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Rolim de Moura e a
escravidão em Mato Grosso:
preconceito e violência – 1751-1765
Israel de Faria Figueiredo*

Resumo Abstract
Quando chegou à recém-criada capitania de Mato When governor Rolim de Moura arrived in the
Grosso o governador Antônio Rolim de Moura just-created captaincy of Mato Grosso, he found it
encontrou-a escassamente habitada. Para adminis- scarcely inhabited. To rule those people, he brou-
trar essa gente, trouxe de Portugal, além de solda- ght from Portugal not only soldiers, but also bu-
dos, burocratas, criados e escravos, sua cultura e reaucrats, servants and slaves, their culture and
preconceitos. Aceitou a instituição de normas vio- prejudices. He accepted the institution of violent
lentas para conter a insubmissão dos escravos. rules to hold slave’s insubordination.

Palavras-chave: Keywords:
Mato Grosso Colonial – Rolim de Moura – Colonial Mato Grosso – Rolim de Moura –
Violência Violence

* Mestre em História pela Universidade de Brasília – UnB.

REV. TERRITÓRIOS E FRONTEIRAS – PROG. DE PÓS-GRAD. EM HISTÓRIA – UFMT – V.2 – N.2 – JUL./DEZ. 2001
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A escravidão praticada na capitania de Mato Grosso, valendo-se da mão-


de-obra indígena ou negra, estruturou-se no preconceito e na violência.
Uma das mais significativas medidas postas em prática pelo primeiro
governador e capitão general da capitania de Mato Grosso, D. Antônio Rolim
de Moura, já na recém-criada Vila Bela da Santíssima Trindade, foi aquela
relacionada às punições aplicadas aos escravos negros fugidos e às recom-
pensas a que tinham direito os capitães-do-mato e seus comandados, após as
capturas.
Na verdade, o governador apenas aprovou com veemência aquilo que
foi decidido “na presença dos vereadores e procurador deste ano, e os bons
da governança da República”, na própria casa de residência do juiz-de-fora
Teotônio da Silva Gusmão. Esse “ministro”, muito empreendedor, mas des-
provido de tato ao lidar com a população colonial, parece ter liderado a
composição do documento intitulado Regimento dos capitães do mato, em
12 de dezembro de 1755 1.
A redação do Regimento era objetiva e destituída de possibilidade de
clemência para com os negros fugidos. Constituiam as regras que, de certa
forma, visavam recuperar o capital aplicado na aquisição dos negros e, ao
mesmo tempo, o retorno da mão-de-obra destinada, principalmente, aos tra-
balhos de mineração do ouro, pois tudo girava em torno dessa atividade na
capitania. Todos os preços dos alimentos, transações de propriedades fundiári-
as, salários dos civis e militares, côngruas dos religiosos, e tudo o mais que
representasse valor, era mensurado por oitavas de ouro. Era voz corrente que
não haveria ouro sem o concurso da mão-de-obra escrava, e sendo o ouro a
base da riqueza regional, a formulação do Regimento, aglutinando “nobreza e
povo”, tornou-se um mecanismo de defesa econômica da capitania.
Duas figuras destacam-se no bojo do Regimento – o capitão-do-mato
de um lado, e o negro fugitivo, do outro. O primeiro passa a viver do “delito”
do segundo. A recompensa correspondente a cada escravo capturado sozi-
nho ou nos quilombos variava em função da distância entre Vila Bela e o
local da captura. As recompensas foram estipuladas em 50, 30, 20 e 4 oitavas
de ouro, e mais um abono de 8 oitavas para cada dia correspondente à data
da captura e a entrega do fugitivo na vila. Todo escravo arrependido de sua
fuga que se apresentasse ao dono até trinta dias após a abalroada do quilom-
bo dava direito ao capitão-do-mato de receber 6 oitavas de ouro. Caso o
escravo se apresentasse ao seu dono antes da abalroada, seu valor de recom-

1 Arquivo Público de Mato Grosso – APMT, livro C-06, p.100.


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pensa era o mesmo. A cabeça decepada de qualquer fugitivo dava direito a


