
4 B. Mouvet (2000), Comprendre et Prévenir la Violence à l’École, Service de Méthodologie de l’Eiseignement
de l’Ulg Recherche commanditeé par la Communauté française, Rapport Intermédiaire, Liège,
fevereiro de 2000.

39
– Treinamento em comportamento pró-social e administração
de conflitos.
– Treinamento em cidadania.
– Participação dos alunos na administração da escola.

• Alunos e equipe educacional conjuntamente


– Reuniões do Conselho dos Alunos na presença do Tutor da Classe.
– Jornal escolar.
– Insistir na conscientização sobre o Regulamento da Escola
(deixando claros os direitos tanto da equipe quanto dos
alunos).
– Elaboração de regras operacionais para a turma e/ou para
a escola.
– Os objetivos educacionais do Projeto e o Contrato.
– Interdisciplinaridade.
– Métodos visando a personalizar os contatos e a reduzir o
anonimato.

• Colaboração externa
– Parceria com pais, o Centro Psico-médico social, a polícia, os
serviços judiciários e com mediadores externos.

Entre todas as providências tomadas tanto pelo Ministério quanto


por associações não vinculadas à escola ou pela própria escola, optamos
por nos concentrar nos métodos de prevenção precoce, escolhidos como
o tema principal de nossa pesquisa.

A IMPORTÂNCIA DA PREVENÇÃO PRECOCE


NOS PROJETOS EUROPEUS PARA LIDAR COM A
VIOLÊNCIA ESCOLAR

A prevenção precoce inclui todas as medidas visando a diminuir o


impacto dos incidentes em meio a uma população estável e a reduzir os
riscos de ocorrência de novos casos. É, portanto, de importância capital
intervir antes que surjam sinais de dificuldades.
40
Foi com isso em mente que os primeiros programas de
intervenção foram criados nos Estados Unidos, muitos anos atrás. Um
dos exemplos é o programa “Head Start”, que tratava principalmente
das dificuldades de aprendizado, que são, como é bem sabido, ligadas
ao comportamento anti-social. Em sua análise dos Programas de
Intervenção, J. Larson (1994) encontrou apenas dois programas que
tratavam especificamente da prevenção precoce da violência. Esses
programas eram o “Segundo Passo – um Currículo para Proteger contra
a Violência” (SSVPL, 1992) e o “Currículo de Prevenção da Violência
para Adolescentes” (Prothroe-Stith, 1987). Segundo J.Larson, falta a
esses programas uma avaliação de curto e de médio prazo. Apesar disso,
diz ele, “há suficiente fundamentação teórica substantiva para esses
programas, para justificar sua inclusão ética num esforço preventivo
com base nas escolas, havendo a suposição implícita de que os efeitos
do tratamento serão mensurados” (1994, pág. 161).
Os países da União Européia, evidentemente, seguiram essa
orientação. No relatório “Iniciativa, Violência na Escola (1999)”, a
Comissão Européia lista os projetos em andamento na União Européia,
bem como as políticas dos Estados-Membros em relação ao combate à
violência escolar. A maioria dos países vem desenvolvendo programas de
prevenção, sob diferentes títulos: Instrução Cívica, Educação para a
Cidadania, Educação Sanitária, etc.
Os Ministros da Educação de alguns países, principalmente a
Espanha, a Holanda, a Itália e a Dinamarca, insistem na necessidade de
desenvolver, nas crianças, capacidades de competência social e emocional,
acrescidas de um senso de valores.
Esse programas preventivos nem sempre são de iniciativa das
autoridades públicas ou por elas implementados. Eles, freqüentemente,
foram concebidos e introduzidos nas escolas por organizações externas,
tais como a Cruz Vermelha, o Serviço Escolar de Inspeção Médica, os
Centros de Orientação Escolar, e associações que trabalham para a paz
(Humania e a Universidade da Paz, na Bélgica).
Deve ser ressaltado que muitos experimentos dessa natureza são
implementados pelos próprios professores – como no caso de um grupo
de professores de escola primária de Turim, que introduziram nos currículos
de suas escolas, a partir do maternal, atividades cujo objetivo é incentivar
41
a expressão verbal de emoções, melhorar a auto-imagem e a
conscientização social das crianças, de modo a que elas consigam aprender
a lidar melhor com suas relações interpessoais. Esses professores usaram,
entre outros, nosso programa de desenvolvimento social – “Como se
Tornar seu Próprio Mediador” – que será mencionado mais adiante5.
Devemos também citar o exemplo sueco, que, em 1999, criou o
Ano dos Direitos Humanos, que demonstrou que o trabalho das escolas
no campo do aprendizado e no campo do desenvolvimento pessoal não
são duas áreas de trabalho separadas.
A partir do nível pré-escolar, as crianças assimilam valores
fundamentais, com base em suas experiências concretas com os adultos e
em sua imitação dos comportamentos adultos.
A ênfase recente no ensino da cidadania pode ser explicada
pelo papel social de importância cada vez maior desempenhado pelas
escolas. As escolas vêem-se obrigadas a educar a pessoa total porque
as famílias passaram a elas essa responsabilidade. As escolas, porém,
às vezes têm grande dificuldade em encontrar o papel certo a
desempenhar nesse contexto, uma vez que elas têm que levar em conta
o perturbador ambiente familiar e social com o qual as crianças vêm
sendo obrigadas a lidar.
As iniciativas de prevenção, já estabelecidas em alguns países, vêm
desenvolvendo esse novo elemento na educação, principalmente nos
Estados Unidos e em Québec, que vêm se adiantando à Europa. Pode-se
questionar o fato de esses programas preventivos não terem avaliado o
impacto causado por eles no curto e no longo prazo, e não terem planejado
de que forma eles teriam continuidade nos anos subseqüentes à sua
introdução nos currículos escolares.
É freqüente acontecer de a responsabilidade por esses programas
ser assumida por umas poucas pessoas interessadas na escola e, por essa
razão, eles costumam ser marginalizados. Seu desenvolvimento e sua

5 F. Furioso e F. Prina, Bullismo e Violenza, in J. Blomart e J. Timmermans, Recherche-action “Devenir son


propre médiateur”, Rapport de recherche pour les Communautés Européennes dans le cadre du
programme B3-1000 Violence à l’école, dezembro de 1998.

42
ampliação são portanto cerceados não apenas por considerações práticas
(currículo escolar, organização de horários, etc.), mas também devido ao
fato de faltar aos professores treinamento suficiente para esse tipo de
trabalho educacional. Poder-se-ia perguntar se o limitado tempo dedicado
a esses programas de intervenção não se deveria a uma urgente necessidade
de mudanças éticas nas salas de aula, e também aos problemas que os
professores têm para lidar de forma adequada com situações emocionais
e colaborar de forma genuína com as famílias.
Chamberlain, Frechette, Herbert e Lindsey (1995) – citados por J.
Herbert e S. Hamel (2000) – analisaram 300 programas de prevenção da
violência que vinham sendo usados em Québec. Eles identificaram cinco
princípios essenciais para o sucesso de um programa escolar:

1. “que o projeto capacite as pessoas a reavaliarem os recursos e


as experiências locais.”
2. “que o projeto tenha um plano de ação bem-definido e
objetivos precisos e alcançáveis.”
3. “que o projeto estabeleça vínculos com a comunidade local,
de modo a trabalhar em parceria com ela (com a tomada de decisões
a cargo dos que dele participam).”
4. “que o projeto aumente a competência, a capacidade decisória
e a auto-suficiência da comunidade local e dos grupos envolvidos.”
5. “que o projeto faça uso de diversas estratégias de intervenção,
e que não haja um único participante, mas sim a presença de
diversos recursos internos e externos ao projeto.”

Por fim, essas iniciativas devem ter como alvo os indivíduos, a


escola, a família e o ambiente da comunidade local.

CONTEÚDO E OBJETIVOS DOS PROGRAMAS DE


PREVENÇÃO PRECOCE

Os programas pró-sociais em questão geralmente têm objetivos


semelhantes. O conteúdo irá variar de acordo com a idade da criança, o
43
nível educacional, o currículo escolar estabelecido nas diferentes regiões e
países, o tempo alocado para o programa, etc. No que se refere aos alunos,
os objetivos, geralmente, são os seguintes:

1. Ajudar as crianças a terem consciência de suas sensações,


sentimentos e necessidades.
2. Desenvolver nelas a consciência de seus talentos e a confiança
na sua capacidade de usá-los.
3. Incentivar o respeito próprio e o respeito pelos demais, ter
consciência e abertura para com os outros e ser tolerante numa
sociedade cada vez mais multicultural.
4. Ampliar as capacidades sociais das crianças por meio da
experiência de compartilhar e ajudar.
5. Ensinar capacidades de comunicação e maneiras de lidar com
conflitos, de modo a que elas possam perceber – e evitar – todas
as formas de violência, de intolerância e de racismo, sentindo-se
capazes de intervir de forma útil em situações de conflito ocorridas
em seu próprio ambiente.

Permitir que alunos e professores se expressem verbalmente


contribui para seu bem-estar e reforça sua autoconfiança, dando-lhes
também a oportunidade de se afirmarem em meio a seus pares e entre
os adultos. Além do mais, eles adquirem uma maneira de liberar as
tensões antes de perder a cabeça.
Não se trata simplesmente de colocar em prática esses objetivos
na escola. Em primeiro lugar, temos que partir do pressuposto de
que, como observa Jasmin (1993), os professores possuam esses
valores de auto-suficiência, auto-respeito e respeito pelos demais,
de tolerância, etc.
Isso significa, também, que o professor tem de aceitar abrir mão
de parte de seu poder sobre as crianças, que gradualmente aprendem a
usá-lo. Freqüentemente, portanto, tem de haver uma reorganização
das relações professor-aluno.

44
INTRODUÇÃO DE UM PROGRAMA PRÓ-SOCIAL
EXPERIMENTAL – “TORNE-SE SEU PRÓPRIO
MEDIADOR” NA ESCOLA PRIMÁRIA

Pretendemos aqui apresentar as conclusões de um projeto


experimental, que consistiu na introdução de um programa de
desenvolvimento pró-social, cujos resultados de curto prazo tentamos avaliar.
Esse projeto envolveu uma considerável reflexão sobre tais
experimentos, bem como um questionamento de sua razão de ser.
Partindo do conceito de mediação, quisemos criar um programa de
auto-mediação, segundo nossa própria definição – a saber, autoconfiança e
administração competente das relações pessoais.
Pretendemos ensinar a crianças pequenas como lidar com seus modos
de comunicação, e a darem-se conta dos conflitos potenciais, em situações
presentes ou futuras – seja na escola, na família ou num contexto social ou
profissional.
Usamos a palavra “administrar” e não “resolver” porque ela tem
mais a ver com ensinar aos alunos a lidar com conflitos e a responsabilizarem-
se por eles, mais do que simplesmente eliminá-los.
A violência afeta os que são submetidos a ela, os que a praticam, e
até mesmo os que a assistem!
A criança pode fazer uso desse conhecimento (reagir a um conflito
e administrá-lo de forma não-violenta) tanto na escola quanto em casa ou
na vizinhança, ou mesmo em qualquer situação da vida. Conseqüentemente,
este projeto facilita a transmissão de um modo de se comportar que é
estreitamente vinculado a um modo de viver.
Descrevemos acima os objetivos de um programa desse tipo a partir
do ponto de vista do aluno. Em relação aos adultos, os objetivos de longo
prazo desse projeto-piloto foram ensinar a equipe a implementar programas
dessa natureza. A primeira fase consistiu numa introdução; a segunda fase,
em sua participação ativa; e a terceira fase forneceu-lhes apoio prático,
quando eles começaram a trabalhar por si sós. O sucesso dessa iniciativa
reside na melhora da atmosfera tanto em sala de aula quanto em
toda a escola.
45
Um dos aspectos inovadores do projeto é a presença de uma equipe
universitária que opina sobre a atividade, a maneira como vem sendo
implementada e sobre o conteúdo e os resultados.
O programa de desenvolvimento social foi oferecido a turmas do
4º ano da escola primária – a crianças entre 8 e 11 anos – em duas escolas
primárias da área central de Bruxelas, nos anos de 1997-986.
No ano seguinte, o programa teve continuidade com turmas de 5º
ano7. Por razões de organização escolar, não foi atendido nosso desejo de
dar continuidade ao programa, em cooperação com os professores que
participaram de seu primeiro ano.
Iremos descrever o experimento que teve lugar numa dessas escolas,
onde as condições para essa atividade foram melhores. Essa escola primária
não tinha problemas especiais com violência, apesar do fato de que muitos
de seus alunos viviam em situações familiares e sociais muito difíceis.
A escola foi selecionada devido a seu apoio ao projeto e à boa-
vontade demonstrada pelos professores, que genuinamente aceitaram
colaborar. Os alunos eram em número de 400. Os alunos da escola eram
crianças provenientes de uma população multirracial, vivendo em
circunstâncias difíceis, ou até mesmo dificílimas. 70% das crianças eram
estrangeiras, principalmente de origem norte-africana e turca.
A escola situa-se entre dois bairros, um deles seguro e de renda
alta e o outro mais de classe trabalhadora, com problemas de insegurança
(violência, drogas).
Nem a diretora nem os professores haviam notado grande aumento
nos comportamentos violentos, fora as agressões verbais entre crianças e,
em menor proporção, dirigidas a adultos.
A violência física entre alunos costumava partir de alguns alunos
problemáticos, que já deveriam ter sido enviados a escolas especiais,
devido à sua grande dificuldade em lidar com o sistema escolar e a

6 J. Blomart, J. Timmermans, C. Caffieaux, Recherche-action “Devenir son propre médiateur”, Rapport


de recherche pour les Communautés Européennes dans le cadre du programme B3-1000 Violence à
l’école, 1998, p. 8-38.
7 J. Blomart, J. Timmermans, C. Caffieaux, e Petiau, A. Recherche-action “Devenir son propre
médiateur”, Programme de sociabilization à l’école, comme défi à la violence. Recherche commandité
par le Ministère de la Communauté Française de Belgique, agosto de 2000.

46
seus problemas de comportamento. Nos últimos anos da escola
primária, a grande maioria desse grupo especial é mais velha que os
demais alunos, já tendo atingido a adolescência, com todos os
problemas que costumam acompanhá-la.
A equipe de direção interpretava o comportamento violento na
escola como um reflexo da ausência de interesse por parte dos pais. Segundo
eles, as crianças colocam-se em oposição a pessoas em posição de autoridade
e mostram uma falta de tolerância em relação ao outro, a qual se expressa
principalmente no fenômeno da rejeição entre grupos culturais.
A Diretora e toda a equipe docente atribuem a agitação, tanto
nos casos especiais quanto nas demais crianças, a dois fatores
importantes.
Em primeiro lugar, a televisão é acusada. As crianças se reúnem
e passam muitas horas juntas, em espaços pequenos, assistindo a
programas nos quais a violência e a dor são lugar-comum.
Em segundo lugar, as atitudes dos pais causam preocupação:
ou os pais não são capazes de lidar com a situação e oferecer uma
orientação real a seus filhos, ou usam de disciplina excessiva.
A maior parte desses pais são imigrantes e parecem sentir-se
perdidos na cultura estrangeira na qual eles agora vivem. Em
conseqüência, eles não são capazes de determinar como se comportar
frente a seus filhos.
Da mesma forma, as crianças percebem que seus pais não
possuem status social. Poucos desses pais encontram-se empregados,
não oferecendo assim um modelo com o qual as crianças possam se
identificar. Nos casos em que ocorre violência grave, os pais são
convidados a ajudar a encontrar uma estratégia, juntamente com a
equipe docente.

47
APRESENTAÇÃO DOPROGRAMA
APRESENTAÇÃO DO PROGRAMA“TORNE-SE
“TORNE-SE SEU
SEU
PRÓPRIO MEDIADOR”

Esse programa é o resultado do trabalho de toda uma equipe88 que


o elaborou e adaptou de acordo com as reações das crianças durante as
sessões, e o ampliou no decorrer do segundo estágio das atividades.
O segundo estágio consiste de 11 conceitos, abordados por meio
de diversas atividades: entender a si mesmo e aos outros, reconhecer as
necessidades e os sentimentos dos outros, comunicação não-verbal, saber
ouvir e comunicação verbal, conflitos, solução de conflitos, mediação,
responsabilidade e cooperação.
As 1212 sessões
sessõesdedetrabalho,
trabalho,dede50 50
minutos cada,cada,
minutos erameram
realizadas duas
realizadas
vezes por semana
duas vezes durantedurante
por semana o primeiro ano, e a ano,
o primeiro cada duas semanas,
e a cada duas durante
semanas, o
segundo ano, sempre com os mesmos alunos. Essas sessões
durante o segundo ano, sempre com os mesmos alunos. Essas sessões eram organizadas
por
eramduas pessoas muito
organizadas experientes,
por duas que seexperientes,
pessoas muito concentravam que na capacidade de
se concentravam
comunicação
na capacidadee de na comunicação
administraçãoedenaconflitos durantedeo conflitos
administração primeiro ano, e por
durante o
um organizador e pelo professor da turma, durante o segundo
primeiro ano, e por um organizador e pelo professor da turma, durante o ano.
segundoDurante
ano. cada sessão, havia um período de tempo dedicado a uma
introdução, um período
Durante de tempo
cada sessão, haviapara
umoperíodo
grupo sedeauto-expressar
tempo dedicado (umarelato
uma
das experiências da criança sobre um determinado tema),
introdução, um período de tempo para o grupo se auto-expressar (um discussão livre,
representação de papéisda(teatro),
relato das experiências criançaumasobrecanção, uma históriatema),
um determinado e atividades
discussãode
redação e pintura. Os de
livre, representação professores da turmauma
papéis (teatro), mostraram
canção,uma umacolaboração
história e
genuína
atividadese de
engajada,
redaçãoo eque foi evidenciado
pintura. por sua
Os professores presença
da turma em todas
mostraram umaas
sessões e também em uma reunião semanal ou bimensal com os
colaboração genuína e engajada, o que foi evidenciado por sua presençaorganizadores.
em todas as sessões e também em uma reunião semanal ou bimensal com
os organizadores.
APOIO E AVALIAÇÃO DO EXPERIMENTO

Esse
APOIO projeto foi avaliadoDO
E AVALIAÇÃO de EXPERIMENTO
duas maneiras – qualitativa e
psicométrica. Na verdade, cada sessão era avaliada pelo menos uma
vez, emEsse umaprojetoou outra foi das turmas
avaliado de das
duasduas escolas,– equalitativa
maneiras discussõese
freqüentes eram realizadas entre os organizadores
psicométrica. Na verdade, cada sessão era avaliada pelo menos uma e os professores
participantes.
vez, em uma ou outra das turmas das duas escolas, e discussões
freqüentes eram realizadas entre os organizadores e os professores
8participantes.
J. Timmermans, J. Gerber, A Mertens, P. Snoek.

48
Esse apoio permanente e regular prestado ao projeto permitiu a
análise de boa parte dos dados qualitativos extraídos das observações
feitas pelas crianças durante as sessões de trabalho e a vida escolar normal,
das discussões entre organizadores e professores e das reuniões de todas
as pessoas que participavam do projeto.
O impacto do programa de desenvolvimento social sobre o
comportamento dos alunos foi também avaliado por meios quantitativos,
com o auxílio de duas técnicas:

• Um inventário do comportamento social e emocional da criança em sala


de aula, tal como percebido pelo professor (esse inventário foi adaptado
com base no questionário de autoria de Frank M. Gresham e
Stephen N. Elliot, sobre competência social).

Ele consta de duas partes.

A primeira trata das capacidades sociais e é composta de 22


perguntas. O professor tem de avaliar a freqüência dos comportamentos
dos alunos com base em três parâmetros (“nunca”, “às vezes” e “muito
freqüentemente”).

Essas capacidades estão subdivididas em três categorias:

– Cooperação: ajudar os outros, compartilhar materiais, respeitar


as regras e regulamentos (coluna C). Essa categoria compõe-se de
seis itens e pode conter um total de até 12 pontos.
– Autoconfiança: tomar a iniciativa de comportamentos tais como
pedir informações, reagir a pressões ou a insultos vindos dos pares
(coluna A). Essa categoria tem oito itens e pode conter até 16
pontos.
– Autocontrole: autocontrole durante situações de conflito, tais
como reagir a provocações e em situações não-conflituosas que
exijam concessões (coluna S). Essa categoria tem oito itens e pode
conter até 16 pontos.
49
O próximo passo é somar o total CAS, cujo total seria de 44 pontos.
A segunda parte do questionário trata dos problemas
comportamentais. Ela possui 14 itens, sete relativos especificamente
ao comportamento externo (agressão física e verbal e dificuldades em
controlar o humor) e sete relativos especificamente ao comportamento
interno (ou seja, ansiedade, tristeza, isolamento e baixa auto-estima).
Os pontos totalizados por cada aluno são, portanto, calculados com
base num total de 28.
A terceira e última parte consiste numa breve avaliação das
capacidades de aprendizado, contendo um único item.

• Um teste de reação comportamental a situações de interação


social, elaborado por nós e inspirado nas técnicas do teste de
frustração de Rozenzweig.

Esse teste consiste numa série de dez situações interativas entre


crianças e entre uma criança e um dos pais ou um professor.
Os cenários são apresentados na forma de histórias em quadrinhos.
Pede-se à criança que se identifique com um dos personagens e
que indique como reagiria, selecionando um dos círculos oferecidos.
Para cada situação, são apresentadas três reações (cada uma delas
inscrita dentro de um círculo):
– uma reação mostra uma atitude passiva, de distanciamento ou
de indiferença (reação de tipo 1);
– uma reação mostra uma inclinação agressiva e desajustada
(reação de tipo 2);
– uma reação mostra uma atitude pró-social mais bem-adaptada
(reação de tipo 3).

As ilustrações dos diferentes cenários variam conforme se trata de


um menino ou uma menina, interagindo com um professor homem ou mulher.

CONCLUSÕES

Efeitos do programa no comportamento e


nas atitudes dos alunos
Esses resultados referem-se aos dois testes realizados coletivamente
em aula, antes e ao final do primeiro ano do estudo. Eles foram
estatisticamente analisados por meio do Student’s t test.
50
• No decorrer do primeiro ano, 33 alunos (de duas turmas de
escola primária, 15 meninos e 18 meninas, participaram do projeto.
A maioria deles tinha idades entre oito e nove anos (70%); alguns
tinham dez anos (18%) e alguns outros já tinham onze anos (12%).

Uma das duas turmas tinha uma proporção maior de crianças mais
velhas (53%, com idades entre 10 e 11 anos).
• À época do segundo ano do experimento, essas crianças haviam
sido separadas em duas ou três turmas de quinto ano da escola primária.
Ao final do ano – que coincidiu com o término do estudo –, os
professores daquelas turmas avaliaram a competência social desses alunos,
comparando-os com os demais alunos de sua turma.

Resultados dos testes para avaliar as atitudes comportamentais em situações de


interação social
Percentagem das reações dos alunos, nas duas turmas, antes e depois do teste (primeiro
ano do projeto)

Total Turma 1 Turma 2


Pré-teste
Tipo 1 14,5% 15% 14,5%
Tipo 2 31% 33,5% 28%
Tipo 3 59,5% 51,5% 57,5%
Pós-teste
Tipo 1 17% 18,5% 16%
Tipo 2 23,5% 19,5% 26,5%
Tipo 3 59,5% 62% 57,5%

Em relação à maioria dos alunos, nota-se um decréscimo


significativo de reações agressivas ou arrogantes, principalmente os
da turma 1; nessa mesma turma, aumenta o número de reações sociais.
51
Resultados do questionário avaliando capacidades sociais.
Resultados médios para cada turma

No decorrer do primeiro ano da pesquisa-ação, nota-se a elevação


dos resultados quanto à “cooperação”, “autoconfiança” (P =.01) e no
total “CAS” (P =.05), bem como uma diminuição (NS) dos
“comportamentos introvertidos problemáticos”.
Observa-se que, de modo geral, as crianças mais velhas têm menor
probabilidade de obter altos números de pontos nas competências sociais.
Observa-se também que, tomando a população de alunos como um todo,
há uma correlação positiva estatisticamente significativa (P =.001) entre o
nível médio das capacidades de aprendizado e os pontos obtidos em
“cooperação” e “auto-estima”, bem como uma correlação negativa
estatisticamente significativa (P =.001) com o “comportamento
introvertido”. Devemos nos lembrar, entretanto, que essas avaliações foram
realizadas pelos professores. Por fim, durante o segundo ano do estudo, os
mesmos alunos foram reavaliados por seus novos professores. Nota-se um
aumento dos pontos em “cooperação”, “auto-estima” e “autocontrole”.
52
O aumento no total de pontos CAS é significativo (P=.05), se
comparado com a primeira avaliação. Pode-se também estabelecer uma
diminuição estatisticamente baixa de “problemas de comportamentos
extrovertidos e introvertidos”.

ANÁLISE QUALITATIVA DOS EFEITOS DA


INTRODUÇÃO DO PROGRAMA NA ESCOLA

Tanto quanto os dados quantitativos resultantes dos testes


aplicados às crianças e a seus professores, a avaliação qualitativa mostrou
ser também de grande interesse.

Reação dos Alunos e Avaliação de seu Comportamento


O programa de atividades de desenvolvimento social obteve
aceitação entusiástica e, à medida em que as sessões de estudo tinham
prosseguimento, a participação aumentava. No início, as crianças ficaram
surpresas com as atividades extracurriculares, principalmente com o
aspecto de relacionamento pessoal face-a-face.
Isso, às vezes, provocava reações inadequadas e extemporâneas
entre os alunos, fato esse que recebeu forte desaprovação dos adultos,
que acharam difícil lidar com essa indisciplina, durante as primeiras sessões.
Os organizadores notaram que as crianças pareciam ser incapazes de lidar
e implementar as regras que regem as atividades em grupo, e os adultos
muitas vezes permaneciam na postura de mantenedores da disciplina.
Durante as discussões em grupo, as atividades aconteciam numa
atmosfera de compartilhamento, escuta e não-julgamento; a
confidencialidade, indiscutivelmente, tornou-se a norma.
Cada um dos coordenadores sentiu-se particularmente tocado por
alguns segredos relatados ou por certas mudanças que ocorriam em algumas
crianças. Elise admitiu que, quando alguma coisa difícil lhe contecia, ela
“enfiava a cabeça na areia”. No entanto, ela tornou-se uma líder, apesar
de, anteriormente, tender a reagir com indiferença ou a fugir (quando se
tratava de atividades nas quais ela estava pessoalmente envolvida).
Havia também Menir, que se aventurou a confessar que tinha medo
de que não gostássemos dele, uma vez que o professor o havia repreendido
53
em nossa frente. Roberto, que nunca conseguia reagir de forma
apropriada – enrubescia ou criava caso quando solicitado a participar –
, nos confiou o segredo que tanto o atormentava. Observamos também
até que ponto essas crianças precisavam desses momentos de atenção
real. Eles necessitam sentir-se, eles próprios, acolhidos e reconhecidos,
para que possam então permitir que outras pessoas sejam acolhidas e
reconhecidas.
No início, quando as sessões começaram, as crianças costumavam
reagir de maneira previsível e conformista. Mais adiante, pudemos
resolver, na turma e com o auxílio dos alunos, desentendimentos que
haviam realmente ocorrido entre eles: ciúmes, objetos quebrados,
ridicularização, etc. Ao término do programa, em algumas sessões de
representação de papéis, os alunos pediam ajuda a colegas para mediar
as atividades dos grupos, uma vez que essa havia se tornado uma
estratégia normal a ser usada na administração de conflitos. A própria
Diretora da escola notou que muita harmonia havia surgido nas turmas
em questão, nos períodos vespertinos, e também que as crianças estavam
mais quietas e mais sociáveis.

A Reação dos Professores e o Impacto do Experimento em


suas Atitudes e em seu Comportamento
Durante reuniões com os professores, os coordenadores ficaram
impressionados ao perceberem até que ponto os professores sentiam
necessidade de serem ouvidos e de descarregar sua tensão em meio ao grupo.
Todos os professores se interessaram e concordaram com o
programa pró-social, afirmando claramente que seu principal benefício
havia sido a descoberta de outros aspectos da personalidade de seus alunos,
e a nova luz sob a qual eles os viam, agora.
Quanto a isso, “um professor disse dar grande valor à possibilidade
de desenvolver sua relação com as crianças; um outro disse que havia
descoberto a importância de ser capaz de lidar com suas próprias emoções,
e que ele havia conseguido se colocar no lugar do outro. Um outro professor
observou que, à medida em que as crianças aprendiam a conhecer melhor a
si próprias, elas passavam a perceber os outros de maneira diferente. Ainda
um outro notou necessidades emocionais nas crianças, mas ele se perguntou
onde as coisas iriam parar se ele começasse a demonstrar afeição”.
54
À medida que as reuniões prosseguiam, os observadores notaram
uma mudança de atitude entre os professores.
De uma atitude negativa e queixosa (críticas relativas ao
planejamento das atividades da classe, restrições administrativas, suas
próprias dificuldades em participar de atividades dessa natureza), eles
desenvolveram uma postura mais construtiva e uma participação mais
emotiva nas discussões. Além disso, eles passaram a refletir sobre seus
próprios problemas e atitudes. Pouco a pouco, resultaram dessas reuniões
uma maior consciência dos problemas de comunicação entre os próprios
professores e um desejo de aprender a como se comunicar e também a
administrar os conflitos.
Gostaríamos de observar que a Diretora, durante as entrevistas
subseqüentes, confirmou essas mudanças nas atitudes dos professores.
Eles estavam agora em melhor contato com as crianças, as relações aluno/
professor haviam melhorado e a atmosfera em sala de aula estava mais
tranqüila. As sanções grupais haviam desaparecido.

O Futuro Desse Programa Pró-Social


Muito embora os professores tenham reconhecido a importância
da presença de programas desse tipo no currículo, nenhum deles dispôs-
se a assumir sozinho a responsabilidade por ele, no futuro. As razões
apresentadas por eles foram dificuldade técnicas (falta de tempo disponível
no programa escolar, outras prioridades impostas pelas autoridades, como
estudos de informática (e, é claro, aprender a usar a Internet), mas havia
também razões mais profundas.
Eles não se sentiam suficientemente treinados para coordenar
atividades dessa natureza. Assumir um programa como esse implica passar
a ter uma relação diferente com as crianças – estar preparado para ouvir
atentamente não só o que elas dizem, mas também o que elas estão
tentando expressar, e tornar-se disponível, interessado e emocionalmente
envolvido nessas trocas.
Alguns temem que, caso eles permitam que as crianças sejam
independentes e criativas, a anarquia reinará e eles perderão o controle.
Eles têm consciência de que não podem deixar de lado seu papel como
educadores e reconhecem a importância da emoção na transmissão do
conhecimento, mas esse papel os deixa amedrontados.
55
No entanto, todos eles, em suas turmas, já organizaram discussões
em grupo – ou o farão, a partir do próximo ano.
Quanto a outros aspectos, os professores acreditam que programas
educativos desse tipo deveriam ter início ao fim da escola maternal,
tendo prosseguimento ao longo de toda a escola primária, de maneira a
que, ao terminarem seus estudos, todos os alunos tenham tido as mesmas
experiências e sejam capazes de integrar o que aprenderam na vida
escolar ao dia-a-dia.

O Efeito do Experimento sobre a Vida Escolar


Ao fim do primeiro ano do experimento, os professores (nas duas
escolas em questão) solicitaram um ou dois dias de treinamento em serviço
para a equipe docente, para tratar de alguns dos conceitos usados no programa
e dos diversos métodos de administração de conflitos. Esses dias de
treinamento foram realizados. Por ocasião do segundo ano do experimento,
na escola em questão, o primeiro dia de treinamento levou à solicitação de
uma atividade de acompanhamento. Os participantes manifestaram o desejo
de poder tomar parte em grupos de discussão, acompanhados por um
organizador, visando a tratar de alguns dos problemas encontrados por eles
junto aos alunos, das relações, de sua capacidade de lidar com o
comportamento de determinados alunos, para poder então trabalhar sobre
sua conduta. Por fim, por solicitação da Diretora, organizamos para os pais
uma conferência sobre a violência e sobre o experimento efetuado na escola.

CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS

O objetivo do projeto foi uma campanha direcionada à prevenção


da violência, que vem aumentando nas escolas primárias, a qual deu
origem a uma série de resultados, considerações e perguntas.

Programas desse Tipo Surtem Algum Efeito sobre a


Violência?
É evidente que um programa de atividades que foi praticado por
apenas uns poucos meses (ou, para alguns alunos, por dois anos) não
pode gerar resultados claros.

56
Aprender sobre cooperação, sobre como negociar, sobre
autoconfiança e autoconhecimento e sobre as próprias necessidades e
limitações é algo que leva tempo e que, provavelmente, nunca terá fim,
seja quem for a pessoa. No entanto, a avaliação dos efeitos do programa,
usando dois testes padronizados sobre comportamentos e atitudes, já
mostra resultados significativos.
Nos resultados dos testes criados por nós para avaliar as reações
em situações de interação social, vale a pena notar que foi verificada
uma diminuição das reações agressivas e um aumento das reações
socialmente desenvolvidas, pelo menos em uma das tur mas
participantes.
A avaliação feita pelos professores das capacidades sociais dos
alunos mostra que, no decorrer do primeiro ano do projeto, houve um
aumento dos comportamentos socialmente desenvolvidos e uma
diminuição dos comportamentos desajustados. Ao fim do segundo ano,
os alunos que haviam participado do programa ao lomgo dos dois anos
continuaram a apresentar progressos.
Temos consciência de que avaliações desse tipo demonstram
apenas os efeitos cognitivos:
As crianças podem ter assimilado certos conceitos, podem ter
tomado conhecimento da motivação por trás de alguns de seus
comportamentos, podem ter aprendido técnicas de resolução de conflitos,
mas será que elas realmente mudaram?
São necessários mais que alguns meses de sessões para gerar uma
mudança na personalidade. Temos, portanto, que examinar os efeitos de
longo prazo desse tipo de programa.
Embora breve, a introdução a essas atividades pró-sociais
mostra ser uma experiência enriquecedora tanto para os alunos quanto
para a equipe docente. Concordamos com os professores quanto a
que, para que projetos desse tipo tornem-se estabelecidos e integrados
nas atividades escolares normais, eles deveriam ter início ainda no
Maternal, prosseguindo ao longo de toda a Escola Primária. Os alunos
poderiam então vivenciar com segurança, em sua vida escolar
cotidiana, os comportamentos obser vados ou experimentados
durante as sessões.
57
Programas como esse Poderiam ser Organizados pela
própria Escola?
Esse projeto só funcionará se for executado por alguém de dentro
da instituição, que conte com o apoio da diretoria, sendo, ao mesmo tempo,
integrado ao currículo. Nossas observações nos levaram a crer que as
ações preventivas não recebem prioridade na escola comum, e menos
ainda nos estabelecimentos elitistas, que se preocupam mais com a
transmissão de conhecimentos de natureza cognitiva.
Os professores, em geral, são de opinião que esse treinamento
vale a pena – mas estariam eles dispostos a utilizá-lo nos casos em que
ocorresse um problema ou uma situação de difícil resolução? Felizmente,
a violência de tipo grave ainda não atingiu essas escolas. Na melhor das
hipóteses, seriam eles capazes de imaginar um programa educativo de
prevenção sendo usado com grupos de crianças muito pequenas? Não
seria essa uma maneira de passar a outros colegas a responsabilidade por
certas obrigações?

Estariam os Professores Preparados para Assumir


Responsabilidade por Atividades Educacionais desse Tipo?
Nossa previsão era de que, a partir do segundo ano do experimento,
os professores estariam treinados para conduzir o programa, graças à sua
participação conjunta nas sessões em sala de aula, às discussões sobre o
programa e aos dias de treinamento especial.
Quanto a um terceiro ano do programa, havíamos imaginado 16
supervisões regulares dos professores/orientadores que participavam dele.
Nesse particular, tivemos de aceitar uma derrota, que foi para nós uma
grande decepção.
Por um lado, as escolas não cumpriram o acordo segundo o qual
elas manteriam em suas turmas os professores treinados, lecionando
sempre às mesmas crianças. Por essa razão, nenhum professor chegou a
ter a experiência do funcionamento do programa por dois anos completos.
Por outro lado, os professores afirmaram não estar preparados para assumir
a responsabilidade por atividades desse tipo, uma vez que isso implicaria
uma mudança de atitude, e eles teriam de fazer o acompanhamento das
crianças e, além disso, ter tolerância para com a independência e a óbvia
indisciplina dos alunos, o que para eles seria inédito.
58
Não há mais necessidade de determinar, mas apenas de sugerir,
estimular e organizar. O objetivo não é criticar, julgar e avaliar
comportamentos ou pessoas, mas unicamente ouvir, liderar discussões e
ajudar, nas crianças, o desenvolvimento de autocrítica e o reconhecimento
de suas emoções e necessidades.
Tudo o que é necessário é uma mente aberta e uma auto-
reavaliação.
Apenas alguns dos professores estão preparados para submeter-se
a treinamento pessoal.
Ao fim de dois anos de pesquisas, parece-nos que o treinamento
de professores é de importância essencial para que os benefícios de um
programa de estudo dessa natureza não se veja reduzido a algumas técnicas
ou a um curso de rotina de treinamento para a cidadania. Professores que
tenham sido bem-treinados na organização de programas como esse serão
capazes de usar esse conhecimento a qualquer momento em que apareça
a oportunidade de fazê-lo.
Acreditamos, portanto, que boa parte do que foi aprendido possa
ser utilizado a qualquer hora do dia, durante a semana letiva, sempre que
surja a necessidade – como, por exemplo, quando ocorra conflito
internamente a um grupo, ou no caso de incidentes dentro ou fora de sala
de aula. O que está em questão não é o treinamento acadêmico, mas sim o
desenvolvimento emocional e social, não apenas para as crianças mas
também para os adultos que estão incumbidos de sua educação.

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59
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Liége: Service de méthodologie de l’enseignement de l’ULG, Recherche
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v. 30, n. 2, 1997.

61
3. COMPORTAMENTOS VIOLENTOS E
AGRESSIVOS NAS ESCOLAS INGLESAS
*
Profª. Carol Hayden e Catherine Blaya

DEFINIÇÃO DOS TERMOS

As primeiras questões a serem levadas em conta na apresentação de


um panorama do estágio atual do conhecimento sobre os comportamentos
violentos e agressivos nas escolas inglesas são, antes de mais nada, definir
os termos empregados e, em seguida, determinar de onde provém essa
violência ou agressão, e contra quem ela é dirigida. As definições de
dicionário para violência e agressão1 sugerem um uso muito específico para
cada um desses termos. “Violento”, na língua inglesa, é um termo com
conotações emotivas, não sendo usado com muita freqüência no discurso
acadêmico para qualificar o comportamento de adultos ou crianças nas
escolas. No entanto, o uso do termo violência, quando relacionado a crianças
em idade escolar, é de uso mais comum nos sindicatos de professores e na
mídia. As definições dadas pelos dicionários a essas palavras tendem a sugerir
ataque ou lesão física. “Agressão” e comportamento “agressivo”, por outro

* Universidade de Portsmouth e Observatório Europeu da Violência nas Escolas.


1 Violento (adjetivo): que faz uso intenso de força; ato impetuoso e incontido; tiranicamente veemente;
devido á violência, manifestando violência. Violência (substantivo): o estado ou qualidade de ser ou de
fazer uso extremo de força física, principalmente quando injustificada; insulto, profanação; dano,
estupro. Agressivo (adjetivo): que toma a iniciativa do primeiro ataque ou que tem tendência a tal;
descortesmente hostil ou hostil; auto-afirmativo; ofensivo, como o oposto de defensivo; que mostra
energia e iniciativa. Agressão (substantivo): um primeiro ato de hostilidade ou ataque; o uso das forças
armadas, por parte de um Estado, contra a soberania e a integridade territorial ou a independência
política de um outro Estado; autoconfiança, tanto como uma característica positiva quanto como um
sinal de instabilidade emocional. (Chambers Concise Dictionary).

63
lado, são termos usados com maior freqüência em relação ao comportamento
dos alunos, particularmente nas pesquisas sobre intimidação por colegas
(bullying) ou expulsão.
Diversos termos costumam ser usados para designar
comportamentos problemáticos ou indesejáveis nas escolas inglesas.
“Insubordinação” (disruption) e “desinteresse” (disaffection) são
freqüentemente empregados para indicar comportamentos que provocam
interrupção nas aulas ou no aprendizado (insubordinação) ou
comportamentos que demonstram falta de interesse na educação ou no
ensino (desinteresse). O comportamento anti-social foi definido como “atos
que impliquem desobediência à lei e atos que não sejam necessariamente ilegais, ou
que não tenham dado margem a processos judiciais” (Rutter et al., 1998). O
termo comportamento delinqüente geralmente é reservado para casos que
poderiam ser considerados como infrações da lei, ou que estariam
potencialmente sujeitos a intervenções da justiça penal (como, por
exemplo, ataques físicos, danos criminosos, roubo, etc.) Na Inglaterra,
são poucas as pesquisas que enfocam especificamente os comportamentos
delinqüentes e criminosos dentro das escolas. O comportamento de intimidação,
por outro lado, é um conceito relativamente bem-definido, contando com
uma longa e bem-estabelecida tradição nas pesquisas inglesas. Diz-se, às
vezes, que as crianças, nas escolas, apresentam comportamentos
perturbados, e essas observações, em geral, partem daqueles que tomam
como objeto a saúde mental e tentam explicar os comportamentos com
base na “criança interna”. É de conhecimento geral que todos esses
conceitos relativos ao comportamento são, de uma maneira ou de outra,
passíveis de contestação, especialmente com relação a quem toma a decisão
quanto ao que é definido como anti-social, delinqüente ou perturbado, ou
em relação a quem ou o quê é submetido à perturbação da ordem.
Ao que tudo indica, os pesquisadores interessam-se também pelas
questões de segurança escolar, na esteira dos diversos acontecimentos
que tiveram lugar na Inglaterra, na década de 90. Entre esses episódios
dramáticos estão o esfaqueamento de uma menina de 12 anos, em sala de
aula, cometido por um invasor; o “massacre” de crianças de escola primária
em Dunblane, em 1995; o ataque a machado cometido contra uma
professora e várias crianças de escola maternal em Wolverhampton, em
1996, e diversas outras ocorrências que foram objeto de intensa
64
publicidade. O governo reagiu com a criação de um Grupo de Trabalho
sobre Segurança Escolar, contando com a participação de representantes
dos sindicatos de professores, de membros do Parlamento, das autoridades
educacionais locais e dos pais de alunos, e também com a promulgação
de uma emenda à Lei de Armas Ofensivas (Offensive Weapons Bill),
enquadrando como crime o porte de armas em estabelecimentos escolares.

A VIOLÊNCIA NO TRABALHO

Na Inglaterra, a violência nos locais de trabalho, de modo mais geral,


tem sido objeto de pesquisas, e certos grupos profissionais, como, por
exemplo, os assistentes sociais, os enfermeiros e a polícia vêm, nos últimos
anos, manifestando-se de maneira relativamente explícita sobre a questão.
Os professores, representados por seus sindicatos, às vezes parecem
algo ambivalentes quanto a essa questão. Ao mesmo tempo em que eles,
em falas proferidas em conferências, pedem mais apoio para a disciplina
e a segurança nas escolas, eles ao mesmo tempo parecem ansiosos por
“minimizar” as sugestões de que a disciplina esteja piorando ou de que a
agressão esteja aumentando nas escolas (Carrington, 1999).
Um estudo realizado pelo Ministério do Interior sobre a violência
nos locais de trabalho observa que qualquer que seja a definição dada à
palavra violência , ela será sempre polêmica, e que as definições para esse
termo situam-se num contínuo que vai desde aquelas que cobrem
unicamente os ataques físicos até definições mais amplas, que incluem
também ameaças. Os que favorecem a inclusão, na categoria “violento”,
de atos não-físicos, argumentam que as conseqüências desses atos, em
alguns casos, podem ser tão graves quanto as dos atos de natureza física
(Budd, 1999). O estudo realizado pelo Ministério do Interior incluiu tanto
ataques quanto ameaças em sua definição operacional de violência,
enfocando principalmente os atos cometidos por um membro do público
contra uma pessoa, em local de trabalho. O Education Service Advisory
Committee – ESAC (Comissão Consultiva do Serviço Educacional) da
Comissão de Saúde e Segurança trata dessas questões e dá aconselhamento
quanto a problemas que possam colocar em risco a saúde das pessoas que
trabalham no setor educacional. Sua definição de violência é a seguinte:
65
“Qualquer incidente em que um empregado sofra abuso, ameaças ou ataques
por parte de um estudante, aluno ou membro do público, em circunstâncias
relacionadas ao desempenho de suas funções.”

O British Crime Survey sugere que o número de ocorrências de violência


no trabalho aumentou de forma significativa entre 1991 e 1995, tendo porém
caído entre 1995 e 1997. Esse estudo coloca os professores na categoria de
“ocupações de alto risco”, com 1,8% (risco médio = 1,2%) de risco de
serem atacados e 2,0% (risco médio = 1,5%) de risco de receberem ameaças
no trabalho, num determinado ano, por um membro do público. Embora
não haja um método estabelecido e consensual de registro e acompanhamento
de incidentes violentos nas escolas inglesas, as Autoridades Educacionais
e os conselhos de dirigentes de escolas têm a responsabilidade de assegurar,
tanto quanto possível, a saúde, a segurança e o bem-estar de seus empregados
nos locais de trabalho. Esta última responsabilidade inclui proteger a equipe
de incidentes violentos, nos casos em que estes possam ser considerados
previsíveis, devendo, inclusive, haver um compromisso por escrito nesse
sentido (Seção 2, Lei de Saúde e Segurança no Trabalho, 1974). A partir de
1992, essas normas trabalhistas foram aplicadas também a todas as escolas
e, atualmente, os administradores escolares têm maior responsabilidade legal
sobre a segurança da equipe e dos alunos.

INDICADORES DE COMPORTAMENTOS
VIOLENTOS E AGRESSIVOS NAS ESCOLAS

Os indicadores de comportamentos violentos e agressivos nas


escolas provêm de diversas fontes e campos de pesquisa específicos,
podendo ser caracterizados como enfocando, até o presente momento,
quatro áreas principais: comportamento de alunos, interação entre
alunos e professores , padrões éticos da escola e comportamento de
estranhos na área escolar.

Comportamento de Alunos
– Levantamentos sobre comportamento e disciplina (por
exemplo, o Levantamento Elton, 1989).
66
– Pesquisas sobre intimidação por colegas (por exemplo,
Tattum, 1993).
– Pesquisas sobre desinteresse (por exemplo, Pearce e Hillman,
1998).
– Pesquisas sobre expulsões da escola (por exemplo, Hayden,
1997).

Relação Professor-Aluno e Padrões Éticos da Escola


– Administração comportamental e psicologia educacional (por
exemplo, McManus, 1988).
– Pesquisas sobre melhorias escolares (por exemplo, Sammons,
1995).
– Queixas de professores quanto a insultos (não foram ainda
encontrados exemplos).

Comportamento de Estranhos dentro da Escola


– Segurança Escolar (por exemplo, Gill e Hearnshaw, 1997)

Há, decerto, muita superposição entre essas áreas de pesquisa,


principalmente entre comportamento de alunos e relação aluno-professor
e os padrões éticos da escola. Vem havendo também um crescente
interesse nas questões de cidadania, crime e segurança comunitária, no
tocante ao papel das escolas e também ao que acontece nas dependências
da escola e à sua volta (Marlow e Pitts, 1998). No entanto, uma vez que
a questão dos indicadores de comportamentos violentos e agressivos nas
escolas inglesas foi tratada numa bibliografia vasta demais para ser aqui
analisada em sua totalidade, iremos nos ater às áreas a serem detalhadas a
seguir, de modo a estabelecer o contexto para os resultados preliminares
de nossa própria pesquisa. Neste ponto, enfocaremos principalmente o
comportamento dos alunos, com algumas referências ao que se sabe sobre
os padrões éticos da escola e o comportamento dos professores.
Reconhecemos que a bibliografia sobre as melhorias escolares é vasta e,
embora de interesse, ela extrapola o âmbito deste capítulo.
Além do trabalho que trata das escolas, há também, na Inglaterra,
uma longa tradição de pesquisa no campo dos serviços de saúde e da
assistência social, que investiga os comportamentos característicos de
67
condições ou experiências específicas, principalmente nos casos de
abandono e maus-tratos de crianças (ver, por exemplo, a publicação Child
Abuse Review). Verifica-se também interesse em pesquisar o impacto exercido
sobre as crianças pela violência na mídia (ver Varma, 1997, para um
panorama geral desses debates). Nas pesquisas deste último tipo, o termo
violência é usado com freqüência, embora predomine a tendência a enfocar
a violência a que as crianças são submetidas, ocasional ou constantemente,
mais do que os atos cometidos pelas próprias crianças. Por exemplo, a
Comissão Nacional sobre Crianças e Violência, criada pela Fundação
Gulbenkian, publicou, em 1995, um relatório que conclui que: “a violência é
um problema masculino, que tem raízes na promoção de atitudes e modelos machistas”
(Fletcher, 1995, p. 1). O relatório da Comissão enfocava as circunstâncias
sociais relacionadas a famílias violentas e a seu impacto sobre as crianças,
os castigos físicos aplicados às crianças e a influência da mídia. Com relação
ao castigo físico de crianças, como também às humilhações deliberadas a
que elas são submetidas, a Comissão concluiu que essas práticas continuam
sendo de ocorrência generalizada, sendo aceitáveis, tanto jurídica quanto
socialmente, na Inglaterra. Essa última conclusão é corroborada por uma
pesquisa de opinião de abrangência nacional, realizada junto aos pais, que
trazia uma pergunta sobre o castigo corporal nas escolas. Essa pesquisa
mostrou que um pouco mais da metade (51%) dos pais acreditavam que a
reintrodução dos castigos corporais melhoraria a disciplina nas escolas. Dois
terços dos pais afirmaram acreditar que a disciplina escolar havia piorado
nos últimos dez anos, e quase um quarto deles acreditava que os
comportamentos insubordinados e as crianças mal-comportadas são os piores
problemas enfrentados pelas escolas (Carvell, 2000). Os castigos corporais
foram abolidos das escolas públicas inglesas em 1986 e, nas escolas privadas,
apenas em data muito recente (1999). As lideranças dos professores
responderam a essa pesquisa, afirmando que não havia qualquer possibilidade
realista da reintrodução dos castigos corporais, opinião essa resumida por
Hart, da Associação Nacional de Diretores de Escola, NAHT2:

2 NAHT – Associação Nacional de Diretores; NAS/UWT – Associação Nacional de


Professores/ União das Mulheres Professoras; NUT – Sindicato Nacional dos Professores;
PAT Associação Profissional de Professores; NOP – National Opinion Polls, uma empresa
de pesquisas de opinião.

