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ISSN 1518-1227 Nº 6 OUT-DEZ – 2001

B O L E T I M D E A N Á L I S E D O E S TA D O D A A RT E E M R E L A Ç Õ E S I N T E R N A C I O N A I S
SUMARIO

Carta do Editor Carta do Editor


A nova dimensão das A presente edição do boletim Via Mundi proporciona ao seu público
necessidades de proteção panorama variado do quadro internacional atual, ao abordar estudos ligados
do ser humano
a temas tão candentes como direitos humanos e cooperação entre blocos
Danilo Rocha Limoeiro
comerciais. Em relação ao cenário político e seus desdobramentos, há a análise
Aspectos institucionais do de Gray e Pecequilo e, em período mais longo, as obras de Kissinger e Peyrefitte.
Tribunal Penal Internacional Para finalizar, as abordagens de política externa do Brasil e da Argentina.
Maria Beatriz Bonna Com vistas a um dos temas mais marcantes da atualidade das relações
Nogueira
internacionais, há a publicação do Presidente da Corte Interamericana de
Direitos Humanos, Antônio Augusto Cançado Trindade, e do Chefe do
Os Equívocos do
Capitalismo Global Escritório do Alto Comissariado da ONU para Refugiados na Costa Rica, Jaime
Gustavo Henrique Ruiz de Santiago, La nueva dimensión de las necesidades de protección del ser humano
Cocentino Ramos en el inicio del siglo XXI, que abarca os principais desafios da área de direitos
humanos para o século que se inicia, além de proporcionar ao estudioso uma
A política exterior dos
perspectiva histórica e legal, inclusive com sentenças da referida Corte.
Estados Unidos
Virgílio Caixeta Arraes
Em Tribunal penal internacional: aspectos institucionais, jurisdição e princípio
da complementaridade, há vasto painel sobre como as noções de soberania,
A zona de livre comércio multilateralismo e segurança internacional conjugam-se com a questão dos
entre o MERCOSUL e a direitos humanos. O livro conta com o prefácio do Presidente da Corte
União Européia
Interamericana, acima mencionado, e também professor-titular do
Bruno Ayllón
Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Brasília.
A Diplomacia de Henry O britânico John Gray, da London School of Economics, proporciona
Kissinger em sua obra – O falso amanhecer. Os equívocos do capitalismo global – uma visão
João Fábio Bertonha que admite múltiplos caminhos para o desenvolvimento de diferentes países,
não sendo o modelo atual de globalização necessariamente o único caminho
Os “milagres” na economia
possível, até mesmo em função das desigualdades sociais que engendra dentro
Virgílio Caixeta Arraes
de seu processo. Não haveria, pois, a universalidade do mercado, visto que os
A identidade internacional países desenvolvidos ainda praticam formas de protecionismo.
do Brasil e a política Cristina Pecequilo, em Os Estados Unidos: hegemonia e liderança na
externa brasileira transição, trata dos últimos anos da história norte-americana, a partir do fim
Filipe Nasser
da Guerra Fria. Nesse período, houve sérias dúvidas se os Estados Unidos,
embora vitoriosos no processo, conseguiriam manter-se como líder do processo
Argentina: Visões
Brasileiras de globalização, levando muitos politólogos a crer que a decadência seria
Delchi Forrechi Glória inexorável, o que efetivamente não aconteceu.
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Já na área de integração, há o estudo da possibilidade de integração entre o MERCOSUL – abalado, nos últimos
meses, pela intensificação da crise argentina – e a União Européia, que proporcionaria, a ambos os blocos, excelentes
oportunidades de ampliação do desenvolvimento das suas políticas comerciais, ao superar marcos geográficos outrora
impostos como limites. A análise está contida em Direito internacional da cooperação – a zona de livre comércio entre o
MERCOSUL e a União Européia.
Em termos de história da política internacional, o volumoso Diplomacia, que traça a evolução da formação do
moderno sistema de Estados, nascido na Europa do século XVII, até o final do século XX, em que houve o predomínio
dos Estados Unidos, que teve, entre seus ministros das Relações Exteriores, o próprio autor, o polêmico Henry Kissinger,
que discute também a intensidade da presença realista e idealista na formulação da política externa de seu país.
Alain Peyrefitte, uma das personagens mais presentes na vida política e intelectual francesa no século passado,
tenta compreender o êxito de alguns países, ao longo da história, por meio da etologia, ou seja, do estudo comparativo
de comportamento. Para ele, além dos fatores materiais, há o fator mental que seria o agente decisivo do desenvolvimento.
Capital e trabalho não seriam suficientes sem o etos da confiança competitiva, ou seja, a disposição para engajar-se em
projetos de modificação do meio em que se vive. Tal é o argumento desenvolvido em Os “milagres” na economia.
Relativo à política externa brasileira, o atual Ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, em Passado, presente e
futuro procura analisar a inserção do país – considerado como uma potência média – no cenário globalizado, em que há,
aparentemente, a diluição do interno e do externo, existindo, pois, a influência recíproca de um elemento sobre o
outro.
Finalmente, o presente número se conclui com resenha do livro patrocinado pela Fundação Alexandre de Gusmão,
sob organização do Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Argentina: visões brasileiras, que é uma exposição brasileira
multifacetada, à proporção que conta com a colaboração tanto da Academia como da Diplomacia, apresentando
profunda visão da história e perspectivas platinas.

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O REL-UnB
Os estudos na área de relações internacionais e política exterior do Brasil fazem parte de uma das mais fortes
tradições da Universidade de Brasília – UnB. A vizinhança dos centros decisórios de poder nacional (Poder Executivo,
Congresso Nacional, Tribunais Superiores) e a presença do corpo diplomático acreditado junto ao governo brasileiro,
permitem uma projeção privilegiada para a reflexão especializada feita na UnB – tanto que o seu Departamento de
Relações Internacionais é o mais antigo e mais importante centro especializado do Brasil e um dos mais tradicionais
da América Latina. Fundado em 1974, o REL mantém um Bacharelado e um programa de pós-graduação em
Relações Internacionais (especialização e mestrado), que já formaram mais de mil profissionais, em sua maior
parte atuando junto às agências do Governo Federal, no Ministério das Relações Exteriores, em organizações
internacionais, empresas públicas e privadas e organizações não-governamentais brasileiras e estrangeiras.

Para conhecer as atividades e detalhes dos programas de capacitação e de pesquisa do Departamento de Relações
Internacionais da Universidade de Brasília, visite a sua homepage em http://www.unb.br/ipr/rel
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A nova dimensão das necessidades de


proteção do ser humano*
Danilo Rocha Limoeiro**

Como parte integrante do vasto decisões da Corte Interamericana de


trabalho sobre a temática da Proteção “Cançado Trindade Direitos Humanos.
Internacional dos Direitos Humanos, Na parte da autoria de Cançado
salienta que,
o livro procura traçar de forma breve Trindade, é, inicialmente, defendida a
quais os principais desafios para a paralelamente ao tese de convergência, nos planos
proteção do ser humano no início do processo de globalização, normativos, hermenêuticos e
século XXI, incluindo também operacionais, entre Direito
se aprofunda o
documentos de legislação Internacional dos Direitos Humanos,
internacional específica e três decisões empobrecimento das Direito Internacional dos Refugiados e
recentes da Corte Interamericana de camadas mais baixas da Direito Internacional Humanitário.
Direitos Humanos. Cançado Trindade salienta que,
A obra tem como autores
sociedade bem como a paralelamente ao processo de
Antônio Augusto Cançado Trindade – erupção de numerosos globalização, se aprofunda o
Presidente da Corte Interamericana de empobrecimento das camadas mais
conflitos internos,
Direitos Humanos; Professor Titular baixas da sociedade bem como a
da Universidade de Brasília; Membro gerando, ambos erupção de numerosos conflitos
Associado do Institut de Droit fenômenos, fluxos internos, gerando, ambos fenômenos,
International; Membro do Conselho fluxos migratórios e deslocamentos
migratórios e
Diretivo do Instituto Interamericano forçados. Torna-se necessário, desta
de Direitos Humanos e do Instituto deslocamentos forçados.” forma, dedicar maior atenção, como foi
Internacional de Direitos Humanos reconhecido pelo ACNUR na II
(Estrasburgo) – cuja ampla bibliografia Conferência Mundial de Direitos
na área é internacionalmente proteção internacional dos direitos da Humanos das Nações Unidas, ao direito
reconhecida e Jaime Ruiz de Santiago – pessoa humana, bem como os desafios de permanecer em seu próprio lugar e
Doutor em Filosofia pela Universidade que se apresentam a essa área no início salvaguardar os direitos humanos dos
Ibero-Americana do México e Chefe da do século XXI; a segunda apresenta o deslocados.
Missão do Escritório do Alto texto de instrumentos legais de proteção É ressaltada também a
Comissariado das Nações Unidas para dos direitos humanos, a saber: o importância da adoção, em 1986, pela
os Refugiados em San José, Costa Rica. Estatuto do ACNUR (1950), a International Law Association, da
A obra em si pode ser dividida em Convenção sobre o Estatuto dos Declaração de Princípios do Direito
três partes: a primeira trata de Refugiados (1951), o Protocolo sobre o Internacional sobre Expulsão Maciça,
contribuições doutrinárias dos dois Estatuto dos Refugiados (1967), a que levanta preocupações quanto à
autores, escritas em forma de artigos, Declaração de Cartagena (1984) e a vulnerabilidade e situação precária de
que abordam o desenvolvimento pelo Declaração de San José de Costa Rica muitas minorias, inclusive
qual passou, nos últimos anos, a (1994); a última traz três recentes trabalhadores migrantes, além de

