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³The line that divides education as domination from education


as an instrument of liberation is not crossed simply through a
process of µunmasking¶. Seeing the world in more political
ways, through the eyes of the oppressed, is a necessary but not
sufficient condition for social transformation. But it is a
beginning´.

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³Negros foram apenas 3,2% dos formandos nas universidades em 2000: quantidade de
brancos chegou a 80%´.2

Os dados acima revelam a extrema desproporção entre negros e brancos que ascendem
aos níveis superiores da educação. Sendo o Brasil o país não-africano que possui a
maior população negra perdendo somente para a Nigéria, de acordo com dados do
IPEA, os números ganham maior significado. Ao mesmo tempo, fazem refletir sobre
como a escola vem tratando as relações raciais brasileiras e como ela tem servido de
instrumento reprodutor do racismo presente na sociedade.

Este trabalho, seguindo na direção da Pesquisa ³Navegantes e Internautas: 500 Anos a


Desafiar a Formação de Professores´, constitui uma reflexão preliminar em torno do
silenciamento da escola sobre as questão racial, verificado nas práticas dos professores,
nos currículos, nos programas das disciplinas e nas atitudes dos participantes do
processo educativo. Partindo de estudos e pesquisas que já comprovaram que o racismo
existente na sociedade é reproduzido na escola3, busco aprofundar a investigação: a que
se deve esse silêncio? Que concepções e que memórias têm sustentado essas práticas
educativas e tendem a desconsiderar os conflitos raciais?

Problematizar a questão racial no Brasil, especialmente na escola, significa entrelaçar


desejos e anseios por uma educação democrática, com práticas e projetos que
comungam do mesmo espírito de inconformismo e de luta pela reinvenção da escola e
da sociedade. E, nisto, busco me apoiar no conceito de história de Walter Benjamin que,
ao buscar nas brechas da tradição uma outra história que não se realizou, desmonta
concepções há muito sedimentadas, ressignificando memórias e narrações a partir do
ponto de vista dos que foram vencidos.

Os estudos mencionados que servirão de referência para as reflexões que realizo partem
de observações e entrevistas a professoras do ensino fundamental e demonstram as
diversas facetas que assume o racismo no cotidiano escolar. O primeiro refere-se ao
processo de construção da identidade de professoras negras. Gomes (1995) constatou
diversas situações de racismo em relação a crianças negras, até mesmo por parte das
professoras negras, o que demonstra a complexidade da problemática racial no Brasil e
na escola.
O segundo estudo tem como foco principal o racismo na educação infantil. A partir de
observações do cotidiano escolar, Cavalleiro (2000) nos relata uma série de situações de
racismo que, no seu entender, acontecem no universo escolar, bem como as
conseqüências que essas atitudes podem acarretar para a formação da auto-estima e da
identidade.

A reflexão que ora ensejo realizar parte, assim, dos resultados e reflexões desses estudos
supracitados, enquanto que, a fim de avançar na discussão, utilizei o resultado de
entrevistas realizadas com alunos da oitava série e com professores do ensino
fundamental , tendo em vista discutir a questão racial presente na escola, o seu
ocultamento, o silenciamento e a negação como características marcantes de um
problema que a escola se recusa a ver, ainda que pulse insistentemente em todos os
domínios da vida escolar.

As entrevistas foram todas realizadas em quatro escolas públicas da rede estadual de


ensino, localizadas no município de Santana, no Amapá.

Foram entrevistados oito alunos, divididos em dois grupos (alunos negros e brancos). A
divisão parte da premissa de que o ponto de vista da questão racial apresentada pelos
dois grupos é diferenciada, sendo que os alunos negros, por serem esses os que mais
sofrem os efeitos do racismo presente na escola ± como podemos depreender dos
depoimentos dados nas entrevistas ± apresentam uma outra visão do problema, uma
dimensão vivida e sofrida, ainda que eu não possa descartar a importância da visão
apresentada pelos alunos brancos. Apoiada em Linhares, as opiniões de alunos e de
professores podem ser tomadas como expressões de memórias sociais, permitindo
narrativas múltiplas que, abrindo espaço para diversidade, possibilitem a conexão entre
escola e vida cotidiana.