68
“É possível que os pais queiram reintroduzir a vara de marmelo, mas essa
não é uma opção praticável. Não conheço um único diretor ou um único
professor que a aprove, e ela seria contrária à Convenção Européia sobre
Direitos Humanos.” (Carvel, 2000, p. 2).

As pesquisas tratando do tema da violência e da agressão nas


escolas são, portanto, vastas. Para os fins da presente análise, iremos nos
concentrar nas três categorias antes citadas: comportamento de alunos,
relação professor-aluno e padrões éticos da escola e comportamento de
estranhos dentro da escola.

Comportamento de Alunos: o Levantamento Elton


O Levantamento Elton (DES/WO, 1989) costuma ser citado
em todas as discussões sobre as pesquisas que tratam do
comportamento de alunos na Inglaterra. Esse levantamento aconteceu
como reação às preocupações expressas pelos docentes, de que
comportamentos insubordinados, e até mesmo violentos, vinham se
tornando mais visíveis nas escolas.
As expulsões de alunos foram vistas, naquela época, como
“indicadores aproximados das dimensões que haviam assumido os casos de mau-
comportamento grave” (p. 55). No entanto, à época do levantamento, não
havia ainda dados que abrangessem todo o país, e os dados então
existentes não evidenciavam tendências claras.
Desde então, essa situação foi sanada, como veremos mais adiante
neste capítulo. O Levantamento Elton efetuou amplas consultas e
encomendou uma enquete nacional a respeito das opiniões e
preocupações dos professores quanto à disciplina, e também entrevistas
com professores de escolas localizadas nas áreas centrais das grandes
cidades não abrangidas pela enquete.
Uma das principais conclusões do Levantamento foi que o grande
problema, na opinião dos professores, eram os efeitos cumulativos dos
pequenos atos de mau-comportamento cotidiano. O Levantamento
apresentou um grande número de recomendações, algumas das quais
ainda estão por serem postas em prática.

69
No entanto, a intensificação das políticas escolares relativas a
comportamento e ao treinamento na área da administração de
comportamento nas escolas talvez possa ser relacionada às recomendações
do Levantamento Elton. Quatro sindicatos de professores contribuíram
também com dados de pesquisa.
Essas pesquisas, até certo ponto, foram prejudicadas ou por baixos
índices de respostas ou por amostragens relativamente reduzidas, e falta
a elas uma definição consensual do objeto em estudo. Seus resultados
encontram-se resumidos no Quadro 1.
Quadro 1
Levantamentos em Sindicatos de Professores – experiências dos docentes com
comportamentos agressivos e insubordinados

Fonte: DES/WO, 1989, Disciplina nas Escolas. Londres: HMSO. Páginas 58-59.

Esses levantamentos mostram uma ampla divergência de opinião


entre os professores quanto à disciplina ter ou não piorado, embora, em
todos eles, minorias bastante significativas dos que responderam às
pesquisas tenham afirmado terem sofrido ameaças ou ataques. O
Levantamento Elton obteve resposta de 2.500 professores de escola
secundária sobre suas experiências com a violência numa semana
específica. Os resultados são mostrados no Quadro 2.
70
Quadro 2
Professores – experiências de violência numa semana específica

Fonte: DES/WO, 1989, páginas 58-59.

Apesar disso, entrevistas posteriores com os professores,


individualmente, revelaram uma ampla divergência de opiniões
quanto ao que “violência física” significava para eles. Os dados
relativos à extensão da violência contra o corpo docente, na Inglaterra
– embora limitados – são coerentes com os dos estudos realizados
nos Estados Unidos. A maior parte da violência dirigida contra o
pessoal das escolas (inclusive o pessoal de apoio) é cometida por
alunos, com uma minoria sendo cometida por pais e intrusos. As
autoridades educacionais, na Inglaterra, não têm como prática de
rotina coletar ou divulgar os números relativos a incidentes violentos
ou agressivos ocorridos nas escolas. No entanto, a ILEA (Autoridade
Educacional da Área Central de Londres) forneceu cifras, mostrando
que, em 1987-88, 187 professores de escolas comuns deram parte
de terem sofrido algum tipo de dano em incidentes envolvendo
alunos, pais ou outros adultos. Esse número, à época, correspondia
a 1% dos professores dessas escolas. Cuidados médicos foram
recomendados ou prestados em menos de 20% desses casos (0,2%
dos professores das escolas da ILEA, à época).
No cômputo geral, o Levantamento Elton concluiu que os
professores não viam os ataques dirigidos contra eles como um problema
de grandes proporções. Os professores “preocupavam-se, principalmente, com
os efeitos cumulativos da perturbação de suas aulas, provocada por mau-
comportamento relativamente trivial, embora constante” (p. 11). As pesquisas
mostram também que as agressões cotidianas, como empurrões e insultos
verbais, são lugar-comum no dia-a-dia das escolas, representando uma
fonte de stress crônico para os professores (EASC, 1990).
71
INTIMIDAÇÃO POR COLEGAS (BULLYING)

Bullying é uma palavra inglesa que foi adotada em outros


países. O bullying foi definido como “o desejo consciente e deliberado
de maltratar uma outra pessoa e colocá-la sob tensão” (Tattum e
Herbert, 1993). Os xingamentos são a forma mais comum desse
tipo de intimidação, seguidos por agressões físicas, incluindo
também gestos ofensivos, extorsão e exclusão de uma criança de
um grupo de amizades, bem como a disseminação de boatos. Essa
intimidação muitas vezes é vista como um abuso de poder
sistemático (Smith e Sharp, 1994) e, segundo Olweus (1993), ela
implica uma vitimização repetida ao longo do tempo: “um abuso de
poder agr essivo e sistemático, que se pr olonga no tempo.” Todas as
definições convergem para a dificuldade que a vítima tem de se
defender. As primeiras pesquisas sobre a intimidação por colegas
foram realizadas na Escandinávia, tendo sido motivadas por
suicídios cometidos por crianças. A intimidação por colegas foi
identificada como um dos fatores que geravam o alto nível de
tensão e a baixa auto-estima que teriam provocado os suicídios.
Na Inglaterra, pesquisas sobre esse tema entraram em pauta em
fins da década de 80, principalmente em conseqüência do
Levantamento Elton, que indicou que o problema era generalizado
e tendia a ser ignorado pelos professores. Essas pesquisas
centraram-se principalmente nas escolas, embora saiba-se que a
intimidação ocorre também em instituições de outros tipos e que
ela ocorre também entre adultos, bem como entre adultos e
crianças (Bullying Online). Até o presente, as pesquisas publicadas
sobre a intimidação nas escolas vêm-se concentrando na
intimidação entre crianças. O tema vem atraindo tanto interesse
que foi incluído nos procedimentos de inspeção de Ofstead. A Lei
de Padrões e Estrutura Escolares (School Standards and Framework
Act), de 1998, passou a estabelecer que os diretores são obrigados
a adotar medidas para evitar todas as formas de intimidação entre
os alunos (S61.4b).
72
Quadro 3
Ocorrência de Intimidação por Colegas nas Pesquisas

Como mostra o Quadro 3, há diversas estimativas da incidência


da intimidação por colegas, mas, seja qual for a estimativa usada, fica
claro que a intimidação é uma característica significativa da vida escolar,
afetando não apenas o indivíduo, mas também toda a atmosfera da escola
e a freqüência às aulas. Alguns alunos vítimas de intimidação tendem a
cabular as aulas, ao invés de enfrentar o intimidador, e a ter problemas de
concentração quando vão à escola (Sharp, 1995, 1996). Costuma-se pensar
que a intimidação diminui à medida em que as crianças crescem. As
pesquisas indicam que, mais freqüentemente, os intimidadores são
meninos e, embora os meninos intimidem as meninas, a intimidação de
meninos por meninas é mais rara. Entre as meninas, as queixas mais
freqüentes referem-se à intimidação verbal, a terem sido socialmente
excluídas e a outros comportamentos dessa natureza, ao passo que os
meninos tendem mais a ser ameaçados ou submetidos a agressões físicas.
Insultos racistas fazem parte do comportamento intimidador, e já ficou
claro que essas ofensas racistas são uma característica da vida escolar das
crianças pertencentes a minorias étnicas (Troyna e Hatcher, 1992). Nem
sempre os intimidadores provêm de ambientes sociais carentes, e o baixo
desempenho escolar não parece ser um fator preponderante. No entanto,
o ambiente familiar geralmente é identificado como sendo de algum modo
“difícil” ou “perturbado”, e é freqüente que essas crianças tenham sido
submetidas a violência doméstica. As crianças intimidadas muitas vezes
73
sofrem de dificuldades sociais com os pares, e é possível que elas sejam rejeitadas
por eles. Algumas delas têm uma aparência física diferente das demais, ou
apresentam uma fragilidade ou deficiência que se torna alvo de zombaria por
parte dos colegas. As crianças portadoras de necessidades educacionais especiais
correm o risco de apresentar um padrão vítima/intimidador (Sharp, 1995). Consta
que a maior parte das ocorrências de intimidação na escola se dá no pátio de
recreio (Boulton, 1995; Blatchford, 1998), ou na cantina e nos corredores, e os
problemas de intimidação em sala de aula tendem a ocorrer mais na escola
secundária. As conseqüências da intimidação por colegas tendem a ser graves
ou até mesmo fatais e, no caso de muitos alunos, elas contribuem para o
desinteresse pela escola, para o absenteísmo, e também para o baixo nível de
desempenho acadêmico (Imich e Jeffries, 1989).

EXPULSÃO DA ESCOLA

Na Inglaterra, as expulsões vêm-se constituindo num tema


importante, tanto para as pesquisas quanto para as políticas educacionais
e para a mídia, a partir de inícios da década de 90, quando foram divulgados
os primeiros dados de acompanhamento de nível nacional (DfE, 1992).
Na Inglaterra, as autoridades educacionais locais são responsáveis por
oferecer educação às crianças que foram expulsas da escola e, até data
recente, não havia sido estabelecida uma meta para a quantidade do ensino
(em termos de horas semanais) que a criança deveria receber.

Tipos de Expulsão
Costuma-se fazer distinção entre expulsão oficial e não-oficial. As
expulsões oficiais são principalmente de dois tipos: expulsão definitiva
de uma escola específica (sujeita a recurso) e expulsão por um período de
tempo determinado, que, em geral, é de alguns dias, mas que pode se
estender a 45 dias ou até um ano letivo inteiro. Esta última alternativa
permite a possibilidade de uma expulsão por 45 dias ocorrer num período
contínuo. Além disso, há números desconhecidos de expulsões não-oficiais,
que incluem uma série de práticas que vão desde mandar o aluno para
casa para um período de “esfriamento” após um incidente específico, até
a sugestão de que uma mudança de escola seria “vantajosa” para a criança.
74
Quadro 4
Dados Oficiais sobre Expulsões Definitivas

Fonte das cifras: 1990-92 e 1994-99 são estimativas do DfE e do DfEE; 1993-94 são estimativas de
Parsons, in Parsons et al.; 1995 e 1992-93 são estimativas de Hayden, in Hayden, 1997.

Em 1998-99, o total das expulsões definitivas oficiais praticadas


correspondeu a 0,15% da população discente total, discriminado em 0,03%
dos alunos da escola primária, 0,28% de alunos da escola secundária e
0,45% de alunos de escolas especiais (DfEE, 2000). Já há algum tempo,
as pesquisas vêm demonstrando também que escolas do mesmo tipo não
apresentam os mesmos índices de expulsões definitivas (Galloway et al.,
1982; Rowbotham, 1995; Hayden, 1997; Parsons, 1999).
Os números do DfEE mostram que a grande maioria das escolas
primárias (94%) e das escolas especiais (82%) não praticam expulsões
definitivas oficiais de alunos num ano letivo específico, e tampouco o fazem
quatro em cada dez (42%) escolas secundárias. Na verdade, a maioria das
escolas que chegam a recorrer a expulsões definitivas num ano específico
o fazem apenas em relação a um ou dois alunos. As diferenças são maiores
nas escolas secundárias, onde mais de um terço (35%) das escolas
75
determinam a expulsão definitiva de três ou mais alunos a cada ano, e
numa minúscula minoria de escolas secundárias (91, 0,025%), que
expulsam mais de dez alunos a cada ano. Desse modo, o padrão ou o
impacto geral é bastante desigual entre os diferentes níveis escolares e
também entre as diferentes autoridades educacionais locais, tendo
variado entre 0,05% e 0,37% da população escolar entre 1997-98 (DfEE,
1999). Isso sugere que as circunstâncias da escola, incluindo a autoridade
educacional local e os padrões éticos nela vigentes, sejam fatores
importantes da equação que determina quem será expulso da escola, e
por que razão. A maior parte dos comentários sobre esse aspecto das
expulsões enfoca os padrões éticos da escola, uma vez que muito
sabemos a respeito do que vem a constituir padrões éticos positivos
numa escola. Fala-se menos sobre as circunstâncias específicas de
algumas escolas com altos índices de expulsão. Pelo menos algumas
delas são “escolas receptoras”, que aceitam uma maior proporção de
alunos que já foram expulsos de outras escolas e, de fato, funcionam como
uma espécie de “depósito de refugo”, numa área onde as demais escolas
erigiram barreiras contra crianças que possam demandar mais do sistema,
sem uma contrapartida de desempenho que compense os esforços da equipe
escolar (Hayden, 2000).
O enfoque exclusivo nas expulsões definitivas fornece um quadro
pouco preciso do que vem ocorrendo nas escolas e com relação às
autoridades educacionais locais, e isso por uma série de razões. Em
primeiro lugar, é evidente que o número de crianças que abandonam a
escola a cada ano é maior do que o total das expulsões definitivas,
principalmente devido ao fato de que muitas dessas crianças jamais
retornam à escola. Desse modo, para alguns jovens, uma expulsão aos 14
anos de idade talvez signifique que eles freqüentarão em tempo parcial
uma unidade externa (conhecidas, em geral, como Unidades de
Encaminhamento de Alunos ou Centros Educacionais de
Encaminhamento de Alunos) por aproximadamente dois anos (às vezes
mais), até que atinjam a idade de 16 anos, quando lhes é permitido deixar
a escola. Em segundo lugar, os dados mostram que um grupo muito mais
numeroso de alunos é suspenso da escola por períodos determinados, o
que, para alguns alunos, pode acontecer por diversas vezes ao longo de
um mesmo ano letivo. Dados sobre suspensões por períodos determinados,
76
de um dia ou mais, vêm sendo coletados pelas Autoridades Educacionais
Locais desde setembro de 1999, mas ainda não haviam sido publicados à
época em que este artigo foi redigido. De fato, uma pesquisa não-publicada,
realizada por uma das autoras deste capítulo, encontrou registros de
suspensão de mais de 500 alunos, o que corresponde a aproximadamente
um em cada 50 alunos matriculados em escolas públicas numa determinada
Autoridade Educacional Local, num período de observação de um ano
letivo. Grande parte desses registros correspondiam a suspensões por
tempo determinado, a maioria delas inferior a cinco dias, que, à época do
estudo, não precisavam ser notificadas à autoridade local. No entanto,
como prova da incidência de comportamentos que as escolas se recusam
a aceitar (ou, quem sabe, como prova dos níveis de desinteresse dos alunos
ou pela escola ou por professores ou disciplinas específicas?), esses últimos
dados apontam para a existência de um problema muito maior que o
sugerido pelos dados oficiais sobre expulsões definitivas.

Alunos Expulsos – o que Eles Teriam Feito Para Tal?


As principais razões alegadas para a expulsão de alunos incluem
agressão física (geralmente dirigida contra outras crianças e,
ocasionalmente, contra professores e auxiliares de ensino) e a perturbação
causada ao aprendizado dos demais alunos. Os comportamentos
fisicamente agressivos mostraram ser um fator em cerca de um quarto
(27%) dos casos (DfE, 1992) e, segundo outros estudos (Hunter, 1993;
Hayden, 1997) em mais da metade. Esse comportamento, na maioria das
vezes, toma a forma de brigas, raramente havendo uso de armas. Além
disso, comportamentos de intimidação e ameaças a colegas aparecem em
muitos casos, como também uso de drogas e roubo (Hayden, et al., 2001).
No entanto, as razões oficialmente declaradas para as expulsões, por
definição, não passam disso mesmo – razões oficiais. O uso de termos
como “ataque” ou “roubo”, com suas conotações de comportamentos
criminosos, soam mais preocupantes do que “brigas no recreio” ou “roubo
das lancheiras dos colegas”. Diversos pesquisadores vêm observando, já
há algum tempo, que, na realidade, as expulsões geralmente se dão após
um período relativamente longo de relações difíceis e de incidentes
ocorridos na escola (Galloway et al., 1982; Cohen et al., 1994; Blyth e
Milner, 1996; Hayden, 1997). Esse efeito cumulativo talvez explique a
77
aparente trivialidade dos incidentes específicos que acabaram por
desencadear expulsões, que, em alguns casos, chamaram a atenção da
mídia e de outros grupos, tais como “recusa insistente em obedecer às normas
da escola com relação ao tamanho do cabelo” e “comportamento insubordinado”
(Blyth e Millner, 1993).

Desinteresse
O desinteresse pode ocorrer em qualquer momento da vida escolar
(Barrett, 1989) e pode estar relacionado a toda uma gama de fatores que
afetam a vida de uma criança. No entanto, como observa Barrett (1989),
“os adultos criam o ambiente de aprendizagem escolar para as crianças, e as teorias
dos adultos criam uma forma de realidade dentro da qual as crianças têm que
funcionar, e que elas acabam por assimilar” (p. 15). O ambiente de
aprendizagem de uma escola específica talvez não seja adequado a todas
as crianças. Tem havido um reconhecimento crescente das dimensões
assumidas pelo problema do desinteresse pela escola entre alunos
secundaristas, e de até que ponto esse fato pode estar relacionado às
limitações impostas pelo Currículo Nacional. Esse reconhecimento serviu
de inspiração a programas como o “New Start” (Novo Começo),
incentivou o crescimento de organizações tais como a “Include”
(Inclusão), uma associação beneficente que trabalha com jovens
desinteressados e excluídos e, além disso, suscitou a possibilidade da
revogação do Currículo Nacional no Estágio 4 (idades entre 14 e 16 anos
). Todas essas iniciativas reconhecem que o currículo acadêmico não é
adequado para todos os jovens. Experiência de trabalho, bem como
qualificações técnicas e vocacionais, figuram em todos esses planos
(Hayden, 2000). Tudo isso pode soar um pouco “de volta ao futuro” e, na
verdade, muitas dessas maneiras aparentemente “novas” de prestar
assistência a jovens desinteressados deve muito de sua inspiração às
alternativas disponíveis antes da introdução do Currículo Nacional,
correspondendo, aliás, ao pensamento que norteou a Lei da Educação de
1944 e a criação de um sistema educacional tripartido. É fato conhecido
que as crianças das zonas urbanas centrais e das áreas de baixas condições
econômicas são as que correm os maiores riscos de vir a se desinteressar
pela escola. As Zonas de Ação Educacional (Education Action Zones) foram
criadas pelo governo para tentar fazer face a essa desvantagem e reduzir
78
as disparidades de desempenho escolar. Essas zonas oferecem apoio
suplementar, tais como dias letivos mais longos e melhores recursos e
instalações, tanto para alunos quanto para professores. Outras iniciativas
importantes, tais como programas de instrução comunitária e familiar,
tentam lidar com a questão correlata das atitudes da comunidade e da
família com relação à educação.
O desinteresse pode ser demonstrado pelos alunos de diversas
maneiras e pode estar relacionado a uma série de questões. Por exemplo,
em alguns casos, o comportamento que acaba por resultar em expulsão
está vinculado ao desinteresse. Faltar às aulas pode ser um sintoma de
desinteresse, ou pode estar relacionado a outras questões, como, por
exemplo, o jovem pode ser arrimo de família. O desinteresse pode se
dever também à experiência de o jovem ter sido vítima de intimidação,
ou de ele sentir inseguro na escola. Os alunos de baixo desempenho
acadêmico podem desenvolver uma cultura anti-escola. Uma baixa auto-
estima e sentimentos de frustração podem levá-los a se afastar e a não
tomar parte ativa no trabalho da classe, a não ser por meio de mau
comportamento, desatenção e perturbação das aulas, comportamentos
esses que foram citados como os maiores problemas enfrentados pelos
professores (DES/WO, 1989). Para alguns jovens desinteressados, o
comportamento insubordinado e a atuação em sala de aula ou na
comunidade podem ser vistos como as únicas maneiras de atrair atenção
e adquirir status frente a seus pares.
A freqüência às aulas há muito se constitui num tema de interesse
para as pesquisas sobre as escolas (Reid, 1985; Carlen et al., 1992). Em
fins da década de 80 e ao longo de toda a década de 90, fortes vínculos
foram estabelecidos entre a não-freqüência à escola, os padrões de
desempenho escolar e o comportamento na comunidade (comportamentos
criminosos e delinqüentes, inclusive). Desinteresse pela escola, falta às
aulas e cabulação não são vistos como problemas exclusivamente
escolares. Diversos estudos mostraram que há uma forte correlação entre
baixo desempenho acadêmico, desinteresse, falta às aulas e delinqüência
juvenil: “uma criança que se sinta cronicamente diminuída em meio à competição da
sala de aula pode sentir que é justo acertar as contas lá fora, através de violência,
roubo e outras formas de ilegalidade desafiadora” (Wilson e Hernstein, 1985).
Outros dados também corroboram essa idéia: em 1996, consta que cerca
79
de 30% dos crimes de autoria de jovens foram cometidos em horas em
que eles deveriam estar na escola (Muncie, 1999). Parsons (1999) também
enfatiza o vínculo existente entre cabulação de aulas e criminalidade juvenil,
mostrando que 75% dos jovens que foram definitivamente expulsos da
escola cometem delitos. No entanto, embora a falta às aulas esteja
relacionada à criminalidade, sendo um de seus principais indicadores,
nenhum vínculo causal pôde ser estabelecido: “nem todas as crianças que
cabulam aula se envolvem em atividades criminosas e, na maioria dos casos, o que
parece é que elas não fazem nada em particular.” (Lewis, 1995, citado em
Parsons, 1999, p. 64). No entanto, as autoridades educacionais vêm-se
concentrando em maneiras de reduzir a cábula de aulas, tais como o
Truancy Watch, lançado em 1993, quando foram criadas patrulhas de cábula
e o crime juvenil teria diminuído. Na Inglaterra e no País de Gales, a Lei
de Crime e Desordem (Crime and Disorder Act) de 1998 ampliou os poderes
da polícia para lidar com os gazeteiros e levá-los de volta à escola, sempre
que eles forem encontrados pelas ruas sem permissão dos pais ou da escola.
Os pais podem se ver estigmatizados e acusados de serem maus
pais, em razão do comportamento de seus filhos na escola. Nos termos
da Lei de Crime e Desordem de 1998 cabe aos pais a responsabilidade
pela freqüência de seus filhos às aulas. Existe também a possibilidade de
que eles serem obrigados a assistir a cursos sobre os seus deveres. Os
contratos Casa-Escola, firmados entre as famílias e as escolas, passaram
a ser obrigatórios a partir de setembro de 1999. Esses contratos especificam
as expectativas e as responsabilidades das escolas e das famílias, bem
como as das crianças, em relação ao tempo que elas passam na escola.

COMPORTAMENTO DE ESTRANHOS NA ÁREA


ESCOLAR

Nas últimas décadas, as escolas inglesas, em muitos sentidos,


tornaram-se lugares mais abertos, e a parceria com os pais é ativamente
incentivada, bem como a idéia de que os pais têm direitos e expectativas
com respeito à educação que seus filhos estão recebendo. Muitas escolas
oferecem espaço a toda uma série de atividades comunitárias, inclusive
pela razão de isso lhes trazer uma tão necessária receita suplementar. Todos
80
esses fatos ampliam as razões e as oportunidades legítimas para a presença
de adultos na área escolar. Um levantamento nacional sobre segurança
pessoal e violência nas escolas da Inglaterra (Gill e Hearnshaw, 1997)
mostrou uma alta incidência de comportamentos abusivos, violentos e
criminosos nas escolas. No entanto, parte desses dados – por eles serem
expressos em termos de níveis escolares – não coincide , necessariamente,
com a experiência cotidiana dos professores. Além disso, é necessária maior
precisão na definição de quem deva ser considerado como um estranho
para a escola. Na França, por exemplo, a maioria dos levantamentos
verificou que os intrusos não eram totalmente desconhecidos na escola, e
que a maior parte dos incidentes provocados pelos supostos estranhos foi
de fato cometida por alunos expulsos ou por ex-alunos que retornavam
para acertar contas com membros da equipe escolar, com conhecidos seus,
ou com outros pais de alunos (Debarbieux, 1999).
Gill e Hearnshaw (1997) mostram que mais da metade das escolas
já registrou ocorrências de ofensas verbais cometidas por pais de alunos
contra membros da equipe escolar, e que um quarto delas já registrou
agressões desse tipo partindo de pessoas de fora. Já as agressões físicas
contra a equipe foram bem mais raras, atingindo cerca de seis em cada
cem escolas. No entanto, uma em cada cem escolas registrou incidentes
de um membro da equipe ser agredido com uma arma ou outro objeto.
Quando aconteceu de membros da equipe serem atacados por pessoas de
fora, tratava-se, na maioria das vezes, de pais de alunos ou de ex-alunos.
Cerca de uma em cada seis escolas registra casos de alunos atacados por
estranhos, e em duas em cada cem escolas alunos foram atacados com
ar mas ou outro objeto. Os ataques a alunos foram cometidos,
principalmente, por alunos de outras escolas ou por ex-alunos. Cerca de
um terço das escolas havia, no decorrer do ano imediatamente anterior,
sido vítima de assalto, e uma proporção semelhante havia registrado roubo
de objetos pessoais. Roubos envolvendo ameaças ou agressão física foram
muito mais raros, ocorrendo em uma em cada 52 escolas (1,9%).
Aproximadamente metade das escolas registrou incidentes de danos
intencionais e malévolos a seu patrimônio. Incêndios criminosos ocorreram
em cerca de uma em cada catorze escolas (7,2%) e 12% das escolas
registraram porte de armas por alunos, em suas dependências. Apesar de
todos esses fatos, a maior parte das pessoas entrevistadas no levantamento
81
(mais de 70%) acreditava que a violência nas escolas era exagerada pela
mídia, e a grande maioria delas era de opinião que as escolas não deveriam
ser transformadas em fortalezas.
Um estudo da ILEA (Poyner e Warne, 1988) deu ênfase ao risco
de membros da equipe escolar terem de enfrentar um intruso nas
dependências da escola. O estudo dos poucos incidentes trágicos já
registrados, em que intrusos feriram e mataram alunos e professores nas
dependências da escola, sugere que esses ataques sejam aleatórios, isto é,
que não havia necessariamente a intenção de atingir aquela escola
específica, ou determinados professores ou alunos (Leyden, 1999).
É acalorado o debate entre os que são de opinião que as escolas
deveriam ser transformadas em fortalezas e protegidas contra a
influência da “contaminação” vinda da comunidade externa e aqueles
que afirmam que não faz sentido isolar as escolas das influências
externas, uma vez que as escolas são um reflexo daquilo que ocorre na
cidade, seja ela grande ou pequena, já que tudo o que acontece fora da
escola costuma ser trazido para dentro dela. Segundo Wilson (1977;
48), “boa parte do que é chamado de ‘crime nas escolas’ é, na realidade, um
crime cometido por jovens que, coincidentemente, encontram-se matriculados numa
escola ou que, incidentalmente, cometem um crime no caminho para a escola, ou
da escola para casa”. Encarar a violência na escola como um problema
exclusivamente externo significa acreditar que a escola pouco possa
fazer quanto a esse fenômeno. Por outro lado, encará-la como um
fenômeno unicamente interno significaria estigmatizar as escolas e os
professores, responsabilizando-os por aquilo que talvez seja um
problema da comunidade ou da sociedade. No entanto, enfocar
unicamente as escolas pode sugerir que o ambiente social tenha
pouquíssima influência, minimizando o papel das características e da
responsabilidade individuais. Entretanto, sem negar o fato de que uma
melhor segurança escolar e um controle mais severo sobre o que
acontece nas dependências da escola possa ter o efeito de reduzir a
criminalidade e as intrusões externas, acreditamos que o problema deva
ser localizado no contexto da comunidade. Quanto a isso, concordamos
com Gottfredson e Gottfredson (1985), que demonstram o impacto
exercido sobre a escola pela atmosfera e pela criminalidade existentes
82
na comunidade em geral. “Os resultados [...] documentam fortes vínculos
entre o contexto da comunidade na qual a escola se situa e as perturbações da
ordem na escola. [...] Essas associações corroboram tanto a teoria quanto
pesquisas ecológicas anteriores, que sugerem que a delinqüência esteja relacionada
à organização social da comunidade (pgs. 73-74).”
No entanto, com base em dados constantes da bibliografia sobre
a eficácia da escola (Lawrence, 1998; Sammons et al., 1995;
Debarbieux, 1996, 1999), e de acordo com as conclusões a que
chegaram nossos próprios levantamentos (ver abaixo), há muito que
as escolas podem fazer para influenciar, evitar e lidar com os
comportamentos agressivos e violentos. Os padrões éticos da escola
exercem impacto sobre sua atmosfera geral e sobre sua maneira de
lidar com os alunos – se eles são tratados com respeito, qual a incidência
de intimidação por colegas e de violência de outros tipos, etc. As
políticas e os programas da escola, tais como planos anti-intimidação,
programas de aconselhamento entre pares, sistemas de apoio pastoral,
como também suas práticas de ensino, a disponibilidade e coerência
dos adultos e sua equanimidade na aplicação da disciplina, são todos
fatores importantes. O contexto escolar, em termos do respeito
existente entre adultos e crianças/jovens e dos canais de comunicação
existentes entre eles pode ter um impacto maior sobre o comportamento
que o ambiente social. Apresentaremos agora os resultados iniciais de
nossas próprias pesquisas quanto à essa questão.

Resultados Iniciais de um Levantamento sobre a Atmosfera


das Escolas na Inglaterra
Já afir mamos que as pesquisas sobre os indicadores de
comportamentos violentos e agressivos fragmentam-se em uma série
de temas e tradições de pesquisa já há muito estabelecidos. A maioria
das pesquisas fornece dados sobre aspectos particulares da questão,
tais como estudos sobre intimidação por colegas, que enfocam um
aspecto dos comportamentos violentos e agressivos, deixando de lado
atos de outras naturezas, como, por exemplo, brigas, atitudes agressivas
e violentas dirigidas contra professores, comportamentos agressivos e
violentos da parte dos professores em relação aos alunos, vandalismo,
83
extorsão, assédio sexual e ataque racial, etc. Nossa própria pesquisa
se propõe a investigar de maneira mais ampla a “atmosfera da escola”,
enfocando a experiência dos alunos em relação à agressão e à
violência nas dependências da escola. Esta pesquisa faz parte de um
levantamento comparativo, abrangendo toda a Europa, e tem como
objetivo avaliar a questão da atmosfera da escola e do medo de
violência e de vitimização ali existente. Ela tem sido executada na
Bélgica, na França e na Espanha, e pretende, futuramente, abranger
outros parceiros vinculados ao Observatório Europeu da Violência
nas Escolas (sediado na Universidade de Bordeaux e fundado por
Éric Debarbieux).
Delinearemos, a seguir, os resultados iniciais extraídos de um
questionário de depoimentos pessoais sobre a atmosfera verificada
numa amostragem de escolas urbanas inglesas. Esse questionário foi
preenchido por 796 alunos, de idades entre 12 e 18 anos, matriculados
em seis escolas secundárias urbanas da Inglaterra. Essas escolas foram
selecionadas para a obtenção de uma amostragem de jovens de escolas
urbanas inglesas, localizadas em áreas relativamente carentes, e todas
elas aceitaram voluntariamente participar da pesquisa. Constam dessa
amostragem escolas de duas cidades da costa sul e de diversos bairros
londrinos. Os fatores socioeconômicos foram avaliados com base no
número das refeições gratuitas servidas na escola, no número de pais
de alunos em situação de desemprego e na proporção de alunos
residindo em conjuntos habitacionais públicos. Seis escolas
participaram da etapa inicial do levantamento. Foi sorteada uma
amostragem aleatória de alunos, representando cada uma das séries e
todos os grupos de interesse da escola. Os objetivos do levantamento
foram explicitados para os alunos, e a confidencialidade de suas
respostas foi-lhes assegurada. Eles não foram obrigados a declarar seus
nomes, a não ser que desejassem participar de uma entrevista face a
face com o pesquisador. Todos os questionários foram preenchidos
pelos jovens no decorrer de um mesmo ano letivo, sob a supervisão
unicamente do pesquisador. As perguntas diziam respeito ao ano letivo
como um todo. As perguntas foram lidas em voz alta para os alunos, e
o vocabulário usado foi definido, quando necessário.
84
O QUESTIONÁRIO

O questionário usado foi concebido por Debarbieux, tendo sido


testado com 26.000 estudantes franceses, em 130 escolas secundárias
daquele país (Debarbieux, 1996, 1999), e abrange três indicadores
principais da atmosfera da escola:

1. Vitimização: incluindo extorsão, roubo, ataques verbais,


intimidação, racismo e extorsão auto-delatada.
2. Medo da violência na escola: incluindo uma definição escalonada
de violência, de onde ela ocorre e de sentimentos de insegurança e
tensão dentro da escola.
3. Atmosfera geral da escola: incluindo relações com pares, com
os professores e com outros adultos, administração da
disciplina, política geral da escola em relação a
compor tamento, lug ares preferidos e evitados nas
dependências da escola, avaliação da vizinhança da escola,
resultados acadêmicos e sugestões dos alunos para melhorar
a atmosfera da escola.

Não é colocada uma definição preestabelecida de violência, e


os estudantes são solicitados a responder perguntas subjetivas, após
terem afirmado que um tipo específico de violência de fato ocorria
dentro da escola. O questionário consta de 49 itens, expressos nas
escalas de Lickert, que os alunos conseguem preencher com
facilidade. Alguns itens selecionados são mostrados nas tabelas a
seguir. As entrevistas detalhadas com cada aluno, individualmente,
como também o trabalho de observação e o feedback formal sobre os
resultados do levantamento em cada escola, ajudam no
aprofundamento e na verificação dos dados quantitativos,
contribuindo com observações e comentários.
85
Os Resultados
A Tabela 1 ilustra a maneira pela qual os alunos percebem
determinados aspectos do “clima da escola”, incluindo a qualidade de
suas relações com os demais, bem como a qualidade dos resultados
acadêmicos.
Tabela 1
A Atmosfera ou o “Clima” da Escola

Como mostrado na Tabela 1, um em cada dez (10,4%) dos alunos


entrevistados têm sentimentos negativos quanto à atmosfera de suas
escolas – eles a vêem como “péssima” ou “praticamente inaceitável”. Por
outro lado, seis em cada dez (59,1%) vêem a atmosfera de suas escolas
como “boa” ou “excelente”. Nesse levantamento, padrões semelhantes
foram encontrados em todas as respostas a perguntas tratando da
atmosfera. No entanto, é mais comum os alunos descreverem como
“excelentes” suas relações com os professores (17,6%) que com os demais

86
alunos (7,4%). De fato, as relações com os professores e com outros
adultos, dentro da escola, recebem mais freqüentemente a classificação
de “excelentes” do que a atmosfera geral e as relações com outros alunos.
Os alunos viram como altamente positivos os resultados acadêmicos de
sua escola, que foram descritos como “excelentes” por mais de um terço
deles (35,2%). Além disso, outros quatro em dez alunos (39,2%) eram de
opinião de que os resultados acadêmicos de suas escolas eram “bons”.
Essa última percepção é interessante, no sentido de que todas as escolas
participantes do levantamento classificaram-se ou abaixo ou próximo à
média nacional, em termos das tabelas classificatórias de resultados de
exames, sugerindo, talvez, que as escolas tenham obtido êxito em se
contrapor aos efeitos potencialmente negativos dessas classificações. Por
outro lado, três em cada dez alunos (28,5%) viam sua escola como
“mediana”, em termos da atmosfera geral.

A tabela 2, a seguir, apresenta as respostas às perguntas:


1. Há algum tipo de violência, violência verbal, intimidação por
colegas, assédio de qualquer tipo ou ofensas raciais em sua escola?
2. Você sente que existe tensão entre professores e alunos (coluna
“tensão”)?

Tabela 2
Violência na Escola e Tensão com os Professores

Um em cada cinco alunos (21,1%) afirma que há “muita” ou “uma


quantidade enorme” de violência ocorrendo em suas escolas. Apenas um
em cada vinte (5,4%) tinha a impressão de não haver “violência nenhuma”

87
em sua escola. Três em cada dez alunos (31,1%) via a existência de
violência em sua escola como “média”. É importante observar que
esses resultados não trazem dados sobre o índice de violência de
fato existente, mas sim sobre a importância do sentimento de
insegurança, uma vez que eles não se referem à vitimização de fato,
mas à maneira como ela é encarada. Por outro lado, os alunos relatam
um nível de tensão relativamente baixo com seus professores, sendo
que quase seis em dez alunos (57,1 %) relatam que essa tensão é
“pouca” ou “nenhuma”. No entanto, um em cada seis alunos (15,1%)
afirma ter a experiência ou de “uma quantidade enorme” ou de
“muita” tensão com os professores. Quase um em cada cinco alunos
(18,2%) percebe o nível de tensão nas relações com os professores
como sendo “média”. Para obter uma percepção mais precisa daquilo
a que os alunos chamam de “violência”, pedimos a eles que dessem
exemplos de atos violentos que eles haviam assistido, como mostrado
na Tabela 7.

Tabela 3
O que os Alunos vêem como “Violência”

88
A Tabela 7 ilustra as respostas à pergunta que pedia aos alunos
que detalhassem o que eles entendiam por “violência”.
Embora quatro em cada dez alunos (42,5%) não tenham
respondido a essa pergunta, a Tabela 7 mostra claramente que a
violência verbal e a intimidação são os principais tipos de violência
mencionados pelos alunos que responderam a pergunta, seguidos de
brigas e empurra-empurra. A violência mencionada refere-se
exclusivamente à violência entre colegas, embora a maioria dos alunos
pareça relativamente satisfeita com suas relações com os pares, como
mostrado na Tabela 1. Os roubos referem-se principalmente a material
escolar e dinheiro, seguido de comida tirada das lancheiras. É
interessante observar que, embora a intimidação seja citada por cerca
de um em cada cinco dos alunos que responderam a essa pergunta
(18,6%), ela não é colocada como o principal tipo de ocorrência
associada por eles à “violência”. Discussões com professores, extorsões
e ameaças são extremamente raros nas escolas estudadas por nós,
segundo os alunos que responderam a essa pergunta.
O passo seguinte do estudo foi avaliar os índices de vitimização.
Como parte dessa etapa, enfocamos inicialmente a extorsão, ou seja,
perguntamos aos alunos se havia ocorrência de extorsão no interior da
escola, e se eles haviam sido vítimas de extorsão, ou cometido extorsão.
A diferença entre o sentimento de que havia algum nível de extorsão
ocorrendo na escola e a percentagem de alunos que afirmaram ter sido
vítimas ou ter cometido extorsão é um outro indicador do nível de
insegurança existente dentro da escola. Contrastando com as afirmações
dos alunos (apenas três deles citaram a extorsão como seu exemplo de
violência na escola), mais que um em cada cinco alunos (22,4%) acreditam
que algum nível de extorsão aconteça na escola; um em cada catorze
(7%) afirma ter tomado parte em algum tipo de extorsão e mais que um
em dez (11,9%) relatam terem sido vítimas de extorsão. “Extorsão”, no
caso, referia-se principalmente a dinheiro para comprar lanche e a
figurinhas de “Pokemon”, ou a objetos que não devem ser levados para a
escola, como “gameboys” ou telefones celulares. Os diversos tipos de
violência identificados pelos alunos ocorrem (em ordem de importância):
“no pátio de recreio” (29,1%); “por toda a parte” (27%), “fora dos portões
da escola” (12,6%) e “em sala de aula” (11,7%).
89
Diversos pontos interessantes foram levantados a partir desses
resultados iniciais da pesquisa, em relação à maneira pela qual a violência
é percebida pelos alunos das escolas inglesas e ao impacto da vitimização
sobre as percepções da escola como um todo. É interessante observar
que o índice de vitimização relatado pelos alunos é muito inferior à
violência que, conforme se acredita, ocorre nas escolas. O exemplo da
extorsão mostra uma diferença de dez pontos entre o fenômeno, tal como
percebido, e as ocorrências reais. O índice real de vitimização mostra a
influência que alguns tipos de violência ou de agressão podem exercer
sobre o sentimento de segurança das crianças e sobre a maneira pela qual
eles vêem sua escola, principalmente, talvez, quando o problema não é
rapidamente resolvido pela escola. Neste último caso, as crianças podem
ser deixadas com a sensação de não estarem num ambiente que se preocupa
com elas, e que a escola não é um lugar seguro. A alta percentagem de
alunos que afirmam que a violência ocorre “por toda a parte” dentro da
escola (27%) corrobora essa última idéia, e deve ser motivo de grande
interesse para as escolas atingidas pelo problema. Ficou evidente que as
escolas de nossa amostragem não enfrentam dificuldades idênticas, as
que são vistas como seguras por seus alunos para aquelas onde os padrões
éticos da escola são positivos. Isso significa que os padrões éticos da escola
baseiam-se no respeito mútuo, e a disciplina e as expectativas quanto a
comportamentos são explicitadas com clareza, mas os professores e os
funcionários são abertos a discussões e vistos pelos alunos como justos.
Para ilustrar esse ponto, citaremos frases de alunos falando sobre seus
professores, neste estudo:

“Eu me dou bem com eles porque eles se comportam da mesma maneira com
todos os estudantes.”
“Porque eles são muito bons e respeitam os alunos.”
“Porque eles falam de um jeito simpático.”
“Porque nós nos respeitamos um ao outro e sabemos o que esperar”.

Como verificado pelo Levantamento Elton (DES/WO, 1989) e


pela pesquisa de Gill e Hearnshaw (1997), também em nosso estudo as
ofensas verbais foram o tipo de violência mais freqüentemente citado
pelos alunos. Esse é o problema encontrado com maior freqüência dentro
90
das salas de aula, embora, ali, os alunos estejam sob a supervisão direta
de um adulto. As ofensas verbais, embora possam não resultar em agressão
física, podem ter grande impacto psicológico, principalmente quando elas
tomam a forma de intimidação por colegas, cujas conseqüências podem
ir da baixa auto-estima até o desinteresse pela escola, podendo levar até
mesmo a estados depressivos graves. As menções de intimidação nos
depoimentos constantes deste estudo corroboram as percentagens
encontradas por Whitney e Smith (1993) e por Stephenson e Smith (1987).
No entanto, foi pedido aos estudantes que afirmaram estar sofrendo ou
ter sofrido intimidação em algum momento do ano letivo que relatassem
o ocorrido. Os resultados dessa pergunta subjetiva foram altamente
surpreendentes, uma vez que 80% das descrições nada tinham a ver com
intimidação, tal como definida pela pesquisa – ou seja, “opressão repetida,
quer psicológica ou física, de uma pessoa mais fraca por outra mais forte” (Farrington,
1993). A maior parte das descrições tratava de incidentes casuais, ou de
implicância entre alunos, mas sem qualquer indício de abuso de poder
continuado, ou de desigualdade entre os alunos em questão. Frases
proferidas pelos alunos servem para ilustrar esse ponto:

“Eles me arrastaram de um lado para o outro e me empurraram.”


“Alguém chegou perto de mim e começou a me xingar e a me empurrar.”
“Eu fui xingado e, uma vez, me bateram.”
“Meu amigo me deu uma cabeçada, eu chutei ele, depois nós ficamos amigos
de novo.”
“Alguém atirou uma lata na minha cabeça.”

Embora a intimidação por colegas não deva ser minimizada, em


razão dos danos e do sofrimento causado às vítimas e das conseqüências
potencialmente negativas em relação ao comportamento futuro dos que a
praticam, é muito importante examinar com cuidado o que é chamado de
intimidação e como as queixas serão interpretadas. De fato, nossa pesquisa
sugere que o termo costuma ser mal-empregado, apesar de todas as
campanhas informativas e dos planos de intervenção já concebidos e
implementados na Inglaterra. Se esse uso equivocado da palavra não for
levado em conta, as pesquisas e os dados sobre a ocorrência de intimidação
nas escolas poderão se ver comprometidos. Gostaríamos também de
91
ressaltar que a intimidação não é o único tipo de vitimização a ser levado
em conta no ambiente escolar e, também, que ela não foi citada como a
de ocorrência mais freqüente pelos alunos que participaram de nosso estudo
foram as ofensas verbais o principal tipo de vitimização mencionado. O
problema quanto a isso é que esses dois tipos de vitimização se
sobrepõem, e a única maneira de obtermos uma perspectiva realística
dessa intimidação é pedir aos alunos que expliquem o que eles querem
dizer com essa palavra. Na Inglaterra, a maior parte das pesquisas e da
cobertura jornalística vêem a ‘“violência” nas escolas como significando
o mesmo que “intimidação”. Esse enfoque é demasiadamente estreito
se levarmos em conta toda a gama de vitimização verificada nas escolas.
Nos últimos anos, um grande esforço tem sido feito no sentido de evitar
e minimizar a intimidação por colegas, como parte das estratégias de
administração de comportamento adotadas pelas escolas. Sabe-se que
são muitas as queixas relativas a outros tipos de incidentes que não a
intimidação, que ocorrem nos pátios de recreio, como, por exemplo, brigas
e extorsão (Blatchford, 1998). Embora muitas escolas tenham tentado
aumentar a vigilância nesses locais, o fato é que, nas escolas, não há um
número suficiente de adultos que possam se encarregar da supervisão
das atividades menos estruturadas, que acontecem fora das salas de
aula. Os alunos querem a presença de um número maior de adultos nos
pátios de recreio, nas escadas, nos corredores, nos banheiros e nos
“cantos escondidos”, e também na saída da escola, como mostram as
seguintes citações:
“Que houvesse mais professores nos intervalos entre as aulas.”
“Mais câmeras e mais supervisão de professores no pátio de recreio.”
“Um pátio de recreio maior e mais seguro.”
“Acho que deveriam haver professores patrulhando a área da escola.”

Em nossa amostragem, nas escolas onde foi verificado um


problema de violência no pátio de recreio, esses pátios eram mal-projetados
e pequenos demais para acomodar todos os alunos. Nesses casos, o
escalonamento das aulas e dos intervalos de recreio e a intensificação da
supervisão de adultos seriam soluções possíveis para reduzir os incidentes
ocorridos nos intervalos.
92
O presente estudo mostra que a violência nas escolas é um problema
enfrentado por uma proporção significativa dos alunos, e medidas visando
a evitar e administrar essas ocorrências deveriam ser tomadas por todas as
escolas. No entanto, nosso estudo mostrou que a vitimização de fato atinge
a uma proporção bem menor da população escolar, se comparada ao
sentimento de insegurança ali existente. Esse sentimento talvez resulte da
cobertura dada pela mídia e das informações ali veiculadas, mas ele se deve
também ao fato de algumas escolas talvez não estarem levando a sério
incidentes que podem parecer insignificantes aos adultos, mas que, quando
repetidos e não solucionados, podem assumir grande importância na vida
escolar cotidiana. Insultos verbais, roubos e extorsão são aspectos bastante
importantes da vitimização nas escolas. A intimidação parece ser
relativamente comum, embora o termo deva ser usado de maneira mais
circunspecta, pois é evidente que o significado que ele tem para os alunos
nem sempre é o mesmo que para os pesquisadores. Reconhecemos que o
pequeno tamanho da amostragem usada neste levantamento significa que
devamos ver estes primeiros resultados como exploratórios, sem pretender
generalizar, no estágio atual. À época em que este artigo estava sendo escrito,
outras coletas de dados haviam sido concluídas na Inglaterra (em sete outras
escolas) e estavam em curso em diversos países europeus. Nos artigos a
serem futuramente escritos, será necessário examinar os resultados de uma
amostragem maior de escolas. O objetivo de longo prazo do trabalho é
identificar maneiras de lidar com uma questão que é de interesse para os
países europeus e para outras regiões do mundo.