* Resenha do livro de CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, RUIZ DE SANTIAGO, Jaime. La Nueva Dimensión de las Necesidades de Protección del ser Humano
en el Inicio del Siglo XXI. San José, Costa Rica, San José: Alto Comisionado de las Naciones Unidas para los Refugiados, 2001, 421 p.
** Bacharelando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e editor assistente de RelNet – Site Brasileiro de Referência em Relações
Internacionais.
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vincular a expulsão maciça, em certas legislação internacionais de proteção


circunstâncias, com o conceito de crime “...é possível afirmar que dos direitos humanos, anteriormente
internacional. Cançado Trindade citados. São providos ainda, na terceira
a obra atinge seu objetivo
discorre sobre o tratamento que a Corte parte da obra, os textos de algumas
Interamericana de Direitos Humanos inicialmente pretendido, decisões da Corte Interamericana de
confere, em sua recente jurisprudência, que é o de apontar, de Direitos Humanos, a saber, a Sentença
aos deslocados, ponderando ainda sobre do Caso de “los Niños de la Calle”, 1999;
forma breve, quais os
a consagração do princípio do non- a Opinião Consultiva nº16 sobre o
refoulement como sendo jus cogens. novos imperativos da Direito à Informação sobre a
Por fim, o autor critica o Proteção Internacional Assistência Consular no Marco das
ordenamento internacional tradicional, Garantias do Devido Processo Legal,
baseado no modelo westfaliano de
dos Direitos Humanos no 1999, e as Medidas Provisionais de
predomínio de soberanias estatais e século XXI.” Proteção no caso dos Haitianos e
exclusão dos indivíduos, já que este não Dominicanos de Origem Haitiana na
foi capaz de evitar as violações massivas República Dominicana, 2000.
dos direitos humanos em todas as da proteção jurídica internacional dos Como conclusão, é possível
regiões do mundo e as sucessivas direitos humanos na segunda metade afirmar que a obra atinge seu objetivo
atrocidades do século XX. Cançado do século XX, bem como da relação inicialmente pretendido, que é o de
Trindade destaca, desta forma, a entre os Direitos Humanos, as apontar, de forma breve, quais os novos
necessidade do despertar de uma Escrituras Sagradas e a Igreja. O autor, imperativos da Proteção Internacional
consciência jurídica universal para por fim, indica quais os desafios e dos Direitos Humanos no século XXI,
reconstruir, no início do século XXI, um tendências para a proteção dos direitos bem como as tendências apresentadas
novo paradigma do direito humanos na América Latina, ao pelos instrumentos de Proteção, tanto
internacional, não mais estatocêntrico e destacar o crescente número de no plano jurisprudencial, ao apresentar as
sim situando o ser humano em posição deslocados internos e a alta decisões da Corte; no plano normativo,
central. porcentagem da população que vive ao prover os documentos de legislação
No artigo posterior, a cargo de abaixo do limite de pobreza. de Proteção e no operacional, ao traçar
Ruiz de Santiago, são feitas Na segunda parte do livro, são as principais metas a serem alcançadas
ponderações sobre o desenvolvimento apresentados os documentos de pelos instrumentos de proteção.

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O que é Via Mundi

O Boletim Via Mundi é uma publicação digital de periodicidade trimestral editada pelo Departamento de Relações
Internacionais da Universidade de Brasília (REL-UnB) e veiculada exclusivamente em RelNet – Site Brasileiro de
Referência em Relações Internacionais, iniciativa conjunta do REL-UnB e da Fundação Alexandre de Gusmão,
vinculada ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil (FUNAG-MRE), com o objetivo de congregar a comunidade
brasileira de relações internacionais em torno da oferta pública e gratuita de serviços de informação e de pesquisa
(disponível em http://www.relnet.com.br).
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Aspectos institucionais do Tribunal Penal Internacional*


Maria Beatriz Bonna Nogueira**

A produção acadêmica que se da proteção internacional dos direitos


utiliza de elementos substantivos e “A seção doutrinária da da pessoa humana. Os debates que se
metodológicos próprios ao campo de centram na superação do domínio
obra se encerra com o
estudos de relações internacionais reservado do Estado em face da
contribui substancialmente para a estudo da estrutura e evolução das relações internacionais, da
identificação das subáreas dessa não preponderância da noção de
jurisprudência dos
disciplina. Essa prática tem sido reciprocidade em matéria de direitos
recentemente observada em estudos tribunais ad hoc para a humanos e do reconhecimento do
referentes a temas do direito ex Iugoslávia e Ruanda. indivíduo como sujeito de direito
internacional público e, especialmente, internacional são revisados de modo a
Reportando-se às origens
do direito internacional dos direitos dar novas bases às prerrogativas de
humanos. Faz-se, então, de dos conflitos e a soberania, diferentes das oferecidas no
fundamental importância colocar a fundamentais aspectos da contexto da Paz de Westfália, em 1648.
obra resenhada nessa perspectiva, uma A importância dessa abordagem
jurisprudência de ambos
vez que apresenta noções de soberania, teórica se fará evidente quando do
segurança internacional e os tribunais, a autora não estudo dos elementos constitutivos do
multilateralismo complementando TPI, onde se notará que os avanços
apenas apresenta as
aspectos do direito internacional penal determinados pela aprovação do
e dos direitos humanos. principais dificuldades e Estatuto de Roma, em 1998, inserem-se
A obra em questão é oriunda da críticas referentes à em um novo contexto internacional,
dissertação de mestrado da autora, com em que o papel do direito e dos valores
instauração e prática dos
prefácio do Presidente da Corte se refletem na evolução normativa de
Interamericana de Direitos Humanos, tribunais, mas também um regime de direitos humanos, assim
Antônio Augusto Cançado Trindade, analisa os efeitos da como na crescente institucionalização
também professor-titular do de suas modalidades de proteção nos
percepção dessas
Departamento de Relações planos internacional e regional.
Internacionais da Universidade de dificuldades nas O estudo sistemático do TPI como
Brasília (UnB). As várias possibilidades cristalizador da responsabilidade penal
negociações do Estatuto
de análise que o tema escolhido internacional do indivíduo principia-se
apresenta são bem delimitadas em de Roma.” pelos seus antecedentes históricos,
quatro capítulos e três anexos, em que a seção em que a autora discorre sobre as
objetividade e linguagem acessível tentativas de estabelecimento de uma
contrastam com a complexidade e incorporam ao Tribunal Penal jurisdição penal internacional de caráter
profundidade do trabalho analítico. Internacional (TPI) com uma análise do permanente em diferentes momentos
A autora inicia sua discussão princípio da soberania à luz do direito da história das relações internacionais.
acerca do modus operandi e dos internacional contemporâneo, ao fazer Os entraves e pressões que afetaram o
princípios fundamentais que se especial menção aos avanços no campo desenvolvimento das iniciativas prévias

*
* Resenha de FERREIRA, Marrielle Maia Alves. Tribunal Penal Internacional: aspectos institucionais, jurisdição e princípio da
complementaridade. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, 262p
** Bacharelanda em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB).
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ao Estatuto de Roma, assim como os A seção doutrinária da obra se A publicação de um trabalho


avanços referentes a cada período encerra com o estudo da estrutura e como o desenvolvido por Marrielle
histórico analisado, são devidamente jurisprudência dos tribunais ad hoc para Maia mostra-se como importante
registrados no capítulo 2 da obra, ao a ex Iugoslávia e Ruanda. Reportando- contribuição para a produção
constituir os parâmetros que se às origens dos conflitos e a bibliográfica brasileira em matéria de
determinariam a análise das reais fundamentais aspectos da relações internacionais, visto que sua
transformações a serem trazidas à baila jurisprudência de ambos os tribunais, a preocupação metodológica se alia a uma
pela criação do TPI. autora não apenas apresenta as análise essencialmente interdisciplinar,
Ao se chegar aos princípios principais dificuldades e críticas que integra a história e a tradição
regentes da nova ordem internacional referentes à instauração e prática dos teórica do campo de estudos em
dos anos 90, particularizando-se as tribunais, mas também analisa os questão. Ademais, nota-se que o livro
negociações e deliberações de 1998, o efeitos da percepção dessas dificuldades explora o multilateralismo e outras
estudo expõe sua vertente exploratória, nas negociações do Estatuto de Roma. questões de profundo interesse
sem perder, contudo, o sempre presente Neste sentido, pode-se advogar em internacional sob uma perspectiva de
viés crítico. À minuciosa pesquisa favor do legado dos tribunais para a ex direitos humanos, o que ajuda a
relativa aos componentes institucionais Iugoslávia e Ruanda como importante enfraquecer a visão simplista de diretos
e à jurisdição do TPI, complementa-se subsídio para o futuro estabelecimento humanos como novo tópico na agenda
pela concomitante análise das do TPI. internacional dos anos 90.
negociações multilaterais que levaram à Os três anexos que compõem o A sua leitura, portanto, é
sua positivação. Ademais, particular desfecho do livro – a saber, o texto do amplamente recomendada não só aos
ênfase é dada a debates controversos no Estatuto de Roma; uma cronologia dos que têm interesse específico pelo tema,
marco do TPI, i.e., o papel reservado ao principais documentos do direito mas também a todos os que
Conselho de Segurança da ONU, a internacional humanitário e direito dos reconhecem a impunidade como grave
definição do crime de agressão e, refugiados e alguns mapas dos conflitos violação de direitos humanos e o
especialmente, a importância do da ex Iugoslávia e de Ruanda – ampliam indivíduo como pólo de irradiação e
princípio da complementaridade como o campo de percepção do leitor, ao alvo de destino de todas normas e
norteador das relações entre as permitir uma compreensão mais instituições de natureza internacional.
jurisdições nacionais e a do Tribunal. completa e aprofundada.

