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FILOSOFIA CIÊNCIA

OS PROGRAMAS DE PESQUISA

Imre Lakatos (1922-1974) pretendia compatibilizar as filosofias de Popper e Kuhn, ou seja, a idéia
popperiana de um desenvolvimento científico racional por meio de conjecturas e refutações, e, ao mesmo
tempo, o historicismo de Kuhn. Desenvolveu então uma teoria que ficou conhecida como Programa de
Pesquisa ou Programa de Investigação. No entender de Lakatos, um p rograma de pesquisa é um conjunto
de regras metodológicas. Essas regras são de dois tipos. Algumas dizem ou indicam quais os caminhos de
pesquisa que devem ser evitados. Elas constituem o que Lakatos chamou de heurística negativa do
programa. Outras regras dizem ou indicam quais os caminhos de pesquisa devem ser seguidos. Essas regras
constituem o que Lakatos definiu como heurística positiva do programa. As regras metodológicas que
constituem a heurística negativa podem ser consideradas, na opinião de Lakat os, o núcleo duro do
programa de investigação. No núcleo do programa, estão contidas as informações essenciais e os
pressupostos do programa que, convencionalmente, por decisão metodológica, são considerados
irrefutáveis.
O núcleo de um programa de investi gação científica forma-se historicamente após um longo período de
tentativa e erro. Além disso, ele é defendido pelos participantes do programa, pela comunidade científica
que o adota como algo sagrado e irrefutável. Percebe -se aqui, claramente, a influênc ia de Kuhn. Já a
heurística positiva é compreendida por Lakatos como o conjunto parcialmente articulado de sugestões
epalpites que o cientista adota para desenvolver as ´variantes refutáveisµ do programa e para modificar e
sofisticar o ´cinturão de proteçã oµ refutável (LAKATOS; MUSGRAVE, 1979, p.161-169). A referência aqui é
Popper. Daqui surge o segundo componente do programa, o cinturão de proteção. Na imagem mental
sugerida por Lakatos, haveria no programa de investigação um conjunto de hipóteses auxilia res e
observações, cuja finalidade seria a de proteger o núcleo do programa de possíveis refutações. Desse
modo, a heurística positiva teria um papel importante a desempenhar, servindo como uma verdadeira
máquina de resolver problemas e anomalias e capaz d e enfrentar os primeiros testes de falseabilidade.
Exatamente nesse cinturão de proteção do núcleo é que a refutabilidade poderia se tornar efetiva, mas
seria também exatamente ali que ela encontraria a sua principal resistência. Nesse aspecto, Lakatos
pretende também absorver o problema posto pelo teorema de Duhem -Quine.
De acordo com Lakatos, a ciência como um todo, poderia ser considerada a história dos programas de
pesquisa. No entanto, o que mais lhe interessa é identificar aquilo que considera como pr ogramas
particulares de investigação científica. Como exemplos de programas de pesquisa, Lakatos cita a metafísica
cartesiana, que defendia uma concepção mecanicista de universo; a teoria gravitacional de Newton; o
programa de Bohr, baseado na idéia de que a emissão da luz deve-se a elétrons que saltam de uma órbita
para outra no interior dos átomos, etc. (LAKATOS; MUSGRAVE, 1979, p.163 -224).
No entender de Lakatos, somente os programas de pesquisa fornecem condições para que se possa avaliar
objetivamente quando acontece progresso na ciência. Só há progresso na ciência, quando um programa de
pesquisa também progride. Caso contrário, se o programa degenera, a ciência fica estagnada. Mas, como
podemos saber se um programa de pesquisa progride ou degenera? Par a Lakatos, um programa de
investigação só progride quando cada mudança no cinturão de proteção levar a alguma predição nova e
bem sucedida. Entretanto, esse mesmo programa de investigação científico entra em estado degenerativo
se tiver de inventar hipótes es ad hoc para explicar fatos novos.

Em suas reflexões sobre o desenvolvimento da ciência, Lakatos propõe que o progresso científico seja
encaminhado através do que ele denomina de programas de pesquisa. A competição entre vários programas
de pesquisa é uma característica do processo de desenvolvimento científico. Os programas de pesquisa, em
linhas gerais, são diretrizes metodológicas responsáveis pela decisão acerca da construção e modificação
das teorias. É neles que as teorias sobrevivem e continuamente se desenvolvem. As teorias não são
elementos isolados, mas pertencentes a um determinado programa . Um programa de pesquisa consiste de
regras metodológicas que nos dizem quais são os caminhos que devem ser evitados por uma teoria
(heurística negativa)3; outras nos dizem quais devem ser palmilhados (heurística positiva)4. Lakatos coloca
que as teorias, dentro de um programa de pesquisa, são preservadas das refutações, em razão da
existência de cinturões protetores que lhe dão garantia e resguardo. Estando as refutações relacionadas ao
mutável cinturão protetor do programa de pesquisa, as anomalias são u m fenômeno que, dentro de um
programa, é considerado como algo que deve ser explicado em função do mesmo, ou seja, é um desafio
para este. Uma razão objetiva para eliminar o núcleo e, conseqüentemente, o programa, é proporcionada
por um programa de pesquis a rival quando este suplanta o seu concorrente, demonstrando maior força
heurística5. Contudo, segundo Lakatos, a caracterização de um programa como refutado por um outro
rival, não é um processo instantâneo, mas histórico (Lakatos, 1978 p.35). Somente se pode chamar de
crucial uma experiência quando se verifica, por uma longa visão retrospectiva, que o programa vitorioso é
corroborado pela experiência, enquanto que um rival fracassa em sua explicação. Logo, uma anomalia é
assim reconhecida à luz de um prog rama que a supere, enquanto outros programas concorrentes fracassam
em explicá-la. Nesse caso, temos um programa de pesquisa progressivo conduzindo, previamente, um
excesso de conteúdo teórico e empírico corroborado, preferencialmente, aos exemplos refutad ores, frente
a um programa degenerativo ´que deve infalivelmente planejar suas teorias auxiliares na esteira dos fatos,
sem antecipar outrosµ

RECONSTRUÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Há uma frase de Lakatos muito difundida: "A filosofia da ciência sem a hist ória da ciência é vazia; a história
da ciência sem a filosofia da ciência é cega" (LAKATOS, 1998, p.21). Essa frase, na verdade uma paráfrase
de uma famosa afirmação de Kant, percorre o pensamento lakatiano do início ao fim. Lakatos desenvolve
três teses. A primeira afirma que a filosofia da ciência proporciona metodologias normativas, por meio das
quais o historiador reconstrói a ´história internaµ da ciência e, desse modo, pode apresentar explicações
racionais do desenvolvimento científico. A segunda tese afirma que metodologias rivais podem ser
avaliadas com o auxílio da história da ciência normativamente interpretada. E a terceira tese de Lakatos é
de que toda reconstrução racional da história da ciência necessita ser complementada por uma ´história
externaµ (LAKATOS, 1998, p.21). Na verdade, as três teses de Lakatos pretendem ser, ao mesmo tempo,
uma resposta às deficiências das metodologias justificacionistas, que ele identificou e criticou, seguindo
Kuhn (mas não totalmente), e a base para a defesa da sua metodologia dos programas de pesquisa. A
distinção entre história interna e história externa é uma questão básica para o pensamento de Lakatos no
tocante à metodologia dos programas de investigação científica. No entender de Lakatos, cada metodologia
tem seus próprios critérios para distinguir entre história interna e externa. O indutivismo, o
convencionalismo e o falseacionismo não fizeram uma distinção clara entre esses dois tipos de história e,
por isso, compreenderam mal a importância da história da ciência, enquanto lugar onde a própria
metodologia ganha legitimidade. Mas o que é a história da ciência? Eis uma pergunta que, para Lakatos, só
pode ser respondida a partir de uma determinada concepção metodológica. Ele mesmo afirma que a
história da ciência é uma história de eventos selecionados e interpretados de forma normativa (LAKATOS,
1998, p.43). Por isso, cada metodologia tem seu próprio modo de contar a história da ciência. Do mesmo
modo, cada metodologia tem seus próprios critérios para definir o que faz parte da história interna e o que
pertence à história externa.
Segundo Lakatos, a história interna, também chamada ´história das idéiasµ ou ´história intelectualµ,
constitui propriamente a reconstrução racional, praticada por todas as metodologia s. Nesse sentido, vale a
pena indicar como Lakatos explica a ocorrência da história interna nas metodologias que ele identificou.
Desse modo, em cada metodologia é possível fazer uma reconstrução racional, na qual se apresentaria um
modelo próprio de desenvolvimento científico. Haveria, assim, em diferentes metodologias, reconstruções
racionais diferentes e, com isso, a história da ciência seria contada de acordo com a perspectiva
metodológica adotada.
Entretanto, diz Lakatos, as metodologias justificacioni stas (o indutivismo, o convencionalismo e o
falseacionismo) desprezaram a importância da história externa, considerando a história interna autônoma e
independente. Já a metodologia dos programas de investigação pretende que haja uma complementaridade
entre história interna e história externa, uma vez que "todas essas reconstruções normativas podem ter
necessidade de ser completadas por teorias externas empíricas que explicam os fatores residuais não
racionais" (LAKATOS, 1998, p.40). A história interna é o t ipo de história que busca esclarecer que teorias
são sustentadas pelos cientistas, que experimentos são realizados e como esses elementos interagem para
produzir inovações.
Lakatos pretende demonstrar que é possível estabelecer um vínculo entre a história interna e a história
externa. Para Lakatos, aquilo que os historiadores muitas vezes consideram um problema externo pode
constituir, como freqüentemente ocorre, "uma excelente pista da metodologia implícita". E acrescenta:
"um dos problemas mais interessan tes da história externa é o de especificar as condições psicológicas e
sociais que são necessárias (mas não são suficientes) para que o progresso científico seja possível"
(LAKATOS, 1998, p.43).
A história externa trata de descrever as relações que se esta belecem entre o âmbito interno e a cultura, a
sociedade e a comunidade de investigadores. Estabelecem -se, assim, as relações entre as instituições e a
ciência. Mas podemos encontrar aqui um outro importante argumento de Lakatos para definir a relação de
complementaridade entre os dois âmbitos, pois na formulação mesmo daquilo que se considera externo,
geralmente, entra alguma teoria metodológica, alguma definição de ciência. Se por um lado, a
metodologia orienta os fatos a serem descritos, por outro, o hist oriador adquire mais garantia quanto à
descrição dos eventos selecionados. Nisso pode -se perceber o papel hermenêutico do historiador que narra
a história da ciência a partir do viés teórico que lhe é fornecido pelas teorias que sustenta. Fatores
externos como a economia, a política e a educação tornam -se importantes na medida em que são mediados
pela interpretação e, compreendidos a partir de uma teoria. No caso da história da ciência, a inter -relação
entre o âmbito interno e o âmbito externo torna -se ainda mais importante. Mas, quanto à precedência de
uma em relação à outra, Lakatos é nitidamente claro ao afirmar que a história interna orienta a história
externa.
Embora não necessitemos aprofundar aqui a importância da distinção de Lakatos entre história i nterna e
externa, convém ressaltar que, para Lakatos, a história da ciência somente pode ser assim designada se
levarmos em conta os dois lados da história. Contudo, ainda mais importante que a referida distinção é a
afirmação de Lakatos de que "a história pode ser encarada como um teste das suas reconstruções racionais"
(LAKATOS, 1998, p.45).
Ao considerar as diversas metodologias científicas, Lakatos havia afirmado que cada uma delas encontrava
seus próprios padrões de racionalidade para avaliar teorias, para selecionar fatos, para explicar a mudança
conceitual, etc. Agora a questão que lhe interessa não é mais a da escolha da melhor teoria, mas aquela da
escolha da melhor metodologia. Como podemos saber qual a melhor metodologia? Como podemos avaliar as
diversas metodologias existentes? Para Lakatos, a adoção de um método histórico pode se mostrar a melhor
alternativa para a questão. Lakatos considera este método histórico um meta -critério por meio do qual as
metodologias podem ser falseadas. Além disso, e le mostra como é possível a aplicação deste meta -critério.
Para que se possa avaliar uma metodologia, devem -se aplicar os critérios metodológicos defendidos pela
metodologia contra si mesma. Nesse sentido, o indutivista deveria responder se o indutivismo p ode ser
provado indutivamente; o falseacionista, se o próprio falseacionismo pode ser falseado. De acordo com
Lakatos, nenhuma dessas avaliações teria resultado positivo, pois o indutivismo não pode ser provado
indutivamente e a falseabilidade não é, ela p rópria, falseável. Por isso, diz Lakatos, devemos buscar um
meta-critério que nos dê garantias na avaliação das metodologias. E a história pode ser esse metacritério,
pois ela "falseia" não somente o falseacionismo, mas também todas as outras metodologias vigentes. Nesse
sentido, só a metodologia dos programas de investigação, porque caracterizada historiograficamente, pode
requerer o status de meta-critério razoável na avaliação de metodologias rivais. A metodologia dos
programas de investigação passa a se r, assim, uma meta -metodologia.
De qualquer modo, Lakatos cria condições para pensarmos não somente as relações entre filosofia da
ciência e história da ciência, mas também o relacionamento entre o historiador e o filósofo. Lakatos tem
ainda o mérito de apontar para um elemento importante: a necessidade de compreender a importância da
filosofia e especialmente da história na formação de uma concepção científica. Em Lakatos, racionalidade
e historicidade convergem, apesar de todos os problemas.

reconstrução da história da ciência

Imre Lakatos entende por reconstrução da história da ciência uma análise da história
(principalmente interna) que pretende reorganizar e qualificar a seqüência de problemas e soluções
teóricas (o seu poder heurístico), em correlação com a corroboração empírica que essa s soluções têm
alcançados no futuro da investigação, que foi implementado ao longo do tempo, seguindo um modelo que
dá coerência, para que possamos determinar o crescimento ou a degeneração do programa, comparando
com as diferentes versões, referindo -se basicamente a seus provaveis execessos teóricos e empíricos.
Portanto, a reconstrução racional é, ao mesmo tempo, um diagnóstico histórico e um ato de teorização.
Para fazer uma reconstrução racional deve -se considerar também a história externa do programa, mas a
história interna tem precedência. A história interna do programa reconstrói a evolução ao longo do tempo:
detecta o número de teorias auxiliares e hipóteses que têm surgido no núcleo primitivo metafísico seguindo
rigorosamente as correspondentes variações e transformações de problemas, examinando a comprovação
empírica. Em suma: a reconstrução da história interna visa esclarecer os eventos das mudanças progressivas
e degenerativas para obter uma explicação racional do crescimento do conhecimento cie ntífico. Esta
reconstrução racional deve ser complementada pela história externa e, em seguida, comparada as duas
com a história real. A história externa é um suplemento de reconstrução da história que ajuda a
determinar e explicar os elementos não -racionais (sociais, políticos, econômicos, psicológicos) que não são
incorporados na história interna, mas eles fornecem a localização do contexto. Vemos que a reconstrução
racional de um programa é dado em duas áreas: a sua história interna e história extern a, enquanto a
verdadeira história é a base empírica de comparação. A história externa é, no entanto, funcional à lógica
do programa e que a diferença da história real, a história externa terá por objectivo justificar alguma falta
de coordenação da história interna sobre a verdadeira história explicando o atraso devido a circunstâncias
políticas , ideológicas, económicas, etc
Um exemplo do papel da história externos na reconstrução racional de um programa são as várias
explicações sobre os problemas de Galil eu com a Igreja e as condições de aceitação em um determinado
ambiente sócio-cultural dos novos instrumentos, técnicas e artesanais medição e observação como
argumentos válidos ou inválidos no domínio da discussão científica, tal como foi concebido na époc a de
Galileu (o telescópio, por exemplo, foi considerado como argumento "tradicional" extra -científicos do
Colégio de Cardeais). No entanto, Lakatos deixou em aberto um tema polêmico que não se resolve sobre as
condições possíveis que têm uma história real de forma imparcial, livre de qualquer reconstrução racional
para servir como a pedra de toque para todas as reconstruções possíveis.

FILOSOFIA E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

No início do século XX, o objetivo do positivismo lógico era identificar a estrutura lóg ica das teorias
científicas. Para esse objetivo, a história da ciência só interessa como uma espécie de repositório de
teorias científicas. Uma das críticas comumente dirigida ao positivismo lógico consistia exatamente no fato
de, estando a ciência em cons tante movimento, eles insistirem na análise das teorias cristalizadas nos
manuais, o que forneceria uma visão distorcida da ciência. Acontece que a natureza dos problemas a que
estavam interessados parece não requerer uma análise da dimensão temporal da ci ência. Assim, essas
críticas erram o alvo.
Contudo, na metade do século XX, a pesquisa histórica provocou uma transformação radical em nossa
imagem de ciência. Essa mudança levou os filósofos da ciência a se debruçarem sobre novos problemas
filosóficos que implicaram na necessidade de investigar para além da estrutura das teorias científicas. Esse
foi o caso da tese de Duhem ²Quine, do problema da incomensurabilidade, da instabilidade referencial das
teorias ao longo da história, do caráter não cumulativo de seu desenvolvimento, entreoutros. Esses
problemas surgiram a partir do estudo do processo científico, e não de seus produtos (teorias). Assim, a
história da ciência chamou a atenção para toda uma gama de problemas invisíveis em qualquer estudo de
versões idealizadas de teorias científicas. Como a história da ciência revelou tantos novos problemas,
muitos filósofos passaram a procurar nela as soluções. Por exemplo, a interpretação filosófica do método
científico depende da análise do desenvolvimento dos mét odos nas diversas ciências, em diferentes
momentos. Nas últimas décadas, os filósofos deram -se conta da necessidade de melhorar seus
conhecimentos do desenvolvimento histórico da ciência. Em conseqüência, observamos um intenso
aumento do uso de exemplos hi stóricos nos trabalhos de filosofia da ciência. Apesar da qualidade de
incorporação desses elementos históricos pela filosofia da ciência, surgiram algumas dificuldades que
precisam ser pensadas.
Quase sempre os casos históricos estudados pelos filósofos s ão considerados apenas pelo seu valor
heurístico, de modo a ilustrar ou até mesmo ajudar a articular determinada posição. É claro que esse uso é
legítimo, mas é pelo menos limitado. Há um uso mais importante do ponto de vista epistemológico.
Por vezes, os casos históricos analisados são usados como demonstração de alguma tese ou evidência de
alguma teoria (é o caso do debate realismo versus anti -realismo, analisado na próxima aula). Esse uso não
está livre de problemas, uma vez que, ao adotarmos uma determi nada posição teórica para interpretar
episódios da história da ciência, não poderíamos usá -los como evidência para essa posição sobre pena de
circularidade. De qualquer modo, esse risco de circularidade é comum a qualquer área do conhecimento
que faça uso da história. Além disso, essa crítica não parece forte o suficiente para evitar o recurso à
história, servindo mais como uma espécie de advertência metodológica que deve ser levada em conta
quando se lança mão de fatos históricos.
Vale a pena observar também que o problema parece não estar no uso da evidência histórica em si, mas
sim no uso de episódios históricos como evidência histórica. Pode -se perguntar, por exemplo, que tipo de
apoio realmente se consegue quando se usa a história, e também qual é o val or histórico dos ¶episódios
históricos·. Deve-se observar que a história geralmente fornece evidência para quase toda posição teórica,
e, por isso, o suporte que um episódio histórico específico pode fornecer é bastante reduzido. Essa
limitação do papel do s estudos de casos históricos como evidência apresenta um outro problema
metodológico. Ao se debruçar sobre casos históricos específicos, corre -se o risco de selecionar apenas
aqueles que apóiam determinadas posições. Alguns filósofos estudam as mudanças c ientíficas, outros
estudam as polêmicas científicas, e também há aqueles que se dedicam a questões metodológicas
específicas. Freqüentemente, eles selecionam episódios históricos para dar suporte às suas concepções, na
maioria das vezes, bastante gerais. A lgumas das interpretações filosóficas que certos sociólogos da ciência
defendem por meio da análise de alguns casos de controvérsia científica são exemplos dessa estratégia
metodológica duvidosa. Há ainda outro aspecto que deve ser levado em consideração. Nesse tipo de
estratégia metodológica: o valor da história está no fato de ela permitir a análise de casos passados, e não
pelo fato de acrescentar uma dimensão diacrônica no nosso entendimento da ciência. Ou seja, a utilização
de casos episódicos da histó ria da ciência não traz para a análise aquilo que é central na análise de
qualquer objeto que se desenvolve no tempo, que é a sua dimensão temporal. A história é usada muito
restritivamente, o que significa dizer que se faz um uso não histórico da história . Ao utilizar a história da
ciência unicamente como um repositório de casos históricos, não se está tratando da história da ciência,
mas apenas de episódios científicos passados. Não se está aprendendo com a história, e sim com o passado.
É claro que isso não significa que o estudo de casos específicos não tenha valor para a filosofia da ciência.
A ciência pode ser estudada tanto diacronicamente como sincronicamente. Ou seja, parece legítimo
analisar a ciência, ainda que esta seja uma atividade histórica, p or meio de um recorte, uma fotografia,
que seria, por exemplo, a análise de uma dada teoria num certo tempo, com vistas a analisar seus
componentes estruturais. Outro exemplo seria a elaboração de modelos de teorias. Os modelos são
representações idealizadas das teorias historicamente dadas, e assim sendo, não deveriam ser julgados por
sua capacidade de representar de maneira precisa e acurada os complexos casos históricos. Eles deveriam
ser julgados pela sua capacidade de iluminar questões epistemológicas específicas. Claro, os modelos
devem ser capazes de acomodar os dados existentes, e os dados de alguma forma validam a acurácia do
modelo, ao indicar sua aderência à realidade histórica. Mas, os modelos deveriam ser julgados
principalmente por sua capacidade de revelar aspectos epistemologicamente relevantes da ciência, uma
vez que essa aderência não é o objetivo principal, senão uma condição para o uso do modelo.
Para concluir essa breve reflexão, podemos dizer que o estudo da história da ciência, hoje, é bastante
importante nas investigações filosóficas da ciência, embora outros tipos de análise também tenham sua
importância. A ciência é uma atividade histórica, e teorias são entidades históricas que sofrem mudanças
ao longo do tempo, mas algumas questões na filosofia da ciência não dependem de um conhecimento
histórico. Os estudos diacrônico (temporal) e sincrônico (estático) podem, e talvez devessem, ser
complementares. O desafio metodológico é encontrar uma forma produtiva de integração.

O QUE É O REALISMO CIENTÍFICO?