CONCLUSÃO

Tanto nossa análise da bibliografia existente quanto os resultados


preliminares de nossa pesquisa mostram que serão necessários maiores
esclarecimentos sobre como obter indicadores confiáveis sobre a violência
e a agressão nas escolas, visando, inclusive, a desenvolver uma definição
e uma compreensão consensual desses temas.
Trata-se de um grande desafio para as pesquisas internacionais e
comparativas, de interesse não apenas para pesquisadores e políticos, mas
também para as pessoas que são o objeto da pesquisa – os alunos e
93
professores. Em certo sentido, as pesquisas sobre os comportamentos
violentos e agressivos está bem avançada na Inglaterra. Houve algum
progresso no reconhecimento da necessidade de aperfeiçoar os
padrões éticos da escola e de tomar providências para tratar da
questão. No entanto, como indica nossa pesquisa, ainda há muito
trabalho a ser feito. Damos ênfase aqui ao fato de que as escolas não
são capazes, por si sós, de resolver todos os problemas: outros
ingredientes indispensáveis para enfrentar o problema da melhoria
do ambiente escolar são o trabalho conjunto de diversas agências, a
participação da comunidade, além de um maior reconhecimento por
parte do governo, que terá também que destinar maiores verbas para
esse fim. Em fins da década de 80, um fato novo ocorreu na
Inglaterra: foi reconhecida a existência da intimidação por colegas
nas escolas, a questão tornou-se objeto de um grande número de
pesquisas e muitas medidas foram tomadas quanto a ela. Desde então,
este tem sido o tema predominante das pesquisas sobre a violência
nas escolas. O número de pesquisas sobre expulsão aumentou
rapidamente durante a década de 90, paralelamente à criação de um
sistema nacional de monitoramento. O desinteresse pela escola
tornou-se também um outro foco das pesquisas e do desenvolvimento
de políticas. No entanto, nem as pesquisas nem as políticas enfocaram
especificamente a violência nas escolas. Mais recentemente,
entretanto, o uso da palavra “violência” tem-se tornado mais
freqüente, tanto na imprensa quanto em meio a alguns sindicatos de
professores, com relação a esses temas. Um dos grandes desafios
para as pesquisas sobre comportamentos violentos e agressivos nas
escolas é a confiabilidade de seus resultados, uma vez que não existe
ainda um método consensualmente estabelecido para o registro e o
monitoramento dos incidentes violentos ocorridos nas escolas
inglesas. Essas ocorrências são mensuradas por meio do uso de
diferentes definições, técnicas e metodologias, que, às vezes, sequer
são comparáveis entre si. Essa é uma das razões que motivaram o
presente panorama do estágio atual do conhecimento, na Inglaterra.
A apresentação de nossos resultados preliminares de pesquisa deve
servir como um incentivo a mais para o surgimento de novas pesquisas
94
comparativas, de nível mais aprofundado e que usem mensurações
mais precisas da violência, da agressão e da vitimização nas escolas.

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102
4. VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS:
ORIENTAÇÃO E SITUAÇÃO ATUAL DAS
PESQUISAS NA FRANÇA
Dr. Yves Montoya *

A violência nas escolas é um assunto complexo, que pode ser


encarado de ângulos muito diferentes, o que é demonstrado pelo grande
número de trabalhos recentes e pelas diversas contribuições que vêm sendo
feitas à questão. Nem sempre foi assim. Na década de 80, apesar de toda
a atenção dada pela mídia aos primeiros “encontros” ocorridos em Vaulx-
en-Velin (Bachmann e Le Guennec, 1996), a violência nas escolas, como
tal, era pouquíssimo estudada, sendo sempre incorporada a um tema mais
amplo, que incluía a emblemática violência urbana. No entanto, uma série
de relatórios oficiais e de depoimentos prestados por educadores e por
profissionais clínicos vieram a mostrar que, em fins dos anos 70, o
sofrimento tanto dos alunos como dos professores era grande nas áreas
socialmente carentes (Debarbieux e Montoya, 1998a). As pesquisas
sociológicas não levavam essa dimensão suficientemente a sério, relegando-
a, ao contrário, à condição de uma “fantasia de insegurança” – o que
representava uma atitude bastante desdenhosa para com as vítimas. Os
primórdios da criação de um tema de pesquisa científica tratando
especificamente das escolas surgiu com a publicação de trabalhos de
autoria de educadores (Pujade-Renaud, 1983, 1984; Douet, 1987;
Zimmermann, 1982; Debarbieux, 1990, etc.) que, naquela época,
enfatizaram a gravidade do problema. No entanto, pode ser dito que a

* Universidade Victor Segalen, Bordeaux 2, França.

103
análise e as propostas apresentadas com base nesses modelos não
levavam suficientemente em conta os mecanismos sociais em operação.
Trabalhos posteriores levaram essa tendência ainda mais longe,
superestimando as possibilidades da escola e deixando-as sem
alternativas _ “Escola: violência ou educação” (Pain, 1992) – e, ainda
mais recentemente, através de uma reação exagerada – “Escola ou
guerra civil” (Meirieu e Guiraud, 1997). Entretanto, num período em
que a violência nas escolas era tabu, e em que não havia políticas
públicas especificamente concebidas para lidar com ela, esses trabalhos
foram uma maneira de chamar a atenção para o sofrimento das vítimas,
e o próprio fato de elas existirem já colocava perguntas a serem
respondidas.
A década de 80, portanto, produziu um grande número de
trabalhos pedagógicos e psicológicos que, direta ou indiretamente,
tratavam da violência nas escolas. As políticas públicas inexistiam e
os trabalhos sociológicos eram muito esparsos: a questão da ‘“violência
nas escolas” ainda não havia se transformado numa questão social. O
desinteresse da mídia no decorrer dos anos 80, que camuflava os
trabalhos e a preocupação presentes dentro das escolas, foi substituído
por uma efervescência sem precedentes, na imprensa escrita e na
televisão, que alçou a violência nas escolas à condição de um problema
ou fenômeno social. A “violência nas escolas” tornou-se um tópico
jornalístico candente, e a maneira como ele foi explorado pela mídia
raramente foi examinada, e apenas por uns poucos pesquisadores
(Debarbieux, 1997). Não há dúvida então de que, na França, a imprensa
escrita e audiovisual reforçou a já então crescente preocupação do
público com esse fenômeno. O assunto viu-se transformado numa
questão ideológica, que acontecia em meio a uma impressão
generalizada de declínio global da moral educacional, relacionada à
decadência dos valores familiares e a um suposto excesso de
indulgência por parte dos professores, demonstrando assim a
deficiência das políticas e, de maneira mais geral, a fragilidade do
Estado. Essa mobilização sem precedentes chamou a atenção das
autoridades públicas, injetando novo ânimo às pesquisas e gerando
novos relatórios e novas medidas.
104
A MOBILIZAÇÃO DAS AUTORIDADES PÚBLICAS E O
NOVO ÍMPETO DADO ÀS PESQUISAS

As instituições que tomaram conhecimento do problema


participaram ativamente da obtenção de melhores informações sobre esses
fenômenos, abrindo licitações públicas, às quais as equipes de pesquisa
acorreram. Em 1994, pela primeira vez na França, foi montado um vasto
programa de estudos empíricos sobre a violência escolar, patenteando a
intenção do Estado de assumir o compromisso de entender o problema e
tratar dele. Esse aumento de interesse não deve nos levar a pensar que o
fenômeno seja mais novo que de fato o é, uma vez que os primeiros
relatórios oficiais, os primeiros “planos” para lidar com a violência nas
escolas e com a pressão da mídia aconteceram antes ou ao mesmo tempo
que a maior parte das pesquisas. Essa licitação foi uma iniciativa conjunta
do Ministério da Educação Nacional (D.E.P.) e do Ministério do Interior
da França (Instituto de Altos Estudos para a Segurança Nacional,
I.H.E.S.I.). Essa combinação pouco comum mostrou que o problema da
violência escolar, daí por diante, seria percebido pelas instituições também
como um problema de segurança pública. Não apresentaremos aqui os
detalhes de todas essas pesquisas, uma vez que uma obra na qual tivemos
participação reúne diversos artigos escritos pelos próprios pesquisadores,
que ali apresentam suas diferentes conclusões (Charlot e Emin, 1997).
Seus instrumentos metodológicos eram extremamente variados:
“depoimentos sobre violência”, questionários enviados pelo correio ou
aplicados pessoalmente, grupos de trabalho, entrevistas individuais,
levantamentos de vítimas, análise secundária de dados estatísticos e de
documentos administrativos, observações etnográficas e de estudos de
casos, pesquisas sobre intervenção por meio de arbitragem e abordagens
sociológicas da arbitragem no nível global.

AS DIVERSAS ORIENTAÇÕES E A SITUAÇÃO ATUAL


DAS PESQUISAS FRANCESAS

Essas pesquisas podem, de maneira muito ampla, ser agrupadas


segundo dois tipos de abordagem: a que privilegia os aspectos legais está
105
relacionada à estrutura jurídica, no que se refere à quantificação e às
definições; enquanto a que trata da administração interna dos conflitos
não confere importância exclusiva aos aspectos penais, no exame da
disciplina e da incivilidade nas escolas. O pesquisador que tenha a
intenção de compreender esse fenômeno é confrontado com dois
grandes riscos. A primeira cilada seria procurar uma definição
totalmente objetiva, ignorando a experiência e a inevitável
subjetividade dos protagonistas, e sem levar em conta a época e o
lugar onde a violência ocorre. A segunda, ao contrário, seria um
absoluto relativismo subjetivo, que exclui a extensão de uma
conceituação possível, uma vez que, nesse caso, a violência descrita
representaria unicamente o que as pessoas ou o grupo social acreditam
que ela seja, sem qualquer necessidade de referi-la a outros pontos de
vista. No entanto, a pesquisa pouco teria a ganhar caso fosse obrigada
a escolher entre abordagens “objetivas” e “subjetivas”, ou mesmo se
contrapondo a elas. Temos que reconhecer que a violência, em seus
aspectos físicos ou criminosos, pode ser submetida a definições que
permitem uma certa quantificação objetiva, que leve em conta os
problemas de mensuração e as cifras ocultas. Deve ser dito também
que aquilo que pensamos ser objetivamente real é o produto de
interações coletivas ou de processos individuais que trazem a marca
do sujeito – filtros esses pelos quais inventariamos, categorizamos e
tentamos ler o que de fato constitui essa “realidade”.
No tocante a nossos próprios trabalhos (Debarbieux e Montoya,
1998b; Debarbieux et al., 1999; Montoya, 2000), longe de contrapormos
ou optarmos entre o “objetivo” e o “subjetivo”, tentamos sobrepor essas
diferentes dimensões por meio de escolhas e definições metodológicas
que podem estar abertas a críticas – e que podem ser falseadas – mas que,
acima de tudo, se recusam a congelar o debate. A vantagem de não separar
essas duas perspectivas é que se torna então possível examinar os hiatos
entre a observação empírica quantificável e as representações daí surgidas.
Não aceitamos a idéia de que a distância entre os fatos e suas
representações seja demasiadamente grande, e afirmamos que esses hiatos
podem se constituir numa parte essencial do problema. Concordamos com
Wierviorka que, atualmente, “há concordância entre os pesquisadores
[...] quanto à necessidade de associar as duas dimensões do problema, a
106
realidade objetiva da violência e suas percepções necessariamente
subjetivas” (Wieviorka, 1999, p.15).
Seria, entretanto, ilusório imaginar que, numa síntese de dimensões
razoáveis, toda a pesquisa realizada na França sobre a violência nas escolas
possa ser mencionada. Propomos, portanto, apresentar de maneira muito
breve alguns dos trabalhos mais importantes, usando critérios de seleção
baseados em suas dimensões sociológicas.

A REDUÇÃO DA “CIFRA OCULTA” E OS


LEVANTAMENTOS DE VITIMIZAÇÃO

Se levássemos em conta apenas o baixo número dos delitos


passíveis de punição, talvez nos convencêssemos a minimizar a magnitude
dos crimes e admitir a tese da fantasia social de insegurança. No entanto,
esse modelo pode ser posto em questão em pelos menos dois aspectos
essenciais. Em primeiro lugar, a existência de uma cifra oculta, resultante
do fato de muitos delitos não terem sua ocorrência registrada e de as
vítimas não serem levadas em consideração, compromete a objetividade
das cifras disponíveis (Duglery, 1994, p. 42). O segundo ponto deriva do
primeiro, e dá ênfase à impossibilidade de contabilizar a pequena
delinqüência que, na França, representa o grosso das perturbações da
ordem mais comuns e que, em alguns estabelecimentos, realmente
prejudica a vida escolar. Longe de ser uma preocupação injustificada num
período de rarefação do crime (Chesnais, 1981), a insegurança relaciona-
se a essa “microvitimização” (Debarbieux et al., 1999) impossível de ser
enfrentada pelas autoridades públicas. Foi então desenvolvido um primeiro
tipo de pesquisa.

Pesquisa Epidemiológica
A existência da “cifra oculta” está relacionada à própria produção
de dados estatísticos oficiais, diretos e indiretos. Tomando como base
seus próprios estudos epidemiológicos, Facy e Henry (1997) mostraram
que a dificuldade de definir e quantificar de forma exaustiva o fenômeno
da violência reside nos problemas de interpretar e coletar os elementos
observados. Os profissionais incumbidos da administração dos casos de
107
violência ocorridos nas escolas podem contribuir, por meio de descrições
rotineiras e adaptadas, para o aperfeiçoamento da avaliação estatística
desse fenômeno. Isso pressupõe que exista coordenação entre os diferentes
departamentos que produzem dados heterogêneos e coerência na coleta e
no uso desses dados, e ambos esses objetivos não são passíveis de serem
alcançados no campo. Outros estudos epidemiológicos também fornecem
informações interessantes: o levantamento realizado por Choquet e Ledoux
(1994, págs. 155-173) mostra que um em cada seis jovens admite ter sido
vítima de violência física. O estudo de autoria de Horenstein e Voyron-
Lemaire (1997), médicos psiquiatras trabalhando no MGEN, tentou
analisar, do ponto de vista da saúde mental, as reações de stress pós-
traumático de professores que haviam sofrido agressão física ou ameaças
graves. De partida, os autores observaram a representação excessiva de
professores na faixa etária de 50-60 anos, colocando assim em questão o
vínculo entre violência e inexperiência. As pessoas que mais sofrem com
o stress pós-traumático vão a médicos para tratamento, não apresentam
queixa oficial e pedem para ser transferidas; 36% das vítimas nada fazem
a esse respeito, fato esse que nos remete de volta ao problema da
quantificação desses ataques. Por outro lado, quando os agressores são
alunos de outras escolas, 90% dos professores apresentam queixa. Esse
número se reduz a 53%, no caso de os agressores serem alunos da própria
escola. Esse levantamento nos faz lembrar que nas escolas privilegiadas,
onde os professores vitimados são estatisticamente raros, o trauma sofrido
é muito maior.

Levantamentos de Vitimização
Uma outra maneira de reduzir a imprecisão da cifra oculta seriam
os levantamentos de vitimização. Foi isso que Carrat e Sicot (1997)
tentaram fazer, ao tratarem da questão da polissemia do conceito de
violência por meio da experiência de vitimização. Segundo eles, a
vitimização varia principalmente conforme duas variáveis demográficas:
sexo e idade. A situação familiar e a nacionalidade também influenciam
significativamente a variação da vitimização. Alguns fatores pesam muito
nessa variação, dependendo da escola (quando considerada como uma
organização social, com efeitos específicos da violência). As diferenças
assim medidas são explicadas principalmente por meio de determinadas
108
características dos alunos, da localização geográfica, da “porosidade” da
escola em relação a seu ambiente e da atmosfera da escola, caracterizada
por sentimentos de injustiça e por conflito. A correlação entre a vitimização
e uma atmosfera pouco saudável tem vínculos estreitos com a forma como
a escola é administrada e organizada, estando relacionada aos diversos
regulamentos adotados pela escola, sem excluir as práticas de alguns
professores. Desse modo, o tratamento insatisfatório dado a “casos” pode
levar a um ciclo de vitimização, devido à maior conscientização, e/ou
desencadear um ciclo de violência reativa, devida à vingança.

• Os Primórdios de uma Cultura de Vitimização


Em termos gerais, ao tentarmos dar ênfase excessiva aos aspectos
quantitativos da violência, corremos o risco de aprisionar as vítimas em
sua culpa e em seu silêncio. Ao tomar a decisão de ouvir as vítimas, esses
levantamentos provocaram mudanças não apenas na maneira como a
violência escolar era abordada, mas também em sua definição. Na França,
esse novo interesse pelas vítimas levou, em 1999, à assinatura de um
acordo com o Instituto Nacional de Auxílio às Vítimas, tratando dos
cuidados e do acompanhamento a serem prestados a elas. No entanto, a
“violência simbólica”, tal como teorizada por Bourdieu e Passeron (1970),
continuou sendo um modelo subjacente e muito informativo em um grande
número de pesquisas: a violência da dominação social, a naturalização
das dificuldades sofridas em razão da etnicidade e procedimentos de
resolução através de orientação. Essas quantificações apresentam grande
variabilidade, uma vez que elas diferem tanto entre alunos e professores
quanto entre professores e administrações, por exemplo. No entanto,
embora todos os protagonistas concordem quanto ao exame da violência
em termos do Código Penal, o debate é bem mais acirrado quando se
trata da violência tênue do dia-a-dia e da noção de incivilidade.

• Pesquisas Extensivas, Comparativismo e Relativismo Assumido


Um outro ponto de vista privilegiado encara a violência como
sendo, antes de mais nada, “o que eu acho que ela seja” (Debarbieux,
1990). Não se trata de uma posição exclusivamente fenomenológica e
subjetivista, mas sim de uma tentativa de agrupar os atos qualificados
como violentos pelos próprios atores sociais segundo categorias sociais e
109
posturas institucionais. Debarbieux (1996a; 1996b; 1999) transpôs a
demonstração de Roché (1996) para a escola, usando o conceito norte-
americano de incivilidade, conceito este aceito pela maior parte das equipes
de pesquisa, embora contestado por algumas delas (Bonafé-Schmidt, 1997;
Ramognino, Frandji, Soldini e Vergès, 1997). A tradução dos textos
pioneiros, como o famoso “Broken Windows” (Janelas Quebradas), de
autoria de Wilson e Kelling (1982, traduzido pelo IHESI, 1994) e os
trabalhos e sínteses produzidas por Roché (1993) muito contribuíram
para provocar uma mudança de paradigma no pensamento francês sobre
a insegurança, usando esse prisma da incivilidade.
Num estudo comparativo de grande escala, a equipe de pesquisa
liderada por Debarbieux (1996, 1999, 2000) mostrou que a “violência” é
altamente dependente das condições sociodemográficas da população
escolar: quanto mais socialmente carente for a população da escola, mais
degradada será a atmosfera e mais profundo o sentimento de insegurança.
A ambição dessa equipe era a de obter uma visão tanto local quanto global,
constituída por uma amostragem ideal-típica de várias centenas de escolas
primárias e secundária da França e de outros países (Blaya e Debarbieux,
1998; 1999), com mais de 30.000 alunos e 1.000 professores entrevistados
por meio de questionários. Esse trabalho incluía também um levantamento
de vitimização, tomando como base a extorsão. A equipe construiu
“indicadores”, em outras palavras, visões parciais que permitissem que a
“violência” fosse percebida de um ponto de vista tanto objetivo (os delitos)
quanto fenomenológico (tendo em mente a “experiência” dos
protagonistas. A equipe estabeleceu um vínculo direto entre o acirramento
do sentimento de insegurança e a vitimização genuína, ou, para sermos
mais precisos, entre o sentimento de insegurança e o conhecimento das
vítimas, no interior de uma “rede de vitimização” (Grémy, 1996;
Zaubermann e Robert, 1995), mostrando que a insegurança é palpável
nas áreas urbanas difíceis e nas classes segregadas das demais. O sentimento
de violência e a exposição aos riscos são socialmente desiguais e são
correlacionados à exclusão social, sem que haja uma fatalidade inevitável
(Debarbieux, Dupuch, Montoya, 1997). Chegou-se a um consenso, em
meio aos pesquisadores, quanto ao forte vínculo existente entre violência
e exclusão interna, exclusão essa devida às práticas freqüentemente
disfarçadas das turmas menos adiantadas das escolas secundárias (Payet,
110
1995; Ramognino et al, 1997; Debarbieux, 1997). Outros projetos de
pesquisa, contudo, tomam como ponto de partida as modificações
estruturais de nosso sistema educacional.

• A Violência na Escola e a Padronização da Educação


Em abordagens dessa natureza, a violência escolar aparece como
uma reação inadequada e muitas vezes ineficaz aos aspectos não-
igualitários do mercado escolar. Esse “mercado” está relacionado às
estratégias de manutenção do status social dos pais de classe média, que
querem evitar a escola “de classe baixa”. A escola não é caso único, e o
jogo de escolher a “escola certa” (Ballion, 1991) põe mais em questão o
igualitarismo republicano do que a violência daqueles que se vêem
envolvidos na exclusão (Dubet, 1996; Dubet e Martucelli, 1996): a
padronização, num contexto de desemprego generalizado entre as pessoas
de menos de 25 anos, não pode ser assimilada à democratização. Essa
democratização está mais próxima a uma “demografização” (Langouet,
1994) relativa à igualdade de oportunidades. Na opinião de muitos (por
exemplo, Dubet, 1994; Payet, 1995; Ballion, 1997; Peralva, 1997; Dubet
e Duru-Bellat, 2000), a padronização produziu uma diversificação e uma
complexidade maiores em face da escola e do trabalho escolar, abalando
a “meritocracia” e as fundações republicanas da escola. Simultaneamente,
uma quebra na unidade da escola republicana foi provocada pela política
diferenciadora das “Zonas de Educação Prioritária” (ZEP) (Charlot, 1994;
Bouveau e Rochex, 1997; Rochex, 1997). Acredita-se que esse princípio
de ruptura já tenha sido adotado há muito tempo, com a especialização
das escolas segundo as diferentes classes sociais dos alunos. Desse modo,
embora seja verdade que a escola, em si, tenha uma natureza uniforme,
que é a do currículo e dos decretos oficiais, pode-se observar, no campo,
uma grande diversidade relacionada ao surgimento do “mercado escolar”
(Ballion, 1982, 1991). A primeira pesquisa sobre o efeito do tipo da escola
(Paty, 1981) mostrou que a disparidade originalmente existente entre a
ordem educacional e os sujeitos escolares podia agora ser observada no
estabelecimento de uma outra disparidade (Cousin, 1998). Prost mostrou
também a maneira pela qual um sistema abertamente não-igualitário –
escola primária para as classes trabalhadoras e escola secundária para os
“herdeiros” – havia sido substituído por uma escola na qual a estratificação
111
social fora paradoxalmente legitimada por uma visibilidade inédita dos
processos de seleção: “as reformas pelas quais passou a escola secundária
não apenas consolidaram a estratificação social, como também a
legitimaram, uma vez que essa estratificação agora tem como base critérios
aparentemente acadêmicos, e não mais critérios explicitamente sociais”
(Prost, 1992). Desse modo, na modificação da composição social dos
alunos, pode-se ver a origem da desregulamentação, como Testanière já
havia analisado em 1967.
As tensões e as contradições entre a função de treinamento e a
função seletiva e produtora de qualificação de uma escola constituem
a base do fenômeno da violência. Muitos autores desenvolveram seu
trabalho a partir desse paradigma, baseando-se nas mudanças
estruturais ocorridas nas escolas e nas microvitimizações, sejam elas
passíveis ou não de punição. Outros autores questionaram também o
papel da orientação e das turmas organizadas segundo o nível de
aproveitamento. (Payet, 1995; Montoya, 1994; Debarbieux, 1996).
Peralva (1997) dá seguimento a uma análise de Dubet, para quem
certas formas de violência são parte de um registro “anti-escola”. Elas
mostram resistência à imagem negativa que a escola pode exibir a
alguns alunos e consistem na expressão de um tipo de “raiva”, que é
“a única forma de não se identificar com as categorias vergonhosas da
exclusão” (Dubet, 1994, p. 25).
Na mesma linha desta última análise, Ballion (1997) tratou da
divisão socialmente diferenciada das escolas em relação à difração do
significado que, anteriormente, construía a concórdia na escola. O
enfraquecimento do significado da escola, resultante da padronização
(Charlot, 1987; 1994), implica o desaparecimento do consenso quanto
ao que significa “lei”. Após a desregulamentação das situações
escolares, em boa parte devida aos efeitos da padronização da educação,
tem sido possível distinguir três ordens de dificuldades com as quais
as escolas se vêem confrontadas: a disparidade dos níveis educacionais
dos alunos, a falta de motivação e o descontentamento dos jovens. O
fato de a população estudantil ter um baixo índice de expectativa de
sucesso só faz agravar esses problemas. Ballion (1993a; 1993b) propõe
a imagem do ambiente como uma “esponja” do “fracasso das escolas
112
secundárias sociais” nas áreas urbanas carentes. Em sua opinião, nessas
escolas secundárias sociais, o tratamento dado aos alunos vem
fracassando porque o modelo dos conjuntos habitacionais populares e
da rua impõem sua própria lei.
No entanto, as abordagens desse tipo transfor mam o
comportamento anti-escola numa extensão do comportamento
juvenil, tal como ele ocorre nas ruas do bairro. Assim, a escola se
desobriga de suas responsabilidades, uma vez que a origem da
violência é localizada no bairro ou nos próprios jovens. O debate
científico é também um debate estratégico de importância
fundamental: deveria a escola ser isolada do bairro e protegida contra
as agressões externas? Ou, pelo contrário, a solução não residiria
numa parceria genuína com a família e com os habitantes da
comunidade local? A escola deveria ser uma escola distrital ou uma
escola no distrito? (Debarbieux, 1994). As causas da violência escolar
seriam puramente externas ou o EPLE 1 seria parcialmente
responsável por elas? Seja qual for o caso, as escolas continuam sendo
um lugar onde os jovens estabelecem relações sociais, embora essas
relações venham sendo cada vez mais restringidas pela natureza
competitiva da educação. No entanto, damos ênfase ao fato de que
o surgimento da violência no cenário escolar, em ter mos da
desregulamentação do sistema relacionado à padronização, não é
meramente um efeito do aumento do número de alunos. A crise da
ordem escolar tem raízes tanto na evolução das estr uturas
institucionais quanto nas relações educacionais em si. A relativa
homogeneidade dos critérios que definem a norma da escola vem
sendo substituída por uma pluralidade de modelos de escola
(Derouet, 1992, cap. II), precipitando uma desestabilização da
identidade profissional dos professores. O simples fato de dominar
uma matéria escolar não é mais o bastante para assegurar a construção
da ordem escolar, principalmente quando se trata de lidar com grupos
de alunos. A ampliação dos efeitos da padronização somou-se à
exasperação sentida por gerações de jovens, que, muitas vezes, nada

1 Établissement Public Local d’Enseignement – Estabelecimento de Ensino Público Local.

113
conhecem além da exclusão, seja ela educacional ou social. As
abordagens etnográficas vêm tentando examinar essas dimensões em
maior profundidade.

• As Pesquisas Etnográficas
Em sua abordagem etnográfica e interacionista, Payet (1995,
1997a; 1997b) coloca o problema em termos não apenas da segregação
interna, mas também da externa, sublinhando a dimensão étnica. Em sua
opinião, duas tendências vêm ganhando proeminência na evolução do
fenômeno: a segregação escolar e a distância cultural entre os professores
e os alunos de classe trabalhadora. Nas “turmas más”, a oposição à escola
pode ser vista como a reconstrução de uma identidade positiva por
intermédio da reafirmação do próprio valor em meio a grupos de pares.
Isso pode levar ao paradoxo de uma escola republicana que defende a
integração e a heterogeneidade mas que, para se salvaguardar, cria “turmas
protegidas”: a defesa da heterogeneidade socioétnica leva portanto à
segregação na escola. A resistência oferecida pelos alunos das turmas
“más”, longe de expressar uma tentativa de retornar à fonte, assume uma
dimensão de etnicidade “reativa” ou até mesmo “oposicionista”, que é
sintomática de seu não-acesso ao jogo social. Para esses alunos, portanto,
a violência na escola pode ser vista como uma reação à experiência de
estigmatização, num lugar onde uma “nova civilidade”, ou uma “nova
cidadania”, ainda está por ser construída.
Numa continuação desses trabalhos, Debarbieux e Tichit (1997a;
1997b) mostram até que ponto o regime repressivo traz marcas étnicas e
sociais, e de que forma ele, no caso de alguns tipos de alunos, contribui
para a construção de uma carreira de delinqüência, colocando uma máscara
etnicizante sobre essas relações de classe, num processo de designação/
autodesignação das populações em questão. A etnicização da violência
escolar, para os pesquisadores, representa um dos elementos mais
inquietantes do pacto escolar republicano, não no sentido de uma
“violência étnica” relacionada a traços culturais pré-formados, mas sim
no sentido de uma diferença que é imposta, e que termina por ser
reivindicada (ver também Barrère e Martucelli, 1997; Lorcerie, 1996).
Em sua grande parte, os pesquisadores estudam, essencialmente, as
dimensões intra-escolares que explicam seus graus variáveis de porosidade
114
à agressão ou àquilo que é diretamente responsável pela violência gerada
por suas características (Ballion, 1997; Payet, 1995; Debarbieux, 1996,
1997; Carra e Sicot, 1997).

• Efeito da Escola, Efeito da Turma


Segundo Walgrave (1992), a escola possui um “inegável efeito
causativo” sobre a origem da delinqüência. Para ele, o fator decisivo é,
sobretudo, a “atmosfera sociocultural da escola, composta da soma de
seus valores, atitudes e comportamentos em comum”. Até o presente, na
França, o “efeito da escola” foi estudado com relação à produção de
capacidades escolares (por exemplo, Cousin, 1993; Grisay, 1993).
Diferentemente dos resultados que abrangem essas aquisições (Bressoux,
1995; Meuret, 1997), tudo indica que, no tocante à violência, o efeito da
escola é mais importante que o efeito da turma, com a ordem global sendo
a ordem comum. As áreas externas à sala de aula são também os locais
mais perigosos e menos regulamentados pelos adultos. No entanto, o efeito
da turma e o “efeito do sujeito escolar” são também importantes (Payet,
1995; Montoya, 1994; Montoya, 1998a). Debarbieux (Debarbieux, 1997;
Debarbieux e Montoya, 1998), incidentalmente, recusa-se a contrapor
uma dimensão à outra nos primeiros anos da escola secundária: o efeito
da turma está relacionado à política geral da escola, que administra a
heterogeneidade por meio da formação de turmas de nível uniforme ou
da transferência dos sujeitos, visando segregá-los. O efeito da turma,
portanto, parece seguir-se ao efeito da escola, que transfere os alunos em
dificuldades, matriculando-os nas turmas “panela de pressão”.
Na tradição da “literatura sobre as escolas eficazes”, as pesquisas
francesas vêm tentando identificar as características que explicam o que
faz com que algumas escolas ofereçam maior resistência à violência ou
estejam mais expostas a riscos, quando todos os demais fatores são
idênticos, em termos sociológicos. Numa primeira aproximação, pode-se
afirmar que esses estudos, de maneira geral, mostram os mesmos
resultados que os levantamentos anglo-saxões mais antigos (Gottfredson,
1985; Hellmann e Beaton, 1986). As características “físicas” (tamanho,
população escolar) e humanas da escola são examinadas. Por exemplo,
para Grisay (1993) e Debarbieux (1996), pareceria que o número de alunos
matriculados na escola desempenha um papel considerável nos
115
estabelecimentos que atendem a populações carentes, fato esse que parece
corroborar a política de discriminação positiva das Zonas Educacionais
Prioritárias. O papel do diretor da escola, a importância da mobilização e
da coesão da equipe e as parcerias interinstitucionais são também
elementos de importância essencial. Os conflitos entre os adultos (Pain,
1993; Debarbieux, 1994) parecem contribuir para a perturbação da ordem
escolar, repercutindo sobre a atmosfera da escola e podendo chegar a
influenciar a violência em todas as suas formas. Os espaços
“intermediários” tornam-se então lugares de alto risco. Os determinantes
macrossociológicos da violência escolar são, portanto, significativos,
embora, nem por isso, a reflexão interna deva ser excluída. Essa reflexão,
ao contrário, deve levar em conta que o fato de os protagonistas possuírem
liberdade real e de que a ação permanece sendo possível. Ao mostrar a
existência dos efeitos da escola, ela desmonta as indicações falsas de uma
relação de causalidade direta entre escolas que apresentam dados
sociológicos desprivilegiados e violência escolar, ajudando a desconstruir
a crença fatalista na “desvantagem sócio-violenta” (Debarbieux, Garnier,
Montoya, 1997).

• Comparações Internacionais
Embora as pesquisas francesas pareçam corresponder às levadas a
cabo nos países anglo-saxões, alguns pontos que são especificamente
franceses foram identificados, podendo ser explicados, em parte, pelos
antecedentes históricos de nossas escolas públicas, os quais já foram
brevemente mencionados. As comparações internacionais ressaltam esses
aspectos específicos (Body-Gendrot, 1997; Barrier e Pain, 1997; Blaya e
Debarbieux, 1999). Desse modo, os estudos psicológicos comparativos
do canadense Laurier Fortin e do francês Daniel Favre (Favre e Fortin,
1997) colocam um modelo de múltiplos níveis, que ordena as variáveis
previsíveis das desordens comportamentais (Fortin e Bigras, 1996) e parece
tanto corresponder às variáveis estudadas nos trabalhos de pesquisa
sociológica (a importância do gênero, da idade, da gravidade das
dificuldades de aprendizado, etc.) quanto ser aplicável às populações
francesas e norte-americanas em questão. Outras equipes vêm tentando
fazer comparações sobre o nível escolar. Barrier e Pain (1997) realizaram
um estudo comparativo de 12 escolas secundárias da Alemanha, Inglaterra
116
e França. O estudo mostrou que, dependendo de sua cultura, cada país
formula uma definição específica do que é entendido por violência,
empregando para tal estratégias específicas. A grande diversidade de
percepções dos atos de violência, portanto, está estreitamente
correlacionada ao contexto nacional.
Embora Body-Gendrot (1993; 1996; 1997) tenha demonstrado
que a sociedade americana de fato se baseia nos valores do liberalismo,
ao contrário da sociedade francesa, que tem suas raízes numa preocupação
com a igualdade, ela ressaltou também que não podemos levar longe demais
essa generalização. Ela tenta apresentar uma análise da situação atual em
relação a essas questões nos Estados Unidos (1997) e menciona algumas
soluções e tendências que foram testadas em algumas grandes cidades
para tratar da violência nas escolas. Em nítido contraste com a abordagem
da “tolerância zero”, muitas outras foram postas à prova nos Estados
Unidos, tais como as técnicas de mediação e resolução de conflitos que
Bonafé-Schmidt (1997, 2000) tentou adaptar às realidades francesas, e
que parecem possibilitar a redução do nível de violência. Esse estudo
tentou introduzir um processo educacional de mediação escolar nas escolas
primárias e secundárias francesas. O processo foi posto em prática pelos
próprios alunos e pretendia promover um novo modelo de resolução de
conflitos. Ele foi apresentado como uma alternativa ao “modelo
disciplinar”, permitindo o surgimento de uma nova cultura consensual,
mas também de novas formas de ação em termos da administração de
conflitos junto aos alunos. Body-Gendrot, no entanto, mostrou que as
iniciativas individuais e coletivas, por intermédio de programas preventivos
de base comunitária, permitiram aos Estados Unidos construir um vasto
estoque de experimentos eficazes em distritos carentes, tomando como
alvo principalmente as famílias. Ao contrário do modelo integrativo
americano, os pais de alunos e a comunidade num sentido mais amplo, na
França, muitas vezes são vistos como intrusos e não são aceitos (Payet,
1992; Debarbieux, 1996; Dubet e Martucelli, 1996; Dubet (dir.), 1996;
Meirieu (dir.), 2000). As diretrizes emitidas pelo Ministério encontram
dificuldade em mobilizar as famílias e a comunidade e, freqüentemente,
são os demais serviços públicos e os assistentes sociais que são vistos
como parceiros. Talvez uma das grandes diferenças existentes entre a
França e os Estados Unidos “provenha do fato de que a América tem
117
programas, ao passo que nós temos serviços públicos” (Body-Gendrot,
1997, p.351), e esse apelar ao Estado para a resolução de problemas de “ordem
pública”, tais como a civilidade, seja uma tentação constante na França (Roché,
1996, p. 75), fazendo com que a questão da civilidade seja encaminhada a
especialistas como, por exemplo, os Conselheiros Educacionais Superiores,
cujo papel não tem paralelo na Europa (Pain e Barrier, 1997, p. 365). No
entanto, as pesquisas comparativas internacionais sobre o assunto vêm- se
tornando mais comuns, e algumas esquipes de pesquisa vêm sendo organizadas
em laboratórios e observatórios, tais como o “Observatório Europeu da
Violência nas Escolas”, da Universidade de Bordeaux II (Blaya e Debarbieux,
1998; Blaya e Debarbieux, 1999; Blaya, 2000).

• Trabalho Acadêmico e Avaliação de Políticas Públicas


Hoje em dia, as avaliações tendem a se tornar uma parte onipresente
das iniciativas e da vida pública. Estas, de fato, estão intimamente ligadas
às idéias de eficiência e de qualidade dos serviços públicos, e também à
do direito democrático do cidadão de ter acesso a informações. As
avaliações parecem ser um meio pragmático de valorizar e, sobretudo, de
racionalizar as ações (Demailly et al., 1998). Na França de hoje, portanto,
o incentivo ao “gerenciamento por feedback” é visto como uma obrigação
institucional. A avaliação das políticas públicas, particularmente as
adotadas pelo sistema nacional de educação, ilustra até que ponto se tornou
crítica a questão da qualidade e da eficiência do sistema de ensino,
principalmente em relação à evolução da regulamentação do sistema
educacional. Isso nos levou – juntamente com outros – a avaliar um certo
número de políticas públicas para diversos ministérios.
Em novembro de 1997, um plano de prevenção da violência nas
escolas foi lançado em dez localidades-piloto, situadas em seis regiões
diferentes. Três equipes de pesquisadores2 – inclusive a nossa – foram
mobilizadas para analisar e monitorar as mudanças verificadas na situação
de diversas dessas localidades. Essa política pública foi avaliada em
escolas situadas em regiões-chave do país, abrangendo tanto escolas

2 A saber, Jacqueline Costa-Lascoux, a equipe coordenada por Bernard Charlot e formada por Laurence
Emin e Olivier de Peretti e nossa equipe, liderada por Éric Debarbieux.

118
beneficiadas por essas medidas quanto escolas não beneficiadas por elas.
Essa avaliação foi possível graças a uma análise longitudinal que se
estendeu por um período de quatro anos (1995-99), culminando numa
análise da nova situação (Debarbieux e Montoya, 1998; Debarbieux et al.,
1999; Montoya, 2000)3. Ficou assim demonstrado que, num contexto de
agravamento do fenômeno da violência, havia grandes disparidades entre
as localidades afetadas por essas medidas e que, indo além da confirmação
da existência de efeitos da escola específicos, havia efeitos locais positivos
e negativos que desempenhavam um papel importante no agravamento
ou na redução da violência. A segunda fase desse plano foi implementada
a partir de janeiro de 2000, abrangendo um maior número de localidades
e de autoridades educacionais regionais: ele agora cobre dez regiões e 20
localidades geográficas. A consciência que as autoridades públicas têm
agora do problema atingiu um ponto tal que, em 24 de outubro de 2000,
uma Comissão Nacional Antiviolência foi criada pelo Ministério da
Educação4. Essa Comissão tem a incumbência de identificar e analisar os
fenômeno de violência escolar e de propor maneiras de enfrentá-lo, em
colaboração com os demais ministérios.
Deve-se concluir que se vem generalizando a prática de recorrer a
equipes de pesquisa trabalhando sob as ordens das autoridades, a fim de
fornecer novos esclarecimentos aos diferentes problemas que se
apresentam como problemas sociais atuais. Enquadra-se também nsesse
caso o relatório recentemente encaminhado ao Ministro das Cidades
(Baudry, Blaya, Choquet, Debarbieux, Pommereau, 2000), que tenta
reverter a abordagem usual de enfatizar a violência dos jovens, mais que
seu sofrimento, combinando essas duas dimensões por meio do uso de
diferentes abordagens teóricas. O mesmo se aplica ao volumoso relatório
encaminhado ao IHESI, tratando de um estudo sobre as mudanças
verificadas na delinqüência entre os menores franceses (Blaya, Cossin,
Debarbieux, Mancel, Montoya, Rubi, 2000).

3 Apresentamos a análise dessa política pública em outro artigo publicado nos anais desta conferência
internacional (Montoya, 2001).
4 O único pesquisador participante dessa Comissão é É. Debarbieux.

119
• Uma Pletora de Publicações Recentes
Em um período de tempo pouco superior a uma década, o problema
da violência nas escolas deixou de ser um assunto tabu para passar a ser
visto como uma questão social, dando origem a uma vasta gama de
publicações mais ou menos acadêmicas. O assunto é tão atual que até
mesmo romancistas que escrevem para um público adulto (Hunter, 2000;
Vinteuil, 1999) ou para leitores jovens (Jarman, 2000; Pyne, 1999) fizeram
uso dele. Indo além de nossas fronteiras, o Conselho da Europa (2000)
vêm-se interessando pela natureza e pela escala do fenômeno. Podemos
ver um crescente volume de pesquisas, em campos tão diversificados como
a psicologia (Dumas, 2000) e a biologia (Vincent, 2000), alguns dos quais,
por vezes, chegam praticamente a explicar o problema como sendo de
natureza inata. Alguns manuais para educadores afirmam ensinar a “evitar
e tomar medidas contra a violência nas salas de aula” ou propõem uma
“nova pedagogia” (Montférier, 1999). O tabu que cerca a violência nas
salas de aula, já denunciado por Debarbieux (1990), hoje cedeu lugar a
inúmeros depoimentos de testemunhas oculares, prestado por pessoas
que trabalham no sistema educacional. As línguas se soltaram, e os sujeitos
– e até mesmo as vítimas – dão testemunho de suas experiências cotidianas,
das mudanças no sistema educacional e do ponto de vista dos jovens
(Duvigneau e Fabiani, 1999; Revol, 1999), e até mesmo as crianças vêm
ganhando voz (Dujardin, 1996). Além dos conselhos pedagógicos a serem
usados em sala de aula, há também estratégias mais gerais, que questionam
se o surgimento desse fenômeno não seria inevitável (Doudin e Erkohen-
Markus, 2000). A própria questão da erradicação da violência nas escolas
pode hoje ser levantada (Fotinos e Fortin, 2000). Outros autores viram o
problema pelo avesso, propondo alcançar a “não-violência através da
violência”, embora admitindo, ao mesmo tempo, que essa possa ser uma
“abordagem difícil” (Pain, 1999).

CONCLUSÃO

Ao final deste trabalho, observamos que as autoridades de nível


nacional se tornaram genuinamente conscientes dos problemas da violência
escolar, e que o mesmo vale para os diversos departamentos de pesquisa.
120
A partir da década de 70, muitas facetas do assunto da desordem nas
escolas vêm, gradualmente, transformando-se em questões sociais.
Disfarçada como era no início pelos problemas urbanos, a questão
da violência escolar em si surgiu na esteira dos incidentes ocorridos
dentro ou em volta das escolas. Na medida em que isso acontecia e
com o surgimento de novos problemas relacionados à violência e à
incivilidade nas escolas, os debates tratando do tema passaram a
colocar em questão a capacidade do modelo republicano de escola
vir a estabelecer ordem nessa situação.
Os pesquisadores (Charlot e Emin, 1997; Demailly, 1991;
Debarbieux et al., 1999; Dubet e Martucelli, 1996; Wieviorka, 1999,
etc.) chegaram a um consenso quanto ao fato de os alunos que se
beneficiam com a padronização muitas vezes não estarem
familiarizados com as normas e os regulamentos implícitos da escola
ou, em outras palavras, com a cultura escolar. O objetivo, agora, é ir
além das explicações da violência escolar que tomam como base
unicamente a padronização da educação secundária, que hoje já tem
mais de 25 anos. Não teria o mito da meritocracia levado à criação de
um sentimento de injustiça entre alunos e professores, permitindo a
eles um vislumbre de uma mobilidade social que pouquíssimos deles
chegarão de fato a alcançar, indo, assim além da abordagem estrita
em termos da distância cultural? Simplificando ao extremo, as escolas
francesas podem ser caracterizadas por duas contradições essenciais:
uma contradição social entre as funções de educação de massa e as
funções de criação de uma elite, e uma contradição técnica entre a
necessidade de misturar os alunos em nome da paz social e o interesse
de separá-los em grupos uniformes, segundo linhas culturais – ou
étnicas –, de modo a facilitar a prática pedagógica, do ponto de vista
dos professores. O colapso do mito da escola igualitária apontou, de
um modo crítico, a questão do vínculo entre o indivíduo e o geral,
com base na tensão existente entre as atividades cotidianas e os
princípios. Podemos assim entender melhor o fato de que as escolas,
enredadas no paradoxo dos princípios contraditórios, sejam incapazes
de estabelecer um acordo social que seja válido por toda a parte. Entre
os adultos e as crianças, os incidentes muitas vezes são desencadeados
por atos de autoridade vistos como legítimos pelos primeiros e como
121
injustos pelos segundos. Como já vimos antes, os alunos têm a
expectativa de respeito mútuo e, quando não o conseguem, podem ser
provocadas reações repreensíveis. A questão da violência escolar não
pode ignorar as tensões trazidas para o interior da relação pedagógica
assimétrica pelas novas demandas dos adolescentes, demandas essas
que, em boa parte, são inaceitáveis para os atores do sistema, tal como
ele é hoje. Todos os estudos sublinharam o aspecto da constituição
social dos problemas da violência escolar, rejeitando a idéia de que
um simples determinismo encontre-se em operação. A violência nas
escolas parece se constituir de uma série de fatos que, acima de tudo,
estão sujeitos à interpretação dos participantes.
Ao longo da década de 80, a violência escolar permaneceu
escamoteada pela questão urbana, não parecendo representar, em si
mesma, um problema social. O impacto que os muitos incidentes
ocorridos na década de 90 tiveram na mídia levaram a uma
conscientização inédita, em termos tanto públicos quanto políticos e
acadêmicos. A partir dessa nova visão, a “violência nas escolas” passou
a aparecer como um tema que merecia ser pensado separadamente.
Os fatos estabelecidos e o desgaste cotidiano tornaram-se um assunto
digno de ser objeto de pesquisas, possibilitando assim que fosse
demonstrada a construção interativa da desigualdade, em face do risco
e do seu desenvolvimento relacionado à exclusão social (Debarbieux,
2000). Embora os sociólogos continuem a relacionar essa violência às
desigualdade sociais e à questão urbana, eles, mesmo assim,
sistematizaram o papel desempenhado pelas características das escolas
na produção – ou na prevenção – da violência, demonstrando a eficácia
de determinadas culturas escolares (Debarbieux, 1996; 1999; Montoya,
2000a). Por meio dessa maneira de ver as coisas, eles fizeram com
que fosse possível conceber estratégias que fossem além da mera
repressão, ou de uma retirada tímida de volta ao “santuário”. Eles
colocaram em questão o próprio significado da escola, em sua dimensão
socializadora e, por fim, deram ênfase às novas dimensões da seleção
social que vêm ocorrendo nas escolas, que incluem tendências “étnicas”
ou até mesmo raciais, e que estão em processo de se tornar objeto de
novas pesquisas, em razão da sua importância para a escola.
122
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129
5. A VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS
1
ALEMÃS – SITUAÇÃO ATUAL
*
Dr. Walter Funk

INTRODUÇÃO

A Estrutura Federalizada da Educação na Alemanha


A República Federal da Alemanha é um Estado democrático de
bem-estar social (ver o artigo 20 da Constituição Alemã), estruturado
como uma federação. O artigo 7º da Constituição coloca a totalidade do
sistema educacional sob a supervisão do governo, enquanto os artigos
70-75 conferem “soberania cultural e educacional” 2 – e, portanto, a
responsabilidade geral pela política educacional – aos diferentes Länder
(estados). Desde a incorporação da antiga República Democrática Alemã,
em 3 de outubro de 1990, a Alemanha passou a se constituir de 16 Länder,
cada um deles possuindo sua própria política educacional. Essa estrutura
federalizada reflete-se não apenas em diferentes visões (em grande parte
determinadas pela política partidária) relativas à organização das escolas
e ao conteúdo e os objetivos da educação, mas também em diferentes
abordagens à questão da violência nas escolas.

A Violência nas Escolas como Problema Social


Em anos recentes, a mídia alemã vem dando cobertura cada vez
mais freqüente à violência e à brutalidade crescentes, verificadas entre os

1 Versão revisada de um trabalho originalmente apresentado na Conferência Européia sobre “(Mais)


Segurança nas Escolas”, realizada em Utrecht, Holanda, em fevereiro de 1997.
* Dr. Walter Funk, Instituto de Sociologia Empírica, Nüremberg, Alemanha
2 Isso significa que é conferida a cada um dos Länder responsabilidade primária legislativa e administrativa
nos campos da educação, da cultura, da ciência e da pesquisa (ver Secretaria da Conferência Permanente dos
Ministérios da Educação e de Assuntos Culturais dos Länder da República Federal da Alemanha, 1997:33).

131
alunos das escolas. Ao invés de descrever a questão de uma maneira matizada,
esses relatos tenderam sempre a dar uma apresentação gráfica e sensacionalista
a casos extremos. No entanto, não demorou para que essa cobertura jornalística
pusesse à mostra as fragilidades das abordagens educacionais e sociológicas no
tocante à questão da violência nas escolas, fazendo com que fosse pedida a
atualização dos estudos empíricos sobre o tema. Já foi afirmado, e com razão,
que “esse tema não é inteiramente novo, já tendo sido discutido em diversas
ocasiões e com graus variados de intensidade e de ênfase” (Schubarth, 1993:
41). Até uns poucos anos atrás, entretanto, não havia dados científicos atualizados
sobre as dimensões atuais do problema e, em particular, não havia dados que
corroborassem as afirmações que a mídia repetidamente fazia de que a violência
nas escolas vinha aumentando. As verificações empíricas mais recentes – de
autoria de Bach e outros (1986), Klockhaus e Habermann-Morbey (1986) e
Holtappels (1987) – não geraram estudos de acompanhamento comparáveis
entre si, e assim não houve conclusões cientificamente validadas quanto à
violência nas escolas estar aumentando ou diminuindo.
Feltes (1990) e Hurrelmann (1990) voltaram ao assunto em seu relatório
especial apresentado à Comissão Governamental Independente de Prevenção
e Controle da Violência, ou “Comissão da Violência” (ver Schwind et al.,
1990). A Comissão concluiu que “não há razões que levem a crer num aumento
contínuo dos comportamentos agressivos entre os alunos das escolas alemãs”
(Schwind et al., 1990: 71). Esse interesse recente pela questão da violência no
ambiente escolar deu origem a inúmeros projetos de pesquisa sobre o tema,
que tiveram então início (ver Schubarth, 1993: 32).