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Os arquivos com resenhas simples para o Boletim Via Mundi devem conter em torno de 75 linhas e os com artigos
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Os Equívocos do Capitalismo Global*


Gustavo Henrique Cocentino Ramos**

Em uma época em que elaborações regime do laissez-faire mundial, acaba


acadêmicas freqüentemente assumem “Gray reflete sobre o por miná-lo devido às tensões sociais de
caráter de profecia, com alguns um modelo de desenvolvimento que
intelectuais ganhando vasto prestígio
aumento da pobreza e da acentua as desigualdades.
ao agirem como gurus ou teóricos do exclusão social e Assim, uma reforma da economia
futuro, ao sugerirem, muitas vezes, mundial que aceite a diversidade de
questiona um modelo
precipitadamente a obsolescência de culturas e de alternativas econômicas se
paradigmas – ou o fim da história, das único americano de faz necessária. Um livre mercado global,
ideologias, das utopias, do Estado- modernização econômica além de causar grande impacto nos
Nação e até mesmo da globalização –, distintos costumes e culturas, de modo
que, na sua concepção,
destacam-se ensaios que abandonam a que as ocidentalize por meio,
análise do imprevisível e oferecem não, necessariamente, principalmente, da cultura de consumo,
críticas perspicazes da realidade leva à ocidentalização do implica a luta entre os Estados por
contemporânea. recursos naturais. Por sua vez, como os
O polêmico e argucioso professor
mundo.” recursos são esgotáveis, eles podem
John Gray, do Departamento de ampliar as calamidades naturais e os
Governo da London School of riscos e incertezas artificiais para as
Economics & Political Science (LSE), nas últimas décadas, emitindo forte quais a ciência ainda não possui
tenta explicar o surgimento do livre opinião negativa sobre recentes solução.
mercado global como mais uma acontecimentos e suas conseqüências Ademais, Gray acredita que o
transformação econômica baseada nos no futuro da humanidade sob o novo regime de livre mercado está destinado
ideais iluministas, incorporando a paradigma. a desencadear movimentos contrários
defesa do capitalismo democrático Gray reflete sobre o aumento da às suas imposições ou até mesmo a criar
como uma necessidade universal. pobreza e da exclusão social e questiona contestação radical, na forma de
Assim, trata de desmitificar noções um modelo único americano de fundamentalismo. Essas observações se
simplistas sobre a política liberal modernização econômica que, na sua assemelham às de Anthony Giddens, o
emergente e as contradições do livre concepção, não, necessariamente, leva à qual discorre, em sua análise da
mercado global. ocidentalização do mundo. Afinal, a modernidade reflexiva e das novas
O autor inicia fazendo menção à desordem econômica e social hoje não é incertezas artificiais, criadas por uma
“grande transformação”, de Karl exclusivamente causada pelo livre realidade pós-tradicional emergente,
Polanyi, que esboçava as mudanças mercado, mas também pelas mudanças sobre os grupos fundamentalistas:
econômicas e a ruptura social que tecnológicas introduzidas em nome da indivíduos ou coletividades que
culminaram numa nova política liberal modernidade, que aumentaram o defendem a tradição de uma “forma
inglesa em meados do século XIX. Ao desemprego e passaram a transmitir tradicional”. As observações de Gray
fazer tal comparação, Gray rejeita o instabilidade econômica e insegurança não destoam de argumentos de outros
caráter inovador apresentado no em todo o mundo. Desse modo, autores que sugerem também que a
propalado processo de globalização e verifica-se que a globalização intensidade e a rapidez dos fluxos da
nas políticas neoliberais implementadas econômica, ao invés de fortalecer o cultura global podem produzir reações

*
Resenha de Gray, John. O Falso Amanhecer: Os Equívocos do Capitalismo Global. São Paulo: Record, 1999, 333p.
**
Doutorando do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre a América Latina e o Caribe – CEPPAC – da Universidade de Brasília (UnB).
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negativas e o crescimento da tendências protecionistas da economia que as observações de Gray sobre o


intolerância. de mercado, sobretudo as praticadas ressurgimento dos ideais do livre
No que toca ao capitalismo pelas nações industrializadas, em um mercado constituem, de fato,
democrático ou à defesa universal da mundo formado por blocos regionais promessas falsas, como sugere o título
democracia liberal pelas potências exclusivos. Isso parece sugerir um certo de seu livro. As ações recentes de grupos
hegemônicas ocidentais, verifica-se que esfriamento da política de liberalização, fundamentalistas revelaram a
alguns regimes políticos podem já não mais defendida tão arduamente fragilidade do mercado global, ainda
formalmente ser denominados pela Nova Direita como foi há alguns vulnerável a interferências eventuais de
democráticos, mas, na verdade, diferem anos. Gray mostra que os problemas grupos excluídos e desejosos da
profundamente, em grau de liberdade e ocasionados pela liberalização manutenção de práticas tradicionais.
legitimidade, do regime democrático descontrolada minam o próprio livre Do mesmo modo, foi também
liberal ideal. Muitos podem ser mercado, que não sobrevive facilmente desmitificada a idéia do fim do Estado
categorizados como illiberal democracies, a períodos de retração econômica atuante, nos moldes keynesianos.
termo sugerido por Fareed Zakaria, na prolongada. Exemplifica esse fenômeno Portanto, essa realidade confirma os
revista Foreign Affairs, para ilustrar mais uma vez citando o caso da argumentos históricos de Gray que,
contradições e problemas verificados Inglaterra, onde os trabalhistas lembrando A Grande Transformação de
em vários regimes formalmente voltaram ao poder no fim da década Polanyi, afirma que o mercado não
considerados democrático-liberais. de 90. passa de uma criação do próprio
Uma outra contradição do livre Observa-se, finalmente, à luz dos Estado.
mercado é a persistência das velhas eventos terroristas de 11 de setembro,

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Nota aos Autores de Livros e Editoras


O Boletim Via Mundi é alimentado pelas contribuições autônomas de professores, pesquisadores, estudantes de
|
graduação e pós-graduação e profissionais ligados à área, que produzem resenhas e artigos de resenhas sobre os
últimos livros publicados no Brasil e no exterior sobre assuntos de interesse para a área. Além disso, o Boletim Via
Mundi conta com a colaboração permanente de um corpo de professores e estudantes de mestrado e doutorado
dos Departamentos de Relações Internacionais e de História da Universidade de Brasília, que produzem constante-
mente resenhas sobre a produção bibliográfica recém-lançada no mercado editorial brasileiro. Se a sua editora
deseja ver os lançamentos da área de relações internacionais e áreas conexas resenhados e divulgados em Via
Mundi, envie pelo menos um exemplar para o seguinte endereço:

RelNet – Site Brasileiro de Referência em Relações Internacionais


Boletim Via Mundi
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Caixa Postal 04359
Brasília – DF – 70910-970
Brasil
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A política exterior dos Estados Unidos*


Virgílio Caixeta Arraes**

Em meados da década passada, o partidários da tese de que os


professor Zbigniew Brzezinski, Chefe “...a autora afirma que a compromissos externos inclinariam o
da Assessoria de Segurança Nacional na país à decadência, e os renovacionistas,
vitória americana
gestão Carter, cunhou o termo defensores da idéia de que a força dos
cornucópia permissiva para referir-se à significou o auge do país, Estados Unidos não se manifestaria
auto-satisfação e egoísmo imperante apenas na parte militar e econômica,
mas, ao mesmo tempo,
nas sociedades democráticas liberais dos mas também na ideológica,
países desenvolvidos, amparados por propiciou a possibilidade concretizada nos organismos
um alto padrão material, o que de questionar-se seu internacionais. A recuperação
contrastaria sobremaneira com a econômica, iniciada no final da gestão
poder...”
preocupação de boa parte do resto do Bush, traria novamente uma
mundo em apenas sobreviver, sem perspectiva otimista para a política
condições de aspirar a entrar nos externa, ainda que muitos vissem o país
moldes da chamada sociedade de uma posição de incerteza tanto política sem um projeto de longo prazo.
consumo, desenvolvida durante a como ideologicamente perante as Ainda que não houvesse um novo
Guerra Fria. outras nações. projeto que equivalesse à Doutrina
Dentro desse processo, os Estados O aparente paradoxo entre o Truman, elaborada para conter a
Unidos teriam um papel fundamental descomunal poder norte-americano e a expansão do comunismo, os interesses
para a redefinição de comportamentos e incapacidade de implementar e, americanos se mantiveram bem
valores, à medida que seu peso posteriormente, manter políticas delineados em todas as regiões ao longo
desproporcional em todos os setores da mundiais que se confundiriam com da década de 90: na Europa, houve a
sociedade mundial poderia influenciar seus interesses nacionais é o tema do ampliação física e de tarefas da OTAN,
os demais países. presente livro da pesquisadora Cristina que, inclusive, passaria a atuar fora das
Tendo derrotado, nas últimas Pecequilo, que, já há algum tempo, se suas fronteiras, em condições especiais,
décadas, duas formas de totalitarismo, debruça com reiterada competência como no caso da Iugoslávia; na Ásia,
os Estados Unidos passaram seu modus sobre os meandros da política externa com o estreitamento de relações com a
vivendi às demais nações como o desse país e suas reais implicações para China, mesmo com turbulências
caminho ideal para a prosperidade o resto do globo. eventuais; na América Latina, com a
material e o desenvolvimento das Iniciando sua análise a partir do formação inicial do NAFTA e, mais
instituições democráticas, que fim da Guerra Fria, considerada a partir tarde, com a ALCA; na África, ao
contribuiriam para a formação de uma de 1989, a autora afirma que a vitória eliminar vestígios da presença das
sociedade mundial pacífica. Desta americana significou o auge do país, antigas metrópoles, especialmente a
forma, a nação americana seria mas, ao mesmo tempo, propiciou a francesa.
fundamental para a garantia da possibilidade de questionar-se seu poder, No plano multilateral, os
estabilidade do planeta. No entanto, a dado que, em muitos setores, o país não organismos internacionais balizam-se
estabilidade esperada não veio era o primeiro. Tal quadro suscitaria quase sempre pelas posições ideológicas
inexoravelmente, colocando o país em interessante debate entre os declinistas, americanas, de forma que nesses não