uma recompensa de 4 oitavas. De acordo com o Regimento, esse procedi-
mento macabro era necessário para servir de exemplo aos demais.
A formação dos homens que participavam das entradas de captura dos
negros seguia o modelo militar: um capitão-do-mato, a quem todos deviam
obediência, um capitão subalterno e soldados. O soldado “frouxo” que deixas-
se escapar algum negro capturado perdia o direito de sua parte da recompen-
sa. O mesmo aconteceria caso ele apresentasse comportamento pouco valo-
roso ao atacar um quilombo. Desobediência era também motivo de punição.
Após receber o castigo das chibatadas em praça pública e marca de
ferro em brasa “que sua Majestade manda”, como consta no alvará de 3 de
maio de 1750, o escravo capturado ficaria, por direito, em poder do capitão-
do-mato ou seu subalterno, que o usaria “em todo o serviço” até a ordem de
entrega ao seu dono, expedida pelo Juiz-de-Fora.
O pagamento das recompensas era efetuado a quem mais tivesse “as-
sistido com pólvora e chumbo e roupa para a expedição”, que, por sua vez,
ficaria encarregado de dividir os valores entre os homens, conforme seu
posto hierárquico na entrada e a bravura do seu comportamento.
Não era necessário trazer o corpo esquartejado do escravo morto “devi-
do o mau cheiro a ter gente daquela paragem”; “e toda a rancharia e lavoura
que acharem farão destruir a fogo”. Essa conclusão do Regimento não deixa
dúvida sobre a necessidade de concretizar a grande violência das punições.
Em carta de 30 de janeiro de 1756 2, Rolim de Moura concorda inteira-
mente com o estipulado no Regimento, exceto no que se refere ao esquar-
tejamento dos negros mortos; “não porque todo o rigor não seja bem mere-
cido por eles, mas porque tenho alguma dúvida que se estenda a tanto a
minha jurisdição, não vendo isto praticado nos mais Regimentos que se acham
registrados nesta Secretaria”. Constata-se, desta maneira, que a formulação
do Regimento específico da capitania de Mato Grosso não era original. Mera-
mente copiou uma pratica generalizada na Colônia.
A administração reinol e colonial criou mecanismos visando “legalizar”
as punições aos escravos insubmissos. O sustentáculo dessa legislação apoia-
va-se numa ideologia escravista apregoada por alguns membros da elite luso-
brasileira, que incluía leigos e religiosos. O intelectual e escravocrata Azeredo
Coutinho talvez fosse o maior defensor e apregoador da manutenção da
escravidão no Brasil. Justificando sua posição, tomava como exemplo a civi-

2 APMT, livro C-06, p 113.


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lização greco-romana, que mantinha normalmente escravos na sua socie-


dade. A riqueza produzida pelos escravos, dizia ele, seria, assim, o sustentá-
culo dessa civilização na América, via Península Ibérica. Ainda na opinião de
Azeredo Coutinho, a civilização não subsistiria na pobreza. Daí a necessidade
do escravo para produzir riqueza e, conseqüentemente, manter a civilização.
A posição de Rolim de Moura era mais objetiva que ideológica. Em
relação aos escravos que fugissem, a opinião do governador era aquela típica
do dominador colonial: “Um escravo que foge furta-se a si mesmo o seu
senhor e lhe faz nessas minas um grande prejuízo pelo alto preço que aqui
valem”. Rolim entendia que o escravo fugitivo perdia a proteção do seu amo
e que, portanto, “furtava-se a si mesmo”.
O sentido do termo liberdade estava restrito aos brancos e a alguns não
brancos em posições sociais especiais. O negro não era visto como um ser
humano, mesmo que integrado em diversos segmentos da sociedade luso-brasi-
leira. Sem dúvida, provido de alma, o negro era logo batizado quando vendido
na África ou revendido na América. Outra justificativa para a escravidão: o
resgate das almas dos negros para maior glória da Igreja. Ora, o governador
ignorava necessidades religiosas. Voltava-se para o aspecto da perda econômi-
ca representada pela fuga dos escravos negros. Prejuízo para o senhor, indivi-
dualmente, e prejuízo para as minas, numa visão ampliada. Isso concorria para
que nas capitanias de economia menos dinâmica, para não dizer em decadên-
cia, como no caso de Mato Grosso, os negros fossem altamente valorizados.
Em carta de 1725, escrita nas minas de Cuiabá, encontra-se o seguinte preço
para “hum negro mineiro [que vale de] 500 a 600 8s a vista (...).”
Esse alto valor justificava, em parte, a violência usada na captura dos
negros fugidos, seja individualmente, seja agrupados nos quilombos. A chan-
cela do governador confirmou a vontade da elite possuidora de escravos. Os
donos, para ter de volta seus negros, recompensavam os captores para os
trazer novamente ao cativeiro. No Regimento não há referência sobre a pos-
sibilidade de resgate dos escravos que escapavam e se escondiam sob a
proteção dos jesuítas das missões castelhanas. Para isso, supostamente, con-
tava-se com a mediação “diplomática” do governador, que nem sempre ob-
tinha êxito nas suas negociações, pois tanto os espanhóis quanto os portu-
gueses visavam arregimentar pessoas para povoar o território de suas colô-
nias, fossem livres ou cativas.
Sob vigilância constante, o negro era trazido pelas monções e revendi-
do como qualquer outra mercadoria nas minas de Mato Grosso e Cuiabá. A
ocupação principal destinada aos escravos era aquela voltada à garimpagem
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do ouro, o que não impedia que essa mão-de-obra fosse utilizada em diver-
sos outros segmentos laborais. Para tanto, os negros estavam sujeitos à vigi-
lância constante; eram analisados sob o aspecto de habilidade e força física,
medidos e contados. No documento intitulado Mapa Geral dos Escravos3, de
1772, está registrado que entre os anos de 1720 e 1750 entraram na região
das minas do Mato Grosso e Cuiabá, exatos 10.775 escravos, estando com-
preendidos neste número “tanto varões como fêmeas assim maiores e me-
nores”. De 1751 a 1765, período correspondente ao governo efetivo de
Rolim de Moura, encontram-se os seguintes registros: escravos importados
por via do Pará, 117, e 2.934 importados do sul da Colônia, perfazendo o
total de 3.051 indivíduos, na sua grande maioria homens, considerando que a
finalidade das importações era a demanda pertinente aos trabalhos nos ga-
rimpos. Esses totais são bem modestos, se comparados às “estimativas Gou-
lart-Curtin, colocando as importações de escravos para o Brasil no século
XVIII em 1.685.200; 550.600 destes tendo vindo da Costa da Mina (no Golfo
da Guiné) e 1.134.600 de Angola”. De posse desses números, pode-se infe-
rir que, por ano, entravam no Brasil 16.852 indivíduos, em média, e na capi-
tania de Mato Grosso 218, pouco menos de 1.30 % do total.
Esses números são referentes aos escravos entrados vivos, não se mencio-
nando os que morriam logo em seguida ou mais tarde, visto que a mortandade
era grande, não só devido ao clima “destemperado” como à má qualidade da
alimentação e às jornadas de trabalho excessivas impostas aos negros.
Nesse período, formou-se uma estranha conexão envolvendo negros e
indígenas, que não perdoavam os brancos invasores de suas terras. Dos indí-
genas, os mais aguerridos e articulados foram os Paiaguá, que rapidamente
aprenderam a tirar vantagens do comércio escravista envolvendo os negros
africanos. Em correspondência de 5 de setembro de 1754, Rolim assinala
que “os paiaguá embrando os pretos (...) os não ofendem pela conveniência
de os irem vender à dita cidade de Assunção”. O governador se referia aos
ataques dos indígenas às monções comerciais que transitavam entre São Pau-
lo e as minas, e o destino de parte do saque efetuado.
O cronista João Antônio Cabral Camello, nas suas Notícias práticas das
minas do Cuiabá, escritas por volta de 1727, nos dá o testemunho pessoal
de uma viagem de São Paulo até Cuiabá, pelos rios. Ressaltando suas ativida-
des de compra e venda, ou mesmo recebimento como dádiva, de negros
que vieram na monção:

3 Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional – NDIHR, UFMT, MF 96.


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Eu saí de Sorocaba com quatorze negros e três canoas minhas, perdi duas
no caminho e cheguei com uma, e com setecentas oitavas de emprésti-
mos, e gastos de mantimento que comprei pelo caminho: dos negros vendi
seis meus, que tinha comprado fiado no Sorocaba, quatro de uns oito que
me tinha dado meu tio, e todos dez para pagamento de dívidas. Dos mais
que ficaram morreram três, e só me ficou um único, e o mesmo sucedeu
a todos os que fomos ao Cuiabá. Em fim, de 23 canoas que saímos de
Sorocaba, chegamos só quatorze ao Cuiabá, as nove perderam-se, e o
mesmo sucedeu às mais tropas, e sucede cada ano nesta viagem.

O testemunho do cronista refere-se apenas à última etapa, e utilização


dos negros, já no território da Capitania. Na verdade, o caminho de São Paulo
a Mato Grosso transformou-se numa trilha da morte. Tanto negros quanto os
não negros estavam sujeitos aos mesmos infortúnios das monções, e aos
azares da sobrevivência diária na Capitania. As condições adversas da vida
colonial não foram amenizadas quando a política centralizadora portuguesa
decretou a liberdade dos negros na Metrópole, mas conservou-os em cativei-
ro aqui. Um decreto declarou infame o branco ou índio que se casasse com
negra. O mesmo tratamento estava reservado à branca ou índia que se unisse
ao negro. Pretendia-se, via legal, conservar cada raça com suas características
de pureza; porém, a realidade colonial ignorava esse princípio.
O governo reinol interditava o uso de armas de fogo aos negros e
mulatos. Os infratores eram passíveis de sofrer “a pena de cem açoites repe-
tidos por um decênio, pela Lei de 24-01-1756”. Muitos senhores ameniza-
vam essa punição para não ter sua mão-de-obra inutilizada, mesmo que tem-
porariamente. O próprio governador elogiou, por escrito, a excelente ponta-
ria dos escravos que foram autorizados a usar armas de fogo, quando neces-
sário na defesa da fronteira da Capitania.
As “duras leis” da Colônia levavam os escravos a usar armas de fogo, ou o
que estivesse à mão, para matar em defesa própria, ou a mando dos adminis-
tradores ou dos seus senhores. Porém, o mais comum era o registro de morte
ou fuga de escravos. Um alvará de D. João V autorizava João Paes da Silva
resgatar – leia-se escravizar – 40 índios no rio Japurá, para repor a mão-de-obra
que havia fugido ou morrido, nas suas fazendas. Que mão-de-obra seria essa?
Índios ou negros? Tudo leva a crer serem os segundos. No mesmo alvará ficou
determinado que os resgates seriam feitos por conta da Real Fazenda4; “não