Descrição e Análise
Até o presente, não foram executados estudos quantitativos que
representassem toda a Alemanha, sobre a questão da violência nas escolas.
Como se sabe, a natureza localizada da questão levou a que fosse realizada
uma série de levantamentos de escala local e regional sobre o tema,
conduzidos entre diretores de escolas, professores, alunos, pais de alunos,
etc.3 No entanto, em parte porque pesquisas realizadas em sala de aula,

3 Para uma lista desses levantamentos, com uma avaliação de sua metodologia, ver Krumm (1999). A
fundamentação teórica desses levantamentos é examinada em Holtappels (1999).

132
como é aqui o caso, estão necessariamente sujeitas à aprovação ministerial
de nível estadual, esses levantamentos sempre se restringiram aos Länder
em questão, fornecendo dados apenas sobre eles próprios e, em alguns
casos, apenas sobre sistemas educacionais locais específicos. O resultado,
na escala nacional, é uma imensa colcha de retalhos de conclusões que,
apesar de sua diversidade, podem servir de base a uma avaliação realista
do problema da violência nas escolas.

Definição
Enquanto os conceitos constantes da literatura especializada de
outras línguas que não o alemão são “bullying” (intimidação) e
“comportamento anti-social”, o debate, na Alemanha, vem-se centrando
no conceito de “violência”.4 Apenas recentemente foi realizado um estudo
representativo de escala nacional sobre o “comportamento anti-social” (não
socialmente aceitável) entre crianças e adolescentes (Döpfner et al., 1996).
Um grande número de definições diferentes para “agressão” e
“violência” pode ser encontrado na literatura especializada. Schubarth
(1993: 31) observou, em anos recentes, uma ampliação, uma diferenciação
e uma pluralização do conceito de violência. Atualmente, os estudos
alemães sobre a violência nas escolas tendem a usar a definição proposta
por Hurrelmann, em seu relatório especial apresentado à Comissão de
Violência: “A violência nas escolas abrange todo o espectro de atividades
e atos que resultem em sofrimento físico ou mental a indivíduos que
operam no ambiente escolar, ou cujo objetivo seja o de danificar objetos
nas dependências da escola” (Hurrelmann, 1990: 365). Essa definição
abrange atos de violência física e verbal/psicológica, incluindo formas de
violência ameaçadoras ou sexistas cometidas por ou contra alunos,
professores ou outros indivíduos, bem como a violência dirigida a bens
materiais (vandalismo). Essa definição relativamente abstrata foi tornada
mais operacionalmente específica em estudos empíricos, por meio da
investigação dos atos específicos ocorridos no ambiente escolar. Schwind
et al. (1999: 84) deixaram claro que o conceito de violência não é aplicado

4 De fato, na atual versão alemã do relatório Olweus, o verbo “to bully” é traduzido como “mobben”
(“vitimizar”) e o substantivo “bully”, como “Gewalttäter” (“perpetrador de violência”) (ver Olweus, 1996: 11).

133
de modo consistente, mesmo por aqueles que operam no ambiente escolar.
Os estudos atualmente existentes em boa parte ignoram os atos agressivos
cometidos por professores contra alunos, como também a “violência
estrutural” da escola.

A Disseminação da Violência no Ambiente Escolar”

• Comportamentos Agressivos e Anti-sociais entre Crianças e


Adolescentes Alemães
Segundo Döpfner e outros (1996: 13), cerca de 3% das meninas e 6%
dos meninos de idades entre 4 e 18 anos são vistos por seus pais como
“particularmente agressivos”.5 Aproximadamente 1% das crianças com idades
entre quatro e 10 anos, bem como 1,5% das meninas e cerca de 3% dos
meninos de idades entre 11 e 18 anos, são vistos por seus pais como
“particularmente anti-sociais”6. Embora essas percentagens, à primeira vista,
possam parecer baixas, elas significam um total de 600.000 crianças e
adolescentes em todo o país. Em auto-avaliações realizadas por adolescentes
de idades entre 11 e 18 anos, e fazendo uso dos mesmos critérios, cerca de
6% das meninas e 7% dos rapazes viram-se como “particularmente
agressivos”, e aproximadamente 3% das meninas e 5% dos rapazes como
“particularmente anti-sociais” (ver Döpfner et al., 1996: 14).

• Atos de Violência nas Escolas


No Levantamento da População Estudantil de Nüremberg de
1994: Violência nas Escolas7, perguntou-se aos alunos quantas vezes eles
haviam cometido vinte atos específicos de agressão ou de violência no
decorrer do semestre letivo imediatamente anterior. Xingamentos ou
ofensas verbais dirigidos a colegas apareceram, claramente, como o ato
mais comum de violência ou de transgressão (meninos, 82,9%; meninas,
74,1%). Esse resultado, que confirma a alta freqüência previsível de

5 Trata-se aqui de “formas graves de comportamento agressivo”, tais como destruir objetos próprios ou
alheios, envolver-se em brigas freqüentes, atacar ou ameaçar a outros ou ter ataques de raiva (ver Döpfner
et al., 1996: 13).
6 Estas seriam “formas graves de comportamento anti-social”, como, por exemplo, fugir de casa, brincar
com fogo, roubar em casa ou fora dela, matar aulas ou usar álcool e drogas (ver Döpfner et al., 1996: 13).
7 Quanto à introdução teórica desse estudo e sua metodologia, ver Funk (1995a).

134
padrões de comportamento verbalmente agressivo, apareceu também em
outros estudos (ver Schubarth, 1997: 4; Fuchs et al., 1996: 94; Holtappels
e Schubarth, 1996: 17; Schwind et al., 1999: 87; Greszik et al., 1995: 270;
Meier et al. (1995: 171). Brigar com outros alunos (meninos, 48,4%;
meninas, 15,8%), espalhar mentiras sobre outros alunos (meninos, 40,9%;
meninas, 23,0%), ofender verbalmente aos professores, cara-a-cara ou
pelas costas (meninos, 35,6%; meninas, 32,4%) e danificar (meninos,
40,1%; meninas, 27,7%) ou sujar (meninos, 32,0%; meninas, 31,6%) a
propriedade escolar também apareceram como transgressões comuns. As
transgressões citadas a seguir, pelo contrário, foram mencionadas como
relativamente raras: assediar sexualmente outros alunos (meninos, 6,2%;
meninas, 1,6%), ameaçá-los com armas (meninos, 3,9%; meninas, 0,9%)
e, especialmente, assediar sexualmente professores (meninos, 3,1%;
meninas, 0,9%) ou ameaçá-los (meninos, 3,0%; meninas, 1,2%). Fuchs e
outros (1996: 81ss., 96 ss.) apresentam resultados semelhantes, com base
em avaliações feitas por professores e alunos.
Com base na análise fatorial, as transgressões e atos violentos
relatados podem ser resumidos sob os quatro tipos seguintes (ver Funk,
1995b): (1) mentiras e xingamentos; (2) brigas; (3) vandalismo; e (4)
ameaças envolvendo armas ou assédio sexual. Mais de três quartos das
meninas, no estudo de Nüremberg, (77,3%) e nove em cada dez meninos
(86,9%) admitiram ter mentido a colegas ou tê-los xingado. Mais de metade
dos meninos (53,1%), mas apenas uma menina em cada seis (17,7%)
admitiu ter-se envolvido em brigas. Mais da metade dos meninos (57,7%)
e quase a metade das meninas (45,4%) admitiram ter cometido atos de
vandalismo, e um menino em cada dez (10,8%), e menos de uma menina
em cada 20 (3,6%), afirmaram ter ameaçado outros com armas, ou ter
assediado sexualmente a colegas (ver Funk, 1995b: 52). Fuchs e outros
(1996: 99) relatam que agressões verbais foram admitidas por 84,4%;
atos de violência física, por 36,3%; e atos de vandalismo pessoal, por
29,4% dos alunos na Bavária.
Em seu levantamento das escolas da Bavária, Von Spaun (1996:
31) relata que, durante o ano letivo de 1992-93, delitos violentos foram
cometidos em quatro quintos (81,5%) das escolas para crianças com
dificuldades de aprendizado, em quase dois terços do ciclo inferior das
escolas secundárias [Hauptschulen] (63,2%) e das escolas primárias e do
135
ciclo inferior das secundárias [Grund und Hauptschulen] (62,2%), e em
mais da metade das escolas profissionalizantes [Berufsschulen] (56,9%),
escolas secundárias propedêuticas [Gymnasien] (56,4%) e escolas secundárias
gerais [Realschulen] (53,6%). O levantamento de Von Spaun também
confirma basicamente as diferenças nos níveis de violência das áreas urbanas
e rurais (Von Spaun, 1996: 35f; ver também Meier et al., 1995: 179). Na
Bavária, xingamentos e ferimentos físicos foram os atos violentos dirigidos
contra pessoas mais freqüentemente registrados nas escolas de todos os
tipos, enquanto os danos à propriedade e as pichações foram os principais
atos de vandalismo (Von Spaun,,1996: 38ff). Por outro lado, os diretores do
Länder de Hesse e Saxônia consideraram o vandalismo como a forma de
violência mais freqüente, de modo geral (ver Meier et al., 1995: 174).
De acordo com diversos estudos, a violência em relação a
professores é relativamente rara (ver Schwind et al., 1999: 91; Fuchs et
al., 1996: 112ss; Funk 1995b: 43; Greszik et al. , 1995: 279; BaySUKWK,
1994: 13). No entanto, Von Spaun relata uma generalizada “falta de
respeito entre os alunos com relação aos professores” e aponta que “nas
escolas primárias, no ciclo inferior das escolas secundárias, nas escolas
secundárias gerais e nas escolas primárias/ciclo inferior das escolas
secundárias... cerca de 40% dos xingamentos registrados [foram dirigidos]
contra professores, com esse número se elevando a mais de 60% nas escolas
profissionalizantes e nas escolas para crianças com dificuldades de
aprendizado (Von Spaun, 1996: 41 e 54ss). Nesse particular, as professoras
mulheres pareciam ser mais freqüentemente vulneráveis à violência verbal/
psicológica que seus colegas do sexo masculino (Schubarth ,1997:8).

• Percepções de Aumento de Violência nas Escolas


Entre os pesquisadores, há controvérsia quanto à violência entre
crianças e adolescentes, em geral, ou a violência nas escolas, em particular,
estar aumentando ou não, embora haja consenso generalizado quanto a
que a violência nas escolas, em geral, não vem apresentando crescimento
(ver, por exemplo, Hurrelmann , 1990: 367; 1991: 103; Schwind et al.,
1990: 70ss.; Greszik et al., 1995: 280). Embora a opinião geral, mesmo
neste caso, seja de que as transgressões “de menor importância” tenham
aumentado, e que a violência verbal, em particular, seja hoje parte
integrante da vida escolar cotidiana (ver Schubarth, 1997: 6; Schwind et
136
al., 1999), não há provas científicas de que o mesmo possa ser dito da
violência “grave” (ver, por exemplo, Dann, 1999; Schwind et al., 1999: 99
ss.; Fuchs, 1996: 69). Tudo isso sugere que a questão da violência nas escolas
não deva ser dramatizada além do necessário. A situação real parece ser de
que, numa minoria das escolas, um pequeno número de alunos violentos e
inescrupulosos, portadores de uma combinação de diferentes problemas,
chamaram a si uma atenção considerável, por meio de formas brutais de
violência física (por exemplo, ver Meier et al. ,1995: 181).
Comparando hoje os anos 1994 e 1999, Lamnek (1999: 9) chega à
conclusão de que não ocorreram, nas escolas, mudanças decisivas em
termos da violência auto-relatada por estudantes bávaros. A violência
dirigida contra pessoas e o vandalismo parecem ter permanecido nos
mesmos níveis e a violência psíquica parece até mesmo ter diminuído.
Apenas a violência verbal sofreu um ligeiro aumento.

• “Experiências de Vitimização” nas Escolas


Tomando como base relatos de alunos, o Estudo da População
Estudantil de Nüremberg distingue entre “experiências de vitimização”
de tipo verbal (ser submetido a ofensas verbais, a calúnias, xingado ou
insultado) e as de tipo não-verbal (ser surrado, intimidado, ameaçado com
armas ou sexualmente assediado). Embora as meninas (81,4%), mais que
os meninos (75,2%), afirmassem ter sofrido maus-tratos verbais e também
assédio sexual (meninas, 5,8%; meninos, 3,7%), no caso de todos os demais
delitos foram os meninos que relataram “experiências de vitimização”
mais freqüentemente que as meninas (Funk, 1995b: 54).8 Na Bavária,
59,7% dos alunos afirmaram ter sofrido maus-tratos verbais da parte de
um colega pelo menos uma vez no ano letivo em curso, enquanto 41,5%
deles disseram ter sido vítimas de “comentários indecentes” feitos por
outros alunos (ver Fuchs et al., 1996: 152ss).
Fuchs detectou “um grau relativamente alto de superposição entre
os perpetradores e as vítimas” (1996: 62): em outras palavras, os alunos

8 Meninos versus meninas: “Xingamentos/ofensas verbais”, 69,5% x 57,1%; “Calúnias”, 58,7% x 51,6%;
“Surras”, 19,2% x 5,5%; “Chantagens”, 8,9% x 6,6%; “Espancamento por uma gangue”, 7,0% x 1,6%;
“Ameaças (com arma)”, 4,8% x 1,4% (ver Funk, 1995b: 54).

137
que cometiam violência freqüentemente relatavam experiências nas quais
eles próprios haviam sido vítimas e vice-versa. Essa conclusão é
corroborada pelas correlações encontradas entre: (a) caluniar e xingar
outros alunos; e (b) ser caluniado e xingado por outros alunos (r = 0,3902),
e também entre :(a) bater em outros alunos; e (b) apanhar de outros alunos
(r = 0,3089), constantes do Levantamento da População Estudantil de
Nüremberg (Funk, 1995b: 59; ver também Funk et al., 1996: 160 ss. ou
Dettenborg e Lautsch, 1993).9

• Diferenças de Gêneros
Em cada uma das subpopulações identificadas no Levantamento da
População Estudantil de Nüremberg (alunos de 7ª, 8ª e 9ª séries do ciclo
inferior da escola secundária, escola secundária geral e escola primária) e
também para cada um dos índices de violência, os valores médios foram
mais altos para os meninos que para as meninas. Em outras palavras, os
meninos, mais freqüentemente que as meninas, relataram ter contado
mentiras, xingado pessoas, se envolvido em brigas, cometido atos de
vandalismo, ameaçado com armas ou assediado sexualmente outras pessoas
(ver Funk, 1995b: 61). Níveis de violência maiores ou mais claramente
identificados entre meninos foram também relatados por Schubarth (1997:
7), Fuchs et al. (1996: 104), Holtappels e Schubarth (1996: 17), Schwind et
al. (1999: 93), Von Spaun (1996: 43ff), Meier et al. (1995: 180) e Greszik et
al. (1995: 270).

• Diferenças com Base em Idade ou Série


Döpfner e outros (1996: 28) referem-se às “influências da psicologia
desenvolvimentalista” nas demonstrações de comportamentos agressivos ou
dissociais por parte de crianças e adolescentes. Na literatura especializada, os
problemas de violência nas escolas são vistos como incidindo particularmente
nas turmas mais avançadas da escola primária e nos primeiros anos da escola
secundária (por exemplo, ver Feltes, 1990: 327). Fuchs et al. (1996: 102)

9 Como quase todos os estudos empíricos são concebidos como estudos transversais, isto é, como as
perguntas são feitas num único momento do tempo, não é possível extrair conclusões sobre a direção
da causalidade – em outras palavras, não é possível concluir que os alunos só se tornam violentos após
serem vitimados por experiências de violência.

138
detectam um decréscimo da violência verbal nas escolas, à medida em que os
alunos se tornam mais velhos e, nesse sentido, eles se referem a ela como um
“problema passageiro”. Por outro lado, não há diferenças de idade
interpretáveis no caso das demais formas de violência (ver Funk, 1995b: 63).
Fuchs e colaboradores (1996: 103) vêem os alunos entre 13 e 15 anos como
sendo os mais violentos do ciclo inicial das escolas secundárias, e os de 13 a
18 anos, das escolas secundárias gerais. Não há diferenças relacionadas à
idade nas escolas primárias e vocacionais. Holtappels e Schubarth (1996: 17)
relatam que os níveis de violência mais elevados ocorrem na faixa de 12 a 14
anos em Hesse, e de 12 a 13 anos na Saxônia.

• Diferenças entre Tipos de Escola


Em Nüremberg, as mentiras e os xingamentos foram admitidos de
maneira relativamente uniforme pelos alunos das escolas secundárias gerais
(82,5%), do ciclo inferior das escolas secundárias (82,3%) e das escolas
primárias (81,4%). Os relatos de participação pessoal em brigas com outros
alunos foram menos freqüentes entre os alunos das escolas primárias (22,8%)
e mais freqüentes entre os alunos do ciclo inicial das escolas secundárias
(49,1%) (para as escolas secundárias gerais, a percentagem foi de 31,5%). Por
outro lado, a menor freqüência de relatos de atos pessoais de vandalismo foi
verificada entre os alunos das escolas secundárias gerais (44,6%) e a maior
freqüência, entre os alunos das escolas secundárias propedêuticas (59,5%) (a
percentagem do ciclo inicial da escola secundária foi de 49,6%) (Funk, 1995b:
63). Fuchs et al. (1996: 102) relatam (unicamente em relação aos tipos gerais
de ensino) que os alunos do ciclo inicial das escolas secundárias mostraram
os níveis mais elevados de formas de violência verbais, psicológicas (do mesmo
nível que os alunos das escolas secundárias gerais) e físicas. Apenas os atos
de vandalismo foram relatados com maior freqüência pelos alunos das escolas
secundárias gerais, no estudo de Fuchs. Holtappels e Schubarth (1996: 17),
Von Spaun (1996: 31). Greszik e colaboradores. (1995: 273ff) e Dettenborg
e Lautsch (1993) também mostram que a violência é particularmente
problemática nas escolas do ciclo inicial da escola secundária e – até o ponto
em que estas foram investigadas – nas escolas especiais.10

10 Como a organização das escolas profissionalizantes e os alunos que freqüentam as escolas especiais
são atípicos, escolas desses dois tipos não costumam ser incluídas nos levantamentos.

139
• Diferenças entre a Antiga República Federal da Alemanha (RFA) e a
Antiga República Democrática Alemã (RDA)
No tocante aos comportamentos agressivos e anti-sociais, Döpfner
e colaboradores (1996: 21) não detectaram diferenças entre as crianças e
os adolescentes da antiga RFA e da antiga RDA. Num estudo comparativo
realizado entre diretores de escola no Land ocidental de Hesse e no Land
oriental da Saxônia, Meier e outros (1995:172) concluem: “De modo geral,
a violência e os comportamentos anormais são mais (claramente) evidentes
em Hesse que na Saxônia, em cada uma das dimensões investigadas e
também nas comparações entre os diferentes tipos de escola” (1995: 172).
Num levantamento correspondente realizado entre os alunos, Holtappels
e Schubarth (1996: 17) relatam freqüências e tipos de violência em boa
medida semelhantes nas duas antigas Alemanhas. No entanto, eles
detectaram uma tendência a níveis de violência ligeiramente inferiores na
Saxônia, especialmente no tocante aos tipos de violência “mais extremos”.
Por outro lado, os alunos da Saxônia mostravam atitudes mais visivelmente
autoritárias e nacionalistas que seus colegas de Hesse (para uma
comparação mais detalhada entre as Alemanhas Oriental e Ocidental,
ver Dattenborg e Lautsch, 1993).

• Diferenças entre os Alunos Alemães e os Alunos Pertencentes a Minorias


Étnicas
No que se refere a mentiras, insultos verbais e xingamentos,
participação em brigas, vandalismo, ameaças envolvendo armas e assédio
sexual, o estudo de Nüremberg não encontrou diferenças estatisticamente
significativas entre os alunos alemães e os pertencentes a minorias étnicas
(Funk, 1995b: 62). O estudo de Nüremberg verificou que, enquanto os
alunos alemães (83,1%) mencionaram as agressões verbais com maior
freqüência que seus colegas de minorias étnicas (78,7%) e também
cometeram atos de vandalismo com maior freqüência (alemães, 52,4;
minorias étnicas, 49,3%), os alunos pertencentes a minorias étnicas
envolveram-se em brigas mais freqüentemente que as crianças alemãs
(alemães, 34,1%; minorias étnicas, 43,0%), o mesmo acontecendo com
as ameaças com armas e o assédio sexual (alemães, 6,3%;, minorias
étnicas, 11,0%). Fuchs et al. (1996: 107) relatam mais vandalismo e mais
violência física e mental entre os alunos das minorias étnicas, sendo que
140
apenas no caso da violência verbal não foram detectadas diferenças com
base na nacionalidade (ver também Fuchs, 1996: 65).

• “Objetos Defensivos” e Armas na Escola


No estudo de Nüremberg, 15% dos alunos admitiram ter trazido
“objetos defensivos” para a escola. Os meninos responderam “sim” a
essa pergunta com freqüência duas vezes maior (19,7%) que as meninas
(9,7%), diferença essa estatisticamente significativa (ver Funk, 1995b:
65 ss.). Não foram detectadas diferenças estatisticamente significativas
entre tipos de escola, séries ou nacionalidades (ver Funk, 1995b: 65ff).
Em Berlim, 26% dos alunos relataram ter portado objetos defensivos (ver
Dettenborg e Lautsch, 1993: 760). Schwind e outros (1999: 90) relataram
que 24,5% dos alunos da cidade de Bochum havia trazido uma arma para
a escola no mínimo uma vez. Num levantamento de nível estadual dos
alunos bávaros, admitiram o fato cerca de 30% dos alunos que
responderam ao questionário (ver Fuchs et al., 1996: 123). Von Spaun,
por outro lado, relata pouquíssimos casos de uso de armas nas escolas
(Von Spaun, 1996: 42 s.), e o Ministério da Educação da Bavária descreve
a posse de armas como não sendo “um problema real nas escolas bávaras,
até o presente” (BaySUKWK, 1994: 14). Por fim, num levantamento
realizado em Kassel, Greszik e outros (1995: 273) relatam “níveis
altíssimos” de porte de armas, chegando a 47% para os meninos e 44%
para as meninas de escola secundária júnior, e 41,0% para os meninos de
escolas secundárias gerais.
Há indícios que sugerem que os alunos que carregam “objetos
defensivos” também caluniam, xingam e batem nos colegas mais
freqüentemente, cometem mais atos de vandalismo e admitem com maior
freqüência ter ameaçado ou assediado sexualmente outros alunos, em
comparação com os que não carregam objetos desse tipo. Os alunos que
portam armas também são vitimados por violência verbal e não-verbal
com freqüência muito maior (Funk, 1995b: 68). Aqui também, um único
levantamento da população estudantil não pode servir como base a
conclusões sobre os vínculos causais. No entanto, o vínculo entre porte
de armas e violência estudantil foi identificado como sendo um problema
por Fuchs et al. (1996: 121), Funk (1995b: 6), Greszik et al., (1995: 8) e
Dettenborg e Lautsch (1993: 763).
141
AS CAUSAS SUPOSTAS DA VIOLÊNCIA

Hurrelmann procura as causas da violência em quaisquer situações


onde “uma clara redução da auto-estima e das oportunidades de
desenvolvimento pessoal futuro seja percebida” (1990: 368). Funk (1995a:
13 ss) e Lösel e Bliesener (1995: 8) identificam os seguintes fatores
específicos como tendo influência sobre a disposição dos jovens a fazer
uso da violência: traços individuais de personalidade, ambiente familiar,
grupo de pares, escola e exposição à mídia (ver também Schwind et al.,
1990: 91 ss.; 1999: 94 ss).11
Os fatores problemáticos no ambiente familiar do jovem incluem:
más relações familiares (“falta de afetividade”); divórcio e separação dos
pais; ausência de irmãos; pobreza e dificuldades econômicas; uma atitude
parental imprevisível, agressiva, excessivamente rígida ou excessivamente
permissiva em relação à criação dos filhos; falta de supervisão; os pais
(ou pai/mãe solteiros) trabalharem fora de casa em tempo integral, etc.
(ver Döpfner et al., 1996: 29; Funk, 1995c; 1996a; Meier et al., 1995: 180;
BaySUKWK, 1994: 17; Hurrelmann, 1990: 367). A superlotação dos
domicílios também é mencionada em conexão com a situação familiar
(ver BaySUKWK, 1994: 17).
No entanto, os fatores ambientais e organizacionais presentes nas
escolas, um mau ambiente de trabalho em meio à equipe docente, a
qualidade das relações professor-aluno, a alienação ou a falta de
compromisso para com a escola, as normas e os valores da escola e o
baixo desempenho escolar foram também identificados como fatores que
predispõem à violência (ver Hurrelmann, 1990; 367 ss.; 1991: 106 ss.;
Lösel, 1993: 117 ss.; BaySUKWK, 1994: 17, 18 ss.; Funk, 1995a: 13 ss.;
Meier et al., 1995: 180).12

11 Lösel e Bliesener (1995: 14 ss) identificam também como fatores importantes a situação específica na
qual o ato de violência acontece e o ambiente geral social e político (quanto a isso, ver Seção 1.5).
12 Entre os alunos das minorias étnicas, “vivendo em dois mundos diferentes” – vivendo de acordo
com as normas alemãs vigentes fora de casa, e habitando um mundo de “estruturas tradicionais, muitas
vezes marcadas por padrões autoritários, em casa, na família mais ampla e na comunidade religiosa” (Bay
SUKWK, 1994: 18) – é visto como um problema adicional.

142
Outros grupos de causas prováveis foram identificados também
por associações de professores (por exemplo, ver Krauss, 1995) e pelos
próprios professores (ver Schul- und Kulturreferat der Stadt Nürnberg,
1992: 8 ss.). Segundo Fuchs et al. (1996: 184), os professores bávaros
vêem a filiação a grupos transgressores (ver também Döpfner et al., 1996:
30) e a exposição a filmes de terror e de “ação” como fatores que exercem
particular influência sobre a violência entre os alunos. Os professores
vêem as atividades de lazer dos jovens como sendo determinantes de
maior importância que os aspectos familiares ou de meio social.
A opinião dos próprios alunos é também interessante. A razão
para a violência na escola citada com maior freqüência – por dois terços
das meninas (66,5%) e por um número quase igual de meninos (63,5%) –
é “ exibição, tentar ser aceito”. Os alunos, desse modo, dão clara ênfase à
natureza expressiva da violência, como uma maneira de obter atenção e
estima. Nessa identificação de causas, as meninas demonstraram uma forte
capacidade de formar juízos sociais: quatro entre dez meninas (41,8%),
contra apenas três em dez meninos (30,5%) referem-se à “situação familiar”
como sendo a causa da violência na escola, enquanto uma em cada três
meninas (33,5%), contra apenas um em cada cinco meninos (20,4%) vêem
a “pressão dos pares” como sendo a causa. Por outro lado, os meninos, mais
que as meninas, tendem a citar atributos individuais, tais como “gostar de
violência” (meninos, 48,7%; meninas, 41,4%) ou “tédio” (meninos, 38,0%;
meninas, 35,0%). Os meninos, além disso, mencionam com freqüência muito
maior (10,2%) que as meninas (6,1%) a “escola” como uma das causas da
violência (Funk, 1995b: 70 ss.); ver também Schwind et al., 1999: 95;
Dettenborg e Lautsch, 1993: 754 ss.).

VÍNCULOS ESTATÍSTICOS RELATIVOS À


VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS

Traços de Personalidade
Com base no Levantamento da População Estudantil de
Nüremberg, podem ser feitas as seguintes observações: quanto mais
isolados os alunos se sentem, mais eles se envolvem em brigas. Quanto
maior a necessidade que eles têm de estímulos, mais eles mentem, xingam,
143
entram em brigas, cometem atos de vandalismo, ameaçam outros com
ar mas ou os assediam sexualmente. Inversamente, quanto mais
conscienciosos são os alunos, menos eles se envolvem em violência
física e verbal, em vandalismo, em ameaças ou em comportamento sexista
(ver Rojek, 1995).

Família
Uma criação que seja sentida como dominadora e rígida anda de
mãos dadas com maiores níveis de violência (mentir, xingar, brigar,
vandalizar, ameaçar e assediar). Quanto mais compreensivas forem as
maneiras de os pais criarem seus filhos, ou quanto melhores os jovens
sentirem que são suas relações sociais com seus pais, menos eles mentem,
xingam, cometem atos de vandalismo ou ameaçam e assediam os colegas
(ver Funk, 1995c, 1996a; Rojek, 1995). Funk (1996a: 16) não detectou
diferenças entre alunos de famílias de um único genitor ou de famílias
com dois genitores, ao se tratar de mentiras, xingamentos, brigas,
vandalismo, ameaças ou assédio. Döpfner et al., (1996: 23) também
verificaram que os meninos de famílias de um ou de dois genitores não
diferiam em termos de comportamentos agressivos ou anti-sociais. Por
outro lado, as meninas de famílias de um único genitor eram vistas como
mais agressivas, tanto por si próprias quanto pelos demais, e seus pais as
viam como mais dissociais do que o que ocorria com as meninas de famílias
de dois genitores. Os alunos com dois genitores ou com um único genitor
trabalhando fora de casa tendiam a se envolver em brigas e a cometer
atos de vandalismo com maior freqüência que os alunos de famílias com
um padrão diferente de emprego parental. Por outro lado, nenhuma relação
pôde ser demonstrada entre o desemprego dos pais e uma afinidade dos
alunos com a violência (Funk, 1996a: 18 ss).

Bairro/Comunidade Local
Nos dados de Nüremberg, o único vínculo significativo encontrado
entre a violência dos alunos e a maneira como eles viam seu bairro dizia
respeito ao vandalismo: quanto mais positiva a avaliação dos alunos de
seu bairro ou comunidade, menos atos de vandalismo eram cometidos
por eles no ambiente escolar (Funk, 1995c: 143 ss.; ver também Fuchs et
al., 1996: 293 ss.).
144
Grupos de Pares
Atos de vandalismo eram significativamente mais comuns entre
alunos cujas horas de lazer eram passadas principalmente na companhia
de grupos informais do que entre os que participavam principalmente de
atividades de clubes formalmente organizados (Nasa e Weigl, 1995; ver
também Fuchs et al., 1996: 326 ss.). Funk (1996b) encontrou uma clara
correlação positiva entre o fato do aluno perceber seu grupo de pares
como violento e os atos de violência cometidos por aquele aluno no
ambiente escolar.

Escola
Segundo Döpfner et al. (1996: 21 e Fig. 26a), cerca de 20% das
crianças e dos adolescentes notoriamente agressivos – um número quatro
vezes maior que os dos que não se sobressaíam nesse particular (5,3%) –
já haviam anteriormente repetido um ano escolar. O mesmo índice para
os alunos notoriamente anti-sociais (12%), embora menor, correspondia,
mesmo assim, ao dobro da cifra relativa aos alunos que não eram
notoriamente anti-sociais (5,1%).
O Estudo sobre a População Estudantil de Nüremberg revelou
claros vínculos entre a auto-avaliação do desempenho escolar e os relatos
de mentiras, xingamentos, brigas e vandalismo: os alunos que viam a si
próprios como indo bem na escola tendiam a ser menos violentos que os
que se viam como indo mal. Altos índices de violência entre os alunos
que haviam repetido o ano foram particularmente evidentes nos casos de
vandalismo, de ameaças com o uso de armas e de assédio sexual. Não
foram encontrados vínculos entre as avaliações das relações entre alunos
ou de problemas subjetivamente percebidos na escola e as quatro categorias
de violência. Por outro lado, quanto melhor era vista a relação professor-
aluno, ou quanto mais os alunos sentiam ter influência sobre a maneira
pela qual as coisas eram feitas na escola, menor era o número de atos
violentos relatados por eles (ver Keiling e Funk, 1995).

Mídia
Há claros indícios da existência de vínculos positivos entre a
exposição a filmes de “ação” ou de terror e a violência nas escolas. Quanto
mais freqüente a exposição a filmes desse tipo, mais os alunos cometem
145
mentiras, xingamentos, brigas, vandalismo, ameaças ou assédio sexual
(Kreuzing e Maschke, 1995; ver também Fuchs et al., 1996: 231 ss.).

OS DETERMINANTES CAUSAIS DA VIOLÊNCIA NAS


ESCOLAS

No Levantamento da População Escolar de Nüremberg, a análise


causal (regressão linear múltipla) foi usada para identificar as razões das
mentiras, dos xingamentos, das brigas e do vandalismo entre alunos, com
o auxílio de determinantes provenientes de cada contexto suspeito de
exercer influência. Essa análise revelou as seguintes influências: ser do
sexo masculino, ter maior necessidade de estímulos e pertencer a um grupo
de pares violentos aumentavam o nível dos três tipos de violência, ao
passo que uma boa relação professor-aluno tendia a reduzir esses níveis.
Ter pais trabalhando em tempo integral aumentava o nível tanto da
violência verbal quanto do vandalismo, enquanto um bom contato social
com os próprios pais os reduzia. Uma maior conscientização entre os
alunos, e a percepção de ter meios influenciar o modo como as coisas
eram feitas na escola também reduziam o nível de vandalismo. Os alunos
mais velhos se envolviam em menos brigas, e os alunos das minorias étnicas
usavam de menos violência verbal. Os alunos que eram expostos a filmes
de terror e os que freqüentavam escolas secundárias ;propedêuticas
cometiam mais vandalismo, enquanto os que freqüentavam o ciclo inicial
de uma escola secundária se envolviam em brigas com maior freqüência
(ver Funk, 1996a: 29 ss.; 1996b: 29 ss.).
Indícios da influência dos fatores relativos à turma e relativos à
escola sobre a violência dos alunos apareceram de maneira muito esparsa.
Por exemplo, uma maior proporção dos meninos na turma aumentava a
incidência de mentiras, xingamentos e brigas entre os indivíduos daquela
turma. Por outro lado, uma maior proporção de alunos pertencentes a
minorias étnicas na turma reduzia a participação individual em brigas. Quanto
maior a escola, mais vandalismo tendia a ocorrer entre os alunos, ao passo
que uma relação aluno/professor favorável (ou seja, menos alunos por
professor) reduzia os níveis de vandalismo (ver Funk e Passenberger, 1999).
146
PROCESSOS SOCIAIS GERAIS QUE AFETAM A
VIOLÊNCIA ENTRE OS ALUNOS

Um fator social geral que incentiva a violência entre os


jovens e, por conseguinte, a violência nas escolas, é o aumento
observável (resultante das transformações sociais) da importância
subjetiva dos grupos de pares e da mídia, em detrimento das relações
sociais tradicionais, como família, vizinhança, clubes e igreja. A
individualização e a pluralização dos estilos de vida é acompanhada
pela perda dos sistemas de valores e dos significados homogêneos. No
caso de alguns jovens, isso leva a processos desintegradores 13 e, se
“essa desintegração for sentida e percebida como uma perda do
sentimento de pertencer a um gr upo e uma perda do espaço
participativo e consensual” (Heitmeyer, 1992: 109; ver também
BMFSFJ, 1995: 18), ela pode se manifestar através de atos de violência.
Nesse contexto, é compreensível que as escolas sejam chamadas a
desempenhar um novo papel no desenvolvimento das crianças – papel
esse que, no mínimo, complemente, mas que, na prática muitas vezes
substitua a influência cada vez mais insignificante da casa da família.
Do mesmo modo, vêm sendo pedida a criação de serviços que vão
desde supervisão extracurricular até escolas em tempo integral, e,
embora essas reivindicações variem em conteúdo, dependendo de sua
orientação política, elas hoje partem tanto de políticos (ver
BaySUKWK, 1994: 34-35; Schnoor, 1993: 36), como também de
grupos de representação dos interesses dos professores (ver Krauss,
1995: 43) e dos próprios professores (ver, por exemplo, Schul- und
Kulturreferat der Stadt Nürnberg, 1992: 15 ss).

13 Heitmeyer, por exemplo, os define como “(a) redução das relações com outras pessoas e instituições;
(b) diminuição da participação real nas instituições sociais; e (c) diminuição do consenso e das percepções
coletivas das normas e valores” (1992: 109).

147
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152
6. A VIOLÊNCIA ESCOLAR NA GRÉCIA:
PANORAMA DAS PESQUISAS E
ESTRATÉGIAS DE AÇÃO
1
Dr. Vasso Artinopoulou

INTRODUÇÃO

Violência é um termo vago. Seu significado é definido num certo


contexto social, econômico e cultural. O nível de tolerância para com a
violência está relacionado ao sistema de valores de uma sociedade.
Atualmente, como os limites da tolerância em relação à violência vêm
encolhendo a cada dia, principalmente no Ocidente, passamos a rotular
de violentas formas de comportamento que, até então, eram vistas como
tradicionais e tinham aceitação ampla. A caracterização de alguns atos
como violentos pressupõe o questionamento do sistema de valores de
uma sociedade. O significado da violência difere nas diferentes épocas e
nas diferentes sociedades.

A violência nas escolas é um reflexo da violência


na sociedade, embora – e simultaneamente –
ela nasça da própria instituição escolar
Em tempos recentes, a violência escolar foi colocada na agenda
da Comissão Européia2. Na Grécia, o reconhecimento do fenômeno da
violência escolar ainda não amadureceu, estando esse tema, tanto com

1 Professor-Assistente de Criminologia, Universidade Panteion, Departamento de Psicologia, Atenas,


Grécia.
2 a) A Organização da Conferência de Utrecht sobre a Segurança nas Escolas em fevereiro de 1997; e b)
a Iniciativa da Comissão Européia sobre Violência Escolar.

153
relação à pesquisa quanto à formulação de políticas, ainda “em
construção”. Embora tenham sido realizadas diversas pesquisas sobre o
tópico em questão, em sua maioria qualitativas, elas tratam ou do campo
da delinqüência juvenil como um todo ou das disfunções do processo
educacional. A agenda política ainda não percebeu a violência nas escolas
como uma questão autônoma, a ser objeto de estudos e de políticas
preventivas. Mesmo as referências à violência escolar nos meios de
comunicação de massa são esporádicas. A questão chega à mídia por meio
de alguns de seus aspectos marginais, como gangues delinqüentes, uso de
drogas pelos estudantes, conflitos raciais, minorias estudantis, etc.
O estudo da violência nas escolas pressupõe a análise do contexto
cultural. Quais são os valores, as prioridades, as atitudes, as expectativas e as
percepções dos jovens numa sociedade? Como essa violência se reflete na
sociedade, na família, na escola e em outras instituições sociais? A violência
já se constituiria num código de comunicação estabelecido nas sociedades
contemporâneas? O que os jovens esperam do sistema educacional? Como é
feita a avaliação final do processo educacional, e qual é o nível de qualidade
do sistema educacional? Essas são algumas das perguntas que devem ser
feitas, ao abordarmos a questão da violência nas escolas. É óbvio que o sistema
é multidimensional e demanda uma abordagem interdisciplinar. No que
concerne a essa questão, não somos capazes de analisar em profundidade a
ocorrência desse fenômeno na Grécia. Podemos, entretanto, “tocar” o assunto
e apontar seus aspectos e características, bem como a necessidade de planejar
estratégias para enfrentá-lo.
A abordagem comparativa da violência nas escolas nos Estados-
Membros da Comissão Européia é de extrema importância. A juventude
da Europa compartilha objetivos e tem problemas em comum. Ela
adquire uma identidade européia; ela é unificada por meio de seu direito
à diferença. No que concerne a esse Estados-membros da Comissão
Européia, contudo, a análise pode apenas ser introdutória e – até um
certo ponto – descritiva. Para fazer uma análise aprofundada das
abordagens teóricas e das pesquisas relativas à fenomenologia e à
interpretação da violência escolar em cada país, muitas e muitas páginas
seriam necessárias.
154
O presente livro representa uma tentativa séria e notável de
reconhecer a existência do fenômeno sob uma perspectiva européia,
sugerindo a necessidade de estratégias eficazes e mostrando um
sentimento de respeito para com a juventude de nossos países, os jovens
da Europa...

A FENOMENOLOGIA DA VIOLÊNCIA ESCOLAR NA


GRÉCIA

A relatividade do conceito de violência influencia as estimativas


quanto a seu grau de ocorrência e suas formas. As abordagens
quantitativas dos comportamentos violentos descrevem mais a reação
social à violência que a ocorrência da violência em si3. Os diretores de
escolas geralmente acreditam que registrar incidentes de violência escolar
possa prejudicar a reputação da escola. Portanto, a cifra oculta da
violência nas escolas é alta. Graças aos levantamentos das vítimas,
podemos tratar da ocorrência e dos aspectos do fenômeno. A definição
de violência, a experiência de violência sofrida pelas vítimas e o nível
de tolerância em relação a esta última são alguns dos resultados dos
levantamentos de vitimização.
Nesse contexto, descrevemos os dados relativos ao grau de
ocorrência e aos aspectos da violência nas escolas, analisando também as
abordagens qualitativas do fenômeno, levando em conta a exclusão social,
o abandono da escola ainda durante os anos de escolarização compulsória,
o racismo e a xenofobia.

Ocorrência e Aspectos da Violência Escolar


Resultados recentes, originários de uma ampla amostragem
nacional de estudantes4 mostram que o problema da violência nas escolas

3 Artinopoulou, Vasso, Incesto, Aspectos Teóricos e Dados de Pesquisa. Nominiki Bibliothiki, Atenas,
1995, pp. 11-123 (em grego).
4 Secretário-geral da Juventude, Ministério da Educação Nacional, Periódico “TA NEA”, 16-3-2000.

155
talvez não seja tão agudo ou generalizado como o é em outros países do
mundo. Isso não significa, contudo, que esta não seja uma questão a
exigir atenção, nem que intervenções não sejam necessárias, em especial
quando se adota uma perspectiva de prevenção.
Um dos resultados de pesquisa refere-se ao aumento da violência
escolar entre “gangues” de jovens5, estudantes gregos e imigrantes,
estudantes e pessoas de fora da escola. Esses aspectos da violência escolar
refletem as transformações gerais por que vem passando a população
estudantil, após as recentes ondas de imigração ocorridas na Grécia.
Três em cada dez estudantes (29,4%) já testemunharam incidentes
violentos entre estudantes gregos e imigrantes. Essa percentagem teve
um aumento extraordinário em Salônica, atingindo 58,2%, enquanto em
Atenas ela chega a 39%.

Fonte: Secretaria Geral da Juventude, Ministério da Educação Nacional, 2000.

Em média, seis em cada dez estudantes do país já presenciaram


incidentes violentos em suas escolas ou em seus arredores, 23,2% já
participaram de incidentes violentos e 11,6% foram vítimas de
comportamentos violentos.
5 Quando usamos o termo “gangue” neste texto, referimo-nos a grupos de delinqüentes juvenis, ou às
subculturas de jovens num sentido mais amplo, e não estritamente às gangues como uma forma
organizada de comportamento criminoso.

156
Fonte: Secretaria Geral da Juventude, Ministério da Educação Nacional, 2000.

A violência é, principalmente, um fenômeno masculino, uma vez


que esses 23,2% são discriminados em 36,5% de meninos que relatam
terem participado de atos violentos, enquanto apenas 10,4% das meninas
admitem tê-lo feito.

Fonte: Secretaria Geral da Juventude, Ministério da Educação Nacional, 2000.

157
No entanto, a maioria dos incidentes violentos relaciona-se a danos
cometidos contra a propriedade da escola, ofensas verbais e ameaças
(76,7%) e agressões físicas (57%) e não a incidentes assassinos. De fato,
21% dos estudantes relatam ter testemunhado mais de cinco atos de
vandalismo em suas escolas, e 15,7% deles presenciaram mais de cinco
incidentes violentos.
Nas áreas urbanas, os incidentes mais graves são os conflitos entre
gangues de jovens.
Especificamente em Atenas, uma percentagem de 63,8% dos
estudantes já testemunhou conflitos dessa natureza, ao passo que, no
restante do país, a média é de 50,4%.

Fonte: Secretaria Geral da Juventude, Ministério da Educação Nacional, 2000.

Também são verificadas perturbações da ordem nos encontros


esportivos (hooliganism), testemunhadas por 48% dos estudantes.
Vale observar também que quanto mais altas são as notas dos
estudantes, menos eles se envolvem em violência, tanto como vítimas
quanto como perpetradores. Apenas 10% dos alunos que alcançam
notas altas mencionaram já ter participado de incidentes violentos,
enquanto esse percentual atinge 33,6% entre os estudantes com notas
medianas. O mesmo ocorre com relação às vítimas da violência: apenas

158
3,5% delas têm notas altas e 22,7% apresentam notas medianas ou
abaixo da média.

Fonte: Secretaria Geral da Juventude, Ministério da Educação Nacional, 2000.

Fonte: Secretaria Geral da Juventude, Ministério da Educação Nacional, 2000.

159
O que vale mencionar, entretanto, é que um número maior de
estudantes da Classe A do Liceu (24,4%) participou de incidentes violentos,
em comparação com os alunos da Classe B (23,3%) e da Classe C (22,9%).

Fonte: Secretaria Geral da Juventude, Ministério da Educação Nacional, 2000.

O oposto ocorre em relação às vítimas: a maioria delas vem da


Classe C do Liceu (13,2%), e a minoria, da Classe A (10,5%).

160
Fonte: Secretaria Geral da Juventude, Ministério da Educação Nacional, 2000.

Essa imagem não difere significativamente da mostrada por


levantamentos anteriores. Numa pesquisa usando uma amostragem
geograficamente limitada de estudantes6 concluiu-se que:

• Mais de 40% dos estudantes responderam que houve um


aumento de violência em suas escolas.
• Um em cada quatro estudantes já foi vítima de violência física
na escola ou na rua, a caminho da escola ou de casa.
• 35% deles são de opinião que os estudantes deveriam aprender
a se defender melhor da violência, através do uso de diversos meios
de proteção.

6
Ath. Gotovos, Juventude e Transformações Sociais, Atenas: Gutenberg, 1996 (em grego).

161
• Mais da metade da amostragem afirma ter presenciado
incidentes de violência física e verbal e de vandalismo.

Num outro levantamento7 usando uma amostragem representativa


de estudantes da região de Atenas, foi estimado que:

• 60% dos estudantes participaram – mesmo que raramente –


de conflito de algum tipo no decorrer do ano anterior.
• 11% dos estudantes haviam muitas vezes usado de violência
verbal.
• 6% da amostragem haviam participado muitas vezes de
conflitos violentos, envolvendo insultos verbais e agressões físicas.
• 3% da amostragem haviam participado de conflitos envolvendo
unicamente agressões físicas.

Num levantamento fazendo uso de auto-depoimentos8, com base


numa amostragem de jovens de idades entre 14 e 21 anos, concluiu-se
que a forma de violência mais freqüente é o vandalismo (54,5%), e a
menos freqüente é o uso de violência física.
Apesar das diferenças metodológicas entre os levantamentos9,
verificamos que, até o presente, apenas a freqüência e as formas de
violência existentes entre os estudantes foram examinadas. Outras formas
de violência – como a violência dos alunos em relação aos professores –
não foram incluídas nas pesquisas até hoje realizadas. É provável que
esse fato seja reflexo de uma imagem estereotipada da violência, que enfoca
apenas o comportamento dos estudantes e as diferenças entre eles. O
papel socializador da escola, no aprendizado e na reprodução da violência
como código de comportamento, incluindo todos os fatores dos
procedimentos educacionais, ainda carece de exame mais aprofundado.

7 Fakiolas, N.; Armenakis, A. Delinqüência e Agressividade entre Jovens Estudantes. Revista Educação
Atual, vol. 81, pp. 42-50, 1995 (em grego).
8 Call, D. Spinellis et al., Key-findings of a preliminary self-report delinquency study in Athens, Greece.
In J. Junger Tas, Cert-Jan Terlouw, Malcolm W. Klein (eds.) Delinquent Behavior among Young People in the
Western World. First Results of the International Sel-report Delinquency Study, Amsterdam-New York: Kugler and
Dutch Ministry of Justice, 1994, p. 288-30.
9 Ver também, Beze L. (org..), Violência na Escola, Violência da Escola. Ellinika Grammata, Atenas,
1998 (em grego).

