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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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Nº 70039686423
2010/CRIME

APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.


LESÃO CORPORAL. ART. 129, §9º, DO CP.
1. INADMISSIBILIDADE DA RETRATAÇÃO DA
REPRESENTAÇÃO APÓS O RECEBIMENTO DA
DENÚNCIA. Consentimento da ofendida que não é
válido porquanto posterior ao fato, não resultando
eficaz como causa de isenção da responsabilidade
criminal. Em matéria de consentimento, que se
materializa pela representação da vítima no crime
de lesão corporal leve praticado no âmbito
doméstico, porquanto se trata de ação penal de
natureza pública condicionada, a renúncia à
representação, nos termos do art. 16 da Lei n°
11.340/06 (Lei Maria da Penha), “só será admitida”
se ocorrer perante o magistrado e representante
do Ministério Público, em audiência especialmente
designada para esse fim, antes do recebimento da
denúncia. Eventual consentimento por parte da
vítima posterior ao recebimento da denúncia não
apaga a lesão do bem jurídico nem faz desaparecer
a justa causa para prosseguimento da ação penal,
influenciando apenas na intensidade das sanções
aplicáveis à violação antecedente do bem jurídico
integridade corporal da vítima.
2. NULIDADE DA AUDIÊNCIA DE INQUIRIÇÃO DE
TESTEMUNHAS. DESCONFORMIDADE COM A
REDAÇÃO DO ART. 212, DO CPP, CONFERIDA
PELA LEI N° 11.690/08.
2.1. A Lei nº 11.690, de 09/08/2008, alterou a
redação do art. 212 do Código de Processo Penal,
passando-se a adotar o procedimento do Direito
Norte-Americano, chamado cross-examination, no
qual as vítimas, as testemunhas e o acusado são
questionadas diretamente pela parte que as
arrolou, facultada à parte contrária, na sequência,
sua inquirição (exame direto e cruzado),
possibilitando ao magistrado complementar a
inquirição se entender necessários
esclarecimentos remanescentes e o poder de
fiscalização.
2.2. A inobservância da nova regra processual
implica em violação de norma federal cogente e de
ordem pública, bem como da Constituição Federal,
por ofensa aos princípios acusatório (igualdade de
armas entre as partes e imparcialidade judicial) e
ao devido processo legal, ensejando a nulidade
absoluta do processo a partir da audiência de
inquirição de testemunhas. Precedentes do STJ.
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3. Portanto, decretada a nulidade, resta afastado o


marco interruptivo da decisão condenatória,
verificou-se que decorreu prazo superior ao
previsto no art. 109, inciso VI, do CP, em sua
antiga redação, acarretando na prescrição da
pretensão punitiva do Estado entre o recebimento
da denúncia e a presente Sessão de Julgamento.
DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO
DEFENSSIVO E, DE OFÍCIO, DECLARARAM
EXTINTA A PUNIBILIDADE DO APELANTE.

APELAÇÃO CRIME TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL

Nº 70039686423 COMARCA DE CANOAS

GILBERTO FERRAO DE OLIVEIRA APELANTE

MINISTERIO PUBLICO APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes da Terceira Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial
provimento ao apelo defensivo e, de ofício, declarar extinta a punibilidade do
apelante.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes
Senhores DES. IVAN LEOMAR BRUXEL (PRESIDENTE E REVISOR) E
DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI.
Porto Alegre, 24 de fevereiro de 2011.

DES. ODONE SANGUINÉ,

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Relator.

RELATÓRIO
DES. ODONE SANGUINÉ (RELATOR)
1. Trata-se de recurso de apelação interposto por GILBERTO
FERRÃO DE OLIVEIRA (fl. 91) contra a sentença que julgou procedente a
pretensão punitiva para condená-lo pelo cometimento do delito previsto no
art. 129, §9º, do CP, à pena de 03 (três) meses de detenção, em regime
aberto; suspensa a execução da pena, pelo prazo de 02 (dois) anos,
mediante o cumprimento de prestação de serviços à comunidade, no
primeiro ano do período de prova, e comparecimento trimestral em juízo (fls.
71/74).

2. Nas razões recursais (fls. 95/104), a Defensoria sustenta


preliminarmente: (a) o reconhecimento da nulidade processual em razão da
inobservância do art. 212 do CPP; (b) ausência de justa causa para a ação
penal. No mérito, postula: (c) a absolvição do réu, argumentando a ausência
de prova da materialidade delitiva, bem como a insuficiência probatória.

3. Em contrarrazões (fls. 106/108), o Ministério Público requer


a manutenção da sentença.

4. Nesta Instância, o Órgão Ministerial opina pelo


desprovimento do recurso defensivo (fls. 112/115).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.
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VOTOS
DES. ODONE SANGUINÉ (RELATOR)
Eminentes Colegas:
5. O Magistrado julgou procedente a denúncia para condenar o
acusado GILBERTO FERRÃO DE OLIVEIRA pela prática do crime tipificado
no art. 129, §9º, do CP, à pena de 03 (três) meses de detenção, em regime
aberto; suspensa a execução da pena, pelo prazo de 02 (dois) anos,
mediante o cumprimento de prestação de serviços à comunidade, no
primeiro ano do período de prova, e comparecimento trimestral em juízo (fls.
71/74).

Nas razões recursais (fls. 95/104), a Defensoria sustenta


preliminarmente: (a) o reconhecimento da nulidade processual em razão da
inobservância do art. 212 do CPP; (b) ausência de justa causa para a ação
penal. No mérito, postula: (c) a absolvição do réu, argumentando a ausência
de prova da materialidade delitiva, bem como a insuficiência probatória.

Examine-se.

I – Preliminar
(a) Ausência de justa causa para a ação penal. Retratação da
vítima posterior ao oferecimento da denúncia. Descabimento.
6. Sustenta a defesa a ausência de justa causa para ação
penal em face da retratação da vítima havida na audiência designada para
sua inquirição.

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Todavia, razão não lhe assiste.

O consentimento da ofendida não é válido porquanto posterior


ao fato. A doutrina dominante entende que o consentimento deve ser atual,
isto é, outorgado antes do cometimento do fato e perdurar durante toda a
execução do mesmo, de forma que possa ser revogado, em qualquer
momento, antes da consumação do crime. O consentimento posterior à
consumação do crime não resulta eficaz como causa de isenção de
responsabilidade criminal, pois a ratificação não é consentimento (SEGURA
GARCÍA, María José. El consentimiento del titular del bien jurídico en
derecho penal. Tirant lo Blanch, Valencia, 2000, p.139; DE LA GANDARA
VALLEJO, Beatriz. Consentimiento, bien jurídico e imputación objetiva,
Colex, Madrid, 1995, p.118).

Parece acertado afirmar que o Direito Penal não deve


desprezar a vontade da vítima, pois é a pessoa que está em melhor posição
para calibrar o perigo; nem todos os casos são de vida ou morte, pelo que a
vítima pode ter múltiplas razões (laborais ou familiares) para rejeitar o
afastamento; as penas afetam também os direitos da vítima (LARRAURI,
Elena. Criminología crítica y violência de gênero, Trotta, Madrid, 2007,
p.102).

Assim, o processamento do ofensor, mesmo contra a vontade


da vítima, não é a melhor solução para as famílias que convivem com o
problema da violência doméstica, pois a conscientização, a proteção das
vítimas e o acompanhamento multidisciplinar com a participação de todos os
envolvidos são medidas juridicamente adequadas, de preservação dos
princípios do direito penal e que conferem eficácia ao comando

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constitucional de proteção à família (HC 157416/MT, 5ª T, STJ, j.


15/04/2010, DJe 10/05/2010).

Todavia, isso somente pode ocorrer em alguns aspectos, v.g.,


para retirada das medidas protetivas de urgência, e nos termos da Lei nº
11.340/2006. Assim, em matéria de consentimento, que se materializa pela
representação da vítima no crime de lesão corporal leve, praticado no
âmbito doméstico, porquanto se trata de ação penal de natureza pública
condicionada, a renúncia à representação, nos termos do artigo 16 da
mencionada legislação, “só será admitida” se ocorrer perante o magistrado e
representante do Ministério Público, em audiência especialmente designada
para esse fim, antes do recebimento da denúncia ( vide, HC 157416/MT, 5ª
T., STJ, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 15/04/2010, DJe 10/05/2010; RHC
23047/GO, 5ª T., STJ, rel. Min. Jorge Mussi, j. 02/03/2010, DJe 26/04/2010;
HC 154749/DF, 5ª T., STJ, rel. Min. Laurita Vaz, j. 15/04/2010, DJe
10/05/2010).