*
* Resenha de PECEQUILO, Cristina Soreanu. Os Estados Unidos: hegemonia e liderança na transição. Petrópolis: Vozes, 2001.
** Professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), doutorando em história das relações internacionais pela mesma
instituição e editor adjunto de RelNet – Site Brasileiro de Referência em Relações Internacionais.
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Desta forma, se havia dúvidas em Para a autora, os americanos já


“ A segunda década pós relação aos primeiros anos da década de emitiriam sinais de que se preparariam
90 – final do mandato de Bush e início para uma transição da hegemonia para
Guerra Fria poderia ser
do de Clinton –, logo, com a a liderança, com o uso do engajamento
considerada como recuperação econômica interna, seletivo, cujo objetivo principal seria
refletida também no controle reorientar as atuais prioridades, com
unimultipolar, que é um
orçamentário, isso se dissiparia. Prova limites de ação, com economia de
conceito de Samuel maior da volta da confiança – e da recursos e com o compartilhamento de
arrogância – foi a promulgação de leis tarefas e responsabilidades. Assim, ao
Huntington, ou seja, os
que seriam repudiadas pela comunidade mesmo tempo em que preservaria seus
Estados Unidos não internacional como a Helms-Burton e interesses, desencorajaria uma formação
d’Amato, relativas à proibição de todos contra si; em vez de ser uma polícia
deixariam de ser
os países de negociar com Cuba e com global, cooperaria multilateralmente.
hegemônicos, mas Estados considerados simpatizantes do Para isso, destaca Pecequilo, o
terrorismo. engajamento seletivo preveria que o
conviveriam com um
Outro exemplo foi o país país teria de aceitar um
equilíbrio de poder em atravessar incólume um período em multilateralismo real, indo contra a
termos de liderança internacional, tradição do unilateralismo, o que
outros níveis hierárquicos
apesar do escândalo de um caso colocaria em xeque a postura de não
do sistema, mais adulterino do Presidente Clinton com ceder a hegemonia.
uma estagiária da Presidência, Monica Paralelo às questões geopolíticas,
próximos, por exemplo,
Lewinsky, que foi investigado entre esse tipo de engajamento apresentaria
da China, Alemanha, 1998 e 99. A pena proposta foi a do uma pauta que incluiria a disseminação
impedimento, mas o Senado recusou-a, da democracia e do livre mercado para a
Rússia e Japão.
encerrando a questão. reprodução de um ambiente
No entanto, esse espírito de internacional próspero e seguro e, acima
houve problemas de transição, confiança superestimado poderia causar de tudo, condizente com os interesses
chegando-se a avançar mais, ao final da prejuízos de ordem ideológica, à americanos. Note-se, pois, que apenas
Rodada do Uruguai, que criaria a proporção que, ao agirem as táticas dos Estados Unidos nessa
Organização Mundial do Comércio unilateralmente de forma constante, os nova configuração multipolar é que
(OMC). Com vistas a países que, em americanos forneceriam um espaço para iriam mudar, sem que haja por parte do
aplicando o receituário neoliberal, coligações contrárias a seu poder, país o desejo de abandonar a liderança
tiveram problemas, houve a iniciativa solapando sua capacidade de mundial, que é uma percepção nítida de
da ajuda, fosse unilateral – caso administrar a ordem mundial. seu interesse nacional.
mexicano –, fosse multilateral – e ainda A segunda década pós Guerra Fria Por fim, o livro propicia ao leitor
preventiva no caso brasileiro – também poderia ser considerada como interessante quadro do momento vivido
em função da ação americana. unimultipolar, que é um conceito de pelos Estados Unidos, que é
Não se deve esquecer de que as Samuel Huntington, ou seja, os Estados compartilhado pelo restante da
operações de guerra contra inúmeros Unidos não deixariam de ser comunidade internacional com
países – Iraque, Somália, Iugoslávia, hegemônicos, mas conviveriam com apreensão e esperança de que a ordem
Afeganistão – praticamente deveram-se um equilíbrio de poder em outros níveis mundial a ser construída no pós Guerra
a iniciativas americanas, embora nem hierárquicos do sistema, mais próximos, Fria realmente seja inspirada e balizada
todas tenham tido o sucesso almejado – por exemplo, da China, Alemanha, pela democracia substantiva.
Iraque, por exemplo. Rússia e Japão.

–❇–
11

A zona de livre comércio entre o MERCOSUL


e a União Européia*
Bruno Ayllón**

Neste início de milênio, as relações econômico, social e cultural da


internacionais vivem um regime humanidade, que não se concentra “...inaugura, mesmo antes
bastante instável, mas igualmente rico apenas nos países do Norte.
dos atentados terroristas
em positivas transformações. Hoje, seu Assim sendo, no quadro do atual
estado é denominado pela doutrina contexto econômico da integração de 11 de setembro de
contemporânea como mundial, os países em desenvolvimento 2001, uma nova era da
unimultipolaridade, em que a representam uma força que vem
cooperação internacional
globalização altera a economia, a adquirindo uma importância crescente
política e o direito internacional em e decisiva no novo cenário multipolar. que serve de modelo para
eixos fundamentais. Quanto à Anote-se ainda que, durante todo o
todo o planeta.”
economia, a globalização atua mediante decênio de 1990, foi registrado o
processos unilaterais, pluri e impressionante crescimento dos
multilaterais de liberalização tanto no processos de integração regional entre A intensificação das relações entre
comércio quanto nos investimentos, países em desenvolvimento. o MERCOSUL e a União Européia é um
estimulados pela crescente Quanto aos processos de exemplo dos novos paradigmas do
internacionalização da produção e da integração – mais especificamente no terceiro milênio quando se combinam
distribuição mundial de produtos, bem caso do Mercado Comum do Sul cooperação e comércio de modo
como pelas mudanças tecnológicas que (MERCOSUL) –, percebe-se que as eqüitativo, regionalismo aberto e
se aliam a todas as manifestações novas oportunidades vêm multilateralismo, valores e culturas,
tradicionais de comércio. acompanhadas de transformações respondendo aos imperativos de uma
Quanto às questões políticas, as de significativas, visto que um processo de comunidade internacional mais
ordem interna já se tornam indivisíveis integração requer a adoção e a solidária.
e interdependentes das grandes manutenção de um comércio Desse modo, a zona de livre
questões internacionais, tais como: o liberalizado e um claro regime de comércio entre o MERCOSUL e a
meio ambiente, a segurança, a paz, o investimentos. Por um lado, o comércio União Européia inova e estabelece
narcotráfico e o combate ao terrorismo. intra-regional e internacional aumenta novos paradigmas por várias razões:
Por outro lado, diante dos desafios os critérios internos relativos à a) é a primeira entre duas uniões
da economia e dos imperativos e competitividade e qualidade dos aduaneiras em escala intercontinental;
necessidades da nova política que produtos. Por outro, a integração dos b) rompe as tradicionais zonas de
demandam maiores níveis de ética e mercados de capitais torna as questões livre comércio contíguas, ao transcender
democracia participativa, o direito macroeconômicas mais complexas e o Atlântico e aproximar dois
internacional é chamado a dependentes de uma crescente continentes;
desempenhar um papel de fundamental cooperação internacional, com vistas à c) incorpora valores e culturas
transcendência no desenvolvimento manutenção de estabilidade econômica. complementares, como também a

* Resenha de KINOSHITA, Fernando. Direito internacional da cooperação – A zona de livre comércio entre o MERCOSUL e a União Européia. Rio de Janeiro: Papel &
Virtual, 2001, 342p.
* Doutorando em Relaçoes Internacionais da Universidade Complutense de Madrid. Professor visitante de Relações Internacionais no Centro Universitário
Iberoamericano (SP) e pesquisador visitante do Núcleo de Pesquisas em Relaçoes Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), em 2001.
12

das Relações Exteriores do Brasil, que de 1995.


“O êxito das atuais prefaciou a obra: Mais adiante, estudam-se
possíveis setores a serem contemplados
negociações entre o
Ao tratar com competência e entre essa proximidade econômica dos
Mercosul e a UE constitui profundidade esse tema de blocos: a) o setor de produtos básicos,
fundamental interesse sob o onde se incluem os produtos tropicais,
para o Brasil e para o
prisma tanto do direito temperados, pesqueiros, metais e
MERCOSUL objetivo da internacional econômico quanto minerais, combustíveis e derivados; b) o
maior relevância do direito internacional da de produtos manufaturados,
cooperação, o professor Fernando assinalando-se especialmente os
estratégica.”
Kinoshita contribui de forma manufaturados em geral, os têxteis, a
concreta para a adequada confecção e os calçados; c) o de serviços,
preparação do esforço negociador onde se destacam os aspectos relativos à
defesa do estado de direito e dos direitos brasileiro e traz ao conhecimento investigação e desenvolvimento,
humanos; do grande público os aspectos telecomunicações, transportes, serviços
d) inaugura, mesmo antes dos mais importantes desse processo financeiros e propriedade intelectual.
atentados terroristas de 11 de setembro crucial para o País. Sua obra Além do mais, trata-se dos possíveis
de 2001, uma nova era da cooperação constitui importante estímulo obstáculos ao estabelecimento da zona
internacional que serve de modelo para para um amplo diálogo entre o de livre comércio entre o MERCOSUL e
todo o planeta, que se caracteriza por governo e a sociedade sobre as a União Européia, de acordo com as
sua amplitude e profundidade, ao negociações entre o MERCOSUL perspectivas de ambos, além de sugerir
constituir um elemento diferenciador e a UE. algumas hipóteses futuras.
das tradicionais zonas de livre comércio O êxito das atuais negociações
atualmente existentes. Ao longo da obra, o autor entre o Mercosul e a UE constitui para
Tal é a realidade do livro de enumera as principais variáveis que o Brasil e para o MERCOSUL objetivo
Fernando Kinoshita, que é professor de norteiam os rumos do atual contexto da maior relevância estratégica. Diante
Direito Internacional Público da econômico internacional, ao sublinhar a da perspectiva de aceleração das
Universidade Federal de Santa Catarina globalização, o fim da bipolaridade, a negociações para a criação da Área de
(UFSC) e doutor em Direito criação da Organização Mundial de Livre Comércio das Américas (ALCA),
Internacional e Comunitário pela Comércio (OMC) e a proliferação dos tanto o Brasil quanto o MERCOSUL
Universidad Pontificia Comillas Icade, modelos de integração regional, para, desejam manter o padrão de equilíbrio
da Espanha. O livro tem por objetivo posteriormente, analisar as relações de sua inserção na economia
esclarecer o processo de estabelecimento políticas entre o MERCOSUL e a União internacional.
da zona de livre comércio entre o Européia em diferentes esferas. É leitura altamente recomendada,
MERCOSUL e a União Européia, bem A partir de então, o autor, nos que passa a ser incluída no conjunto de
como a consolidação de um marco capítulos IV e V, abordará obras de consulta obrigatória sobre a
jurídico e econômico internacional. características econômicas e jurídicas do inserção crescente do Brasil e do
Espera-se que a efetiva criação da zona MERCOSUL e da União Européia, MERCOSUL em um mundo
de livre comércio entre o MERCOSUL e destacando-se a questão referente aos inevitavelmente globalizado. A valiosa
a União Européia conduza a uma nova investimentos estrangeiros diretos contribuição que o professor Fernando
etapa das relações entre os blocos e, (IED) no MERCOSUL, notadamente os Kinoshita aporta ao tratamento do
conseqüentemente, entre as Américas e da União Européia e o Acordo Quadro tema está à altura desse estimulante e
a UE. Inter-regional de Cooperação entre a momentâneo desafio.
Conforme assinala o Embaixador Comunidade Européia e seus Estados NOTA: O livro encontra-se
Marcelo Jardim, Diretor-Geral do Membros e o Mercado Comum do Sul e disponível no site: http://
Departamento da Europa do Ministério seus Estados Partes, de 15 de dezembro www.lojaambito-juridico.com.br
13