4 APMT, livro C-06, p. 61.


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sendo estes feitos com armas de fogo, pólvora, ou chumbo, por não ser conve-
niente aos meus domínios se introduzam naqueles sertões semelhantes gêne-
ros, e na forma referida fará os ditos resgates, observando-se contudo as
circunstâncias da minha lei”. Lembrando ainda que no Alvará de 28 de abril
de 1680: “será obrigado a apresentar nesta cidade em junta de Missões todas
as pessoas que lhe vierem resgatadas para se examinarem, e pagar os direi-
tos que me tocarem, das que forem julgadas escravas, e ocultando maliciosa-
mente alguma pessoa sem apresentar nas fortalezas por onde passar, ou
nesta cidade para o referido exame confiscadas as [de] mais, que se lha
acharem para a minha Real Fazenda (...)”. Havia, assim, dois tipos de trata-
mento praticado contra os escravos. Aos negros, a proteção real fazia-se
ausente. Já quanto aos índios, alvarás eram expedidos, visando afastar ou,
pelo menos, amenizar, a violência dos resgates e conseqüente escravização.
No entanto, os direitos da Fazenda Real eram cobrados, não importando
fossem índios ou negros os escravizados que, por sua vez, lutavam pela sua
liberdade da maneira que lhes era possível.
Assim, era evidente que os índios livres também usavam de violência
para se defender e atacar os brancos. Souberam aprimorar sua capacidade
bélica usando nas armas diversos metais introduzidos na Capitania pelos lusi-
tanos. Se acaso lhes fosse conveniente, articulavam alianças de defesa com
os castelhanos. Analisando os armamentos dos índios oriundos do atual Para-
guai, Rolim comenta o seguinte5:

(...) sobre o trato que têm [os índios] com os espanhóis [e] pela suspeita
que há nesta capitania de que eles os ajuda a fazer-nos a guerra a
qual é fundada em se lhe haverem achado por várias vezes lanças
com choupe de ferro muito bem tiradas e argolas de bronze, com
pontas nos seus porretes, que são as armas de que se servem mais
ordinariamente (...) que só lhe podem vir as ditas armas do comércio
que têm com os espanhóis seus vizinhos da cidade de Assunção, e
mais povoações que há para aquela parte.

O comércio entres espanhóis e índios só trazia desvantagens aos portu-


gueses, que, tendo suas monções atacadas, eram despojados dos valiosos
escravos negros, cuja relação de valor, em 1755, poderia ser de “dois negros
por 55 cabeças de gado”.

5 Paiva, Ana M. M. et alli, Correspondências. Cuiabá: Imprensa Universitária, 1983, vol. 2, p. 170.
50

Atacando as monções oriundas do sul da Colônia, os Paiaguá tinham na


nação dos índios Mura a reprodução de suas ações na região amazônica:

(...) as canoas de que se servem são de casca de árvore, com as quais


não podem fazer resistência às nossas, e em terra havendo boa vigilân-
cia, não é necessário que seja grande a tropa (...) e assim se vê que o
dano que até agora têm recebido os viamentos deste caminho do dito
gentio, é frechar-lhe atraiçoadamente algumas pessoas do barranco do
rio, a cujo prejuízo vêm tão expostas as tropas grandes, como as pe-
quenas, e nunca podem evitar-se sem que Vossa Majestade seja servido
mandar destruir esta nação6.

Nesta carta enviada diretamente ao rei D. José I, datada de 10 de janei-


ro de 1755, Rolim não usa de meias palavras: considerando que eram traiço-
eiros e guerreiros mais fracos que os portugueses, os Mura deveriam ser
destruídos. Os Mura eram, de fato, extremamente ferozes. A ofensa sofrida
por um membro da nação era vingada por todos; seus usos e costumes eram
considerados os mais rudimentares entre todos os demais indígenas.
A opinião do governador poderia ser um tanto mais branda – mas, ainda
assim, provida de preconceito – ao julgar aqueles indígenas que, aproximan-
do-se dos colonos de maneira pacífica, livravam-se de uma morte violenta:

Não há dúvida que alguns índios chegam a aprender a ler e a escrever


ainda dos que estão em mãos particulares, e no Cuiabá me consta haver
um que até sabe contar, porém de ordinário é não terem capacidade
para isso, e antes muitas vezes entro em dúvida se a maior parte deles
chega a ter uso da razão e isso é a causa da prática que se lhe têm
introduzido as aldeias [missionárias] e tratar em tudo como menores sen-
do isso preciso ainda para conservarem a fé e a doutrina porque de
outra forma com a mesma facilidade com que recebem, se esquecem
dela, o que se está vendo em alguns que depois de muitos anos de confis-
são e comunhão fogem pelo mato, e lá tornam a viver como antes7.

Como dirigente colonial, Rolim talvez nem se esforçasse para com-


preender o indígena que, na sua visão, poderia ser bom, no caso de se sub-

6 Ibidem, p. 12.
7 Ibidem , p. 54.
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meter à tutela do colono branco, ou do missionário religioso, ou mau, se


rebelde. Mas, ele não se mostrava disposto a aprovar a conduta do índio que
se distanciava, escapando pelo sertão. Impossível seria sua neutralidade ou
indiferença com relação à problemática indígena.
Isto posto, conclui-se que a incapacidade do governador para enten-
der as razões dos índios conduzia-o a um sentimento de perplexidade e
revolta. Ele não chegou a atinar que o índio plasmado numa cultura pró-
pria e, posteriormente, em contato com o mundo dos colonos europeus
era capaz de julgar os dois lados, e fazer a escolha daquele que lhe pare-
cia o mais conveniente.
Mas nem sempre o índio simplesmente dava as costas aos europeus e
se embrenhava nos sertões à procura da liberdade perdida. Seu tormento
era maior quando se tornava o pomo da disputa colonial entre Portugal e
Espanha. Ao defender os interesses lusitanos, Rolim, baseando-se no Trata-
do de Limites, ajustado em Madri, em 1750, cita o artigo 16, em carta
endereçada ao padre jesuíta João Roiz, a 2 de outubro de 1755: “que os
índios que se forem para a parte de Espanha, perderão os bens de raiz”.
Assim, no mundo colonial ibérico, os índios eram considerados pobres dig-
nos de tutela, nas reduções, ou nas mãos de particulares; no entanto, sub-
metidos à interferência de tratados assinados na Europa, eles poderiam
ficar sujeitos à mendicância.
Sempre meticuloso, o governador prossegue nas suas considerações:

Ainda há mais, diz o artigo 16 assinado que: as aldeias que se


cedem por Sua Majestade Fidelíssima, e Católica, nas margens dos
rios Pequeri, Guaporé e das Amazonas, se entregaram com as mes-
mas circunstâncias que a Colônia do Sacramento, conforme se dis-
se no artigo 14, e os índios de uma, e outra parte para se irem, ou
ficarem ... De modo que se Vossa Reverendíssima esperasse para o
tempo das entregas, talvez que muitos índios, ou a maior parte
deles quisessem ficar da nossa parte; e fazendo a mudança tanto
tempo antes, interpretavam a vontade dos índios, obrigando a pas-
sar para os novos lugares não só os que assistiam nos antigos, mas
ainda os que andavam pelo mato: com o que se diminuíram, não
poucos súditos a esta capitania8.

8 Ibidem, p. 134.
52

Mesmo que dando aos índios a opção de escolher um lado ou outro


para se fixarem definitivamente, não lhes cessava a condição de tutelados
imposta pelos ibéricos.
Como já foi mencionado, o aldeamento não constituía a única opção
dada aos indígenas. Dentre estes, os Bororo mereciam ser adjetivados de
“valorosos” pelo governador, que via neles grande capacidade guerreira. A
par de oferecerem menor resistência ao apresamento e maior facilidade de
adaptação à vida do branco, o que, certamente, os livrou de serem dizima-
dos. De toda forma, sempre houve o cativeiro doméstico. Como se deduz da
seguinte resolução de Rolim:

Ultimamente mando agora fazer diligência para que se vão estabele-


cer alguns moradores rio abaixo com Bororo, que é gentio muito
valoroso, concedendo aos que se resolverem a isso a administração
deles para sempre porque se tem visto que esse gentio se não acomo-
da a estar aldeado9.

Assim, não sendo possível o aldeamento, restava o caminho da admi-


nistração particular para sempre. Isso pouco diferia dos mecanismos de com-
pra e venda dos escravos negros. Na verdade, tratava-se de uma doação de
um indivíduo para outro, cuja efetivação era a simples resolução do governa-
dor. No entanto, este “gesto de bondade”, doar vitaliciamente índios bororo
aos colonos brancos, levou a um desfecho inusitado:

Pois passados poucos dias de estabelecidos na paragem aonde eu os


queria, foi tal o medo que tomaram deste clima, que eles mesmos
induziram os bororos a que fugissem, para com esse pé se retirarem! 10

Com espanto, o governador continuou dizendo que mesmo os sertanis-


tas, e até os bastardos, não quiseram se estabelecer rio abaixo devido o
medo das doenças na região.
Fazendo-se de esquecido de sua “doação fracassada”, em 29 de no-
vembro de 1759, Rolim escreve a Tomé Joaquim C. Côrte Real:

(...) desde que cheguei à capitania logo fui desenganando os povos

9 Ibidem, p. 185.
10 Ibidem, vol. 3, p. 110.
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por meio de bandos e despachos de que os índios não eram cativos


nem se podiam comprar, vender, nem trocar, e os homens nisso estão
hoje todos, e se acaso tem havido alguma coisa destas, é muito oculta,
e nem assim lhe faz conta, porque quando escapam do castigo, sempre
compram sem segurança de possuir, por se irem os índios reduzidos
continuamente às aldeias e tirando-se o poder dos particulares11.

Sendo assim, o governador confirma, por escrito, sua total incoerência


na condução da política indígena. A imagem passada ao ministro graduado
do Reino divergia de sua ação para efeitos administrativos internos na Capi-
tania. No entanto, Rolim admitia que a redução dos índios nas aldeias era o
melhor caminho para resolver o problema, por livrá-los da violência dos
sertanistas. Essa opinião foi emitida com referência à Missão de Santana, situa-
da nos arredores de Cuiabá, logo após sua chegada à Capitania, alguns anos
antes da formulação do Diretório dos Índios, em 3 de maio de 1757, já em
plena administração pombalina.
O aldeamento dos indígenas se fazia recolhendo-os no mato como
quem colhe frutos silvestres, ou caça animais. Os chamados “índios mansos”
eram levados simplesmente em troca de quinquilharias, e os considerados
“bravos”, pelo poder das armas de fogo.
A ação dos religiosos jesuítas, no recolhimento do maior número possí-
vel de nativos, estava amparada quase sempre no aparato bélico. São escla-
recedores os fatos relatados pelo governador. Estando, certa vez, gravemen-
te enfermo, o padre Agostinho Lourenço, jesuíta trazido por Rolim, na aldeia
fundada Guaporé abaixo:

E achando-se sem companheiro, para não morrer sem confissão, se foi


buscar à aldeia de São Miguel Espanhola que lhe fica seis ou sete dias de
viagem rio abaixo. Neste tempo, (talvez sem malícia, por que me segu-
ram, não ignorava a ausência e moléstia do dito padre Agostinho) veio
o padre Raimundo Laines, com sertanistas, e índios armados à dita
missão portuguesa, e nela pediu guias para ir ao Mequens gentio que
fica da nossa banda, e que muita parte dele foi recolhido por sertanistas
portugueses; e outro pelo mesmo padre Agostinho; e como não deram,
se foi aos Patequis que ainda se acham situados mais dentro das terras
de Portugal, de onde conduz para a sua aldeia umas setenta cabeças12.

11 Ibidem, vol. 4, p. 43.


12 Ibidem, vol. 2, p. 198.
54

A clara exposição de Rolim a Diogo de Mendonça Corte Real, em 27 de


junho de 1756, dá a medida do que os religiosos lançavam mão para alcançar
seus propósitos. Não havia respeito pelo impedimento da doença do irmão,
não havia respeito pelos limites territoriais. O mais forte ou mais esperto
arrebanhava o que podia. Os princípios da filosofia iluminista, já restritos
quando em prática na Península Ibérica, mal se faziam sentir na região do
Guaporé. Mesmo porque a praticidade militar de Rolim não deixava margem
para demonstrações de sentimentos humanitários. Ele relata os seguintes
fatos aos seu superior Diogo de M. Côrte Real:

O padre Agostinho me diz, que de quatro anos a esta parte tem mor-
rido em todas as missões [espanholas] umas por outras, metade dos
índios. E se continuarem assim; dentro de poucos anos estarão che-
gados a última ruína; não se provendo do mato de outros índios, que
já da sua parte, quase não tem; e da nossa, é que ainda há imensida-
de; cujo reparo se lhe tira, recolhendo-nos esses mesmos índios antes
que eles o façam13.

Diante dessa exposição, conclui-se que a mortandade dos índios não foi
sentida; os aplausos foram direcionados para a “última ruína” que poderia
abater as missões espanholas. A morte dos índios seria apenas um detalhe
sem importância, desde que as missões, e seu conseqüente controle territo-
rial, fossem abatidas. De toda forma, a pequena tentativa de proteção dada
por um membro da Igreja concernente aos indígenas está registrada na carta
do padre Agostinho Lourenço, único jesuíta presente na região do Guaporé,
em 2 de abril de 1753:

(...) As vendas e compras de índios se fizeram tão vulgares nestas


minas, que não é muito não advertisse o Superior que o Alvará junto
de nada poderia servir para o efeito de possuir por título justo de
compra a índia Teresa, (...) Foi esta índia apanhada aleivosamente
de uma missão dos padres da Companhia do Pará, enquanto o missio-
nário que ali residia fez uma entrada ao sertão em busca de infiéis:
é assim não só não é cativa, mas lhe fez injúria atroz muito que a
vendeu por tal (...)14.

13 Ibidem, p. 209.
14 APMT, livro C-06, p. 62.
55

O padre alega a favor da índia ser ela mãe de uma menina cujo pai era
homem branco. Além disso, ele quis dizer que era justo resgatar infiéis índios
para serem administrados no recinto das missões jesuíticas, mas que os índios
não poderiam ser objeto de compra e venda de particulares, a menos que
houvesse alvará autorizando. Vê-se, também, que os jesuítas possuíam gran-
de entrosamento e comunicação entre si, pois a índia Teresa, retirada de
uma missão no Pará e escravizada nas minas de Mato Grosso é objeto da
conexão e proteção da Companhia. Como já observado, os indígenas eram
passíveis de proteção, o mesmo não ocorrendo com os negros que, localiza-
dos no último nível da escala social do império luso-brasileiro, eram, porém
imprescindíveis como mão-de-obra produtora de riquezas.
Quando iniciou sua viagem em direção a Cuiabá, Rolim de Moura se fez
escoltar pessoalmente por três soldados dragões, dois criados e “alguns pre-
tos”. Os soldados que vieram acompanhando o governador desde Lisboa eram
três, os dois criados que vestiam libré, também foram contados. Porém, quanto
aos pretos, o governador nem se deu ao trabalho de contá-los. Eram alguns,
um grupo à parte... Não houve menção ao local da compra dos escravos nem
do valor pago na aquisição. Provavelmente tratava-se dos chamados “negros
do povo”. Esta suposição baseia-se em o governador jamais ter mencionado
adquirir escravos, fossem negros ou índios, para uso em sua casa.
Passados mais ou menos sete anos na capitania de Mato Grosso, em
convivência com os diversos representantes das raças branca, negra, índia, e
os miscigenados, Rolim foi capaz de fazer comparações:

Não se pode negar que os índios têm pior disposição para efeito que
as outras nações; pois vemos que os pretos chegam boçais (...) suas
terras, dentro de poucos anos se aladinam e adquirem (...), para se
governarem; o que não sucede de ordinário aos índios15.

