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A RETÓRICA DOS MUSEUS

José Américo Motta Pessanha


A seu modo, conjuntos e sistemas de objetos falam, argumentam e persuadem

(...) a coleção e seu sinal de sangue: a coleção e seu risco de


tétano: a coleção
que nenhum imita. Escondo-a de José, por que não ria nem
jogue fora esse
museu de sonho
Carlos Drummond de Andrade

O tema museu interessa diretamente à filosofia. A questão dos museus


nacionais, em particular, aponta para problemas filosóficos fundamentais, em
função dos termos que constituem esse binômio: o conceito de museu e o
conceito de nacional.
O primeiro remete imediatamente à questão da memória no sentido não
meramente subjetivo, mas cultural -, desaguando portanto, na questão da
temporalidade e da história. A existência do museu inscreve-se no conjuntos de
gestos humanos que tentam preservar da corrosão do tempo os traços ou
vestígios do já feito, já criado, já acontecido. Inscreve-se, assim, no conjunto de
esforços e estratagemas para resgatar o tempo perdido, por meio de algum tipo de
reconstrução narrativa, fabulatória ou pretensamente científica. No caso dos
museus, a tecedura narrativa é feita não por palavras ou cifras, mas
fundamentalmente pela utilização de objetos revestidos de caráter documental ou
testemunhal. O museu - no sentido da coleção pessoal, como o "museu de sonho"
do poeta, todo constituído por cacos de louças antigas, ou, enquanto instituição -
é, portanto, uma tentativa de se remontar ao passado, ao que não é mais e deixou
somente marcas, pegadas. Mas é também tentativa de se remontar o passado,
através de sua condição de teatro da memória. Só que nunca se faz essa
montagem ou teatralização museal sem um sentido do espetáculo, ou seja, uma
filosofia da história. Por outro lado, o espetáculo subentende sempre um público-
alvo, um auditório de espectadores-interlocutores a ser atingido.
Museologicamente sempre se narra uma história - às vezes acreditando-se contar
a História - a partir de determinado ponto de vista, em função de algum
historicismo. A seu modo, o museu, por meio de conjuntos ou sistemas de objetos,
fala, argumenta, persuade. Afinal a museografia é uma grafia: notação, com
objetos-significantes, de um discurso inevitavelmente retórico, argumentativo, no
sentido proposto pela Teoria da Argumentação ou Nova Retórica ou Dialógica, de
Chaim Perelman. O leque, o quadro, o arcabuz não se mostram apenas a si
mesmos, não falam apenas de si mesmo, nem evocam somente determinada
época histórica: organizados pela sintaxe expositiva - mesmo quando
simplesmente justapostos como "dados objetivos" – eles argumentam ou
advogam, tácita ou explicitamente, a favor de certa concepção da história. A
mudez dos objetos é apenas aparente: na verdade, sempre falam,
persuasivamente, com silenciosa eloqüência.
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Importante ressaltar: a existência de determinado historicismo como


condição prévia e organizadora do discurso museológico não é peculiaridade
restrita à retórica dos museus: é situação inerente a qualquer empreendimento
historicizante. Faz-se sempre a história que exprime uma filosofia da história. No
campo da história das idéias, essa inevitável circularidade entre objeto
interpretado e olhar interpretante torna-se um circuito de máxima voltagem. O
primeiro exemplo de história sistemática das idéias filosóficas aparece na obra de
Aristóteles. E sabe-se perfeitamente que essa primeira sistematização, continuada
pelos doxógrafos vinculados ao Liceu, aristoteliza os predecessores de Aristóteles,
transforma-os inevitavelmente em meros preparadores ou anunciadores do
aristotelismo A "deturpação" ou "deformação" imposta pela perspectiva
interpretante é, todavia, intrínseca ao ato mesmo de interpretar, devendo
consciente e explicitamente integrá-lo. Na verdade, Aristóteles inaugura a história
sistemática da filosofia de forma moderna: toda história da filosofia pressupõe uma
filosofia que a condiciona. Por isso Hegel hegelianiza os antecessores, Conte
interpreta o passado da ciência e da filosofia à luz de seu positivismo, Heidegger
faz a leitura heideggeriana dos gregos. Inevitável: no polêmico território da
filosofia, o combate é sempre decisivo, é confronto - de vida ou morte – entre
filosofias. Nesse sentido é que a história da filosofia é também museu – museu
vivo, com "sinal de sangue", com "risco de tétano" -, museu de idéias. Mas é
também encenação, remontagem do passado, teatro de idéias - Platão o
exemplifica magistralmente - onde as teses contrapostas ocupam o lugar das
dramatis personae.