162
Dados Qualitativos: Exclusão Social e Violência Escolar
Em minha opinião, além dos índices de vitimização existentes nas
escolas, é necessário examinar também, e de forma mais aprofundada, o
perfil da população escolar e os problemas gerados pela qualidade do
processo cognitivo. Nessa perspectiva, os dados relativos aos alunos que
abandonam a escola, aos estudantes desajustados devido a problemas de
língua, o uso de drogas entre a população estudantil e o racismo, irão compor
o perfil da juventude estudantil contemporânea, na Grécia.
Uma primeira conclusão extraída das pesquisas realizadas na Grécia
contemporânea confirma a correlação entre violência escolar e exclusão
social. Esta última fornece o pano de fundo para diversos aspectos da
violência nas escolas. A exclusão social é um fenômeno que se auto-
alimenta, atuando conjuntamente com a atmosfera em sala de aula e o
sistema educacional. A violência escolar pode ser vista tanto como sintoma
quanto como fator da exclusão social.
O perfil da população escolar da Grécia vem-se alterando há quase
uma década. As ondas maciças de imigrantes, que hoje já representam 6% da
população total do país – provenientes principalmente da Albânia, país vizinho
à Grécia, vêm influenciando o perfil da população em geral, bem como o
perfil das cidades e dos bairros. Em todos os níveis educacionais, foi observada
uma importante participação de alunos imigrantes que apresentam dificuldades
de aprendizado devido ao problema da língua. Ao mesmo tempo, esses alunos
muitas vezes vêem-se isolados de suas famílias, escolas e ambiente social.
As mudanças cosmogônicas ocorridas nos países do Leste Europeu
ocasionaram uma onda de repatriados gregos, que, juntamente com as
minorias tradicionais de ciganos e muçulmanos, constituem uma grande
parcela da população escolar do país, que se encontra em expansão
constante. É típico que, enquanto a população escolar total do país –
segundo dados oficiais do Ministério da Educação – decresça de 3 a 4% a
cada ano, o número de alunos pertencentes a minorias aumente num ritmo
próximo a 50% ao ano10. Conseqüentemente, tendências e preconceitos

10 Militis A., Minorias nas Turmas Escolares, uma Relação Interativa. Edições Odisseus, 1998, p. 10. Em
grego.

163
xenófobos, em todos os níveis socioeconômicos, começam a ser
observados na Grécia. Essas atitudes refletem-se e são reproduzidas no
próprio ambiente escolar. Numa pesquisa recente, relativa às minorias
presentes nas turmas escolares (baseada numa amostragem retirada das
escolas primárias) concluiu-se que: “o ingresso de estudantes de minorias
étnicas nas turmas provoca intensos conflitos entre os estudantes
majoritários, conflitos esses resultantes de preconceitos e de atitudes
xenófobas que têm origem, principalmente, no ambiente familiar... Os
“outros desconhecidos” da classe são classificados como formando um
grupo à parte, sendo relegados a uma condição indefesa e isolada durante
a fase mais difícil de sua socialização no novo ambiente11. Durante essa
fase, nas turmas escolares, ocorre uma intensificação das diferenças entre
os grupos que, entretanto, se ameniza com o correr do tempo. Nos demais
níveis educacionais, principalmente nos Liceus, observa-se um conflito
multicultural, principalmente entre as diferentes minorias, resultante do
isolamento, da estimagtização e da exclusão.
O fracasso escolar é um fator que contribui para a manifestação da
violência na escola.
O abandono da escola, tanto primária como secundária, pelos
alunos e o fracasso escolar são indicadores da qualidade do sistema
educacional. Numa pesquisa conduzida pelo Instituto Pedagógico, foi
revelado que a percentagem de alunos que abandonam a escola durante
os anos de educação compulsória é baixa, tendo decrescido em cerca de
10% ao longo da última década. O problema, contudo, existe de fato nas
prefeituras das regiões montanhosas do centro-oeste da Grécia continental,
nas ilhas, na Trácia, na Macedônia Central e em algumas áreas do
Peloponeso, onde crianças abandonam a escola para contribuir para a
renda familiar, trabalhando nos setores turístico e agrícola. A pobreza,
um ambiente familiar negativo e o preconceito com relação a grupos sociais
específicos (refugiados e ciganos) são algumas das razões que levam as
crianças a ter que trabalhar. O abandono da escola e o fracasso escolar
são indicadores das disfunções do sistema educacional contemporâneo. Ao
mesmo tempo, esses fatores implicam que parte dos jovens não se sente à

11 Ibid., p. 156.

164
vontade no processo de aprendizagem. Embora o percentual de abandono
da escola seja baixo12, ele é um indicador do tédio sentido pelos alunos
durante as aulas. Nove em cada dez alunos afirmam que “seus melhores
momentos na escola são quando eles estão... fora de sala de aula13”.
É evidente que a questão da violência escolar, geralmente, esteja
relacionada ao fenômeno da delinqüência juvenil. Na Grécia, como foi
descrito por levantamentos sobre o tema, a delinqüência juvenil não inclui
participação desses jovens em delitos graves14. Conseqüentemente, uma
abordagem mais global da questão implicaria a análise das características
e das formas da delinqüência juvenil, do uso de drogas pelos jovens, de
sua vitimização, bem como o estudo das subculturas juvenis. Esse enfoque,
como já mencionado antes, é impossível aqui, dada a limitação de espaço.
Concluindo, a fenomenologia da violência escolar, na Grécia,
demonstra que essa forma de violência – pelo menos no momento atual –
não representa um problema social agudo, e que ela ainda não se alastrou
ao ponto de causar alarme.
Os resultados dos levantamentos sobre a questão fornecem uma
primeira impressão sobre a ocorrência e as formas da violência escolar.
No entanto, eu apontaria que o fenômeno exige estudos mais aprofundados,
por ineio da realização de amplos levantamentos de vitimização e de outros
estudos qualitativos que enfoquem as características tanto das vítimas
quanto dos perpetradores e, igualmente, as maneiras pelas quais a violência
é adotada como um código de comunicação entre os jovens.
Na Grécia, o termo “bullying” não é usado com muita freqüência,
sendo de difícil tradução em língua grega. O termo mais amplamente
usado é “violência escolar” e delinqüência juvenil. O resultado é que os
levantamentos que tratam do tema concentram-se em formas que se
enquadram no estereótipo clássico da violência escolar, com os resultados
esperados. No entanto, as transformações gerais das estruturas sociais,
econômicas e culturais, que hoje vêm ocorrendo na Grécia têm reflexos na

12 Coura+kis, N., Juvenile Delinquents and Society, European Studies and Law, Nº 1, Ant. Sakkoulas Publishers,
1999, p. 85.
13 Katsikas X., no periódico “TA NEA”, 12-2-1996, pp. 18-19.
14 Courakis, ibid., pp. 11-181.

165
educação e influenciam também a atmosfera da escola. Sob essa
perspectiva, creio que a violência escolar deva receber um maior
reconhecimento social. A questão deveria ser incluída na agenda dos
centros decisórios e uma política de prevenção e intervenção deveria
ser planejada. A estigmatização dos jovens que causam perturbação ao
processo educacional não é o objetivo, e tampouco a adoção de modelos
rígidos para lidar com a delinqüência juvenil. O objetivo deveria ser a
prevenção e o tratamento social desses jovens, de modo a que eles não
assumam o rótulo de criminosos, ingressando definitivamente numa
carreira de criminalidade.

ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO
A amplitude do problema da violência escolar, como descrita
anteriormente, já serve de esboço para as estratégias de intervenção:

1. O nível de intervenção primária, que inclui estratégias que


tratem da população em geral e das estruturas sociais, econômicas
e culturais que (re)produzem a violência.
2. O nível de intervenção secundária, que enfoca a detecção e a
intervenção nos grupos de “alto risco”.
3. O nível de intervenção terciária, que visa à redução da reincidência
e o tratamento justo aos delitos no sistema de justiça penal.

A eficácia das intervenções, em relação a esses níveis de


referência, já foi avaliada. Sabemos que a prevenção primária têm os
efeitos mais positivos, duradouros e de longo prazo, que a segunda é
de abrangência limitada, de médio prazo e positiva (na medida em que
ela for aplicada discretamente, sem estigmatizar famílias ou pessoas)
e a prevenção terciária e de curto prazo é de eficácia menor,
demonstrando, às vezes, até mesmo efeitos negativos.
Na Grécia, as políticas de prevenção da violência escolar estão
inseridas no contexto das reformas educacionais que foram anunciadas
em 1999 e colocadas em prática em nível nacional. Apresentarei a seguir
os eixos da reforma educacional, as iniciativas de nível local e, por fim,
mencionarei os problemas dessas políticas, ressaltando o planejamento
de estratégias que devem ser adotadas num futuro próximo.
166
Violência Escolar e Reforma Educacional:
A Política Nacional da Grécia
A violência escolar não é explicitamente mencionada, ou, pelo
menos, não é tida como uma alta prioridade na agenda da reforma
educacional15. As dimensões qualitativas da violência nas escolas, contudo,
constam dos objetivos da política nacional de educação, na forma como
foram anunciadas e aplicadas em todas as escolas do país.
Em termos mais específicos, os seguintes itens foram incluídos no
contexto da reforma educacional:

• Criação de estruturas de apoio no âmbito do sistema


educacional, com a introdução de programas para alunos com
dificuldades de aprendizagem, para que a escola possa oferecer
oportunidades iguais nos procedimentos de aprendizagem;
• Introdução de programas de ocupação criativa (atividades
recreativas), com educadores especialmente treinados, que
ofereçam maneiras alternativas de ocupar os alunos na escola,
durante as horas em que seus pais ainda não voltaram do trabalho;
• Criação de escolas “Segunda Oportunidade”, que ofereçam aos
jovens de mais de 18 anos a possibilidade de retornarem à escola
para completar sua educação compulsória;
• Fundação de um Centro Nacional de Consultoria e Orientação
Vocacional, contando com uma equipe de profissionais treinados.
Setenta centros distritais espalhados por toda a Grécia e duzentas
representações nas escolas rurais já foram criadas, estando
eletronicamente conectados entre si;
• Promoção do treinamento de professores;
• Foram implementadas medidas de apoio para a ambientação
social de imigrantes, repatriados, ciganos e muçulmanos, dando a
devida atenção a suas características culturais e necessidades
educacionais. Essas medidas tratam de:
– melhorias dos materiais audiovisuais de ensino e outros;

15 Relatório da Reforma Educacional, Ministério da Educação Nacional.

167
– criação do Instituto de Educação para alunos da Diáspora e
educação multicultural;
– criação de oito centros de línguas européias, em colaboração
com as escolas.
Além disso, medidas de apoio e complementação foram criadas,
como, por exemplo:
• Desenvolvimento de programas de educação para a saúde
(física e mental) dos estudantes.
• Fundação de 1.500 bibliotecas em escolas de todo o país.
• Desenvolvimento e expansão de programas de mobilidade de
alunos e professores.
• Reforço à instituição das “parcerias escolares”.
• Desenvolvimento de programas de educação ambiental.
• Expansão dos programas de “cultura na escola”.

Tais medidas visam à melhoria da qualidade dos processos


educacionais, e também da atmosfera da escola. O objetivo é tornar os
estudantes competitivos o suficiente para enfrentar os desafios do século
XXI. No entanto, não reconhecemos a violência escolar como um
fenômeno social, mas apenas como estudos de caso ou como
comportamentos individuais de jovens delinqüentes, ou sequer a
mencionamos para não sugerir que as escolas sejam locais de conflito, ao
invés de locais de consenso na vida cotidiana. Eu gostaria de ressaltar
que essa questão está ausente da agenda dos centros decisórios. Essa
ausência, em si, é uma questão sociológica16.
No tocante à violência escolar, especificamente, deve-se observar que,
há três anos, o Ministério da Educação Nacional tomou a iniciativa de formular
e implementar um seminário de treinamento de professores tratando dessa
questão. No entanto, não apenas a curta duração dos cursos (200 horas), mas
também o número de professores participando do programa (20 professores de
todo o país) fazem com que ele tenha abrangência limitada e seja de eficácia

16 Artinopoulou, Vasso, Novos Movimentos Sociais: uma Perspectiva Criminológica. Nomiki Bibliothiki, Atenas,
2000 (em grego).

168
relativa. A avaliação interna do programa foi positiva em relação às unidades
temáticas, enquanto as deficiências das estratégias de prevenção e intervenção
na violência escolar foram mais uma vez detectadas17.
Por fim, na estrutura da política nacional, é fornecido apoio psicológico
aos jovens, prestado pela Rede de Assistência Social à Juventude, que recebe
o apoio do Secretário-Geral da Juventude e a colaboração de centros
consultivos de municipalidades e universidades. A Rede desenvolve atividades
de prevenção e intervenção nos problemas enfrentados pelos jovens na escola,
na família e também em suas relações interpessoais. A Rede dá ênfase à
colaboração e à coordenação dos planos e programas também de nível local,
por meio de sua colaboração com as autoridades locais. A Rede está em
funcionamento há apenas poucos meses, de modo que ainda não nos é possível
efetuar uma avaliação de seus trabalhos.

Iniciativas em Nível Local – A Descentralização


e a Relação entre a Escola e a Sociedade Local
A história da administração pública na Grécia mostra que existe
uma política educacional de orientação centralizada, concebida de cima
para baixo, e não vice-versa. O resultado dessa política educacional é que
as iniciativas de nível local nunca eram levadas em conta.
Nos últimos anos, contudo, essa tendência vem acusando
mudanças. A descentralização administrativa e a política de conferir mais
responsabilidade às autoridades regionais e locais constituem-se agora
nas características da organização interna do país. As escolas, como
estabelecimentos e como lugares sociais de importância vital, pertencem
à jurisdição da municipalidade na qual elas se enquadram.
“A descentralização é uma dimensão fundamental da
democratização do sistema educacional, que é baseado nos valores da
participação, da coletividade, da auto-organização e da justiça social.
Graças à descentralização, incumbências e responsabilidades fundamentais
passaram para instituições não-governamentais, participativas e
representativas, que operam com flexibilidade e divisão de responsabilidades.

17 Artinopoulou, Vasso, School Violence: recent Trends in research and confrontation. Keynote speech in the
seminar “Education and Social Exclusion”, Atenas, 1998.

169
As escolas podem vir a ser um elo de importância decisiva numa
política que virá a incluir as escolas e a comunidade na tentativa de reforçar
os vínculos sociais entre seus membros, no âmbito dos bairros ou de áreas
mais amplas, de modo a desenvolver atividades e iniciativas que porão
em evidência o senso de coletividade e reduzirão o sentimento de
insegurança que, hoje em dia, encontramos com tanta freqüência entre os
jovens”18.
Até o presente, as iniciativas locais e regionais não enfocaram
de forma exclusiva a questão da violência nas escolas, formulando
programas ad hoc para a prevenção e o enfrentamento desse fenômeno.
Há uma perspectiva mais ampla com relação a essa questão. A relação
“funcional” entre e escola e seu bairro parece ser alcançada por meio
de uma diversidade de outros programas tratando de cultura, ecologia,
educação para a saúde, drogas, utilização do “tempo livre” dos alunos,
atividades recreativas, etc. Todos os anos, são realizadas palestras sobre
esses temas, proferidas por especialistas, pelas autoridades
responsáveis pela formulação das políticas e por representantes da
comunidade local, bem como a projeção de material audiovisual. Essas
intervenções têm como objetivo conscientizar os jovens estudantes
sobre esses problemas.
Nos últimos cinco anos, as escolas vêm funcionando como uma
força motriz do desenvolvimento das comunidades locais. Diversos
programas de combate à exclusão social foram for mulados e
implementados, principalmente sob a supervisão do Instituto Pedagógico
e o cofinanciamento do Fundo Social Europeu. Uma dessas iniciativas
são as “Escolas Cooperadas contra o Racismo e a favor dos Direitos
Humanos”, que puseram em prática o Programa “Exclusão Escolar: A Quem
Ela Interessa?”. Esse programa refere-se à implementação de planos-pilotos
educativos, e foi colocado em prática nos anos de 1998 e 1999 (Escola
Secundária Júnior de Mournia). A contribuição desse programa,
especificamente, concentra-se no estudo e no enfrentamento do problema
dos alunos que abandonam a escola durante os anos de educação

18 Harambis, P., The decentralization and educational Policy: the case of Teachers’ Training. http://www.teikozz.gr/
dynmei/teuxos10/eisigixara.html.

170
compulsória, com base nas condições socioeconômicas locais. Foi realizado
um mapeamento da ocorrência de abandono da escola e das características
dos alunos excluídos, bem como das condições socioeconômicas em que
vivem essas crianças, e foram examinadas as razões que as levam a abandonar
a escola primária e secundária. No nível da intervenção comunitária, foi
implementado um amplo processo informativo sobre a importância do
exercício do direito à educação, sobre as conseqüências do analfabetismo e
das formas alternativas de organização escolar, visando a atingir maior
igualdade de oportunidades (Educação Multicultural)19.
Há um grande número de intervenções similares que vale a pena
mencionar, que têm como base a participação dos estudantes e a
mobilização dos professores. Elas constituem-se em exemplos de “boa
prática”, sendo iniciativas importantes, que enriquecem o papel
desempenhado pelas escolas em seus respectivos bairros20.
Embora essas iniciativas tenham efeitos muito positivos no
microclima da escola, elas não são bem coordenadas no contexto de uma
política mais ampla de prevenção da violência escolar. Seus resultados
com relação à prevenção dessa violência são indiretos e, muitas vezes,
elas não são objeto de avaliação, por falta de um processo de avaliação
sistemática. Mesmo quando pesquisas de avaliação são realizadas, é sempre
no nível descritivo, não se atingindo, portanto, a continuidade e a inovação
dessas iniciativas. Desse modo, o principal problema é a falta de
coordenação dos programas de intervenção, o que não permite o
envolvimento de um número maior de representantes das instituições da
sociedade local, e também a pouca eficiência das avaliações.
Por fim, a lei que determina a criação de Conselhos Locais para a
Prevenção da Criminalidade, recentemente promulgada pelo governo
grego, tem como objetivo o planejamento, a organização, a coordenação e
a implementação de iniciativas, contando com a participação de todos os
agentes da comunidade local, a fim de evitar e enfrentar o problema da
criminalidade. Minha sugestão é que a cooperação, tanto no âmbito da

19 http://www.otenet.gr/keteme/fplans.html.
20 Artinopoulou, Vasso. Promoting Pro-Social Behavior as a School Violence Prevention Policy: the
Case of Greece. In, Anais do Workshop Pro-Social Pupil Development, Nijmegen: ITS, 1998.

171
comunidade local (incluindo as escolas) quanto no nível estatal, virá a
trazer muitos benefícios, tais como:

• dar ênfase ao papel crucial da escola na sociedade local;


• contribuir para uma cooperação mais intensa entre os serviços
sociais e as medidas de apoio existentes em nível local, bem como
a uma melhor coordenação entre eles;
• enfocar novos campos de intervenção e de atividade, como,
por exemplo, a violência escolar;
• tratar do problema da delinqüência juvenil;
• fortalecer o sentimento de segurança entre os cidadãos em geral
e os jovens em particular.

As estratégias de prevenção da criminalidade no nível local


baseiam-se nas responsabilidades conjuntas dos cidadãos, das autoridades
locais e do Estado. A escola, como uma unidade social funcional, deve
ter aumentada sua parcela de responsabilidade nessa política de
descentralização. Todos os participantes dos processos educacionais
(estudantes, professores, pais de alunos) devem ser legalmente
reconhecidos como uma coletividade de parceiros, trabalhando para o
enfrentamento dos problemas relativos à segurança dos cidadãos.
Para concluir a parte que trata da intervenção, eu ressaltaria
o seguinte:

• a partir de meados da década de 90, vem sendo feita uma


tentativa de reforma do sistema educacional grego, e de
aperfeiçoamento da qualidade da educação oferecida por ele;
• não há uma concentração explícita e clara, por parte das
iniciativas nacionais e comunitárias, na prevenção e no
enfrentamento da violência escolar. Tampouco existem agentes
especializados que ofereçam serviços sociais e de apoio aos
estudantes e aos instrutores, e/ou aos perpetradores e vítimas da
violência escolar;
• a violência escolar, como fenômeno, está ligada à exclusão
social. Todas as iniciativas de nível nacional ou local-regional,
portanto, tratam de evitar que os alunos abandonem a escola, de

172
lidar com o racismo e a xenofobia, de reduzir o uso de drogas e de
implantar uma educação multicultural;
• em muitas escolas de todo o país, há exemplos de “boas
práticas”, que têm como objetivo melhorar a qualidade da atmosfera
da escola, e assim contribuir para a redução da violência escolar.
Esses objetivos, contudo, estão relacionados a iniciativas paralelas,
que têm que ser incluídas num contexto de ações bem planejadas
e bem organizadas, no que se refere à prevenção e ao enfrentamento
da violência escolar;
• o que tem que ser implementado é a relação funcional entre a escola e
a sociedade local, e também a cooperação com os agentes do nível local.
Os Conselhos Locais de Prevenção da Criminalidade devem colocar a
violência escolar como uma de suas prioridades máximas.

CONCLUSÃO

A questão da violência nas escolas ainda se encontra “em


construção”, tendo apenas recentemente sido colocada como prioridade
pelos centros decisórios europeus, nacionais e locais.
A ambigüidade do ter mo “violência”, os aspectos
multidimensionais do fenômeno e sua interação com a agressão e a
delinqüência juvenil, são apenas alguns dos parâmetros que devem ser
levados em conta. Nossa forma de tratar a questão da violência escolar
deve ser realista e discreta, nunca dramática. Nossa intervenção deve
ser racional e equilibrada, não buscando uma “normalidade” e uma
uniformidade tediosas em sala de aula, que rotula de violência escolar
ou de “intimidação” tudo o que for diferente e perturbe a paz da escola.
Ao mesmo tempo, devem ser adotadas uma abordagem e uma prática
que privilegiem as pessoas prejudicadas, visando à proteção e ao apoio
das vítimas da violência escolar. As estratégias para a prevenção e o
enfrentamento da violência escolar devem ser coordenadas em níveis
europeu, nacional e local. Sua avaliação é o instrumento para a
continuidade, o aperfeiçoamento e a inovação do sistema educacional e
também da sociedade.

173
7. PARCERIAS DE EDUCAÇÃO E
ASSISTÊNCIA À JUVENTUDE: O
APERFEIÇOAMENTO DA INFRA-
ESTRUTURA SOCIAL NAHOLANDA
1
Prof. Dolf Van Veen

INTRODUÇÃO

Inúmeras pesquisas realizadas em diversos países demonstram as


conseqüências sociais do fracasso escolar, risco a que estão hoje expostos
muitas crianças e jovens. Nos últimos anos, vem crescendo tanto o número
de crianças e jovens que podem ser vistos como correndo esse risco quanto
o nível da situação de desvantagem a que eles se vêem relegados. Desafios
especialmente críticos são enfrentados pelas escolas urbanas, que lidam
com riscos de diversos tipos, ao tratar dos problemas enfrentados pelas
crianças e por suas famílias, e muitas dessas escolas estão tendo altos
índices de desistência, de alienação de estudantes e de professores e de
desempenho acadêmico fraco, condições essas que se mostram difícieis
até mesmo para os professores e as escolas mais eficazes.
Na Holanda, a formulação das políticas relativas à educação vem
sendo descentralizada, cabendo agora aos conselhos escolares, às redes
de escolas e às cidades e, no caso da saúde e da assistência à juventude,
às cidades e às províncias. Essa descentralização criou condições para
uma visão política ampla, cooperativa e coesa, e também para ações
concretas, nas quais os sistemas preventivos, a intervenção precoce e a
assistência encontram-se interligadas. Incluídas nessas ações estão a
melhoria dos locais e das condições de trabalho dos profissionais, a
reformulação das funções de liderança e das responsabilidades das diversas

1 DWA/ Cidade de Amsterdã, Holanda. Centro para o Desenvolvimento do Professor e da Escola,


Universidade de Nottingham, Inglaterra, NIZW/ Centro Nacional de Parcerias para a Educação e a
Assistência aos Jovens, Holanda.

175
profissões e agentes e a percepção da necessidade de criação de melhor infra-
estrutura (social) no nível regional. Para tanto, temos que enfocar a escola, a
comunidade e os recursos regionais. Na Holanda, essa tendência, aliada à
necessidade de maximizar o uso de recursos limitados, implica a interconexão
de escolas, e mesmo de redes de escolas, criando, portanto, uma liderança
educacional cooperativa. Nesta apresentação, tentarei esclarecer as medidas
tomadas a esse respeito pela cidade de Amsterdã, visando a aperfeiçoar uma
infra-estrutura social que interligue os sistemas de prevenção, a intervenção
precoce e a prestação de assistência. Antes de mais nada, no intuito de oferecer
um pano de fundo para essa discussão, examinaremos a base de
conhecimentos e os enfoques atualmente adotados, bem como as políticas
que basearam as medidas estratégicas tomadas por nós.

JUVENTUDE EM RISCO E ESCOLAS EM RISCO:


A BASE DE CONHECIMENTOS

É muito difícil reverter o ciclo do fracasso educacional, no caso


de alunos provenientes de ambientes escolares de risco, embora haja razões
para crer que seja possível fazê-lo. As escolas são importantes. Elas
fornecem “valor adicionado” à educação dos alunos, de modo que temos
que partir do pressuposto de que os educadores sejam capazes de intervir
de forma a criar melhores condições de aprendizado para os estudantes
de risco. Além do mais, contamos com uma notável base de conhecimentos
sobre o aprendizado escolar (Wang, Haertel e Walberg, 1993). No entanto,
antes de mais nada, temos que ampliar nossa compreensão sobre as
condições nas quais vivem as crianças e os jovens de risco, e também
sobre o papel da escola no atendimento às necessidades dessas crianças e
de suas famílias. As políticas e programas planejados e implementados
sem levar em conta as condições e culturas presentes na comunidade e
na escola acabam por mostrarem-se ineficazes, tendo que ceder lugar às
inovações centradas no cliente, que atendem as necessidades de nossa
sociedade cada vez mais diversificada.
Os problemas encontrados nas escolas urbanas dos Estados Unidos
da América, do Canadá e de países europeus como a Inglaterra, a Alemanha
e a Holanda são muito semelhantes. Nas realidades atuais da educação
urbana, podemos identificar diversos problemas importantes relativos às
práticas adotadas (ver Forsyth e Talterico, 1993; Van Veen, 1994):
176
• entender o contexto urbano e as condições nas quais a prática
ocorre;
• estabelecer objetivos, visões e metas;
• envolver as famílias no processo educacional, dando a elas
maior poder de ação;
• coletar e usar informações para a solução de problemas e a
tomada de decisões;
• integrar, mais que excluir, as questões de língua, de cultura e
de situações de desvantagem no currículo de sala de aula;
• administrar a diversidade de níveis de instrução;
• construir atmosferas saudáveis, democráticas e inovadoras nas
escolas urbanas;
• adquirir e utilizar recursos urbanos;
• gerir as escolas urbanas; e
• gerar capacidade de mudança nas escolas urbanas.

Muitos países encontram dificuldades em ampliar as oportunidades


educacionais das crianças e dos jovens imigrantes em situação de
desvantagem, que, em sua maioria, provêm de ambientes familiares carentes
e com faixas de renda inferiores. Se examinarmos o índice de abandono da
escola e a percentagem desses jovens que, por toda a Europa, freqüentam
escolas secundárias que preparam para a educação superior, concluiremos,
forçosamente, que nossos sistemas educacionais não estão preparados para
atendê-los. Nas áreas urbanas, principalmente, há problemas graves, tanto
nas escolas primárias quanto nas secundárias. Acredita-se, por exemplo,
que as crianças tornaram-se mais difíceis de controlar e que elas não têm
motivação para o trabalho escolar. Verificou-se um aumento do absenteísmo
e da gazeta, e também do abandono da escola antes da época prevista. O
número de crianças portadoras de necessidades especiais de aprendizagem
vem crescendo vertiginosamente. Esses problemas estão se mostrando
persistentes. Uma tensão tremenda vem sendo colocada sobre o sistema
educacional e, em especial, sobre os professores (Van Veen e Van der Wolf
,1994). Nessas circunstâncias, produzir qualidade, ampliar a prestação de
assistência e evitar o abandono da escola são tarefas além da capacidade de
muitos professores e escolas, tanto primárias quanto secundárias.
Nas maiores cidades, onde os problemas de escolarização e
educação são mais prementes, os limites críticos da oferta de educação
177
de qualidade parecem já ter sido ultrapassados. O absenteísmo entre
professores e alunos é alto, e as instalações destinadas a grupos especiais,
principalmente as minorias étnicas e culturais das escolas secundárias,
são extremamente limitadas. O mais provável é que esses jovens tendam
a abandonar a escola antes de se formar, correndo um risco relativamente
alto de desemprego. Para um grande número de jovens, a educação
claramente falha no desempenho de suas funções. O quadro geral é de
um piora constante dos problemas estudantis, professores exaustos e
desiludidos e sistemas escolares sob pressão. Além disso, em muitas
cidades, é difícil encontrar professores qualificados que estejam dispostos
a trabalhar nas escolas “de risco”.
A verdade é que a maioria das escolas não foi concebida para
acomodar as necessidades de desenvolvimento e de aprendizado da
juventude de hoje, e tampouco estão os professores preparados para lidar
com essas necessidades. Alguns alunos aprendem independentemente do
ambiente que lhes é oferecido, ao passo que outros desistem da escola, se
esta não for adequada. Algumas vezes, as escolas não são os lugares certos
para oferecer experiências de aprendizado e, por não estarem preparadas
para sua clientela, elas culpam os pais, as crianças e a sociedade em geral
por esse fracasso. Nessas circunstâncias, abandonar a escola, às vezes,
representa um passo positivo para um futuro melhor, incentivando
progressos educacionais. Há muito a ser aprendido com as abordagens
alternativas de educação e de assistência à juventude que abandona a
escola. Temos que continuar a investir na educação, mas não
necessariamente nas escolas tradicionais.

UMA POLÍTICA AMPLA PARA A JUVENTUDE

Em muitos países europeus, as políticas voltadas para os jovens se


concentram numa pequena parcela da população, chamada de “crianças e
jovens de risco”. O equilíbrio entre a política geral para a juventude e a
política específica que enfoca grupos-alvo parece ter deixado de existir, se
é que algum dia existiu. A situação é ainda mais complexa nas áreas urbanas,
nas grandes cidades e nas escolas dos centros urbanos, em particular. De
modo geral, os professores e as escolas das áreas urbanas não se encontram
preparados, nem recebem o apoio necessário, para lidar com as realidades
178
enfrentadas pelas crianças, pelos jovens e por suas famílias. As políticas e
estratégias educacionais são reativas por natureza e, além disso, fragmentárias,
como ficou demonstrado em diversos estudos. Como parte das estratégias
de geração de eficácia, foram desenvolvidos programas de aperfeiçoamento
e restruturação das escolas, visando a elevar a qualidade das escolas e do
ensino. Essas estratégias, contudo, geralmente não são direcionadas a
crianças e jovens de risco. Mesmo nesta área, os experimentos e as chamadas
práticas inovadoras parecem muitas vezes ignorar o corpo de conhecimentos
e de pesquisas existente (Wang, Haertel e Walberg, 1993). Além do mais,
na literatura especializada em melhoria e renovação escolares, é preocupante
a falta de atenção para com as famílias de risco e as crianças, jovens, escolas
e comunidades vulneráveis (por exemplo, Mortimore, 1996; Goodlad’s
National Network on Educational Renewal ,1994).
Na Holanda, rígidas barreiras foram erigidas entre as várias áreas
das políticas para a juventude e os sistemas de prestação de serviços.
Em nível nacional, são muitos os departamentos que tratam das políticas
voltadas para os jovens, como, por exemplo, políticas tratando do
mercado de trabalho, assistência à juventude, educação, renda e saúde
pública. Desse modo, não é de surpreender que seja necessária maior
coordenação entre as várias agências do governo central responsáveis
pela aplicação das políticas, de modo a torná-las mais consistentes e
coerentes entre si. O Memorando Governamental de 1993 (A Juventude
Merece um Futuro) fala de uma política inter-setorial para a juventude,
e o Ministério do Bem-estar, da Saúde e da Cultura é responsável por
essa coordenação permanente.
Muitas barreiras podem também ser percebidas nas relações entre
os diversos níveis administrativos, os diferentes sistemas de financiamento
e controle e entre as diferentes culturas políticas. As instituições voltadas
ao bem-estar da juventude, à prestação de serviços básicos de saúde e os
setores educacionais, por exemplo, estão sob jurisdição local, em termos de
planejamento e financiamento. As províncias e as quatro maiores cidades
são responsáveis pelos serviços de assistência à juventude, ao passo que as
instituições judiciais para a juventude e as instituições de saúde mental são
financiados pelo governo central, ou regidos por regulamentações estatutárias.
O governo holandês apóia um processo de renovação administrativa que
irá levar a novas relações entre as políticas locais, regionais e nacionais,
179
deixando para trás a mera divisão de tarefas para alcançar um modo
administrativo mais baseado na complementaridade. Dessa forma, poderá
haver uma melhor coordenação entre os diversos objetivos políticos e os
sistemas de prestação de serviços. Esse ideal de administração
complementar ainda não foi alcançado, na prática. As barreiras existentes
entre os diversos departamentos, níveis administrativos e sistemas de
prestação de serviços vêm- se mostrando muito persistentes.
Na Holanda, essa conclamação por maiores consistência e
coerência nas políticas direcionadas à juventude e pela criação de uma
política inter-setorial para os jovens tem eclipsado um grande número de
problemas enfrentados por nós (Van Veen e Van Rijswijk, 1993). São
exemplos destes problemas:

• a acessibilidade, a eficácia e a eficiência das várias instituições


e setores de serviços em nossa sociedade multicultural,
principalmente nas grandes cidades;
• os jovens e os pais que voltam as costas às instituições
tradicionais, por acreditarem que elas não atendem a suas questões
e necessidades;
• problemas de qualidade relacionados a pessoal, programas,
organização, participação dos clientes; e
• os pais, professores e assistentes sociais e outros profissionais
que trabalham com jovens percebem que as dificuldades são cada
vez maiores, citando, como exemplo, o número crescente de jovens
e crianças em situação de risco, a insuficiência dos sistemas de
apoio direcionados aos jovens e a eles próprios, a incerteza quanto
aos objetivos, às tarefas e à estrutura do ambiente de vida, de
aprendizado e de tratamento (Van Veen e Van der Wolf ,1994).

A situação é complexa e desconcertante. As diferentes instituições


e setores (educação, saúde, assistência à juventude, emprego para jovens,
etc.) têm seu próprio ritmo de desenvolvimento, seus próprios objetivos e
suas próprias estratégias. Em muitos casos, a resolução dos problemas
internos, a integração e a diferenciação têm precedência sobre a
colaboração com os demais setores. Em meados da década de 80, na
Holanda, por exemplo, visando a fortalecer a capacidade das escolas
regulares de lidar com crianças portadoras de necessidades especiais e
180
reduzir o número de crianças colocadas em escolas especiais, as escolas
regulares e as escolas especiais foram mais ou menos forçadas a colaborar
entre si. Cerca de quinze a vinte escolas regulares tiveram de cooperar
com outras escolas de educação especial, integrando-se numa rede regional
que visava aperfeiçoar o ambiente de aprendizado para um número maior
de crianças. No entanto, essa operação política não levou em conta os
conhecimentos especializados do sistema de assistência à juventude no
trabalho com crianças portadoras de problemas psicossociais e com suas
famílias. Processos semelhantes ocorreram também em outros setores.
Por muito tempo, na Holanda, os diversos sistemas de apoio a
crianças e jovens portadores de necessidades especiais se caracterizaram
por um desenvolvimento autônomo. Crescimento, diferenciação,
especialização e – de forma tipicamente holandesa – a sustentação, foram
os resultados desse processo. No decorrer da década de 70, o governo
holandês passou a promover o planejamento e a coordenação entre os
diversos sistemas assistenciais. Novas ideologias e alternativas políticas
foram então formuladas. Institutos especiais (escolas, tratamento
residencial, etc.) deixaram de ter aceitação. A integração tornou-se a palavra
mágica, mantendo os jovens e suas famílias em seu próprio ambiente (com
oferta de serviços de cuidados diurnos, treinamento em casa, etc.), e maior
ênfase foi colocada na prevenção. Durante os anos 80, essa tendência
teve continuidade e alguns sistemas e setores assistenciais – em parte
devido à descentralização – passaram a ser mais regionalizados.
No entanto, são muitas as dificuldades da cooperação e da
colaboração entre os diferentes setores. Como já foi dito antes, muitas
barreiras ainda existem. Os diferentes setores apresentam diferentes
dimensões regionais, diferentes relações entre seus níveis administrativos,
diferentes sistemas de financiamento e controle e, por fim, mas de
importância não menor, diferentes culturas, procedimentos, cronogramas
e modos de comunicação, fato esse que em nada facilita a cooperação e a
colaboração entre profissionais, clientes, institutos e setores. Essas
barreiras dificultam muito o reconhecimento sistemático dos problemas
dos jovens ainda em estágio inicial e a formulação e implementação de
estratégias multifatoriais eficazes. Em outros casos, isso faz com que os
serviços oferecidos aos jovens e seus pais não seja adequado, provocando
peregrinações de um serviço a outro.
181
A descentralização, aliada a uma abordagem mais funcional e
centrada no projeto e no cliente, criam um maior número de oportunidades
para o desenvolvimento de um planejamento político mais sólido, gerando
também soluções práticas e de natureza local para os problemas dos jovens
e de suas famílias. Felizmente, contamos com um grande número de
iniciativas de nível local e regional, capazes de superar os obstáculos
burocráticos. A cooperação entre as escolas, os serviços de atendimento
aos jovens e as instituições policiais e assistenciais vêm crescendo, com
os objetivos de ajudar os jovens com problemas e de desenvolver
estratégias preventivas e ambientes facilitadores, tanto para a vida quanto
para o aprendizado. E, o que é ainda mais importante, a cooperação e as
redes locais e regionais mostram resultados promissores. Nas áreas urbanas,
principalmente, as mudanças demográficas e socioeconômicas, aliadas
aos efeitos cumulativos da pobreza, geraram ambientes sociais que desafiam
os educadores, profissionais de saúde física e mental, assistentes sociais,
líderes comunitários e autoridades encarregadas da formulação de políticas
a inventar novos tipos de respostas (institucionais).
Até este ponto, vimos tentando descrever algumas das
características das políticas européias que tratam da questão dos jovens,
bem como os resultados alcançados por elas. De fato, a necessidade que
hoje sentimos de enfoques mais amplos e integrados, relativos tanto à
política quanto à prática das escolas, deve-se, em parte, ao fracasso dos
enfoques fragmentários e voltados para a oferta. Enfoques alternativos
têm que ser desenvolvidos, em especial nas áreas urbanas, uma vez que
as escolas e as demais instituições não são capazes de atender às complexas
necessidades dos jovens de hoje. Uma proporção significativa da população
escolar não irá alcançar sucesso sem transformações maciças nas maneiras
pelas quais os jovens são educados, assistidos e atendidos. Formular o
problema é mais fácil que conceber estruturas e estratégias para solucioná-
lo. Para que as crianças venham a se tornar membros bem-sucedidos da
sociedade, precisamos de novas maneiras de empregar os recursos da
comunidade. Muitos afirmam que, para que as instituições de serviços
humanos que trabalham em ambientes urbanos se tornem mais eficientes,
elas terão de ser reestruturadas de forma a complementar e coordenar a
assistência oferecida pelas escolas às crianças e suas famílias. Felizmente,
estão surgindo novas e promissoras parcerias entre os serviços educativos
182
e os serviços de assistência voltados às crianças, aos jovens e às famílias
em situação de vulnerabilidade.

Integração de Serviços e Escolas de Serviços Múltiplos


As transformações demográficas, sociais e culturais em curso
incentivaram os governos da Europa, dos Estados Unidos e do Canadá a
examinar o impacto exercido pelas novas realidades sociais sobre as
famílias, crianças e jovens, e a adaptar ou modificar os sistemas de
fornecimento de serviços, para fazer face às novas necessidades criadas
por essas realidades (Hodginkson, 1989; Mawhinney, 1995; Corrigan e
Udas, 1996; Van Veen, 1996). Como os sistemas educacional, de serviços
sociais e de saúde se expandiram e vêm-se tornando crescentemente
especializados, ficou agora claro que diversas agências fornecem serviços
às mesmas crianças e famílias e que, freqüentemente, falta coordenação e
funcionalidade à oferta profissional de serviços específicos e ao
fornecimento eficiente desses serviços (Hodgkinson,1992; Corrigan e
Bishop, 1997). Desde os anos 50, o processo de profissionalização dos
serviços humanos e de saúde, com suas características de diferenciação,
especialização e divisão de trabalho, está projetando longas sombras. O
atual sistema de provimento de serviços relativos à criança é fragmentado
e muitas vezes marcado por duplicação, desperdício e falta de coordenação.
Essa situação gera grandes dificuldades e riscos, principalmente para as
crianças vulneráveis, que chegam à escola com problemas múltiplos que
perpassam os sistemas convencionais de saúde, de assistência social e de
educação, problemas esses com os quais a escola, por si só, não está
preparada para lidar. Muitas dessas crianças passam despercebidas e
acabam por não receber os serviços de que precisam (Kirst ,1990).
Ao longo de muitas décadas, educadores visionários vêm tentando
desenvolver escolas que, em sua opinião, seriam mais eficazes, mais
produtivas, mais eficientes e orientadas para atender às necessidades de
uma população diversificada. O tempo e a criatividade geram novos
vocabulários com cada oscilação do pêndulo. No entanto, a realidade
indica que estamos vivendo em uma sociedade onde a mitologia das
mudanças é mais evidente que a realidade das mudanças (Georgiades,
1991, p. 106). Tanto as práticas de implementação quanto as pesquisas
mostram que, na maioria dos casos, a mudança não passa de um mito.
183
Isso, em parte, se deve ä falta de abordagens mais sistêmicas e cooperativas,
e também lideranças e políticas direcionadas a transformações e inovações
educacionais (Day, Van Veen e Sim, 1997).
No decorrer das duas últimas décadas, muitas estratégias e
modelos foram implementados com o objetivo de elevar os padrões
através do aperfeiçoamento dos professores e do ensino: estabelecimento
de padrões, provas referenciadas a critérios e normas, desenvolvimento
profissional, desenvolvimento organizacional, desenvolvimento
curricular, melhorias escolares, redes de reforma escolar, escolas eficazes,
descentralização da administração e do gerenciamento, e restruturação.
Não seria difícil acrescentar novos exemplos a essa impressionante lista
de “inovações”. Mais difícil, contudo, é avaliar essas estratégias e modelos
em termos de sua eficácia e eficiência. Tendemos a plantar muitas
árvores de inovação, para então derrubá-las caso não lancem raízes de
forma suficientemente rápida. Em muitos casos, não há esforço
sustentado. Estratégias únicas e isoladas, desenvolvidas para resolver
problemas existentes dentro do atual e já falido sistema educacional,
vêm e vão. O sistema educacional foi construído basicamente para servir
ao terço superior do corpo estudantil, destinado a prosseguir até os níveis
mais avançados de educação acadêmica ou profissional; para tolerar o
outro terço, que permanecerá na escola, porém sem aprender nada que
venha a ser de grande utilidade para eles após a formatura; e a reprovar
pelo menos um terço da população estudantil que, originalmente, lá
chegou para ter aprendizagem. Remediar um sistema defeituoso consome
tempo e dinheiro, e os resultados muitas vezes são fracos. Há falta de
enfoques amplos, sistêmicos e de longo prazo – programas de renovação
baseados num novo conceito de educação e escolarização – e são exceção
à regra os esforços a eles associados de aperfeiçoar a educação e o
desenvolvimento profissional de professores, diretores e
paraprofissionais, visando levar a melhores práticas em escala mais
ampla. No entanto, exemplos de boas práticas e de novos conceitos
estão surgindo, e um notável corpo de conhecimentos experimentais e
científicos está hoje disponível para apoiar os esforços de reformular e
aperfeiçoar a prática educacional.
Em anos recentes, uma vertente importante das políticas e das
práticas criadas para fazer face aos problemas da crescente desigualdade
184
e de suas conseqüências para as escolas e para as famílias, e também da
fragmentação das profissões assistenciais e da prestação de serviços, vem
propondo sistemas de educação, saúde e assistência humana centrados
na criança e na família. Há consenso amplo de que as escolas têm de
encontrar novas abordagens que propiciem a coordenação e a integração
dos serviços. Uma vez que as escolas mantêm um contato de longo prazo
com a maioria das crianças e de suas famílias, elas são o portal lógico para
a oferta de serviços múltiplos a essas crianças. Em alguns países, como os
Estados Unidos da América, talvez seja correto falar do “movimento de
serviços integrados”, enquanto em outros, como a Holanda, o Canadá, a
Espanha, a Inglaterra e Portugal, esse movimento de serviços integrados
ainda não existe, embora haja uma longa tradição, bem como o
compromisso de longo prazo de melhorar a vida das crianças e das famílias
de risco por meio de parcerias que compartilham a mesma visão e de
estruturas e práticas de trabalho cooperativas, que têm lugar em ambientes
especiais e, por vezes, até mesmo em instituições normais e tradicionais.
A idéia de que a colaboração entre educadores e outros
profissionais, clientes, líderes comunitários e autoridades incumbidas da
formulação das políticas é de importância crucial para a transformação
dos sistemas de prestação de serviços educacionais, de saúde (mental) e
de assistência social que atendem a crianças e famílias vem ganhando
aceitação cada vez maior entre as partes interessadas. Na maioria dos
países industrializados, essa crença é compartilhada por muitos e, apesar
das diferenças de contextos socioeconômicos, culturais e de outros tipos,
gera um ímpeto que estimula e dá sustentação a novas experiências de
colaboração entre diferentes agências, serviços diversificados sediados
na escola ou a ela vinculados e escolas comunitárias que prestam
assistência às famílias. De fato, muitos países têm grande necessidade de
abordagens sistêmicas e cooperativas. Experimentos vêm sendo realizados
quanto à integração dos serviços, tanto os sediados na escola quanto os a
ela vinculados, e já estão começando a se acumular pesquisas sobre as
características dos diversos programas, sua viabilidade e eficácia, e sobre
questões de implementação, administração e gerenciamento (Adler e
Gardner, 1993; Crowson e Boyd, 1993 e 1995; Cibulka e Kritek, 1994;
Dryfoos, 1994; Mawhinney, 1994; Corrigan e Udas, 1996; Dryfoos, Brindis
e Kaplan, 1996; Lawson e Briar-Lawson, 1997).
185
A integração dos serviços é um modo coordenado e sistêmico de
tratar das necessidades das crianças, dos jovens e de suas famílias, por meio
da oferta de um amplo espectro de serviços educacionais, de saúde e de
assistência humana. Nesses programas, as escolas são o fulcro de uma rede
coordenada de prestadores de serviços, e o elo de ligação entre esses
prestadores de serviços e as crianças e suas famílias. Os programas de
serviços integrados com base nas escolas têm como foco a prevenção, a
promoção do bem-estar das crianças e de suas famílias e a oferta de serviços,
inclusive aqueles que removem as barreiras à aptidão escolar e ao sucesso
acadêmico (Centro de Pesquisas, 1992). Não há um modelo único para
esse serviços integrados sediados nas escolas ou a elas vinculados. Alguns
programas são sediados nas escolas, e os serviços são fornecidos no local
por pessoal da própria escola, enquanto outros programas fornecem serviços
nas agências comunitárias, nos ambulatórios de serviços humanos ou na
própria casa do aluno. Os programas-modelos são centrados nas crianças,
têm como foco a família, são direcionados à prevenção, têm como base a
comunidade e são sensíveis a suas necessidades. Além disso, eles oferecem
um espectro amplo de serviços, evitam duplicações e hiatos por meio da
comunicação entre os prestadores de serviços e da colaboração entre eles
e, freqüentemente, se caracterizam por uma administração conjunta, por
financiamento e planejamento integrados e por constante treinamento e
desenvolvimento profissional de suas equipes. A colaboração e a
coordenação entre prestadores de serviços humanos e educacionais são as
características fundamentais dos programas de serviços integrados e
vinculados às escolas que obtiveram êxito. Na primeira fase de
experimentação, o movimento pela integração dos serviços com sede nas
escolas revelou enfoques promissores e, simultaneamente, limitações graves.
Entre essas limitações estão a falta de coordenação entre as políticas e as
práticas dos prestadores de serviços de assistência, a natureza centrada na
criança de boa parte da prestação de serviços, a incapacidade de tratar das
causas fundamentais e de fazer uso dos conhecimentos das próprias famílias,
crianças e jovens. O desafio consiste na integração dos sistemas escolares e
dos sistemas de aprendizado e de serviços que têm como base a comunidade.
Não é difícil escrever sobre a história, as características e as diferentes
faces desse movimento. Muito mais desafiador é desenvolver estruturas de
serviços amplos e adequados ao contexto e aos problemas em pauta; formular
186
estratégias de implementação e desenvolver estruturas de apoio, bem como
as demais condições necessárias para surtir efeito sobre as vidas das crianças
e das famílias e também as condições de trabalho dos profissionais que
lidam com crianças provenientes de ambientes de risco e suas famílias. Muitas
perguntas ainda continuam sem resposta, e muitas outras ainda irão surgir,
a partir dos experimentos embasados em pesquisas e das discussões entre
colegas e entre todas as partes interessadas. Pesquisas comparativas e
parcerias transnacionais nos campos da pesquisa, análise política e
aperfeiçoamento de práticas contribuem para nossa compreensão dos
diversos programas desse tipo, bem como do êxito de sua implementação
(Day e Van Veen, 1996; Van Veen, Day e Walraven, 1998). As pesquisas
mostram que é possível transformar as pedras do caminho em degraus, e
construir duradouras e bem-sucedidas relações de colaboração, visando ãs
boas práticas de ensino e aprendizagem. As implementações e as descrições
de casos de boas práticas, se embasadas em pesquisas, são instrumentos
poderosos para energizar a renovação necessária para a superação da atual
crise do ensino. Políticas educacionais facilitadoras, tanto em nível local
quanto em nível nacional, são de importância crucial para que esses esforços
tenham continuidade, garantindo seu impacto futuro sobre as condições de
trabalho da comunidade educacional.
No entanto, é óbvio que, na prática, as condições fundamentais
para a experimentação e a implementação em geral não são suficientes
para promover as mudanças necessárias. A visão é de importância vital,
embora ela deva vir acompanhada pelo desenvolvimento de estratégias e
de planos operacionais, contando com a colaboração de pais, professores
e dos outros profissionais e paraprofissionais afetos à questão. Para prestar
apoio a esses esforços, as universidades e as autoridades encarregadas da
formulação das políticas educacionais têm de entrar em contato e colaborar
com as escolas e comunidades, além de praticar, por intermédio de
parcerias, uma colaboração ativa com os pais, professores e estudantes
que vivem, trabalham e estudam em condições difíceis. Construir
capacidade de mudança é de extrema importância.
Muitos países, em suas agendas, conferem alta prioridade a essa
vinculação entre as escolas e os diversos serviços de atendimento a crianças
e famílias em situação de risco, bem como aos diversos tipos de parcerias
que buscam a reforma das escolas urbanas. A necessidade de ampliar essas
187
parcerias de atendimento às crianças, jovens e famílias, por meio da
colaboração entre as diferentes práticas profissionais e a integração dos
serviços é evidente. No entanto, a proliferação desses serviços integrados
sediados ou vinculados às escolas vem- se acelerando em ritmo mais intenso
que a produção de pesquisas e de resultados de avaliações. As pesquisas
são encorajadoras, embora não apresentem provas conclusivas de sucesso,
e as pesquisas sobre impacto têm-se mostrado menos consistentes. Os
conceitos e os modelos amplos de reforma sistêmica, integração de serviços
e de desenvolvimento comunitário carecem de esclarecimentos adicionais.
Acreditamos que as futuras reformas escolares de natureza ampla e
cooperativa, bem como as reformas da educação profissional que tenham
como base trabalhos de pesquisa, exigem comunidades de práticas que
contem com a participação de todos os interessados.
Com base em nossa própria experiência, chegamos a três
conclusões:

1. Tentar reformar a prática profissional sem reformar também


as atividades de treinamento e desenvolvimento não irá trazer bons
resultados. No presente momento, há poucas interações e parcerias
entre os departamentos universitários de educação, de saúde e de
serviços humanos visando ao desenvolvimento e à implementação
de seus respectivos currículos profissionais. Se não pautarmos a
atitude cooperativa nos setores de pesquisa e treinamento das
diversas profissões, é pouco provável que os futuros prestadores
de serviço venham a entender a importância dessa coordenação,
ou estejam preparados para funcionar dentro dos novos sistemas
unificados (ver Corrigan, 1995). As escolas de amanhã serão o
centro de uma rede comunitária destinada a facilitar o acesso aos
diversos componentes do sistema de prestação de serviços
humanos. Elas se constituirão em escolas de “serviços múltiplos”
ou de “serviços totais”. Essas escolas talvez venham a ser os
melhores lugares para dar início ao treinamento e às pesquisas
interprofissionais, porque é nelas que estará localizado o ponto de
contato entre as diferentes áreas profissionais. Elas possuem grande
potencial como centros de educação profissional de serviços
múltiplos enfocados nas escolas, e também como veículos para o
aperfeiçoamento dos sistemas de fornecimento cooperativo.
188
2. Antes que as escolas ou redes de escolas possam colocar em
prática suas funções e seu potencial, muitas barreiras terão de ser
superadas. Os líderes educacionais, as autoridades encarregadas
da formulação das políticas e os coordenadores do setor de
atendimento à juventude precisam receber apoio, para poder
facilitar as parcerias no planejamento e na prestação de serviços.
Programas de serviços integrados e educação interprofissional
necessitam ser priorizados, de modo a oferecer assistência às
crianças, famílias, escolas e comunidades em situação de risco.
Essas duas questões exigem respostas apropriadas por parte do
governo, do setor de educação superior e das agências participantes,
e elas têm de ser tratadas agora.
3. Na Holanda, a descentralização da formulação de políticas
educacionais relativas às escolas, aos distritos e às cidades, e
também no caso dos serviços de saúde e de assistência à
juventude em cidades e províncias, criou o ambiente para uma
visão política ampla, cooperativa e coesa, e para iniciativas nas
quais os sistemas de prevenção, inter venção precoce e
assistência encontram-se relacionados. Constam dessas
iniciativas a melhoria dos locais e das condições de trabalho
dos profissionais, a reformulação dos papéis de liderança e das
responsabilidades das diversas áreas profissionais e a
necessidade de aperfeiçoar a infra-estrutura (social) de nível
regional. Para que esses objetivos sejam atingidos, é necessário
enfocar tanto as escolas quanto a comunidade e os recursos
regionais. Na Holanda, e em Amsterdã, em particular, essa
tendência, acrescida da necessidade de otimizar o uso de recursos
limitados, implica criar vínculos entre escolas ,e até mesmo redes
de escolas, gerando assim lideranças educacionais colaborativas.
Esse enfoque inclui desde estratégias escolares de construir arcas
para enfrentar as tempestades, até uma nova formulação dos
sistemas e da infra-estrutura social regional, visando ao
desenvolvimento e à implementação de parcerias entre a
educação, a saúde e os serviços humanos nas escolas, de modo a
salvaguardar e manter as melhorias do ensino e da prestação de
serviços de apoio às crianças, aos jovens e às famílias.
189
O Aperfeiçoamento da Infra-estrutura Social de Amsterdã
A parte final de minha apresentação tratará das respostas
estratégicas e operacionais da Cidade de Amsterdã em relação ao
aperfeiçoamento da infra-estrutura social, buscando a interconexão dos
sistemas de prevenção, intervenção precoce e assistência.
Na Holanda, as iniciativas passadas e presentes, desenvolvidas
para fazer com que as escolas funcionem em benefício das crianças, têm
como foco principal estratégias internas ao sistema educacional. Nos
últimos anos, o conceito de escolas de serviços múltiplos, ou “escolas
amplas”, como nós as chamamos, vem dando origem a uma nova agenda,
que inclui novas parcerias entre os serviços de saúde e os serviços
humanos. Vêm surgindo novas práticas e diferentes modelos, que englobam
o enriquecimento do currículo, a ampliação da programação diária
(enfoque recreativo ou ênfase no desenvolvimento), o apoio às famílias e
a assistência às crianças, a educação de adultos e o fortalecimento
comunitário. Muitas escolas, entretanto, não possuem a capacidade de,
por si mesmas, sustentarem essas mudanças e esses avanços. Pesquisas
anteriores mostraram que precisamos de um enfoque diferente em relação
às reformas escolares e sistêmicas como um todo. O elemento-chave é a
idéia de redes de escolas _ grupos de escolas funcionando conjuntamente
para o aperfeiçoamento do sistema educacional e para desenvolver e
manter parcerias com os pais e com outros recursos da comunidade,
incluindo os serviços de saúde e os serviços humanos. As estratégias de
reforma têm de enfocar tanto as redes de escolas como a colaboração
com as famílias, os serviços de saúde e de assistência humana e os demais
recursos comunitários. Esse enfoque dá ênfase à importância da
construção de capacidades, como parte de inovações infra-estruturais mais
amplas, que visam a desenvolver uma melhor infra-estrutura social. Além
do mais, cidades e comunidades que se preocupam com a educação e a
assistência necessitam novas formas de liderança (lideranças educacionais
e não apenas lideranças escolares) e novas formas de desenvolvimento e
implementação de políticas.
Essa tendência traz vastas implicações quanto às práticas atuais
do cenário de assistência aos jovens, no sentido de que ela consiste num
enfoque preventivo e voltado à intervenção precoce, e no apoio às famílias
e escolas, fundamentado nas necessidades das crianças, das famílias e
dos profissionais que lhes prestam atendimento direto, na necessidade de
desenvolver diferentes programas e novas maneiras de prestação de
serviços, nas práticas de trabalho interdisciplinares e cooperativas, etc.
190
Na Holanda, o sistema de assistência aos jovens vem sendo bastante lento
no desenvolvimento de relações estruturais com o sistema educacional.
No ensino primário, criamos as chamadas equipes consultivas de
assistência à juventude, que trabalham junto às redes de escolas. No ensino
secundário, uma iniciativa semelhante está ocorrendo.