Destarte, eventual consentimento por parte da vítima posterior


ao recebimento da denúncia – durante audiência judicial de inquirição, já
transcorrido tempo superior a um ano do cometimento do crime – não
apaga a lesão do bem jurídico nem faz desaparecer a justa causa para o
prosseguimento da ação penal, mas somente poderá refletir-se na escolha e
intensidade das sanções aplicáveis à violação antecedente do bem jurídico
integridade corporal da vítima.

Precisamente o processo e a pena, modulada pelas condições


do ‘sursis’, servirá aos fins de prevenção geral e especial da pena, servindo
como efeito dissuasivo para o agressor não reiterar em similar conduta,

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estabilizando, dessa maneira, a relação familiar sem violência doméstica e


familiar.

Ante o exposto, pelas razões expostas, inviável o


reconhecimento da primeira nulidade apontada pela defesa.

(b) Nulidade da audiência de inquirição de testemunhas:


desconformidade com a redação do art. 212, do CPP, conferida pela Lei
n° 11.690/08
7. Analiso a preliminar de nulidade do processo suscitada pela
defesa referente a inobservância da nova redação do art. 212 do CPP, dada
pela Lei n° 11.690/08, modificando o método de inquirição de testemunhas.

Por se tratar de matéria de ordem pública, a inobservância de


dispositivo processual legal implica em clara afronta ao princípio
constitucional do devido processo legal, causando inegável prejuízo à
dialética entre as partes, devendo ser preservado tanto o direito da
sociedade como do acusado. Assim, estar-se-á evitando prejuízo maior, o
qual pode advir de declaração tardia da nulidade do processo.

Assim, no presente caso, foi realizada audiência de inquirição


de testemunhas em 17.06.2009 (fl. 53), portanto, já sob a égide da Lei nº
11.690/08, a qual entrou em vigor em 09/08/2008, tendo aplicação imediata,
em conformidade com o art. 2°, do CPP.

Com efeito, em relação ao tema do papel do juiz no campo da


prova, contrapõem-se duas concepções: a primeira, segundo a qual as

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partes detêm poderes relativos à produção das provas, onde domina o


princípio da oralidade da prova (Inglaterra e, em princípio, Itália); a segunda,
pela qual tais poderes pertencem também ao juiz, e exaltam a função de
buscar a verdade antes de julgar (como é o caso de França e Bélgica;
Alemanha realiza uma síntese dos dois sistemas probatórios, reconhecendo
ao mesmo tempo a oralidade da prova e o poder do juiz de buscar de ofício
as provas, situando-se numa função especificamente ativa e muito próxima
daquela exercitada pelo ministério público durante a fase preparatória) (VV.
AA. Procedure Penali D’Europa. Cedam, 1998, pp.444-445).

Ambos os métodos apresentam inconvenientes. O exame das


testemunhas pelo juiz comporta o risco de comprometer a neutralidade
deste último e, talvez, de prejudicar o acusado, que se vê privado da
faculdade de contestar adequadamente as testemunhas acusatórias. Se o
acusado considera que as perguntas postas pelo juiz a uma testemunha não
são corretas, a quem pode endereçar sua inconformidade? Ao juiz, ou seja,
àquele que é simultaneamente árbitro encarregado de garantir um processo
imparcial e o sujeito de cuja conduta se queixa?

Pelo contrário, o exame em contraditório apresenta o


inconveniente de deformar facilmente o testemunho, uma vez que as
pessoas que formulam a pergunta o fazem na esperança de obter uma
resposta que concorda com as teses que sustentam. Por isso, seus críticos
sempre mencionam o risco para as testemunhas em situação de fragilidade
(muito jovens ou traumatizadas) (VV. AA. Procedure Penali D’Europa.
Cedam, 1998, p.568).

Não obstante, essa discussão se move no plano político-


criminal e, embora seu potencial crítico, que não deve ser completamente
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ignorado pelo Poder Judiciário, não pode levar o juiz ou tribunal a rechaçar o
novel sistema implantado com a minireforma processual de 2008, tout court,
seja por preferir um ou outro sistema, seja pelo apego à cultura processual
do sistema anterior.

A análise atenta da nova redação do art. 212 e seu parágrafo


único do CPP revela que, inegavelmente, houve uma modificação no
método de inquirição de testemunhas. O art. 212 e o parágrafo único do
CPP, alterado pela Lei 11.690 de 2008, dispõem: “Art. 212. As perguntas
serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o
juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a
causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Parágrafo único.
Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição”.

A doutrina predominante entende que foi alterada a


metodologia de inquirição de testemunhas (vide, por todos: GIACOMOLLI, Nereu.
Reformas (?) do Processo Penal. Considerações Críticas. Lumen Juris, 2008, pp.56-57;
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Provas. Lei 11.690, de 09.06.2008. In VV.AA. As
reformas do processo penal, op.cit., pp.284-285; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy.
Tribunal do Júri. Lei 11.689, de 09.06.2008. In VV.AA. As reformas do processo penal,
op.cit., pp.171; LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade
constitucional, volume 1, 3ª ed., Lumen Juris, 2008, pp.602-603; PACELLI DE OLIVEIRA,
Eugenio. Curso de Processo Penal. 11ª ed., Lumen Juris, 2009, p.370; MACHADO, Antônio
Alberto. Curso de processo penal. 2ª ed., Atlas, 2009, pp.395-396; DE JESUS, Damásio.
Código de Processo Penal anotado. 23ª ed., Saraiva, 2009, p.191).

Essa modificação legislativa no método de inquirição de


testemunhas encontra-se alinhada a um modelo acusatório de processo
penal, no qual o juiz deve assumir posição de maior neutralidade e isenção
de ânimo na produção da prova, evitando-se o risco de tornar-se o

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magistrado um substituto do órgão de acusação. Assim, as partes iniciam a


inquirição, e o juiz a encerra (PACELLI DE OLIVEIRA, Eugenio. Curso de
Processo Penal. 11ª ed., Lumen Juris, 2009, p.370; MACHADO, Antônio
Alberto. Curso de processo penal. 2ª ed., Atlas, 2009, pp.395-396; DE
JESUS, Damásio. Código de Processo Penal anotado. 23ª ed., Saraiva,
2009, p.191).

A adoção do sistema ou método do exame direto e cruzado na


inquirição de testemunhas em que as perguntas são dirigidas ao depoente
diretamente pelas partes, significa um abandono do sistema presidencial,
próprio do processo inquisitório, em que prepondera a figura do juiz na
direção da prova, em que todas as perguntas à testemunha – inclusive as
reperguntas das partes – são formuladas pelo juiz. A nova regra geral
adotada pelo legislador para a produção da prova testemunhal consistente
em colocar o depoente em contato direto com as partes (direct-examination)
e, em seguida, submetê-la ao exame cruzado pela parte contrária (cross-
examination), se inspira no sistema adversarial anglo-americano, no qual
prepondera na atividade probatória a iniciativa dos interessados, tanto na
proposição como na produção da prova. Esse novo método adotado na
Inglaterra, Estados Unidos da América e Itália, constitui, portanto, um
mecanismo característico de um sistema acusatório puro, baseado no direito
ao contraditório e ao confronto, cuja função é fundamental não somente para
uma apuração mais eficaz para a descoberta da verdade, mas
principalmente para atestar a correção do debate dialético entre as partes,
servindo igualmente à legitimação das decisões (GOMES FILHO, Antonio
Magalhães. Provas. Lei 11.690, de 09.06.2008. In VV.AA. As reformas do
processo penal, op.cit., pp.284-285).

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No sistema italiano, após a reforma de 1988, a legislação


estabeleceu que o juiz dispõe de um poder de intervenção na formação da
prova, que resta subsidiário em relação ao das partes (VV. AA. Procedure
Penali D’Europa. Cedam, 1998, pp.446).