A intima relação entre o museu e filosofia justifica o rigor do filósofo ao


abordar o "risco do tétano": a historicidade tornada letal pelo trabalho aparente
mente beneficente dos museus. Em "A linguagem indireta e as vozes do silêncio"
(Signes, 1960), Merleau-Ponty enfrenta esse problema. Trata aí da questão da
arte e discute a concepção de museu imaginário, de Malraux. Mostra como a
retrospecção realizada pelos museus de arte pode deixar de ser benéfica,
assumindo a mortuária atmosfera de necrópole. Escreve: "(...) A função do Museu,
como a da Biblioteca não é exclusivamente beneficente. Propicia-nos a vista
conjunta, enquanto momentos de um só reforço, de produções que jaziam pelo
mundo, submersas nos cultos e nas civilizações de que se sentiam ornatos,
fundando neste sentido a consciência da pintura como pintura". Essa consciência,
porém, pode ser acompanhada por grande risco: o que é vivo, enquanto ensaio ou
tentativa, assume a aparência de algo acabado, aparece como obra concluída.
Reclama Merleau-Ponty: "Incomoda-nos a idéia de que essas obras não tenham
sido feitas para acabar precisamente entre essas paredes morosas, para
delectação dos que passeiam aos domingos e dos 'intelectuais' das segundas
feiras. Sentimos bem que há diminuição e que este recolhimento de necrópole não
é o verdadeiro ambiente da arte, que tanto júbilo e pesar, tantas cóleras e labores
não estavam destinados a refletir um dia a triste luz do Museu. Transformando
tentativas em obras, o Museu possibilita uma história da pintura. Mas talvez seja
essencial aos homens atingir o esplendor em suas obras só quando não o
procurem demais, talvez não seja mal que o pintor e o escritor não saibam demais
que estão em vias de inventar a humanidade, talvez tenham enfim uma
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experiência mais real e viva da história da arte quando a prolongam em seu


trabalho do que quando se fazem 'amadores' para a contemplar no Museu. O
Museu acrescenta um falso prestígio ao valor real das obras, destacando-as dos
acasos em cujo meio nasceram e fazendo-nos pensar que fatalidades guiaram
desde sempre a mão dos artistas. Ao passo que o estilo em cada pintor latejava
como pulsação de sua vida, tornando justamente capaz de reconhecer todo
esforço além do seu, o Museu converte esta historicidade secreta, pudica, não
deliberada, involuntária, viva, enfim, em história oficial e pomposa.

E, unindo sua voz à de Sartre, Merleau-Ponty fala em nome da filosofia que


luta por conservar a arte e a história no âmbito da historicidade viva, e por isso
contingente e humanizada: "O Museu sufoca a veemência da pintura, assim como
a Biblioteca", dizia Sartre, transforma em "mensagens" escritos que foram antes
de mais nada gestos de um homem. É a historicidade letal. Há também uma
historicidade viva, de que só oferece a imagem diluída: a que anima o pintor em
ação, quando num único gesto enlaça a tradição que retorna à tradição que funda,
que num passe o une a tudo o que se pintara no mundo sem que precise
abandonar seu espaço, seu tempo, seu bendito trabalho maldito, e que reconcilia
as pinturas por exprimirem uma a uma a existência inteira, e, vez de as reconciliar
todas como acabadas e como outros tantos gestos inúteis"

O reconhecimento de que as narrativas históricas se contrapõem como


diferentes linhas argumentativas pressupõe um modelo de ciência que é jurídico e
não matemático, constituído por provas dialéticas - no sentido aristotélico - e não
analiticamente coagentes. As histórias se confrontam no multiverso da plurilogia,
fora da coação monológica da História que, se única verdadeira - Hegel o mostrou
- é sempre História do Absoluto. Por isso, o processo histórico – outra vez em
acepção jurídica e não hegeliana - apresenta-se como permanente litígio, sempre
sujeito a ser reaberto a receber novos depoimentos, novas provas, novas
interpretações, novas arbitragens. Os museus, se querem servir à historicidade
viva e, portanto, múltipla, não à letal - se querem evitar o "risco de tétano" - devem
encenar a pluralidade dos discursos retóricos em confronto, não apenas a
pomposa história oficial, freqüentemente ufanista e autoritaritariamente
homogeneizadora e centralizadora, que não deixa falar em cena as minorias e os
vencidos.

Eis porque é extremamente importante, hoje, no Brasil, o segundo termo do


binômio museu nacional. Antes de mais nada, é preciso atentar para o fato de que
"nacional" reflete aqui certo projeto de nação, certo nacionalismo que alimentou a
atmosfera cultural dos anos 20-30. Emblematicamente, eram tempos de
Capanema, quando se buscava certa modernidade não só na arte, mas também
na política. E, inevitavelmente, sob a marca das contradições, tempos de Vargas,
Prestes, Villa-Lobos, Plínio Salgado, Amoroso Lima, Gustavo Barroso. E quando
um Estado que se quis Novo discursou não apenas através das falas de
governantes, mas também através de música, literatura, pintura, arquitetura – e
museus.
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Hoje, em tempos de outra vez tentar a reinvenção da democracia, e depois


de tantos projetos culturais de direita ou esquerda, igualmente autoritários (3),
parece oportuno repensar inclusive com Gramsci, a relação entre o nacional e o
popular, aplicando-os, como se tem feito, à cultura brasileira (4). Com isso,
nossos museus - de cacos, objetos, quadros, idéias ou sonhos – certamente
revelarão melhor sua polêmica vida interior: "seu sinal de sangue".

1 - ANDRADE, C. D. de - "Coleção de Cacos" - em: Esquecer para lembrar. (Bom Tempo III). José
Olympio Ed, 1970.

2 - HORTA, M. de L. P. - "Teatro da Memória", Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional


nº 22, SPHAN - Pró-Memória, 1987.

3 - 0RTIZ, R. - Cultura Brasileira & Identidade Nacional: Ed. Brasiliense, 1985.

4 - CHAUÍ, M. - Seminários - o nacional e o popular na cultura brasileira. Ed. Brasiliense, 1983.

José Américo Motta Pessanha é professor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ e
coordenador do Núcleo de Editoração da SPHAN- Pró-Memória.

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