A Diplomacia de Henry Kissinger*


João Fábio Bertonha**

Henry Kissinger é, com certeza, Napoleão III e Bismarck, que teriam teria sido apenas o responsável pelo
um dos mais influentes pensadores das sido incapazes de perceber as sutilezas fato do seu colapso ter-se dado da pior
relações internacionais desse século. do sistema de Metternich e, no lugar de maneira possível.
Além de sua atuação direta na formação seu sistema de relacionamento entre Depois, o autor se dedica, com
da política exterior americana, ele tem Estados baseado na fórmula “consenso extrema meticulosidade, ao estudo das
produzido uma infinidade de textos mais poder”, teria surgido um outro relações internacionais no período da
analisando e opinando sobre o papel da onde apenas o poder bruto e a Guerra Fria. Os pontos altos nessa parte
América no mundo atual. Seu último competição sem limites importavam. do livro são suas análises da política de
trabalho – Diplomacia – não foge desse Uma derivação desse novo método de contenção americana frente à União
padrão, mas é também um ver as relações internacionais teria sido Soviética e da Guerra do Vietnã, apesar
monumental trabalho de historiador, ao a formação de alianças fixas, as quais do evidente parcialismo de quem esteve
analisar a história das relações seriam a prova final da morte da idéia diretamente envolvido nessas questões.
internacionais dos últimos 350 anos em do equilíbrio de poder e de sua O texto é finalizado com uma análise
mais de mil páginas. flexibilidade. Dada essa situação, com sobre o papel da América na nova
O livro se inicia com a formação os contínuos erros cometidos pelos ordem internacional.
do moderno sistema de Estados no dirigentes ingleses, russos e, É muito difícil não ficar
século XVII e com Richelieu, visto especialmente, alemães, a I Guerra impressionado com a magnitude do
como aquele que ajudou a superar o Mundial foi uma conseqüência lógica. trabalho desenvolvido por Henry
antigo sistema de valores medievais e a Para Kissinger, assim, o abandono da Kissinger. Ele consegue navegar sem
criar a política internacional baseada na política do equilíbrio de poder em favor dificuldade por temas que vão desde a
razão de Estado. Também analisa o da competição total tornou-se a causa política européia do século XVII até as
equilíbrio de poder que fundamentou a central dos massacres da I Guerra. minúcias da competição anglo-alemã
política européia naquele século e nos Nos capítulos seguintes, estuda-se no XIX ou as realidades geopolíticas da
seguintes até chegar ao Congresso de o sistema que criado no Tratado de Ásia oriental contemporânea. Com seu
Viena em 1815. Para Kissinger, a Versalhes, em 1919, e explica-se, de estilo fluente e claro – agora,
combinação de um consenso entre as forma bastante lúcida, o porquê de sua adequadamente traduzido na nova
elites européias – priorizando a defesa incapacidade de manter a paz na edição –, ler seu trabalho constitui-se
da estabilidade e das monarquias, em Europa. Para o autor, o sistema de em tarefa fundamental para qualquer
detrimento das revoluções e da Versalhes não poderia funcionar porque estudioso da história das relações
contestação social – com a construção não se buscava a real conciliação com a internacionais.
de um cuidadoso equilíbrio de poder Alemanha, não existiam valores Ainda assim, algumas observações
entre as grandes potências, teria sido a comuns que realmente servissem de e críticas podem e devem ser feitas. A
chave da paz e da prosperidade européia base para um consenso entre as primeira delas se refere ao próprio
por quase um século, a partir do fim das potências, nem disposição para usar a enfoque dado pelo autor. Como o
guerras napoleônicas. força, se necessário, para manter o próprio título sugere, o que realmente
Posto isso, procura demonstrar equilíbrio de poder entre os Estados está em foco não é a história dos povos
como esse sistema começou a entrar em envolvidos. Nesse contexto, a sua envolvidos na disputa internacional,
colapso graças à ação de homens como manutenção era improvável e Hitler mas o ponto de vista dos estadistas e

*
Resenha de KISSINGER, Henry. Diplomacia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1999, 1067 p.
**
Professor-adjunto do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá – PR.
14

dos diplomatas. A narrativa é sobre os levaram à defesa do militarismo, do


sucessos e fracassos, planos e realizações “Todo o trabalho de nacionalismo exacerbado e do
deles e não é à toa que nomes como imperialismo. Essas transformações
Kissinger baseia-se, de
Bismarck, Pitt, Streseman, Churchill ou vividas pelas elites européias foram
Gorbachev apareçam com tamanha fato, no pressuposto de compartilhadas por todos os
freqüência no livro. que a América é uma diplomatas e homens de Estado e
A princípio, tal enfoque não seria forneceram um contorno para as suas
nação idealista, cujos
um problema e, seguramente, não reflexões sobre a ordem internacional.
elimina os méritos do livro. No entanto, valores morais devem Abstrair as grandes realidades e
não só ele acabou tornando o texto conduzir as relações concentrar-se em homens e indivíduos,
excessivamente longo para atender a assim, pode ter seu lado positivo, mas
internacionais.”
necessidade de delimitar, em cada época requer enormes cuidados para evitar a
e contexto, o papel dos estadistas, seus impressão de que só os diplomatas
projetos e perspectivas, como simplifica e estabelecer com mais cuidado as fazem as relações internacionais.
demais alguns problemas e situações possibilidades de pensamento e ação Do mesmo modo, um dos
que estavam muito além da ação que cada época lhes fornecia. Dizer que elementos fundamentais para se
pessoal de cada diplomata ou ministro Kissinger não faz isso seria uma entender a história das relações
do Exterior envolvido. injustiça e suas análises da realidade de internacionais, entre a metade do século
É evidente que, recuperar a cada época são, em essência, corretas. XIX e a metade do século XX, foi o
importância dos homens que Contudo, seu enfoque mais diferencial de crescimento econômico,
efetivamente conduziram a política personalista implica concentração em industrial e militar e a competição
externa dos Estados, é importante indivíduos da elite diplomática e da desenfreada por mercados e poder em
inclusive para se poder ter uma história máquina estatal, o que pode levar a escala mundial entre as principais
das relações internacionais, que não se distorções da realidade. potências do mundo. Kissinger está
limite a abordar as grandes tendências e Observe-se sua análise do período plenamente consciente da importância
estruturas, esquecendo-se de que são pré I Guerra Mundial. Ele tem razão em disso para explicar as guerras e
homens de carne e osso, cujas colocar que, à medida que as elites transformações nesse período, mas é
perspectivas e pensamentos foram européias sentiam-se mais confiantes estranho que as referências ao
importantes para que os no seu domínio sobre suas sociedades colonialismo ou ao explosivo
acontecimentos tomassem – a partir da segunda metade do século crescimento econômico e industrial da
determinados rumos e, portanto, XIX –, um freio potencial ao conflito foi Alemanha e dos Estados Unidos, por
devendo ser estudados com mais sendo suprimido (p.168). No entanto, exemplo, estejam tão fragmentadas em
cuidado. Nesse sentido, é realmente outros autores, como Arno Mayer1 , meio às análises sobre o pensamento de
difícil não concordar com a avaliação de também têm trabalhado com essas Wilson ou Bismarck, por exemplo. Se o
Kissinger sobre, por exemplo, as figuras elites e constataram que ao menos uma livro do grande estudioso dessa questão,
de Adolf Hitler e de Franklin Roosevelt, fração delas também pensava, em Paul Kennedy2 , talvez tenha pecado
que são fundamentais para entender a vários momentos, na guerra como uma pela ênfase excessiva em grandes
II Guerra Mundial. possível solução para consolidar ainda estruturas e transformações
No entanto, o autor poderia ter mais seu poder em suas sociedades, ou econômicas, ao restar pouco espaço
tomado mais cuidado em delimitar o seja, o que se pode verificar é que havia para os homens que viviam e refletiam
contexto político, econômico e mental várias transformações culturais sobre isto tomar as decisões e elaborar
onde esses homens e diplomatas agiam ocorrendo naquele momento, que as opções possíveis, o de Kissinger