Apesar das lacunas do texto supracitado, vê-se que, sem dúvida, a compa-
ração do governador é favorável aos africanos. Seu ponto de vista não é mais
aquele baseado no preconceito, mas o que via e sentia na vida diária e até
mesmo quando da ação bélica dos negros na defesa territorial da Capitania.
A aparente simpatia demonstrada pelo governador não livrava os ne-
gros de serem maltratados nos garimpos. Além de escassos, os “negros mi-
neiros” encontravam-se envelhecido para as condições e padrões da época,

15 Paiva, Ana M. M. et all, op. cit.,vol. 3, p.203.


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“passam de quarenta e cinqüenta anos de idade bastantemente avançada


para os que se ocupam em minerar”. Sendo raros os que chegavam aos trinta
anos. Para sanar essa necessidade, só importando mais negros. Além das
condições de insalubridade dos garimpos, a má alimentação muito contribuía
para a morte prematura dos escravos. Condoído, Rolim prosseguia: “pois é
de saber que o sustento ordinário, que geralmente nestas minas se costu-
mam dar a um negro, é uma quarta de milho por semana, e aqueles que
melhor os tratam acrescentam a isso dois pratos de feijão, também por sema-
na”. O alimento era fornecido cru. Ao escravo caberia a tarefa de cozinhá-lo
e acrescentar a esta dieta espartana o que fosse possível conseguir pescando
nos rios, caçando nas matas.
As minas e faisqueiras também eram freqüentadas pelas chamadas “pre-
tas de tabuleiro” que traziam produtos manufaturados, comidas e bebidas
para comercializar. Rolim emitiu um bando proibindo essa atividade “devido
os distúrbios provocados naqueles locais”. É que os escravos mineiros desvia-
vam ouro para comprar o que fosse possível das espertas comerciantes. Como
principal foco de riqueza da capitania, os garimpos atraíam e constituíam
locais de relativa movimentação de pessoas.
Não bastando o que sofriam com subalimentação e excesso de trabalho
nos garimpos, os negros eram também penalizados pelas faltas dos seus se-
nhores. A prisão de um certo escravo Bazílio, encarcerado por dívidas do seu
dono e obrigado a prestar serviços forçados, é relatada por Rolim. Ele também
aponta a falta do tesoureiro Tomás Gonçalves, em Cuiabá, que se utilizava, nas
suas roças, dos serviços de escravos havidos em heranças alheias.
As condições de higiene e promiscuidade na cadeia de Cuiabá geraram
uma petição dos presos ao governador16. Eles alegavam que num espaço de
60 palmos de comprimento por 16 de largura estavam confinados 80 pessoas
não havia espaço para todos se deitarem ao mesmo tempo, sendo que dois
dos detentos eram portadores da doença de São Lázaro. Entre os diversos
presos que assinaram em cruz, havia apenas uma mulher, por nome Maria
Benguela. Rolim assinala que a maioria da população carcerária era constituí-
da de pobres, “mulatos e negros”, que se eternizavam na cadeia por incapa-
cidade financeira de constituir defensores. Diante desse quadro de negligên-
cia dos administradores coloniais, o governador ordena que os presos sejam
separados em locais de maior espaço, e soltos os que já tenham cumprido
suas penas. Com as devidas cautelas, os presos deveriam sair da cadeia para

16 APMT, livro C-08, p.23 verso e 25 verso.


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que houvesse a desinfecção das enxovias. Para tanto, Rolim fornece uma
receita para que façam a limpeza dos cômodos da cadeia. Na melhor das
intenções, manda que acendam fogueiras nos aposentos, usem enxofre em
pó sobre brasas para produzir uma fumaça purificante e, por fim, que façam
espargir vinagre forte nas paredes e pavimentos. Se as condições de sobrevi-
vência do indivíduo em liberdade eram precárias, elas tornavam-se diminu-
tas quando encarcerado em alguma vila da capitania.
Diante do duro tratamento recebido e da facilidade que se apresentava
em transpor a fronteira e alcançar a liberdade, não é de se espantar o aparen-
temente grande número de escravos fugidos. As missões castelhanas de bom
grado acolhiam os negros, assim como quaisquer outras pessoas que se dis-
puzessem a cruzar a fronteira colonial. A bem da verdade, a liberdade das
missões era relativa. Era destinada apenas aos que se submetiam às normas
internas impostas pelos jesuítas.
Rolim alude o seguinte caso que se iniciou dentro de sua própria casa:

E como tenho esta ocasião, é-me também preciso representar a Vossa


Reverendíssima que me consta andarem nas missões espanholas, dois
negros, um chamado de loanda escravo do secretário deste governo,
e, outro, Tomás escravo também do soldado Dragão Manoel da Costa,
que assiste em minha casa17.