O texto está organizado da seguinte forma:

!' Inicialmente, apresento um quadro sucinto da realidade racial no país, em que teço
algumas considerações sobre o racismo no Brasil, principalmente no que concerne ao
indicador educação, em que alguns dados sobre a escolarização dos negros no país e as
desigualdades que a caracterizam se fazem fundamentais para a compreensão das
questões posteriormente levantadas.

(' Em seguida, realizo um pequeno intercurso pela questão racial no cotidiano escolar,
destacando alguns aspectos, a meu ver, mais importantes da problemática racial nesse
campo, revelados tanto nos estudos já realizados por outros pesquisadores como pela
minha própria pesquisa. No entanto, a análise do silenciamento, como um mecanismo
muito utilizado pela escola no tratamento da questão racial, constitui o cerne deste
trabalho.

)' Finalmente, apresento algumas iniciativas que vêm sendo tomadas no combate ao
racismo, especialmente em países da Ásia, América e Europa, e que poderão vir a
alimentar outras no domínio escolar da nossa sociedade brasileira.

!'*+, ,% "-   "+


" %& 
³Pesquisa revela que 46% de um total de 1172 pessoas entrevistadas no Estado do Rio
de Janeiro (capital e interior) consideram que os problemas de convivência entre negros
e brancos se devem ao fato de que os negros querem as mesmas condições dos
brancos´.4

Os dados apresentados por esta pesquisa assumem configurações alarmantes quando


levamos em consideração o fato de que, segundo o IPEA, os brasileiros afro-
descendentes constituem a segunda maior nação negra do mundo, atrás somente da
Nigéria, e que, em 1999, entre os cerca de 160 milhões de indivíduos que compõem a
população brasileira, 54% se declararam brancos, 39,9 pardos e 5,4% pretos, 0,46
amarelos e 0,16 índios.5

Levando em consideração que se juntarmos pardos e pretos em uma só categoria,


podemos constatar que cerca de 45% da população brasileira é afro-descendente, as
opiniões acima relatadas assumem conotações drásticas, pois não estão localizadas em
um tempo em que as desigualdades ainda poderiam ser explicadas, ainda que não
justificadas, e sim, se localizarem em um tempo em que muitas idéias racistas que
tentavam justificar a opressão já não têm nenhum tipo de validade para a ciência,
mesmo aquela de cunho positivista e racionalista.6

No entanto, os resquícios das concepções racistas do final de século XIX e início do


século XX estão vivos nas práticas sociais, no imaginário das pessoas e resistem às lutas
que demonstram ao longo dos anos a sua inconsistência, e lançam seus tentáculos ainda
no começo de um novo milênio. O que tem contribuído para a perpetuação dessas
posturas racistas em uma sociedade que se coloca como multirracial e multicultural? O
que faz com que ainda nos deparemos com posturas dessa natureza, mesmo quando se
propaga por todos os meios que vivemos numa pretensa sociedade que é o resultado da
mistura das três raças: a branca, a negra e a indígena? De fato, vivemos em plena
harmonia, numa democracia racial? Essas são questões recorrentes que algumas pessoas
preocupadas com as desigualdades raciais no país se colocam há muito tempo.

A tentativa de responde-las nos remete a uma análise da história do país, mas também
aos diversos mecanismos de segregação racial presentes, secularmente, na sociedade
brasileira, entre os quais destaco o sistema educacional e a escola que vêm exercendo
tanto um papel fundamental na sua continuidade e reprodução, quanto na busca de sua
superação.

Gostaria de ressaltar que não poderíamos considerar menos alarmante se caso


contatássemos que a população negra fosse minoria no país, como muitos ainda tentam
nos fazer crer. Fazendo referência a um evento sobre preconceito racial acontecido na
cidade de Teresina, um jornal que circula no Estado do Piauí publicou um artigo
intitulado ³Vulgarizando o Preconceito´, no qual o autor, ante a idéia de se incluir no
currículo escolar daquele município uma língua afro-brasileira, reagiu com as seguintes
afirmações:

³Nas sociedades mais evoluídas culturalmente e também nas democráticas, para que a
ordem flua com naturalidade, tem sido considerado ideal e racional que as minorias se
adeqüem aos costumes, ensinamentos, padrões e decisões tomadas, levando-se em
consideração interesses das maiorias. Preconceituoso, desonesto e, por que não dizer,
paradoxal, seria conceber-se como legal e moral, o contrário´. 7
Seria o caso de perguntar ao autor a que minoria ele está se referindo? Caso esteja se
referindo à população negra, como demonstra a sua preocupação, penso que ele, ou
desconhece os dados divulgados pelo censo demográfico do país, ou então tenta
desvirtuar lutas históricas por direitos de cidadania há séculos negados e que continuam
sendo sistematicamente ignorados. Posicionamentos semelhantes aos do autor e dos
entrevistados na pesquisa realizada no Rio de Janeiro, têm reforçado a ideologia de
integração nacional que se dá a partir da assimilação que desconsidera as diferenças.

Na continuação do mesmo artigo, o autor tenta nos convencer de que não há sentido em
considerar direitos para ³minorias´ que devem, em verdade, ser diluídas num tipo de
brasilidade homogênea e monolítica, avessa à pluralidade. Segundo suas próprias
palavras:

³(...) não se vislumbra grande vantagem pretender mudar-se a mentalidade daqueles


que, sem qualquer hipocrisia, ainda que lhes coloquem a pecha de preconceituoso,
preferem crer que usual é o universo maior sugerir regras de comportamento ao menor
...´

Os dados do IPEA são contundentes em contrariar posições dessa natureza. Mediante a


análise da composição racial da pobreza no Brasil, fica patente que ³nem a pobreza é
µdemocraticamente¶ distribuída no país´. Em 1999, os negros representavam 45% da
população brasileira, mas correspondiam a 64% da população pobre e 69% da
população indigente. Os brancos, por sua vez, constituíam, no mesmo período, 54% da
população total, mas representavam somente 36% dos pobres e 31% dos indigentes.
Dos 53 milhões de brasileiros pobres, 19 milhões são brancos, 30,1 milhões pardos e
3,6 milhões, pretos.8

Tomando por base os dados enunciados, foi emitida a seguinte conclusão: ³nascer de
cor parda ou preta aumenta significativamente a probabilidade de um brasileiro ser
pobre´.9

O meu repúdio ao caráter ideológico de afirmações como a do artigo mencionado, se faz


mais veemente, uma vez que encobre a complexidade da questão racial, no Brasil. Bem
sabemos que o longo processo histórico de opressão induz a própria população negra a
negar a sua ascendência africana, pela aproximação a todo o custo, a um padrão europeu
de beleza e de valores. Os mestiços, por exemplo, procuram se identificar mais com o
elemento branco de sua família e não se declaram negros quando entrevistados pelos
recenseadores. Conclui-se que o número de negros neste país seria muito maior do que
o apresentado pelas estatísticas oficiais, caso não sofressem a nefasta estigmatização
produzida pela cultura dominante, podendo, aqui, invocar, a título de exemplo, a
política do branqueamento.

Como bem nos argumenta Munanga (1999), eis uma das maiores dificuldades dos
Movimentos Negros contemporâneos de:

³Construir uma identidade a partir das peculiaridades do seu grupo: seu passado
histórico como herdeiros dos escravos africanos, sua situação como membros de grupo
estigmatizado, racializado e excluído das posições de comando na sociedade cuja a
construção contou com seu trabalho gratuito, como membro de grupo étnico-racial que
teve sua humanidade negada e a cultura inferiorizada´.10
A ideologia do branqueamento surgiu como uma tentativa de ³genocídio do negro
brasileiro´, segundo as palavras de Nascimento11, e é uma das grandes razões para que
se negue a identidade negra e se procure aproximar à do branco. É ela uma das
concepções que sustentam atitudes racistas que se revelam no repúdio às ações que
visem a resgatar a história da população negra no país e a construção de sua identidade.

Perguntados sobre as possíveis razões para as desigualdades raciais no Brasil, os alunos


afirmaram que as oportunidades de trabalho são diferenciadas e que as vagas nas
empresas não são dadas aos negros, e sim aos brancos, em função da exigência da boa
aparência.