1
A força da tradição: A persistência do Antigo regime, 1848-1914. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
2
Ascensão e queda das grandes potências. Transformação econômica e conflito militar de 1500 a 2000. Rio de Janeiro: Campus, 1989.
15

parece ter enveredado pelo caminho os interesses dos EUA e de difundir os e liberais que se refletiram em sua
oposto. Pura questão de ênfase próprios ideais que fariam da América política exterior, sendo Kissinger muito
compreensível dentro das perspectivas uma nação tão especial. As muitas hábil em recuperá-los, gerando
de cada autor, mas que deve ser páginas que ele dedica ao estudo das contradições e problemas que pareciam
recordada para que se possa absorver o políticas externas de Woodrow Wilson e incompreensíveis para observadores
melhor de cada um deles. Theodore Roosevelt – com preferência acostumados à política de poder
Na verdade, o livro não objetiva por este, um autêntico cultor do européia. O próprio debate realismo
simplesmente a análise histórica, mas equilíbrio do poder –, à evidente versus idealismo, típico da diplomacia e
tem um sentido de política presente satisfação com a política realista que ele da academia do país, é um sinal claro
bem definido. Todo o trabalho de e Nixon implementaram na Casa das especificidades americanas.
Kissinger baseia-se, de fato, no Branca e à admiração por Stalin pelo No entanto, na maior parte da sua
pressuposto de que a América é uma mesmo motivo – mesmo sendo o autor história, os Estados Unidos nunca
nação idealista, cujos valores morais um ferrenho anticomunista – foram tão idealistas na construção de
devem conduzir as relações demonstram isso. Sua defesa de Ronald sua política exterior como o autor
internacionais. Isso seria positivo, mas Reagan como a perfeita soma do procura demonstrar e sua ardorosa
potencialmente perigoso, pois levaria a realismo com o idealismo americano defesa da maior dose de realismo
América a perder de vista as realidades não convence tanto, mas se encaixa possível para essa política parece ser
do poder e as necessidades de ação nesse esforço. desnecessária. Talvez a própria defesa de
dentro do cenário internacional. A Para Kissinger, assim, o realismo uma política cem por cento realista,
missão de Kissinger, nesse contexto, seria a única maneira de manter o poder para superar os traços idealistas e a
seria recolocar o juízo na cabeça dos e os valores americanos num mundo incoerência da política externa
idealistas americanos e insistir que uma onde a América irá inevitavelmente americana, seja irrealista, ao ignorar as
política de equilíbrio de poder era e é a deixar de ser predominante como é tradições e as disputas políticas no
melhor maneira de garantir a paz hoje, no que se aproxima de outros interior da sociedade e do establishment
mundial, de garantir a sobrevivência e realistas como Brzezinski. governamental americano.
Tais reflexões de Kissinger Posto isso, resta, apesar das
precisam ser vistas com reservas. Em intensas objeções de Kissinger e de
“...os Estados Unidos primeiro lugar, parece difícil acreditar outros realistas, uma avaliação moral
que os “valores americanos” estejam tão sobre essa política externa, que baseada
tiveram forte influência
entranhados na política exterior completamente em ideais e sem
dos ideais democráticos e americana como o autor quer. Às vezes, cuidadosas avaliações geopolíticas de
liberais que se refletiram a defesa desses valores não passava (e interesses e dos equilíbrios de poder
passa) de cobertura para interesses seria irreal e, talvez, perigosa. Não resta
em sua política exterior,
políticos e econômicos dos mais dúvida também de que a política
sendo Kissinger muito clássicos e Kissinger tem enorme realista de Kissinger e Nixon foi bem
hábil em recuperá-los, resistência em identificar isto. sucedida, ao ajudar a isolar a URSS e a
Dizer isto não significa negar as solapar o bloco comunista. No entanto,
gerando contradições e
particularidades da política exterior e da as vítimas do golpe de Pinochet em
problemas que pareciam história dos Estados Unidos, as quais 1973 ou dos bombardeios no Vietnã e
incompreensíveis para levaram, por exemplo, a uma resistência no Camboja poderiam questionar-se se
ao colonialismo direto no século XIX e o realismo precisaria chegar aos limites
observadores
à política de poder vivenciada na da barbárie. Uma questão que
acostumados à política de Europa. Em muitos momentos de sua Metternich talvez não hesitasse em
poder européia.” história, os Estados Unidos tiveram responder, mas da qual Kissinger parece
forte influência dos ideais democráticos querer manter distância.
16

Os “milagres” na economia*
Virgílio Caixeta Arraes**

Após o fim da Guerra Fria, em Itálica, aprofundavam o comércio como potência nuclear, e a de Educação,
1991, com a extinção formal da União ultramarino ao longo do Mediterrâneo, tendo renunciado desta em maio de 68,
Soviética, celebrou-se, no lado concomitante ao desenvolvimento das na esteira das manifestações estudantis
ocidental, a vitória dos valores norte- atividades bancárias por toda a Europa, que sobressaltaram a França.
americanos, que se confundiriam com o que levaria inúmeras famílias italianas Colaborador de inúmeras revistas
os valores democráticos liberais. Desde a posições de destaque na história e jornais – La revue des deux mondes, Le
o apogeu da Espanha habsburguiana, há européia do período. figaro-magazine, L’express, Le monde e Le
várias gerações, país algum alcançou Enquanto aqueles intelectuais figaro – no qual, a partir de 1983, seria
tanto poder como os Estados Unidos no acima citados produziram sua visão de presidente do seu conselho editorial e,
momento. No entanto, esse auge norte- mundo por uma lente econômica como ponto máximo, membro da
americano é relativamente recente e basicamente, outro intelectual de porte, Academia Francesa, a partir de 1977,
tornou-se, finalmente, indiscutível após de origem francesa, procurou registar que o premiara por um romance em 49
três conflitos durante o século XX – um outro caminho, de forma que e da Academia de Ciências Morais e
incluindo até mesmo a Guerra Fria, um determinadas conformações espirituais Políticas, em 1987.
dos mais longos episódios de tensão da ou mentais também permitissem O autor visitaria o Brasil em duas
história mundial. delinear o desenrolar da supremacia oportunidades: a primeira, em 1978, na
Assim, perante o exercício capitalista com precisão. qualidade de Ministro da Justiça,
atual do poderio múltiplo norte- Alain Peyrefitte (1925-99) foi acompanhando o Presidente Giscard
americano, surge a inquietação de uma das personalidades mais marcantes d’Estaing e, em 1987, a convite do
inteirar-se sobre o modelo desenvolvido da história francesa do pós-II Guerra. jornal O Estado de São Paulo. Ligado
pelo país que lhe permitiu alçar a Diplomata de carreira, tendo servido na politicamente ao General Charles de
superioridade mundial. Além do mais, Alemanha e Polônia, atingiria o posto Gaulle, talvez a personagem histórica
há a curiosidade intelectual de se de Ministro Plenipotenciário. Bacharel mais marcante da vida política francesa
conhecer de que forma houve a em antropologia pela École Normale do século XX, Peyrefitte terminaria
transição do poder de um país para o Supérieure e em administração pela sendo, por meio de suas memórias, seu
outro, dado que a supremacia norte- prestigiosa École Nacionale grande cronista, à semelhança de
americana remonta há um século d’Administration (ENA), dedicar-se-ia, Philipe de Commines com Luís XI e do
apenas. além da vida intelectual, à política. Conde de las Cases com Napoleão I.
No estudo desses ciclos No início da V República, na Autor de inúmeros livros,
históricos, vários acadêmicos, dentre os casa dos trinta anos, entraria para a dentre os quais foram publicados em
quais Braudel, Arrighi e Wallerstein, vida parlamentar, que duraria mais de português O Império imóvel, 1998, sobre
lançaram hipóteses e reflexões notáveis, 40 anos (1958-99), sendo Deputado e a China, sua especialidade, A sociedade
ao procurar traçar linhas de Senador, além de Prefeito de Marins por de confiança, 2000, e o presente
continuidade e ruptura da lenta e mais de trinta anos (1965-97). Ocuparia resenhado, cujo objetivo é demonstrar,
inexorável formação do sistema várias pastas ministeriais durante mais por meio da etologia, ou seja, pelo
capitalista e, destarte, chegar ao remoto de uma década, dentre as quais a da estudo comparado do comportamento,
século XIV, onde diversas cidades- Justiça, a de Ciência e Tecnologia, tendo no caso, dos Estados, como uns
Estados, localizadas na península contribuído para o país consolidar-se lideraram o desenvolvimento material