Nada se sabe do desfecho do pedido. Provavelmente o padre não aten-


deu à solicitação do governador, considerando que os fugitivos entendiam de
madeira e foram vistos, por um mulato espião, serrando árvores nos arredo-
res da missão. Eles constituíam, portanto, uma mão-de-obra nada desprezí-
vel, ainda que paga.
Uma quantidade significativa de miscigenados fazia parte da popu-
lação colonial. Mulatos e mulatas, não sendo exatamente negros ou bran-
cos, desempenhavam, por vezes, a ligação de dois segmentos da socie-
dade, e tiravam proveito, sempre que possível, da indefinição de suas
características físicas. Apesar de suas restrições aos “índios puros” ou “ne-
gros puros”, Rolim não considerava nada demais em se misturar as raças.
Julgando até mesmo que o melhor caminho para o desenvolvimento da
Capitania seria aquele da miscigenação:

17 Paiva, Ana M. M. et all, op. cit., p. 209.


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Mudando a espécie por meio da mistura com os brancos, e os pretos


menos inábeis ficam, e destes ordinariamente se fazem os capitães-
do-mato e [soldados] pedestres, e outros aprendem ofícios em que
servem a República, ainda que pela maior parte se ressentem da ori-
gem que têm18.

A função dos capitães-de-mato foi bem definida no Regimento posto


em prática na capitania: eram caçadores de negros fugidos. Portanto, não
poderiam ser solidários àqueles que lutavam por sua liberdade. Dos senhores
recebiam a recompensa por seu trabalho. Serviam de elo de ligação entres
duas situações extremas e transformaram essa função num meio de vida. Por
que, na opinião do governador, os capitães-de-mato mulatos eram hábeis
nessa atividade? Provavelmente por conhecer as “manhas” dos negros, a
localização dos quilombos, e tomar conhecimento do paradeiro dos fugitivos
em ambos os lados da fronteira. Os mulatos tinham, aparentemente, maior
facilidade de circulação sem despertar suspeitas.
De resto, não era estranho a Rolim lidar com escravos negros. Desde a
Idade Média, os portugueses os tinham a seu serviço no Reino. No séquito
de dignitários coloniais encontravam-se pessoas de todas as cores de pele,
seja em viagens, seja em funções sedentárias. Ao realizar o trecho da viagem
entre São Paulo e Parati, onde conferenciou e recebeu instruções de Gomes
Freire, em 1750, Rolim se fez acompanhar de um pequeno, mas significativo
séquito assim composto:

Por estarem os meus oficiais de ordens doentes, levei comigo o capi-


tão em lugar deles, e três dragões, para me servirem de escolta, duas
bestas de carga com bem pouco provimento e para poderem acompa-
nhar-me dois criados, e alguns pretos19.

Com o passar dos anos, o governador foi, aos poucos, mudando sua
opinião a respeito dos negros. Em correspondência de 30 de setembro de
1762, demonstrando descortino, encontram-se essas anotações:

Os ditos escravos são agora precisos para as obras, que se hão de


fazer, como adiante direi, e juntamente se for necessário defender

18 Ibidem, vol. 4, p. 45.


19 Ibidem, vol. 1, p. 5.
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isto por meio das armas parece-me, não hão de ser inúteis, como se
viu já na guerra de Pernambuco. Pelo que ainda quando não havia
obras, para aumentar a guarnição, que eu não podia por suficiente só
de soldados, a todos os que eram destacados cá para [rio] abaixo se
tinham escravos, e os queriam trazer consigo, lhe mandava dar para os
ditos escravos ração de farinha e feijão e soldo de pedestres ficando
obrigados ao serviço que estes costumam fazer e sendo capazes disso20.

Agora, diante do quadro bélico pintado na defesa da fronteira, lançando


mão de todos os homens disponíveis, os escravos são usados como construto-
res no aumento do destacamento, função corriqueira atinente aos “negros do
povo” e “negros comuns”. O que neste momento muda, de maneira espanto-
sa, é equiparar os “pretos” aos soldados pedestres, com direito a soldo. Porém,
essa resolução não foi suficiente para preencher a demanda de homens aptos
a combater. Em bando de 15 de julho de 1763, são perdoados os crimes leves
dos que, pessoalmente, acudirem à defesa da fronteira, em especial na locali-
dade do Presídio de Nossa Senhora da Conceição. Além dessas considerações e
medidas, o governador estava consciente do papel dos negros nas lutas trava-
das pelos luso-brasileiros para expulsar os holandeses de Pernambuco. Assim,
em primeiro lugar, Rolim demonstrou ter algum conhecimento de lutas antigas
na Colônia e, em segundo, que o negro podia ser usado como soldado eficien-
te a favor dos interesses portugueses, em momentos oportunos.
Finalmente, encontramos uma observação que de certa forma irá con-
cluir o pensamento do governador de modo elucidativo: Os pretos não há
dúvida, que é boa gente, e assim o tem mostrado 21.
Apesar da clareza e divulgação que Rolim de Moura revestiu seu ato de
benefício para com os negros, tem-se a considerar que o novo status não
ultrapassou o “período militar” da vida deles. A necessidade de defender as
fronteiras o levou a tomar essa medida. Passado o momento, o escravo vol-
tou a obedecer ao seu senhor concomitantemente à perda do posto de sol-
dado pedestre e respectivo soldo. Observa-se, também, que o comando
recebido pelos escravos negros era o da formação militar, isto é, o superior
da escala substituiu seu dono que, no entanto, participava da campanha,
provavelmente em unidade diversa, considerando que os homens eram agru-
pados conforme o padrão de sua epiderme.

20 Ibidem, vol. 4, p. 208.


21 Ibidem, p. 217.
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