³Os negros não têm as mesmas oportunidades no mercado de trabalho pelo preconceito.
Se só tem uma vaga, tem um negro e um branco, vão colocar o branco certamente´.
(Aluna negra, 14 anos)

³Para dar emprego eles exigem boa aparência. Se você é negro vão arranjar uma
desculpa, mas não vão te dar o emprego, mesmo que o seu currículo seja melhor que o
do branco´. (Aluna negra, 15 anos)

³Dentro de uma empresa você tem várias pessoas para um determinado emprego, você
recebe vários currículos, e se dentro desses você encontrar um currículo de um negro
que seja melhor que o dos outros, ele vai ser barrado, ali, justamente por causa de sua
cor´. (Professora B, 1ª série do ensino fundamental)

Esses depoimentos demonstram uma certa clareza em relação às desigualdades no país.


No entanto, se avançarmos na análise, começamos a perceber que acabam corroborando
a idéia de que existe uma dificuldade de se analisar a questão racial. Dificuldade que se
expressa, ora na aceitação da sua existência, ora na negação, ou simplesmente no
ocultamento. Um dado interessante é que muito embora se tenha claro que o racismo
está por trás das desigualdades entre negros e brancos, não se verificam, em termos
concretos, ações para resolver o problema. A justificativa é que a questão é polêmica e
muitos não sabem o que fazer.

A opinião das pessoas mencionadas na pesquisa publicada pelo Jornal do Brasil, e até
mesmo a de outras, como a do autor do Jornal Meio Norte, ensejaria outras
considerações que, infelizmente, são adiadas para outros momentos, pois extrapolaria os
limites deste trabalho. No entanto, não posso deixar de ressaltar um dado que chama a
atenção: em todas ecoam as vozes de muitos colegas professores que defendem a idéia,
ou da não existência do racismo na sociedade e na escola, ou do seu reconhecimento,
mas são sempre imputadas ao outro, eximindo-se a pessoa que fala das referidas idéias
racistas. De todo modo, a questão é silenciada, como demonstra a seguinte colocação:

³Na minha trajetória profissional nunca presenciei casos de racismo na escola. Vejo que
o racismo é um problema superado, porque todos somos brasileiros. Não existe essa
coisa de ser branco ou negro. É isso que tenho tentado passar para os meus alunos´.
(Professora de Terceiro Grau e Supervisora Escolar)12

³Existe racismo na sociedade e na escola, sim! Só que muita gente não gosta de tocar no
assunto. Aqui na escola tem professores que são racistas, mas não gostam de tocar no
assunto. Às vezes tento, mas vejo que os meus colegas não gostam de falar no assunto´.
(Professora B, 1ª série do ensino fundamental)

Na verdade, fica bastante evidente os interesses que essas pessoas estão defendendo, a
história de quem estão querendo privilegiar e o poder ainda grande do mito da
democracia racial.

Essa realidade não é muito diferente quando nos deslocamos para o domínio da
escolarização. Segundo os dados apresentados pelo IPEA, a diferença de escolaridade
entre negros e brancos no Brasil se mantém inalterada há muitos anos, e, em matéria de
progresso contra a discriminação, o Brasil perde para a África do Sul, país que viveu,
até 1994, o Êpartheid.13

Com base na análise realizada por essa instituição sobre a evolução histórica da
discriminação racial expressa em termos de escolaridade, percebe-se que, embora a
escolaridade média dos brancos e dos negros tenha aumentado de forma continuada ao
longo do século XX, um jovem branco de 25 anos tem, em média, mais 2,3 anos de
estudo que um jovem negro da mesma idade, e essa intensidade da discriminação racial
é a mesma vivida pelos pais desses jovens. Dessa maneira, a escolaridade média dos
adultos brancos e negros cresce ao longo do século, mas o padrão da discriminação
mantém-se inalterado entre as gerações.

No período mais recente, apesar das melhorias ao acesso à escola, expressa na redução
do número de jovens de 7 a 13 anos que não freqüentam a escola, o que se verifica é que
os jovens negros ainda apresentam níveis de desempenho inferiores aos jovens brancos.
Os níveis de freqüência à escola e de analfabetismo, por exemplo, são piores entre
jovens negros do que entre os jovens brancos.