Características:
• os serviços de assistência aos jovens são planejados para serem
complementares aos atuais serviços de apoio educacional voltados
às crianças e a suas famílias, e oferecidos nas escolas e nas
residências dessas famílias ou em suas redondezas. Isso significa
que cada uma das escolas (estrutura interna de apoio mais agência
de serviços educacionais mais serviço escolar de atendimento à
saúde), as redes regionais de escolas (mais as escolas e os programas
especiais e os especialistas em educação) e o sistema de assistência
à juventude desenvolvem uma relação estrutural.

Desafios
• considerar os problemas, as necessidades e os objetivos
identificados pelas crianças, pelas famílias e pelos professores como
sendo de importância central no processo de ativação da auto-
ajuda, do apoio comunitário e profissional e da prestação de
serviços, e de um apoio imediato, concreto e flexível que melhore
as condições de vida e de aprendizagem, e também da colaboração
entre as diferentes agências, independentemente de consultas;
• colocar especialistas de alta qualidade trabalhando nas escolas
e em suas redondezas (inclusive, na linha de frente, psiquiatras de
crianças e adolescentes!);
• criar lideranças cooperativas nas políticas e na prática, e não
apenas lideranças educacionais (construção de capacidades nas
escolas, redes de escolas, comunidades e autoridades locais),
construindo escolas democráticas e preocupadas com o bem-estar
dos alunos; conferir mais poder aos pais, alunos e professores e
apoiar a colaboração entre as escolas, entre as escolas e os serviços
de saúde o os serviços humanos e entre as escolas, as famílias e as
comunidades em geral;
191
• distribuir as verbas adicionais entre os serviços de assistência
à juventude;
• criar sistemas regionais de prevenção, intervenção precoce e
assistência;
• colocar profissionais de qualidade trabalhando nas linhas de
frente.

Os serviços de saúde e os serviços humanos sediados na escola


ou a ela vinculados não devem ser vistos como fazendo parte de uma
agenda separada da missão educativa, que visa ter impacto no desempenho
acadêmico dos alunos. Em termos de política, prática e pesquisa, esses
dois objetivos têm de ser vistos como parte de um continuum de
intervenções que compreende um componente integrado para fazer face
às barreiras e maximizar a aprendizagem e o bem-estar (Adelmann e Taylor,
1997). Na Holanda, um número crescente de experimentos de campo
vem adotando essa posição. A descentralização da autoridade educacional
em escolas, distritos e cidades e, no caso dos serviços de saúde e de
assistência aos jovens, às cidades e províncias, pede uma visão política
ampla, cooperativa e coesa, na qual os sistemas de prevenção, de
intervenção precoce e de prestação de assistência estejam interligados.
Esses esforços incluem melhorias dos locais e das condições de trabalho,
bem como das responsabilidades dos profissionais (Lawson, 1998),
reformulação dos papéis de liderança e aperfeiçoamento das infra-
estruturas (sociais) regionais (Van Veen, 1999). Para tal, o foco deve ser
colocado nas escolas, nas redes de escolas e nos recursos regionais.
Para concluir, as políticas adotadas pela Cidade de Amsterdã
deixaram de enfocar projetos escolares isolados e de abrangência limitada,
passando a adotar estratégias de componentes múltiplos, centradas nas
crianças e nas famílias, que sejam sediadas nas escolas ou a elas vinculadas
e estejam inseridas numa abordagem regional e infra-estrutural. Esse
enfoque demanda um planejamento político amplo no nível urbano e
provincial, fortes parcerias entre as cidades e as partes interessadas
(conselhos escolares, instituições de serviços de saúde e serviços humanos)
e uma clara definição de papéis, tarefas e responsabilidades entre todos
os participantes. O foco da política para a juventude não recai em
programas e instituições que tenham como alvo uma percentagem de 5 a
192
15% da população, os chamados jovens de risco, mas sim em dar apoio às
crianças e famílias e, igualmente, aos profissionais que trabalham em
instituições regulares, principalmente em escolas, para que todos eles
possam funcionar melhor. Ainda é cedo para avaliar esse enfoque em
termos de processos e resultados, e também em termos de sua eficácia e
eficiência. Não estamos prontos para afirmações ousadas nem para
conclusões peremptórias. Contudo, permanece o fato de que, no curto
período de quatro anos, já há importantes sinais de progresso, bem como
produtos e criação de estruturas para desenvolvimento, teste e avaliação
dos modos de operação. Lições importantes foram aprendidas sobre os
obstáculos, as limitações e os elementos facilitadores. Melhores resultados,
mudanças organizacionais e impactos políticos estão surgindo. Já temos
provas de que essas inovações lançaram raízes e têm capacidade de
permanecer. Felizmente, o governo holandês apóia essas novas práticas.
Para facilitar a implantação nos níveis local e regional, os
Ministérios da Saúde e do Bem-estar, da Saúde e dos Esportes criaram,
no NIZW, um centro nacional para parcerias de Educação e Assistência
aos Jovens. Além disso, a nova Lei de Assistência à Juventude, que irá ao
Parlamento em junho, cria as condições necessárias para tal. Mesmo assim,
um assustador volume de trabalho e de aprendizado ainda estão pela frente.

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196
8. O PROJETO DE SEVILHA CONTRA A
VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS: UM
MODELO DE INTERVENÇÃO
EDUCACIONAL DE NATUREZA
ECOLÓGICA
1
Profª Rosario Ortega

TORNANDO VISÍVEL O PROBLEMA


DA VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS

Como tantas vezes ocorre no campo das ciências sociais, o trabalho


em psicologia educacional exige que o fenômeno em questão seja visto
como importante. Um certo grau de consenso social é necessário com
relação à matéria em estudo, e é preciso que haja alguma consciência
sobre o problema, para que os pesquisadores sintam que o objeto de sua
investigação não é nem secreto nem ilegítimo, enfrentando a questão tal
qual ela se apresenta. A violência era um assunto que costumava provocar
certa ambivalência moral, especialmente quando se tratava da violência
entre crianças. O tema ainda permanece sendo tabu. A simples menção
da violência nas escolas ainda causa uma espécie de rejeição, embora, em
inícios dos anos 90, essa rejeição fosse mais aguda do que é agora.
Mesmo assim, era hora de levantar o véu desse misto de ignorância
e ingenuidade; era hora para isso a que Gil Calvo (1996) chama de a
“visibilidade” do fenômeno avançar para o primeiro plano, para que o
problema adquirisse entidade social, tornando evidente a necessidade de
investigá-lo. Essa questão tem de ser colocada com sensibilidade extrema,
para que ela possa ser examinada da forma correta. De outra forma, a

1 Professora de Psicologia Educacional e Desenvolvimental da Universidade de Sevilha, e responsável,


nessa Universidade, pelo Projeto Europeu sobre a Natureza e a Prevenção da Intimidação por Colegas
e da Exclusão Social (ERB-FMRX-CT97-139. Comissão XII da União Européia).

197
mensagem transmitida estará eivada de erros e de hiatos de informação.
Somente quando a sociedade vier a aceitar que esse é um problema grave,
embora não necessariamente drástico, e admitir sua presença nas escolas
como uma instituição social, o pesquisador psicoeducacional poderá,
finalmente, reivindicar legitimidade para seu objeto de estudo. A primeira
pesquisa de nossa equipe, focalizando os maus-tratos entre colegas, foi difícil
de ser realizada, uma vez que o problema era visto como demasiado
insignificante para merecer atenção, ou visto unicamente como um distúrbio
de comportamento presente em algumas crianças (mais nas vítimas que
nos agressores), ou mesmo como algo que sequer existia, não justificando
qualquer esforço de pesquisa. Essa atitude está em flagrante contraste com
o interesse pelo problema surgido em nosso país há quase dez anos.
Atualmente, é o próprio Defensor do Povo do Estado Espanhol, juntamente
com o UNICEF, e sob a direção de uma equipe de pesquisadores da
Universidade Autônoma de Madri (Del Barrio et al., 1999), que financia e
executa um estudo sobre a existência de maus-tratos entre alunos.

O PRIMEIRO TRABALHO DE PESQUISA NA


ESPANHA

No decorrer do ano acadêmico de 1991-92, em cooperação com o


Professor Smith, então lecionando na Universidade de Sheffield, e contando
com apoio financeiro do Programa de Ações Integradas Espanha-Reino Unido,
executamos um primeiro estudo exploratório sobre esses problemas, sob o
título provisório de “más relações interpessoais na escola”. A intimidação foi
então situada como um problema de intimidação e vitimização; suas
características foram descritas com algum grau de detalhe aos alunos que
responderam ao questionário, de forma a evitar confusão com outros
fenômenos, como falta de disciplina, turbulência, distúrbios de comportamento
pessoal, etc. No entanto, algumas dúvidas ainda permaneceram: teria sido o
problema sido corretamente entendido, dada a falta de tradição da questão e
a falta de vocabulário cotidiano para designá-lo?
Esse primeiro trabalho, que foi visto como uma experiência-piloto
(Ortega, 1992), consistiu num estudo descritivo que deixou claro que o
fenômeno das más relações e os episódios de ofensas verbais, abuso de
poder, assédio psicológico, intimidação, ameaças e maus-tratos em geral
ocorridos entre colegas não apenas não estavam ausentes de nossas escolas
198
como também estavam presentes de modos muito semelhantes aos
descritos por investigações levadas a cabo em outros países (Olweus,
1978; Smith e Sharp, 1992; Hirano, 1992, Haselager, 1992).
Àquela época, as principais dificuldades teóricas relativas a esses
fenômenos já se faziam presentes: sua definição como problema escolar,
a necessidade de encontrar um enquadramento conceitual no qual ele
pudesse ser interpretado, as dificuldades metodológicas de estudá-lo e
também de considerá-lo como um problema psicológico, social e
educacional. Todos esses aspectos teriam de ser esclarecidos antes que
modelos educacionais e preventivos pudessem ser formulados. No
entanto, parecia errado devotar todo o nosso tempo à investigação, sem
oferecer, pelos menos provisoriamente, algumas alternativas de
intervenção. Isso porque a violência é nociva em si mesma e porque não
é moralmente correto saber que ela existe sem tentar eliminá-la. Desse
modo, já a partir dos primeiros estudos, o grupo de pesquisa da
Universidade de Sevilha sempre trabalhou sobre o problema em duas
direções: a pesquisa e a prevenção.
O simpósio “Bullying and Vicitmization in Several Countries” (Smith,
Lieshout e Olweus, 1992), ocorrido no âmbito da 5ª Conferência Européia
sobre Psicologia do Desenvolvimento, que teve lugar em Sevilha, em
setembro de 1992, foi o primeiro encontro científico a ser realizado sobre
esse problema em nosso país, e onde os resultados desse primeiro estudo
sobre o fenômeno da intimidação em nossa comunidade foram apresentados.
Se algo emergiu com clareza dessa reunião de especialistas foi a necessidade
de dar continuidade às pesquisas sobre a natureza do fenômeno, uma vez
que ele não poderia ser visto como meramente um problema pessoal dos
meninos e meninas envolvidos, mas como um problema social e escolar.
Foi igualmente ressaltado que a família, a escola e a sociedade em geral
eram áreas que precisavam ser exploradas como fatores que exerciam graus
variáveis de influência direta sobre o fenômeno. Por fim, todos nós
concordamos quanto à necessidade de aliar pesquisa e intervenção, uma
vez que esse é um problema que pode representar um obstáculo grave ao
desenvolvimento psicológico e social dos que são afetados por ele, e essa é
a razão pela qual as propostas de intervenção não deveriam ser rejeitadas.
Uma síntese desse primeiro estudo mostra dois tipos de resultados:
os dados descritivos que foram publicados dois anos depois (Ortega, 1994a
199
e 1994b) e os problemas e questões suscitados por esses resultados. Esse
primeiro estudo, executado por meio da aplicação do questionário criado
por Dan Olweus, cobriu uma amostragem de 859 alunos (284 de escola
primária e 575 de escola secundária). Os dados foram coletados em duas
escolas primárias e três escolas secundárias que, àquela época, eram escolas
de ensino supletivo, para alunos que já haviam ultrapassado a idade de
escolaridade obrigatória (dois colégios supletivos e uma escola
profissionalizante). Essa amostragem foi retirada de camadas da população
vivendo em condições econômicas e socioculturais de grande carência,
no caso dos alunos de escola primária, e de classe média e média-inferior,
no caso dos alunos de escola secundária.
Ao analisarmos os resultados, nossas hipóteses se viram
confirmadas: insultos, xingamentos e intimidação (bullying) verbal foram
as formas de maus-tratos mencionadas com maior freqüência, seguidas
de ameaças e maus-tratos indiretos, enquanto a violência física apareceu
em quarto lugar, e a exclusão e o isolamento social, em quinto. As meninas
foram mencionadas com menor freqüência que os meninos. As salas de
aula e o pátio de recreio apareceram como os lugares onde os atos de
maus-tratos e de intimidação ocorreriam mais freqüentemente.
O estudo mostrou também que os alunos não acreditavam que
seus professores tivessem conhecimento do problema, embora metade
deles tenha afirmado tê-los comunicado a esse respeito, e muitos terem
dito que viam os professores como as pessoas mais interessadas em pôr
fim à violência e aos abusos.
Ficou claro para nós que a gravidade do problema não era
uniformemente distribuída, dada a diversidade dos fatores em questão: a
consciência que tanto a vítima quanto o agressor têm do impacto moral
de seu comportamento; a violência com a qual ele ou ela é vitimado; e o
tipo de maus-tratos recebidos ou infligidos; a duração dessa vitimização;
os recursos que ele ou ela podem mobilizar para fazer face à vitimização;
a ajuda recebida e a rapidez com que essa ajuda chega.
Por exemplo, com relação à freqüência do fenômeno, encontramos,
já em nosso primeiro estudo, dois níveis de gravidade: a dos alunos que
são ou se sentem vitimados com muita freqüência (uma ou duas vezes
por semana) e a dos alunos que dizem que a vitimização ocorre de vez em
quando. Há diversas razões para considerar de modos diferentes a
200
experiência bastante comum de ser ocasionalmente submetido a insultos
ou ameaças, por um lado, e a experiência pouco comum de ser submetido
a isso de forma contínua, por outro. Um outro fator diferencial é a
combinação círculo de amigos-rejeição/maus-tratos. Se os maus-tratos
provêm de um grande número de pares, a vítima sente-se como se fosse
um bode expiatório numa situação generalizada de maus-tratos; ele ou
ela talvez não tenha amigos com quem compartilhar o problema e,
conseqüentemente, se vê numa situação de total isolamento social. Se
diversos fatores se acumulam, o resultado pode acarretar perturbações
psicológicas e morais graves na vítima. Se esse acúmulo não ocorre, os
efeitos são ainda negativos e cruéis, mas não tão perniciosos como os
acima citados. Por meio dessas distinções, podemos falar de uma situação
de maus-tratos graves, com conseqüências certamente nocivas, e de uma
situação que é menos grave, embora muito comum entre os alunos (cerca
de 35% afirmam que ela ocorre “de vez em quando”).
Meninas e meninos mais velhos percebiam que os professores
geralmente se mantêm à margem dessas questões (apenas 14% eram de
opinião que seus professores “quase sempre” intervinham para pôr fim
ao tratamento abusivo, enquanto 37% afirmaram que eles o faziam apenas
“às vezes”. Esse fato se mostra ainda mais alarmante quando visto do
ponto de vista dos “bullies” (intimidadores): 44% deles afirmaram que
nunca haviam sido repreendidos por seu comportamento ameaçador.
Mas, acima de tudo, esse estudo serviu para gerar perguntas e para
dar ênfase à necessidade de um aprofundamento da coleta de dados, cuja
análise deveria ir além do estudo descritivo, para pesquisar a consistência
da maneira com a qual os alunos se diferenciam entre vítimas, agressores
e espectadores da violência, vinculando os dados de suas percepções sobre
si mesmos como sendo mais ou menos ofendidos ou atacados por outros
com as nuances conferidas pelas características pessoais e sociais dos
alunos. Novas análises foram necessárias e os dados tiveram que ser
processados com um pouco mais de detalhe. Para tal, um campo conceitual
complexo teve que ser criado em torno do fenômeno, uma vez que este
não poderia ser considerado como um simples problema de mau
comportamento individual (entre os intimidadores) ou de déficit de
habilidades sociais (entre as vítimas). Nós , então, decidimos (Ortega
,1994a e 1994b) que, no mínimo, as áreas antes citadas, ou os elementos
201
a serem levados em conta para a compreensão do problema, teriam de
ficar estabelecidos. O primeiro deles era a própria existência do fenômeno
do que estamos considerando como maus-tratos (abuso de poder, insultos
e agressão verbal, ameaças, assédio e maus-tratos psicológicos; abuso
indireto tais como boatos, exclusão social ou isolamento, agressão física,
vandalismo, roubo, etc.) O segundo era o grau de envolvimento e seu
nível de ocorrência em cada escola, que nos dariam uma visão geral da
presença do fenômeno numa escola, e também uma certa idéia do risco
de algo realmente sério vir a acontecer num dado momento.
O terceiro elemento era a ocorrência de cada um desses tipos de
comportamentos violentos, fornecendo-nos uma idéia do grau de
deterioração dos alunos afetados. O quarto era a identidade dos agressores
e das vítimas, e o tipo de relações estabelecidas entre eles (por que eles
estão juntos, se a vítima pode evitar o intimidador, de quem e de que isso
dependeria, etc.).
Os lugares onde os maus-tratos tendem a ocorrer são de grande
importância, pelas razões anteriormente .descritas. Como é possível que
quase metade dos incidentes ocorram na própria sala de aula e, portanto,
na presença dos professores? Foi por essa razão que decidimos que esta
seria a quinta área. A sexta foi a sensibilidade moral para as atitudes de
todas as meninas e meninos, não apenas das vítimas e agressores, mas
também dos espectadores e dos alunos de modo geral. Esse tipo de
informação merece interesse, pois, se esse fenômeno for visto como um
comportamento infantil inconseqüente e normal, ninguém tomará medidas
para evitá-lo e, por outro lado, se ele for visto como algo errado que deve
ser evitado, as pessoas tenderão a se mobilizar contra ele. É sempre
interessante fazer uma interpretação moral de um problema que, em si, é
uma questão ética: cometer violência contra outros é moralmente
inaceitável, e mais ainda se não encontrar justificativa.
Por fim, o sétimo e último campo relacionava-se às opiniões,
atitudes e comportamentos dos professores. Somente se os professores
tiverem conhecimento do problema e aceitarem que é preciso pôr fim a
ele, poderemos vislumbrar a possibilidade deste vir a ser erradicado.
Nosso trabalho sobre esses dados e sobre as dificuldades colocadas
por eles nos levou a adotar uma postura conceitual fundamentada na
complexidade do problema, tornando a pesquisa tanto mais interessante
202
quanto mais complicada para nós. A partir daí, teve início, para nossa
pequena equipe, uma peregrinação por assembléias, administrações e
instituições que poderiam se interessar pelo problema e atuar como uma
estrutura de trabalho que servisse de base a nossos estudos.
Paralelamente, realizamos novas análises dos primeiros dados
descritivos (Ortega e Mora-Merchán, 1995, 1996, 1997; e Mora-Merchán
e Ortega, 1997 e 1998), de modo a ajustar a definição do problema e os
perfis de seus protagonistas (vítimas, agressores, vítimas agressivas e
espectadores de diversos tipos), bem como a avaliação necessária de sua
presença em nossas escolas. Encontramos os resultados apresentados a
seguir quando cruzamos as respostas e verificamos a consistência da
autodefinição dos alunos em relação às condições de cada protagonista
(Mora-Merchán e Ortega, 1995): 22% dos alunos foram de opinião que o
problema não os afetava, embora 90% tivessem pleno conhecimento dele;
10% das meninas e meninos se disseram vítimas ao longo de todo o
questionário (iremos chamá-los de vítimas “puras” em nossa terminologia
interna rudimentar, porque eles nunca se vêem como intimidando outros);
20% se viram como agressores, sem jamais se descrever como vítimas (os
consideramos como agressores “puros”); e, por fim, a maioria dos alunos
participantes consideraram a si próprios como simultaneamente vítimas e
agressores (os denominamos “ambivalentes”, agressores intimidados ou
intimidadores-vítimas).
O estabelecimento dessa tipologia como resultado da análise da
consistência das respostas às diversas perguntas confirmou a complexidade
do problema e a dificuldade de seu estudo. Usando processos de
autodenominação, verificamos que a percepção de ser vítima de outros
nem sempre é clara (muitas crianças que não se consideram afetadas pelo
problema, quando perguntadas se já haviam sofrido intimidação, admitiram
que já foram submetidas a implicâncias ou a agressões injustificadas e
vice-versa). Isso nos levou a crer que uma simples investigação, mesmo
se efetuada nas melhores condições possíveis de anonimato e
confidencialidade, não seria suficiente. O grau de consciência quanto a
quais comportamentos deveriam ser vistos como maus-tratos e quais não
passavam de brincadeiras teve influência sobre as respostas.
No entanto, estabelecer a primeira tipologia de quatro grupos foi
de grande utilidade, embora tenha ficado progressivamente mais evidente
203
que cada um desses tipos continha vários papéis. Há muitas maneiras de
se sentir a vítima de outros ou espectador de maus-tratos (participando,
dando apoio e estímulo ao agressor, ajudando a vítima quando possível,
permanecendo frio e indiferente, genuinamente não se sentir atingido pelo
problema, desconhecer sua existência, etc.).

O PROJETO DE SEVILHA PARA LIDAR COM A


VIOLÊNCIA ESCOLAR

Em 1995, dirigimo-nos à assembléia geral do Plano de P&D do


Estado Nacional e obtivemos financiamento para efetuar uma pesquisa
de larga escala sobre o problema, para apresentar uma proposta de
intervenção educacional que pudesse ser adaptada às características de
nosso sistema educacional. Essa pesquisa viria a ser o Projeto de Sevilha
para Lidar com a Violência Escolar (Sevilla Antiviolência Escolar, ou
SAVE). Nesse projeto, tivemos à nossa disposição uma amostragem muito
ampla de crianças de escolas públicas e pudemos contar com a colaboração
de seus professores, para buscar possíveis alternativas educacionais
exigidas pelo complexo problema da violência escolar.
Muitos estudos descritivos estão sujeitos a tendências ideológicas
muito individualistas, e as tendências metodológicas psicométricas nem
sempre são compreensíveis, embora de fato forneçam informação. Essa é
a falha de muitos estudos psicoeducacionais, concebidos para atender às
solicitações dos professores, que pedem ferramentas conceituais e
metodológicas que façam com que eles sintam que, ao entregarem suas
escolas e seus alunos a um trabalho de pesquisa, eles terão, como retorno,
informações e conhecimentos gerais que lhes sejam úteis. O projeto SAVE
foi concebido para evitar esse problema, tendo sido executado com a
colaboração da equipe docente das escolas participantes, levando em conta
o fato de que um plano de intervenção teria que ser formulado com base
no trabalho de pesquisa atingido no segundo ano do estudo. Os dados
também passariam a ser analisados a partir desse momento, e sabíamos
que seria necessário ir além do descritivo, tentando encontrar as relações
que porventura existissem entre o fenômeno e as condições e
características dos indivíduos, das escolas e das famílias.
Embora o projeto original consistisse no estudo de dez escolas, a
conscientização sobre os problemas da indisciplina e dos comportamentos
204
incontroláveis, que já então havia se generalizado nas escolas, fez com
que nossas expectativas fossem superadas, e 26 centros foram afinal
examinados. Também foi importante a influência de um procedimento
concebido para atrair a atenção dos diretores: a participação da Delegação
do Conselho Regional de Educação num seminário informativo.

O SEMINÁRIO DE CONSCIENTIZAÇÃO

O Diretor de Orientação Educacional local enviou


correspondência aos diretores das escolas escolhidas pela própria
Delegação. O seminário, consistindo de três sessões de quatro horas,
teve como objetivo conscientizar sobre o problema e delimitar áreas
específicas por meio da apresentação de dados confiáveis sobre a questão,
bem como buscar a colaboração das equipes que desejassem dar início
a um processo de intervenção, que estaria necessariamente vinculado a
um trabalho de pesquisa.
Após o seminário, demos aos professores tempo para refletir e
decidir quanto a se engajar ou não no projeto, que havia sido apresentado
como uma tarefa conjunta, envolvendo pesquisadores e professores. Após
esse período de reflexão, 23 escolas deram resposta afirmativa. A maioria
delas situava-se em áreas descritas pela administração como Zonas de
Interesse Preferencial (Polígono Norte, Polígono Sul, Torreblanca e Dos
Hermanas), e apenas duas localizavam-se numa área de classe trabalhadora
sem grandes problemas sociais – o distrito de Aljarafe. Dois anos mais
tarde, duas outras escolas juntaram-se ao projeto (uma primária e duas
secundárias) por solicitação expressa de seus diretores e da própria
administração educacional.
As escolas teriam de assumir parte da responsabilidade pelo projeto.
Para tal, o conselho de professores teria que optar pela participação.
Simultaneamente, um grupo de professores assumiria a função de equipe
de coordenação do projeto SAVE na escola, responsável pela
implementação das iniciativas geradas pela equipe docente como medidas
a serem tomadas contra a violência escolar. Àquela época, o projeto não
oferecia qualquer plano concreto para o sistema. Ele estava aberto às
iniciativas de todos os participantes, principalmente as adotadas pela equipe
docente em suas próprias escolas. Esses projetos preliminares, entretanto,

205
tomaram como ponto de partida a necessidade de tratar o problema de
forma predominantemente preventiva e mais como uma intervenção
curricular do que como tratamento de episódios isolados que afetavam
determinadas meninas e meninos, embora não tivéssemos esquecido que
estes também careciam de ajuda específica.
Um total de 4.914 alunos entre 8 e 18 anos, a maioria deles
freqüentando a escola primária e alguns poucos de escola secundária, foram
perguntados sobre suas relações interpessoais; seu mundo social na escola
e na família; sua autopercepção como vítimas ou agressores; os tipos mais
comuns de maus-tratos, comportamentos abusivos e exclusão social que
ocorriam em suas escolas; suas opiniões e suas atitudes com relação a
esse fenômeno; o nível de comunicação e confiança sentido por eles na
assistência prestada por seus professores, sua família ou amigos quanto a
essa situação, etc. (ver questionário Ortega, Mora-Merchán e Mora, 1996).

OUTROS SEMINÁRIOS

Um sistema de seminários permanentes para professores, e de


coordenação entre todos os membros da equipe (professores e
pesquisadores) garantiu a estabilidade do processo e seu desenvolvimento
gradual como área de inovação educacional. Os professores participantes
estavam familiarizados com a coleta e a análise de dados e com seus
resultados. As informações já obtidas – estávamos agora utilizando nosso
próprio questionário (Ortega, Mora-Merchán e Mora, 1996) – foram
apresentadas num seminário monográfico a cada escola que estivesse
preparada para dar um passo adiante – para intervir –, e relatórios foram
enviados àquelas que não haviam manifestado esse desejo. Desse modo,
dez escolas separaram-se das demais (sete escolas primárias e três
secundárias), a fim de dar início ao processo de intervenção nos problemas
de maus-tratos na escola, tendo como alvo a prevenção.
O ponto-chave do desenvolvimento do projeto veio com a
concepção de um modelo global de intervenção educacional publicado
em diferentes formatos, sendo o mais completo deles o material didático
chamado de “Convivência na escola – o que ela é e como tratá-la”,
publicado em forma de livro pelo Conselho Regional de Educação
(Ortega et al., 1998). Ele contém uma proposta educacional baseada na
206
análise da comunidade educacional como um cenário complexo, onde
os fenômenos confluem, podendo ser observados de dois ângulos: o
das relações interpessoais e o das atividades de ensino-aprendizado. De
um ponto de vista psicoeducacional, o modelo parte do reconhecimento
de que as escolas públicas compulsórias não correspondem
necessariamente ao ideal, no campo estritamente educativo e acadêmico,
sendo, entretanto, um local de convivência, onde as crianças vão e que
está sob a direção de um Conselho Escolar e de um Conselho de
Professores, dos quais todos os membros da comunidade participam:
famílias, professores e alunos.
A concepção de um modelo de intervenção, mesmo que em
colaboração com os professores que irão implementá-lo, não assegura que
seu desenvolvimento será sempre homogêneo. Por essa razão, o modelo é
formulado para cada escola, e cada equipe de professores o adota como
parte de sua filosofia educacional, adaptando-o à análise particular da
situação existente em sua própria escola, às características dos alunos e
às condições e recursos humanos, tecnológicos e organizacionais
disponíveis. O que é fornecido são as ferramentas conceituais e analíticas
que abrem caminho para que a equipe docente formule as interpretações
vistas como necessárias, elabore seus próprios significantes e atue em
conformidade com essas interpretações e significantes. A filosofia deste
modelo implica a necessidade de aliar teoria e prática educativa, nas quais
os professores são os atores das inovações educacionais, e também de
seu próprio desenvolvimento pessoal.

O Save como um modelo curricular,


ecológico e aberto de intervenção preventiva
O SAVE é, acima de tudo, um modelo interpretativo e uma
proposta que visa à compreensão do estabelecimento educacional como
um lugar onde é possível a ocorrência de fenômenos indesejáveis relativos
à integração social e ao respeito pelos direitos alheios. Entre esses
problemas estão os comportamentos abusivos, o assédio, os xingamentos,
a exclusão social e os maus-tratos em geral entre colegas. Mas há também
outros tipos, como o abuso de poder que pode ocorrer entre professores e
alunos, a falta de respeito pelos professores por parte dos alunos, as
pressões intimidantes das autoridades, etc. O SAVE vê o estabelecimento
207
educacional como um lugar onde a convivência deve ser tratada de forma
democrática, onde as atividades de ensino devem ser cooperativas e onde
a educação deve ir além da instrução, para incluir o ensino dos valores,
por intermédio da educação dos sentimentos e das emoções.
O SAVE está aberto ao debate contínuo com os professores, que
são convidados a se verem como uma equipe executando uma pesquisa
inovadora sobre sua própria prática. Essa é uma prática que não deveria
ficar a cargo apenas dos professores, devendo ser baseada no princípio
educacional de “comunidade escolar”: professores, alunos, famílias e
ambiente social – todos os elementos que deveriam se unir no trabalho
educacional, ao invés de deixar a escola se tornar um lugar fechado em
seus próprios problemas.
O SAVE incluiu linhas de conduta no campo do treinamento de
professores, trabalhando com processos que são paralelos aos utilizados
na implementação dos currículos junto aos alunos. O treinamento
permanente dos professores deve andar de mãos dadas com a inovação
educacional, no sentido de os professores perceberem sua atuação
profissional como estando vinculada à pesquisa e à otimização dos
processos de ensino-aprendizagem desenvolvidas por eles. É por essa
razão que a linha proposta pelo SAVE é de treinamento na própria escola
(Ortega, Gandul e Fernández, 1998).
Embora boa parte dos problemas de maus-tratos surjam nas próprias
escolas, muitos são os professores que pensam que sua origem pode ser
encontrada nas falhas da educação dada na família e na influência exercida
pela sociedade e por seus valores sobre os alunos. Enquanto isso, as famílias
e a sociedade vêem a escola como o lugar que deveria estar oferecendo as
respostas necessárias à educação integral das crianças. No entanto, parece
não haver comunicação entre os dois lados. O problema tem que ser
elaborado e, para tanto, o SAVE propõe (Ortega e Fernández, 1998)
sistemas para aperfeiçoar a comunicação entre as famílias e as escolas.
Os sistemas concretos por nós sugeridos não são os únicos
existentes e, para que dêem resultados, têm ter a aprovação de toda a
equipe docente. Por essa razão, o SAVE sugeriu áreas de trabalho propostas
como programas concretos, e dá a cada equipe a incumbência de dar forma
a essas atividades.
208
A prevenção da violência por meio do aperfeiçoamento das
condições de convivência implica, como todos os demais processos
preventivos, a mobilização de muitas motivações que não podem ser
limitadas à área restrita de um programa concreto, tendo que ser distribuídas
em diversas frentes. A educação das emoções, sentimentos e valores não
pode se tornar um simples esquema no processo, mas a incorporação de
objetivos, conteúdos e estratégias ao processo curricular pode permitir
que os alunos expressem suas emoções, tomem conhecimento de seus
próprios sentimentos e assumam atitudes e valores de respeito mútuo.
Nesse processo, vários tipos de atividades e seqüências são válidos para o
desenvolvimento dessa área. No SAVE há uma vasta gama deles,
apresentados como exemplos, embora não tendo, necessariamente, de ser
repetidos em todas as escolas, ou ser executados da mesma forma.
Ao propormos o trabalho cooperativo de grupo como uma linha de
desenvolvimento curricular não estamos impondo aos professores e alunos
uma única linha de ação, mas sim dando ênfase ao fato de que o aprendizado
cooperativo também gera uma melhor comunicação, maior interesse pelos
outros, a criação conjunta do conhecimento, respeito pelas próprias idéias
e pelas idéias alheias, etc. No âmbito de um modelo cooperativo, cada
professor ou equipe docente saberá como implementar os objetivos e
conteúdos específicos do currículo a ser desenvolvido por eles.
A oferta de uma diretriz de trabalho para abordar a convivência,
convivência essa que necessariamente será profundamente democrática,
não surtirá qualquer efeito se essa diretriz for aplicada como um esquema
fechado, no qual o professor é um mero executor. A administração de qualquer
fenômeno social e, portanto, da vida escolar, implica que o administrador
seja capaz de fazer interpretações gerais e específicas dos processos que ali
ocorrem, das relações cotidianas, inclusive, e tenha a capacidade de formular
sistemas reguladores para orientar a escola em termos de hábitos e
convenções que sejam da livre escolha dos participantes. O gerenciamento
democrático de todas as regras de conduta que têm de ser tornadas
obrigatórias, mas que são livremente escolhidas e não impostas, é uma tarefa
complexa, que só pode ser concretizada se os fatos forem interpretados
com liberdade. O SAVE oferece sugestões para a interpretação correta dessas
situações, para a obtenção de recursos e para tirar partido das conseqüências
estabelecidas dos sistemas de comunicação e do exercício do poder. Ir além
209
de oferecer diretrizes seria interferir na capacidade decisória que os
professores devem possuir, como gerentes.

ALÉM DA PREVENÇÃO:
INTERVENÇÕES QUANTO AOS RISCOS

O fato de o SAVE dar ênfase à prevenção por meio do bom convívio


na escola não significa que tenhamos esquecido a existência de crianças
que, devido a suas condições pessoais, familiares e sociais, correm o risco
de virem a se envolver em problemas de intimidação. Assédio psicológico,
insultos, xingamentos e caçoadas, exclusão, marginalização ou isolamento
social – todas essas coisas representam um risco a que muitos alunos
estarão expostos, caso não recebam apoio. O projeto SAVE oferece
diretrizes específicas, formuladas para ajudar esse alunos com programas
que, necessariamente, são inéditos no currículo, devendo ser
implementados conjuntamente com ele.

CÍRCULOS DE QUALIDADE

A formação de grupos de alunos que estejam interessados em


problemas sociais e preparados para contribuir para o manejo das
dificuldades existentes e encontrar as melhores soluções é um processo
de intervenção social que surte efeitos muito positivos. Esses processos
inespecíficos exigem, antes de mais nada, a formulação clara do problema,
seguida pela adoção das providências necessárias. Esses grupos são
conhecidos como os círculos de qualidade.
Os círculos de qualidade são sistemas de intervenção
organizacional, social e de vinculação comunitária que visam enfrentar
os problemas sociais que não podem ser solucionados através dos esforços
de uma única ou de umas poucas pessoas, exigindo a participação gradual
de toda a comunidade. Para tanto, é formada uma pequena comissão,
composta por pessoas que têm conhecimento claro do problema a ser
tratado e que irão mobilizar os recursos necessários para implementar as
mudanças a serem efetuadas quando ocorrerem problemas.
Os círculos de qualidade, concebidos para evitar a ocorrência futura
de violência ou de maus-tratos nas escolas, são uma medida que pode ser
210
adotada e mantida contanto que determinados recursos estratégicos sejam
conhecidos e utilizados. A formação de um grupo incumbido de uma tarefa
concreta é um processo educativo de grande potencial para o
aperfeiçoamento das condições que cercam o risco de surgimento de
violência nas escolas. Numa seqüência de reuniões periódicas e sistemáticas
onde são discutidos os diversos aspectos do problema, a busca de recursos
materiais e humanos e o enfrentamento direto das dificuldades inerentes a
toda e qualquer mudança institucional ou social são tratados por um grupo
de alunos, alguns deles de risco e outros que, graças à sua posição social,
têm a capacidade de desempenhar uma função de estímulo e apoio.
Esses alunos consolidam seu papel como agentes das mudanças,
tornam-se cônscios de suas responsabilidades como membros do grupo e
constroem sua própria auto-estima. Quando o trabalho consiste em evitar
a ocorrência de intimidação e de comportamentos abusivos entre os
colegas, o efeito do círculo de qualidade se alastra, criando uma atmosfera
de vigilância contra a violência, que serve de advertência aos intimidadores
e dá segurança às vítimas em potencial. Se medidas concretas forem
tomadas para o aprimoramento da organização social da classe e da escola,
o prestígio do grupo aumentará, com o conseqüente reconhecimento social
de seus integrantes.
A criação e a manutenção dos círculos de qualidade são maneiras
de abordar a prevenção da violência que podem ter resultados altamente
positivos para o trabalho com crianças “de risco” (Ortega e del Rey, 1998).

MEDIAÇÃO DE CONFLITOS
Nem todos os problemas de relacionamentos interpessoais levam
à violência e à vitimização. Muitos comportamentos agressivos e maus-
tratos são recíprocos, sendo muitas vezes difícil distinguir entre vítimas e
agressores. Pode ocorrer de conflitos sociais e interpessoais tomarem a
forma de confrontação entre duas pessoas ou dois grupos, desenvolvendo-
se de maneiras muito diversas. Situações extremamente complexas são
assim criadas, nas quais se torna necessário esclarecer quem é responsável
pelo que, e como reverter a um sistema mais apropriado de relações. O
conflito que, em si, não é razão para a deterioração das relações, mas
pode chegar a produzir esse efeito, uma vez que apenas raramente as
pessoas e grupos contam com os sistemas de comunicação necessários
211
para lidar de forma sensata com os conflitos. Uma linha artificial de
mediação de conflitos torna-se então necessária.
Nos últimos tempos, a prática da mediação se vem afirmando em
nossa cultura, tendo-se mostrado útil em muitas áreas, que vão da Psicologia
ao Direito. Essa ferramenta social, entretanto, é, no sentido mais estrito,
uma estratégia psicológica de intervenção. Arbitrar duas partes em conflito
significa fazê-las reconsiderar suas posições, aprender a ouvir as opiniões
de seus supostos adversários, reconhecer mutuamente o valor de cada um
ou, pelo menos, estar disposto a ceder terreno e alcançar um nível relativo
de acordo. A arbitragem exige diálogo em terreno comum, com regras que
incluem a reciprocidade e excluem a arrogância ou o predomínio de uma
das partes sobre a outra. O árbitro, nesse sentido, está presente para
assegurar que as regras sejam respeitadas no decorrer da arbitragem.
O treinamento de mediadores e a criação e manutenção de
programas de arbitragem podem ser de grande potencial, quando se trata
de lidar com conflitos entre pares. Nossa proposta (Ortega e del Rey,
1998) foi a de introduzir a arbitragem nas escolas para trabalhar com o
fenômeno dos maus relacionamentos entre alunos, evitando que estes
venham a ser afetados por problemas de violência real. Não se trata de
afirmar que a arbitragem sempre alcance êxito, mas apenas de ressaltar
seu potencial como meio de prevenção, quando há poucas possibilidades
de os conflitos se resolverem por si mesmos devido à incapacidade dos
alunos de abrir mão de suas posturas intransigentes e não-cooperativas.
O estabelecimento de programas de mediação exerce influência
também sobre os sistemas de valores dos alunos, tendo efeitos
inespecíficos sobre as micro-culturas de pares, uma vez que eles sabem
que podem contar com um recurso externo, que fornecerá ajuda nas
ocasiões em que eles forem incapazes de ajudarem-se a si mesmos.

PROGRAMAS DE AUTO-AJUDA ENTRE PARES

Os programas de auto-ajuda entre pares são semelhantes aos


círculos de qualidade e aos programas de mediação, e vêm ganhando
importância na medida em que vai ficando patente que os professores e
os pais têm dificuldade em ter acesso a muitos desses conflitos e problemas
de relações interpessoais.
212
Quando os problemas são gerados pelos próprios alunos, eles são
influenciados pelas características do grupo: convenções semelhantes,
valores em comum e reciprocidade moral. Isso significa que as tentativas
de intervenção externa, partindo de professores ou de pais, podem não
ser particularmente eficazes, devido ao pouco valor atribuído pelos alunos
aos adultos, em comparação com o valor conferido aos pares.
A organização e a manutenção de estruturas sociais de pares, com
o objetivo de ajudar colegas envolvidos em violência, consiste num modelo
de intervenção direta que, embora dispendioso em termos de tempo e
treinamento, pode ser altamente eficaz para a criação de um clima de
segurança e de convívio escolar. Trata-se de capacitar os alunos que têm
dificuldades com o contato social ( devido à timidez, problemas familiares,
tendência ao isolamento e solidão, e a uma tendência a se misturar com
os colegas errados) a extrair benefícios de uma abordagem que conta
com o apoio dos professores, mas que, além disso, é exercida pelos pares.
Muito freqüentemente, a vítima é uma criança com poucas
habilidades sociais que a transformam num bode expiatório ou num alvo
fácil, gerando situações com as quais ela não sabe lidar. O propósito dos
programas de auto-ajuda entre pares é fazer com que os alunos possuidores
de capacidades sociais fortes e ativas, e que sejam dotados de segurança
e liderança natural, canalizem esse potencial em direção a uma atuação
pró-social. Essa medida é também uma boa forma de evitar que eles se
tornem líderes negativos.
O modelo de auto-ajuda entre pares proposto pelo SAVE foi
inspirado num outro, elaborado pelo Prof. H. Cowie (Cowie e Wallace,
1998). Ele consiste numa série de medidas, dotadas de graus variados de
complexidade. Essas medidas vão desde a organização de grupos de
amizade que oferecem apoio ocasional a meninos ou meninas que não
tenham amigos e precisem de alguém para conversar, por meio de
atividades ou de simples companhia, de modo que eles não se sintam tão
solitários, até Programas de Apoio entre Pares, ou estruturas sociais
estáveis, devidamente concebidas em formatos espaço-temporais,
humanos e técnicos, que se assemelham a sessões de terapia.
Testamos os programas de auto-ajuda entre pares numa escola
primária e numa escola secundária, verificando suas vantagens e
desvantagens (Del Rey, Ortega e Rendon, 1999). Uma das conclusões a
213
que chegamos foi que eles precisavam ser diversificados. No tocante à
escola primária, tratava-se de criar um maior número de programas abertos
ou de grupos de amizade, ao passo que os alunos de escola secundária
obtinham maior proveito com sistemas mais formais de apoio entre pares.

ALÉM DA PREVENÇÃO, A INTERVENÇÃO DIRETA

Os problemas da convivência nas escolas, o surgimento de


conflitos não-solucionados e a presença de maus-tratos e comportamentos
abusivos entre os alunos requerem diferentes níveis de intervenção. Já
indicamos que a intervenção preventiva é o objetivo básico a ser alcançado
por meio da otimização da convivência, do ensino da cooperação e da
educação das emoções, sentimentos e valores. No entanto, quando se
leva em conta as crianças que se envolvem em problemas graves de
intimidação verbal e física, de assédio psicológico e abuso de poder e/ou
exclusão social e violência indireta, é evidente que a escola tem de adotar
sistemas de intervenção direta.
O número de meninos e meninas afetados por esses problemas
nunca é muito alto. Cinco por cento nas escolas secundárias e oito por
cento nas escolas primárias são os níveis máximos, quando a referência
aceita é a autopercepção de ser vítima ou agressor. Isso significa que não
mais de um ou dois alunos por turma vão exigir atenção especial, ou
como vítimas ou como agressores.
O SAVE formulou e apresentou propostas de programas de
intervenção direta, visando trabalhar educacionalmente com essas crianças,
sem excluí-las de seus grupos sociais de referência (turma, grupos de amigos,
etc.). De todos os programas possíveis, escolhemos três estratégias concretas,
ou métodos de intervenção direta contra a violência interpessoal: divisão
de responsabilidades (método proposto por A. Pikas, 1987) treinamento da
autoconfiança e desenvolvimento de empatia (Ortega, 1998).