Em um sentido mais amplo, o termo realismo denota uma determinada posição filosófica acerca de certos
objetos ou classes de objetos como, por exemplo, entidades matemáticas, universais, entidades empíricas,
entidades não-observáveis, postuladas pelas teorias científicas. Podemos dizer que o realismo é a doutrina
que afirma a existência de uma dessas classes de objetos independentemente da presença de um sujeito
cognoscente. Pode-se, evidentemente, ser realista com respeito a uma classe e an tirealista com relação a
outras. Pode-se, inclusive, estabelecer níveis de realismo. Uma outra forma de abordar o problema diz
respeito ao valor de verdade das teorias e/ou proposições científicas. Trata -se de analisar a relação
linguagem-mundo ou, como fi cou conhecida no meio filosófico, proceder a uma análise semântica. A
questão aqui é saber se, objetivamente, pode -se falar de verdade no que diz respeito às relações entre as
teorias e o que elas descrevem. Denomina -se realismo científico, do ponto de vis ta semântico, a tese de
que as melhores teorias científicas são verdadeiras ou aproximadamente verdadeiras com respeito a uma
realidade independente.
Assumir que proposições ou teorias da linguagem possam ser verdadeiras em algum sentido, não significa
que se possa saber se de fato o são. O realismo científico, do ponto de vista epistemológico, é a tese de
que se pode, por meio da investigação científica, obter teorias verdadeiras ou, pelo menos, aproximar -se
delas. Por fim, sob uma óptica axiológica, o rea lismo científico estabelece a verdade como um objetivo
essencial da ciência.
Apesar dessas especificidades, é possível entender o realismo como uma visão filosófica mais ampla, de
forma que o sucesso de sua defesa ou refutação requer uma combinação de argu mentos que envolva
considerações ontológicas, semânticas, epistemológicas, axiológicas e metodológicas, Assim, nessa
concepção, o realismo científico pode ser caracterizado da seguinte forma: algumas entidades não -
observáveis, postuladas pelas teorias cien tíficas, existem independentes do ser cognoscente. As
proposições teóricas devem ser interpretadas literalmente, podendo ser verdadeiras ou falsas, de acordo
com sua relação com o mundo. A ciência tem por finalidade fornecer teorias verdadeiras ou o mais p róximo
possível da verdade. Mas isso não é tudo. Entre os realistas, há aqueles que postulam a realidade das leis
teóricas, e não das entidades teóricas, como é o caso de J. Worrall (1989), enquanto outros postulam a
realidade das entidades teóricas e não das leis, como é o caso de Harré (1970). Entre os anti -realistas há
aqueles que defendem que a verdade ou falsidade das teorias, no sentido clássico, é inacessível ao
conhecimento humano e mesmo irrelevante para os objetivos e o fazer científicos. Segundo essa corrente,
o objetivo da ciência não é a verdade, mas o sucesso preditivo, a simplicidade, a habilidade de resolver
problemas etc.
Para Van Fraassen (1996), as teorias científicas devem buscar salvar os fenômenos.
Uma análise dos principais argumentos contra e a favor do realismo científico na tradição mais recente
servirá para tornar claras as teses realistas e suas implicações, bem como suas dificuldades e alternativas.
ANTI-REALISMO

O realismo é a doutrina que afirma a existência de objetos indepen dentemente da presença de um sujeito
cognoscente. Entidades e fatos empíricos do dia -a-dia, assim como entidades e processos não observáveis
postulados pelas teorias científicas, caracterizam o realismo científico.

Anti-realismo é usado para descrever qualquer posição envolvendo ou a negação da realidade objetiva de
entidades de um certo tipo ou a insistência que devemos ser agnósticos sobre sua existência real.

Podemos de inicio caracterizar o realismo como posições filosóficas acerca de certos objetos ou classes de
objetos. O realismo consiste numa doutrina que afirma a existência de classes de objetos ou objetos,
como, por exemplo, entidades matemáticas, univer sais, entidades empíricas, entidades não -observáveis,
independentemente da presença de um sujeito cognoscente. O realismo científico adverte que não se pode
simplesmente equiparar o percebido com o verdadeiramente conhecido e que é preciso submeter o dado ao
exame e ver para depois levar em conta quando se formulam juízos definitivos.
O anti-realismo aplica-se principalmente a afirmações sobre a não -realidade do "inobservável", entidades
como elétrons, as quais não são detectáveis com nossos sentidos human os normais, mas são ainda assim
consideradas reais.
Resumidamente aceitar entidades e fatos empíricos do dia -a-dia e entidades e processos não -obseváveis,
como, campo magnético, elétrons etc. Implica no realismo científico. Ao passo que negar a existência de
entidades e processos não-observáveis e aceitar a existência de entidades e fatos empíricos resultaria no
anti-realismo.

O PROBLEMA DA INFERÊNCIA ABDUTIVA

De modo simplificado, o esquema geral dos argumentos abdutivos, tais quais aparecem nas discu ssões
contemporâneas, consiste no enunciado de uma evidência (um fato ou conjunto de fatos), de hipóteses
alternativas para explicar tal evidência, e de uma apreciação do valor dessas explicações. Em suma, a
melhor explicação provavelmente será verdadeira se, além de comparativamente superior às demais, for
boa em algum sentido absoluto (CHIBENI, 1996). Van Fraassen (1980) observa que o argumento realista do
sucesso empírico, independentemente de como se entenda o sucesso, é uma inferência abdutiva e,
portanto, sua conclusão está baseada na suposição que as teses realistas são as melhores explicações para
o sucesso empírico das teorias científicas. Ele então propõe a hipótese rival de que, nos contextos
observacionais, inferimos apenas a adequação empírica d a melhor explicação, e não sua verdade integral.
Essas hipóteses são tais que, por princípio, nenhuma evidência colhida nos referidos contextos pode
favorecer uma em relação à outra.
Assim, o realista, na verdade, não está justificado ao inferir a verdade das teorias.
Mesmo que se tivesse que admitir a correção da regra, segundo Van Fraassen (1980), seria preciso mais uma
premissa para se obter o argumento realista completo. Pode -se supor que esta outra premissa é a de que é
necessário comprometer-se com a verdade de uma das hipóteses disponíveis para explicar a evidência. De
fato, se se entender a regra abdutiva como uma regra de escolha sem compromisso com a verdade da
hipótese escolhida, sua aplicação não poderá conduzir ao realismo. A essa crítica se pod eria objetar que a
verdade da hipótese inferida abdutivamente faz parte integrante da noção de abdução, pois à medida que
a complexidade da evidência aumenta, as hipóteses alternativas tornam -se imensamente improváveis. E a
consideração das situações científicas típicas mostra que essa inferência é muito difícil de não ser feita.
Uma alternativa de premissa adicional seria a necessidade de explicar todas as regularidades da natureza.
Nesse caso, se se tomassem essas regularidades naturais como fenômenos bru tos, que não requerem
explicações, não seria necessário o comprometimento com uma interpretação realista. Acontece que, nas
situações de ¶coincidência cósmica·, o raciocínio abdutivo se aplica quando a explicação já está disponível.
Ou seja, uma vez que alguém forneça uma explicação que dê conta de maneira natural de uma
multiplicidade de fenômenos, é convidado a acreditar que é verdadeira, se não for puramente ad hoc.
Para Van Fraassen (1980), contudo, a exigência de explicação poderia nos levar a um regre sso infinito de
explicações. Entretanto, o argumento anti -realista do regresso ao infinito não só não se origina do
argumento apresentado como também não o compromete. O argumento fornece bases para se crer na
verdade de uma teoria que desça, ´abaixoµ dos fenômenos, um, dois ou mais níveis, dependendo do caso,
mas não implica que regularidades postuladas pela teoria no comportamento das entidades desses níveis
devam ser também explicadas por outra teoria, ad infinitum. O realista pode perfeitamente sustenta r que,
no momento, apenas há bases para se crer nas entidades e eventos não -observáveis postulados pelas
teorias abrangentes e não ad hoc de que dispomos. Uma outra objeção apresentada por Van Fraassen ao
argumento da inferência abdutiva é a de que a exigê ncia indefinida de explicações conduz, na microfísica,
à exigência de variáveis ocultas, de modo que a busca de explicações nem sempre é possível, ou mesmo
desejada na ciência. Outros autores afirmam que essas correlações devem ser aceitas como um fato
elementar e que, portanto, não se deve e talvez nem se possa buscar explicações. Assim como o
movimento retilíneo uniforme no século XVII deixou de requerer explicação, também algumas correlações
da microfísica deveriam ser empregadas como base para explicaçã o de outros fenômenos. Pode-se oferecer
duas objeções a esse argumento (CHIBENI, 1997). Primeiro, o argumento mostra apenas que determinados
fenômenos devem ser aceitos sem explicação; o realista pode manter sua posição aplicando o raciocínio
abdutivo sobre outros fenômenos, em que a explicação seja possível e envolva entidades não -observáveis.
Segundo, não parece lícito rejeitar a priori a possibilidade de a realidade física apresentar aspectos que
contrariem a intuição física, adquirida no trato com os ob jetos ordinários. Conforme Elie Zahar: Essa perda
de inteligibilidade psicológica de nenhum modo acarreta uma ruptura do realismo. Pelo contrário, quanto
menos inteligível for a teoria empiricamente bem sucedida, mais temos de sentir que através dela se ga nha
acesso a uma realidade independente da mente humana e, portanto, de seus preconceitos
Fórum
De acordo com Peirce, a abdução é uma tentativa racional para achar uma explicação para um fenômeno
intrigante, onde este é um processo que inclui tanto a gera ção de hipóteses explicativas quanto a seleção
de certas hipóteses para uma análise mais aprofundada. Inclui duas etapas: geração de hipóteses
explicativas e seleção das explicações mais promissoras para os fenômenos. Dado que a inferência abdutiva
é um processo controlado que pode ser submetido a padrões normativos que é correlacionado como uma
única espécie de exatidão que não pode ser reduzida a validade dedutiva ou a força indutiva. Esta alegação
de irredutibilidade é de considerável importância para o controle lógico e epistemológico de métodos
científicos.
A abdução é muitas vezes caracterizada como a inferência para a melhor explicação, especificamente,
como uma inferência cuja conclusão final é uma hipótese explicativa e cujas premissas incluem decl arações
sobre a hipótese.

O ARGUMENTO DA ´COINCIDÊNCIA CÓSMICAµ E DO MILAGRE

A essência do argumento da ´coincidência cósmicaµ aparece no parágrafo 43 da parte 3 de Principes de La


philosophie, de Descartes:
Que não é verossímil que as causas das quais se podem deduzir todos os fenômenos sejam falsas.
Certamente, se os princípios dos quais me sirvo são muito evidentes, se as conseqüências que deles tiro são
fundadas sobre a evidência das Matemáticas, e se o que assim delas deduzo concorda exatamente com
todas as experiências, parece -me que seria cometer uma injúria contra Deus acreditar que são falsas as
causas que desse modo encontramos para os efeitos que estão na Natureza: pois seria querer torná -lo
culpado por nos haver criado tão imperfeitos que pud éssemos nos enganar mesmo quando usamos bem a
razão que ele nos deu (apud CHIBENI, 1997, p.22). Numa versão contemporânea, apresentada por Putnam
(1962), se uma teoria é bem sucedida empiricamente, fornecendo explicação para o conjunto das
evidências conhecidas à época, e além disso, prevendo outras evidências, então é bastante improvável que
essa teoria seja falsa, sendo, ao contrário, bastante provável que seja, pelo menos, aproximadamente
verdadeira, no sentido de que as entidades teóricas e os processos subjacentes referem-se a entidades e
processos reais responsáveis pelo conjunto das evidências conhecidas. Sem assumirmos que a ciência
descreve o mundo real, seu sucesso preditivo seria um milagre. Laudan (1996) contra -argumenta: primeiro,
o argumento está baseado no conceito de verdade aproximada, do qual não se tem uma concepção
coerente. Segundo, o argumento não é dedutivamente válido ( falácia da afirmação do conseqüente). E por
último, a história da ciência nos mostra vários exemplos de teorias falsa s (cujos termos teóricos centrais
não denotam) e que foram bem sucedidas empiricamente, tais como a teoria atômica de Dalton, a teoria
do Éter, entre outras. Contudo, dependendo dos critérios definidos para o sucesso empírico de uma teoria
científica, o argumento de Laudan e suas contra-evidências históricas perdem força. Um realista poderia
responder, mostrando que o argumento de Laudan baseia -se numa noção fraca de sucesso empírico: as
teorias que Laudan toma como exemplos não são bem sucedidas no sentido forte. O argumento do milagre,
tal como exposto, precisa de um refinamento, pois não constitui nenhuma coincidência ou milagre que uma
teoria, especificamente construída para dar conta de um certo conjunto de fenômenos, de fato os
explique. É por isso que Laudan encontrou tão facilmente contra-exemplos na história da ciência. Contudo,
esse não é o caso quando se trata da previsão de fatos novos, ou quando uma teoria, projetada para
acomodar algumas regularidades fenomênicas, acontece predizer novas regular idades.
Assim colocado, o argumento do milagre ganha uma sobrevida: o realista tem uma explicação pronta para o
sucesso empírico assim entendido. As entidades postuladas pela teoria realmente existem, e o que a teoria
diz sobre elas é verdadeiro (ou aproxi madamente verdadeiro), e pode ser estendido para outros domínios
onde elas se façam presentes. O anti -realista parece ser forçado a dizer que ficções criadas para um
determinado propósito milagrosamente mostram -se bem adaptadas para um propósito muito dife rente.
Esse ponto foi observado por Lakatos (1978), Leplin (1984) e Musgrave (1996), entre outros. Já Whewell, no
século dezenove, notou a importância dessa diferenciação. Ele afirmava que nenhum exemplo pode ser
apontado, em toda a história da ciência no qual esta indução tenha dado testemunho em favor de uma
hipótese que posteriormente se descobrisse falsa. Ao levar em conta uma classe de fatos isoladamente,
sabendo a lei a qual eles seguem, pode -se construir uma hipótese, ou talvez várias, que possa repr esentá-
los; e, quando uma nova circunstância for descoberta, pode -se sempre ajustar as hipóteses de modo que
corresponda a ela também. Mas quando a hipótese, por si mesma e sem ajustamentos para esse fim,
fornece as regras e razões de uma classe não previs ta em sua construção, tem -se um critério de sua
realidade, o qual ainda não foi produzido em favor de sua falsidade. As teorias da física contemporânea
têm sido exemplares nessa capacidade de prever novos fenômenos. Tais teorias contam com inúmeros
casos de previsões quantitativas inusitadas que se confirmam com precisão pela experiência. São, além
disso, de uma abrangência enorme, dando conta de grande quantidade e veracidade de fenômenos, muitos
dos quais não foram levados em conta quando da sua criação.

A SUBDETERMINAÇÃO EMPÍRICA DE TEORIAS

Suponha que duas teorias T1 e T2 sejam empiricamente equivalentes, no sentido de que fazem as mesmas
previsões fenomênicas. Então, nenhum conjunto de evidências observáveis poderá decidir conclusivamente
entre T1 e T2. Observe que o problema não é que a escolha entre T1 e T2 seja subdeterminada pelas
evidências observacionais atuais, de forma que poderíamos buscar experimentos que permitissem a decisão
entre elas. Já que nas teorias genuinamente equivalentes todas as previsões observacionais de T1 e T2 são
idênticas, então não há experimentos que possam conclusivamente eliminar uma delas.
A tese da subdeterminação empírica afirma que não importa quanta, evidência, tenhamos , sempre haverá
teorias empiricamente equivalentes. Há dois argumentos em favor dessa tese. O primeiro é conhecido
como a tese de Duhem-Quine. O argumento afirma que toda teoria pode preservar suas teses centrais em
face de qualquer anomalia empírica, por meio de ajustes em suas teses menos centrais como, por exemplo,
os epiciclos na astronomia de Ptolomeu. Suponha -se que tenhamos inicialmente duas teorias rivais ² T1 e
T2 ², e que se investiguem futuras evidências que permitam decidir entre elas. Segundo a tese Duhem-
Quine, segue-se que, mesmo que se encontre qualquer quantidade de evidência, ainda haveria duas teorias
T1· e T2·, derivadas das originais, por revisões sucessivas ocasionadas em função daquelas evidências,
subdeterminadas por elas. Um segundo argumento, mais direto, afirma que sempre é possível, dada uma
teoria T1, construir uma teoria T2 que faz exatamente as mesmas previsões. A versão mais simples desse
argumento, apresentada por Van Fraassen (1985), assume que T2 implica todas as asserções o bservacionais
que T1, mas nega a existência de qualquer mecanismo não -observável postulado por T1, de modo que são
empiricamente equivalentes, mas se contradizem. Contra esse argumento, pode -se afirmar que teorias
assim obtidas não são cientificamente acei táveis. Uma versão mais sofisticada do argumento não elimina
simplesmente os mecanismos não -observáveis postulados por T1. Ele os substitui por estruturas
autocorretivas planejadas para resultar exatamente nas mesmas implicações empíricas. Para os anti -
realistas, sustentar a tese da subdeterminação empírica de teorias implica que não há razões para se
postular a verdade de qualquer teoria, já que nenhuma evidência empírica pode eliminar definitivamente
suas alternativas empíricas. Van Fraassen (1980) assume essa posição. Segundo ele, jamais se deve
acreditar na verdade de qualquer teoria que postule entidades e mecanismos nãoobserváveis. No máximo,
deve-se aceitar que tais teorias são empiricamente adequadas, ou seja, que são corretas no que diz
respeito à parte observável do mundo.
Algumas considerações podem ser desenvolvidas contra a tese da subdeterminação empírica. Em primeiro
lugar, pode-se argumentar que duas teorias empiricamente equivalentes são, em verdade, uma mesma
teoria expressa em linguagens di ferentes. É claro que se existe T2, tal que T2 nega T1, sendo T1 e T2
empiricamente equivalentes, como suposto acima, esse argumento não se aplica. Uma segunda linha de
contra-argumentação seria o fato de que, na história da ciência, não se deu nenhum caso de
subdeterminação estrito-senso. Essa hipótese deve ser julgada contra a história da ciência. Outra linha de
argumentação, desenvolvida por Laudan (1996) e Leplin (1984), sustenta que as observações são sempre
historicamente relativas, de modo que o obse rvado hoje difere do observado ontem e amanhã (dadas as
diferentes condições tecnológicas).

TEORIAS EMPIRICAMENTE BEM SUCEDIDAS

O argumento do milagre, tal qual apresentado por Putnam, tem como conseqüência o fato de que os
termos teóricos centrais das t eorias empiricamente bem sucedidas designam genuinamente as entidades
não-observáveis postuladas por essa teoria. Contudo, Laudan afirma que essa tese deve ser testada contra
a história da ciência. Segundo ele, a história é repleta de teorias empiricamente bem sucedidas do
passado, cujos termos centrais à sua explicação das evidências não designam segundo as teorias atuais.
Cita como exemplo a astronomia ptolomaica, a teoria do fluido calórico, a teoria do éter luminífero etc.
Nas palavras de Laudan: O fato de os termos centrais de uma teoria referirem não implica que ela será bem
sucedida; e o sucesso de uma teoria não é garantia para a afirmação de que a maior parte de seus termos
centrais referem (LAUDAN, 1996, p.14). Uma possível resposta realista é argu mentar que teorias bem
sucedidas são apenas aproximadamente verdadeiras. Não há dúvidas de que teorias bem sucedidas não são
sempre verdadeiras, em cada detalhe, mas, pode -se considerar as teorias próximas da verdade, ou mais
próximas da verdade que suas predecessoras. Duas objeções podem ser feitas com relação à idéia de
verdade aproximada. A primeira consiste na dificuldade técnica de articular claramente a noção de
verdade por aproximação. Parece que os diversos esforços de investigação sobre a noção de verosimilitude
tornou claro que não pode haver uma medida isenta de interesses da distância de uma teoria da verdade.
Há, contudo, uma objeção mais óbvia contra o argumento realista. Segundo Laudan (1996), teorias bem
sucedidas empiricamente no passado não são falsas apenas em detalhes pontuais, mas que, ao postularem
uma gama de entidades explanatórias que não tem nenhuma contrapartida na realidade, estão
radicalmente distantes da verdade (como o caso do éter e do fluido calórico).
Pode-se defender o realismo ao argumentar que ainda aqui seria possível identificar elementos centrais à
teoria, responsáveis pelo seu sucesso empírico, no sentido forte, que seriam pelo menos parcialmente
verdadeiros. Tais elementos devem, portanto, estar presentes na teoria que tomou o lugar da anterior, por
vezes como casos limites dessa nova teoria. Essa tese também deve ser confrontada com a história da
ciência. Contudo, para evitar um recuo contínuo do conteúdo de verdade de uma teoria, à medida que a
crítica avança, numa es pécie de tentativa ad hoc de salvar a noção de verdade, dado o caráter
excessivamente intuitivo das noções envolvidas, faz -se necessário estabelecer uma teoria epistemológica
que seja capaz de:
‡ definir de maneira inequívoca um critério para avaliar o suc esso empírico das teorias científicas;
‡ propor uma análise da estrutura das teorias, explicitando o papel interno dos elementos de uma teoria, e
seu valor relativo, sobretudo na sua relação com o definido em (i); e
‡ fornecer uma semântica que permita ras trear aqueles elementos que subsistem apesar das mudanças
teóricas, responsáveis pelo sucesso empírico, tal qual definido em (i) e (ii), e que
seriam o núcleo verdadeiro ou parcialmente verdadeiro da teoria.

Novidade Preditiva
Lakatos (1978), em seu artig o Why did Copernicus·s research programme Superside Ptolomy·s, aponta para
um importante conceito que talvez seja a base para uma explicação realista do progresso científico: a
noção de ´fatos novosµ. Originalmente, Lakatos (1978) concebia os fatos novos n o sentido mais óbvio: novo
equivaleria a nunca antes observado. Nesse sentido, seriam exemplos de fatos novos: o retorno do cometa
Halley, a descoberta de Netuno, etc. Contudo, assim entendida, essa concepção não se aplicaria à
revolução copernicana, pois os fatos eram os mesmos da teoria de Ptolomeu (geocentrismo).
Mas se essa concepção não é adequada, a concepção de Elie Zahar atende completamente a questão. Para
Zahar (apud LAKATOS, 1978), um fato é novo em relação a um programa de pesquisa, ainda que nã o
temporalmente, como é o caso do periélio de Mercúrio, se é independente desse programa, ou seja, se não
teve nenhuma participação ou papel nesse programa. Sob esta perspectiva, Lakatos conclui que o programa
copernicano suplantou o ptolomaico porque era cientificamente superior, pois produziu uma série de fatos
novos.

Novidade Empírica

Leplin (1997) parte desse ponto e investiga demoradamente o conceito de ´novidade empíricaµ e sua
implicação para teses epistemológicas realistas, tornando claros importa ntes aspectos da relação
teoria/empiria e o desenvolvimento da ciência. A tese principal de Leplin é que a razão de teorias fazerem
previsões que são novas com relação ao contexto da teoria é suficientemente forte para sustentar uma
interpretação realista dessas teorias.
Se uma teoria identificou e descreveu corretamente os reais mecanismos e entidades responsáveis pelo que
se observa, é razoável supor que ela seja capaz de antecipar resultados observacionais derivados,
responsáveis pelo seu desenvolvimento . Caso contrário, como explicar essa capacidade? Poder -se-ia
sustentar que não há nada de extraordinário que uma teoria explique fenômenos para os quais ela foi
criada para explicar, e que seja capaz de prever fenômenos por ela instanciados. De fato, seria possível
explicar esse tipo de sucesso empírico sem o comprometimento com alguma noção de verdade. Em tais
situações, noções como a de adequação empírica seriam suficiente para explicar esse sucesso.
Contudo, há casos em que uma teoria é capaz de prever r esultados empíricos de fenômenos que não
estavam diretamente envolvidos ou pressupostos na sua formulação teórica e tampouco poderiam ser
deduzidos por alguma modificação ou desenvolvimento posterior da teoria. Fenômenos que guardam uma
certa independência com relação à teoria.
Para Leplin, o sucesso empírico forte já não pode ser explicado de maneira tão natural e direta sem
supormos a verdade, ainda que parcial ou aproximada, da teoria responsável por ele. Leplin considera esse
o ponto crucial do debate em favor do realismo. O argumento do milagre constitui -se da necessidade de
fornecer uma explicação para o sucesso desse tipo de previsão, uma vez que outros tipos de sucesso não
demandariam explicação.
Antes de avançarmos, será interessante, dada a importâ ncia da questão, reconstruirmos a argumentação de
Leplin. Segundo Leplin (1997), uma teoria que apresenta e resolve desafios explicativos possui um maior
valor epistêmico do que uma que não o faça, mesmo que ambas sejam igualmente compatíveis com um
conjunto de evidências relevantes comuns. E um resultado novo, por conta de sua independência da teoria,
representa um ganho considerável em termos de explicações para a teoria que previu o resultado.
Se nenhuma outra teoria for capaz de prever esse resultado, n em mesmo generalizações qualitativas dele,
então há um desafio explicativo para o qual somente essa teoria apresenta uma saída. O resultado,
propriamente dito, não precisa ser considerado um mistério, posto que a teoria o explica. Mas como a
teoria o explica é um mistério. Nada, a não ser a verdade da teoria, resolve esse mistério. Supondo que a
explicação é um objetivo fundamental da ciência, devemos estender esse objetivo à explicação do sucesso
ou não das teorias em explicar predições fenomênicas, uma ve z que implicará no desenvolvimento dessas
teorias e, portanto, novamente na explicação dos fenômenos. A explicação do sucesso das teorias e as
explicações do mundo são axiologicamente interdependentes. Agora, se não podemos explicar o sucesso de
teorias em prever fatos novos, a não ser supondo que elas são, em alguma medida, verdadeiras, então,
temos boas razões para sustentar uma interpretação realista de tais teorias. Ou seja, devemos entender os
mecanismos explicativos delas como representações, em algum a medida, de processos reais responsáveis
pelo que é observado. Mas, explicar fatos novos, realisticamente, significa dar -lhes um peso epistemológico
diferente das previsões bem sucedidas que teorias não -representativas são capazes de explicar. A tese é a
de que a previsão de fatos novos torna possível supor que, na prática científica, teorias que apresentam
tais resultados estão numa relação mais estreita com o mundo do que uma simples conformidade geral com
a evidência empírica, como é o caso da adequação empírica. Somente uma interpretação realística de uma
teoria é capaz de nos fornecer uma explicação para sua capacidade de prever fatos novos. Interpretações
não-realistas têm o ônus de justificar porque sua deficiência em explicar o sucesso na previsão d e fatos
novos das teorias não é relevante epistemologicamente. Uma forma minimalista de colocar o problema
seria: há condições empíricas possíveis que nos permitem atribuir alguma medida de verdade às teorias,
não somente as suas conseqüências observacionais, mas às teorias propriamente.