No que concerne ao ensino secundário, a situação não é diferente. Os indicadores nos


mostram que entre os jovens brancos de 18 a 23 anos, 63% não completaram o ensino
secundário, contra 84% de jovens negros da mesma idade. Ou seja, embora o indicador
de escolaridade dos jovens brancos que não completaram o ensino secundário nos revele
taxas elevadas, não se compara com os 84% relativos aos jovens negros. Esses dados
demonstram como o sistema educacional do país ainda está longe de ser democrático.

Quando, então, dirigimos nossa atenção para o ensino superior, a situação fica mais
estarrecedora. Em 1999, 89% dos jovens brancos entre 18 e 25 anos não haviam
ingressado na Universidade. Dos jovens negros nessa faixa de idade, por sua vez, 98%
não tiveram acesso à universidade.

Não seriam as práticas discriminatórias presentes na escola, as que Cavalleiro faz


referência, relativas aos conteúdos distorcidos, ao processo de ³branquização´ dos
currículos escolares e outras formas de discriminação, os grandes responsáveis por este
quadro?

Como poderemos reverter esses dados se, desde o início da trajetória escolar, a criança
negra percebe a quase ausência do professor negro na escola, se se difunde uma cultura
baseada em padrões brancos, se a criança não se vê nos livros didáticos ou, quando se
vê, é sempre minoria ou está em posição subalterna? Inúmeras referências sobre o negro
que são repassadas na escola ainda o associam como sujeito submisso, pobre, que ocupa
posições inferiores. Tudo isso aliado às constantes e inúmeras piadas, brincadeiras,
apelidos pejorativos e anedotas.

Mais uma vez não podemos descartar as raízes históricas dessa baixa escolarização, mas
também não podemos esquecer que, desde a abolição da escravatura até os nossos dias,
não foi demonstrada nenhuma preocupação com a questão da diversidade étnico-racial
nas inúmeras reformas educacionais. É importante buscar formas de permanência do
aluno nessa escola que ainda reforça padrões de exclusão social e racial.

Segundo Rosemberg, a expansão da educação infantil que se deu na década de 80,


originou uma concentração muito grande de crianças negras na educação infantil não-
formal, prioritariamente atendidas por professoras leigas (não formadas em nível de
segundo grau) e que, ao mesmo tempo, essa retenção se dá nas zonas tipográficas mais
pobres do país, como nas Regiões Norte e Nordeste. É nesses locais que se concentra
demograficamente a maioria da população negra.

Ainda, segundo Rosemberg, essa concentração de crianças negras na educação infantil,


e a não-formação dos professores que as atendem, são fatores que reforçam a
subalternidade, pois um professor que não tenha conhecimento das teorias pedagógicas,
da psicologia do ensino e da aprendizagem, da sociologia da educação, bem como de
outros fundamentos da educação, não pode oferecer aos alunos muita coisa.

A escola estaria ensinando a desigualdade, reforçando a subalternidade, mediante a


reprodução de hierarquias sociais. Essa é uma análise que vem confirmar a idéia de que,
mesmo em termos oficiais se fale em cifras de mais de 80% de escolarização, outros
processos que se dão no interior da escola e que estão contribuindo para expulsar as
crianças negras, precisam ser examinados.

Rosemberg acrescenta que:

³A socialização de crianças pobres e negras para subalternidade se inicia no berçário


onde se encontram, de maneira geral, as trabalhadoras de creche com nível educacional
inferior e onde as crianças vivem rotinas de espera: a do banho, da comida, da troca de
fraldas´. (Rosember, 2000, p. 147)

Na direção dessa crítica ao descaso com a formação do professor e com a qualificação


da trabalhadora que lida diretamente com a criança, a autora aposta na implementação
de políticas de formação de professores.

Considero de grande relevância o estudo da pesquisadora. Todavia, no tocante à questão


da formação do professor e da trabalhadora que lida com a criança, vejo que é
insuficiente investir somente na formação sem que se defina claramente o tipo de
formação que venha a instrumentalizá-las para o combate ao racismo. Uma formação
que não coloque a raça como elemento central ao lado da questão de classe não auferirá
muitos resultados. Tenho conhecimento de inúmeros professores formados,
politicamente engajados, com um discurso progressista de luta contra as desigualdades
sociais, mas que mantém discurso e práticas racistas, muitas vezes sem o perceber, e
outras tantas por pura convicção da suposta inferioridade do negro.