* Resenha de PEYREFITTE, Alain. Os “milagres” na economia. São Paulo: EDUSC, 2000, 234 p.
**Professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), doutorando em História das Relações Internacionais do
Departamento de História da mesma instituição e editor adjunto de RelNet – Site Brasileiro de Referência em Relações Internacionais
17

disparidade com o Norte. regime corporativo, regulamentos e o


“Peyrefitte coloca que o Para o autor, o fator mental é o enquadramento do econômico pelo
agente decisivo do desenvolvimento, político.
etos que ele chama de
sendo os traços imateriais de uma Ao longo da história, a
confiança competitiva, ou sociedade – religião, preconceitos, humanidade assistiria a inúmeros
seja, a disposição humana superstições, atitude diante da milagres nas civilizações egípcia,
autoridade, moral do indivíduo e do judaica, grega; na era moderna, a
de escapar ao controle
grupo, educação e valores – holandesa, a inglesa, a americana e a
genético próprio da constituintes do comportamento do japonesa abriram uma possibilidade a
espécie para substituí-lo povo, inclusive nos domínios mais todos os povos, ao afirmar valores
materiais: investimentos, produção, empreendedores, isto é, a mentalidade
pela motivação da
intercâmbio e taxas de crescimento. de troca, de competição, de respeito ao
autodeterminada de um Países com sociedades imóveis, adversário, de inovação, de risco e de

engajamento pessoal em hostis à inovação intelectual, sempre lucro. Competição e inovação estariam
baseados excessivamente na tradição, sempre unidas. A inovação estimularia
um projeto próprio para não formariam uma rede de o mercado, que estimularia, por sua
transformar o meio...” (in)formação, permanecendo vez, a inovação, sem condições para se
obscurantistas, sem iniciativa e com pensar em monopólio. A concorrência
taxas de crescimento demográfico seria vista como a regra do jogo e não
e cultural, ao longo dos últimos superiores às de desenvolvimento, com sentida como uma ameaça. Baseado na
séculos. as mulheres tendo pouca participação abertura do desenvolvimento, a China
Peyrefitte não aceita que fatores na economia. Portanto, não bastaria poderia aparecer como um futuro ator
materiais como as condições apenas o capital e o trabalho, mas um de destaque no cenário internacional.
geográficas, por exemplo, sejam conjunto de disposições mentais, que Dentro da mobilidade mental, os
considerados determinantes do seria, para Peyrefitte, o húmus sobre o japoneses seriam um bom exemplo,
(sub)desenvolvimento de alguns países. qual as plantas (países) cresceriam. porque imitaram bastante, mas
Para ele, sendo apenas 1/6 ou 1/7 do O termo milagre econômico foi seletivamente. Não imitaram jamais
mundo desenvolvido, há a necessidade, empregado, pela primeira vez, na uma instituição, por mais atraente que
então, de considerar que a presença do Alemanha do pós II Guerra para lhes fosse, em vistas de seu
subdesenvolvimento é natural. A designar a ressurreição do país. Aplicar- desempenho. Não escolheram um país
própria França só se libertaria desse se-ia também à Itália e ao Japão. Na paradigmático, mas compuseram o
estágio, na visão do autor, em meados religião, milagre liga-se à fé; na retrato de sua sociedade contemporânea
do século XIX. economia, confiança. Para o autor, as a partir de traços de inúmeras
Desta forma, o desenvolvimento é sociedades avançadas partilhariam sociedades.
um milagre, por ser raro e inimitável, desse milagre. À guisa de conclusão, Peyrefitte
dado que as tentativas de aplicar Peyrefitte coloca que o etos que ele afirmaria que o Sul traria ainda consigo
indistintamente “receitas” de países chama de confiança competitiva, ou fatores imateriais que não acarretariam
ricos aos pobres resultam em fracasso, seja, a disposição humana de escapar ao desenvolvimento como clientelismo,
porque resistências mentais tornam controle genético próprio da espécie arrogância e desprezo pelas profissões
ineficaz a transferência de técnicas de para substituí-lo pela motivação da comerciais e industriais, ao passo que,
produção e gestão. Um país não se autodeterminada de um engajamento no Norte, haveria a difusão do espírito
altera simplesmente por decreto ou por pessoal em um projeto próprio para de competição, da mobilidade mental
pura cópia. Para os países do Sul, o transformar o meio, estabeleceu novas organizacional e da valorização do
desenvolvimento se lhes assemelha relações entre o poder público e o comércio e da indústria, justificando o
como uma miragem, que se afastaria indivíduo, que implicaram mudança de distanciamento cada vez mais perene
cada vez mais, porque é crescente a atitude com relação a monopólios, entre os dois modelos.
18

A identidade internacional do Brasil


e a política externa brasileira*
Filipe Nasser**

Um dos grandes estadistas da dentre os incumbidos de “explicar” o Para o mesmo fim, Lafer, com as
RepúblicaVelha, primeiro embaixador País, o encarregado de identificar as credenciais de homem de Estado e das
do Brasil nos Estados Unidos, Joaquim raízes históricas e conceituais da letras, oferece a convergência de dois
Nabuco, concluíra que “(...) o Brasil identidade internacional do Brasil, sua ângulos distintos para construir sua
sempre teve a consciência do seu formulação de política exterior e leitura da identidade internacional do
tamanho e tem sido governado por um atuação internacional, sua interseção Brasil: a do observador estudioso e a do
sentimento profético quanto ao seu com os dados da identidade nacional e, estadista, a do intelectual e a do
futuro”(p.7). Espécie de epígrafe do por fim, apresentar os desafios que político, a do leitor e a do atuante. Não
“destino manifesto” a que o povo permeiam sua inserção internacional obstante, o autor não se furta de, em
brasileiro outorga-se em sua percepção neste debut de siécle. Pois que a obra primeira mão, iluminar o conceito de
ontológica, os dizeres de Nabuco homônima agora editada é não mais do identidade nacional como oriundo do
permanecem fidedignos à realidade com que uma extensão traduzida do esforço sentimento de identificação coletiva –
quase um século de duração. Tanto o do intelectual Celso Lafer, por meio da da convergência de um bem ou
imaginário popular quanto os centros qual desfrutou de maior liberdade para interesse comum. Em interessante
pensantes do país parecem conformar- delinear conceitos e aprofundar os passagem em que faz bom uso da
se em conceber o Brasil como o quase- argumentos de sua investigação. dialética entre vida nacional e
eterno “País do Futuro”. Passado, presente e futuro internacional, o autor pontua que “ (...)
Com esta tão acalentadora quanto sintetiza as três dimensões (as) identidades nacionais
frustante citação profética, o professor epistemológicas percorridas pelo autor. paradoxalmente se formaram e se
Celso Lafer, atualmente Chanceler, abre Operando uma construção histórica da formam em função da vida
sua presente obra, a qual se originou de formação, consolidação e promoção do internacional, no contato e na
um notável artigo encomendado a ele Estado brasileiro pelo viés exterior, o interação com o Outro”(p.16).
pela revista Daedalus – a publicação de autor identifica como o país se enxerga Ainda em respeito a tal dialética,
ciências e artes da Academia dos e é enxergado pelo cenário Lafer entende que, gradualmente, há
Estados Unidos – que dedicaria ao internacional. Admitindo o status de uma diluição das fronteiras entre o que
Brasil todo seu número da primavera de potência média e periférica no concerto é o “interno” e o “exterior” nos cenários
2000, com o sugestivo caput: Brazil: das nações, porém relevante e de nacionais, à luz da globalização e da
burden of the past, promise of the dimensões consideráveis, o autor busca consumação dos processos de
future. Digno de nota é o o paralelo compreender o locus standi do Brasil interdependência, que inserem
entre o título da edição e a atualidade nesse cenário indefinido, que ora se vertentes internacionais em
do pensamento supracitado de Nabuco. conforma. Em seguida, elenca os praticamente todas as questões da vida
Cumpre lembrar também que outros desafios estimulados por este viver interna das nações. Neste sentido, ao
nomes de relevo acadêmico, como José internacional, prescrevendo como valer-se do proposto paradoxo da
Murilo de Carvalho e Leslie Bethell, superá-los de modo que atinja seus formação da identidade internacional
completaram a edição. Fora Lafer, desígnios em um futuro próximo. de um país a partir de sua vivência

*
Resenha de LAFER, Celso A identidade internacional do Brasil e a política externa brasileira: passado, presente e futuro. São Paulo: Perspectivas, 2001, 126 p.
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Bacharelando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e editor-assistente do RelNet – Site Brasileiro de Referência em Relações
Internacionais.
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internacional, o autor enseja situar o se destacar o status de monster country prega um receituário de medidas e
Brasil no cenário internacional, por pacífico, extraído da definição de posturas que deveriam ser adotadas
meio de elementos que, ao mesmo George Kennan sobre a sua dimensão pela diplomacia e por outros setores
tempo, caracterizam-se como continental, com a consolidação governamentais brasileiros no presente
eminentemente brasileiros e outros que histórica do território nacional pelos momento. Dentre elas, está o de
são ofertados pelo sistema internacional. “navegantes, bandeirantes e provocar a percepção de que o
Quanto ao objeto principal da diplomatas” de um espaço conquistado desenvolvimento interno nacional deve
obra, a identidade internacional do em uma América do Sul quase toda dar-se finalmente pelo engajamento
Brasil, sua análise gira basicamente em hispânica. Quanto ao governo, cabe exterior e não pela “relativa autonomia”
torno de três elementos concomitantes: mencionar o caráter excepcional de interna. No centro dessa normativa,
o eixo mudança/continuidade da uma monarquia lusitana entre está a conciliação prática entre o
política exterior do Brasil, a conformação repúblicas hispânicas quando do “nacionalismo” e o “internacionalismo”
histórica do duo território- governo e os Império; as relações tensas com a como posturas de defesa do interesse
estímulos globalizantes que o cenário Argentina; as de interpretação nacional em um contexto internacional
internacional impõe ao país. freqüentemente equívoca vis-à-vis os liberalizante.
Com relação ao eixo mudança/ Estados Unidos; o (latino) Por fim, a obra em questão vem
continuidade da política exterior do americanismo brasileiro e o desígnio em boa hora para intensificar o debate
Brasil e da diplomacia brasileira, cumpre nacional de participar do concerto das sobre o lugar que o Brasil pretende
ressaltar que, a despeito de visões de nações pela via grociana e pelo pleitear no concerto das nações e seus
mundo completamente díspares dos multilateralismo. desdobramentos, à medida que o
homens de Estado que estiveram a Com efeito, o sonoro eixo de sistema internacional mostra-se tão
frente do Brasil, certas linhas de ação e assimetria Norte-Sul das relações complexo quanto imprevisível. Mais do
de postura mantiveram-se internacionais imprime fortemente sua que isso, a obra oferece uma visão
prontamente coerentes e constantes ao marca na atuação internacional do brasileira acerca do Brasil de um ponto
largo do tempo, constituindo o que o Brasil e na recíproca percepção deste de vista exógeno e não endógeno, como
autor chamou – a partir de Renouvin e quanto ao mundo, uma vez dados os costumeiramente o faz a
Duroselle – de “forças profundas” do componentes político-econômicos do intelectualidade tupiniquim. Com um
engajamento internacional do Brasil. país que o inserem em uma peculiar texto absolutamente digerível e
Lafer coloca que a leitura histórica da categoria entre os desenvolvidos e os prodigioso, o autor resume, em linhas
postura brasileira perante o cenário subdesenvolvidos, entre os global precisas, o processo histórico em que
internacional deve ser grociana, ou seja, players e os marginalizados. No caso, embarcou o país nas marés
a do jurisdicismo nas relações vale ressaltar o movimento brasileiro internacionais e por que rotas seguras
internacionais, do pacificismo em em prol do Terceiro Mundo, da ele deve prosseguir. Parafraseando o
detrimento da guerra, das relações equidade entre as nações e da defesa de diplomata e intelectual José Guilherme
exteriores idôneas, do comércio e do regimes de desenvolvimento mais Merquior, Lafer propõe aos que se
viver harmoniosamente na comunidade distributivos. perguntam, em que espécie de tipologia
internacional. Mais do que isso, À luz de uma nova ordem sócio-política o Brasil se encaixa, com
sobretudo, um objetivo único internacional que se molda a partir da que espécie de cultura política o país
constituiria o traço comum do país no queda do Muro de Berlim, em 1989, encontra afinidade ou o quão “exótico”
cenário internacional: o Lafer faz jus a sua condição são seus traços determinantes, que o
desenvolvimento ou a busca de ambivalente de estadista e estudioso, Brasil é um “ (...) Outro Ocidente, mais
insumos externos para a promoção do uma vez que, ao delinear seu pobre, mais enigmático, mais
desenvolvimento interno. entendimento das relações problemático, mas não menos
Com relação ao território e ao internacionais e dos desafios que o Ocidente” (p.40).
espaço nacional que o país ocupa, há de sistema internacional impõe ao país,
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Argentina: Visões Brasileiras*