Verdade Aproximada

Como foi dito, uma interpretação realista de uma teoria entende seus mecanismos explanatórios como
representações dos processos da natureza responsáveis pelos resultados observacionais da teoria em
questão. Uma interpretação realista atribui algumas medidas de verdade à teoria, entendendo verdade
como acuidade representacional. Como acuidade é uma questão de grau, é natural falar -se em verdade
parcial ou aproximada, ou verdade em alguma medida. Tais qualificações são apropriadas porque não há
razão para supor que acuidade representacional completa e improvável seja necessária para explicar a
adequação preditiva e explicativa dos mecanismos postulados por uma teoria. De forma mais geral, não há
razões para se defender que os efeitos que testam uma teoria sejam capazes de discriminar a acuidade
parcial ou total de suas representações, embora eles possam ser sensíveis a graus de acuidade. Ainda mais,
acuidade completa não é, em geral, uma concepção clara para representação. Objetos são representados
em certos aspectos, para certos objetivos. Para objetivos diferentes, diferentes características são
ressaltadas. Algumas características podem ser inteiramente suprimidas, produzindo idealizações.
Representações podem, deliberadamente, incluir características que não são, ou mesmo não podem ser
atribuídas ao que está sendo representado, de forma que aspectos mais relevantes, do ponto de vista
pragmático, possam ser representados mais adequadamente. É o caso das analogias ou modelos analógicos,
por exemplo.
A noção de verdade com a qual o realismo lida não pode ser do tipo tudo ou nada, não se deve assumir uma
semântica bivalente como a que se utiliza no trato com proposições isoladas, uma a uma. Pode -se dizer
que, quanto maior o sucesso de uma teoria na previsão de fatos novos, não comprometidos por algum
fracasso empírico, menor a chance de seus mecanismos explicativos serem totalmente não representativos
das entidades físicas e processos naturais responsáveis p elas observações relevantes.
Não se pode, contudo, entender tal afirmação como se a quantidade de novos fatos fornecesse uma medida
do grau de acuidade representacional conseguido pela teoria que os previu. Explicar o sucesso em prever
fatos novos não é, necessariamente, atribuir um grau particularmente elevado de acuidade, porque não é
possível determinar que formas de inadequação podem ser irrelevantes para a situação observada. O
mundo pode ser muito mais rico do que o acesso possível ² num certo momento - a ele. No entanto, pode-
se, em princípio, ter razões para acreditar em algo teórico a respeito do mundo. Mesmo que não se possa,
também em princípio, ter razões para acreditar no quanto aquilo está com respeito a alguma escala
absoluta.
Dada uma composição proposicional de teorias, pode-se distinguir duas dimensões nas quais a verdade
parcial de uma teoria poderia ser estimada. Até o momento, o sucesso preditivo tem sido atribuído ao
conjunto total das proposições de uma teoria. Mas é possível atribuir v erdade somente a algumas das
proposições de uma dada teoria e, então, ter -se uma proporção entre essas proposições e o total de
proposições de uma teoria, estabelecendo o resultado como uma medida para a sua verdade parcial. Ainda
assim, não se tem uma med ida absoluta. Primeiro, porque uma teoria pode ser indefinidamente ampliada.
Ela pode ser acrescida ou refinada para ser aplicada a novas situações ou se se descobrirem formas mais
realistas, menos idealizadas, de descrição.
Segundo, porque as proposições de uma teoria têm diferentes graus de importância. Umas são mais
centrais e profundas que outras. Uma escala absoluta, portanto, exigiria circunscrever o conteúdo total da
teoria e um ranking das posições relativas de suas proposições. No geral, essas exig ências não podem ser
atendidas. Circunscrever o conteúdo de uma teoria seria arbitrário ou, pelo menos, temporariamente
indexado à situação do conhecimento auxiliar relevante. E qualquer ranking significativo seria específico de
cada teoria. Pode-se identificar certas proposições que são básicas, no sentido de que rejeitá -las seria
abandonar a teoria e não, como se poderia pensar, revisá -la. Pode-se, então, interpretar os fatos novos
previstos por uma teoria não somente como indicativo de que essa é, como u m todo, adequada
representacionalmente, mas como uma razão para se sustentar a verdade, não qualificada ou mitigada, de
certas proposições que são básicas nessa teoria ou que, pelo menos, são implicadas por proposições
básicas. Dessa forma, à medida que no vos componentes da teoria adquirem tal condição, o status da
verdade da teoria aumenta. E seria possível verificar a verdade parcial de teorias por meio do
monitoramento dos componentes sustentados que sobrevivessem, quando a teoria, como um todo, fosse
rejeitada e substituída por uma nova teoria. Ainda é possível apresentar objeções a essa possibilidade, uma
vez que não há como distinguir garantias para a teoria como um todo de garantias para componentes
específicos, bem como a distinção entre garantias de verdade, como tal, e garantias de suposição de algum
grau de acuidade. Da mesma forma, não está claro como distinguir, em termos gerais, garantias não -
qualificadas de verdades parciais de uma teoria ou de seus componentes e garantias parciais de verdades
não-qualificadas de seus componentes.
Nem há um critério geral para se classificar leis ou hipóteses como componentes de uma teoria em
contraposição às conseqüências empíricas desta teoria. Apesar dessas dificuldades, há uma vantagem em
assumir-se a segunda dimensão: ela fornece uma forma de entender a falsidade total (completa), ou
completa inadequação representacional. Poder-se-ia dizer que uma teoria é inteiramente falsa se suas
proposições básicas contradizem as proposições básicas de uma teoria que é p arcialmente verdadeira.
Parte do que acontece nas ciências bem sucedidas pode ser explicado sem uma teorização sofisticada.
Tentativas e erros e o processo de eliminação, sem dúvida, são suficientes para explicar alguns importantes
resultados. Persistência e diligência na atenção aos detalhes são hábitos ou traços de caráter associados
aos cientistas que explicam seu sucesso na investigação. Kepler (1571 -1630) descobriu a órbita elíptica dos
planetas a partir de repetidos insucessos na tentativa de encontra r uma combinação de movimentos
circulares que se encaixasse nos trabalhosos dados observacionais sobre Marte, compilado por Tycho Brahe
(1546-1601). A explicação dessa descoberta está na exatidão das observações de Brahe e na sistemática
construção de várias órbitas possíveis para eles. Não há nada de misterioso sobre o sucesso decorrente de
uma cadeia de fracassos baseada essencialmente no mesmo método e processos. Se as possibilidades são
limitadas, ou circunscritas a uma descrição geral, a persistência r esultará, possivelmente, na teoria
correta.
De acordo com o método hipotético -dedutivo, hipóteses introduzidas para explicar dados empíricos são
testadas contra novos dados e eliminadas se não forem bem sucedidas. Qualquer número de hipóteses pode
ser testado e eliminado antes que alguma seja bem sucedida. Ainda assim, muitos outros testes são
conduzidos, indefinidamente, oferecendo oportunidade para o fracasso e eliminação. O novo sucesso em
encontrar explicação parece ser uma simples questão de criativida de na produção de hipóteses e diligência
em testá-las.

EPISTEMOLOGIA EVOLUCIONISTA E VIRTUDES EPISTÊMICAS

Uma versão mais sofisticada dessas idéias é o que aparece sobre a denominação de epistemologia
evolucionista. A tese é a de que hipóteses e teorias são avaliadas em termos cada vez mais sofisticados.
Elas devem ter as seguintes virtudes epistêmicas:
‡ produzir novas previsões;
‡ ser consistentes com teorias bem sucedidas em diversas áreas de investigação;
‡ unificar fenômenos empíricos aparentemente d istintos;
‡ resolver problemas que não são aqueles que motivaram sua proposição;
‡ guiar heuristicamente a construção de outras teorias; e
‡ ajudar a explicar por que as teorias por elas substituídas eram bem sucedidas.
Tais tarefas tornam -se cada vez mais onerosas e numerosas à medida que o conhecimento científico se
desenvolve. Não é de se estranhar, então, que as poucas teorias que sobrevivem a tal vigor são viáveis e
promissoras na aplicação dos problemas científicos, e relativamente estáveis para inves tigações futuras. A
explicação para o fato de que a ciência produz teorias bem sucedidas é, simplesmente, que teorias que não
forem capazes de satisfazer interesses e necessidades cada vez maiores serão rapidamente abandonadas.
Mas como explicar a capacida de de inventar teorias com tais virtudes? Na medida em que o sucesso é
ocasional, sorte pode ser uma boa resposta. Se após tantas tentativas, não se fosse nunca bem sucedido,
isso seria um mistério. Uma outra resposta seria o fato de se estar aqui. Sendo c omo se é ² ser dependente
do intelecto ² se se falhasse sub-repticiamente na construção de teorias que, pelo menos em termos de
predição e controle da natureza, fossem bem sucedidas, não se sobreviveria. Vários processos
de construção teórica são testados, mas só os mais efetivos são conservados, porque seres que usam
processos ineficientes não sobrevivem para continuá -los. Os processos deveriam ser efetivos, se ainda estão
em uso. Se perguntarmos, sobre as teorias bem sucedidas, a razão de seu sucesso, ser á necessária uma
resposta que vá além da explicação do porquê a ciência em geral produz teorias bem sucedidas. Precisamos
de uma resposta que envolva atributos específicos entre as teorias. Por que tal teoria é bem sucedida,
enquanto outras resultantes de trabalho diligente e métodos similares fracassam?
Toda a argumentação de Leplin (1997) baseia-se na noção de ´novidadeµ ou ´fatos novosµ. De modo geral,
o argumento do milagre depende desse conceito. Chamaremos as previsões de fatos novos de previsões pré -
designativas, e o sucesso, envolvendo essas previsões, de sucesso pré -designativo. O que é novidade em
termos do sucesso preditivo de uma teoria? Para Leplin, a novidade de um resultado empírico com respeito
a uma teoria é compatível com o fato desse resul tado ser conhecido anteriormente ao desenvolvimento da
teoria em questão, ao contrário do que Lakatos (1978) pensava num primeiro momento. Na verdade, a
importância de explicar o resultado novo pode mesmo ter sido a razão para o desenvolvimento da teoria.
Aqui, Leplin se distancia tanto de Lakatos quanto de Zahar. Contudo, o resultado novo só pode ter sido
usado incidentalmente, ou de maneira não essencial no desenvolvimento da teoria, de modo que a teoria
poderia ter sido desenvolvida na sua essência mesmo que o resultado novo não estivesse disponível. Por
outro lado, se um resultado é novo para uma teoria, então nenhuma outra teoria disponível pode fornecer
uma explicação para esse resultado. Caso uma outra teoria, essencialmente diferente da teoria em
questão, pudesse fornecer uma explicação para o fato, então não teríamos razões suficientemente fortes
para inferir a verdade de uma dessas teorias a partir do seu sucesso explicativo.
Segundo Leplin (1997), o resultado novo deve ser significativamente difere nte dos resultados sobre os quais
o desenvolvimento da teoria depende e também dos resultados explicados por teorias alternativas. Dadas
essas condições, podemos dizer que se um resultado empírico é novo para uma teoria, então a explicação
da capacidade dessa teoria de prever o resultado de maneira bem sucedida atribui alguma verdade, ao
menos aproximada, à teoria.
O fato de um resultado ser novo para uma teoria deve ser visto, segundo Leplin, como uma hipótese
histórica, descritiva, sujeita a teste, e não se pode esperar que o teste seja mais conclusivo do que os
testes são em geral. Não há garantias de que o status de novo será decidido em qualquer caso específico.
Contudo, deve haver uma clara indicação de como a novidade deverá ser resolvida em casos rea is, em
exemplos de casos que, claramente, envolvem novidade dos que não a envolvem.

Previsão

Cabe, todavia, caracterizar de maneira mais precisa o que seja previsão pré -designativa. Tomemos a
seguinte caracterização: um fato independente é:
1. um fato inesperado (não percebido antes); ou
2. um fato de uma área diferente daquela designada pela hipótese, ou seja, mesmo que conhecido, não
associado àqueles em que a hipótese surgiu para dar conta; ou
3. um fato que associa outros anteriormente descone ctados.
Dessa caracterização depreende-se que só é possível tomar como pré -designativa a previsão daquilo que
não estivesse nos planos de explicação e previsão de quem formulou a teoria.
Porém, como saber que uma determinada previsão apresenta esse caráter pré-designativo? Uma tal
previsão deve ser uma conseqüência de uma teoria que não era conhecida como sua conseqüência, a
implicação da evidência pela teoria deve ser uma novidade (pelo menos psicológica). Surge o problema de
caracterizar essa novidade que uma previsão pré-designativa apresenta. Pode-se entendê-la como uma
novidade epistêmica ou como uma novidade heurística. Uma evidência é epistemicamente nova quando o
conhecimento de fundo não permite deduzi -la, mas a teoria permite. A novidade, nesse cas o, não depende
do processo de formulação (do contexto de descoberta) da teoria, mas apenas da capacidade da teoria de
ter uma conseqüência nova. A concepção heurística de fatos novos tem a vantagem de poder considerar
previsões prédesignativas, algumas daq uelas que não são temporalmente novas ² ou mesmo que já eram
altamente prováveis antes da formulação da teoria. Zahar (1973) caracteriza a novidade heurística como
um fato que será considerado novo com respeito a uma dada hipótese, se ele não pertencer à s ituação-
problema que governou a construção da hipótese.
É razoável que se imagine que, assim sendo, a novidade heurística tem como condição suficiente a
novidade epistêmica e a novidade temporal ² ainda que não as tenha como condição necessária, pois pode
haver novidade heurística mesmo se a previsão não for epistêmica ou temporalmente nova, como mostram
os contra-exemplos de Zahar. Porém, como mostram Campbell e Vinci (1983), esse também não é o caso.
Não basta que haja novidade epistêmica ou temporal para que se possa dizer que uma previsão é
heuristicamente nova. Isso faz com que não seja possível o reconhecimento de uma previsão pré -
designativa senão por meio de um exame na construção da teoria. O que nos leva ao seguinte problema:
uma mesma previsão pod e ser pré-designativa ou não, dependendo do contexto em que ela foi formulada.
Entretanto, deve-se entender que uma previsão pré-designativa é aquela em que há uma independência
entre aquilo que a teoria procura explicar e o que ela prevê. Esses fatos, apa rentemente independentes,
são associados por meio da teoria. Como mostram Campbell e Vinci (1983), uma novidade heurística
distingue-se de uma novidade preditiva qualquer, pois o que ela traz deve ser entendido como sinal de que
havia independência anterior entre os fatos. Analisar o fato de que uma evidência tomou parte na
construção da teoria revela se a previsão é heuristicamente nova. Mas isso nem sempre é possível. Na
maioria dos casos pode-se, no entanto, analisar a pré-designação de uma previsão sem se deter no processo
de formulação das teorias ² de todo modo não se pode fornecer uma demonstração de que uma dada
evidência seja heuristicamente nova e que, portanto, uma previsão seja pré -designativa.

AULA 06 - A FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

MÉTODO E OBJETO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

No ensaio Ciências da natureza e ciências do homem, publicado no Brasil como capítulo do livro A ciência e
as ciências, Gilles -Gaston Granger (1920) lembra com propriedade que "aplicar o qualificativo de 'ciência'
ao conhecimento dos fatos humanos será [...] considerado por alguns um abuso de linguagem" (GRANGER,
1994, p.85). Tal idéia, pouco favorável ao conjunto das disciplinas das ciências humanas, está amparada na
constatação mais ou menos difundida de que "os saberes soc iológicos, psicológicos, econômicos ou
lingüistas não podem pretender, em seu estado presente e passado, ter a solidez e a fecundidade dos
saberes físico-químicos, ou até biológicos" (GRANGER, 1994, p.85). Daí a pergunta formulada por Granger e
compartilhada por um número expressivo de historiadores, epistemólogos e estudiosos das ciências: em que
sentido seria lícito atribuir a esses saberes o nome de ciência? O obstáculo fundamental invocado por quase
todos que suspeitam da condição de cientificidade das Ciências Sociais reside, segundo Granger, na própria
natureza dos fenômenos humanos, portanto, além dos fatos em que se expressam. Tais fenômenos resistem
"à sua transformação simples em objetos, ou seja, em esquemas abstratos lógica e matematicamente
manipuláveis" (GRANGER, 1994, p.85). De um lado, as ciências humanas vão estar marcadas, desde sua
origem, pela natureza refratária de seu objeto, relacionada com "as características cientificamente
negativas dos fatos humanos, e, em especial, seus elementos d e liberdade e de imprevisibilidade"
(GRANGER, 1994, p.85-86). De outro, elas vão dar lugar, em associação íntima com a significação dos fatos,
à simbiose jamais inteiramente desfeita. E como tal, ausente dos fenômenos naturais entre o descritivo e o
normativo, bem como entre o realizado e o desejável (ideal), cujos elementos ² numa escala que vai desde
os sentimentos, passando pelas ações e pelos valores, até o pensamento e a linguagem ² dificilmente, no
entender de Granger, podem reduzir-se a esquemas objetivos e abstratos. Tão logo essas dificuldades
apresentaram-se às mentes, os estudiosos dos fatos humanos tomaram consciência delas, de sorte que as
mais diferentes disciplinas das ciências humanas procuraram elaborar estratégias para contorná -las. As
estratégias, quanto aos padrões de explicação e de compreensão dos fatos humano -sociais, podem ser
reconduzidas, segundo Granger, a alguns poucos esquemas. Esses esquemas são:
1. O esquema causal, como o que encontramos em Durkheim em sua análise do suicídio c omo fenômeno
social.
2. O esquema hermenêutico (ou compreensivo), como na análise empreendida por Max Weber a respeito da
correlação entre a ética protestante e o espírito do capitalismo.
3. O esquema dialético, como em Marx, ao analisar o golpe de Estado de Luís Bonaparte no
4. O esquema estrutural, como em Lévi -Strauss, ao analisar na Antropologia estrutural o mito de Édipo.
Granger apresenta outros possíveis esquemas, mas não há dúvidas de que estes são mais significativos na
história das ciências human as.

OS ESQUEMAS EXPLICATIVOS DE GILLES-GASTON GRANGER

Com base num trabalho de J. Berthelot, Granger descreve os pontos fortes dessas quatro modalidades de
explicação. Vejamos o que ele assinala:

Esquema causal

Granger explicita que o esquema causal su põe "uma dependência entre o fenômeno A que explicaria o
fenômeno B, tal que suas variações são concomitantes e que não se pode ter B sem A" (GRANGER, 1994,
p.90). E mais, segundo ele, a explicação dada por Durkheim ao suicídio é essencialmente deste tipo. O
sociólogo empenhava-se em afastar as causas aparentes (a hereditariedade, a imitação), para mostrar a
correlação efetiva do suicídio e do relaxamento dos laços sociais do suicida (GRANGER, 1994, p.90). Apesar
da justeza desse esquema, é importante ressa ltar que a hipótese de Granger, a saber, o afrouxamento da
solidariedade social, dá conta apenas da metade do esquema explicativo durkheimiano, pois, além da
variável "integração", responsável por certos tipos de suicídio, há a "regulação", responsável por outros.
Além disso, a hipótese só poderá ser posta à prova com a ajuda de um conjunto de determinações que vão
dar mais conteúdo e substância ao esquema abstrato proposto por Granger. Como exemplo desse conjunto
de determinações, pode-se citar a informação, oriunda da empiria, a respeito dos comportamentos suicidas
dos católicos e dos protestantes; ou ainda a distinção entre suicídio anômico, altruísta e egoísta etc.
(DURKHEIM, 1978). A dificuldade a ser vencida na delimitação do suicídio como fenômeno soc ial, de
interesse do sociólogo, é a de compreender a decisão de Durkheim de considerar o suicídio egoísta como
integrante das correntes sociais do suicídio, e deixar de lado, por sua vez, os suicídios por imitação, como
os relacionados com o Werther, de Go ethe, cuja publicação, segundo consta, provocou uma legião de
suicídios na Alemanha da época. Por que deixá -las de fora, junto com a psicologia coletiva e os fenômenos
psicológicos de massa?
E por que computar apenas os suicídios consumados e deixar de lad o as tentativas de suicídio? O estudo e a
comparação dos dois casos não teriam relevo científico, a merecer a atenção do sociólogo, além do médico
e do psicólogo? Todavia, deixando de lado essas e outras dificuldades, a necessidade de introduzir as
explicações causais para a compreensão de fenômenos como o suicídio deve -se ao fato de a simples
descrição (observação), conquanto necessária, não ser suficiente na explicação dos fenômenos sociais. Há
de se discriminar entre os fatos ou fenômenos descritos, aque les que ocorrem antes e aqueles que ocorrem
depois; como também a coexistência aleatória de uns, como a subida da maré no Rio de Janeiro e a queda
da Bolsa em São Paulo. O nexo de necessidade de outros (como o calor e a dilatação dos corpos); há de se
discriminar, enfim, as formas de variação e os esquemas de repetição dos fenômenos, segundo suas
proporções e suas correlações.
Foi, em suma, o que fez Durkheim em seu estudo famoso, ao evidenciar o liame do suicídio com as
variáveis integração e regulação, vi stas corno aspectos (forças) da solidariedade social. O relaxamento do
laço social leva ao aumento da taxa de suicídio egoísta, ao passo que a força excessiva do laço, a ponto de
sacrificar o indivíduo (que simplesmente não emerge e desaparece no social), conduz ao aumento do
suicídio altruísta. Variando segundo a maior ou menor força coercitiva da norma (lei) que vincula o
indivíduo à sociedade, a ausência de regulação ou seu enfraquecimento leva ao suicídio anômico, enquanto
seu aumento ou peso excessivo conduz ao suicídio fatalista. É claro que esse é apenas um esboço, e que um
trabalho de análise mais minucioso deveria ser feito para tentar ajustar o esquema proposto por Granger,
de modo a torná-lo mais explicativo com relação à
Sociologia praticada por Durkheim. Mas o pouco dito serve para ilustrar o caminho que uma análise
filosófica pode tomar na investigação das ciências sociais.