Todavia, tal como sucede no sistema processual italiano, não


resulta incompatível com o sistema acusatório, que confia às partes a
iniciativa probatória, a atribuição ao juiz de um papel ativo. Porém, a
intervenção do juiz deve estar configurada de tal maneira que não afete a
sua posição como terceiro imparcial: ao juiz não lhe está permitido antepor
sua hipótese pessoal em relação à reconstrução dos fatos, à margem das
hipóteses propostas nas alegações confrontadas da acusação e defesa.
Assim, se o considera oportuno, o juiz poderá formular diretamente
perguntas às testemunhas com o fim de obter esclarecimentos, porém
também para explorar pontos probatórios novos ou mais amplos. Esta
faculdade poderá exercitá-la o juiz, somente quando as partes hajam já
concluído sua inquirição à testemunha e sempre que às partes se lhes
conceda o direito de propor perguntas à testemunha depois de haver
respondido ao juiz (ILLUMINATI, Giulio. El sistema acusatorio em Itália. In
VV.AA. Proceso penal y sistemas acusatórios (coord. Lorena Bachmaier
Winter), Marcial Pons, p.157).

Há, é bem verdade, um aspecto que pode perturbar a correta


hermenêutica da questão. É que o legislador, ao realizar a minireforma do
Código de Processo Penal de 2008, não adotou um procedimento uniforme
para a inquirição de testemunhas na instrução criminal comum, regulada
pela Lei nº 11.690/2008, e na instrução no plenário do júri, com as
alterações da Lei nº 11.689/2008. No procedimento do júri, manteve-se o
sistema anterior do Código, em que o juiz presidente formula as perguntas
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iniciais, após o que as partes podem fazer a inquirição direta e cruzada (art.
473 do CPP, com a nova redação). De modo diverso, a nova redação do art.
212 estabelece outra ordem, em que as perguntas são desde logo
formuladas diretamente pelas partes. A intervenção do juiz vem prevista a
seguir, sob a forma de poderes integrativos, no parágrafo único deste artigo,
ao estabelecer que “sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá
complementar a inquirição”. Portanto, há uma incoerência entre os arts. 212
e 473 do CPP: ambos prevêem perguntas diretas pelas partes, mas,
enquanto no plenário do júri as perguntas são feitas inicialmente pelo juiz
presidente e somente depois é dada a palavra para as partes, no regime da
prova testemunhal as perguntas são inicialmente formuladas pelas partes e
somente depois o juiz poderá complementar a inquirição sobre os pontos
não esclarecidos (GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Provas. Lei 11.690,
de 09.06.2008. In VV.AA. As reformas do processo penal. As novas leis de
2008 e os Projetos de Reforma. coord. Maria Thereza Rocha ttde Assis
Moura. Editora RT, 2009, pp.287-288; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi
Ivahy. Tribunal do Júri. Lei 11.689, de 09.06.2008. In VV.AA. As reformas do
processo penal, op.cit., pp.171).

No entanto, as dúvidas se dissipam se levarmos em conta que


a razão da contradição pode ser o fato de que os destinatários da prova
testemunhal, no Tribunal do Júri, são juízes leigos, e, se as partes tivessem
a palavra para iniciar a inquirição das testemunhas, poderiam, de forma
abusiva, fazer perguntas sugestivas ou capciosas, gerando situações com
potencial de induzir o Conselho de Sentença a erro. Assim, as perguntas
iniciais do magistrado podem contribuir para evitar esses problemas, posto
que às partes restariam apenas as reperguntas (BADARÓ, Gustavo
Henrique Righi Ivahy. Tribunal do Júri. Lei 11.689, de 09.06.2008. In VV.AA.
As reformas do processo penal, op.cit., pp.171).

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Por isso, e com o fim de unificar os procedimentos de


inquirição de testemunhas, quiçá numa interpretação evolutiva e sistemática,
seja aconselhável adotar sempre a fórmula prevista no art. 212, e seu
parágrafo único, CPP, como regra geral, afinada com uma leitura mais
atualizada do processo penal (PACELLI DE OLIVEIRA, Eugenio. Curso de
Processo Penal p.370).

Destarte, uma interpretação constitucional e também


teleológica baseada na ‘mens legis’ leva à conclusão indubitável de que
houve essa modificação substancial que decorre, portanto, não só de uma
interpretação literal da nova redação do art. 212 do CPP. Com efeito,
convém recordar que a emenda modificativa n. 7, apresentada pela
Senadora Ideli Salvatti, visando preservar a antiga sistemática da primazia
do juiz como destinatário da prova (art. 212. “Após a inquirição inicial do juiz,
as perguntas serão formuladas sucessivamente...”), foi rejeitada pela
Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Segundo excerto do
relatório do Senador Mozarildo Cavalcanti, “Todos os projetos de lei da
chamada Reforma do Código de Processo Penal estão fundados no modelo
acusatório, reconhecidamente o mais apto à consecução de um processo
penal não apenas ético, mas igualmente mais simples, célere, transparente
e desburocratizado, trazendo maior eficiência e atacando a impunidade.
Temos agora, portanto, oportunidade de ouro para romper com nossa
cultura jurídica e raiz inquisitiva, tornando clara a opção pelo modelo
acusatório puro. Sucede que, para impedir que a doutrina e jurisprudência
continuem interpretando a lei nova com a mentalidade antiga, cremos ser
indispensável radicalizar a redação de alguns dispositivos da presente
proposição, de modo a não deixar qualquer margem para um interpretação
salvacionista de cunho inquisitivo. [...] Dito isto, temos que as emendas

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apresentadas devem ser todas rejeitadas justamente por – em nosso


modesto entender – não contribuírem para a adoção de um sistema
acusatório que se pretende efetivo e livre de ranços inquisitivos pelo Brasil.
Como exemplo, podemos citar a Emenda n. 7 que busca preservar a
inquirição inicial do juiz quando da oitiva das testemunhas, sob o
fundamento que o destinatário primeiro da prova é o juiz, olvidando o fato de
que o processo penal moderno é um processo de partes, em que a prova do
crime incumbe essencialmente ao Ministério Público, não cabendo ao juiz,
portanto, senão supletivamente à atividade das partes, qualquer iniciativa
probatória. É exatamente o que assegura, em sua redação atual, o
parágrafo único do novo art. 212, do CPP: Sobre os pontos não
esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição”.

Com efeito, nos sistemas acusatórios puros, tal como ocorre no


sistema anglosaxão de estrutura adversarial, unicamente as partes podem
aportar provas ao processo (processo de partes). Nos sistemas acusatórios
puros, a prova se entende como algo exclusivo das partes. No modelo
acusatório se confere às partes a exclusiva responsabilidade da busca das
provas. As razões para que nos sistemas acusatórios puros não exista
iniciativa probatória de ofício se apóia: numa concepção dialética da prova;
na necessidade de preservar a neutralidade judicial para salvaguardar
melhor os direitos fundamentais. O papel do juiz é de controle, atuando
como filtro da atividade probatória, resolvendo questões de admissibilidade e
impedindo a prática de provas tendenciosas, ou viciadas de ilegalidade,
porém, em nenhuma hipótese, exercendo atividade probatória de ofício.
Cabem sim, por motivos lógicos, certas atividades do juiz concernente à
prova, porém unicamente para esclarecer dúvidas probatórias ou para
esclarecer o resultado de alguma, sem que isso implique numa aportação de

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nenhum tipo por parte do julgador (GUERRERO PALOMARES, Salvador. El


principio acusatório. Aranzadi, 2005, pp. 93-95).

Portanto, mais correta a exegese de que realmente houve


alteração no método ou sistema de ordem de inquirição, cuja inobservância
implica em nulidade processual de caráter absoluto.