O MÉTODO PIKAS

Anatole Pikas, um dos mais renomados pesquisadores do


problema do mau relacionamento entre alunos e do fenômeno de
comportamentos abusivos entre pares, formulou um modelo de
intervenção que trabalha dentro da estrutura social das crianças afetadas
214
por esse fenômeno, usando um processo muito refinado de desestruturar
para depois reestruturar as redes sociais que lhe dão sustentação, com
base em sistemas de apoio. Trata-se de desmontar os fortes vínculos de
dominação existentes e substituí-los por vínculos emocionais fortes, mas
também por apoio e assistência.
Esse é um método complexo, que exige um bom treinamento e
que não parece se prestar ao uso por professores. Ele se adapta melhor ao
trabalho extremamente especializado dos psicólogos e dos psicoeducadores
que lidam com orientação educacional. O valor do método reside em seu
desenvolvimento correto, que requer um grande domínio das condições
psicossociais dos grupos de crianças e adolescentes, domínio esse que
não pode ser exigido dos professores ou tutores. Mesmo assim, o potencial
e a importância do método são incontestáveis.
O projeto SAVE recomendou essa estratégia de intervenção direta
em casos onde a violência apresenta-se com clareza e afeta pequenos
grupos de crianças que desempenham papéis bem-definidos (agressor,
vítima e grupos de espectadores apoiando o agressor). Embora tenhamos
conduzido uns poucos experimentos-piloto que produziram bons
resultados, nenhuma das escolas que participaram do SAVE adotaram o
método Pikas como estratégia de longo prazo e nós, conseqüentemente,
não possuímos resultados concretos para discutir.

PROGRAMAS DE TREINAMENTO DA
AUTOCONFIANÇA

Quando o fenômeno da violência entre colegas se apresenta em sua


forma mais cruel, estabelecendo modelos de comportamentos abusivos, de
assédio e de maus-tratos, suas conseqüências nocivas geralmente se
concentram numa vítima que, direta ou indiretamente, assume o papel de
bode expiatório ou de alvo fácil. Quando o problema já vem de longa data
e se encontra altamente estruturado, a vítima perde o restante de suas parcas
habilidades sociais, sua auto-estima e acaba por submergir em sua própria
incapacidade de ação. É nesse ponto que se tornam necessários os métodos
especiais e diretos de treinamento da autoconfiança, que auxiliam os alunos
que sofrem intimidação social e maus-tratos psicológicos.
A autoconfiança é o traço de personalidade que nos permite afirmar
nossas próprias convicções e defender nossos pontos de vista, atitudes e
215
comportamentos, sempre que acreditamos ter razão, ou quando os fatos
demonstram que temos razão. Todos nós mostramos um grau suficiente
de autoconfiança – diferente da agressividade – quando falamos a nosso
próprio respeito, escolhemos a partir de diferentes opções, nos
apresentamos a outros, etc.
As crianças que são vítimas de seus pares vêem deteriorar o nível
de autoconfiança necessário para lidar com as tarefas sociais. O efeito da
violência nas vítimas destrói sua auto-estima – a própria base do
comportamento auto-afirmativo. Desse modo, quando a violência
interpessoal é detectada na escola, a intervenção direta sobre as vítimas
torna-se necessária, visando a reconstruir sua autoconfiança perdida e
sua auto-estima deteriorada.
Esse tratamento específico não significa isolamento. Os programas
de treinamento de autoconfiança, como muitos outros programas de
ensino de habilidades sociais, têm de ser implementados sem que haja
distorção dos contextos naturais nos quais os alunos convivem no dia-a-
dia. A estrutura e o funcionamento de suas habilidades sociais têm deser
trabalhadas em profundidade, para que eles não apenas assimilem
determinados hábitos, atitudes e comportamentos, mas também que eles
consigam abandonar outros, o que é ainda mais difícil de ser conseguido.
Nós propusemos (Ortega et al., 1998) essas estratégias para crianças
que são vitimizadas na escola. No entanto, como aconteceu também com o
método Pikas, não realizamos aplicações contínuas de experimentos desse
tipo, embora tenhamos experimentos-piloto que produziram bons resultados.

PROGRAMAS DE DESENVOLVIMENTO DE
EMPATIAS

O problema de violência nas escolas não afeta apenas as vítimas.


Crianças dominadoras, aproveitadoras e intimidadoras representam um
risco não apenas para o desenvolvimento social futuro das vítimas, mas
são também um perigo para si próprias e para todos os demais. Um modelo
educacional global, que tenha como objetivo enfrentar o problema em
toda a sua complexidade, não pode deixar de lado os meninos e as meninas
que se comportam de forma violenta.
Muitos desses valentões de escola são, na verdade, vítimas de assédio,
abuso ou violência em sua própria família ou ambiente social. Essas crianças
216
sofrem de graves distúrbios de personalidade e necessitam urgentemente
de tratamento. Elas apresentam sérios déficits de empatia, a característica
humana básica que permite compreender os sentimentos alheios e colocar-
se no lugar dos outros, principalmente quando se trata de sofrimento.
Muitas dessas crianças intimidadoras têm de ser especialmente
ensinadas a desenvolver sensibilidade para os sentimentos alheios. Esses
programas de desenvolvimento de empatia foram formulados tendo em
mente especificamente essas crianças, o que não significa que elas devam
ser isoladas. O enfoque no desenvolvimento da empatia entre crianças de
escola primária e secundária exige um certo conhecimento das técnicas
de intervenção psicoeducacional, não implicando, contudo, o isolamento
das crianças de seu contexto natural.
Tomando como base experimentos-piloto, formulamos um sistema
específico (Ortega et al., 1998) para o desenvolvimento de um programa
de empatia que tem como alvo alunos que demonstram uma tendência a
se comportar de forma violenta em relação aos demais. No entanto, ainda
não nos foi possível desenvolver, a longo prazo, um experimento dessa
natureza, que nos permitisse a obtenção de resultados concretos.

AS AUTORIDADES EDUCACIONAIS E A PREVENÇÃO


DA VIOLÊNCIA ESCOLAR: O PROGRAMA EDUCACIONAL
DE PREVENÇÃO DE MAUS-TRATOS ENTRE COLEGAS

Em 1995 e 1996, a imprensa internacional, nacional e regional


passou a dar cobertura ao fenômeno da violência escolar. É interessante
notar que as primeiras notícias e matérias davam ênfase – de forma
bastante sensacionalista – a casos isolados e específicos, e que, pouco a
pouco, a questão passou a receber tratamento mais sério, documentado e
rigoroso. Mesmo assim, independentemente desses e de outros fatos
interessantes, que serviram para despertar a consciência do público para
o fenômeno, deve ser dito que foi apenas quando a violência se tornou
visível como fenômeno social que as Autoridades Educacionais se deram
conta da necessidade de implementar sua própria intervenção educacional.
Em dezembro de 1996, a equipe de Pesquisa Psicoeducacional
por mim coordenada recebeu do Conselho Regional de Educação a
determinação de formular um Programa Geral para a Prevenção dos Maus-
Tratos entre Alunos. Deve ser dito, a favor do Conselho Regional, que
217
essa foi a primeira iniciativa a ter lugar em nosso país. A partir de então,
outras tiveram início, partindo de solicitações oficiais, como a da
Comunidade das Ilhas Canárias, em 1997; a da Comunidade de Madri,
em 1998, e a que vem sendo executada pela Comunidade de Aragão. Mas
a iniciativa andaluz foi a primeira.
A solicitação do Conselho, apresentada pelo Diretor-geral de
Avaliação do Ensino e Treinamento de Professores, propunha a criação
de um ser viço de linha telefônica de discagem gratuita. Nossa
contraproposta, contudo, foi a criação de um programa específico, atuando
em diversas frentes e incluindo o serviço telefônico, proposta essa que foi
muito bem recebida por todos os técnicos responsáveis pelos Programas
de Aconselhamento Especial. O Programa Educacional para a Prevenção
de Maus-tratos entre Alunos nasceu então, sob o lema: Diga Sim à Amizade
e Não à Violência. Manifeste-se.
Esse programa, denominado de Andaluzia contra a Violência Escolar,
foi concebido como um enfoque de política educacional para o Conselho,
e como um projeto de pesquisa para o grupo que o formulou, o que
implicava que essa equipe seria responsável por seu planejamento e
desenvolvimento, pela coleta de informações e pelo treinamento do pessoal
que o implementaria, desde a pessoa responsável pelo serviço telefônico
até os técnicos e funcionários do Conselho que necessitassem de
conscientização ou de treinamento, e também pela concepção e redação
de todos os textos nos quais se baseariam os processos.

Cinco áreas de trabalho foram vistas como necessárias:


• Conscientização da sociedade, da família e dos professores quanto
ao problema da violência escolar e à necessidade de reduzi-lo.
• Treinamento específico dos professores quanto ao problema
da intimidação por colegas, em dois níveis:
• inter mediários: orientadores, inspetores e chefes de
treinamento permanente
• agentes diretos: professores de escolas primárias e secundárias.
• Instituição de pesquisas sobre os níveis e as características da
violência entre os alunos de escola secundária.
• Instalação de uma linha telefônica de discagem gratuita de
disque-ajuda para tratar dos pedidos de orientação partindo de
alunos afetados pela violência escolar.
218
• Produção de um conjunto de recursos educativos impressos e
audiovisuais, para servir de apoio concreto aos professores que,
tendo conhecimento do problema, desejem implementar os sistemas
educativos em suas escolas.

O desenvolvimento conjunto dessas cinco áreas produziria o efeito


colateral benéfico de cada uma delas dar sustentação às demais. Sua
coordenação e equilíbrio, em termos temporais e de programação, resultaria
em uma das áreas ser mais eficaz que as outras, apesar de cada uma delas
poder ser organizada e aplicada isoladamente. O lançamento do “telefone-
amigo” – a linha de discagem gratuita – foi programado para ocorrer
simultaneamente à primeira campanha de divulgação e conscientização.
Essa campanha foi montada por meio do uso de um conjunto de
recursos que pudessem ser usados como veículos informativos, mas
também como material didático para uso em sala de aula (brochuras,
cartazes, adesivos, marcadores de página, etc.). O acréscimo de
informações fornecido pela campanha de conscientização levou ao
aumento das chamadas recebidas pela linha de disque-ajuda. A chegada
do material didático nas escolas resultou em pedidos de informação e de
treinamento, por parte dos professores, o que criou um aumento paralelo
dos cursos de treinamento, seminários e produção de material informativo.
A área de pesquisa do programa permitiu que nós, por um lado,
déssemos prosseguimento à coleta de dados sobre o fenômeno da violência
entre colegas e, por outro, estabelecêssemos vínculos com os
Departamentos de Orientação Educacional das Escolas, coordenando os
trabalhos de treinamento dos intermediários, particularmente dos
orientadores escolares.
Os dados descritivos provenientes desse segundo estudo (Ortega
e Ângulo, 1998) nos forneceram uma visão mais clara do problema, tal
como ele ocorre em nossas escolas secundárias, o que nos será de grande
utilidade quando viermos a analisá-los em maior profundidade, de modo
a compreender as relações existentes entre os diversos fatores decisivos.
Os relatórios que nos chegaram das linhas de disque-ajuda nos
forneceram dados qualitativos sobre como as vítimas se sentem, sobre
até que ponto elas contam com ajuda vinda do ambiente, sobre quem são
os intimidadores, como eles agem, etc. (Gómez e Palacios, 1998)
219
O material didático elaborado para dar sustentação às medidas de
prevenção da violência a serem tomadas pelos professores reuniu o trabalho
executado ao longo do projeto SAVE, transformando-o numa proposição
que acreditamos ser consistente, globalizada e capaz de oferecer aos
professores recursos que poderão ser usados, ilustrações que servirão de
pontos de partida e idéias que ajudarão na compreensão dos problemas
em questão. Em termos de pesquisa, o Programa Educacional para a
Prevenção dos Maus-Tratos entre Alunos representou um grande incentivo
e, em termos de intervenção educativa, ele consistiu num enorme esforço
envidado por uma vasta comunidade de atores educacionais que
contribuíram com seu tempo, motivação e entusiasmo, na tentativa de
enfrentar o problema da violência escolar de forma global e abrangente,
transformando-o numa área de trabalho inovadora.

O PROJETO EUROPEU PARA O ESTUDO E A


PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA ESCOLAR

O trabalho realizado pela equipe de pesquisa por mim coordenada


não teria sido possível sem o apoio de uma rede de colegas de outras
universidades. Trabalhamos lado a lado com equipes de pesquisa do
Reino Unido, da Itália, de Portugal e da Alemanha, sob a coordenação
do Professor Smith, da Universidade de Londres. Diversos projetos
bilaterais, com diferentes fontes de financiamento, resultaram, em 1997,
num projeto conjunto que visava ao estudo da natureza da violência
entre pares e sua prevenção. Desde então, estamos trabalhando sobre
esse tema, somando esforços e coordenando áreas de trabalho. A
descrição do fenômeno em diferentes culturas, a unificação dos métodos
de estudo, a análise das causas e dos efeitos e a avaliação dos métodos
de intervenção de forma a combater o problema da intimidação por
colegas, tudo isso se tornou área de trabalho conjunto para pesquisadores
jovens e não tão jovens.
Esse projeto, financiado pela Comissão Européia, articula dois
grandes objetivos: o do estudo do problema e o da formação de jovens
pesquisadores. Entrar nos detalhes desse trabalho de pesquisa seria
extrapolar os limites do presente ensaio. Basta dizer que ele vem se
convertendo numa fonte permanente de conhecimentos que, se não
220
universais, são pelo menos europeus, enfocando a necessidade de penetrar
no obscuro e destrutivo fenômeno da violência interpessoal, em seus
efeitos de curto e de longo prazo e na necessidade de assumir a clara
determinação de erradicá-lo, não apenas nas escolas mas também nas
famílias, locais de trabalho e na sociedade em geral.

REFERÊNCIAS

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221
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(ed.) Bullying: an Intemational Perspective. London: D. Fulton, 1991.

222
9. VIOLÊNCIA E INCIVILIDADE NA
ESCOLA: A SITUAÇÃO NA SUÍÇA
1
Prof. Alain Clémence

Se um fenômeno vem crescendo vertiginosamente ao longo dos últimos


anos, é o do estudo da violência, particularmente o da violência escolar e da
delinqüência juvenil. No entanto, os estudos sobre o significado real e sobre
a evolução da violência nas escolas são raros. Na Suíça, nenhum estudo desse
tipo, nacional ou longitudinal, foi realizado até o presente.
Stauffer (1999) contou cerca de vinte estudos realizados nos últimos
anos. No entanto, há um número considerável de textos sobre prevenção e
intervenção. Esse hiato entre pesquisas que envolvam coleta de dados e a
aplicação de diversas medidas sem qualquer avaliação prévia da situação
caracteriza muitas das maneiras de abordar o fenômeno da violência.
Depreende-se daí que a definição e a extensão da violência são vistos como
óbvios, não necessitando de questionamento. As iniciativas citadas por Stauffer
(1999) contam com o apoio do Centro Suíço de Prevenção da Criminalidade
(CSPC), que concebeu uma campanha nacional de prevenção, denominada
Unidos contra a violência, para o período de 1999/2000, sob o patrocínio dos
chefes dos departamentos de justiça e de polícia, responsáveis pelo
“fortalecimento da ação policial de modo a colaborar com o ambiente escolar
e com os especialistas em educação” (CSPC,1998). Vale a pena mencionar
aqui a complexidade com que se vêem confrontados os estudos empíricos na
Suíça, em razão da organização federalizada das escolas, da polícia e da justiça.
Há tantos sistemas escolares quanto há cantões, com grandes variações
relativas à seleção de alunos e ao treinamento de professores. Por exemplo,
determinados cantões adotaram um sistema heterogêneo de opções para o
ciclo inicial das escolas secundárias (de 11 a 14 anos), eliminando assim as
matérias escolares tradicionais mantidas por outros cantões. Além disso,

1 Universidade de Lausanne, Suíça.

223
dependendo do caso, os alunos podem ingressar na escola secundária após
seis, cinco ou até mesmo quatro anos de escola primária. Além dessas
características específicas dos diferentes cantões, há também as diferenças
lingüísticas, relacionadas a discrepâncias econômicas e políticas. Tudo isso
em parte explica por que os estudos de âmbito nacional são tão raros.
Devemos, em primeiro lugar, tratar dos estudos realizados por
Eisner e seus colegas, na conurbação de Zurique (Eisner e Manzoni, 1998;
Eisner, Manzoni e Ribeaud, 2000). Os resultados desses estudos mostram
que a delinqüência entre menores, principalmente as agressões físicas,
aumentaram, na Suíça, a partir de inícios da década de 90. Uma tendência
semelhante pode ser observada na maioria dos países ocidentais. Durante
esse mesmo período, o número de delitos cometidos por adultos ou
decresceu ou permaneceu estacionário. A interpretação desses resultados,
que têm como base estatísticas policiais, dá margem a divergências. Uma
delas relaciona-se à questão de se o aumento verificado não seria devido
à maior atenção dada à delinqüência juvenil, levando assim a um aumento
da intervenção policial (ver Sack, Eisner e Forster, 1999).

A SITUAÇÃO NO AMBIENTE ESCOLAR

No tocante ao ambiente escolar, apresentamos os resultados de


um estudo realizado por nós na Suíça francófona, que fez parte um
programa nacional de pesquisas sobre a violência cotidiana, de iniciativa
do Fundo Nacional Suíço de Pesquisas Científicas (Clémence, Rochat,
Cortolezzis, Dumont, Egloff e Kaiser, a ser publicado). À medida em
que formos prosseguindo, daremos informações provenientes de outros
trabalhos cujo principal propósito seja o de tratar de diferentes questões
escolares (consumo de álcool e tabaco, por exemplo).

O Referencial da Pesquisa
Essas pesquisas tomaram por base a coleta e a análise de dados
provenientes de diversas fontes. O trabalho de campo foi executado em
três estágios. Em junho de 1997, enviamos um questionário aos diretores
de todas os estabelecimentos do primeiro ciclo da escola secundária de
língua francesa (129 respostas). Com base nesses dados, no inverno de
1998, realizamos uma enquete usando um questionário-padrão,
224
direcionado a alunos e professores de 12 escolas caracterizadas por
situações e experiências contrastantes (1.265 questionários para alunos
e 194 para professores). Enviamos também um questionário resumido
às forças policiais dos cantões, aos órgãos judiciais, varas de infância e
adolescência, e a várias instituições escolares e extracurriculares
(departamentos médico-pedagógicos e departamentos de proteção à
criança, por exemplo) e às associações de pais de alunos dos cantões de
Vaud e Genebra. Essas organizações foram convidadas a nos enviar
relatórios ou dados estatísticos sobre o fenômeno em questão. Por fim,
no verão de 1998, entrevistamos 42 alunos e 42 professores, a maioria
dos quais havia tomado parte na fase anterior. Entrevistas semelhantes
foram realizadas com 41 mães e pais de alunos.
O procedimento usado por nós teve como objetivo identificar o
problema da forma a mais completa possível, por meio da coleta de
material junto à maioria das pessoas interessadas, consistindo também
numa estratégia para o desenvolvimento de pontos de vista. Tanto nas
abordagens globais das equipes diretoras como nas histórias narradas pelos
alunos e por seus pais, tentamos avançar da descrição do ambiente até a
compreensão da dinâmica em questão.
Os questionários foram for mulados com o propósito de
determinar a extensão da violência escolar e de avaliar as medidas
tomadas para contê-la ou evitá-la. Com isso em mente, formulamos
uma pergunta crucial, que tratava do significado da violência, ou seja,
não apenas de sua definição mas também de sua função no contexto
escolar. As perguntas foram formuladas de maneira a nos permitir
inventariar as situações violentas vividas pelos alunos, professores e
diretores. Com o fim de definir o que é normal, grave ou violento no
ambiente escolar, propusemos um conjunto de situações as quais, com
graus variados de intensidade, evocavam problemas de dominação e
violência, indisciplina e incivilidade. Pediu-se aos entrevistados que
julgassem essas situações usando escalas. Além disso, fizemos perguntas
sobre suas preocupações, medos e sentimentos de insegurança.
Simultaneamente, as pessoas entrevistadas tinham também que avaliar
o risco que elas corriam de verem-se envolvidas em situações
desagradáveis. Pedimos aos diretores e professores que avaliassem a
qualidade do clima escolar atual e sua evolução ao longo dos anos
225
imediatamente anteriores. Uma outra seção do questionário tratava das
explicações para as causas da violência.
Mesmo se levar mos em conta apenas algumas de suas
características, devemos observar que as escolas são extremamente
diversificadas, devido, principalmente, ao seu tamanho e aos traços
distintivos de seus cantões. Por exemplo, a percentagem de alunos
estrangeiros varia enormemente conforme o cantão (indo de uma
média de quase 50%, em Genebra, até menos de 10%, no Jura) e o
tamanho da escola (o índice de alunos estrangeiros é maior nas
áreas urbanas, onde se encontram as maiores escolas, que nas
regiões rurais).

A Definição de Violência Escolar


Para avaliar a violência escolar, precisamos primeiramente saber
como os principais protagonistas demarcam a linha entre atos violentos e
não-violentos. Também é necessário saber que nível de gravidade eles
atribuem a esses atos.
Em termos gerais, os professores têm uma definição mais ampla
de violência que os alunos, uma vez que eles incluem nessa lista muitos
atos que os alunos não incluiriam. No entanto, há uma similaridade de
pontos de vista entre esses dois grupos sobre o que é violência óbvia e o
que não é. Descortesia e gazeta de aulas certamente não consistem em
violência, enquanto extorquir dinheiro com ameaças e agressões físicas
entre dois protagonistas em desigualdade de condições claramente o são.
É quando se trata dos atos que os alunos considerariam como
“intermediários” que as duas posições divergem. As agressões entre pares
e as agressões verbais são vistas como violência com mais clareza pelos
professores que pelos alunos.
Os alunos, portanto, definem a violência como uma agressão
intencional, principalmente física, a pessoas em desigualdade de condições.
A oposição aos professores, principalmente na escola, não seria vista como
violência, mas sim como uma brincadeira, se nos basearmos na avaliação
de comportamentos como por exemplo: atirar com uma pistola d’água num
passante, ou dizer a um professor que você não se importa com o que ele diz, ou até
mesmo fazer grafitti nas paredes da escola.
226
Consideremos esses mesmos atos a partir do ângulo da
avaliação de sua gravidade. Aqui, as diferenças entre os dois grupos
não são tão marcantes, e observamos que os alunos consideraram
atos cuja violência eles haviam antes negado, como pichar com tinta
spray, como sendo mais graves do que os professores os haviam
considerado. Ataques verbais (grosseria e insultos) são vistos como
mais graves que violentos, principalmente pelos alunos. A divergência
mais evidente entre alunos e professores, entretanto, é sua avaliação
da agressão entre pares. Em total contraste com os professores, os
alunos consideram que ser descortês com um professor é mais grave que
chutar um outro aluno.
São principalmente os adultos que vêem problema nos alunos
baterem uns nos outros. Esse resultado é ainda mais significativo à luz do
fato de que os alunos concordam com os professores no tocante aos atos
mais extremos contidos nas representações de violência. Além disso, os
alunos acreditam que agredir crianças menores é um ato bastante grave,
embora, aqui também, eles sejam menos severos que os professores, em
seu julgamento. Finalmente, observamos que a descortesia aparece como
menos grave à medida em que os alunos se tornam mais velhos. Deve ser
especificado que aqueles que atacam a integridade alheia vêem esses atos
como menos violentos e menos graves que aqueles que não o fazem, ou
que aqueles que são vitimados.

A Extensão da Violência Real nas EscolasVisão Geral da Situação


O propósito de uma das perguntas feitas aos diretores foi o de
inventariar as escolas onde situações vinculadas à expressão de violência
haviam ocorrido no decorrer do ano letivo. Apresentamos uma visão
geral das respostas, levando em conta que é o efeito cumulativo da
totalidade dos casos que fornece uma pista sobre o panorama geral. Um
extrato da situação, apresentado na Tabela 1, mostra que esses
problemas afetam as escolas de maneira proporcionalmente comparável
à mostrada nos dados policiais: os roubos figuram acima dos danos à
propriedade, que, por sua vez são mais freqüentes que os ataques físicos.
Note-se que exigir dinheiro (ou, em termos mais jurídicos, extorquir ou
exigir dinheiro com ameaças) ocorre com tanta freqüência quanto a
227
violência física entre alunos. Todos esses atos dependem do tamanho
da escola, com uma nítida acentuação das situações de maior gravidade
nas escolas maiores.

Tabela 1
Proporção (%) das escolas afetadas por diferentes
problemas durante o ano letivo

Essas foram as respostas dadas pelos diretores de escolas.


O impacto do tamanho da escola é perfeitamente lógico, em
razão do fato de a probabilidade de um incidente vir a ocorrer aumentar
com o tamanho da população escolar. Nessas escolas, contudo,
observamos que o aumento consiste mais numa multiplicação dos
problemas do que numa adição àqueles observados nas escolas
menores. As diferenças entre os cantões são igualmente claras,

228
diferenças essas que se mantêm, mesmo quando o tamanho da escola
é neutralizado. A principal discrepância ocorre entre Genebra e o
restante da Suíça francófona.
As escolas podem ser divididas em duas categorias. O primeiro
grupo consta das 45 escolas nas quais o nível de violência real é baixo.
Nesses locais, um máximo de seis indicadores factuais foram contados
pelos diretores. Desses seis indicadores, o principal é o roubo de
dinheiro ou de objetos pessoais e, em menor grau, problemas de gazeta
de aulas, de bebidas alcoólicas e vandalismo relacionado aos prédios
ou ao equipamento. O segundo grupo inclui 38 escolas, cujos diretores
indicaram entre seis e onze tipos de ocorrências ligadas a um clima de
insegurança. Às ocorrências previamente mencionadas, podem-se
acrescentar os ataques verbais entre alunos e professores, as brigas
sérias entre alunos e os casos de depressão entre professores. Por fim,
o último grupo é composto de 46 escolas, onde os diretores tiveram
de enfrentar mais de onze situações relacionadas à violência. Além
das citadas anteriormente, ocorrem problemas de extorsão, roubo de
equipamentos escolares, porte de armas e casos de suicídio entre
alunos. Podemos, portanto, considerar que cerca de um terço das
escolas enfrentam diversos problemas graves. Os casos relatados dizem
respeito principalmente à incivilidade, atos que perturbam o bom
andamento da escola através da quebra das regras de bom
comportamento (ver Debarbieux, 1996, que descreve o mesmo
fenômeno na França).
Voltando nossa atenção para a percepção que as pessoas têm da
situação, questão essa abordada por meio de uma pergunta sobre o grau
de preocupação sentido pelos diretores confrontados com atos de
violência, é interessante observar que, neste particular, o impacto do
tamanho da escola é grandemente reduzido. Obviamente, essas
avaliações foram baseadas tanto em critérios factuais como em
comparações com as situações anteriores e as de outras escolas. Dessa
perspectiva, todos os diretores acabaram por estimar que a situação de
suas escolas era melhor, ou pelo menos semelhante à das demais escolas,
nunca pior. Surpreendentemente, os diretores mais preocupados com
os problemas de incivilidade foram os de Berna e do Jura, enquanto os
de Genebra situaram-se no campo oposto. É provável que a
229
restruturação do sistema escolar, que recentemente afetou esses dois
cantões (agravada por restrições orçamentárias, no caso de Berna) tenha
tido impacto na avaliação desses diretores.

Indicadores de Mudanças no Significado e na


Forma da Violência Escolar
Um exame detalhado das respostas sobre a violência factual
revela um fenômeno importante, relativo às atitudes para com a equipe
de direção e os professores. Propomos a hipótese de que um maior
respeito por essas pessoas levará, necessariamente, à diminuição das
agressões dirigidas contra elas.
A combinação dos dois resultados (ataques verbais à equipe de
direção e agressões físicas entre professores e alunos) levanta uma questão
crucial sobre a evolução da violência escolar e, por conseguinte, sobre
sua recente “descoberta”. Nos grandes centros urbanos, ao que parece,
os professores e diretores vêm recebendo ameaças verbais e físicas
dos usuários de suas escolas ou, em outras palavras, daqueles que
supostamente deveriam confiar neles e respeitá-los. Dito em termos
diretos e metafóricos, os pais de alunos vêm alinhando-se de forma
ativa para dar apoio a seus filhos na confrontação com a equipe
docente. Nas demais regiões do país, as relações mais tensas ocorrem
internamente às escolas (como no caso de Valais e, de modo mais
geral, nas escolas rurais).
Essa discrepância pode significar que a posição social dos
professores manteve-se mais alta nas áreas menos urbanizadas. No
entanto, se examinarmos as respostas dadas pelos professores a uma
pergunta sobre o enfraquecimento de sua autoridade entre os diversos
grupos sociais, essa hipótese não se sustenta. O que parece é que os
professores percebem a deterioração de sua autoridade sobretudo entre
a população em geral e as autoridades políticas, e apenas em menor
grau entre os pais de alunos e alunos.
Uma mudança parece estar ocorrendo nas relações entre os
usuários das escolas e os profissionais de ensino. Essa mudança, que é
mais nitidamente perceptível nas áreas urbanas, vem gerando maior
hostilidade por parte dos usuários com relação aos professores e
diretores, ao passo que são os alunos as principais vítimas da
230
incivilidade nas escolas. No entanto, essa mudança não parece ter
colocado em questão o reconhecimento social dos professores.

Nas Escolas
Agora que estabelecemos o quadro geral, é hora de olhar para
as escolas, em si. Para tratar dessa questão, começaremos pelo exame
das descrições das relações entre professores e alunos em 12 das escolas
francófonas selecionadas por nós. Perguntamos a eles se, no decorrer
dos três meses anteriores, eles haviam cometido, sido vítimas ou
espectadores diretos de atos de diversos tipos, capazes de causar danos
físicos ou psicológicos a pessoas, ou prejudicar o respeito pela
instituição escolar.

O Ponto de Vista dos Professores


Os professores estão mais próximos aos alunos que os
diretores, principalmente nas escolas maiores. Eles, portanto,
encontram-se diariamente com os alunos, com quem é indispensável
estabelecer boas relações, para que os professores possam
desempenhar suas tarefas. Foi por essa razão que nos surpreendemos
quando menos da metade dos professores nos devolveu o
questionário que enviamos a eles. Seria precipitado concluir que esse
índice de resposta, modesto se comparado ao dos diretores, refletia
uma situação praticamente isenta de problemas. Devemos,
entretanto, manter em mente esse dado, ao avaliarmos o ponto de
vista dos professores que enviaram respostas, porque ele pode servir
para caracterizar uma faixa de professores que, mesmo não se
sentindo perturbados pelos conflitos ocorridos na escola, estão no
mínimo interessados em trabalhar sobre eles ou simplesmente
denunciá-los.
No nível factual, a violência dirigida contra os professores
parece relativamente limitada, particularmente no caso de professores
do sexo masculino. A violência física é extremamente rara (apenas
um único caso no ano letivo de 1997/98) e os roubos são pouco
freqüentes. Xingamentos são mais comuns, mas os professores
também recorrem a eles.

231
Figura 1
Relações de incivilidade entre professores e alunos
segundo o sexo dos professores

O que mais chama a atenção é a discrepância entre homens e


mulheres. As professoras mulheres são mais freqüentemente vítimas
que perpetradoras de incivilidade, ao passo que, com seus colegas de
sexo masculino, é o oposto que ocorre (Figura 1). Esse resultado
relaciona-se ao fato de os xingamentos por alunos serem mais comuns
nas áreas urbanas, onde o número de professoras mulheres no ensino
secundário é alto. Por outro lado, os episódios de professores agredindo
alunos são mais freqüentes nas áreas semi-rurais, onde a maioria deles
é do sexo masculino. Desse modo, em Genebra, onde o número de
professoras mulheres nas escolas secundárias é o mais alto da Suíça,
os professores, de modo geral, são mais vítimas que perpetradores de
insultos, e os casos de agressão física são mais raros que no Valais, no
Jura, em Berna ou em Neuchâtel. Esses resultados, por sinal, coincidem
com as respostas dadas pelos diretores.
Observamos que os alunos são as únicas vítimas de agressões
físicas: 7% deles afirmaram ter sido fisicamente agredidos por um professor
no decorrer dos três meses anteriores, o que foi admitido pelos docentes.
Nesses três meses, o oposto em nenhum momento ocorreu, e houve apenas
232
um único caso no ano anterior. A tendência é a mesma, embora menos
nítida, quando se trata de xingamentos (22% dos alunos disseram-se
vitimados, contra 14% dos professores). Aqui, também, esse confronto,
em boa medida, depende do sexo dos protagonistas. As altercações mais
virulentas ocorrem entre homens e meninos. Deve-se observar que os
professores enfrentam dificuldades também fora da escola, com 8% deles,
nos três meses imediatamente anteriores, tendo sido incomodados em
casa por pais de alunos, e alguns pelos próprios alunos. Conflitos entre
professores ou entre professores e diretores são raros na Suíça francófona.
Por fim, os alunos dão mostras de descortesia para com os
professores. Trata-se aqui de comportamentos de rebeldia, como, por
exemplo, recusar-se a responder. E é aqui que, sem dúvida alguma, reside a
maior discrepância entre a definição de violência dada pelos professores,
por um lado, e pelos alunos, por outro.

Problemas Cotidianos
Para esclarecer o vínculo entre indisciplina e violência,
perguntamos a diretores e professores como eles lidam, no dia-a-dia, com
as várias formas de violência enfrentadas por eles em sua vida profissional.
Julgamos conveniente, nesse ponto, deixá-los falar livremente sobre os
problemas de vandalismo, de indisciplina grave ou de violência com os
quais eles foram confrontados, deixando-os explicar de forma breve a
natureza de cada um desses problemas, as medidas tomadas e os resultados
alcançados. Eles relataram os sinais de incivilidade enfrentados em seu
trabalho na escola. Embora os professores e diretores compartilhem o
mesmo local de trabalho, será que a natureza específica de suas funções
não resultaria em diferenças, em termos de seus sentimentos em relação à
violência? Ao falar sobre a violência nas escolas, estariam eles tratando
de uma realidade comum a ambos os grupos? Essas perguntas foram
concebidas para servir como diretrizes da nossa maneira de pensar.
Os diretores mencionaram maior variedade de problemas que os
professores. Algumas dessas situações apresentavam um nível de
gravidade que as situações mencionadas pelos professores não possuíam:
consumo de drogas e álcool, extorsão, ataques verbais de alunos contra
professores, violência sexual, alarmes quanto a bombas e suicídios. Deve-
se notar que praticamente não houve menção às formas de violência que
233
as pessoas infligem a si mesmas, como anorexia, tentativas de suicídio ou
casos de depressão entre professores. O termo violência, portanto, não
era interpretado nesse sentido. Em síntese, as cinco categorias de problemas
apontadas pelos diretores foram: vandalismo, violência física entre alunos,
indisciplina, violência verbal entre alunos e roubos. Os ataques físicos e
verbais entre alunos representaram a maioria dos problemas, seguidos de
vários tipos de danos causados pelos alunos aos pertences pessoais de
outros e, em menor grau, ataques verbais (indisciplina) e físicos cometidos
pelos alunos contra os adultos da escola.
Os professores enumeraram 130 situações. Brigas entre alunos,
diversas formas de indisciplina (comportamentos pouco acadêmicos, evasão
de autoridade e indisciplina em sala de aula) e vandalismo foram os
problemas mais freqüentemente enfrentados por eles na escola. Se
comparadas às respostas dadas pelos diretores, esses são tipos mais normais
de violência. O termo brigas entre alunos foi freqüentemente usado nas
respostas, sem maiores esclarecimentos. Será que nos vemos confortados
com um exemplo clássico de violência escolar que se tornou tão banal que
agora dispensa explicações? O vandalismo também figurou com destaque
na lista das incivilidades cometidas por alunos, ocorrendo de três formas
principais: danos ao equipamento ou às instalações escolares, frases
insultuosas escritas nas paredes da escola ou das salas de aula, ou nos
equipamentos escolares (nas carteiras, por exemplo) e danos a objetos
pertencentes aos professores. Os professores que citaram casos de
indisciplina em sala de aula descreveram com freqüência incidentes
relativamente graves. Apenas um deles mencionou indisciplina generalizada
em sala de aula. Não se trata, portanto, de tumultos ou perturbações da
ordem que envolvam a turma inteira, mas sim de casos de indisciplina
individual que devem ser mencionados. Em suma, os diversos tipos de ataque
que os alunos cometem uns contra os outros continuam sendo a forma
mais comum de violência testemunhada pelos professores, seguida de danos
a equipamentos e de hostilidade dirigida contra os adultos.
Surpreendentemente, a violência verbal mal chega a ser
mencionada. Talvez isso se deva à dificuldade de enumerar reações desse
tipo, em razão de elas terem se tornado tão comuns no ambiente escolar.
Apenas seis professores afirmaram ter assistido a cenas de xingamento
entre alunos, inclusive dois casos de racismo. Uma outra situação
234
assemelhava-se mais a um comportamento ameaçador, e ainda um outro,
a zombaria. É fácil imaginar que as muitas brigas descritas foram
acompanhadas por trocas de palavras pouco amistosas e, contudo, apenas
três professores mencionaram o fato.
Embora tenha havido dois casos de alunos armados de facas,
nenhum dos professores citou casos de extorsão, consumo de álcool ou
de drogas, assédio sexual ou de alarmes de bombas. Os roubos atribuídos
a alunos devem ser vistos com alguma reserva, uma vez que, algumas
vezes, não houve identificação do culpado. Os professores não
mencionaram atos de violência cometidos contra eles, nem agressões
cometidas por professores contra alunos. E, no entanto, sabemos que
situações como essas existem, porque pelo menos dois diretores em cada
dez mencionaram violência física de professores contra alunos, e quatro
entre dez citaram violência verbal. Contudo, na pergunta narrativa, apenas
um único caso foi relatado pelos diretores. Embora a pergunta tenha sido
formulada sem mencionar o presumível perpetrador desses atos, os
professores limitaram-se sempre a falar dos alunos. Três professores
admitiram ter dado um tapa num aluno, em reação a insultos graves, e um
outro admitiu ter chutado um aluno no traseiro. Eles, entretanto, não
escreveram essa resposta na seção dedicada à descrição das situações de
violência, mas sim na que tratava da descrição das providências tomadas.

Entre os Alunos
Passemos agora às relações de antagonismo entre alunos, algo que
muitas vezes é confundido com violência escolar. Como já vimos, os
professores dão ênfase a essas formas cotidianas de incivilidade,
principalmente às trocas de socos e pontapés. Trataremos agora das respostas
dadas pelos alunos. Em nosso estudo, o exame de três aspectos da
incivilidade – agressão física, extorsão e roubo – revelaram três dinâmicas
importantes. Para evitar interpretações divergentes, é importante descrever
com precisão a maneira pela qual as perguntas foram colocadas.

Agressão física
– Bater num colega que caçoou de você (perpetrador).
– Apanhar de meninos ou meninas de sua escola (vítima).
235
– Conhecer um menino ou menina que apanhou dos alunos de
sua escola (espectador)

Extorsão
– Forçar um aluno a lhe dar dinheiro ou alguma outra coisa que
você queira (perpetrador).
– Ser forçado por alunos da escola a entregar a eles dinheiro ou
outros objetos que lhe pertencem (vítima).
– Conhecer um menino ou menina que praticam extorsão
(espectador)

Roubo
– Roubar objetos ou roupas que pertencem a outros alunos
(perpetrador).
– Ter objetos seus roubados (vítima).
– Não examinamos esse aspecto do ponto de vista do espectador.

A pergunta foi feita aos espectadores para que pudéssemos ter


uma idéia da atenção dada ao problema e, até certo ponto, do medo assim
gerado. Isso também nos forneceu um indicador – embora limitado – da
importância atribuída a certos atos por meio do efeito-boato.
As brigas, que, se o leitor está lembrado, não são vistas como
muito graves pelos alunos, estão, de longe, no topo da lista. Os meninos
envolvidos são duas vezes mais numerosos que as meninas (44% contra
20%). Essa diferença entre os sexos é menos nítida entre as vítimas.
Uma análise mais refinada mostra também que as brigas tendem a ser
mais freqüentes nas escolas localizadas em cidades pequenas. A
extorsão, pelo contrário, continua sendo, de modo geral, marginal,
embora estando mais presente nas grandes escolas das áreas urbanas:
ela varia de 0% a 7%. Como é uma forma de violência que os alunos
reconhecem como grave, perguntas podem ser levantadas sobre sua
extensão. Expresso como percentagem, o fenômeno é raro, mas, em
números absolutos, ele afeta várias centenas de alunos (se os cálculos
tomarem como base todos os alunos da Suíça francófona, chegaremos
a um número de perpetradores de 700 meninos e 350 meninas).
Observe-se que as ameaças com uso de armas e o assédio sexual
afetam um número de alunos semelhante ao da extorsão. Aqui também,
236
os perpetradores e, em menor grau, as vítimas, tendem a ser meninos.
Deve ser especificado que, embora em três entre cada dez casos, os
alunos que batem em outros também afirmaram ter apanhado, os que
extorquiam nunca disseram ter sido vítimas de extorsão.
No tocante à extorsão, o número de espectadores é maior que o
número dos perpetradores e vítimas auto-relatados. Os percentuais de
espectadores é ainda maior entre os professores. Pode-se portanto dizer
que a divulgação desse fenômeno pela mídia em boa parte toma como
base os relatos de testemunhas oculares que, quando se leva em conta o
número real de casos, exageram o problema. Corroborando essa
interpretação, observamos que, no que concerne às brigas, o número de
alunos espectadores pouco difere do número relatado de vítimas. Além
disso, os estudos de casos submetidos a arbitragem, nos Estados Unidos,
mostra que um número considerável das situações se refere a boatos
(Johnson e Johnson, 1996).
O roubo tem a particularidade de opor um pequeno número de
perpetradores (3% dos alunos) a um número maior de vítimas (22%). Isso
pode significar que uma pequena minoria dos alunos saqueiam as escolas,
ou, simplesmente, que os alunos têm uma memória melhor para os roubos
sofridos que para os cometidos por eles! No entanto, esse resultado se
encaixa com os dados policiais, segundo os quais os furtos são
freqüentemente cometidos pelas mesmas pessoas que cometem agressões
físicas. Os roubos afetam todas as escolas em proporções comparáveis.
Para situar nossos resultados, podemos compará-los com os dados
coletados no lado suíço do estudo TIMSS2, realizado em 1996. Os autores
relatam resultados substancialmente maiores que os obtidos por nós em
dois índices comparáveis, a saber, ser vítima de roubo (36%) e ser ameaçado
por outros alunos (13%). Essa discrepância provavelmente se deve à maneira
pela qual as perguntas foram formuladas, uma vez que nossa formulação
mais precisa limitou esses atos aos ocorridos dentro da escola. Outros
resultados, publicados pelo ISPA3 (Nocelli, Le Gauffey e François, 1995)
sobre brigas, são mais próximos aos nossos, embora as perguntas tenham
sido formuladas de maneira mais geral, abrangendo a totalidade do ano

2 Terceiro Estudo Internacional sobre o Estudo de Matemática e Ciências.


3 Instituto Suíço de Prevenção do Alcoolismo e de Dependência de Outras Drogas.

237
letivo. Esses dados, deve-se especificar, foram coletados a partir de uma
amostra representativa de alunos com idades entre onze e dezesseis anos,
em todo o território suíço4.
Em ambos esses estudos, a incivilidade entre alunos parece ser
mais comum na Suíça de língua francesa que na Suíça de língua alemã.
Um estudo recentemente elaborado pelo ISPA confirma essa diferença
(Janin Jacquat e François, 1999). É provável que a discrepância entre
regiões se deva, ao menos em parte, aos maiores níveis de urbanização
da Suíça francófona, e à crise econômica que a afetou de forma mais
severa. Na verdade, Branger e Liechti (1998) relatam os resultados de
um estudo efetuado com 594 alunos cursando o último ano da
escolaridade obrigatória, em Zurique. Duas das perguntas eram
semelhantes às nossas, embora não tratassem exclusivamente do
ambiente escolar, e o período não tenha sido especificado. Nesse estudo,
6% dos meninos e 1% das meninas admitiram ter ameaçado alguém
com uma arma pelo menos uma vez, enquanto 43% dos meninos e 19%
das meninas afirmaram ter intimidado outra pessoa pelo menos uma
vez5. Debarbieux cita números ligeiramente mais elevados para as escolas
francesas, com 9% de vítimas de extorsão, 7% de perpetradores de
extorsão e 37% afirmando existir extorsão na escola (Debarbieux,
Dupuch e Montoya, 1997, p. 30).
Levando em conta os significados atribuídos por eles, as ocorrências
relatadas pelos alunos e professores mostram que a violência entre alunos é
preocupante, se definida do ponto de vista adulto. Observamos que, na
opinião dos alunos, os atos graves são raros. Para eles, o problema da
violência escolar limita-se a casos isolados, nos quais os agressores são
professores, ou, com a mesma freqüência, alunos. Os professores (e,
provavelmente, os adultos em geral) parecem vincular a gravidade desses
atos não tanto à sua freqüência, mas principalmente à perturbação causada
às aulas. Desse ponto de vista, o fenômeno da violência é mais generalizado
e causado principalmente pelos alunos. Não devemos nos esquecer que são
sempre os adultos que questionam e avaliam os problemas.

4 Gostaríamos de agradecer a Erich Ramseier, Yann Le Gauffrey, Luca Nocelli, Béatrice Janin Jacquat e
Yves François, por nos fornecerem os dados aqui mencionados.
5 Para um estudo mais detalhado sobre Zurique, ver Eisner, Manzoni e Ribeaud (2000).

238
O leitor pode se surpreender com o fato de nossa abordagem não
tratar especificamente das formas repetitivas de brutalidade (intimidação
por colegas), que estão atualmente sob o microscópio de muitos estudos
(por exemplo, na Suíça, Alsaker, 1993; Alsaker e Brunner, 1998, 1999).
Há duas razões para esse aspecto não se situar no cerne de nosso enfoque.
A primeira é que a intimidação por colegas é de certo modo comparável a
situações de constrangimento, ameaças e assédio sexual, todas as quais,
em termos de freqüência, encontram-se no mesmo nível que a extorsão.
É verdade que não perguntamos aos alunos com que freqüência eles haviam
sido submetidos a esses ou a outros atos mais sutis, mas igualmente
passíveis de causar sofrimento. E aqui está a segunda razão, que é tanto
teórica quanto prática. A intimidação repetida parece ser característica
de relações entre crianças mais novas, onde bodes expiatórios são
escolhidos para sofrer nas mãos de alguns de seus pares. Com a idade,
esse fenômeno diminui (Olweus, 1993, p. 15), embora certamente assuma
aspectos mais perigosos, como os que foram mantidos em nossas perguntas.
Fora isso, consideramos que enfocar especificamente a intimidação por
colegas colocaria demasiada ênfase nas relações psicológicas, que tendem
fortemente a se basear no sofrimento inerente às relações entre pares, em
detrimento das relações institucionais. Foi por essa razão que preferimos
dar ênfase ao senso de segurança existente na escola.

O Clima da Escola e os Sentimentos de Insegurança


A avaliação do clima da escola foi realizada a partir de dois ângulos.
O primeiro consistiu numa avaliação direta do clima e de sua evolução
no decorrer dos últimos cinco anos, feita pelos diretores e professores da
escola. O segundo orientou-se pelo senso de segurança presente entre
alunos e professores na escola, no pátio de recreio e na área circundante.
Quase sete entre dez diretores consideraram o clima da escola como sendo
bastante bom. Ele parecia ser ruim apenas em cinco escolas francófonas.
A violência factual, quer avaliada pelas respostas dos diretores quer pelas
dos alunos, encontra-se estreitamente relacionada à avaliação do clima.
Isso é particularmente verdadeiro se tomamos como elemento de referência
a proporção de alunos que foram vítimas de extorsão. Os diretores
mostraram-se menos otimistas quando mencionamos a evolução do clima
da escola no decorrer dos últimos cinco anos. No entanto, era possível
239
notar que as escolas dividiam-se quase que igualmente entre opiniões de
melhora, nenhuma mudança ou deterioração. Aqui também, a violência
factual pode ser associada a essa avaliação. A proporção das escolas com
um alto grau de violência factual aumentava à medida em que a avaliação
se tornava mais pessimista. O clima da escola provavelmente se encaixa
no contexto social mais geral. A crise socioeconômica (restrições
orçamentárias, futuro dos alunos) é sem dúvida alguma o aspecto que
mais preocupa os diretores do primeiro ciclo das escolas secundárias. E é
tentador relacionar as regiões onde o clima parece ser pior (as conurbações
de Genebra e Lausanne e a região do Jura) com a intensidade da recessão
da década de 90.
Os professores entrevistados pareciam mais pessimistas que os
diretores. O clima de violência na escola e sua evolução foram julgados de
maneira severa, especialmente pelas mulheres. Embora o clima seja ainda
satisfatório, na opinião destas, ele vem deteriorando significativamente ao
longo dos últimos anos. Observamos, mais uma vez, que as avaliações feitas
pelos professores eram bastante homogêneas, segundo a escola. Além disso,
na opinião dos professores, o clima de violência não depende da proporção
dos alunos que se declaram vítimas de extorsão. Isso vem a confirmar que,
para os professores, a questão da violência concentra-se menos nos atos
mais graves que na incivilidade do dia-a-dia.
A avaliação mais negativa do atual clima de violência vem das
associações de pais de alunos. Na opinião dos representantes dessas
associações, o clima vem piorando continuamente, já há vários anos. Um
interessante estudo realizado no Valais mostra que os pais estão divididos
com relação à deterioração da situação (Melcarne e Revaz, 1995). Para os
departamentos médico-pedagógicos e de psicologia, a situação atual é
bastante boa, embora tenha piorado nos últimos anos. Esses dados,
entretanto, devem ser tratados com cautela, por virem de um número
limitado de representantes.