Esquema hermenêutico

Segundo Granger, também com base em Berthelot, integram tal esquema a lingüística saussuriana, a
psicanálise freudiana e certos aspectos da abordagem econômico -social do marxismo. Entretanto, Granger
não esclarece em que consiste o esquema, apenas indica que está associado à idéia de interpretação, e
como tal - pode-se dizer - atrelado à noção de sentido ou de significação. Mas vejamos o que pode ser
sugerido a partir dessa tentativa de convergir esses elementos. O primeiro aspecto é que não parece claro
em que medida o esquema hermenêutico é aplicável aos exemplos considerados. A lingüística saussuria na,
como Granger a reconhece, ao falar do esquema estrutural, é de índole estrutural e sistêmica. De modo
que talvez estivesse mais bem classificada como esquema estruturalista e não hermenêutico. Trata -se,
portanto, de um erro histórico e doutrinal, uma v ez que
Saussure é tido, se não como o pai, ao menos como o avô do estruturalismo. Segundo, embora dê indícios
em sua obra de ter aprendido bastante com a arte de ler e interpretar os textos sagrados e profanos, Freud
busca suas ferramentas analíticas menos na hermenêutica (exegese) do que na ciência propriamente dita
(vale lembrar que o vienense geralmente buscava apoio, para suas conclusões em Psicanálise, na Biologia e
na própria Física, a exemplo da termodinâmica, ao trabalhar a idéia de energia). Quanto a Marx, ao
interpretar os fatos econômico -sociais, ele simplesmente ignora a tradição hermenêutica, seja ela bíblica,
filológica ou jurídica. De qualquer modo, os exemplos escolhidos para o esquema hermenêutico parecem
pouco apropriados. Talvez as obras de Wilhelm Dilthey (1833 -1911),
Georg Simmel (1858-1918), Heinrich Rickert (1863-1936) e Max Weber (1864-1920) sejam exemplos mais
apropriados para esse esquema, por explicitamente utilizarem a expressão
"compreensão" e fazerem referência à categoria de sen tido em relação ao sujeito. No caso de Dilthey, que
se coloca explicitamente no terreno da hermenêutica, ele simplesmente opõe o dado (fato) ao sentido
(significação). Ele contrapõe invariavelmente a explicação da compreensão, afasta -se da via descritiva dos
fatos/explicação causal das coisas e fica com a via da decifração do sentido/compreensão intersubjetiva
dos processos e das obras dos homens. No caso de Weber, embora não fale explicitamente de uma
sociologia hermenêutica, mas de uma "sociologia compree nsiva", utiliza um vocabulário hermenêutico,
como o termo "sentido", que percorre toda a sua obra. E ainda a própria categoria de "compreensão".
Weber, ao falar da compreensão, retém as idéias de apreensão e de inclusão. Porém, em vez de capturar e
subsumir objetos (fatos), procura apreender e incluir o sujeito (agente), ao estabelecer o laço entre a
compreensão e o sentido. Podemos dizer também que Weber compartilha mais de uma afinidade com
Dilthey, Simmel e Rickert no que se refere à tradição hermenêutic a, pensada agora não como arte, mas
como ciência. Em especial, a necessidade de voltar -se não apenas para a observação dos fatos, como o
fazem Durkheim, Comte e Spencer, mas também para "dentro", com o objetivo de investigar as intenções,
os motivos, os valores e os fins que acompanham os fenômenos sociais.
A necessidade de introduzir os esquemas hermenêuticos (compreensivos) na tentativa de entender as
ciências sociais parece surgir da própria insuficiência da descrição como instrumento de análise, bem com o
das deficiências dos esquemas causais em sua versão fisicalista, que apenas detectam o que se passa no
exterior, enquanto dado objetivo, ignorando o que se passa no interior dos agentes, enquanto aspecto
subjetivo. Consideração que leva Weber não só a re stabelecer o laço entre causalidade e motivo,
permitindo compreender a ação por seus móveis, como também a incluir na análise causal o exame das
relações entre condutas, valores, fins e meios. À semelhança de Dilthey, é difícil apreender o que Weber
entende por compreensão. Mais difícil ainda é achar um bom exemplo. Dispomos, todavia, de uma
ilustração fecunda, citada por Weber em Economia e sociedade (WEBER, 1991, Cap.I). O exemplo é o ato
de cortar lenha. Ao observar esse ato, o fisiólogo reteria (e trata ria de descrever) as operações de pegar o
machado, os golpes de força e o movimento de baixar e levantar o braço. Poderia, ainda, descrever o suor
e até mesmo medir o dispêndio de energia (trabalho). E é só. O economista, por sua vez, reteria do ato o
valor de uso obtido (o feixe de lenha, para alimentar o fogo) e, eventualmente, o valor de troca, ao se
destinar ao mercado, seja ao cambiar -se diretamente com outros produtos do trabalho, seja em troca de
uma determinada soma de dinheiro. Já o sociólogo, dife rentemente do fisiólogo e do economista,
perguntaria pelo sentido social da ação. Para tanto, na impossibilidade de nos fornecer uma descrição
direta das intenções, dos valores e dos fins que acompanham a ação (o ato) de cortar lenha, deverá limitar -
se a imputar-lhe um sentido e a operá-lo indiretamente a fim de capturá -lo, voltando-se para fora,
mediante a análise de suas formas de objetivação no mundo das coisas e nas instituições sociais. Deverá
também esforçar-se em reconduzir essas formas para dentro, visando ao que se passa na mente dos
indivíduos, aos motivos que os impulsionam e aos fins que eles perseguem. Pode -se dizer, para concluir,
que o esforço de apreensão e decifração do sentido é o objetivo de Weber na Ética protestante e o espírito
do capitalismo, obra cujo esquema interpretativo é o que ele chama de "processo de racionalização do
Ocidente", e na qual ele mostra que a ética protestante é o espírito do capitalismo.

Esquema dialético
Segundo Granger, o intuito deste esquema seria o de propo r formas de "resolução efetiva de contradições
internas descobertas na realidade humana individual ou coletiva" (GRANGER, 1994, p.92). Todavia, Granger
apresenta para a dialética (a de Marx, no caso; não a de Hegel, que não é examinada) a seguinte ressalva :
seu esquema no mais das vezes reduz -se "a constatar depois do fato consumado o resultado de certos
conflitos, sem de modo algum fornecer os meios de prever seus desenlaces" (GRANGER, 1994, p.92).
Talvez, a necessidade de introduzir os esquemas dialéticos , tanto na economia como na sociedade ou na
história, é experienciada por Marx (além das insuficiências das explicações causais usuais) à luz da própria
natureza do real, e em especial da sociedade dos homens, repleta de tensões, contradições e conflitos a
reclamarem formas próprias de resolução. Essas formas, por sua vez, estão longe de ser fixas ou unívocas e
passam ao largo das modalidades conhecidas e operadas pela lógica formal. Marx reconhece a existência de
contradições reais (mais do que contradiçõe s no pensamento ou nas relações entre as proposições). No 18
Brumário, a tese forte que Marx busca demonstrar, com o objetivo de explicar o golpe de Estado de Luís
Bonaparte, é a idéia segundo a qual a necessidade e o papel histórico de Napoleão III só pod em ser
compreendidos à luz das contradições reais da sociedade francesa de então, envolvendo os embates de
classes e frações de classe. Marx procura mostrar que o golpe contou com o apoio dos camponeses
franceses, em cujo imaginário sua figura imperial lhe s aparecia ao modo de um pai protetor ou de um deus
que os protege.

Esquema estrutural

O nome que surge consensualmente quando falamos de esquemas estruturais é Claude Lévi -Strauss (1908).
Outro autor, que num primeiro momento não via maiores problemas d e ser assimilado e que depois, em
desconforto, resolveu tomar distância do estruturalismo, foi Michel Foucault (1926 -1984), ao dizer que não
fazia nem mesmo análise estrutural, mas análise genealógica ou genealogia. A principal característica
desse esquema é a idéia da primazia da estrutura sobre os elementos ou a idéia de que a estrutura é um
conjunto fechado e finito, sendo maior do que a soma das partes ou de seus elementos. Também podemos
considerar a exaustividade da análise, mediante a inclusão do exa me de protótipos, bem como de
variantes, com a ajuda de modelos topológicos. Lévi -Strauss integra ao programa estruturalista em
antropologia a determinação da estrutura da sociedade, das relações de parentesco e do sistema dos mitos.

CIÊNCIAS SOCIAIS E MATEMÁTICA

O emprego das matemáticas, corriqueiro nas ciências exatas e experimentais, deu -se de modo um tanto
rarefeito quando do surgimento das ciências humanas, e ainda assim geralmente restrito à economia, a
ponto de muitos estudiosos de outras áreas ju lgarem ser dispensável ou até mesmo indesejável sua
extensão aos fenômenos humanos. Todavia, segundo Granger, seu emprego foi intensificado depois que
essas ciências se consolidaram, como ilustra a obra As estruturas elementares do parentesco, de Lévi -
Strauss, que utiliza os esquemas da álgebra e a teoria dos grafos. Outro exemplo emblemático, além dos
grafos, foi o emprego da análise infinitesimal, introduzida na economia marginalista por St. Jevons, Walras
e explorada, com maestria, por Pareto, A. Marsha ll e outros. Outro exemplo, mais recente, foi o emprego
da teoria dos jogos, introduzida por um matemático (J. von Neumann) e por um economista (O.
Morgenstern). Entre as disciplinas das ciências humanas beneficiadas pela teoria dos jogos, podem ser
citadas as ciências políticas e a própria economia, desmentindo mais uma vez a idéia de que as ciências
humanas são alheias às matemáticas ou de que para elas mais valem a erudição histórica e a imaginação
criadora do estudioso de suas matérias do que os teorema s da geometria ou as operações da álgebra.
No caso de Durkheim, pode-se ressaltar o emprego da estatística na análise do suicídio, que está na origem
da criação da chamada estatística social, também conhecida no século XIX como estatística moral, de uso
corrente dos sociólogos de diferentes correntes, desde a sociologia americana até os marxistas. Vale
lembrar que Marx, nos três livros de O capital, emprega amplamente a Matemática. Lévi - Strauss, como já
salientado, tinha um grande apreço pela análise matem ática em toda a extensão de sua obra, embora
tivesse certa reserva em relação à análise estatística, a qual nunca chegou realmente a praticar. A
exceção, entre os fundadores das ciências humanas, é Weber, que apresenta uma certa indiferença
relativamente aos métodos matemáticos e estatísticos, seja na Ética (em que as tabelas estatísticas
aparecem no início, para serem abandonadas depois), seja em outras obras. Talvez seja possível afirmar
que a incorporação das matemáticas nos esquemas das ciências humanas se justifica tanto como
ferramenta analítica, na montagem e no tratamento da base empírica (nível descritivo) quanto por seu
papel de poderoso meio de objetivação das conexões causais e funcionais dos fenômenos (nível explicativo
e, por extensão, interpre tativo). É o que talvez se possa depreender da obra de Durkheim, que, sem a
estatística, ficaria privada do meio para agregar os indivíduos e, conseqüentemente, não teria como
mostrar ou acessar o suicídio como fenômeno social. Porém, como certas técnicas de retórica, a
Matemática pode, sob a aparência enganadora de precisão e amadurecimento epistemológico, servir para
esconder certas fragilidades epistemológicas, como quando ainda não se tem clareza conceitual, descritiva
ou explicativa, em determinada áre a. Esse seria o caso, por exemplo, das correlações estatísticas entre
certas doenças e certos hábitos alimentares, tão comum na literatura de divulgação científica, e também o
caso de muitos economistas ao se referirem à relação entre variações de preço mu ito localizadas e a taxa
de inflação.

Ciências Sociais e Previsão

Os fenômenos sociais, inseridos como estão em contextos histórico -culturais, tendem a se mostrar menos
afeitos à capacidade de previsão científica, tão mais comum às ciências empíricas. Co mo diz Granger,
´prever, com base em uma teoria do câmbio, que a cotação do dólar vai baixar em uma certa proporção
em determinada data muito próxima já é um êxito bastante raroµ (GRANGER, 1994, p.99) na economia e,
principalmente, em outras ciências socia is. Granger atribui essa incapacidade de previsão ao fato de que os
fenômenos idealizados pelas teorias sociais apresentam -se irredutivelmente afastados dos fatos históricos,
tornando as previsões sempre bastante imprecisas e sujeitas ao erro.
Essa distância entre o fato idealizado na teoria e o fenômeno social propriamente dito tem sido explicada,
segundo Granger, de duas formas. A primeira diz respeito à pressuposição filosófica de que há um elemento
irredutível às pretensões preditivas da ciência, a libe rdade humana. Ou seja, não se podem prever fatos
sociais, simplesmente porque seus agentes são livres, não sujeitos, em última instância, às causas e aos
fatores sociais, históricos e biológicos, considerados pelas diversas teorias e que estão na base de s uas
previsões. Esse argumento nos leva a uma conhecida discussão filosófica que diz respeito ao determinismo.
Não entraremos nessa questão aqui. Gostaria apenas de salientar que, ainda que se possa defender o livre -
arbítrio, não parece que se segue daí, ne cessariamente, a impossibilidade de determinação de certos
padrões e determinações, tanto biológicas, sociais e históricas. Tanto é assim que, de fato, observamos
padrões de comportamento, e que o grau de liberdade, ou escolha dos indivíduos se dá dentro d e
determinadas condições disponíveis aos indivíduos. Assim, não parece que essa alusão à liberdade justifique
a capacidade preditiva das Ciências Sociais, sendo mais uma variável metodológica a ser levada em conta,
dependendo do fenômeno a ser estudado. O outro tipo de explicação atribui a falta de previsibilidade à
complexidade dos fenômenos sociais. Granger cita a Meteorologia como um caso análogo, em termos de
complexidade, às Ciências Sociais. Assim, dada a complexidade dos fenômenos climáticos, somente o
avanço metodológico e tecnológico permitiu um avanço na capacidade preditiva dessa ciência. Poderíamos,
então, esperar o mesmo das ciências sociais. Talvez essa analogia seja demasiadamente simplista, sendo a
complexidade do fenômeno social de outra nat ureza, ainda que metodológica. Por exemplo, ainda que
restrita, a capacidade de experimentação é maior na Meteorologia do que nas Ciências Sociais. Apesar
disso, pode-se esperar que o desenvolvimento dessas ciências traga algum avanço nessa capacidade de c riar
modelos ideais dos fatos, condição, segundo Granger, para uma maior eficácia preditiva.

Fórum filosofia ciência

-Qual o significado do Programa de Pesquisa para Lakatos?


A contribuição de Lakatos para a filosofia da ciência foi uma tentativa de resolver o conflito percebido
entre o "falsificacionismo" de Karl Popper e a estrutura revolucionária da ciência descrito por Kuhn. A
teoria de Popper implica que os cientistas deveriam desistir de uma teor ia assim que encontrassem
qualquer evidência de falsificação, imediatamente substituindo -as com cada vez mais "ousadas e
poderosas" novas hipóteses. No entanto, Kuhn descreveu a ciência como um conjunto de períodos de
ciência normal em que os cientistas co ntinuam a manter suas teorias em face das anomalias, intercalados
com períodos de grande mudança conceitual. Lakatos procurou uma metodologia que harmonizasse estes
pontos aparentemente contraditórios, uma metodologia que pudesse fornecer uma explicação ra cional do
progresso científico, de acordo com o registro histórico e, assim, preservar a racionalidade da ciência.
Para Lakatos, o que nós pensamos como "teorias" são na verdade grupos de teorias ligeiramente diferentes
que compartilham uma idéia comum, o u o que Lakatos chamou de seu "núcleo duro". Lakatos chamou esses
grupos de "programas de pesquisaµ. Os cientistas envolvidos no programa irão proteger o núcleo teórico das
tentativas de falsificação atrás de um cinturão protetor de hipóteses auxiliares. L akatos quis mostrar que a
adaptação e o desenvolvimento de um cinturão de proteção não é necessariamente uma coisa ruim para um
programa de pesquisa. Em vez de perguntar se a hipótese é verdadeira ou falsa, Lakatos quis nos perguntar
se um programa de pesquisa é progressivo ou degenerativo. Um programa de pesquisa progressivo é
marcado pelo seu crescimento, junto com a descoberta de fatos novos. Um programa de pesquisa
degenerativo é marcado pela falta de crescimento, ou um crescimento do cinturão de proteç ão que não
conduz a fatos novos.
Qual a relação entre a História da Ciência e a Filosofia da Ciência?
Tanto a filosofia da ciência quanto a história da ciência pertencem às ciências da cultura: eles estudam o
fenômeno cultural a que chamamos ciência. Fal ando em termos gerais, ambas as disciplinas têm o mesmo
assunto, ou seja, o grosso da ciência. Falando em termos mais particulares, eles ainda parecem coincidir
em seus temas, a saber: os componentes específicos da ciência, como conceitos, princípios, méto dos,
teorias e programas de investigação.
A história da ciência serve como subsidio para a filosofia da ciência, bem como para as mais diversas áreas.
Observamos isso com o próprio Programa de pesquisas de Lakatos. Da mesma maneira que sua teoria se
tornou uma estrutura que fornece um guia para futuras pesquisas, tanto de uma maneira positiva, como
negativa. O programa de pesquisa científica de Lakatos também teve como base a evolução de outras
teorias e acabou por modificar os métodos científicos trazend o vários avanços científicos. O histórico
cientifico contribui para as novas teorias no sentido de evolução e não no sentido de modificá -las,os
estudos de Lakatos aponta que as chamadas Revoluções Cientificas consistem em um processo racional de
superação de um programa por outro.
Para reafirmar que a relação entre a filosofia da ciência e a história da ciência, Lakatos desenvolveu 3
teses a fim de responder às deficiências das metodologias justificacionistas:

1a) A filosofia da ciência proporciona me todologias normativas com direito a explicações racionais do
desenvolvimento científico;

2a) Metodologias rivais podem ser avaliadas com o auxílio da história da ciência;

3a) Toda reconstrução racional da história da ciência necessita ser complementada por uma história
externa.

Tente trabalhar a grande diferença de Lakatos quando comparado com os outros filosófos que desenvolvem
uma filosofia da ciência.
Em relação as diferenças entre Kuhn e Lakatos. Com relação a ciência subjetiva ou objetiva: O Crité rio de
demarcação de Kuhn parece ser subjetivo - depende do que os cientistas fazem e no que eles acreditam
(sua psicologia). Em contraste, Lakatos insiste que uma afirmação pode ser pseudocientífica mesmo que
seja eminentemente" plausível "e todos acredit em nela. A crença de que a terra é plana pode ser
considerada como um exemplo disso. E pode ser de grande valor científico mesmo que seja inverossímil e
ninguém acredite nela. A teoria de Copérnico em relação ao movimento do Sol era muito questionada assim
como a evolução de Darwin quando apresentou sua teoria.
Lakatos, como um neo-popperiano, foi criado na tradição em que a lógica era a principal ferramenta na
filosofia da ciência, ao passo que Kuhn está mais interessado na sociologia da ciência.

FILOSOFIA DA RELIGIÃO
Feuerbach

Dos autores do chamado ´humanismo secularµ, Ludwig Feuerbach (1804 ² 1872) foi o primeiro a publicar
suas idéias. Sua obra principal, A Essência do Cristianismo (1841), tem um papel de grande destaque na
história moderna das idéias atéias. Nela, Feuerbach expõe o que entende ser a verdadeira qualidade
distintiva do cristianismo e da religião em geral. Ele observa que somente os seres humanos têm religião e
isso se deve ao fato de que somente os homens têm como saber de si mesmos enquanto gênero e não como
simples indivíduos apenas. Ao se pensar a si mesmo como gênero, cada ser humano pode ser interlocutor de
si próprio, pode conversar consigo como se fosse com outro, pode ter uma vida interior, num diálogo sem
fim. Sendo assim, o homem, diz Feuerbach, tem uma essência infinita, devido ao seu caráter genérico e
não meramente individual.
Ora, seguindo idéias de Hegel, para Feuerbach, a religião é a consciência do infinito. Esse infinito, porém,
não é Deus ou o divino, mas a própria consciência genérica do ser humano. Assim, a religião não é mais que
a consciência que o homem tem da sua própria essência infinita (cf. FEUERBACH, 1988, p. 44). Em outras
palavras, a verdadeira essência da religião, particularmente do cristianismo, é antr opológica. ´Deusµ, diz
Feuerbach numa passagem já bastante famosa, ´é a intimidade revelada, o pronunciamento do Eu do
homem; a religião é uma revelação solene das preciosidades ocultas do homem, a confissão dosseus mais
íntimos pensamentos, a manifestação pública dos seus segredos de amorµ (FEUERBACH, 1988, p. 55). Deus
não existe a não ser como mera projeção da essência humana que o homem entende ser alheia a ele
mesmo e que só reconhece por meio dessa projeção para fora de si. Ao ser uma invenção humana, a
religião aliena o homem de si mesmo, pois a essência do homem é primeiro projetada em Deus, para depois
ser reconhecida pelo próprio ser humano por essa via indireta. Desse modo, tal como a criança que vê no
adulto um modelo no qual ela ainda não se rec onhece inteiramente, a religião pode ser entendida como a
essência infantil de uma humanidade que ainda não está diretamente consciente de si, mas apenas por
meio de uma projeção. É nesse sentido, de uma alienação infantil que a religião se torna fonte de opressão
e deve ser superada pela tomada de consciência de si mesmo pelo ser humano. Para Feuerbach, é preciso
superar a religião como busca de relacionamento com Deus enquanto realidade transcendente. Deus não é
mais do que uma projeção de nossa essência genérica, na qual se concentram todas as qualidades humanas
em sua forma mais perfeita. A essência do homem está nos seus mais altos
poderes: a razão, o amor e a vontade, que são aquilo que o distinguem e que dão o sentido de sua
existência. Segundo Feuerbach: Razão, amor e vontade são perfeições, são os mais altos poderes, são a
essência absoluta do homem enquanto homem e a finalidade da sua existência. O homem existe para
conhecer, para amar e para querer. Mas qual é a finalidade da razão? A razão. Do amo r? O amor. Da
vontade? O livre arbítrio. Conhecemos para conhecer, amamos para amar, queremos para querer, i.é., para
sermos livres. A essência verdadeira é a que pensa, que ama, que deseja. Verdadeiro, perfeito, divino é
apenas o que existe em função de s i mesmo. (FEUERBACH, 1988, p. 45) Assim, quando a religião diz que
Deus é onisciente, onipotente e infinitamente bom, ela está projetando num ser não -humano propriedades
que são caracteristicamente do gênero humano, ou seja, a razão, a vontade e o amor, em bora elas não
estejam completas em cada indivíduo. Para Feuerbach, porém, cada indivíduo precisa ver que essas são
características humanas e não de um Deus transcendente, que o ser humano inventou. Para que se
reconcilie consigo mesmo e possa desfrutar da liberdade que constitui sua essência enquanto ser
consciente, o homem precisa abandonar essa mediação desviante da idéia de Deus. A realização humana
pressupõe, para Feuerbach, a superação da alienação religiosa por meio de uma tomada de consciência de
sua própria realidade essencial. Essa proposta acaba fazendo de Feuerbach um autor bastante identificado
com o movimento iluminista, que via na razão o caminho para a solução dos problemas da humanidade.