Apesar da divergência jurisprudencial, considero mais acertada


a orientação jurisprudencial que reconhece ter havido modificação no
método de ordem de inquirição, ou seja, primeiro as partes e
complementarmente o juiz e, em consequência, decreta a nulidade por
ofensa à garantia constitucional do devido processo legal, verbis: (a) HABEAS
CORPUS. NULIDADE. RECLAMAÇÃO AJUIZADA NO TRIBUNAL IMPETRADO.
JULGAMENTO IMPROCEDENTE. RECURSO INTERPOSTO EM RAZÃO DO RITO
ADOTADO EM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. INVERSÃO NA ORDEM
DE FORMULAÇÃO DAS PERGUNTAS. EXEGESE DO ART. 212 DO CPP, COM A
REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.690/2008. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL.
CONSTRANGIMENTO EVIDENCIADO. 1. A nova redação dada ao art. 212 do CPP, em
vigor a partir de agosto de 2008, determina que as vítimas, testemunhas e o interrogado
sejam perquiridos direta e primeiramente pela acusação e na sequência pela defesa,
possibilitando ao magistrado complementar a inquirição quando entender necessários
esclarecimentos. 2. Se o Tribunal admite que houve a inversão no mencionado ato,
consignando que o Juízo Singular incorreu em error in procedendo, caracteriza
constrangimento, por ofensa ao devido processo legal, sanável pela via do habeas corpus,
o não acolhimento de reclamação referente à apontada nulidade. 3. A abolição do sistema
presidencial, com a adoção do método acusatório, permite que a produção da prova oral
seja realizada de maneira mais eficaz, diante da possibilidade do efetivo exame direto e
cruzado do contexto das declarações colhidas, bem delineando as atividades de acusar,
defender e julgar, razão pela qual é evidente o prejuízo quando o ato não é procedido da
respectiva forma. 4. Ordem concedida para, confirmando a medida liminar, anular a
audiência de instrução e julgamento reclamada e os demais atos subsequentes,
determinando-se que outra seja realizada, nos moldes do contido no art. 212 do CPP (HC

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121216/DF,rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, j. 19/05/2009, DJe 01/06/2009); (b)
“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E
JULGAMENTO. INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS. NÃO-OBSERVÂNCIA DO
PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 212 DO CPP, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI
11.690/08. NULIDADE. CONSTRANGIMENTO EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA.
LIMINAR CONFIRMADA. 1. A nova redação dada ao art. 212 do CPP pela Lei 11.690/08
determina que as vítimas, as testemunhas e o acusado sejam ouvidos direta e
primeiramente pela acusação e na sequência pela defesa, possibilitando ao magistrado
complementar a inquirição se entender necessários esclarecimentos. 2. Se o Tribunal de
origem admite que houve a inversão na inquirição, consignando que o Juízo Singular
incorreu em error in procedendo, patente o constrangimento, sanável pela via do habeas
corpus, por ofensa ao devido processo legal. 3. Ordem concedida para, confirmando a
liminar, anular a audiência de instrução e julgamento realizada em desconformidade com a
previsão contida no art. 212 do Código de Processo Penal, bem como os atos
subsequentes, determinando que outra seja realizada, consoante as disposições do referido
dispositivo.” (HC 137.091/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA,

julgado em 01/09/2009, DJe 13/10/2009); (c) “HABEAS CORPUS. DIREITO


PROCESSUAL PENAL. LEI Nº 11.690/08. INTERPRETAÇÃO DO ART. 212 DO CPP.
INVERSÃO NA ORDEM DE FORMULAÇÃO DE PERGUNTAS. NULIDADE.
INOCORRÊNCIA. 1. A Lei nº 11.690, de 9 de junho de 2008, alterou a redação do art. 212
do Código de Processo Penal, passando-se a adotar o procedimento do Direito Norte-
Americano, chamado cross-examination, no qual as testemunhas são questionadas
diretamente pela parte que as arrolou, facultada à parte contrária, a seguir, sua inquirição
(exame direto e cruzado), e ao juiz os esclarecimentos remanescentes e o poder de
fiscalização. 2. A nova lei objetivou não somente simplificar a colheita de provas, mas
procurou, principalmente, garantir mais neutralidade ao magistrado e conferir maiores
responsabilidades aos sujeitos parciais do processo penal, que são, na realidade, os
grandes interessados na produção da prova. 3. No caso, observa-se que o Juiz primeiro
grau concedeu às partes a oportunidade de questionar as testemunhas diretamente. A
ausência dessa fórmula gera nulidade absoluta do ato, pois se cuida de regramento jurídico
cogente e de interesse público. (HC 137094/DF, Rel. Ministro Og Fernandes, 6ª T., j. em 18-

02-2010, DJe 08-03-2010)”; no mesmo sentido: HC 145182/DF, 5ª T., STJ, Rel.


Min Jorge Mussi, j. 04/02/2010, DJe de 10/05/2010); (d) HABEAS CORPUS.
PROCESSO PENAL. NULIDADE. RECLAMAÇÃO AJUIZADA NO TRIBUNAL
IMPETRADO. JULGAMENTO IMPROCEDENTE. RECURSO INTERPOSTO EM RAZÃO
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DO RITO ADOTADO E AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. INVERSÃO NA


ORDEM DE FORMULAÇÃO DAS PERGUNTAS. EXEGESE DO ART. 212 DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.690/08. OFENSA AO
DEVIDO PROCESSO LEGAL. CONSTRANGIMENTO EVIDENCIADO. 1. A nova redação
dada ao art. 212 do Código de Processo Penal, em vigor a partir de agosto de 2008,
determina que as vítimas, testemunhas e o interrogado sejam perquiridos direta e
primeiramente pela acusação e na sequência pela defesa, possibilitando ao magistrado
complementar a inquirição quando entender necessários esclarecimentos. 2. Se o Tribunal
admite que houve a inversão no mencionado ato, caracteriza constrangimento, por ofensa
ao devido processo legal, sanável pela via do habeas corpus, o não acolhimento de
reclamação referente à apontada nulidade. 3. A abolição do sistema presidencial, com a
adoção do método acusatório, permite que a produção da prova oral seja realizada de
maneira mais eficaz, diante da possibilidade do efetivo exame direto e cruzado do contexto
das declarações colhidas, bem delineando as atividades de acusar, defender e julgar, razão
pela qual é evidente o prejuízo quando o ato não é procedido da respectiva forma.
4. Ordem concedida para anular a audiência de instrução e julgamento reclamada e os
demais atos subsequentes, determinando-se que outra seja realizada, nos moldes do
contido no art. 212, do Código de Processo Penal. (HC 137.089/DF, Rel. Ministra LAURITA

VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 22/06/2010, DJe 02/08/2010); (e) PROCESSO PENAL.
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. TESTEMUNHAS. INQUIRIÇÃO DIRETA
PELO MAGISTRADO. NULIDADE. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. I. O art. 212
do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei nº 11.690/08, determina que as
perguntas sejam formuladas diretamente pelas partes às testemunhas, possibilitando ao
magistrado, supletivamente, caso queira complementar as declarações em pontos ainda
não esclarecidos, proceder à sua inquirição. Precedentes. II. A Reforma de Processo Penal
de 2008 suprimiu o sistema presidencialista na oitiva das testemunhas em juízo, adotando-
se o sistema acusatório, configurando constrangimento ilegal a violação dessa forma
instrutória. III. Eventual nulidade na instrução criminal dos crimes dolosos contra a vida não
impede o magistrado de atuar no feito. No rito escalonado do Tribunal do Júri, o acusado
será julgado pelo Conselho de Sentença, segundo a íntima convicção dos jurados. IV.
Ordem concedida em parte. (HC 155.934/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA

TURMA, julgado em 02/12/2010, DJe 13/12/2010); (f) PROCESSO PENAL. HABEAS


CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. NULIDADE. NÃO
OCORRÊNCIA. AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. PROCEDIMENTO
REALIZADO EM DESCONFORMIDADE COM OS DITAMES LEGAIS. INQUIRIÇÃO

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DIRETA PELO MAGISTRADO. NULIDADE. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. I.


Não procede a alegação de nulidade das interceptações telefônicas, diante da ausência de
qualquer ofensa aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do
contraditório, restando afastada a hipótese de incompetência do Juízo que autorizou as
escutas. II. Hipótese em que o Juízo, ao determinar a interceptação telefônica, tinha notícia
de que certo indivíduo estaria praticando o tráfico de entorpecentes na cidade de Porto
Alegre, sendo que tanto os foros regionais como o foro central são competentes para o
julgamento dos delitos cometidos na capital, uma vez que a divisão é meramente
administrativa. III. Eventual incompetência do Juízo que determina a interceptação não é
capaz de macular o procedimento. IV. Suposto descumprimento de determinações contidas
nas decisões autorizadoras das interceptações que não impediram a exata compreensão da
acusação ou o pleno exercício do direito de defesa. V. Inviabilidade de análise de certas
peculiaridades em sede de habeas corpus, se os questionamentos foram submetidos e
rebatidos nas instâncias ordinárias, que detêm maior amplitude cognitiva. VI. Legitimidade
das provas derivadas das interceptações telefônicas. VII. A nova redação do art. 212 do
Código de Processo Penal conferida pela Lei 11.690/2008 suprimiu o sistema
presidencialista na oitiva das testemunhas em juízo para inaugurar o sistema acusatório,
segundo o qual as vítimas, as testemunhas e o interrogado são inquiridos pela acusação e
na seqüência pela defesa, possibilitando ao magistrado, supletivamente, caso queira
complementar as declarações em pontos ainda não esclarecidos, proceder à sua inquirição.
Precedentes. VIII. A inversão dessa sistemática configura constrangimento ilegal, sanável
pela via do habeas corpus. IX. Ordem parcialmente concedida, nos termos do voto do
Relator. (HC 155020/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em
16/12/2010, DJe 01/02/2011).

Recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, além de


reconhecer a nulidade decorrente da inobservância da nova ordem de
inquirição de testemunhas prevista no artigo 212 do CPP, fez constar
também que a nulidade não implica invalidade dos demais atos
subsequentes realizados: “(...) NULIDADE. RITO ADOTADO EM AUDIÊNCIA DE
INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. SISTEMA PRESIDENCIALISTA. EXEGESE DO ART. 212
DO CPP, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.690/2008. OFENSA AO DEVIDO
PROCESSO LEGAL. CONSTRANGIMENTO EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA. 1. A
nova redação dada ao art. 212 do CPP, em vigor a partir de agosto de 2008, determina que

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as vítimas, testemunhas e o interrogado sejam perquiridos direta e primeiramente pela


acusação e na sequência pela defesa, possibilitando ao magistrado complementar a
inquirição quando entender necessários esclarecimentos. 2. A abolição do sistema
presidencial, com a adoção do método acusatório, permite que a produção da prova oral
seja realizada de maneira mais eficaz, diante da possibilidade do efetivo exame direto e
cruzado do contexto das declarações colhidas, bem delineando as atividades de acusar,
defender e julgar, razão pela qual é evidente o prejuízo quando o ato não é procedido da
respectiva forma, como na hipótese vertente. 3. A nulidade da audiência de instrução e
julgamento não importa necessariamente na invalidade dos demais atos subsequentes
praticados, sendo que, diferentemente daquele, para a invalidação destes é imprescindível
que reste demonstrado o efetivo prejuízo à defesa do paciente, o que não ocorre na
hipótese, razão pela qual devem ser mantidos como escorreitos no feito. 4. Ordem
concedida para anular a audiência de instrução e julgamento reclamada, determinando-se
que outra seja realizada nos moldes do disposto no art. 212 do Código de Processo Penal.
(HC 147.292/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 05/10/2010,
DJe 16/11/2010).

Ponderável segmento jurisprudencial desta Corte também


segue essa nova orientação, a título exemplificativo: Apelação Crime Nº
70029876950, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Nereu José Giacomolli, Julgado em 25/06/2009; no mesmo diapasão:
Apelação 70030858112, rel. Des. Aramis Nassif; Apelação nº 70030638670).

A jurisprudência de outros Tribunais também vai se


consolidando no sentido aqui mencionado.

Em sessão de julgamento de 20/10/2009, a 1ª CC do TJSC, na


apelação criminal n° 2009.030777-4, de relatoria do Des. Newton Varella
Júnior, decidiu, “por votação unânime, anular o processo desde a oitiva das
testemunhas de acusação, inclusive, devendo as inquirições serem
realizadas nos moldes do art. 212 do Código de Processo Penal”. O acórdão

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restou assim ementado: TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO


(ARTS. 33, CAPUT, E 35 DA LEI 11.343/06). PRELIMINAR ARGUIDA. NULIDADE ANTE O
DESRESPEITO AO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 212 DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL PARA A OITIVA DAS TESTEMUNHAS DE ACUSAÇÃO. NÃO
COMPARECIMENTO DO REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO AO ATO.
FORMULAÇÕES REALIZADAS PELA MAGISTRADA QUE DENOTAM O SUPRIMENTO
DA AUSÊNCIA MINISTERIAL. INVERSÃO NA ORDEM DAS PERGUNTAS.
DESCONFORMIDADE COM A ALTERAÇÃO TRAZIDA PELA LEI 11.690/08. PREJUÍZO
EVIDENCIADO. PREFACIAL ACOLHIDA.

O entendimento supracitado foi reafirmado em recente


julgamento da mencionada Câmara Criminal do TJSC: APELAÇÃO CRIMINAL
TRÁFICO DE DROGAS NULIDADE DO PROCESSO AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E
JULGAMENTO REALIZADA SEM A PRESENÇA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
¿ MAGISTRADO QUE, EM RAZÃO DE TAL FATO, PASSOU A INQUIRIR AS
TESTEMUNHAS DE ACUSAÇÃO COMO SE ÓRGÃO ACUSATÓRIO FOSSE
COMPORTAMENTO INCOMPATÍVEL COM O ART. 212 DO CPP, COM A NOVA
REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 11.690/08 POSSIBLIDADE APENAS DE
COMPLEMENTAR A INQUIRIÇÃO SE ENTENDER NECESSÁRIOS OUTROS
ESCLARECIMENTOS PRELIMINAR ACOLHIDA NULIDADE DO PROCESSO
DECRETADA. "1. A nova redação dada ao art. 212 do CPP, em vigor a partir de agosto de
2008, determina que as vítimas, testemunhas e o interrogado sejam perquiridos direta e
primeiramente pela acusação e na sequência pela defesa, possibilitando ao magistrado
complementar a inquirição quando entender necessários esclarecimentos. (...)." (HC n.
121.216/DF, rel. Ministro JORGE MUSSI, j. em 19/05/2009). (apelação criminal nº
2009.053871-9, Relator Designado: Desembargador Rui Fortes, 1ª CC, j. 10-05-2010).

No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal:


HABEAS CORPUS. AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO. INVERSÃO DA ORDEM NA
FORMULAÇÃO DE PERGUNTAS. INÍCIO DA COLETA DOS DEPOIMENTOS PELO
MAGISTRADO. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. ARTIGO 212 DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL. NOVA REDAÇÃO CONFERIDA PELA LEI Nº 11.690/2008. ORDEM
CONCEDIDA. 1. O artigo 212 do Código de Processo Penal, com a nova redação conferida
pela Lei nº 11.690/2008, assim enuncia: "As perguntas serão formuladas pelas partes
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diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta,
não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.
Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a
inquirição". 2. Na espécie, tendo iniciado o Magistrado a inquirição das testemunhas, não
permitindo às partes que primeiro formulassem às suas perguntas, feriu a garantia do
devido processo legal prevista no art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal. 3. Conforme
tem assentado o Superior Tribunal de Justiça, os questionamentos às testemunhas deverão
ser realizados em primeiro lugar pela parte que as arrolou, seguida da parte adversa. Ao
Juiz caberá indeferir pergunta que possa induzir resposta, que não possua relação com a
causa ou que for repetida. Somente após as perguntas da Acusação e da Defesa, é que o
Magistrado, exercendo papel complementar na inquirição das testemunhas, poderá fazer
perguntas. 4. Habeas Corpus admitido e ordem concedida para, confirmando a liminar,
anular a audiência de instrução e demais atos subseqüentes, determinando que outra
audiência seja realizada, respeitando o disposto no art. 212 do Código de Processo Penal,
consoante tem determinado o Superior Tribunal de Justiça. (HC 20090020091762, Relator:
Desembargador Roberval Casemiro Belinati, 2ª Turma Criminal, 13/08/2009).

Aliás, a jurisprudência do TJDF, por exemplo, evoluiu da


seguinte maneira: inicialmente negava a modificação processual na ordem
de inquirição de testemunhas; depois, passou a decidir que, embora
realmente o legislador quisera tal alteração procedimental, tratava-se de
nulidade relativa; atualmente, embora ainda não esteja totalmente
consolidada, a jurisprudência tem três posições: uma primeira orientação, diz
que se trata de nulidade relativa; uma segunda orientação provê
parcialmente a reclamação do Ministério Público para determinar que o juízo
reclamado observe a nova ordem de perguntas estabelecida no art. 212 do
CPP, nas audiências futuras da ação penal, mantida, contudo, a validade
das audiências já realizadas (Reclamação 20090020095434RCL, 2ª Turma
Criminal do TJDF, rel. Des. Roberval Casemiro Belinati, j. 22/10/2009). A
terceira orientação determina que as audiências a serem realizadas
obedeçam ao determinado no art. 212 do CPP, deferindo às partes
(acusação e defesa) que procedam às perguntas, diretamente às
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testemunhas e que, após isso, o Magistrado faça os questionamentos


complementares que entender necessários (HC 20090020117112HBC, 2ª
Turma Criminal do TJFD, rel. Des. Sérgio Rocha, j. 13/10/2009). Como se
percebe, cremos que no final prevalecerá esta última postura, que
estimamos mais correta.