O Senso de Segurança
O pessimismo dos professores quanto ao clima da escola afetaria
seu senso de segurança na escola? Não, não afeta, se observarmos que o
senso de segurança permanece muito alto – próximo ao máximo – entre
os homens. Sim, afeta, se nos reportarmos às respostas das professoras
240
mulheres, que se preocupam mais que seus colegas de sexo masculino,
principalmente quando estão fora da escola. Por fim, deve-se observar
que esse senso de segurança tende a diminuir com a idade.
No entanto, os professores sentem-se mais seguros que os alunos,
tanto dentro quanto fora da escola. Mas vale a pena apontar que, mesmo
que a diferença seja pequena entre os alunos, são as meninas que se sentem
mais seguras. Em todas as escolas, o senso de segurança diminui
consideravelmente quando eles deixam o prédio da escola. Embora, na
média, o sentimento fosse bastante bom dentro da escola, mais de um
aluno em cada vinte afirmaram não se sentirem de modo algum seguros.
No pátio de recreio, esse número sobe para um em treze, e nos arredores
da escola, para um em nove! Não há dúvida de que o sentimento de
insegurança é o principal problema nas escolas da Suíça francófona.

INTERVENÇÕES

Voltaremos agora nossa atenção para as medidas tomadas ou


planejadas pelos diretores, visando a melhorar o clima da escola. Em seguida,
examinaremos o que querem os professores e os alunos. Em termos gerais,
as intervenções aqui discutidas tratam do desenvolvimento de relações
harmônicas e da resolução de conflitos por meio de negociação. Isso não
significa que a lei tenha saído de cena, mas sim que ela funciona como um
pano de fundo. Na verdade, ela continua forte e clara, embora sua aplicação
seja vista de maneira menos unilateral e mais participativa.

Projetos Escolares
Que tipos de medidas são implementadas nas escolas francófonas
para melhorar o clima da escola? Em quase três entre cada quatro escolas,
foi estabelecida colaboração com o departamento médico-pedagógico e
com a polícia (que foi chamada a intervir em uma em cada duas escolas
durante o ano anterior ao do nosso estudo). Animação dramática e
arbitragem também são praticadas na grande maioria das escolas. Todas
essas medidas são mais comuns nas escolas problemáticas, mas essa
diferença é anulada se o tamanho do estabelecimento for levado em conta.
O mesmo vale para a organização de semanas de acampamentos, embora
essa atividade decresça à medida em que as escolas se tornam maiores.
241
Algumas diferenças podem ser atribuídas às políticas adotadas pelas
autoridades públicas da área educacional. É esse o caso da presença de
um árbitro, função essa que, em Genebra, é desempenhada por um
psicólogo escolar ou por um assistente social. A educação religiosa e o
treinamento de professores também variam dependendo do cantão.
No que tange à participação dos alunos na vida escolar, algumas
diferenças podem ser observadas, conforme o clima da escola. Um jornal
estudantil é publicado na metade das escolas, conselhos de alunos
existem em um quarto delas e, em uma em cada dez escolas, os alunos
participam de reuniões de avaliação das aulas. Essas medidas,
obviamente, foram tomadas para lidar com problemas graves, já que
elas são mais freqüentes nas escolas onde a violência factual é mais
comum. A participação dos alunos em reuniões gera uma opinião mais
positiva sobre a evolução do clima da escola do que quando essas
medidas não foram ainda adotadas, ou são vistas como desnecessárias.
A questão da participação dos alunos em reuniões de avaliação da turma ou da
escola é, por sinal, uma das que mais gera discórdia entre os diretores,
juntamente com a educação religiosa. Mais de um terço deles vêem ambas
essas medidas como não tendo qualquer sentido, enquanto apenas um
pequeno número não aceita as demais.
Em muitas escolas, os diretores afirmaram ter tomado, ou pretender
tomar, outras medidas. Alguns pouco estabeleceram um projeto escolar
global. Exemplos de projetos desse tipo são os cursos de orientação de
Pérolles, de Friburgo (fórum de discussão, arbitragem por pares, grupos
de comunicação terapêutica) e de algumas escolas de Genebra. Citamos
também a particular importância do Centro Pestalozzi de Zurique, onde
várias formas de intervenção vêm sendo testadas. Entre elas, as mais
notáveis são a adoção de programas centrados no desenvolvimento da
auto-estima, na preparação para a vida profissional e a promoção de valores
educativos. A arbitragem por pares e a formulação de uma carta escolar
são dois aspectos que vêm apresentando rápido crescimento, embora seja
difícil ter uma idéia precisa das condições de seu funcionamento.
Diversas iniciativas de animação constam também da agenda.
Algumas delas são bastante originais, como as aulas de autodefesa para
os alunos mais novos, programas em que os alunos mais velhos tomam
conta dos mais novos e a criação de redes que incluem diversos serviços
242
extracurriculares. Por fim, não devemos esquecer os esforços envidados
no campo do apoio escolar, que muitas vezes é dificultado pelas
restrições orçamentárias.
No entanto, as medidas tomadas para melhorar o clima da escola
ainda não chegaram a produzir resultados conclusivos. Elas, pelo
contrário, parecem revelar a existência de problemas relacionados ao
tamanho da escola.

Projetos de Alunos e Professores


Perguntamos aos alunos até que ponto eles gostariam de se
beneficiar de diversos direitos no ambiente escolar. Os professores foram
convidados a dar sua opinião quanto a esses direitos serem ou não eficazes
para melhorar o clima da escola. O direito a diversas formas de expressão
foi escolhido por muitos alunos, e os professores foram de opinião que
isso de fato seria benéfico para o clima da escola. Os alunos foram
contrários à permissão de fumar durante os intervalos, e os professores
também pensaram que isso seria nocivo ao clima da escola. Observamos,
entretanto, que as formas de expressão tinham valores diferentes para
diferentes pessoas.
Os alunos, acima de tudo, foram favoráveis ao direito de livre
expressão verbal no espaço público da sala de aula, indo ainda além, para
reivindicar o reconhecimento desse direito em contextos específicos
(publicação de um jornal, reuniões de avaliação de turma, relação com os
professores). Sem negar esses direitos, os professores deram preferência a
atividades mais organizadas. A seu ver, os debates públicos seriam menos
benéficos para o clima da escola que a publicação de um jornal ou
entrevistas individuais com os professores. Surpreendentemente, os alunos
– os meninos principalmente - não foram contrários à idéia de prêmios
por boas notas. Os professores, por outro lado, acharam que isso, na melhor
das hipóteses, não teria influência alguma sobre o clima da escola.
O aspecto mais problemático reside no fato de que os alunos que
se sentem mais seguros, os que têm as melhores notas e as menores
probabilidades de vir a ser vítimas de agressão são os que mais reivindicam
os direitos de expressão aprovados pelos professores. Por outro lado, os
que se sentem menos seguros e mais sofrem agressões são mais favoráveis
a atos de rebeldia, como fumar no pátio ou recusar-se a fazer educação
243
física. Esse é um problema recorrente, que concerne às medidas tomadas
para evitar ou solucionar os problemas de incivilidade. Essas medidas
concentram-se na expressão verbal, que é uma forma de expressão que se
enquadra nas práticas escolares normais. Essas práticas, portanto, são
particularmente adequadas aos alunos que são capazes de usá-las, e esses
alunos, infelizmente, não são seu público-alvo!
Esse paradoxo baseia-se, de modo geral, na socialização e nas
relações mantidas pelos adultos. Podemos ter um vislumbre dessa
situação quando observamos a importância dada pelos adolescentes à
opinião de diferentes pessoas. Quando mais importante for para eles a
opinião dos adultos (pais e professores), mais eles aceitam os castigos e
a intervenção dos pais para resolver as perturbações da ordem nas aulas.
Eles são também mais favoráveis à denúncia de atos de agressão
assistidos por eles e mais contrários à gazeta de aulas e ao consumo de
tabaco. Pontos de vista diferentes aparecem entre os alunos que se
preocupam mais com a opinião de seus pares (colegas, irmãos e irmãs),
principalmente em encontros sociais. Esses alunos sentem-se mais
atraídos pela possibilidade de contestar a ordem escolar, não apenas
reivindicando o direito de fumar nos intervalos, mas também de
manifestar suas opiniões durante as aulas.

REFERÊNCIAS

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245
10. VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS:
UMA PERSPECTIVA DO REINO UNIDO
1
Profª Helen Cowie e Prof. Peter K. Smith

No caso da maioria das crianças, os comportamentos agressivos


mantêm-se em limites razoáveis, de modo a não perturbar as atividades
dos grupos de colegas, ou causar sofrimento ou problemas prolongados
a outros. Algumas crianças, entretanto, mostram níveis de
agressividade incomumente altos, gerando comportamentos que podem
perdurar ao longo do tempo e, freqüentemente, exigir a intervenção
de adultos. Os delitos cometidos por menores e a violência escolar
são reconhecidos como problemas importantes no Reino Unido, e
muitos meninos, em particular, admitem ter cometido atos que
poderiam tê-los levado aos tribunais. Nas escolas do Reino Unido,
nos últimos dez anos, foi também reconhecido que a intimidação por
colegas (bullying) representa um problema grave, que causa muito
sofrimento a um grande número de crianças e adolescentes, tanto aos
que são vítimas da intimidação quanto aos espectadores, que se sentem
incapazes de intervir. Além disso, praticar intimidação é um indicador
de agressividade na vida adulta. Profissionais e pesquisadores vêm
colaborando para o enfrentamento desse problema, com algum grau
de sucesso. Neste capítulo, apresentamos dados sobre violência e
comportamentos anti-sociais entre alunos de escola e sobre a
intimidação por colegas que ali ocorre. Então, examinamos as políticas
governamentais dirigidas a esses problemas e damos exemplos de
intervenções bem-sucedidas.

1 Profª Helen Cowie, Universidade de Surrey Roehampton. Prof. Peter K. Smith, Goldsmith University, Londres,
Reino Unido.

247
DADOS OFICIAIS

Há muitas indicações que sugerem que fatores múltiplos e


interatuantes têm forte impacto sobre o surgimento da agressão e dos
comportamentos anti-sociais nos jovens. Há fatores genéticos, como o
temperamento. Além disso, as crianças que têm a experiência de disciplina
pouco eficaz, falta de afetividade por parte dos pais e falta de orientação
parental em casa, têm maiores probabilidades de vir a se comportar de
forma agressiva em relação a seus pares. Além disso, crianças que escolhem
amigos indisciplinados têm mais chances de vir a se tornar indisciplinadas
elas próprias, e essas crianças agressivas, na adolescência, tenderão a
gravitar rumo a grupos anti-sociais, onde elas desfrutarão de alto status.
As crianças agressivas, embora rejeitadas por muitos de seus pares, ainda
assim conseguirão congregar com outros de natureza igualmente anti-
social. Hargreaves (1967), numa investigação pioneira de grupos
delinqüentes nas escolas secundárias, identificou alunos que eram
reconhecidos como líderes, mas que, ao mesmo tempo, eram impopulares
e temidos pelos colegas em geral. Esses jovens haviam alcançado alto
status no seu grupo de pares devido ao seu talento para brigas, seu
comportamento permanentemente agressivo e sua postura anti-social e
anti-escola. Por fim, há fatores sociais mais amplos como a pobreza ou a
vida em uma vizinhança violenta (Farrington, 1995; Randall ,1996).
Essa agressividade serve de indicador de violência e criminalidade
na idade adulta. No Estudo do Desenvolvimento Delinqüente, realizado
na Universidade de Cambridge, Farrington (1995) acompanhou 411 jovens
de sexo masculino, provenientes da zona sul de Londres, com idades entre
8 e 32 anos. Ele verificou que os mais importantes indicadores de possível
delinqüência futura eram comportamentos anti-sociais na infância,
impulsividade, baixos níveis de inteligência e desempenho escolar,
criminalidade na família, pobreza e cuidados parentais deficientes. Nas
idades de 8 a 10 anos, os maiores indícios isolados de delinqüência juvenil
oficializada (ou seja, condenações nas idades entre 10 e 16 anos) eram
“comportamentos rebeldes, atrevimento, desonestidade, um irmão com
problemas de comportamento, um pai cumprindo sentença judicial e
cuidados parentais deficientes” (p. 941). Farrington observa como eram
precisas as previsões de comportamento delituoso. Meninos que eram
248
agressivos na infância ou na adolescência, tendiam a cometer mais
infrações na idade adulta, viviam em circunstâncias familiares piores,
apresentavam maior tendência a entrar em conflito ou a ser violentos em
relação a seus companheiros de trabalho ou sua mulher, tinham maior
probabilidade de desemprego, de serem autuados por dirigirem bêbados,
a consumirem drogas e a cometerem um maior número de delitos
envolvendo violência. Farrington aponta, contudo, que essa continuidade
não dizia respeito especificamente à agressividade, sendo parte de uma
continuidade geral dos comportamentos anti-sociais e anômalos, a
começar da infância. De modo geral, os indivíduos de sexo masculino
eram menos anti-sociais aos 32 anos do que haviam sido aos 18, mas
aqueles que eram relativamente mais infratores aos 18 anos tendiam a ser
mais infratores aos 32. No caso daqueles cujas famílias haviam-se mudado
de Londres, a delinqüência oficial e auto-admitida havia decrescido. O
casamento e a influência de mulheres também contribuíam para a
diminuição da delinqüência. As implicações políticas deste estudo foram
que, para reduzir a delinqüência e os comportamentos anti-sociais, a
prevenção precoce na escola é necessária, tendo como alvo os quatro
principais fatores de risco: baixos níveis de inteligência/desempenho;
deficiência dos cuidados parentais; impulsividade e pobreza.

VIOLÊNCIA E INTIMIDAÇÃO NAS ESCOLAS DO


REINO UNIDO

Não há disponibilidade de estatísticas sistemáticas sobre violência


escolar no Departamento de Educação e Emprego (DfEE). As melhores
indicações estatísticas sobre sua ocorrência e suas implicações referem-
se ao item correlato da intimidação por colegas nas escolas, que vem
sendo intensivamente estudado já há uma década (Smith e Shu, 2000).
No Reino Unido, a intimidação por colegas nas escolas vem sendo objeto
de preocupação desde 1989, quando foi lançado o Relatório
Governamental Elton sobre Disciplina. Os resultados das pesquisas
despertaram o interesse da mídia e isso continua até os dias de hoje. As
crianças que sofrem de intimidação tendem a ter menos amigos, a
apresentar maior tendência à depressão, a ter menor auto-estima, sendo
suscetíveis a vários problemas de desempenho acadêmico e de saúde
249
(Hawker e Boulton, 2000). A cada ano, muitos jovens cometem suicídio
tendo a intimidação por colegas como uma das causas.
Num dos primeiros estudos sistematizados, Arora e Thompson
(1987) usaram a lista de checagem “Minha Vida na Escola” para definir a
natureza da intimidação por colegas que ocorria nas escolas secundárias do
Norte da Inglaterra. Os atos mais freqüentemente vistos como intimidação
são maus-tratos, extorsão de dinheiro, danos a pertences pessoais, socos e
chutes. Uma alternativa possível à lista “Minha Vida na Escola” é o
questionário de relatos pessoais anônimos, de Olweus, que adota uma
definição padronizada de intimidação. Para ser usado no Reino Unido, esse
questionário passou por modificações, tendo sido utilizado por Whitney e
Smith (1993) no primeiro levantamento de larga escala realizado na
Inglaterra, aplicado em 24 escolas de Sheffield, em finais de 1990. Mais de
6.700 alunos participaram; 2.600 de escola primária e 4.100 de escola
secundária. 27% dos alunos de escola primária relataram sofrer intimidação
“às vezes” ou com maior freqüência, incluídos os 10% que sofriam
intimidação “uma vez por semana” ou mais. Para as escolas secundárias,
esses números foram de 10% e 4%, respectivamente. Na faixa dos 8 aos 16
anos, as queixas de intimidação apresentaram uma nítida e constante redução.
Doze por cento dos alunos de escola primária admitiram ter participado de
atos de intimidação de colegas, “às vezes”, ou mais freqüentemente,
incluídos os que afirmaram participar “uma vez por semana” ou mais. Para
as escolas secundárias, esses percentuais foram de 6% e 1%,
respectivamente. A análise das variações entre diferentes escolas sugeriu
que o tamanho da escola não tinha influência. As baixas condições
socioeconômicas tinham um impacto modesto, respondendo por cerca de
10% das variações (mais intimidação nas escolas situadas em áreas mais
carentes). Os autores, entretanto, consideram provável que os valores éticos
da escola e as políticas de combate à intimidação adotadas sejam uma fonte
de maior peso na variação encontrada entre as escolas.
Muitas crianças vítimas de intimidação têm medo de falar a outras
pessoas sobre suas experiências de serem agredidas e intimidadas por
colegas. Num levantamento de escala nacional recentemente realizado,
Smith e Shu (1998) verificaram que 30% das crianças vitimadas por
intimidação não haviam se queixado a ninguém; que os meninos e os
alunos mais velhos tendiam mais a omitir esses fatos que as meninas e as
250
crianças mais novas. O medo de falar sobre o assunto, provavelmente,
nasce de uma combinação de sentimento de culpa, do medo de caçoadas,
da hostilidade dos pares e da retaliação dos colegas agressores, e da
descrença quanto a uma providência vir efetivamente a ser tomada
(Naylor e Cowie ,1999; Smith e Shu, 2000). É comum que um jovem
vitimizado pense ser mais seguro suportar o tratamento abusivo sem se
queixar a ninguém. Embora algumas das vítimas busquem a ajuda de
colegas, professores ou dos pais, muitas delas fecham-se em si mesmas,
mantendo silêncio sobre seu sofrimento. Mesmo assim, as escolas que
adotam políticas de intervenção ativa demonstram que as queixas
geralmente dão resultado, e as escolas que praticam sistemas de apoio
entre pares relatam maior ocorrência de pedidos de ajuda por parte dos
alunos vitimados por intimidação.
Um levantamento realizado por Mellor (1990), usando uma amostra
representativa de escolas escocesas, revelou que, ali, os níveis de
intimidação por colegas são mais baixos que na Inglaterra. Esse projeto
foi realizado em 1989, em dez escolas secundárias, com uma amostragem
de 942 alunos entre 12 e 16 anos. Seis por cento dos alunos escoceses
afirmaram ter sido intimidados recentemente, “às vezes ou com maior
freqüência”, e 4% deles, ter intimidado colegas. Os que haviam cometido
intimidação provinham de todas as classes sociais e ambientes familiares,
mas as crianças que tinham três ou mais irmãos, ou que viviam com pessoas
que não eram seus pais, tinham uma probabilidade ligeiramente maior de
vir a usar de intimidação para com outros. As crianças cujos pais eram
profissionais liberais ou trabalhavam em cargos executivos apresentavam
menor probabilidade de intimidarem colegas, ao passo que aqueles cujos
pais eram trabalhadores manuais qualificados apresentavam maior
probabilidade. Um resultado importante do levantamento escocês foram
variações significativas nos registros de ocorrência de intimidação por
colegas entre as dez escolas estudadas. Por exemplo, o percentual das
crianças que afirmaram ter recentemente sofrido intimidação, “às vezes
ou com maior freqüência”, ia de 2,4% a 15,4%. Essas diferenças não
eram passíveis de serem explicadas com base no tamanho da escola, em
seu nível de desempenho acadêmico, sua localização geográfica ou na
classe social dos pais de seus alunos. No entanto, embora nenhuma das
escolas tivesse, àquela época, desenvolvido uma política específica de
251
combate à intimidação, algumas delas pareciam estar conseguindo conter
os níveis da ocorrência desse fenômeno.
Em algumas escolas, a violência racista vem se manifestando uma
característica particularmente preocupante (Kelly e Cohn, 1988) e, num
caso bem conhecido, ela resultou na morte de uma criança. É possível
que as crianças sofram provocações e xingamentos racistas (Mooney,
Creeser e Blatchford,1991), e ficou demonstrado que os alunos de origem
étnica não-branca sofrem mais xingamentos racistas (embora não
necessariamente outras formas de intimidação) do que as crianças brancas
da mesma faixa etária e do mesmo gênero (Moran, Smith, Thompson e
Whitney, 1993; Boulton, 1995). O assédio sexual (de meninas por meninos,
mas, às vezes, também de meninos por meninas) pode ser um problema
importante nas escolas secundárias. Os xingamentos sexuais atingem seu
máximo na faixa dos 13 aos 14 anos. Uma vez que a sexualidade da vítima
é o alvo dos ataques, muitas delas se calam quanto à forma como são
tratadas. Em alguns casos, as agressões verbais são tão graves que as
vítimas são levadas a deixar de comparecer às aulas (Duncan, 1999).
Diversos estudos mostram que as crianças portadoras de
necessidades educacionais especiais correm um risco significativamente
maior de vir a se envolver em situações de vítimas de intimidação (Martlew
e Hodson, 1991; Nabuzoka e Smith, 1993). Whitney, Smith e Thompson
(1994) realizaram uma cuidadosa comparação de crianças com
necessidades especiais com crianças normais da mesma faixa etária escolar,
idade, raça e gênero. As crianças portadoras de necessidades especiais
corriam riscos duas a três vezes maiores de virem a sofrer intimidação,
além de apresentarem maiores riscos de tomar parte na intimidação de
colegas. Se tomarmos como base o relato dos próprios alunos, os
professores faziam uma idéia relativamente precisa de que essas crianças
tendiam a sofrer intimidação, embora tendendo a subestimar a freqüência
desses incidentes, em comparação com o relato dos próprios alunos.
Esses estudos apontam pelo menos três fatores que elevam o risco
de uma criança portadora de necessidades especiais vir a ser vitimada.
Em primeiro lugar, elas podem possuir características particulares,
relacionadas à sua dificuldade de aprendizagem, ou apresentar outras
deficiências que fazem dela um “alvo” óbvio. Em segundo lugar, as
crianças com necessidades especiais matriculadas em ambientes escolares
252
integrados são menos socialmente integradas, faltando-lhes a proteção
contra os intimidadores fornecida pelo círculo de amizades. E, em terceiro
lugar, algumas dessas crianças apresentam problemas comportamentais
que fazem com que elas ajam de maneira agressiva, transformando-se
assim em “vítimas provocadoras”.
Em termos mais gerais, os alunos que são de algum modo diferentes
podem ser escolhidos como vítimas. Rivers (1999) traça um paralelo com
as situações nas quais um membro mais fraco da comunidade é forçado
a assumir o papel de bode expiatório. Os que são de algum modo
deficientes, ou são vistos como diferentes, são particular mente
vulneráveis a agressões desse tipo. Ela cita o exemplo de jovens gays ou
lésbicas. No Reino Unido, uma série de restrições legislativas determinam
que a homossexualidade não seja nem promovida nem apresentada como
um estilo de vida socialmente aceito, ou como uma alternativa possível
à heterossexualidade. Muitos jovens são confrontados com imagens
negativas de lésbicas, gays e homens e mulheres bissexuais. Rivers (1995)
obteve de 140 jovens gays e lésbicas respostas a um questionário: 80%
deles haviam sofrido caçoadas em razão de sua orientação sexual, e mais
da metade havia sofrido agressões físicas ou ridicularização por parte de
outros alunos ou de professores.

POLÍTICAS PÚBLICAS

As políticas públicas implementadas em nível nacional, federal,


regional ou local dão particular ênfase na coordenação das iniciativas das
diversas agências (educação, polícia, justiça, serviço social) e da
comunidade.

Políticas de Combate à Criminalidade


Um enfoque desenvolvimentalista da agressividade e da violência
entre jovens pode ter influência decisiva sobre as políticas adotadas. Bailey
(1997) afirma que uma perspectiva desenvolvimentalista tem implicações
quanto ao papel desempenhado pelos profissionais da saúde mental infantil
na sua avaliação precoce de crianças e adolescentes violentos, quanto às
maneiras de intervir nesses casos e, igualmente, quanto ao estabelecimento
de parcerias com outras agências e a formulação de programas adequados
de prevenção e de intervenção precoce.
253
Para quebrar o círculo da violência e da agressividade nos jovens,
talvez seja necessário adotar um enfoque multidisciplinar, envolvendo
diversas agências, e no qual os pesquisadores e os profissionais possam
intercambiar as informações acumuladas ao longo dos últimos vinte anos.
Esse conhecimento deve ser compartilhado entre os profissionais, de
modo a fornecer às autoridades uma base informativa para a formulação
das políticas e a influenciar a opinião pública por intermédio dos meios
de comunicação de massa. No entanto, ainda existe divergência entre
aqueles que gostariam de ver as agressões punidas com a aplicação de
sanções severas, e aqueles que dão preferência à adoção de intervenções
remediativas e preventivas, que levem em conta os fatores causais de
ordem social e familiar. Algum diálogo é possível entre essas duas
perspectivas, embora fortes pressões políticas atuem sobre as autoridades,
no sentido de cercear o processo de mudança.
O Estudo de Cambridge é um bom exemplo de um projeto de
pesquisa que teve influência sobre as políticas governamentais que tratam
da criminalidade. À época de sua publicação, esse estudo influenciou as
idéias do então secretário do interior, que expediu um Documento Verde
(Green Paper) sobre a prevenção precoce. Infelizmente, como observa
Farrington, devido às eleições gerais de 1992, o documento não chegou a
ser publicado. Contudo, em data mais recente, algumas das idéias nele
contidas vêm aparecendo em documentos e nas políticas do Ministério do
Interior, como determinado na Lei da Criminalidade e da Perturbação da
Ordem (1998). Essa lei exige que as autoridades locais, as forças policiais e
outras agências, em parceria com a comunidade, trabalhem, no âmbito de
suas jurisdições, com a criminalidade e com as perturbações da ordem. A
lei estipula que todas as regiões administrativas devem desenvolver uma
forte parceria estratégica com a polícia, com as autoridades educacionais e
de saúde e outras agências afetas à questão. Por exemplo, o Conselho do
juizado da infância e da juventude, presidido pelo Delegado de Polícia e
pelo Executivo-Chefe, é formado por diretores dos serviços de
acompanhamento de menores infratores, pelos serviços de assistência aos
jovens, de educação e saúde, e do juizado da infância e da juventude.
Todas as autoridades locais têm a obrigação de elaborar um plano de justiça
para menores que integre os esforços de todas as agências e promova a
segurança da comunidade e o acompanhamento judicial dos menores.
254
A seção 37 dessa lei aponta a prevenção dos delitos cometidos
por menores como o principal objetivo do sistema judicial de menores.
Mudanças importantes ocorreram no tratamento dado aos menores
infratores, como, por exemplo: participação da família, reparação, cursos
para pais, terapia de comportamento cognitivo, apoio educacional e
profissionalizante, ensino básico de linguagem e aritmética, lazer
supervisionado e tratamento dos usuários de drogas. Os serviços de saúde
e educação vêm sendo incentivados a encaminhar esses jovens de volta à
escola, dando-lhes acesso aos novos serviços de saúde mental para crianças
e adolescentes que hoje são financiados pelo governo. O Conselho do Juizado
de Menores tem autoridade para solicitar informações, acompanhar o
desempenho e publicar informações sobre desempenho insatisfatório. O
atual Ministro do Interior conferiu ao Conselho a competência de contratar
serviços de terceiros visando ao tratamento dos 3.000 menores infratores
que atualmente encontram-se sob custódia. A punição continua sendo um
fator importante no tratamento dado aos menores infratores, embora esse
tratamento, hoje em dia, concentre-se mais nas mudanças comportamentais
e na prevenção da reincidência futura. O trabalho conjunto das diversas
agências recebe o reforço de sistemas e procedimentos que facilitam o
planejamento conjunto e os contatos com serviços de assistência à criança,
evitam duplicação de esforços, maximizam recursos e conferem maior
eficácia ao processo decisório e de formulação de metas. A ênfase recai
sobre a intervenção precoce para lidar com os comportamentos delituosos,
no reforço da responsabilidade parental e na oferta de oportunidades para
que os menores infratores entendam o impacto de seu comportamento sobre
os demais e assumam responsabilidade por suas ações. Há também
iniciativas patrocinadas pelo governo que têm como objetivo envolver os
próprios jovens na solução do problema, como, por exemplo, Grupos de
Ação Jovem e os Voluntários do Milênio.

Políticas Visando Evitar os


Comportamentos Agressivos nas Escolas
A Comissão Elton (DES, 1989) recomendou às escolas o
desenvolvimento de normas e disciplinas amplas de comportamento, com
princípios claros. A comissão sugeriu que essa política fosse formulada
após ouvir os pais de alunos, os professores, o pessoal de apoio das escolas
255
e os próprios alunos. Essa política escolar ampla tem como objetivo criar
uma estrutura na qual estejam presentes diretrizes claras sobre quais
comportamentos são aceitáveis e quais não o são, contendo também
sanções aos comportamentos que descumpram essas determinações.
Em 1994, o Departamento de Educação produziu o pacote: Não
Sofra em Silêncio: um Pacote Anti-intimidação para as Escolas, que foi oferecido
gratuitamente às escolas públicas, tendo sido solicitado por mais de 90%
delas. O pacote foi atualizado e será reeditado em 2000. Atualmente,
inspeções regulares das escolas são realizadas pelo Departamento de Padrões
Educacionais (Office for Standards in Education – OFSTED), incluindo
uma avaliação das políticas de combate à intimidação adotadas por cada
escola, e também das formas pelas quais essas políticas são implementadas
e monitoradas. A opinião pública sobre o assunto mudou bastante nos últimos
oito anos, quando a intimidação passou a ser discutida de forma mais aberta.
A partir de setembro de 1999, a Lei dos Padrões e Estruturas Escolares
(School Standards and Framework Act), de 1998, passou a exigir que todas as
escolas possuam uma política ou uma estrutura que vise a “incentivar nos
alunos o bom comportamento e o respeito pelos outros e, principalmente,
evitar todas as formas de intimidação entre os alunos”. Na formulação
dessas políticas de combate à intimidação, as escolas devem, igualmente,
certificar-se de que essas políticas cumprem as determinações da Lei dos
Direitos Humanos de 1998, que entrou em vigor em 2000.
Uma avaliação das respostas das escolas ao Pacote Anti-
intimidação de 1994 mostrou que esse pacote foi de grande utilidade para
o desenvolvimento de políticas escolares e de estratégias de combate à
intimidação (Smith e Madsen, 1997). Numa amostragem das respostas
encaminhadas por 155 escolas, 29% possuíam normas amplas e específicas
relativas à intimidação; 58% possuíam nor mas mais gerais de
comportamento ou de disciplina, da qual constava uma seção relativa à
intimidação; 10% estavam em vias de desenvolver normas dessa natureza,
ao passo que apenas 3% não possuíam nenhuma espécie de norma.. As
escolas também informaram sobre o êxito dos diferentes métodos usados
por elas. Esses métodos, em sua maioria, foram vistos como positivos. A
maior parte das escolas, com base em observações e registros de queixas
de incidentes ocorridos, acreditavam que os incidentes de intimidação
haviam diminuído a partir do recebimento do Pacote.
256
Em 1992, o Conselho Escocês de Pesquisas Educacionais produziu
um Pacote a ser utilizado pelas escolas na formulação de políticas de
combate à intimidação (Johnstone et al., 1992; 1993), que foi distribuído
em todas as escolas da Escócia e, posteriormente, da Inglaterra, do País
de Gales e da Irlanda do Norte. Em fins de 1992, tomou-se a decisão de
criar uma Iniciativa de Combate à Intimidação nas Escolas Escocesas
(Scottish School Anti-Bullying Initiative – SSABI), contendo recomendações
direcionadas às escolas e aos professores, relativas a aconselhamento,
informação e treinamento,. Essa iniciativa tinha também como meta o
trabalho conjunto com as autoridades educacionais que estivessem
desenvolvendo suas próprias iniciativas e a realização de estudos
enfocando as próprias escolas, com o propósito de produzir material de
apoio. Uma das autoridades, a de Strathclyde, respondeu com a produção
de um pacote de treinamento criado na própria Região – Criando
Relacionamentos Positivos (Protegendo nossas Escolas da Intimidação).

A Política de Promoção da Cidadania


O Relatório Crick (Autoridade de Qualificação e Currículos, 1998)
recomendou que aulas de cidadania sejam incluídas no currículo. O
Governo assumiu o compromisso para com a educação de seus futuros
cidadãos – os jovens que freqüentam as escolas –, com o objetivo de
ensinar aos alunos a serem membros participantes e responsáveis de sua
comunidade, e o currículo de cidadania vai passar a ser obrigatório a partir
de 2002. O Relatório Crick dá ênfase à importância de aprender a gerir o
ambiente de aprendizagem, de forma a incentivar os comportamentos
pró-sociais e a aumentar as relações cooperativas, baseadas na confiança
entre colegas e entre professores e alunos. O Relatório recomenda que
uma cidadania engajada deva ocorrer, tanto dentro da escola como na
comunidade em geral.
“É óbvio que a preparação formal para a cidadania na vida adulta,
em sua totalidade, pode ser incentivada ou obstruída pelos valores éticos
e pela organização da escola, pelo fato de serem ou não oferecidas aos
alunos oportunidades de exercício de responsabilidades e iniciativas, e
também por eles serem ou não consultados de forma realística sobre
questões onde suas opiniões possam ser relevantes, tanto para o bom
257
funcionamento da escola quanto para sua motivação para os estudos, de
modo geral.” (QCA, Relatório Crick, 1998, p. 25).
Esse Relatório tem implicações quanto ao reconhecimento das
intervenções de combate aos comportamentos agressivos nas escolas
e oferece oportunidades para o desenvolvimento de estratégias e
estruturas que promovam comportamentos cooperativos e pró-sociais
entre os jovens.

Colocando em Prática as Políticas


A produção do pacote de combate à intimidação Não Sofra em
Silêncio baseou-se em pesquisas empíricas. De 1991 a 1994, o
Departamento de Educação financiou um projeto executado na
Universidade de Sheffield e formulou e avaliou intervenções de combate
à intimidação nas escolas (Smith e Sharp, 1994). O projeto trabalhou
com 23 escolas (16 primárias e 7 secundárias) que haviam recebido um
portfólio de levantamento sobre a ocorrência de intimidação, para apoiá-
las na formulação de intervenções de combate, monitorar seu trabalho
e avaliar sua eficácia, contando com o auxílio de um segundo
levantamento, efetuado dois anos mais tarde. A intervenção principal
ou central foi a formulação de uma política total sobre intimidação, um
documento escrito colocando de forma clara o que esta significa,
explicitando as medidas a serem tomadas caso ela venha a ocorrer, quem
será informado, que tipos de registro serão mantidos e como a eficácia
da política deverá ser avaliada. Além disso, as escolas eram assessoradas
na escolha entre diversas alternativas de inter venção (Sharp e
Smith,1994), incluindo:

– trabalho curricular – usando vídeos, teatro e literatura em sala de


aula, para conscientizar e discutir sobre questões de intimidação, usando
os círculos de qualidade para a resolução dos problemas surgidos;
– intervenção no pátio de recreio – treinamento de supervisores
da hora do almoço, ensinando-os a reconhecer situações de
intimidação e a liidar com elas de maneira eficiente, e também
para melhorar o ambiente do pátio;
– trabalho com indivíduos e pequenos grupos – o método Pikas
de interesse compartilhado, concebido para trabalhar com alunos
258
intimidadores (Pikas, 1989), treinamento das vítimas para o
desenvolvimento de autoconfiança e aconselhamento de colegas
(Sharp e Cowie, 1998).

As diferentes escolas desenvolveram e implementaram as normas


escolares gerais em graus diferentes. As que colocaram mais tempo e
energia nas políticas de combate à intimidação, ouvindo a totalidade da
comunidade escolar, obtiveram melhores resultados, em termos da redução
dos incidentes de intimidação. Num estudo de acompanhamento de quatro
escolas primárias (Eslea e Smith, 1998), verificou-se que o trabalho de
combate à intimidação apresentava tanto desafios quanto oportunidades.
Um fator importante parecia ser o grau em que essa política era mantida
viva após o término do projeto. Nas escolas em que as normas continuaram
sendo monitoradas e aplicadas, maiores eram as chances de que os
episódios de intimidação viessem a diminuir ainda mais.
O programa Escolas mais Seguras – Cidades mais Seguras, posto
em prática em Wolverhampton, foi um projeto de três anos de duração,
constando de intervenções (que incluíam uma norma escolar geral) em
15 escolas, e que teve início em 1991. Uma versão adaptada do livreto “A
Vida na Escola” foi usada para sua avaliação. Esse foi um projeto
ambicioso, realizado com uma base de financiamento reduzida, constando
de um relatório intermediário (G. Smith, 1991) e um relatório final ( G.
Smith, 1997), publicados como capítulo de livros. Ao que parece, a redução
nos incidentes de intimidação foi bastante pequena, da ordem de 1% a
4% nas cinco escolas secundárias (resumido em Arora, 1994). Esse projeto
forneceu o vídeo a ser usado no Pacote do DFE, Não Sofra em Silêncio.
Um outro estudo, financiado pelo Grupo de Pesquisas sobre
Políticas do Ministério do Interior, em 1991-93, foi realizado em duas
áreas urbanas centrais de baixa renda, em Londres e em Liverpool. Em
cada uma das áreas, participaram uma escola primária e uma escola
secundária. Tanto nas escolas quanto nas comunidades circundantes,
verificavam-se altos níveis de violência e de comportamento anti-social.
Um grupo de trabalho anti-intimidação, formado por professores e alunos,
foi criado em cada uma das escolas, para formular, implementar e monitorar
normas e estratégias de combate à intimidação. Nas escolas primárias, foi
usado um vídeo e introduzido um programa de apoio entre pares. Nas
259
escolas secundárias, foi dada maior ênfase ao treinamento da
autoconfiança e em técnicas de mediação de conflitos. Houve redução
dos níveis de intimidação nas duas escolas primárias, modestos no primeiro
ano (10%), mas significativos no segundo (40%); houve uma melhora das
atitudes e foi observado que os professores e os supervisores da hora do
almoço tornaram-se mais ativos a respeito dos episódios de intimidação.
A intimidação também sofreu redução na escola secundária de Liverpool,
em cerca de 20%. Na escola londrina, contudo, a intimidação aumentou
em 7% nos dois anos subseqüentes, ao que tudo indica devido ao aumento
das tensões raciais na vizinhança, ocorrido no decorrer desse período,
aliado ao fato de um grupo de ex-alunos ter passado a rondar os portões
da escola e o perímetro adjacente, prejudicando os esforços da equipe
escolar e dos alunos em aumentar a segurança na escola. É evidente que
a comunidade circundante é um fator importante na ocorrência de
intimidação na escola. Em Hull, Randall (1996) trata do trabalho
comunitário para evitar a intimidação e a violência.
Uma iniciativa organizada pelos alunos foi desenvolvida pela Polícia
de South Wales, a Schoolwatch (Vigilância Escolar). Ela permite que os
alunos melhorem o ambiente no qual eles vivem, assumindo
responsabilidade pelo próprio comportamento e pelos próprios atos. Um
dos principais objetivos é o de evitar a intimidação, o racismo e outras
formas de comportamento anti-social. Os alunos elegem um comitê de
organização, com o apoio da polícia e de um membro da equipe docente
designado para a função. Eles propõem e implementam atividades, tais
como criar uma “caixa dos valentões”, vigiar o pátio de recreio para
assegurar que todos os outros alunos estejam bem, projetar um jardim da
amizade, criar áreas de preservação e desenvolver projetos comunitários.
As escolas trocam idéias e promovem a amizade – recebendo certificados
e prêmios numa apresentação anual. Comparadas às escolas não-
participantes, as escolas do Schoolwatch acusaram uma diminuição dos
casos de intimidação, com os alunos se sentindo mais felizes e valorizados,
graças ao entusiasmo e ao sentimento de propriedade sentido por eles a
respeito do programa (Warton e Barry, 1999).
Os pais, de várias maneiras, também participaram de iniciativas
de combate à intimidação. Alguns deles, em sua maioria membros do
260
conselho escolar e da associação de pais de alunos, ajudaram na elaboração
de normas. Reuniões e workshops para pais de alunos usaram boa parte do
material e contaram com a participação de muitos dos responsáveis por
programas de treinamento trabalhando junto às equipes das escolas (Mellor,
1993). Essas atividades receberam um razoável apoio, que ainda hoje
continua chegando. Por exemplo, o pacote de Stratchclyde contém material
para uso em workshops especialmente concebidos para pais de alunos. No
entanto, o número e a natureza das chamadas telefônicas recebidas pelo
Chefe de Desenvolvimento nacional, partindo de pais de alunos, indica
que nem sempre é fácil encontrar a pessoa certa a quem contactar, nos
casos em que uma criança esteja sofrendo intimidação.

Colegas Apoiando Colegas Contra a Intimidação


Se a agressividade, pelo menos em parte, é vista como uma resposta
conformista às pressões grupais, principalmente em termos daquilo que
os membros de um grupo de pares esperam de um indivíduo, os métodos
de mudar os comportamentos dos jovens agressivos, então, devem ter
como objetivo minimizar a influência do grupo. Isso se coaduna com os
métodos não-culpabilizantes defendidos por Robinson e Maines (1997),
segundo os quais uma postura agressiva e acusadora por parte dos adultos
é abandonada em favor de uma abordagem construtiva, baseada nos
comportamentos positivos existentes no grupo, por meio do
estabelecimento de contratos e do trabalho de cooperação em grupo. O
argumento é que os comportamentos pró-sociais podem ser aprendidos
no contexto da classe ou do grupo escolar, podendo ser fomentados através
do incentivo, do elogio e do reconhecimento do êxito.
A abordagem de escola total tem como objetivo criar um clima
onde os alunos possam confiar nos adultos, nos professores, mais
especificamente, sabendo que eles reagirão prontamente e de maneira
justa aos casos de intimidação. Uma filosofia de certo modo diferente
tem sido a de capacitar os próprios alunos a lidar com a intimidação,
baseando-se nas constatações das pesquisas sobre atitudes, nas quais 80%
dos alunos declararam não gostar da intimidação (Whitney e Smith, 1993).
Um certo grau de comportamentos pró-sociais pode ser incentivado pelos
professores em sala de aula, por meio de trabalho cooperativo em grupo,
onde os valores democráticos sejam promovidos e reforçados (Cowie,
261
1995; Cowie et al., 1994; Foot et al., 1990). A mediação e a resolução de
conflitos baseiam-se na capacidade de ouvir, acrescida de um processo
passo-a-passo, que torna mais fácil para indivíduos em situação de conflito
chegarem a um acordo quanto a uma solução aceitável para ambos.
Entre seus principais componentes está a idéia de que o conflito não é
mau em si; que o conflito não tem, necessariamente, que ser eliminado,
e que é importante distinguir entre o que as pessoas querem e a razão
por que elas o querem. Stacey (2000) descreve o uso, nas escolas
inglesas, de programas de intervenção que usam a mediação. Durante
a mediação propriamente dita, os próprios alunos são responsáveis
pela resolução do conflito e pelo trabalho em prol de uma solução
mutuamente acordada. Um dos resultados obtidos é que, por meio
de sua participação no processo de mediação, os alunos desenvolvem
competência para lidar com conflitos, passam a perceber sua origem
e a entender o processo de sua resolução e adquirem novas técnicas
de comunicação.
As intervenções baseadas no apoio dos colegas reconhecem
que os alunos têm potencial para assumir um papel útil no trato dos
problemas surgidos. Os sistemas de apoio entre pares, tanto formais
quanto informais, geralmente incorporam o uso de técnicas básicas de
aconselhamento, inclusive a de ouvir de forma ativa, a de sentir
empatia por pessoas passando por dificuldades sociais ou emocionais
e a disposição a assumir uma função de cooperação (Cowie e Wallace,
2000). Os adultos desempenham um papel importante nesse processo,
ensinando aos jovens as técnicas necessárias e fornecendo um ambiente
facilitador para a prática dessas técnicas. Eles treinam os jovens a
responder de forma direta a pedidos de ajuda relativos a problemas
específicos, entre eles, a vitimização. Eles fornecem aos alunos que se
propõem a colaborar com seus colegas, técnicas e estratégias para
ajudar as vítimas a encontrar soluções para o problema. Embora a
ação direta seja tomada pelos colegas, os adultos conservam sua função
de apoio e supervisão, embora sem impor soluções.
Um estudo sobre o apoio entre colegas, baseado em entrevistas
e realizado por Cowie em nove escolas, em 1998, verificou que os colegas
que se propunham a prestar auxílio auferiam benefícios em termos de
confiança e responsabilidade, e a escola ganhava em termos de atmosfera
262
geral. No entanto, ocorriam também problemas: esses alunos passavam
a ser alvo de um certo grau de hostilidade por parte de seus demais
colegas, havia a questão da divisão de poder com a equipe docente, e
nem sempre era fácil encontrar tempo e recursos suficientes para a
implementação correta do programa. Num levantamento de larga escala,
Naylor e Cowie (1999) estudaram 52 escolas que possuíam diretrizes
de combate à intimidação e sistemas de apoio entre colegas bem
estabelecidos. Esse levantamento verificou que a maioria dos alunos
percebiam essas escolas como lugares seguros e valorizavam o fato de
a equipe docente se preocupar com eles a ponto de criar e manter
sistemas dessa natureza. Além disso, nessas escolas, a proporção de
crianças vitimizadas que não haviam falado a ninguém sobre suas
dificuldades era significativamente menor que nas escolas que não
adotavam sistemas de apoio entre colegas (Smith e Shu, 2000).
Atualmente, o apoio entre colegas e a mediação, como maneiras de
abordar o problema da intimidação, vêm despertando interesse
considerável. Uma revista on-line, a Peer Support Networker, é produzida
pela Universidade de Surrey Roehampton (Escola de Psicologia e
Aconselhamento, West Hill, Londres SW 15 3SN), e pode ser
encontrada no website www. peersupport. co.uk.
Em 1998, foi criada uma parceria entre a ChildLine e as escolas, a
CHIPS, em resposta às informações obtidas nas chamadas feitas por jovens
à linha disque-ajuda criada em 1986. (website: www.ChildLine.org.uk). O
objetivo da CHIPS é capacitar os jovens a ganhar mais voz na resolução
dos problemas que afetam suas vidas cotidianas. Projetos CHIPS foram
criados em 17% de todas as escolas secundárias do Reino Unido,
permitindo à ChildLine estabelecer uma utilíssima rede nacional de novos
contatos. Os projetos são diversificados, embora boa parte deles trabalhe
na promoção de oferta de apoio pastoral, no desenvolvimento de
percepção emocional entre os jovens e no fortalecimento das políticas de
combate à intimidação e ao racismo e das políticas em prol da igualdade
de oportunidades. Mais da metade das escolas do CHIPS adotaram
sistemas de apoio entre colegas. Em outras, os conselhos escolares
oferecem aos jovens a oportunidade de desempenhar papéis importantes.
Um Fórum de Apoio entre Colegas foi criado, em parceria com a Fundação

263
de Saúde Mental, visando a criar condições para o trabalho conjunto e o
intercâmbio de idéias entre diferentes organizações (website: www.
mentalhealth. org. uk/peer/forum.htm).

Perspectivas Atuais
O Pacote de Combate à Intimidação do DFE oferece assessoria
às escolas, em escala nacional. Inspeções regulares das escolas são
realizadas pelo Departamento de Padrões em Educação_ OFSTED), e a
questão do comportamento dos alunos está agora presente na agenda
dessas inspeções. Existe hoje uma grande quantidade de material disponível
às escolas do Reino Unido, visando a assessorá-las no trato dessa questão.
Possuir uma política ou uma estrutura de combate à intimidação agora é
legalmente exigido em todas as escolas.
As linhas telefônicas de disque-ajuda continuam sendo uma fonte
de apoio, e a linha telefônica da ChildLine, que trata de casos de intimidação,
continua a receber milhares de chamadas a cada ano. A maioria dos que
ligam pertencem à faixa etária de 11 a 14 anos e são principalmente meninas.
Uma análise detalhada dessas ligações, e também de um levantamento sobre
intimidação baseado nelas, é fornecido por McLeod e Morris (1996).
Nos últimos anos, muitas ações judiciais foram impetradas por
alunos ou por seus pais contra as escolas onde esses jovens haviam sofrido
intimidação persistente, algumas delas obtendo ganho de causa, e outras,
não. Em novembro de 1996, uma escola de Londres foi processada por
um ex-aluno de vinte anos de idade, que ali havia sofrido intimidação
durante quatro anos. O caso foi resolvido fora dos tribunais, por meio de
um acordo no valor de 30.000 libras (The Guardian,1996). Em novembro
de 1997, uma aluna de 18 anos recorreu contra uma sentença de três
meses de prisão e perdeu. Ela havia liderado um ataque de gangue contra
uma outra aluna, que mais tarde veio a cometer suicídio (The Guardian,
1997). Em fevereiro de 1998, dois garotos de 15 anos foram condenados
a 9 e 12 meses de detenção, por terem praticado intimidação, usando
inclusive de extorsão de dinheiro com uso de ameaças (The Guardian, 1998).
Existe hoje um número maior de informações e de novos recursos
à disposição dos professores do Reino Unido, e algum progresso foi
alcançado na redução da violência e da intimidação nas escolas, com o
uso de processos que vêm passando por avaliação. A intimidação por
264
colegas, que durante décadas foi um assunto praticamente tabu, é hoje
debatido de maneira muito mais aberta. As escolas estão mais dispostas a
lidar com esses problemas, fazendo uso dos recursos hoje disponíveis e,
além disso, tanto as inspeções do OFSTED quanto a possibilidade de
ações judiciais virem a ser impetradas contra elas atuam como incentivos
nesse sentido. As dificuldades que as escolas continuam a enfrentar não
devem ser subestimadas. No entanto, providências contínuas e articuladas
da parte dessas escolas podem diminuir o problema da violência entre os
alunos e da intimidação entre colegas, contribuindo assim para os direitos,
a felicidade e o bem-estar futuro dos alunos.

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