Sobre Ludwig Feuerbach (1804-1872)


A obra principal de Feuerbach sobre a religião é A essência do cristianismo (1841).A argumentação
filosófica de Feurbach parte do princípio de que a religião é um produtopuramente humano. Em sua
filosofia, Feuerbach desloca a divindade, de um Deus externo aohomem, para o próprio homem. Assim, o
ser absoluto, o Deus do homem, passa a serreconhecido como o próprio ser do homem. Deus seria, a
consciência que o homem tem de simesmo, de seu ser.Dessa forma, a perfeição divina nada mais é do que
o desejo do homem de ser perfeito e aconsciência que tem de si, como um ser imperfeito. O amor, a
crença, o desejo etc. atribuídosa Deus, segundo Feuerbach, deveriam voltar -se para o próprio homem e
para seu igual. Areligião, então, gera uma ilusão, pois acaba distanciand o o ser humano de si mesm. O
homemprojeta em Deus o que ele deseja ser V Deus é uma projeção do homem.O homem supera essa
alienação quando párea de pensar em um Deus transcendente e sevolta para si mesmo. Dessa maneira,
morre a religião de Deus e nasce a r eligião do homem.Feuerbach exerce forte influência em alguns
pensadores, com destaque para K. Marx.
Net
Em seus trabalhos, Ludwig Feuerbach se preocupa em grande parte com o fenômeno religioso; ele faz parte
da tradição dos discípulos de Hegel que se dedic aram à crítica da religião, mas marcado por uma inovação:
seu materialismo. Feuerbach crê que na religião há uma carência da consciência de si do homem. Essa
carência é a base da religião, onde o homem (religioso) aliena a sua essência; essa fase religiosa
corresponde a uma ´essência infantil da humanidadeµ, já que este homem (infantil) adora sua própria
essência sem reconhecê-la como tal. Feuerbach acrescenta que entre o humano e o divino não há uma
oposição de fato, real, mas sim ilusória. A contradição f undamental está no homem, porque não há uma
essência religiosa. A religião é uma abstração das limitações da vida humana, corporal. Não há qualidades
em si na vida divina.
Esse homem infantil em Feuerbach é um ser que teme sua finitude e as limitações (nat urais) que sofre todo
ser humano. O homem possui uma essência ´infinitamente diversa, infinitamente determinável, mas
exatamente por isso sensorialµ (Feuerbach, 1988, p. 65). O homem como homem sensorial, pleno de
sentidos, é um ser rico em determinações; o engano do homem religioso é criar um ser espiritual e,
portanto, abstrato. Esse homem religioso teme ser um homem finito, determinado. O que ele reconhece no
ser divino são as qualidades de sua própria essência (que Feuerbach denomina ´qualidade essencia l do
próprio homemµ), criando uma ´contemplação essencialµ que o anima e o determina (de fora).
O mistério dos vários atributos divinos encontra -se no próprio homem, em sua essência infinitamente
diversa, determinável e sensorial. É através dos sentidos qu e o ser humano é concebido como ser infinito,
pleno de determinações. Dessa forma, podemos conceber a religião como uma cisão no homem: o ser
divino é aquilo que o homem não é. Essa cisão entre o ser divino e o homem representa uma cisão do
homem com sua própria essência (oculta). O homem expressa essa essência (oculta) através da religião; por
meio dela, podemos encontrar um conteúdo (humano) objetivado. Esta última idéia é importante para
compreendermos o modo de tratamento de Feuerbach em torno do fenôme no religioso. Das reflexões de
Feuerbach sobre a religião, pode-se apreender o fenômeno ideológico. Quando se toma essa perspectiva da
religião, Deus torna-se uma realidade inquestionável; para a religião, Deus é o ´pai realµ e o ´amor realµ,
algo real, vi vo e pessoal. Nele, podemos identificar ´qualidades vivasµ. Essa afirmação da entidade divina
corresponde a uma negação do homem: a religião se afirma pela abstração do homem e do mundo.. Mas o
fundamento desse processo de abstração permanece, pois a relig ião só pode abstrair-se das limitações
humanas, não de sua essência: a religião ´deve acolher novamente nesta abstração e negação aquilo de
que ela se abstrai ou crê se abstrairµ (Feuerbach, 1988, p. 69).
Assim, no mundo religioso temos um processo fundame ntal: objetivação/abstração. O segredo da religião é
que o homem objetiva sua essência e se faz objeto deste ser objetivado. O ente divino se transforma em
sujeito, o homem em objeto. Eis, então, a contradição que se verifica: ´Ao ser o homem aparentemente
rebaixado ao mais profundo abismo, é na verdade levado às alturasµ (Ibid., p. 71). Assim como aparece a
divisão objetivação/abstração, Feuerbach também inclui os termos subjetivo/objetivo.

5.2 Marx e a Religião como ´Ópio do Povoµ

A noção de emancipação também está no centro da crítica de Karl Marx à religião. Embora poucas no
contexto de uma obra notavelmente extensa, as passagens nas quais Marx se refere à religião foram de
uma influência marcante. Por sua vez, a influência de Feuerbach é clara e admit ida pelo próprio Marx no
texto mais famoso que dedicou ao assunto, a introdução da Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. Marx
concorda com Feuerbach que a religião é uma forma vulgar e invertida de refletir o mundo, como se a
sociedade e o Estado fossem produto de Deus, quando, na verdade, é Deus que é produto daqueles.
Diferentemente de Feuerbach, porém, Marx entende que a essência humana não constitui uma realidade. É
por isso, aliás, que essa ´essênciaµ só pode se realizar numa criação imaginária com o a religião. A
realidade não é feita de essências ideais, mas do mundo material e, no caso humano, do modo como as
condições da vida material são produzidas e distribuídas. A religião não é a realização de uma essência
humana imaginária, mas a expressão d o anseio de realização dos seres humanos oprimidos numa sociedade
marcada pela injustiça na distribuição dos bens e pela transformação de pessoas em mercadoria e meio de
produção de riqueza. Nas palavras mais famosas da versão humanista secular do ateísmo, Marx afirmava:
A miséria religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da miséria real e o protesto
contra a miséria real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o íntimo de um mundo sem coração e a
alma de situações sem alma. É o ópio do povo. (MA RX, 1989, p. 78).
Assim, para Marx, a religião é, de um lado, uma reação contra o processo de desumanização do modo
capitalista de produzir bens e contra a injustiça na maneira como esses são distribuídos. Essa situação de
exploração e depauperamento é que constitui a verdadeira miséria, a ´miséria realµ, e é por isso que a
religião é um protesto da criatura oprimida, que não se conforma com essa desumanização. Mas esse
protesto religioso é uma reação ilusória, que não atinge as verdadeiras raízes da opress ão, que estão no
modo como a economia política é organizada no capitalismo, alienando o trabalho e os frutos deste de
quem realmente trabalha. A ilusão religiosa acaba impedindo a libertação real do homem. Enquanto
estiverem entorpecidos pelas ilusões reli giosas, os homens não serão capazes de se emanciparem
realmente. Desse modo, a religião acaba preservando a ordem social pela qual as massas são oprimidas e
reduzidas a mercadoria. Num mundo invertido que dá valor ao que é objeto e meio e desvaloriza as pe ssoas
produtoras das coisas e que, de um ponto de vista ético, são finalidades em si mesmas, tem -se a religião
como uma ideologia que é expressão desse mundo, pois dá a Deus o valor que é do ser humano. Para Marx,
a crítica da religião de Feuerbach permite ao homem reconquistar a razão, a fim de que ele gire em torno
de si mesmo e não mais de um Deus que não existe, mas de seu ´verdadeiro solµ (cf. MARX, 1989, p. 78).
Mas a crítica de Feuerbach é insuficiente, pois é preciso desmascarar as formas não sagrad as de alienação
humana para que a emancipação da humanidade realmente aconteça. Assim, não é à toa que a religião é
tão pouco importante na obra de Marx. Não se apaga um incêndio soprando -se a fumaça. É preciso atacar a
raiz do fogo. A religião é só uma fu maça, é apenas resultado de uma ordem que se formou por fatores mais
fundamentais. As raízes profundas da alienação que Feuerbach denunciava estão na economia política, na
qual está o fundamento das idéias e concepções de uma sociedade, incluindo -se aí as idéias religiosas. A
abolição da religião se dará quando forem abolidas as condições nas quais o homem surge como ser
humilhado e escravizado (cf. MARX, 1989, p. 86).

Net
O que Marx queria dizer é a religião funciona no sentido de pacificar os oprimidos; e a opressão é
definitivamente um erro moral. A religião -- dizia ele -- reflete o que falta na sociedade; é uma idealização
das aspirações do povo que não podem ser satisfeitas de imediato. As condições sociais da Europa nos
meados do século passado tinham reduzido os trabalhadores a pouco mais que escravos; as mesmas
condições produziram uma religião que prometia um mundo melhor na outra vida.
Ainda segundo Marx, a religião não é apenas uma superstição ou uma ilusão. Ela tem uma função social:
distrair os oprimidos da realidade de sua opressão. Enquanto os explorados e espezinhados acreditarem que
seus sofrimentos lhes granjearão liberdade e felicidade no futuro, estarão considerando a opressão como
parte de uma ordem natural -- um fardo necessário e não uma coisa imposta pelos outros homens. É isso o
que Marx queria dizer ao chamar a religião de "ópio do povo": ela alivia sua dor, mas ao mesmo tempo,
torna-os indolentes, nublando sua percepção da realidade e tirando -lhes a vontade de mudar.
O que Marx queria? Ele queria que as pessoas abrissem os olhos para as duras realidade do capitalismo
burguês do século dezenove. Os capitalistas estavam extraindo mais e mais lucros a partir do trabalho do
proletariado, ao mesmo tempo que "alienavam" os trabalhadores de sua auto realização. O que os
trabalhadores mereciam, e poderiam obter se acordassem de sua sonolência, era o controle de seu próprio
trabalho, a posse do valor que geravam com esse trabalho e, conseqüentemente, auto estima, liberdade e
poder.
Para atingir esse fim, Marx clamava pela "abolição da religião como felicidade ilusória do povo." Ele queria
que eles buscasse a "felicidade real", que na filosofia materialista de Marx era a liberdade e a realização
neste mundo. Já que os ricos e poderosos não iriam entregar isso de graça, as massas teriam de tomá -lo.
Daí, luta de classe e revolução.
KARL MARX

É de significativo conhecimento a crítica de Karl Marx à religião. Para Karl Marx religião ´é o ópio do povoµ,
porque desvia atenção deste mundo e de sua tran sformação, para o além. Segundo Marx, a religião
hipnotiza os homens com falsa superação da miséria e assim destrói sua força de revolta, atuando assim
como uma força conservadora no campo social e econômico.

Marx pensa a religião como um calmante para a s massas que sofrem a miséria produzida pela exploração
econômica. Sendo assim, a religião (alienação religiosa) é decorrência lógica da miséria econômica
(alienação econômica), então, superando -se a miséria econômica pela revolução do proletariado (luta d e
classes) e a conseqüente produção de bens materiais para todos, a consciência religiosa morrerá por si
mesma. Porém, para eliminar a alienação religiosa é preciso eliminar todas as condições de miséria que a
originam.

Na quadra histórica em que foi prod uzido, pode-se entender o marxismo como uma crítica ideológica ao
cristianismo burguês da época, marcado por um certo alinhamento com forças contrárias ao progresso e a
liberdade. Entretanto, daí não se pode concluir que o cristianismo sempre deva ser reac ionário, nem que o
marxismo sempre deva combater a religião, muito menos que o marxismo seja sempre uma força
progressista. O certo é que Marx nunca estudou a fundo a religião, e esta só foi objeto de suas reflexões em
virtude da religião fazer parte da es trutura social e econômica, esta sim seu objeto principal de estudo.

6.1 Elementos da Filosofia da Religião de Nietzsche


O ideal de emancipação do ateísmo humanista expresso por Feuerbach e Marx adquire uma outra
perspectiva nas críticas de Nietzsche ao cristianismo. Para Nietzsche, o problema do cristianismo não é
alienar o homem de sua essência enquanto ser genérico nem servir de cortina de fumaça para a dominação
econômica de massas reduzidas a mercadoria na en grenagem capitalista. O problema do cristianismo para
Nietzsche é que ele se opõe à energia vital, é um obstáculo à expressão do instinto de crescimento, de
acumulação e exercício de forças, pois o cristianismo é a religião da compaixão. Em O Anticristo, N ietzsche
esclarece essa afirmação sustentando que o padecimento é depressivo e debilitante, e a compaixão
simplesmente transmite o sofrimento de uma pessoa para outra. A compaixão inverte os valores da vida:
conserva o que está para acabar e não tem forças para se manter e enfraquece e deprecia o que é forte, ou
nas palavras do próprio Nietzsche:
O cristianismo é chamado de religião da compaixão. ² A compaixão se opõe aos afetos tônicos, que elevam
a energia do sentimento de vida: ela tem efeito depressivo. O indivíduo perde força ao compadecer-se. A
perda de força que o padecimento mesmo já acarreta à vida é aumentada e multiplicada pelo
compadecer... Repito: esse instinto depressivo e contagioso entrava os instintos que tendem à conservação
e elevação do valor da vida: é um instrumento capital na intensificação da décadence, como multiplicador
da miséria e como conservador de tudo que é miserável ² a compaixão persuade ao nada!... Não se diz
´nadaµ: diz-se ´alémµ; ou ´Deusµ, ou ´a verdadeira vidaµ; ou nirva na, salvação, bem-aventurança... Esta
inocente retórica do âmbito da idiossincrasia moral -religiosa, parece muito menos inocente quando se nota
qual a tendência que aí veste o manto das palavras sublimes: a tendência hostil à vida. (NIETZSCHE, 2007,
§7).
Ao dar ênfase à dor e ao sofrimento, o cristianismo se torna uma religião de decadência, de negação da
vida. Essa negação da vida, segundo Nietzsche, acontece também por meio do apelo a seres meramente
´imagináriosµ (Deus, alma, vontade) que não têm contato com a realidade efetiva, natural e se opõem a
ela. O centro da vida deixa de ser a própria vida e passa a ser o além, uma promessa antinatural de
imortalidade. A tese (Nietzsche fala mesmo de ´mentiraµ [Lüge]) da imortalidade tira da vida o seu próprio
centro e o projeta para depois da morte; com isso, a vida perde seu valor intrínseco e revela mais um
aspecto de uma perspectiva niilista, que leva à decadência e ao nada (NIETZSCHE, 2007, §§ 43 e 50). Mas o
nada semeado pelo cristianismo acabou se voltando contra ele mesmo. ´Deus está mortoµ, diz Nietzsche
num célebre aforismo de A Gaia Ciência, que vale a pena citar:
Apesar de muito famosa, a passagem não é de fácil interpretação. À primeira vista, pode -se interpretar
como a tese de que a crença no Deus cri stão está caindo em descrédito e em breve desaparecerá da Europa
(NIETZSCHE, 2001, § 343). Não se trata, então, de um ideal a ser executado com planejamento.
Não é necessário agir para que isso aconteça. Nietzsche fala mais como o anunciador de um fato que está
se consumando. O ateísmo está crescendo no mundo que antes fora cristão e um novo tempo aparecerá,
em que os homens serão livres para determinarem e superarem seus próprios destinos e limitações. A
recusa a se curvar diante de deuses, a buscar forças num transcendente imaginário, dará ao homem novo
energia para ir mais alto por si mesmo, para superar sua própria humanidade. Para ele, ´talvez
precisamente aquela renúncia nos emprestará também a força com que a própria renúncia poderá ser
suportada; o homem, talvez, subirá cada vez mais alto, desde que deixar de desaguar em um deusµ
(NIETZSCHE, 2001, § 285).
Em outras palavras, para Nietzsche, a religião do medo, da culpa e da pena, o cristianismo, estaria com os
dias contados. Deus morreu e em seu lugar teremos o advento de um novo homem livre, capaz de superar a
si mesmo e de viver independentemente, e não mais como ´ovelha de rebanhoµ. Em suma, para Nietzsche,
a religião cristã, mas em grande medida também a judaica, a islâmica e mesmo a budista, não r espondem
convenientemente ao desafio colocado pelo pessimismo e o niilismo. Segundo ele, ao invés de conduzir a
uma resposta positiva frente ao desafio do nada, a religião acaba enfraquecendo ainda mais o impulso de
vida, levando ao desespero e à decadênci a. Isso se dá por meio de uma moral ascética, que enfatiza o
controle e a redução dos desejos pela moderação nos ímpetos individuais, com o refúgio num
comportamento que se esconde no meio da multidão, tal como ovelhas num rebanho. Na verdade, segundo
Nietzsche, mesmo que a religião apresentasse uma resposta satisfatória para o niilismo e o pessimismo, ela
já não teria o mesmo efeito, pois ´Deus morreuµ.

6.2 Freud e a Religião como Ilusão Neurótica Infantil

Sigmund Freud, o último dos quatro representante s do humanismo secular a ser apresentado aqui, também
via a religião, particularmente o cristianismo, como algo em vias de se extinguir. Diferentemente de
Nietzsche, porém, Freud apresenta razões mais claras para fundamentar essa previsão: a diminuição da
dependência da natureza, que nos fez precisar de um Pai celestial para nos proteger, e o progresso do
conhecimento científico, que substituirá gradualmente as infundadas crenças religiosas. Em O Futuro de
uma Ilusão, Freud admite a idéia de que a religião foi um importante instrumento civilizador. Ela permitiu
reprimir os instintos mais destrutivos que impossibilitariam a vida em sociedade. A civilização, a vida em
sociedade, para Freud, é a única esperança de sobrevivência do animal humano (FREUD, 1978, p. 88), que
é frágil demais diante de uma natureza ameaçadora e impiedosa. Tal como acontece com o
amadurecimento individual, a humanidade precisou reprimir os instintos destrutivos para poder se
desenvolver inicialmente. A repressão, porém, é um modo frágil de lidar com impulsos indesejáveis, pois
eles voltarão, de alguma maneira, sob a forma de neuroses ou outro tipo de psicopatologia. É por isso que,
embora a religião tenha sido fundamental na infância da humanidade, ao reprimir instintos anti -sociais, aos
poucos esse instrumento vai se mostrando ineficaz e gerando outros problemas. Para Freud, o
amadurecimento da espécie humana exige um gradual abandono da religião e substituição por um modo
mais adulto de lidar com instintos destrutivos: a razão, à qual a religião se opõe claramente. Ao instituir
um Pai transcendente que castiga quem transgride os tabus, a religião garantiu o mínimo de paz e
convivência necessários à produção do conforto e segurança que a civilização oferece (FREUD, 1978, p. 97).
Nas palavras do próprio Freud:
Devemos perguntar onde reside a força interior dessas doutrinas e a que devem sua eficácia, independente,
como é, do reconhecimento pela razão.

Acho que preparamos suficientemente o caminho para uma resposta a ambas as


perguntas. Ela será encontrada se voltarmos nossa atenção para a origem psíquica das
idéias religiosas. Estas, proclamadas como ensinamentos, não constituem precipitados
de experiência ou resultados finais de pensamento: são ilusões, realizações dos mais
antigos, fortes e prementes desejos da humanidade. O segredo de sua força reside na
força desses desejos. Como já sabemos, a impressão terrificante do desamparo na
infância despertou a necessidade de proteção ² de proteção através do amor ², a qual
foi proporcionada pelo pai; o reconhecimento de que esse desamparo perdura através
da vida tornou necessário aferrar-se à existência de um pai, dessa vez, porém, um pai
mais poderoso (FREUD, 1978, seção VI).

Assim, segundo Freud, essa idéia de um pai que pode nos livrar dos p roblemas e proteger do mal é, na
verdade, uma ilusão. Ilusões são crenças que não se fundamentam na razão ou na experiência, mas no
desejo. No caso da religião, o desejo é de superar o sentimento infantil de desamparo diante de uma
natureza ameaçadora (FREUD, 1978, p. 107). Uma vez que não se pode esperar que nossas próprias
vontades e desejos nos dêem qualquer informação relevante sobre o mundo e uma vez que as crenças
religiosas não são suscetíveis de prova lógica ou empírica, exigidos pelo conhecimento c ientífico, a religião
está condenada a ter um espaço cada vez menor na cultura moderna (FREUD, 1978, p. 113). Por outro lado,
a religião é comparável a uma neurose infantil da humanidade. Assim como certas necessidades instintivas
infantis só são superávei s pela repressão, gerando por sua vez o comportamento ansioso, a religião e seu
anseio por proteção superior seria uma neurose advinda da repressão relacionada ao remorso pelo
assassinato de um pai primevo na infância da humanidade, tal como Freud propõe e m Totem e Tabu. No
entanto, assim como as neuroses infantis nos indivíduos tendem a desaparecer à medida que o indivíduo
amadurece, a religião (a infantilidade da civilização) estaria fadada ao desaparecimento devido ao
amadurecimento da cultura, à medida que a razão científica for tomando o lugar da crença religiosa como
guia da humanidade (FREUD, 1978, p. 123). ´Nosso Deus, Logosµ, diz Freud a um interlocutor imaginário,
defensor da religião, (...) atenderá a todos esses desejos que a natureza a nós exter na permita, mas fa-lo-á
de modo muito gradativo, somente num futuro imprevisível e para uma nova geração de homens (...) No
caminho para esse objetivo distante, suas doutrinas religiosas terão de ser postas de lado, por mais que as
primeiras tentativas fal hem ou os primeiros substitutos se mostrem insustentáveis. Você sabe por que: a
longo prazo, nada pode resistir à razão e à experiência, e a contradição que a religião oferece a ambos é
palpável demais (FREUD, 1978, p. 126). Em outras palavras, para Freud, o progresso triunfante e inexorável
do conhecimento científico tomará o lugar das crenças religiosas e acabará por levar à extinção dessa
atividade humana, que não mais será necessária.
Assim, o humanismo secular apresenta o ateísmo como uma alternativa l ibertária em relação à religião em
geral e ao cristianismo em particular. Na próxima parte, tentaremos fazer uma análise crítica de Nietzsche
e Freud e ver até que ponto o humanismo secular em geral constitui uma alternativa assim tão fascinante e
univocamente libertadora.

8.1 Os Argumentos sobre a Existência de Deus

Chamam-se argumentos sobre a existência de Deus as tentativas de fundamentar ou rejeitar, com base em
premissas universalmente aceitáveis, a conclusão de que Deus, tal como conceituado pelo teísmo
tradicional, existe. No seu conjunto, esses argumentos constituem um empreendimento que valoriza o uso
de formas de raciocínio e premissas, cuja validade e valor de verdade sejam aceitáveis por todos em
princípio. Dito de outra maneira, os argumento s sobre a existência de Deus não pressupõem que o leitor
seja ateu num sentido forte, agnóstico ou adepto de alguma religião. No seu conjunto, essa tentativa de
fundamentar racionalmente a crença em Deus é tradicionalmente conhecida como Teologia Natural. O
objetivo deste esforço é fundamentar ou rejeitar a crença em Deus com base não na religião revelada, mas
na discussão conduzida conforme regras de raciocínio e dados empíricos acessíveis e plausíveis, em
princípio, para todos os envolvidos no debate.
Partindo-se do princípio de que o conceito de Deus compreendido pelos atributos enunciados acima é
coerente, apresentamos os três argumentos mais famosos em favor da existência de Deus: o ´argumento
ontológicoµ, o ´argumento cosmológicoµ e o ´argumento teleol ógicoµ; e o argumento mais famoso contra a
existência de Deus: o problema do mal.

O argumento ontológico tenta provar a existência de deus somente por meio da razão. Trata -se de um
argumento puramente a priori. A idéia é que simplesmente pela apreensão do conceito ou da idéia de deus,
juntamente com uma compreensão do que essa idéia acarreta, nós podemos provar que deus existe. O
argumento ontológico prentende, portanto, ser uma prova dedutivamente válida da existência de Deus a
partir de premissas conheci das a priori. Ele é projetado para ser tão cogente e inevitável quanto qualquer
prova encontrada em lógica e matemática. Os argumentos cosmológico e teleológico não são baseados em
premissas conhecíveis a priori, mas em premissas empíricas, contingentes. O argumento cosmológico parte
do fato de que o universo ao nosso redor existe. E continua: visto que a existência do universo é
contingente (poderia não existir nada em vez de existir algo), deve haver um ser necessário ou não -
contingente que criou o universo. O argumento teleológico também procede a partir de uma premissa
empírica: não a premissa de que o universo existe, mas a premissa mais especifica de que o universo
contém entidades maravilhosamente complexas, tais como flores, olhos e cérebros, cuja ex istência, alega-
se, dá sustentação à hipótese de um criador benigno e amoroso. Tais maravilhosas entidades muito
provavelmente vieram a existir por desígnio, não por acaso. Note -se que esse argumento não tem caráter
dedutivo. A alegação não é que a existência de estruturas complexas implica logicamente a existência de
deus, mas somente que a existência dessas estruturas torna razoável acreditar que deus existe. A
postulação de um criador explica melhor a existência dessas estruturas

8.2 O Argumento Ontológico

Apesar do nome ter sido dado por Immanuel Kant no século XVIII, o argumento ontológico foi originalmente
proposto por Anselmo de Cantuária (1033 ² 1109), no século XI, num livro intitulado Proslógio, que significa
´discursoµ. Segundo os especialistas, há duas versões distintas do argumento no livro, uma no Capítulo 2 e
outra no Capítulo 3. Em ambas, tenta -se mostrar a existência de Deus partindo -se não de uma experiência
qualquer, mas tão-somente do conceito de Deus.