Mais recentemente, tem-se recomendação da 2ª Turma do


TJDF, acolhendo reclamação para determinar ao juízo de primeiro grau que
observe a nova ordem para inquirição das testemunhas, estabelecida pela
nova redação do art. 212, do CPP, nas futuras audiências, verbis: (...) 1. A
interpretação do novo texto do art. 212 e parágrafo único do CPP revela que as partes farão
as perguntas diretamente à testemunha e que a inquirição desta pelo juiz é atividade
complementar à anterior inquirição realizada pelas partes. 2. Não se anula a audiência de
instrução e os demais atos processuais praticados, se o fato de ter sido invertida a ordem
na oitiva da testemunha não acarretou prejuízo para a defesa do réu nem para a acusação
(CPP 563). 3. Deu-se parcial provimento à Reclamação para determinar ao Juízo a quo que
observe a nova ordem para inquirição das testemunhas, estabelecida pela nova redação do
art. 212 do CPP, nas futuras audiências que porventura ocorram nos autos dos quais se
originou a presente Reclamação. (HC 20090020097028RCL, 2ª Turma Criminal do TJFD,

rel. Des. Sérgio Rocha, j. 14/01/2010).

Ainda, no mesmo sentido, foi acolhida reclamação para


determinar ao juízo reclamado que fizesse audiência observando a nova
ordem das perguntas estabelecido no art. 212, do CPP, verbis: (...) 1. O artigo
212 do Código de Processo Penal, com a nova redação conferida pela Lei nº 11.690/2008,
assim enuncia: “As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha,
não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a
causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Parágrafo único. Sobre os pontos
não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição”. 2. Não obstante inúmeras
divergências doutrinárias e jurisprudenciais, o Superior Tribunal de Justiça posicionou-se a
respeito da matéria, entendendo que o magistrado está autorizado apenas a fazer
perguntas complementares, após as testemunhas terem sido questionadas diretamente
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pelas partes. 3. Na espécie, não tendo o magistrado observado a nova ordem de inquirição
das testemunhas, deve-se confirmar a decisão liminar proferida pelo eminente
Desembargador Sérgio Rocha, a qual acolhe o atual posicionamento do Superior Tribunal
de Justiça. 4. Reclamação admitida e provida para confirmar a liminar, a qual determinou ao
Juízo reclamado que refizesse a audiência observando a nova ordem das perguntas,
estabelecida no artigo 212 do Código de Processo Penal. (HC 2009002007584-4RCL,
Relator: Desembargador Roberval Casemiro Belinati, 2ª Turma Criminal, 18/03/2010).

No mesmo sentido acórdão do Tribunal de Justiça de Minas


Gerais: (...) APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO DE DROGAS - TESTEMUNHAS -
INQUIRIÇÃO DIRETA PELAS PARTES - NOVO PROCEDIMENTO - LIMITAÇÃO DA
ATUAÇÃO DO JULGADOR - NULIDADE RECONHECIDA - PRECEDENTE DO STJ. O
sistema acusatório sustenta-se no princípio dialético que rege um processo de sujeitos
cujas funções são absolutamente distintas, a de julgamento, de acusação e a de defesa. O
juiz, terceiro imparcial, é inerte diante da atuação acusatória, bem como se afasta da gestão
das provas, que está cargo das partes. Aqueles que defendem a permanência do poder
ilimitado de inquirição do julgador, que leva à aceitação da situação dele formular
primeiramente, antes das partes, as perguntas às testemunhas, ainda insistem na figura do
inquisidor, que busca a ""verdade real"", que é destinatário exclusivo das provas produzidas
e, por vezes, sem constrangimento, é seu ""remetente"" também. Vislumbra-se na alteração
do art. 212 do CPP uma exigência de neutralidade a partir da limitação do poder de
inquirição do julgador. Ele não pode inquirir antes das partes, violando a ordem
estabelecida pelo art. 212 do CPP, mesmo porque sua atuação é secundária, restrita a
esclarecimentos do que for confuso ou inexplicado. Nulidade reconhecida. (...). (Apelação
criminal nº 1.0024.09.565512-2/001(1), Relator: Desembargador Alexandre Victor de
Carvalho, 5ª Câmara Criminal, j. 27/04/2010, DJe. 10/05/2010).

Também acórdão recente do Tribunal de Justiça do Rio de


Janeiro reconhece nulidade absoluta inobservância da ordem de inquirição
de testemunhas estabelecida no art. 212 do CPP: APELAÇÃO. PROCESSO
PENAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. AUDIÊNCIA DE
INSTRUÇÃO E JULGAMENTO REALIZADA APÓS A VIGÊNCIA DA LEI 11.639/08.
ALTERAÇÃO DA ORDEM DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA. ARTIGO 212 DO CÓDIGO
DE PROCESSO PENAL. RESTITUIÇÃO DA PALAVRA AO MINISTÉRIO PÚBLICO APÓS
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A INQUIRIÇÃO DA TESTEMUNHA PELA DEFESA. VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO


LEGAL. NULIDADE DO ATO. SISTEMA ACUSATÓRIO QUE DEVE SER OBSERVADO.
Apelante denunciado pela suposta prática dos crimes de tráfico de drogas e associação
para o tráfico de drogas. Audiência de instrução e julgamento realizada após a vigência da
Lei 11.639/08, que alterou o artigo 212 do Código de Processo Penal (fls. 137/44). Re-
inquirição da testemunha pelo Ministério Público após a inquirição pela Defesa que leva ao
reconhecimento da nulidade do processo a partir da referida audiência (fl. 134).
Necessidade de observância do novo sistema de colheita de provas adotado pela Lei
11.639/08, em respeito ao princípio acusatório, devido processo legal, presunção de
inocência e distribuição do ônus da prova. Juiz que deve garantir às partes paridade de
armas e, assim, preservar sua imparcialidade. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.
Nulidade declarada. PROVIMENTO DO RECURSO. (0009102-24.2008.8.19.0014
(2009.050.02613). Des. Geraldo Prado, Quinta Câmara Criminal, j. 08/04/2010).

Efetivamente, trata-se aqui de nulidade absoluta e não relativa,


até porque seria uma probatio diabolica exigir a prova do prejuízo pela
inobservância da ordem de inquirição de testemunhas. Enquanto a nulidade
relativa diz respeito ao interesse das partes em determinado e específico
processo, os vícios processuais que resultam em nulidade absoluta referem-
se ao processo penal enquanto função jurisdicional, afetando não só o
interesse de algum litigante, mas de todo e qualquer acusado e qualquer
processo. Configuram, portanto, vícios passíveis de nulidades absolutas as
violações aos princípios fundamentais do processo penal, tais como o do juiz
natural, o do contraditório e da ampla defesa, o da imparcialidade do juiz, a
exigência de motivação etc., implicando todos eles a nulidade absoluta do
processo (PACELLI DE OLIVEIRA, Eugenio. Curso de Processo Penal. 11ª
ed., Lumen Juris, 2009, pp.696-697).

Destarte, a ofensa às garantias constitucionais implicará


sempre nulidade absoluta, pois a obediência às regras do “devido processo”
constitui requisito essencial para a correção da prestação jurisdicional

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(GRINOVER, Ada Pellegrini/ FERNANDES, Antonio Scarance/ GOMES


FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 8 ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, pp. 24-25).

Como recentemente ressaltou o Superior Tribunal de Justiça


em decisão do Ministro Celso Limongi: “a violação do princípio constitucional da
ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes (art. 5º, LV, da CF/1988), tem por
consequência a nulidade absoluta. Na atualidade, a jurisprudência tem tornado cada vez
mais tênue a diferenciação doutrinária clássica entre nulidade absoluta e nulidade relativa,
principalmente quanto à exigência de comprovação de prejuízo e quanto ao momento
oportuno para alegar o vício. (...) em se tratando de vício decorrente de infringência de
direito fundamental consagrado na Constituição, a nulidade absoluta deve ser reconhecida
a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, mesmo após o trânsito em julgado da
sentença condenatória. Logo, o ato cerceador do exercício da ampla defesa que impede o
processamento de recurso tempestivo causa inexorável prejuízo ao réu.” (HC 138.001/RJ,
Rel. Min. Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), Sexta Turma, julgado em
6/10/2009).

