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Rolim de Moura e a
escravidão em Mato Grosso:
preconceito e violência – 1751-1765
Israel de Faria Figueiredo*
Resumo Abstract
Quando chegou à recém-criada capitania de Mato When governor Rolim de Moura arrived in the
Grosso o governador Antônio Rolim de Moura just-created captaincy of Mato Grosso, he found it
encontrou-a escassamente habitada. Para adminis- scarcely inhabited. To rule those people, he brou-
trar essa gente, trouxe de Portugal, além de solda- ght from Portugal not only soldiers, but also bu-
dos, burocratas, criados e escravos, sua cultura e reaucrats, servants and slaves, their culture and
preconceitos. Aceitou a instituição de normas vio- prejudices. He accepted the institution of violent
lentas para conter a insubmissão dos escravos. rules to hold slave’s insubordination.
Palavras-chave: Keywords:
Mato Grosso Colonial – Rolim de Moura – Colonial Mato Grosso – Rolim de Moura –
Violência Violence
REV. TERRITÓRIOS E FRONTEIRAS – PROG. DE PÓS-GRAD. EM HISTÓRIA – UFMT – V.2 – N.2 – JUL./DEZ. 2001
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do ouro, o que não impedia que essa mão-de-obra fosse utilizada em diver-
sos outros segmentos laborais. Para tanto, os negros estavam sujeitos à vigi-
lância constante; eram analisados sob o aspecto de habilidade e força física,
medidos e contados. No documento intitulado Mapa Geral dos Escravos3, de
1772, está registrado que entre os anos de 1720 e 1750 entraram na região
das minas do Mato Grosso e Cuiabá, exatos 10.775 escravos, estando com-
preendidos neste número “tanto varões como fêmeas assim maiores e me-
nores”. De 1751 a 1765, período correspondente ao governo efetivo de
Rolim de Moura, encontram-se os seguintes registros: escravos importados
por via do Pará, 117, e 2.934 importados do sul da Colônia, perfazendo o
total de 3.051 indivíduos, na sua grande maioria homens, considerando que a
finalidade das importações era a demanda pertinente aos trabalhos nos ga-
rimpos. Esses totais são bem modestos, se comparados às “estimativas Gou-
lart-Curtin, colocando as importações de escravos para o Brasil no século
XVIII em 1.685.200; 550.600 destes tendo vindo da Costa da Mina (no Golfo
da Guiné) e 1.134.600 de Angola”. De posse desses números, pode-se infe-
rir que, por ano, entravam no Brasil 16.852 indivíduos, em média, e na capi-
tania de Mato Grosso 218, pouco menos de 1.30 % do total.
Esses números são referentes aos escravos entrados vivos, não se mencio-
nando os que morriam logo em seguida ou mais tarde, visto que a mortandade
era grande, não só devido ao clima “destemperado” como à má qualidade da
alimentação e às jornadas de trabalho excessivas impostas aos negros.
Nesse período, formou-se uma estranha conexão envolvendo negros e
indígenas, que não perdoavam os brancos invasores de suas terras. Dos indí-
genas, os mais aguerridos e articulados foram os Paiaguá, que rapidamente
aprenderam a tirar vantagens do comércio escravista envolvendo os negros
africanos. Em correspondência de 5 de setembro de 1754, Rolim assinala
que “os paiaguá embrando os pretos (...) os não ofendem pela conveniência
de os irem vender à dita cidade de Assunção”. O governador se referia aos
ataques dos indígenas às monções comerciais que transitavam entre São Pau-
lo e as minas, e o destino de parte do saque efetuado.