Na versão do Capítulo 2 do Proslóg io, teríamos as seguintes idéias encadeadas logicamente:


1. Deus é o ser do qual não se pode pensar nada maior (no sentido de ´mais perfeitoµ).
2. Existir na mente é diferente de existir na realidade.
3. Um ser que existe na mente e na realidade é mais per feito que um ser que existe apenas na mente.
4. Se Deus existir apenas na mente, então será possível pensar um ser mais perfeito que Deus.
5. A premissa 4 contradiz a premissa 1, que já fora aceita como postulado.
6. Logo, Deus deve existir na mente e na r ealidade.
Vários pontos desse argumento merecem uma atenção maior, ainda que breve. Em primeiro lugar, a
premissa 1 não é muito problemática para o filósofo, pois se trata apenas de uma definição do conceito a
ser apresentada pelo crente religioso. Mas pod e ser problemática para o crente em relação à comunidade
religiosa. Para fins do argumento, porém, ela não é controversa. Já a premissa 2 é discutível, caso se
aceite algum tipo de idealismo que reduza a realidade àquilo que pode ser pensado por um indivíd uo.
Adotando-se uma posição realista, contudo, ela não é problemática. A premissa 3 é uma das mais
controversas nessa versão do argumento. Um dos que a rejeitam é Immanuel Kant, na Crítica da Razão
Pura. Segundo Kant, a existência não é uma qualidade que s e acrescente a um conceito, modificando -o em
algum sentido. Assim, no conceito de ´cem dólaresµ, por exemplo, nada muda se o pensarmos como ´cem
dólares existentesµ. Desse modo, tentar passar do conceito de Deus para o conceito de Deus existente não
acrescenta nada ao conceito de Deus, segundo Kant. A crítica de Kant parece não se referir ao que Anselmo
estava tentando mostrar, pois o objetivo deste último não era mostrar o conceito de Deus existente, mas
que Deus não poderia existir apenas como conceito e sim como realidade independente de qualquer pessoa
que a pense. Além da crítica de Kant à passagem de um conceito para a realidade no argumento de
Anselmo, há também a objeção formulada originalmente por um contemporâneo de Anselmo, chamado
Gaunilo, que era monge no norte da França. Segundo Gaunilo, é possível formular um argumento análogo
´provandoseµ a existência da ´ilha bem -aventuradaµ, desde que esta seja definida como ´a ilha da qual
não se pode pensar nada maiorµ. Seguindo a mesma estrutura do argume nto original, uma ilha assim não
poderá existir apenas na mente, mas também na realidade, pois, do contrário, não será ´a ilha da qual não
se pode pensar nada maiorµ. Assim, conclui Gaunilo, teríamos de aceitar que existe a ilha bem -aventurada
só por causa de sua definição, mesmo que ninguém a tenha jamais visto ou estado por lá, o que é
inaceitável para qualquer pessoa racional. Anselmo respondeu o argumento de Gaunilo, defendendo que
sua formulação não serve para qualquer ser contingente, mas apenas para um ser necessário, o que nos
leva à segunda construção do argumento ontológico, proposta por Anselmo no Capítulo 3 do Proslógio.
Nessa versão, Anselmo lida com os conceitos de necessidade e contingência, podendo ser apresentados
assim:
1. Enquanto ser do qual não se pode pensar nada maior, Deus não pode vir a existir ou acontecer de existir,
pois isso seria uma imperfeição, mas, se existir, deve existir necessariamente.
2. Assim, ou a existência de Deus é logicamente impossível ou logicamente necessária.
3. Se a existência de Deus é logicamente impossível, então o conceito de Deus é contraditório.
4. O conceito de Deus não é contraditório.
5. Portanto, a existência de Deus é logicamente necessária.

O ponto de partida dessa versão do argumento ontológico é a tese de que a contingência, ou seja, a
possibilidade de existir ou não, dependendo de alguma circunstância, é uma imperfeição. Desse modo, se
Deus é definido como o ser de que não se pode pensar nada mais perfeito, então Ele não deve ser
contingente, mas necessário, ou seja, não pode deixar de existir em circunstância alguma. A premissa
crucial aqui é a 4, pois, se o conceito de Deus for contraditório, então Ele não existirá necessariamente,
pois uma sentença contraditória é sempre falsa. Em outras palavra s, se você afirmar algo como ´Está
chovendo e não está chovendoµ referindo-se a uma mesma situação num mesmo tempo, você estará
sempre errado. Assim, se o conceito de Deus não for contraditório (necessariamente falso), então terá de
ser necessariamente verdadeiro. Não sendo contraditório seu conceito, Deus existirá por necessidade.
Para Michael Martin (1990, p. 86), porém, essa premissa não é fácil de aceitar, pois ele defende que os
paradoxos do complexo conceito de Deus, com todos os atributos que vimos n a aula passada, não têm
solução, mostrando que se trata de um conceito contraditório. Por outro lado, Martin (1990, p. 87) defende
que é possível formular um argumento análogo para provar a existência logicamente necessária do mal
absoluto (o ´Diaboµ, talvez). Além disso, a noção de realidade necessária não é clara, pois a necessidade
lógica se refere apenas a sentenças, que são construções lingüísticas apenas e não ´realidadesµ, tal como
os crentes religiosos pretendem que Deus seja. O argumento ontológico teve várias versões ao longo dos
séculos e continua sendo objeto de debate. Muitos, porém, como Richard Swinburne (2004), por exemplo,
consideram-no um argumento com pouco valor.

8.3 O Argumento Cosmológico

Num argumento cosmológico típico, as premissas contêm tanto algum fato empírico público (como a
ocorrência de mudanças ou a existência do universo) quanto algum princípio de causalidade, de modo a
embasar racionalmente a conclusão de que se pode afirmar que Deus existe como causa fundamental
daquele dado empírico.
Há dois tipos clássicos de argumento cosmológico. Um deles, denominado argumento kalam foi
sugeridoinicialmente, na Idade Média, por filósofos islâmicos como al -Kindi e judeus como Saadia ben
Joseph, e posteriormente adotado por São Boaventur a no âmbito cristão. O argumento kalam refere -se a
Deus como criador do universo em algum dado momento no tempo. Este tipo de argumento cosmológico
sustenta, então, que o universo deve ter tido origem em algum momento no tempo, pois é impossível a
regressão infinita de causas no tempo em termos atuais. Uma vez que nada é causa de si mesmo, apenas
um Ser distinto do universo poderia ser a causa do surgimento deste último. O segundo tipo de argumento
cosmológico não precisa da idéia de que o universo teve um início no tempo e, por sua vez, subdivide -se
em duas formas, uma que defende a tese da existência de Deus como
Ser necessário e agente causal na manutenção dos entes contingentes na existência e outra que se vale do
princípio da razão suficiente, proposta, entre outros, por Leibniz.
Na primeira forma deste tipo de argumento cosmológico, ´contingenteµ e ´necessárioµ têm, em geral, um
sentido distinto daquele usado em Lógica e devem ser entendidos como a expressão da situação de um ente
quanto a sua dependência ontológica. Assim, um ente contingente é aquele que depende de outro para
existir, ao passo que ser necessário é aquele que existe independentemente de qualquer causa para sua
existência. Um exemplo famoso de exposição desta forma de argumento cosmológi co dentre as que não
postulam uma origem do universo no tempo se encontra no Livro I (questão 1, artigo 3) da Suma
Teológica de Tomás de Aquino, na terceira das suas cinco vias para se provar a existência de Deus. Apesar
de admitir a possibilidade de que o universo seja eterno, o argumento sustenta que, em sendo contingente,
ou seja, uma vez que o universo poderia não existir, o fato deste continuar existindo tem de ter uma causa
que não seja ela mesma contingente (ou seja, que dependa de outro ente para su a existência). Assim, Deus
é postulado não como uma causa criadora, mas sim mantenedora do universo. Nesses termos, essa segunda
versão do argumento cosmológico teria a seguinte forma básica:
1. Observa-se que existe ao menos um ente contingente.
2. Esse ente contingente tem uma causa para sua existência.
3. A causa desse ente contingente deve ser algo diferente dele mesmo.
4. A causa desse ente contingente deve estar num conjunto que contenha ou entes contingentes apenas ou
ao menos um Ser necessário não -contingente.
5. Um conjunto que contenha apenas entes contingentes não pode ser a causa da existência do ente
contingente observado, pois careceria ele mesmo de causa.
6. Assim, devemos postular a existência de ao menos um Ser necessário como causa primeira dos entes
contingentes.
Na versão que recorre ao princípio leibniziano da razão suficiente, o argumento se dá num plano
epistemológico e não ontológico, ou seja, Deus não é colocado como o agente causador último dos entes
contingentes, mas como a explicaç ão fundamental da ocorrência desses. Por esse princípio, toda verdade
de fato deve ter uma razão suficiente que explique porque o dado é do modo que é e não de outra
maneira. Em outras palavras, tudo que é matéria de fato deve ter uma explicação que a torn e
suficientemente intelig ível. Assim, argumenta-se que a existência de cada objeto no universo deve ter uma
explicação para existir. No entanto, nenhum objeto particular explica a si mesmo. Por outro lado, se, na
tentativa de explicar um objeto que não ten ha razão suficiente em si mesmo, restringimo -nos a outro
objeto da mesma natureza, a seqüência inteira fica ininteligível e irracional. Assim, devemos aceitar a
existência de um ponto final na cadeia explicativa que dê inteligibilidade última a todos os el ementos
subseqüentes e que, por sua vez, contenha em si mesmo a razão suficiente para sua existência. Das muitas
objeções ao argumento cosmológico, apresentamos a seguir apenas uma breve seleção para não nos
alongarmos muito. Uma primeira objeção bastante elementar é de que a questão ´o que causou Deusµ ou
´o que explica Deusµ parece se colocar tanto quanto as questões ´o que causou o universoµ e ´o que
explica o universoµ. Afirmar que essa questão não se coloca para Deus, mas sim para o universo, exige
argumento, do contrário, põe-se de modo simplesmente dogmático. Em segundo lugar, um ponto crucial
que se aplica às três formas do argumento expostas acima é a rejeição da idéia de seqüência infinita de
causas ou explicações como sendo irracional. Embora a re jeição de cadeias infinitas atuais seja mais
característica do argumento kalam, esta tem também um papel importante nas outras duas versões.
Porém, segundo o filósofo britânico John Mackie, é possível eliminar as aparentes contradições geradas
pela idéia de infinito atual, desde que se distingam os critérios pelos quais se identificam um conjunto
infinito menor que o outro dos critérios para identificar conjuntos iguais. Se forem padrões de avaliação
distintos, então não há contradição em se comparar difere ntes conjuntos infinitos. Além disso, se há
mesmo necessidade de um término da seqüência, o argumento precisa ainda mostrar por que este tem de
ser em uma causa primeira e não num número indefinidamente grande de causas incausadas. Por fim, caso
esta causa primeira fique mesmo estabelecida, a identificação da mesma com o Deus da religião está longe
de ser auto-evidente.
Por outro lado, o argumento cosmológico é acusado de incorrer na falácia da composição ao supor que o
universo seja um ente contingente, um a vez que é composto apenas por entes contingentes. Nesse ponto,
inclui-se a tese kantiana de que o universo não seja objeto de conhecimento, pois do contrário cai -se em
antinomias. Uma resposta famosa a essa objeção é a que alega que, mesmo sem se referir à contingência
do universo como conjunto de todos os entes, cada um desses entes poderia deixar de existir, isto é, o fato
de que cada objeto continue existindo ao invés de desaparecer no nada exige uma causa que esteja para
além de cada um desses objetos . Deus seria, assim, o elemento que sustentaria cada ente no ser, evitando
seu colapso no nada.
No que se refere ao argumento leibniziano, especificamente, discute -se se faz sentido exigir uma
explicação fundamental e absoluta para explicar a existência de um ente observado, ou seja, por que não
se contentar com a explicação deste por meio da causa imediata que lhe seja suficiente? De fato, no
âmbito científico e da vida cotidiana, por exemplo, as explicações não são cabais e nem por isso são
consideradas insatisfatórias e, portanto, esse não pode ser um critério de racionalidade em geral. Esses são
alguns dos pontos que mais suscitam debate no tocante ao argumento cosmológico e continuam, ainda
hoje, sendo objeto de intensa discussão no meio filosófico.

8.4 O Argumento Teleológico

O argumento teleológico parte da premissa de que o universo tem uma ordem para fundamentar a
conclusão de que Deus existe. Em vista da importância de se caracterizar o modo pelo qual o mundo físico
funciona de forma a extrair dal i uma base para fundamentar a existência de Deus, uma das características
fundamentais do argumento teleológico é a sua forte conexão com os desenvolvimentos históricos do
conhecimento científico. Também comumente denominado ´argumento do desígnioµ, o argu mento
teleológico tem antecedentes que remontam pelo menos a Platão, que, no livro X das Leis fala da
proporção e ordem no movimento dos corpos celestes como argumento para demonstrar a existência dos
deuses. É na obra de Tomás de Aquino, porém, que encont ramos um exemplo histórico mais claro do
argumento teleológico, mais precisamente na quinta via para se provar a existência de Deus. O argumento
tomista parte da constatação de uma ordem de ações com vistas a um fim, observável em todos os objetos
sujeitos a leis naturais e desprovidos de consciência. Assim, por exemplo, toda pedra, quando solta, cai em
direção ao chão; e todo ser vivo ao nascer tende a realizar a essência imutável de sua espécie na fase
adulta. Dado que há uma constância no modo ordenado p elo qual esses objetos agem e dado que eles não
possuem vontade nem inteligência que os capacitem a dirigir suas próprias ações, pode -se inferir que essa
ordem não seja mera coincidência acidental, mas se deva a uma tendência em direção a um fim causado
por um ordenador inteligente. Em vista dos desenvolvimentos na Física e na Biologia posteriores ao século
XIII, o argumento tomista parece perder toda sua força, pois o movimento dos corpos já não é mais
explicado em termos de causas finais, como na Física Aristotélica, nem se entende o desenvolvimento
biológico como sendo a realização de um bem final regido por uma essência invariável. Mesmo assim, o
argumento teleológico não desapareceu com o surgimento da Física Moderna ou da Biologia Darwiniana.
Diante desses desenvolvimentos do conhecimento científico, o argumento assumiu duas formas básicas,
uma analógica e uma indutiva. A forma analógica do argumento do desígnio tem seu exemplo mais perfeito
na versão de William Paley (2006), na qual a natureza é compa rada a um relógio. Assim, do mesmo modo
que a existência de um relógio, por sua organização incomum e complexamente sistematizada só pode ter
sido obra de um relojoeiro que o tenha fabricado e ordenado propositalmente, o universo, em seu
funcionamento regulado conforme as leis da mecânica, só pode ter sido obra de um poderosíssimo
ordenador que o teria criado conforme um propósito. David Hume já havia argumentado que a analogia
entre o universo e um artefato mecânico não tem a força pretendida pelo argument o teleológico, não se
constituindo, portanto, numa forma sólida de demonstrar a existência de Deus. Em primeiro lugar, a porção
do universo a que temos acesso é composta não de peças mecânicas apenas, mas também de seres
orgânicos. De fato, analogias que d ispensam a idéia de uma inteligência criadora e designadora (como as
que relacionam o universo a um animal ou uma planta e que têm o princípio de ordenação do
desenvolvimento em si mesmo) têm pelo menos a mesma plausibilidade que a de um artefato mecânico.
Parece inclusive mais plausível pensar -se em múltiplos princípios de ordenamento do mundo, cada um
relacionado a uma forma particular de estados de coisa. Além disso, a analogia não demonstra a existência
de uma única divindade, pois um artefato pode ser produto de trabalho coletivo, e se viesse a prová -lo
seria um deus antropomórfico demais para ter algum interesse para a religião. Se, para muitos, os
argumentos de Hume parecem sepultar de vez as tentativas analógicas de argumento teleológico, há quem
sustente que foi o trabalho de Darwin, e o modelo teórico que se construiu em torno deste, que acabou
sendo o principal obstáculo para argumentos deste tipo em favor do teísmo. O olho humano, por exemplo,
ao invés de um mecanismo inteligentemente elaborado, s eria produto de um longo processo de luta pela
adaptação ao meio ambiente, no qual a ocorrência de mutações aleatórias e um processo de seleção
natural favorável às características mais bem sucedidas teriam papéis preponderantes. Não haveria
necessidade de um relojoeiro ou de causas finais, o mecanismo se desenvolveria por uma dinâmica interna
que dispensaria o recurso a inteligências ordenadoras externas. É em resposta aos problemas colocados por
Hume e o darwinismo que os teístas contemporâneos têm formul ado o que se pode chamar uma versão
indutiva (no sentido de inferência pela melhor explicação) do argumento do desígnio. Segundo esses
autores, mesmo admitindo o sucesso de explicar vários exemplos de ordenação entre meios e fins na
natureza por meio de princípios que envolvam aleatoriedade, a probabilidade de se ter uma ordem tão
complexa e finamente sintonizada como a que temos com base apenas no acaso é extremamente baixa.
Assim, sustentam eles, mesmo que os mecanismos que levaram à constituição do unive rso tal como temos
agora envolvam elementos casuais, uma melhor explicação do mundo que temos deveria também envolver
um princípio de ordenação proposital. De fato, sustentam os autores, como o britânico Richard Swinburne
(2004), a própria existência de um a ordenação por meio de leis naturais, pressuposta no próprio
darwinismo e na ciência em geral, fica melhor explicada por meio da hipótese de que Deus existe.

O Problema do Mal
Dentre os argumentos contrários à existência de Deus, o problema do mal é cert amente o mais conhecido e
debatido. Pode-se distinguir duas formas básicas nas diversas versões recebidas por este argumento, uma
formulação dedutiva e uma indutiva.
Na versão dedutiva, a ocorrência do mal no mundo é apresentada como refutando em termos ca bais a tese
de que Deus existe. Em outras palavras, haveria uma inconsistência lógica na admissão, por um lado, da
ocorrência do mal e, por outro, da existência de um Deus que fosse maximamente bom, onisciente e
onipotente. Segundo os defensores desse argumento em sua forma dedutiva, ou Deus não é maximamente
bom, pois do contrário não permitiria o oposto do bem, ou não sabe que o mal existe (e, portanto, não é
onisciente), ou não pode suprimir o mal do mundo (e, portanto, não é onipotente). Em todo caso, n ão se
poderia sutentar racionalmente a crença num ser com todos esses predicados ao mesmo tempo que se
aceitasse a existência do mal, pois um tal conjunto de proposiç ões seria contraditório. Assim, ou o teísta
abdica de um desses elementos centrais de sua crença ou é obrigado a negar a existência do mal, o que as
religiões monoteístas têm fortes razões para não fazer. Em resposta à forma dedutiva do problema do mal,
defensores do teísmo buscam apresentar argumentos que mostrem a compatibilidade em princípio dos
atributos de Deus com a ocorrência do mal. Tais tentativas recebem o nome de ´defesasµ, que se
caracterizam por serem apenas respostas à iniciativa argumentativa daqueles que propõem o problema do
mal. Deve-se distinguir as defesas das teodicéias que também lidam com o mesmo problema, mas que não
são apenas respostas, mas iniciativas de conciliação entre o teísmo e o mal. Em outras palavras, numa
teodicéia, o ônus da prova está com o teísta. Sendo assim, numa teodicéia não basta que se mostre uma
possibilidade lógica de compatibilização, é necessário que se justifique porque Deus teria criado um
universo que contivesse o mal. Para não nos alongarmos ainda mais, não desenvolveremos o tópico relativo
às teodicéias. No entanto, é importante observar que mu itos argumentos das defesas e teodicéias são
comuns. As defesas contra a forma dedutiva do problema do mal geralmente partem da distinção entre mal
moral e mal natural. Na verdade, o próprio conceito de mal é objeto de intensa discussão. No presente
debate, normalmente, entende-se por mal o sofrimento e a dor intensos, a ação contrária aos valores
morais e a finitude inerente a todos os entes, entendida como a possibilidade de degradação a que estão
submetidos todos os objetos no universo. Assim, um ato com o torturar uma criança por puro sadismo é tido
como exemplo típico de mal, porque ao mesmo tempo resulta em dor e sofrimento e contraria qualquer
parâmetro de juízo ético. A mais famosa das defesas contra o problema do mal moral é a chamada defesa
do livre arbítrio. Segundo seus postulantes, a ocorrência desse tipo de mal se deve ao uso inadequado da
liberdade que Deus teria conferido aos seres humanos. Em termos conceituais, se concebemos o ser
humano como agente livre, deve-se entender a liberdade como ac arretando a possibilidade de se fazer o
mal e não apenas o bem. Deus permitiria o mal porque teria escolhido criar o homem como agente livre ao
invés de um autômato sem poder de decisão. Assim, uma vez que a possibilidade de agir imoralmente
decorre logicamente da liberdade concedida ao homem por Deus, diz o teísta, o mal não contradiz a
onipotência divina, pois resulta de uma escolha de Deus de permitir a liberdade humana. Por outro lado, o
mal moral não contradiz a máxima bondade divina, pois, por um lado , o autor da ação imoral é o homem e
não Deus e, por outro lado, ao permitir o mal moral, Deus o faz em função de um bem maior, ou seja, a
liberdade humana.
No tocante ao mal natural, a argumentação segue linhas análogas às da defesa do livre -arbítrio.
Entendendo-se mal natural por sofrimento provocado por razões não -humanas, a resposta ao problema do
mal se dá recorrendo-se ao conceito de lei natural. Um terremoto que deixa famílias inteiras desabrigadas,
mata e fere milhares de pessoas ou um incêndio na f loresta que leva animais indefesos à morte agonizante
seriam apenas tristes conseqüências da regularidade encontrável no mundo físico. A existência de uma
ordem na natureza é análoga ao livre arbítrio no âmbito humano, no sentido de que em decorrência
daquela pode acontecer tanto o mal quanto o bem, e de que a eventual ocorrência de sofrimento é
compensada pelo bem maior representado pela própria existência de regularidade na natureza.
Diferentemente das versões dedutivas do problema do mal, que podem ser r espondidas apenas mostrando-
se a possibilidade conceitual de se conciliar mal e teísmo, a versão indutiva deste argumento não acusa a
crença teísta de ser contraditória. Os proponentes deste tipo de formulação sustentam que o mal pode até
ser compatível em princípio com a existência de Deus, mas torna esta muito pouco provável. Em outras
palavras, mesmo que não seja impossível admitir tanto a existência de Deus quanto a do mal, a
probabilidade do teísmo diante deste fato seria extremamente baixa. Assim, a i rracionalidade do teísta
estaria no fato de sustentar uma crença que tem pouca probabilidade de ser verdadeira.
Um autor que buscou apresentar uma resposta ao argumento do mal em sua forma indutiva foi Richard
Swinburne (2004). Ele admite que a ocorrência do mal seja perfeitamente explicável diante da tese de que
o Deus das grandes religiões monoteístas não exista, ou seja, que a probabilidade do mal (m) em vista da
não existência de Deus (¬D), ou simbolicamente: P(m/¬D), é bastante considerável. No entanto , para esse
autor, a probabilidade de que Deus exista em vista desse fato não é tão baixa a ponto de tornar o te ísmo
insustentável do ponto de vista racional. Seu contra -argumento vai no sentido de mostrar que Deus teria
razões para fazer um mundo que contivesse o mal. Assim, sendo essas razões dedutíveis da tese teísta e
sendo elas suficientes para explicar o porqu ê da existência de males no mundo, o problema do mal
tampouco funcionaria para mostrar a baixa probabilidade do teísmo. Dentre outras razões, Sw inburne
propõe que o mal seria uma decorrência da possibilidade que temos de aprender sobre o mundo. Sem a
possibilidade do mal, nosso aprendizado não só seria menos vívido como também muito menos relevante.
Além disso, Swinburne menciona a tese de que o m al se dá como subproduto de bens maiores, tais como o
livre-arbítrio e a regularidade natural, que seriam condiç ões fundamentais para permitir o aprendizado e o
desenvolvimento. A supressão da possibilidade de ocorrer o mal, sustenta Swinburne, acarretaria tanto a
eliminação da liberdade humana quanto a ocorrência de um mundo muito menos interessante e desafiador
para se viver. Nesse sentido, se a tese da existência de Deus permite a compreensão de um mundo que
contenha o mal como uma possibilidade, então a probabilidade deste fato em relação ao teísmo P(m/D)
também é considerável, o que significa que a ocorrência do mal poderia ser neutralizada em sua força
como argumento contra a probabilidade da existência de Deus.
Os proponentes do problema do mal como a rgumento contrário à existência de Deus, porém, têm várias
objeções às defesas teístas. Dentre as mais importantes estão a tese de que o problema do mal está
principalmente na intensidade e na quantidade do que de ruim se observa no mundo, que fariam duvid ar
seriamente de que exista um Deus tal como proposto pelo judaísmo, cristianismo e islamismo. Além disso,
contra a defesa do livre arbítrio, argumenta -se que se pode pensar como compatíveis a ação livre humana e
algum tipo de determinismo divino, desde qu e o motor da ação do homem seja a própria vontade do
indivíduo. Assim, Deus poderia manter o livre arbítrio nos homens e, ao mesmo tempo, constituir a vontade
humana de tal modo que nós nunca nos inclinássemos no sentido de qualquer ação má. Segundo a tese
compatibilista, ao escolher sempre agir bem, o ser humano seria livre no sentido de determinar suas ações
por meio de suas escolhas, mesmo que essas escolhas fossem sempre no sentido do bem. Assim, se um Deus
maximamente bom e onipotente existisse, impedi ria que os homens agissem imoralmente, pois os teria
criado sem a possibilidade de agir mal.