Delchi Forrechi Glória**

Apesar dos alvoroços de Buenos Aires tentou mostrar sua também constou como alta prioridade
multilateralidade das reuniões independência a Washington, por meio da pauta argentina.
comerciais e políticas dos diversos de uma integração seletiva com as Geopoliticamente, pensava-se em
fóruns internacionais, o papel dos potências envolvidas no conflito estabelecer uma zona pacífica no Cone
parceiros principais – como entidades ideológico Leste-Oeste. Sul, dado o entendimento com o Reino
singulares – ainda mostra-se Curiosamente, o debate interno Unido e com os vizinhos, além de uma
fundamental para o entendimento dos argentino oscilava entre os aproximação autoproclamada “carnal”
processos de arregimentação dos conservadores e as camadas populares e com os EUA, baseada em sua tentativa
sistemas internacionais sua política externa acompanharia isto, de integrar a OTAN, mesmo como
contemporâneos e do desenrolar da ao encontrar em Menem e, em seu membro especial. Por fim, retomar às
política internacional derivativa do pós- gabinete, a antielite sidicaroniana. Esta políticas de prestígio internacional,
Guerra Fria. forma de proceder inauguraria a política onde se pode exemplificar a
Para o Brasil, destacam-se alguns externa argentina na década de 1990 – participação assídua de argentinos em
Estados que mantém relações políticas e com Domingos Cavallo à frente da peacekeepers da ONU.
econômicas de front, extremamente Chancelaria – demonstrando seu Ao fim do governo Menem, chegou-se a
necessários para a consolidação de uma projeto liberal e antiestatista (o pontos que ajudaram na elaboração do
política comercial superavitária e para a estatismo argentino era forte marco das paradigma argentino de política exterior
estruturação e solidificação de bases políticas populistas anteriores e da da década de 1990: aceitou-se a
políticas necessárias à alguma posição decadência acentuada diretamente decadência nacional – geradora da
almejada por nosso país. ligada, segundo o novo governo, ao autocompaixão tão citada por Cervo;
A Argentina é um parceiro período da Terceira Posição original). assumiu-se o realismo periférico e a
importante para a consolidação destas Pragmaticamente, o governo de Menem Argentina abriu mão de alguns pontos
bases, já que integrando o MERCOSUL decidiu deixar de lado o confronto de política interna/externa – como o
participa econômica e politicamente ideológico – tido como desnecessário e, controle cambial; reconheceu-se que o
dos planos brasileiros. Sua importância ainda mais, prejudicial ao alinhamento ao hegemon traria
para o Estado brasileiro confronta-se, desenvolvimento nacional e à sua benefícios per se ; e relacionou-se a
usualmente, com sentimentos almejada posição ao lado dos países globalização a um fenômeno benigno
nacionalistas que envolveram os dois desenvolvidos. que relegaria a responsabilidade com o
países – muitas vezes, atrasando Estes eram o objetivo e o desafio desenvolvimento nacional com fatores
projetos de cooperação e integração – de Cavallo e Menem: levar a Argentina exógenos.
desde os primórdios das suas relações ao seleto clube dos países O artigo de Pedro Motta Coelho,
bilaterais. desenvolvidos. Para tanto, abriram mão diplomata, corrobora as palavras de
O artigo do professor Amado de políticas independentistas, Cervo, mas analisa a posição argentina
Cervo traça a história da política reinseriram a economia argentina na frente à ordem internacional iniciada
exterior argentina – inflexões, diretrizes, economia (pretensamente) globalizada, em Yalta. Discorre sobre a tentativa de
compatibilidades e desgastes com seus abrindo caminhos de negociação manter-se na neutralidade durante o
parceiros, notadamente o Brasil. Sua especiais para a Comunidade Européia primeiro mandato de Peron e mostra
análise parte da Terceira Posição do e, principalmente, para com os EUA. que este desenvolveu suas políticas em
primeiro período peronista – imediato Por outro lado, a integração econômica consonância com os países europeus,
pós- II Guerra –, onde o governo de regional e a cooperação com os visinhos que na social-democracia e na

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Resenha de GUIMARÃES, Samuel Pinheiro, org. Argentina: Visões Brasileiras. Brasília: IPRI/CAPES, 2000, 298p.
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Bacharelando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e editor-assistente do RelNet – Site Brasileiro de Referência em Relações
Internacionais.
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reconstrução estabeleciam as diretrizes notoriamente alinhado com a política mesmo corpo – bem introduzido pelo
básicas de governo. O governo americana, chegando até a enviar duas professor Cervo – e discorrem sobre os
argentino desta época procurava o belonaves ao bloqueio de Cuba, no mesmos conceitos, sobre óticas
desenvolvimento industrial com ênfase episódio da Crise dos Mísseis. diferentes e complementares. As
no crescimento do mercado interno e Chegando-se ao governo Alfonsín políticas externa e internacional –
estabelecia políticas que – após a derrota dos militares na Guerra apoiadas na estratégia e nas relações
salvaguardariam uma certa das Malvinas –, a Argentina procurou bilaterais –, e a econômica – baseada em
independência econômica do exterior, alterar sua situação no plano um multilateralismo comedido, porém
com estatização de empresas a custo do internacional. Conseguiu manifestações presente, principalmente nos últimos
ouro dos espólios de guerra. de apoio na América Latina e reiniciou anos – possibilitam a formação de uma
O golpe militar de 1955 estabeleceu sua inserção nesta ordem globalizada, visão realista e esclarecedora sobre a
mudanças na política externa consolidada, em um cenário cheio de Argentina e seu papel nas relações com
argentina, ao aproximar o país aos riscos, mas bem controlado por Menem. o Brasil e com os atores mais
EUA, aceitar um multilateralismo antes Sendo, portando, inserida na importantes na visão brasileira.
preterido e a ordem econômica de ordem globalizada, surge a possibilidade Forma-se, então, um arcabouço
Bretton Woods. Por outro lado, de analisar a política externa em seu político-institucional de análise da
estabeleceu continuidade na política seguimento econômico, por Markwald política externa argentina e de sua
estruturalista de Raúl Prebisch, ao e R. Iglesias. Em seu artigo os autores influência para o Brasil tanto
comercializar com países do bloco encaminham aprioristicamente a econômica como política, por causa da
vermelho. A aproximação de Buenos explanação histórica do alinhamento intrínseca ligação entre ambos. Resta
Aires com Moscou deu-se até que o argentino à política dos EUA; parte-se aguardar as medidas do novo Presidente
governo estadunidense acusasse a URSS então para a conceitualização das Eduardo Duhalde, ex-Vice-Presidente na
de tentativa de penetração na América políticas cambial e tarifária – a criação gestão de Menem, para vencer a atual
Latina. do MERCOSUL e o atrelamento do crise – herdeira das políticas econômicas
Um novo golpe militar, agora em peso ao dólar e, por fim, debatem as adotadas na última década do século
1962, tentou impedir a postura iniciativas de inserção da economia XX –, que já derrotou o Presidente
populista do governo justicialista, ao argentina à mundial. anterior, Rodriguez Saá – que renunciara
promover um governo ilegítimo e Todas as análises partem de um após nova onda de protestos populares.

Boletim de Análise do Estado da Arte em Relações Internacionais


Publicação digital trimestral do Departamento de Relações Internacionais
da Universidade de Brasília – No 6 – Out-Dez 2001 – ISSN 1518-1227

Publicação digital de periodicidade trimestral do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de


Brasília, distribuída exclusivamente em RelNet – Site Brasileiro de Referência em Relações Internacionais
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Redação: editoria@relnet.com.br

Editor: Virgílio Caixeta Arraes


Editor-adjunto: Antônio Carlos Lessa

Conselho Editorial: Antônio Jorge Ramalho da Rocha, Alcides Costa Vaz, Carlos Roberto Pio da Costa Filho, Cristina
Yumie Inoue, José Flávio Sombra Saraiva, Maria Izabel Valladão de Carvalho, Pio Penna Filho.

Programação visual: Samuel Tabosa de Castro

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