Nesse sentido, aliás, colaciono recente voto da Ministra Maria


Thereza de Assis Moura, proferido em julgamento no Superior Tribunal de
Justiça (HC 121215/DF, Rel. Ministra Maria Thereza De Assis Moura, Rel. p/
Acórdão Ministro Og Fernandes, 6ª T, j. 01/12/2009, DJe 22/02/2010), no
qual a Relatora acolheu o parecer do Subprocurador-Geral da República,
Juarez Tavares, que bem apreciou a questão da nulidade, in verbis:

“O cerne da questão repousa em se saber se a natureza da


nulidade engendrada pela não observância do que dispõe o art.
212, caput e par. único do CPP, i.e., se a inquirição das
testemunhas primeiramente pelo juízo (e, posteriormente, pelas
partes) teria, ipso facto, o condão de determinar a declaração de
nulidade do processo desde a audiência de instrução, por se
tratar de nulidade absoluta, ou, ao contrário, tratar-se-ia de
nulidade relativa, a exigir, além da sua alegação opportuno
tempore, a demonstração de prejuízo.
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Dúvidas não há de que o tema nulidades está


intrinsecamente ligado à existência de prejuízo, seja este efetivo
ou potencial (art. 563 do CPP). Todavia, mesmo partindo-se
dessa premissa, há que se diferenciar aqueles vícios gravíssimos,
nos quais o desrespeito às formalidades legais implicam violação
aos princípios constitucionais direta ou reflexamente (nulidade
absoluta), daqueles outros decorrentes da não-observância de
formas estabelecidas no interesse exclusivo da parte, vale dizer,
que não importam atentados à própria função jurisdicional.
A depender justamente dos interesses envolvidos na
nulidade, se prevalentemente públicos ou privados, é que se
deverá cunhar de absoluto ou relativo um vício que inquine o
processo. Se as formas são estatuídas no preponderante
interesse das partes, cabe a elas verificarem se o seu
desatendimento causa gravame a sua esfera jurídica, oferecendo
impugnação. Ao revés, se o que se sobressai é o interesse
público na tutela das liberdades individuais, não há, para as
partes, qualquer disponibilidade, daí se dizer que as nulidades
absolutas não estão sujeitas a prazos preclusivos, não se
convalescendo nem mesmo ante a coisa julgada, porquanto
atentatórios à própria função jurisdicional, à própria qualidade da
jurisdição prestada.
O direito, e isso é consabido, lida com abstrações. Ninguém
ousa dizer, por exemplo, que as hipóteses de incompetência
absoluta não encartam nulidades absolutas. Jamais, todavia, para
esses casos, foi requerida pelos órgãos judiciários a
demonstração de efetivo prejuízo. Em outras palavras, o prejuízo
decorre da violação singela ao quanto preceituado na
Constituição ou na lei. Assim, processo desse jaez é considerado
nulo, mesmo que à defesa tenha sido assegurado incensurável
contraditório e inexistam sequer indícios da imparcialidade do
órgão judicante.
No caso vertente, o juízo negou aplicação ao disposto no
art. 212, caput e par. único do CPP, procedendo, desde logo, à
inquirição das testemunhas, sem, antes, deferir a possibilidade às
partes. Afastou-se o juízo, assim, do comando legal, que
determina seja sua iniciativa eminentemente complementar, vale
dizer, supletiva da atuação das partes, e não substitutiva, como
parece se afigurar sempre que sonegadas às partes a produção
probatória, violando, dessa forma, como, aliás, escorreitamente
dispôs a defesa, o princípio constitucional do acusatório (art. 129,
I, da CF).
O caráter complementar da atuação judicial, finda a
inquirição das testemunhas pelas partes, ainda assim, deve ser
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interpretado com parcimônia, para dele não se extrair possa o


juiz, genericamente, estender o conjunto probatório, substituindo
autor e réu em seu mister. Assim, uma interpretação consentânea
com o princípio acusatório informa que somente poderá o juízo
proceder à inquirição das testemunhas sobre fatos que, para ele,
não tenham se quedado claros, mas que já tenham sido agitados
pelas partes. Essa deve ser interpretação conforme a
Constituição, porque conforme ao princípio acusatório, do
dispositivo legal.
Isso, porque não há como negar que admitir a figura de um
juiz inquisidor é, concomitantemente, admitir um juiz
comprometido psicologicamente com a prova, tanto ao produzi-la,
quanto ao valorá-la. Primeiro, porque, p.e., ao dirigir suas
perguntas às testemunhas, quando nada de concreto existe
acerca do crime, senão a tese acusatória, age, porque de modo
diverso não poderia mesmo ser, impelido pela visão que tem dos
fatos narrados na denúncia (formulada pela acusação), o que
significa dizer possa consubstanciar, desde que assuma sobredita
tese, uma extensão da acusação, a comprometer-lhe o devido
alheamento em relação ao caso penal. Isso se intensifica quando
se tem em vista que, no processo penal, vige o princípio da
presunção de inocência e seu corolário “in dubio pro reo”, a
imporem à acusação um amplíssimo, senão mesmo integral, ônus
probatório, derivando daí a desnecessidade ou a própria
inutilidade de que o juiz produza prova que venha a favorecer à
defesa, o que poderia, caso se vislumbrasse a pertinência da
possibilidade, vislumbrar-se ser a atuação oficiosa do juiz
instrumento paritário às partes.
Dessa forma, embora seja mesmo um delírio exigir-se um
juiz sem predisposições, ser humano que é, ao final, para os
efeitos de igualdade e imparcialidade reclamados, o que importa,
precisamente, é não ter sua atuação constituído mecanismo de
extensão do conjunto probatório. Certamente, a gestão das
provas constitui uma das vigas mestras do processo penal. Com
efeito, e isso em muito maior medida para a acusação, em face
do princípio da presunção de inocência e seu corolário “in dubio
pro reo” já referidos, toda a argumentação trazida à baila pelo
Ministério Público, para que esteja revestida da necessária
idoneidade, vale dizer, para que possa servir,
argumentativamente, ao convencimento judicial, deve encontrar-
se amparada por provas; de modo contrário, de nada vale. Daí
por que se aduzir deva o juiz, em relação à gestão da prova,
manter-se inerte, evitando constitua, a partir de sua atuação
oficiosa, uma possibilidade de prova em favor da acusação.
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Na hipótese dos autos, tem-se mesmo situação esdrúxula.


Não se arrogou o juiz uma possibilidade probatória que fosse
sequer supletiva às partes, o que se daria tivesse, p.e., dirigido,
após as perguntas do autor e do réu, suas próprias às
testemunhas, independentemente de terem sido ou não agitadas
pelas partes. Não! Antes mesmo, arrogou-se a posição de
protagonista na produção probatória, substituindo-se ao órgão da
acusação, formulando as perguntas em seu (no da acusação)
interesse, o que, à evidência, coloca frontalmente em xeque o
princípio acusatório, visto que se tem por inadmissível deva a
separação dos órgãos de julgamento e acusação ser estritamente
formal ou que a ela se sobreponha o princípio da verdade real.
O juiz, como se colhe do termo de audiência acostado às fls.
31/33, consignou expressamente ter sido a alteração legislativa
do art. 212 do CPP “mero preciosismo”, expressando clara
intenção em não cumprir a lei, como se lhe fosse dada uma tal
possibilidade. Chega mesmo ao absurdo de antever a ausência
de prejuízos às partes, sobretudo ao réu, que é contra quem a
prova sempre se dirige num procedimento inquisitório, invocando
o princípio Pás de Nullité Sans Grief, olvidando-se por completo
que as normas processuais são estabelecidas como uma garantia
ao acusado e que, constituindo a regra do jogo, devem ser
cumpridas, sob pena de nulidade. De fato, se as normas
processuais penais são norma de garantia, com o fito de
proporcionar o devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF), o seu
descumprimento é que deveria justificar-se, vale dizer, deveria
caber ao Estado-juiz a prova de que o processo se deu com a
regularidade que é constitucionalmente assegurada, apesar das
sacudidelas, e não o acusado, que apenas reclama o
cumprimento daquele que, nos códigos processuais, se encontra
estatuído e vigente.
De mais a mais, nesse caso, exigir-se a cristalina
demonstração de prejuízo, como a indicar as consequências da
inversão da ordem estatuída no dispositivo, vale dizer, se primeiro
tivessem as partes procedido à inquirição das testemunhas, quais
outros resultados se fariam presentes que não aqueles que se
verificaram, ou quais os efeitos da nulidade sobre os atos judiciais
que se seguiram, seria um rigor injustificável. Que tipo de prova
deveria ser produzida para que se chegasse a contento à
conclusão de que, p.e., respeitado o preceito legal, não teria
sobrevindo condenação, ou a pena teria sido menor? Nessas
situações, deve-se entender que a própria natureza da
irregularidade evidencia o gravame, o prejuízo.