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Analisar a questão do racismo e discriminação racial na escola não é tarefa das mais
simples. Em virtude da complexidade do problema e das várias tentativas realizadas
pela escola para escamotear o problema racial, toda a aproximação ao universo escolar
que traga preocupações dessa natureza constitui uma experiência melindrosa e bastante
delicada. Abordar um aluno ou professor sobre a questão racial nem sempre é fácil, uma
vez que o problema se reveste de um mistério, transformando-se em tabu. Olhos
intrigados se voltam para o pesquisador, professores se recusam a ser entrevistados
quando o assunto é esse, e quando aceitam, a fala é cheia de silêncios, reticências,
expressões que só o pesquisador atento pode perceber no tête-a-tête, como se pesquisar
a questão racial fosse uma tentativa, nada bem vista, de abertura de uma ferida que não
se quer mexer.

O silêncio na escola em torno da questão racial, o ocultamento e a negação dos conflitos


são o resultado da disseminação histórica de várias concepções racistas que, ainda hoje,
coexistem com o mito da democracia racial. Tudo isso vem contribuindo para
determinar um lugar subalterno do negro na sociedade, desconsiderando sua
humanidade e seu papel de agente histórico na construção da nação brasileira. Embora
as teorias racistas não tenham validade científica, o que observamos - e estudos como o
de Gomes (1995) confirmam ± é que tais concepções continuam presentes no
imaginário dos profissionais da escola e colaboram para a construção de uma identidade
fragmentada das crianças negras.

Nesse sentido, podemos deduzir que a instituição educativa tem primado pelo
desenvolvimento de um currículo homogêneo, numa tentativa de criar um ³artificial
µnós¶´, segundo as palavras de Apple14, sacrificando a diversidade em nome de uma
suposta identidade nacional. Essa pretensa unidade tem ensejado situações de completo
desinteresse de professores em relação a alunos negros que apresentam alguma
dificuldade de aprendizagem.

A alegação é que somos todos iguais, se todos somos brasileiros, por que razão se
importar especificamente com questões relativas a racismo? O problema não seria do
próprio aluno que não tem capacidade? Por outro lado, mesmo admitindo que há
práticas racistas, alguns professores demonstram não considerar importante discutir a
questão. Defrontando-se com situações de conflito entre alunos, apelam para o discurso
da igualdade entre os seres humanos, mas não sabem explicar porque um é discriminado
pelos outro se são iguais.

As professoras entrevistadas relataram o descaso de suas colegas do Curso de


Pedagogia em relação à temática racismo quando solicitadas a pesquisarem sobre o
tema. Não seria o discurso da igualdade o que justificaria a falta de interesse em torno
da questão racial na escola? Os próprios cursos de formação, excetuando iniciativas
isoladas, de modo geral, têm ignorado a questão racial, a julgar pelas falas das
professoras:

³Tenho muita dificuldade de trabalhar a questão racial com meus alunos, principalmente
os conflitos que acontecem todos os dias na minha sala de aula que são muitos. O meu
curso de formação não me ajudou em nada. Nunca foi tratado do assunto, exceto pelos
comentários do único professor negro que tive durante todo o curso. O assunto tem
passado em branco. Pouco se comenta sobre esse assunto. Eu vejo que é um assunto que
as pessoas preferem deixar de falar, do que comentar, se fazer alguma coisa... Se elas
falarem, elas vão demonstrar que são racistas, podem escorregar...assim, preferem se
calar´ (Professora B, 1ª série do ensino fundamental)

A questão racial é uma discussão ausente do currículo escolar, apesar de verificarmos


uma maior abertura no sentido de seu desvelamento por iniciativas diversas como os
estudos e pesquisas publicados sobre o assunto. Ela continua ensejando uma discussão
mais aberta, principalmente pela escola, pelo fato de ser esta uma instituição formadora
de ³opinião´. É através de sua palavra autorizada que distorções, estereótipos e
fragmentações da história vão se perpetuando e repetindo a exclusão e o apagamento da
memória da população negra no país. Um longo caminho faz-se necessário percorrer
para que a discussão sobre a questão racial na escola se torne ampla, importante e
necessária, abrindo, assim, possibilidades de estranhamento, de desocultação e de
desconstrução de ³verdades´ tecidas por uma memória secular que exclui a população
negra da história, da memória do país e da construção da nação brasileira.