Fórum religião

Freud afirmou que a religião foi criada pela mente humana como uma forma de conforto e que esta
necessidade de conforto era comparável às necessidades de um bebê. Ele afirmou que as pessoas olhavam
a Deus como um poder superior tanto quanto uma criança olh a para seus pais para força e orientação.
Freud de fato via a religião como uma parte importante da existência humana, mas muito mais de uma
perspectiva psicológica do que filosófica. Ele achava que a religião não só ensinou o homem a apreciar a
moralidade como uma doutrina, mas a investigar a moral dentro de si. No entanto, ele também frisou que
ele não considera que a religião era uma força necessária para a ordem ou a moral. Pelo contrário, ele não
encontrou nenhuma evidência de que a religião fez as pe ssoas mais felizes ou mais moralmente dignas do
que os não-religiosos ou menos religiosos.
Freud considerava a ciência e a religião como sendo pólos opostos e inimigos mortais. Ele sentia que havia
centenas de anos de crença em Deus e isso ainda não tinha servido para resolver muitos problemas do
homem, para Freud, uma transição para uma crença na ciência seria o ideal. O desejo de Freud de ver uma
sociedade que tivesse amadurecido e passado a necessidade de religião e tivesse abraçado a ciência se
manifesta em suas afirmações sobre a natureza da violência no homem. Ele tenta entender a propensão
humana para a violência a partir da perspectiva de que as raízes estão dentro de nossa constituição física e
psicológica, e não em nossa falta de devoção espiritua l.
Venho aqui agora responder a sua questão em relação a Nietzsche e Freud:
Nietzsche e Freud viam Deus e a religião como um mito e uma construção da psique humana e da história.
Ambos os pensadores também viam o Cristianismo e o conceito do Deus cristão como algo "perigoso" para o
desenvolvimento saudável e natural da humanidade.
Existem é claro muitas diferenças entre esses dois pensadores. Freud, obviamente, se concentrou nos
aspectos psicológicos e fatores relacionados ao inconsciente, tais como a inf luência da figura paterna na
criação humana da idéia de Deus. Nietzsche, por outro lado estava mais preocupado com a forma histórica
em que a religião se desenvolvia e a maneira com a que a moralidade é relativa à cultura e à história.
Nietzsche em sua obra A Genealogia da Moral declara que os conceitos de bem e mal são termos relativos
que dependem de seu significado na percepção social e histórica e que a religião é essencialmente
constituída ou construída por várias razões históricas para satisfazer ce rtos desejos ou necessidades do
homem culto.
Freud e Nietzsche apresentaram ambos teorias reducionistas sobre as origens da religião, da consciência
moral e da criação de deus na sociedade moderna baseada em fundamentos antropológicos. Enquanto que
suas teorias são explicitamente diferentes, eles est ão implicitamente semelhantes no fato de ambos terem
tentado estabelecer a origem dos sistemas da moral em uma base histórica e psicológica - não apenas
filosófica. Freud via a culpa como o fenômeno fundamental envolvido na origem da religião, enquanto
Nietzsche viu a necessidade de transcender o medo artificial, a fim de criar uma sociedade superior.
O trabalho de Freud sobre as origens da religião e de Nietzsche sobre a noção de deus(es), respectivamente
podem ser vistas como tentativas de estabelecer a origem dos sistemas da moral.
Nietzsche e Freud dependem de uma interpretação histórico -antropológica de desenvolvimento tribal -
cultural para consolidar as suas respectivas teses.
As duas obras, Totem e Tabu de Freud e A Genealogia da Moral de Nietzsche, são interpretadas em um
sentido psíquico. As origens de Freud sobre a religião convergem no complexo de Édipo, cujo arquétipo foi
descoberto através da antropologia histórica. A noç ão de Nietzsche sobre a orig em dos deuses foi atribuída
ao medo ancestral, que também descobriu por meio de antropologia histórica. Embora haja um elemento
definitivo psíquico na interpretação dos dois trabalhos, ambos os autores concebem a sociedade e a cultura
como ligadas ao passado.

FILOSOFIA BRASIL

AULA 04

CAIO PRADO JÚNIOR EO MARXISMO

Acentuadamente marxista, as análises de Caio Prado sobre a realidade brasileira levam em consideração a
tese segundo a qual a maneira como produzimos afeta a maneira como nos organizamos socia lmente,
refletindo, inclusive, em nossa maneira de apreender o mundo e de compreendê -lo. Em outros termos, a
infra-estrutura organiza a superestrutura.
No caso brasileiro, isso significa que, para compreendermos sua formação, devemos analisar como se deram
suas relações de produção. É o que precisamente faz Caio Prado em seus livros sobre a formação
econômica e social do Brasil.
Assim, o processo histórico da colonização brasileira é reflexo direto do método de produção e organização
da sociedade aí formada. A modificação dessa estrutura não aconteceu com a independência do Brasil, ao
contrário, aprofundou-se e continuou até os anos iniciais da república.
Caio Prado, na contramão das tendências cientificistas de seu tempo, rejeita como inaceitáveis as
explicações do estado cultural e econômico de um país a partir de fatores raciais ou geográficos. A essas
explicações, que julga superficiais, contrapõe a ação organizada dos homens como fator determinante da
transformação histórica de um povo.
Sua visão históri ca é a de um marxista que julga que a ação humana é o único fator a ser levado em
consideração quando olhamos a evolução de uma sociedade. Não existe destino predeterminado por
qualquer fator, seja ele ambiental ou sobrenatural. Ao contrário, nossas condiç ões históricas são
socialmente determinadas e, se quisermos influenciá -las, devemos resolver os problemas que herdamos de
gerações passadas. Para tanto, devem -se compreender as condições materiais dadas, analisando
criticamente a situação política e social , bem como os anseios do povo.
Caio Prado foi dos raros marxistas brasileiros que, para além das análises sociais, também se preocupou em
fundamentar filosoficamente as teses marxistas, desenvolvendo uma exposição do método dialético não só
do ponto de vista social como também racional.

JOSÉ GUILHERME MELQUIOR E O LIBERALISMO

Merquior foi um dos maiores expoentes do pensamento liberal no Brasil. Entretanto, sua carreira como
pensador começa não envolvendo preocupações políticas, mas sim reflexões sobre estética e vários
domínios da arte.
Quanto ao seu pensamento político, foi um dos mais ácidos críticos da ideologização da inteligência
brasileira, defendendo, a todo custo, o dever do intelectual de ser claro, objetivo e tolerante no seu
pensamento e na defesa de suas idéias
Suas idéias são claras: quer combater o espírito de intolerância, antes apanágio dos conservadores, hoje
companheiro da esquerda. Para ele, a intolerância não só é antecâmara da violência física, mas também
turva a percepção das pessoas que se lhe submetem.
Para Merquior, o liberalismo era princípio não só de organização de mundo, mas também orientador
epistemológico, única garantia da democracia na esfera política e no pensamento.
Mas enganam-se aqueles que pensam que Merquior defendia uma sociedade plenamente liberal, sem
nenhuma intervenção estatal na sociedade ou na economia. Defendeu a concepção liberal que denominou
de social-liberalismo, em contraposição ao ideário socialista por ele visto como intervencionista e
antidemocrático:
Sua concepção de sociedade era a de que os indivíduos devem ser deixados livres para se organizarem,
produzirem e pensarem, cabendo intervenções externas apenas para se regular o acesso democrático a que
todos têm direito e aos bens primários de nossa vida .
O princípio básico de uma sociedade liberal seria, segundo Merquior, o do estado de direito. Assim, o
liberalismo apóia-se sobre o alicerce legal, onde as regras são constitucionalmente estabelecidas e devem
ser por todos respeitadas. As regras devem, pr imordialmente, demarcar as esferas de atuação do estado, já
que este, por concentrar em si o monopólio do uso da violência, se deixado sozinho e sem regras, tenderá
cedo ou tarde a usurpar a vida dos cidadãos que lhes estejam vinculados.
O ´império da leiµ é, ao mesmo tempo, a grande conquista e a grande tragédia do liberalismo. Conquista
porque tudo aquilo que se faz socialmente encontra -se sobre a égide da lei. Tragédia pelo fato de que a
fonte de toda lei, sua elaboração, publicação e defesa, encontra -se nas mãos do estado, o que leva a
distorções inevitáveis, já que o direito permanece refém do arbítrio de uma esfera que tende a sufocar a
sociedade e o indivíduo em suas atuações.
Merquior postulava o social-liberalismo como única maneira de organizar as sociedades contemporâneas,
em que valores tais como liberdade, tolerância e prosperidade econômica pudessem ser equacionados, sem
que uma ruptura de qualquer ordem se instalasse no interior da sociedade:
Se seu posicionamento frente ao pensamento político privilegiava o reinado da lei sobre o arbitrário do
indivíduo e do estado, isso pode ser generalizado para todo o seu pensamento.
Se o social-liberalismo era a barreira segura contra o dogmatismo ideológico marxista, Merquior defendia
outras barreiras a outros tantos dogmatismos filosóficos. É o que ele nos diz quando analisa o criticismo
kantiano:
O legado de Kant cabe numa fórmula: rigor no conhecimento e na conduta. Desde que, há duzentos anos,
saiu sua Crítica da Razão Pura, os golpes de estado metafísi cos nunca mais recuperaram plena
legitimidade. A filosofia crítica invalidou para sempre a possibilidade de ´sonos dogmáticosµ ininterruptos,
sem insônias causadas pela preocupação com o teor lógico -empírico do que se diga do mundo e do próprio
pensamento. Heine, tentando converter o romantismo liberal em herdeiro do criticismo, esse florão da
época das Luzes, considerou Kant maior que Robespierre, porque Robespierre guilhotinara o rei, enquanto
Kant ² ao cassar os privilégios especulativos da metafísica ² havia ´decapitadoµ Deus
(MERQUIOR, 1981).
Os ´sonos dogmáticosµ aos quais Merquior se refere são todas as filosofias de base metafísica que tentam,
de algum modo, retirar as essências eternas das coisas com sua reflexão filosófica. Isso cabe tanto para
pensadores clássicos como para os ideólogos nossos contemporâneos que, se ateus, não são menos
dogmáticos.

Aula 05 ² Filosofia Analítica no Brasil

Newton da Costa e a Filosofia da Lógica

A chamada Lógica Clássica começou a ser tratada com métodos matemátic os no século XIX, a partir de
pesquisas como as do matemático alemão Gottlob Frege (1848 -1925) e, no século XX, com figuras centrais
como a do lógico e matemático polonês Alfred Tarski (1902 -1983), dentre inúmeros outros. A Lógica
Clássica e seu desenvolvi mento a partir desses autores levaram aos seguintes desdobramentos, segundo Da
Costa: A lógica clássica trata, essencialmente, do cálculo de predicados de primeira ordem usual, dito hoje
clássico, com ou sem igualdade, e de alguns de seus subsistemas; trat a, também, de suas extensões a uma
teoria de conjuntos ou a uma lógica de ordem superior. No entanto, especialmente neste século, surgiram
novas lógicas, como v.g., as lógicas intuicionista polivalente e paraconsistente. Em síntese já possuímos
sistemas de categorias e lógicas neles fundados que diferem da postura clássica. Tais lógicas chamam -se
heterodoxas ou não-clássicas. Acreditamos que o nascimento e a proliferação das lógicas heterodoxas
constitui uma das maiores revoluções de nosso tempo. Talvez ela seja semelhante à revolução provocada
pelo surgimento das geometrias não -euclidianas (COSTA, 1993, p. 13). No âmbito da Lógica Clássica, o
princípio da não-contradição era dogma irremovível, esse princípio pode ser enunciado da seguinte
maneira: A = A e é impossível que ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto seja não -A. Nos anos 50 do
século XX, Newton da Costa começou a desenvolver sistemas lógicos nos quais o princípio da não -
contradição estivesse, de algum modo, restrito, a fim de que pudessem aparecer co ntradições, mas tendo-
se o cuidado de se evitar que de duas premissas contraditórias se possa deduzir uma fórmula qualquer.
Em seus estudos posteriores, Da Costa mostrou que os lógicos não precisavam recear as contradições, pois
descobriu como ampliar a Ló gica Clássica de maneira a obter um sistema formal, no qual a existência de
proposições contraditórias não conduz à invalidação do sistema. Chamou sua lógica de paraconsistente, já
que seus sistemas eram inconsistentes (do ponto de vista clássico, pois con tinham contradições), mas não
inválidos. Newton da Costa não invalidou a Lógica Clássica, nem demonstrou sua inexatidão ou erro, mas
quis provar que ela não se aplica à totalidade do real e sim a um domínio bem delimitado de nossa relação
com ele.

Leônidas Hegenberg

Pensamento
Com Hegenberg, entramos no pensamento contemporâneo e suas raízes analíticas. Apaixonado por ciência,
Hegenberg foi grande divulgador não só da ciência e de sua história, mas da Filosofia da Ciência,
notadamente dos escritos de Popper, de quem foi tradutor de variados livros. Sua contribuição para a
Filosofia da Ciência encontra-se na análise dos métodos por ela ut ilizados. Com efeito, Hegenberg pensa
que para compreendermos a ciência devemos levar em consideração elementos tais como a sua
metodologia, a natureza de seus símbolos e sua estrutura lógica. Por método, Hegenberg entende o estudo
da Lógica e da Epistemologia tradicionais, da delimitação e do significado de seus conceitos. Sendo a
ciência um sistema simbólico altamente complexo, o estudo de seus símbolos operativos faz parte da
elucidação de uma semântica científica. Na análise da estrutura lógica do pensa mento científico,
Hegenberg elenca a elucidação dos pressupostos e axiomas fundamentais da ciência, na tentativa de
analisar os fundamentos racionais nos quais eles se assentam. Faz então a análise das crenças justificadas e
até mesmo das questões metafísi cas subjacentes ao pensamento científico. Tendo isso como escopo, a
ambição é a de estabelecer a validade do raciocínio científico, bem como delimitar o campo de atuação
das várias ciências, de suas possíveis inter -relações e, por fim, indicar a relevância para a elaboração de
teorias acerca do homem e do mundo que nos cerca. No que tange à lógica, Hegenberg pensa que a tarefa
do lógico seria a da classificação das argumentações, de modo que saiba separar as boas das más, as
corretas das incorretas. Para is so, não se importa com o processo de obtenção das conclusões do
pensamento, mas o produto final que analisará. Desse modo, a lógica passa a ser compreendida como o
estudo da inferência, considerada do ponto de vista de sua validade. Em um de seus últimos l ivros, Saber
de e saber que, Hegenberg analisa diferentes tipos de saber. Começa estabelecendo uma tipologia entre a)
o saber de, b) o saber como, e c) o saber que. O saber de é o saber sobre os objetos, que é o saber de
alguma coisa, podendo ir de um bura co no meio da rua ao conhecimento de astronomia, por exemplo.
Quanto mais vasto o campo explorado, tanto maior o saber de.
O saber como é o obtido em função de uma tarefa a executar. Neste campo encontra -se desde o como
construir uma casa ou cozinhar um le gume, a como curar uma doença grave. Aqui vicejam as teorias, já
que ninguém resolve questões de ordem prática sem antes especular minimamente sobre a natureza do
real. O saber que é a resultante da novidade, da ampliação dos saberes provenientes da acumul ação dos
saberes anteriores. Quando obtemos algum conhecimento novo, logo o enquadramos dentro de um
referencial de significação que, em seguida, utilizamos para significar o mundo. A contribuição de
Hegenberg para a divulgação e o debate em torno de quest ões de Filosofia da Ciência e Epistemologia
contemporânea tem sido constante e relevante.

Aulas 06 ² Múltiplas Pespectivas

Vilém Flusser: entre Existencialismo e Fenomenologia

Pensamento
Pensador inquieto e inclassificável, Flusser transitava com desenv oltura por várias áreas e escolas do
pensamento filosófico. Existencialismo e fenomenologia são as duas maiores referências escolares de sua
obra. Excogitou sobre Filosofia da Ciência, Epistemologia, e Filosofia da Arte. Tão grande abrangência de
temas e escolas nos dificulta todo e qualquer enquadramento definitivo de seu pensamento. O que
podemos dizer é que Flusser foi um incansável investigador da condição humana. Percebemos no início do
seu filosofar a tentativa de superar a crise cultural do ocidente por ele denominada de doença de nossa
cultura, que se apresentava de maneira inequívoca no problema epistemológico da relação entre a
natureza e a mente humana. Suas primeiras conclusões são no sentido de que a realidade que nos cerca
não é natural, mas tampouco é cultural; é, isto sim, a tensão dialética entre esses dois pólos. A interação
entre a cultura e a natureza levou Flusser a pensar sobre essa relação através da Filosofia da Linguagem,
para tanto estudou profundamente o pensamento de autores tão dí spares como Husserl, Heidegger,
Wittgenstein, Schopenhauer e Albert Camus. A conclusão a que chegou é a de que a língua é um sistema
conceitual intermediário de nossa relação com a realidade, desse modo não acedemos nunca de maneira
direta ao real, mas ess e processo se dá através da língua. Para comprovar sua tese elaborou um método
original que consistia em redigir um texto em vários idiomas diferentes que dominava, traduzindo ele
mesmo de um idioma a outro. Esse método possibilitou a Flusser perceber que, sobre um mesmo tema, é
possível um mesmo autor chegar a pontos de vistas diferenciados quando o abordam a partir de diferentes
referenciais lingüísticos. Com efeito, não poderíamos traduzir o mundo da mesma forma em português e
em alemão. O processo que chamaremos aqui de auto -tradução levou Flusser a perceber que a língua é
processo não só de intermediação, mas de criação de potencialidades do mundo e que torna o processo de
crítica ao próprio pensamento algo extremamente fácil ao autor. Em 1965, publica A história do diabo, em
que faz uma abordagem nada usual, argumentando que a dualidade Deus/diabo na cultura ocidental
deveria ser repensada. Nesse ensaio provocador, Flusser identifica o diabo ao tempo, ao contingente, ao
devir ² e não ao mal ² e Deus ao eterno, ao transcendente. Nesta perspectiva, Deus torna - se a alteridade e
a subversão, e não o diabo, já que é
Deus que subverte a estrutura do mundo, criando uma outra realidade completamente diferente da nossa.
Mas a grande contribuição de Flusser foi, sem sombra de dúvidas, seu pensamento sobre a estética
contemporânea. Ele foi pioneiro em analisar a relação da arte com as tecnologias nascentes. Tentou
mostrar a conjunção de fatores científicos e políticos que desemboca nas artes atuais. Da mesma forma
que a língua é intermediadora e criadora de significações, a interação entre artes e tecnologias de massa
poderia fazer o mesmo através de uma criação contínua e incessante de novos objetos e significações até
então insuspeitos. Com efeito, seu livro Filos ofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da
fotografia, escrito originalmente em alemão, foi uma contribuição original sobre a interação entre arte,
filosofia e tecnologia que tanto o fascinava. Depois de sua trágica morte, o pensamento de Vi lém Flusser
tem sido alvo de constantes estudos, principalmente na Europa.

Henrique Cláudio de Lima Vaz: entre Hegel e Tomás de Aquino

De seu aprofundamento no pensamento filosófico apaixonou -se pela fenomenologia, principalmente por
Husserl e Heidegger, tendo escrito seu primeiro artigo, jamais publicado, sobre a interpretação da
intencionalidade no pensamento de Aquino e em Husserl. Com a leitura de livros de autores neopositivistas
os problemas suscitados pela ciência contemporânea passaram a fazer par te do horizonte filosófico de Lima
Vaz. Em 1946 parte para Roma para doutorar -se em teologia no Instituto Gregoriano dos Jesuítas. Lá tem
acesso tanto à sólida tradição neotomista, como também às novidades existencialistas e a textos ainda não
divulgados de autores pouco ortodoxos como Teilhard de Chardin. Travou conhecimento com o pensamento
personalista de Emmanuel Mounier, que lhe abrirá a leitura dos problemas políticos e sociais
contemporâneos não mais em chaves escolásticas, mas em uma tentativa clara e franca de compreensão da
modernidade a partir de seus próprios parâmetros, sem, contudo cair na crítica radical da sociedade como
era feita pelos marxistas. Será em Mounier e em seu personalismo que Lima Vaz se apoiará em sua crítica
ao pensamento social marxista. É em Roma, ainda, que trava contato decisivo com o movimento da
Nouvellle Théologie que era animado por figuras teológicas de proa como a do jesuíta Henri de Lubac, que
tentará renovar a teologia no século XX, tentando libertá -la dos estreitos moldes que a neo-escolástica lhe
havia imposto.
Em 1953 volta ao Brasil e passa a ensinar no seminário em que outrora fora aluno, onde permaneceu por
dez anos. Nesses anos de magistério Lima Vaz aprofunda -se cada vez mais no estudo do pensamento
clássico o resultado é o artigo O itinerário da ontologia clássica, publicado na revista Verbum de 1954 e
reproduzida no livro Escritos de Filosofia VI: ontologia e história. A partir de 1955 começa o estudo mais
aprofundado da filosofia moderna. Começa por Descarte s, Espinosa e Kant, para terminar em Hegel. Nos
anos sessenta trava conhecimento com o pensamento marxista que a seus olhos jamais passou de uma
subdivisão equivocada do hegelianismo.