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Aqui, como dito, a violação ao art. 212, caput e par. único,


implicou violação a vários dispositivos constitucionais, como o
princípio acusatório, da igualdade jurídica, no seu viés da
paridade de armas, e da imparcialidade do juízo, a não permitir, a
uma, se possa cunhar de relativa a nulidade presente, tão caros
para a própria qualidade da prestação jurisdicional se afiguram,
dúvida não pode haver, e, a duas, se possa exigir prova cabal e
cristalina do prejuízo, argumentação falaciosa, visto que, nesses
contornos, jamais logrará êxito o acusado em insurgências desse
jaez, permitindo-se, ao final, ao juízo, siga o procedimento que lhe
estampa as próprias opiniões, sendo certo que a esse tempo de
incertezas não se quer regredir. (fls. 121-127).”

Em recentíssima decisão, a Quinta Turma do STJ reconheceu


que se trata de nulidade absoluta: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS
CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ART. 33, §4º DA LEI 11.343/06.
INVERSÃO NA ORDEM DE QUEM FORMULA AS PERGUNTAS ÀS TESTEMUNHAS.
ART. 212 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI
11.690/2008. NULIDADE ABSOLUTA. ALEGAÇÕES DE POSSIBILIDADE DE
SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA E DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE.
PLEITOS PREJUDICADOS EM RAZÃO DO RECONHECIMENTO DE NULIDADE.
PROGRESSÃO DE REGIME. FATO POSTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI 11.464/07. LAPSO
TEMPORAL PARA PROGRESSÃO DE REGIME NA FRAÇÃO DE 2/5. I - O art. 212 do
Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei nº 11.690/08, determina que as
perguntas serão formuladas diretamente pelas partes às testemunhas, possibilitando ao
magistrado, caso entenda necessário, complementar a inquirição acerca de pontos não
esclarecidos. II - "Se o Tribunal admite que houve a inversão no mencionado ato,
consignando que o Juízo Singular incorreu em error in procedendo, caracteriza
constrangimento, por ofensa ao devido processo legal, sanável pela via do habeas corpus,
o não acolhimento de reclamação referente à apontada nulidade." (HC 121.216/DF, 5ª
Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 01/06/2009; no mesmo sentido HC 137.091/DF, 5ª
Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe de 13/10/2009); III - Anulada a audiência de
instrução e julgamento realizada em desconformidade com a previsão contida no art. 212
do Código de Processo Penal, bem como os atos subsequentes, perdeu o objeto, o
presente writ, no que tange aos pleitos referentes à possibilidade de suspensão condicional
da pena e direito de recorrer em liberdade. IV - O crime de tráfico de drogas, cuja tipificação
se encontra no art. 33, caput e § 1º, da Lei nº 11.343/2006 é, segundo expressa disposição

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constitucional (art. 5º, inciso XLIII), considerado figura equiparada aos crimes hediondos
assim definidos em lei (Lei nº 8.072/90), sujeitando-se, por conseguinte, ao tratamento
dispensado a tais crimes. V - A pretendida descaracterização do tráfico de drogas como
crime equiparado aos hediondos quando incidente a causa especial de diminuição de pena
do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 não se justifica. VI - O art. 2º, caput, da Lei dos
Crimes Hediondos, bem como o anteriormente citado dispositivo constitucional, equipara
aos crimes hediondos o "tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins", sem qualquer
ressalva aos casos em que a pena imposta é reduzida de 1/6 a 2/3 em razão de o agente
ser primário, possuidor de bons antecedentes e não se dedicar nem integrar organização
criminosa (STF: decisão liminar no HC 102.881/SC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de
11/03/2010). VII - A simples incidência da causa de diminuição de pena não é bastante para
afastar a equiparação do tráfico de drogas aos crimes hediondos. Apesar de a lei prever a
redução da reprimenda diante do preenchimento dos requisitos nela enumerados, tal não
implica a desconsideração das razões que levaram o próprio texto constitucional a prever
um tratamento mais rigoroso ao tráfico de drogas. VIII - Neste sentido, e levando-se em
consideração que a conduta perpetrada pelo ora paciente ocorreu em momento posterior à
entrada em vigor da Lei 11.464/07, que deu nova redação ao art. 2º da Lei 8.072/90, deve
ser considerado, na hipótese, quando da eventual análise do requisito objetivo para a
progressão de regime, o lapso temporal de 2/5 (dois quintos) de cumprimento de pena.
Ordem parcialmente concedida, apenas para anular a audiência de instrução e julgamento
realizada em desconformidade com a previsão contida no art. 212 do Código de Processo
Penal, bem como os atos subsequentes, determinando que outra seja realizada, consoante
as disposições do referido dispositivo. (HC 153140/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER,
QUINTA TURMA, julgado em 12/08/2010, DJe 13/09/2010).

Por conseguinte, tendo em vista a inobservância da nova regra


processual expressa no art. 212, do CPP, com a consequente violação do
devido processo legal, insculpido no inciso LIV do art. 5º, da Constituição
Federal, há nulidade absoluta, devendo ser anulado o processo a partir da
audiência de inquirição de testemunhas ocorrida em 17.06.2009 – tendo em
vista a entrada em vigor da Lei nº 11.690/08 em 09/08/2008 – determinando-
se, assim, que seja obedecido o novo método de exame direto e
confrontação pelas partes com observância da ordem sucessiva de

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inquirição de testemunhas determinada pelo legislador, sem prejuízo de, se


assim entender necessário o Magistrado de primeiro grau, tal como previsto
no parágrafo único do mesmo artigo, também complementar a inquirição em
busca da verdade forense.

8. Assim, rejeitada a preliminar referentes à ausência de justa


causa para a ação penal, voto no sentido de decretar a nulidade absoluta do
processo, a contar da audiência realizada em 17.06.2009 (fl. 53).

9. Todavia, em face da cassação da sentença condenatória,


mostra-se impositiva análise acerca da prescrição da pretensão punitiva do
Estado, porquanto desaparecido o referido marco interruptivo.

Tendo o acusado sido condenado pelo cometimento do delito


previsto no art. 129, §9º, do CP, à pena de 03 (três) meses de detenção,
verifica-se que o lapso prescricional é de apenas 02 anos, conforme art. 109,
inciso VI, do CP em sua antiga redação, visto que decorrente de fato
praticado em 2007, ou seja, antes da alteração procedida pela Lei nº
12.234/2010.

Assim, verifico que, entre a data do recebimento da denúncia


(18.04.2004) e a data da presente sessão de julgamento (24.02.2011),
transcorreu prazo maior que o lapso prescricional considerando a pena
fixada na sentença, a qual não pode ser alterada em observância ao
princípio do ne reformatio in peius, sendo impositiva a extinção, de ofício, da
punibilidade do denunciado, pelo reconhecimento da prescrição.

Dispositivo
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10. Ante o exposto, dou parcial provimento ao apelo defensivo


para decretar a nulidade do feito a contar da audiência realizada em
17.06.2009, bem como declaro, de ofício, extinta a punibilidade do acusado
pela prescrição da pretensão punitiva do Estado, em face da pena
concretizada na sentença de primeiro grau, em observância à proibição de
reformatio in peius, considerando o prazo decorrido entre o recebimento da
denúncia e a data da presente Sessão, pelo disposto nos arts. 107, inciso
IV; art. 110, § 1º; art. 109, inciso VI, em sua antiga redação, todos do CP.

DES. IVAN LEOMAR BRUXEL (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo


com o Relator.
DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI - De acordo com o Relator.

DES. IVAN LEOMAR BRUXEL - Presidente - Apelação Crime nº


70039686423, Comarca de Canoas: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO
APELO DEFENSIVO E, DE OFÍCIO, DECLARARAM EXTINTA A
PUNIBILIDADE DO APELANTE."

Julgador de 1º Grau: PAULO DE TARSO CARPENA LOPES

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