O cronista João Antônio Cabral Camello, nas suas Notícias práticas das
minas do Cuiabá, escritas por volta de 1727, nos dá o testemunho pessoal
de uma viagem de São Paulo até Cuiabá, pelos rios. Ressaltando suas ativida-
des de compra e venda, ou mesmo recebimento como dádiva, de negros
que vieram na monção:
Eu saí de Sorocaba com quatorze negros e três canoas minhas, perdi duas
no caminho e cheguei com uma, e com setecentas oitavas de emprésti-
mos, e gastos de mantimento que comprei pelo caminho: dos negros vendi
seis meus, que tinha comprado fiado no Sorocaba, quatro de uns oito que
me tinha dado meu tio, e todos dez para pagamento de dívidas. Dos mais
que ficaram morreram três, e só me ficou um único, e o mesmo sucedeu
a todos os que fomos ao Cuiabá. Em fim, de 23 canoas que saímos de
Sorocaba, chegamos só quatorze ao Cuiabá, as nove perderam-se, e o
mesmo sucedeu às mais tropas, e sucede cada ano nesta viagem.
sendo estes feitos com armas de fogo, pólvora, ou chumbo, por não ser conve-
niente aos meus domínios se introduzam naqueles sertões semelhantes gêne-
ros, e na forma referida fará os ditos resgates, observando-se contudo as
circunstâncias da minha lei”. Lembrando ainda que no Alvará de 28 de abril
de 1680: “será obrigado a apresentar nesta cidade em junta de Missões todas
as pessoas que lhe vierem resgatadas para se examinarem, e pagar os direi-
tos que me tocarem, das que forem julgadas escravas, e ocultando maliciosa-
mente alguma pessoa sem apresentar nas fortalezas por onde passar, ou
nesta cidade para o referido exame confiscadas as [de] mais, que se lha
acharem para a minha Real Fazenda (...)”. Havia, assim, dois tipos de trata-
mento praticado contra os escravos. Aos negros, a proteção real fazia-se
ausente. Já quanto aos índios, alvarás eram expedidos, visando afastar ou,
pelo menos, amenizar, a violência dos resgates e conseqüente escravização.
No entanto, os direitos da Fazenda Real eram cobrados, não importando
fossem índios ou negros os escravizados que, por sua vez, lutavam pela sua
liberdade da maneira que lhes era possível.
Assim, era evidente que os índios livres também usavam de violência
para se defender e atacar os brancos. Souberam aprimorar sua capacidade
bélica usando nas armas diversos metais introduzidos na Capitania pelos lusi-
tanos. Se acaso lhes fosse conveniente, articulavam alianças de defesa com
os castelhanos. Analisando os armamentos dos índios oriundos do atual Para-
guai, Rolim comenta o seguinte5:
(...) sobre o trato que têm [os índios] com os espanhóis [e] pela suspeita
que há nesta capitania de que eles os ajuda a fazer-nos a guerra a
qual é fundada em se lhe haverem achado por várias vezes lanças
com choupe de ferro muito bem tiradas e argolas de bronze, com
pontas nos seus porretes, que são as armas de que se servem mais
ordinariamente (...) que só lhe podem vir as ditas armas do comércio
que têm com os espanhóis seus vizinhos da cidade de Assunção, e
mais povoações que há para aquela parte.
5 Paiva, Ana M. M. et alli, Correspondências. Cuiabá: Imprensa Universitária, 1983, vol. 2, p. 170.
50
6 Ibidem, p. 12.
7 Ibidem , p. 54.
51
8 Ibidem, p. 134.
52
9 Ibidem, p. 185.
10 Ibidem, vol. 3, p. 110.
53
O padre Agostinho me diz, que de quatro anos a esta parte tem mor-
rido em todas as missões [espanholas] umas por outras, metade dos
índios. E se continuarem assim; dentro de poucos anos estarão che-
gados a última ruína; não se provendo do mato de outros índios, que
já da sua parte, quase não tem; e da nossa, é que ainda há imensida-
de; cujo reparo se lhe tira, recolhendo-nos esses mesmos índios antes
que eles o façam13.
Diante dessa exposição, conclui-se que a mortandade dos índios não foi
sentida; os aplausos foram direcionados para a “última ruína” que poderia
abater as missões espanholas. A morte dos índios seria apenas um detalhe
sem importância, desde que as missões, e seu conseqüente controle territo-
rial, fossem abatidas. De toda forma, a pequena tentativa de proteção dada
por um membro da Igreja concernente aos indígenas está registrada na carta
do padre Agostinho Lourenço, único jesuíta presente na região do Guaporé,
em 2 de abril de 1753:
13 Ibidem, p. 209.
14 APMT, livro C-06, p. 62.
55
O padre alega a favor da índia ser ela mãe de uma menina cujo pai era
homem branco. Além disso, ele quis dizer que era justo resgatar infiéis índios
para serem administrados no recinto das missões jesuíticas, mas que os índios
não poderiam ser objeto de compra e venda de particulares, a menos que
houvesse alvará autorizando. Vê-se, também, que os jesuítas possuíam gran-
de entrosamento e comunicação entre si, pois a índia Teresa, retirada de
uma missão no Pará e escravizada nas minas de Mato Grosso é objeto da
conexão e proteção da Companhia. Como já observado, os indígenas eram
passíveis de proteção, o mesmo não ocorrendo com os negros que, localiza-
dos no último nível da escala social do império luso-brasileiro, eram, porém
imprescindíveis como mão-de-obra produtora de riquezas.
Quando iniciou sua viagem em direção a Cuiabá, Rolim de Moura se fez
escoltar pessoalmente por três soldados dragões, dois criados e “alguns pre-
tos”. Os soldados que vieram acompanhando o governador desde Lisboa eram
três, os dois criados que vestiam libré, também foram contados. Porém, quanto
aos pretos, o governador nem se deu ao trabalho de contá-los. Eram alguns,
um grupo à parte... Não houve menção ao local da compra dos escravos nem
do valor pago na aquisição. Provavelmente tratava-se dos chamados “negros
do povo”. Esta suposição baseia-se em o governador jamais ter mencionado
adquirir escravos, fossem negros ou índios, para uso em sua casa.
Passados mais ou menos sete anos na capitania de Mato Grosso, em
convivência com os diversos representantes das raças branca, negra, índia, e
os miscigenados, Rolim foi capaz de fazer comparações:
Não se pode negar que os índios têm pior disposição para efeito que
as outras nações; pois vemos que os pretos chegam boçais (...) suas
terras, dentro de poucos anos se aladinam e adquirem (...), para se
governarem; o que não sucede de ordinário aos índios15.
Apesar das lacunas do texto supracitado, vê-se que, sem dúvida, a compa-
ração do governador é favorável aos africanos. Seu ponto de vista não é mais
aquele baseado no preconceito, mas o que via e sentia na vida diária e até
mesmo quando da ação bélica dos negros na defesa territorial da Capitania.
A aparente simpatia demonstrada pelo governador não livrava os ne-
gros de serem maltratados nos garimpos. Além de escassos, os “negros mi-
neiros” encontravam-se envelhecido para as condições e padrões da época,
que houvesse a desinfecção das enxovias. Para tanto, Rolim fornece uma
receita para que façam a limpeza dos cômodos da cadeia. Na melhor das
intenções, manda que acendam fogueiras nos aposentos, usem enxofre em
pó sobre brasas para produzir uma fumaça purificante e, por fim, que façam
espargir vinagre forte nas paredes e pavimentos. Se as condições de sobrevi-
vência do indivíduo em liberdade eram precárias, elas tornavam-se diminu-
tas quando encarcerado em alguma vila da capitania.
Diante do duro tratamento recebido e da facilidade que se apresentava
em transpor a fronteira e alcançar a liberdade, não é de se espantar o aparen-
temente grande número de escravos fugidos. As missões castelhanas de bom
grado acolhiam os negros, assim como quaisquer outras pessoas que se dis-
puzessem a cruzar a fronteira colonial. A bem da verdade, a liberdade das
missões era relativa. Era destinada apenas aos que se submetiam às normas
internas impostas pelos jesuítas.
Rolim alude o seguinte caso que se iniciou dentro de sua própria casa:
Com o passar dos anos, o governador foi, aos poucos, mudando sua
opinião a respeito dos negros. Em correspondência de 30 de setembro de
1762, demonstrando descortino, encontram-se essas anotações:
isto por meio das armas parece-me, não hão de ser inúteis, como se
viu já na guerra de Pernambuco. Pelo que ainda quando não havia
obras, para aumentar a guarnição, que eu não podia por suficiente só
de soldados, a todos os que eram destacados cá para [rio] abaixo se
tinham escravos, e os queriam trazer consigo, lhe mandava dar para os
ditos escravos ração de farinha e feijão e soldo de pedestres ficando
obrigados ao serviço que estes costumam fazer e sendo capazes disso20.