Pensamento
O pensamento de Lima Vaz só poderá ser compreendido se levar mos em consideração as intricadas relações
entre o cristianismo e o mundo moderno. Esse era seu maior foco, a linha de convergência de todas as suas
cogitações. O nucleio de seu pensamento encontra -se nas possíveis interações entre a Teologia e Filosofia
clássicas, o racionalismo moderno, que nasce concomitantemente com a revolução científica, o surgimento
da consciência histórica e da práxis social e política. Lima Vaz pensa ter encontrado em Hegel a possível
ponte entre esses dois universos, que teimam em se estranhar. É em Hegel que Lima Vaz percebe a
permanência do projeto do saber absoluto, tão caro à metafísica clássica, colocado em novas bases onde
podemos vislumbrar face a face os problemas levantados pela subjetividade moderna do assumir -se
enquanto consciência histórica. Hegel, desse modo, é a ponte que podemos utilizar para transitar do
absoluto ao temporal, da ontologia clássica, cujo ápice é Tomás de Aquino, à consciência histórica tão
importante em nossa época.
O pensamento de Lima Vaz, nesse co ntexto, pretende responder às seguintes inquietações: afinal, podemos
encontrar um espaço legítimo para o pensamento cristão no seio da razão dialética, tal qual a concebe
Hegel? O cristianismo para além dos tempos passados poderá também continuar sua traj etória histórica
permanecendo como religião dos tempos modernos? O saber absoluto que desemboca em uma lógica e em
uma ciência racional deixará espaço para a transcendência cristã?
A preocupação de Lima Vaz era a de desvendar a possibilidade de articulaçõe s de uma teoria que se ligue a
uma práxis, não de qualquer teoria, não de uma visão radical da modernidade, que não deixa espaço para a
revelação cristã, mas de uma teoria que esteja profundamente vinculada a práxis e que seja orientadora do
homem no mundo atual.

Vicente Ferreira da Silva: entre Existencialismo e Mitologia

Pensamento
Ferreira da Silva encontrou em Heidegger uma resposta profunda a angustiante situação do homem atual.
Para Ferreira da Silva, o homem não pode ser compreendido corretamente q uando visto a partir de um
enfoque determinista, mas sim a partir de uma abertura ao ser. Vítima de nosso provincianismo, de nossa
insularidade, o homem contemporâneo procura através do expediente da má -fé e da falsificação de sua
existência obliterar a angustiante situação na qual se encontra. A pretensa libertação dos vínculos
metafísicos cria no homem a ilusão de uma saída da alienação e de uma volta a si que são meras
falsificações, são meros sucedâneos de liberdade, não a liberdade autêntica. Fixando a nossa morada no
estrito limite de nossas fronteiras materiais nossa alma perde as asas que possibilitam a saída dessa
fronteira. Mas qual a saída? Para Ferreira da Silva, ela se encontra na abertura incondicional do homem ao
ser e no reconhecimento de que o ser não é algo que depende de nós, que não solicita nosso engajamento
para existir, que não depende de nossas estruturas cognoscitivas para existir e existir de maneira perfeita.
Abrir-se ao ser significa, pois, sacrificar -se, abrir-se não à nossa vontade de mudar o mundo, mas de aceitá -
lo em sua constituição. Fora do ser o que encontramos são apenas sombras, imitações, inautenticidades.
Com a psicologia analítica (Jung), Ferreira da Silva percebe que a fundamentação do mundo é pressentida
de modo que nossa razão discursiva não consegue captar. Assim, existe uma intuição fundadora do real,
percebemos o real em seu ser de maneira poética. É somente através do mito que podemos perceber a
manifestação do sagrado fundante do real. Assim, os homens e os demais seres intramundanos são
receptores de formas do ser outorgadas pelo ser. O homem não cria seu domínio espiritual, recebe -o da
própria fonte de todo ser. O homem não cria sua cultura, recebe seu impulso criador de cima e é na luz da
fonte primacial do ser que desocultamos os seres. O ser do homem não se compreende no nível da
consciência discursiva; não foi, não é, e não será nunca fruto de um projeto técnico ou utilitarista, mas
influxo recebido de uma origem instauradora que se expressa humanamente em nos so ser e em nosso agir.
A busca pelo auto-conhecimento a partir da abertura humana ao ser nos faz sentir a ânsia de um encontro
com o numinoso, com o transcendente. Transcendência esta sem a qual o mundo não faz sentido. Filosofo
da existência, Ferreira da Silva o é em todas as suas dimensões. Nada do que era humano lhe era estranho.
Procurou responder as inquietações de nosso tempo com respostas eternas.

Álvaro Vieira Pinto: entre Técnica e Alienação

Pensamento
Álvaro Vieira Pinto foi o filósofo brasileiro que mais se preocupou em analisar com profundidade a
realidade nacional. Os seus escritos denotam uma preocupação constante em compreender a consciência
brasileira e sua realidade social e política.
Tentou elaborar um pensamento que pudesse orientar o desenvolvimento da sociedade brasileira a partir
de suas peculiaridades, ambicionando criar uma alternativa viável ao modelo norte -americano de
desenvolvimento. Sonhava com uma sociedade na qual o bem comum tivesse preponderância sobre as
ambições privadas. Para tanto empreendeu um ambicioso estudo sobre a técnica do ponto de vista
filosófico. O problema da técnica era, segundo Vieira Pinto, central para compreendermos o homem
contemporâneo. Ao estudarmos esse problema deveríamos evitar duas atitudes extremadas. A primeira
consistiria na diabolização da técnica que a transformaria em algo de intrinsecamente perverso e
alienante. A segunda seria a da ilusão tecnológica que vê na técnica a totalidade do humano, o que no
fundo não passa de um artifício i deológico de aprisionamento do homem em uma pretensa era de ouro que
a tudo resolverá. Se esses extremos deveriam ser evitados, o caminho do meio que nos sobra é o de
compreender a técnica a partir da natureza do próprio homem. Com efeito, para Vieira Pint o, o homem é o
ser que projeta, que age e que agindo, evolui. A técnica é, assim, vista como algo de inerente ao próprio
processo de desenvolvimento natural do homem. O papel da técnica não é o de resolver todos os problemas
humanos ou o de alienar o homem de si mesmo, ao contrário, a técnica tem por finalidade não só a
consecução de produtos, mas também a de relações humanas que sejam mais ricas e fraternas. A técnica
pode sim devolver o homem a si mesmo, já que produzindo, nos realizamos, projetando nos r elacionamos
com a natureza, conosco e com o próximo.
A técnica é mediadora. Mediadora entre o homem e o mundo natural. Mediadora do homem para consigo.
Por fim, mediadora do homem para com o homem, a partir das relações sociais que criamos e a partir de
como as produzimos. Se o homem produz obras, artefatos e máquinas, produz também as relações sociais
que legitimam essa produção. Produzindo através da técnica o homem desvela que é autor de seu próprio
destino. A pretensa era tecnológica na qual vivemos é u ma falsificação ideológica. Toda época é uma época
tecnológica, que produz de acordo com a técnica que lhe é possível e adequada ao seu momento histórico.

LÓGICA

Quantificador universal: A
Quantificador exixtencial: E
Conjunção: &
Disjunção: V
Negação: ~
condicional: ->
Bicondicional: <->

Aula 05
Quando um argumento é válido? Quando, sendo as premissas verdadeiras, a conclusão também é
verdadeira.
Em outras palavras, se não for possível negar a conclusão e, ao mesmo tempo, afirmar as premissas, o
argumento é válido.
Para construir uma árvore, colocamos as premissas e a negação da conclusão, uma abaixo da outra. Se
todas essas proposições não puderem ser verdadeiras ao mesmo tempo, o argumento será válido. Se elas
puderem ser todas verdadeiras, o argumen to será inválido.

Método de redução ao absurdo


Cláudia, o método de redução ao absurdo é isso mesmo. Se temos que verificar um suposto teorema na
lógica de predicados, negamos a proposição toda. Se isso resultar em contradição, então a proposição é
verdadeira, percebe? Acontece que, na árvore, negamos uma proposição e em seguida, seguindo certas
regras, procuramos pelas contradições nos ramos das árvores. Se houver contradições em todas as hastes,
isso significa que a negação da proposição é contraditória . Portanto, a proposição não pode ser negada sem
contradição. As árvores semânticas, portanto, são uma aplicação do método de redução ao absurdo, afinal,
consitem em negar uma proposição para ver o resultado. Se estivermos lidando com argumentos,
afirmamos as premissas e negamos a conclusão. Quando um argumento é válido? quando não é possível que
as suas premissas sejam verdadeiras e a conclusão seja falsa, certo? Assim, ao afirmarmos as premissas e
negarmos a conclusão, se encontrarmos contradições em toda s as hastes, o argumento tem que ser válido.
Essas contradições mostram que não é posível as premissas serem verdadeiras e a conclusão ser falsa.
A negação da fórmula é fundamental, pois o método das árvores consiste em provar por absurdo. A
primeira cois a a fazer é assumir por hipótese que a conclusão do argumento seja falsa. Então, nós fazermos
a árvore e, se houver em todos os ramos uma fórmula e sua contraditória, o argumento será válido.

Árvores

Uma árvore é um gráfico que possui um, e apenas um ponto inicial e, de cada ponto subsequente, diz -se
que ele tem um, e apenas um ponto antecessor.
Cada ponto da árvore pode ter infinitos sucessores, quanto a isso não há problema. Porém, ele deve ter
apenas um antecessor, exceto o ponto inicial, que não tem antecessores.
As árvores possuem hastes. Essas hastes podem ser finitas ou infinitas. Encontramos uma haste quando
partimos do ponto inicial e percorremos um dos seus sucessores, em seguida, um sucessor deste, e assim
em diante.
Observe que a haste esquerda dessa árvore contém ¶p· e ¶¬p·, ou seja, uma fórmula e a sua negação.
Quando isso ocorre diz-se que a haste está fechada. Em termos gerais, numa árvore de fórmulas, uma haste
está fechada se, e somente se, nessa haste ocorrem como pontos uma fórmula e a sua negação. Caso
contrário, a haste está aberta. Usa -se um asterisco para indicar que uma haste está fechada.

Em termos gerais, uma árvore de fórmulas está fechada se, e somente se, todas as suas hast es estão
fechadas. Caso contrário, a árvore está aberta.

Regras para Construir Árvores

Dupla negação (linear)


Quando houver uma dupla negação, isto é, uma fórmula ~~A, estenda uma haste aberta na qual a fórmula
ocorra com uma linha e escreva A.

Conjunção (linear)
Para uma fórmula do tipo A & B, estenda uma haste aberta na qual a fórmula ocorra com as fórmulas A e B.
A fórmula fica assim porque uma conjunção é verdadeira quando as duas fórmulas que a compõem são
verdadeiras. Por isso, colocamos ambas na m esma haste.

Negação da conjunção (bifurcada)


Para uma fórmula do tipo ~ (A & B), bifurque uma haste aberta na qual a fórmula ocorra. Em uma ponta,
escreva ~A, na outra ponta, ~B

Disjunção (bifurcada)
Para uma fórmula do tipo A V B, bifurque uma haste abe rta na qual ela ocorra. Escreva A em uma ponta e B
na outra.
Por que nós bifurcamos? Porque, para a disjunção ser verdadeira, uma de suas fórmulas deve ser
verdadeira. Se A ou B forem verdadeiras, a disjunção também será. Isso provoca a bifurcação da árvor e.

Negação da disjunção (linear)


Para uma fórmula do tipo ~ (A V B), estenda uma haste aberta na qual ela ocorra e escreva ~ A e, na linha
abaixo, ~ B.
Isso porque a negação da disjunção é verdadeira quando ambas as fórmulas que a compõem forem falsas.

Condicional (bifurcada)
Para uma fórmula do tipo A -> B, bifurque uma haste aberta na qual ela ocorra. Em uma ponta, escreva ~A
e, na outra, B.
A árvore do condicional fica assim porque o condicional é verdadeiro quando o antecedente A for falso ou
quando o consequente B for verdadeiro.

Negação do condicional (linear)


Para uma fórmula do tipo ~ (A -> B), estenda uma única haste aberta. Escreva A em uma linha e, na linha
de baixo, ~ B.
A negação do condicional fica assim porque o condicional é falso quando seu antecedente é verdadeiro e,
ao mesmo tempo, o consequente é falso.

Bicondicional (bifurcado e linear)


Para resolver uma fórmula do tipo A < -> B, bifurque uma haste aberta na qual ela ocorra. Em uma ponta,
escreva A e, abaixo de A, na mesma haste, B. N a outra ponta, escreva ~A e, abaixo, ~B
Ela fica assim porque o bicondicional é verdadeiro quando ambas são verdadeiras ou quando ambas são
falsas.

Negação do bicondicional (bifurcado e linear)


Para uma fórmula do tipo ~ (A < -> B), bifurque uma haste na qual ela ocorra. Em uma ponta escreva A e,
abaixo, ~ B. Na outra ponta, escreva ~ A e, abaixo, B.

As fórmulas que são escritas linearmente na haste são chamadas fórmulas de tipo alfa. As fórmulas alfa são
aquelas cuja verdade pressupõe que duas outras fórm ulas também sejam verdadeiras.
As fórmulas que são escritas após uma bifurcação de uma haste são chamadas fórmulas de tipo beta. Para
que uma fórmula de tipo beta seja verdadeira, ao menos uma dentre duas outras tem de ser verdadeira.
< A fórmula do bicondicional é especial, pois quando ocorre um bicondicional ou a negação de um
bicondicional, nós bifurcamos as árvores e depois a estendemos de maneira linear. Então, nós a
denominamos de regra beta especial.

AULA 06- LQ

Na nossa linguagem, vamos usar as s eguintes letras minúsculas (de ¶a· a ¶t·) para representar nomes:
a, b, c, ..., h, i, j,..., s, t, a1, b1, c1,..., a2, b2, c2, ... ,an, bn, cn,...
Apenas as letras minúsculas ¶u·, ¶v·, ¶x·, ¶y· e ¶z· do nosso alfabeto não podem ser usadas para representar
nomes
Os nomes são chamados constantes individuais, já que eles se referem a um indivíduo específico.

Agora, para afirmar a propriedade de Bob de ser um cão fiel, nós usamos predicados. Nesse caso, o
predicado seria: ¶... é um cão fiel·.

a.... é um número natural.


b.... gosta de pêra.
c.... é mais baixo que ....
d.... ama...
e.... fica entre ... e ...

Para formar uma sentença nos exemplo (a) e (b), precisamos de apenas um nome. Por isso, o predicado é
chamado monádico. Os predicados apresentados nos exemplos (c) e (d) têm dois espaços em branco, isto é,
precisamos colocar dois nomes para completar uma sentença. Por isso, eles são chamados de predicados de
aridade-2, ou diádicos. O predicado (e) pede três nomes, ele é um predicado de aridade -3. Podemos ter
inúmeras ordens de aridades, o que significa a quantidade de nomes que deveriam ser colocados para
completar uma sentença. Sendo ¶n· a quantidade de espaços que devem ser preenchidos em um predicado,
dizemos que os predicados têm aridade -n.
Convencionamos que os predicados serão representados pelas letras maiúsculas de ¶A· a ¶T· do nosso
alfabeto,

Para formar uma proposição simples composta de um nome e um predicado como ¶Bob é um cão fiel·,
colocamos primeiro a letra maiúscula que represent a o predicado. Em seguida, colocamos a letra minúscula
que representa o nome. Vamos atribuir ao nome ¶Bob· a letra ¶b· e, ao predicado ¶é um cão fiel·, a letra F.
A proposição formalizada fica:

Fb

Veja o exemplo de algumas proposições:


Cinco é um número natural: Nc (Cinco: c; ... é um número natural: N)
Lampião ama Maria Bonita: Rab (Lampião: a; Maria Bonita: b; ... ama ...: R)
Setembro está entre agosto e outubro: Pabc (Setembro: a; agosto: b; outubro: c; ... está entre ... e...:
P)

Veja abaixo a tradução da linguagem natural para LQ de algumas sentenças contendo as expressões acima:
1.Bernardo ama Alessandra: Lba
2.Alessandra ama Bernardo: Lab
3.Bernardo e Alessandra se amam: Lba & Lab
4.Bernardo se ama: Lbb
5.Bernardo e Alessandra amam a si mesmos: Lbb & Laa
6.O amor de Bernardo por Alessandra não é correspondido: Lba & ~Lab
7.Se Alessandra ama Bernardo, Bernardo não ama Alessandra: Lab -> ~Lba

Da mesma forma, quando dizemos que ao menos sete crianças passaram por aqui, não estamos falando de
nenhuma criança em particular. Estamos dizendo que sete crianças quaisquer dentre o conjunto das
crianças passaram. Por isso, não podemos usar constantes individuais para nos referir a essas crianças.
Precisamos de um novo termo. Esse termo é chamado variá vel. As variáveis são representadas pelas letras
minúsculas ¶u·, ¶v·, ¶x·, ¶y· e ¶z·. São variáveis da nossa linguagem:
Por exemplo, se quisermos formalizar a proposição ¶algo é redondo· escrevemos ExRx, onde ¶Rx· simboliza
o predicado ¶x é redondo·. Estam os dizendo, em outras palavras, que existe ao menos um objeto x que é
redondo.

Outro exemplo: quando dizemos que algum planeta tem vida, estamos dizendo, em outras palavras, que
existe ao menos um x tal que x é planeta e x tem vida. Vamos escrever por par tes:

Existe ao menos um x tal que: Ex


x é um planeta: Px
x tem vida: Vx

Existe ao menos um x tal que x é um planeta e x tem vida: Ex (Px & Vx)
O outro tipo de quantificador é o quantificador universal. Corresponde às expressões ¶para todo·, ¶todo·,
¶tudo·, ¶qualquer que seja·, ¶cada· e outras expressões da nossa linguagem que se refiram a todos os
membros de um determinado conjunto. Se quisermos formalizar a sentença ¶tudo muda·, escrevermos:
AxMx, onde ¶Mx· simboliza o predicado ¶x muda·.

traduções de LQ para o português.

Dicionário
Aristoteles : a
Descartes: d
Francês: f
Grego:g
... é filósofo: F
... gosta de ...: G
... sabe ...: S

a)Sag: Aristóteles sabe grego.


(b) Sdf: Descartes sabe francês.
(c) Sdf V Sdg: Descartes sabe francês ou grego.
(d) Sag -> (Ex)(Fx & Sxg): Se Aristóteles sabe grego, então algum filósofo sabe grego
(e) ~Sdg -> (Ex)(Fx & ~Sxg): Se Descartes não sabe grego, então algum filósofo não
sabe grego
(f) (Ax)(Fx -> Sg) Todo filósofo sabe grego.
(g) (Ax)(Fx -> ~Sf) Nem todo filósofo sabe francês.
(h) (Ax)(Fx -> ~(Sg & Sf)): Nenhum filósofo sabe grego e francês
(i) Ex (Fx & Gd): Pelo menos um filósofo gosta de Descartes
(j) Ex (Fx & ~(Ga v Gd)): Pelo menos um filósofo não gosta de Aristóteles ou de
Descartes.
(k) (Ax)(Fx -> Sg) & (Ex) (Fx & ~Ga): Todo filósofo sabe grego e pelo menos um deles
não gosta de Aristóteles.

Escopo
Em nossa linguagem, as variáveis (¶x·, ¶y·, ¶z·,...) são utilizadas apenas nas fórmulas quantificadas.
Portanto, embora ¶Ma· seja fórmula bem formada, ¶Mx · não é. Já ¶AxMx· é fórmula, pois a variável aparece
em uma fórmula quantificada. O escopo de um quantificador é constituído pela fórmula à qual ele se
aplica.
Por exemplo, considere ¶F· como sendo um predicado monádico qualquer e ¶R· outro predicado qual quer de
aridade-2. Então, podemos combinar os predicados com nomes e fazer fórmulas bem formadas, por
exemplo, ¶(Fa & Rab)·. Agora, se desejássemos formar uma fórmula quantificada, substituiríamos uma das
constantes de nome por uma variável. Por exemplo: p odemos substituir ¶a· por ¶x·. Ficaríamos com a
seguinte expressão: ¶(Fx & Rxb)· que não é uma fórmula bem formada, pois a variável aparece sem que
esteja quantificada. Agora, apliquemos a ela um quantificador, por exemplo, o quantificador universal. A
fórmula ficaria assim: ¶Ax (Fx & Rxb)·, e teríamos, então, uma fórmula bem formada. Nesse caso, escopo
do quantificador é a fórmula ¶(Fx & Rxb)·.
Introdução: os Quantificadores

A lógica proposicional que estudamos até aqui nos permite, de uma maneira simplificada, formalizar
diversos termos da linguagem natural e, assim, lidar com uma série de argumentos e proposições,
verificando sua validade (no caso dos argumentos) ou suas propriedades semânticas (no caso das
proposições).
Na lógica aristotélica, a qual você foi iniciado em Lógica 1, os silogismos eram formados por proposições
quantificadas, isto é, proposições que continham os termos ¶todo· e ¶algum·. Esse tipo de proposição não
pode ser formalizada com o vocabulário da lógica proposicional , pois, na lógica proposicional, não temos
termos que capturem o sentido das expressões quantificadas. Essa é uma das razões pelas quais você vai
aprender a linguagem da lógica de predicados de primeira ordem.

AULA 07- TRADUÇÃO


traduzir a proposição ¶Algum filósofo é curioso·. Para facilitar, antes de traduzir essa proposição, vamos
traduzir a proposição ¶Sócrates é um filósofo curioso·. Considere ¶F· como o predicado para ¶x é um
filósofo· e ¶C· para ¶x é curioso·. Ao nome ¶Sócrates· vamos atribuir a letr a ¶s·. A tradução de ¶Sócrates é
um filósofo curioso· fica:
Fs & Cs
(Leia-se: Sócrates é filósofo e Sócrates é curioso).
Então, como fica ¶Algum filósofo é curioso·? Ficaria assim:
Ex (Fx & Cx)
(Leia-se: Existe ao menos um x tal que x é filósofo e x é curi oso).
Nossa proposição será ¶Algum filósofo não é curioso·. Nesse caso, queremos dizer que há algo que é filósofo
e não é curioso. Tomando os mesmos símbolos que nós já estávamos utilizando, a formalização fica assim:
Ex (Fx & ~Cx)
(Leia-se: Existe ao menos um x tal que x é filósofo e x não é curioso).
vejamos como se traduz ¶Todo filósofo é curioso·. Essa sentença pode ser parafraseada da seguinte
maneira: Para qualquer coisa, se essa coisa é um filósofo, então também é curioso.

Ax (Fx -> Cx)


(Leia-se: Para todo x, se x é filósofo, então x é curioso).
SNenhum filósofo é curioso· e utilizemos a mesma simbolização que já estamos utilizando. A formalização
fica assim:
Ax (Fx -> ~Cx)
(Leia-se: Para todo x, se x é filósofo, então x não é curioso).
Como podemos traduzir a proposição ¶Todos os filósofos são curiosos, mas alguns filósofos não têm
iniciativa·? Utilizemos os simbolismos que já vínhamos utilizando e acrescentemos a letra ¶I· para ¶x tem
iniciativa·. Fica assim:
Ax (Fx -> Cx)) & (Ex (Fx & ~Ix))
(Leia-se: Para todo x, se x é filósofo, então x é curioso e existe ao menos um x tal que x é filósofo e x não
tem iniciativa).
E como traduzimos ¶Todos os diplomatas falam inglês ou francês·? Utilizemos ¶D· para ¶x é diplomata·, ¶I·
para ¶x fala inglês· e ¶F· para ¶x fala francês·. A tradução fica assim:
Ax (Dx -> (Ix V Fx))
(Leia-se: Para todo x, se x é diplomata, então x fala inglês ou fala francês).

Qual o recurso de LQ para formalizar as sentenças categóricas?


Precisamos atribuir propriedades lid ando com os nomes e predicados existentes nas sentenças categóricas.
mencionar também os recursos de quantificação universal e existencial.

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