É importante que os professores tomem conhecimento das reivindicações do


Movimento Negro para a educação, que se interessem verdadeiramente pelo combate às
desigualdades, que se inteirem dos estudos publicados sobre a temática.

Sabemos que essa memória secular, profundamente enraizada no imaginário da


sociedade, dá sustentação a que situações de racismo sejam vistas com naturalidade,
ignoradas, desconsideradas e até ocultadas. É essa naturalização da discriminação que,
num círculo vicioso, impede uma análise mais séria das situações de fracasso escolar
que acometem majoritariamente as crianças negras. A falta deste senso crítico acentua
as baixas expectativas dos professores e o conformismo dos pais que acabam
acreditando que os filhos não aprendem porque são menos inteligentes que os outros.
Nesse círculo, as crianças, supostamente incompetentes e desinteressadas, fracassam
porque são negras; fracassam porque não se poderia esperar de um negro algo diferente
do estabelecido, de forma a corroborar as estatísticas e as convicções mais racistas. O
círculo fecha sobre si mesmo!

O que se ³esquece´ de analisar é como a escola contribui para o fracasso dessas


crianças, os mecanismos sutis ou explícitos de discriminação presentes no seu cotidiano
e que, muitas vezes, levam a repetências sucessivas e, conseqüentemente, à desistência;
o que se esquece de analisar são as ³profecias´ dos professores que definem, já no início
do ano, aqueles que vão passar no final do período e os que vão sobrar.

A baixa expectativa dos professores em relação às crianças negras tem sido, na verdade,
um dos grandes vilões do processo educativo, porque impede quaisquer tentativas de
contribuir para que o aluno supere suas dificuldades, uma vez que já está definido, de
antemão, a sua incapacidade intelectual.

As entrevistas que realizei com as professoras revelam a sua baixa expectativa em


relação às crianças, mas, como sempre, admitem o problema apenas em suas colegas de
trabalho:

³Aquele pretinho eu já larguei de mão. Esse aí, o destino dele é entrar para alguma
gangue. Não tem jeito´. (Professora A, 4ª série do ensino fundamental)15
A fala de um dos alunos entrevistados confirma o sentimento gerado pela atitude do
professor:

³Repeti a terceira série porque achava que o professor não gostava de mim. Ele se
aproximava de todos os outros alunos, mas não de mim. Às vezes eu falava para minha
mãe, mas não aconteceu nada. Eu também não gostava dele porque ele era ignorante´.
(Aluna negra, 15 anos)

Ainda que espaços de reação e de resistência tenham sido abertos na própria escola
reforçando o seu papel transformador, ainda que as lutas que se dão na sociedade pelos
diversos movimentos dos negros no país venham realimentando algumas iniciativas de
rompimento com o caráter racista que historicamente a escola assumiu, muito se faz
necessário para descortinar o problema racial na escola tornando-o uma das questões
centrais do seu projeto político-pedagógico. Há escolas que afirmam trabalhar em uma
visão crítica mas a fala de seus alunos demonstra que essa visão crítica ainda se refere
aos problemas sociais, ou seja, às questões de classe social sem referência às questões
raciais a elas associadas.

Perguntada se a escola tem feito algum trabalho sobre a questão racial a professora
respondeu que não:

³Nunca vi nenhum projeto, nenhum debate relacionado a isso. Nos meus nove anos de
experiência nunca vi nada relacionado a isso. Nem o serviço técnico nunca tocou no
assunto´. (Professoras A e B, 1ª e 4ª séries do ensino fundamental)

Como vemos, a escola reproduz o pensamento racista presente no imaginário social e ao


mesmo tempo é um espaço onde as lutas, os movimentos de resistência que se travam
fora dela também repercutem no seu interior. Ainda que perceba que o movimento de
reprodução tem tido um papel mais ativo no tocante ao racismo presente no cotidiano
escolar, não posso deixar de perceber também que, ainda que seja lento, o movimento
que alimenta a contradição e enseja rupturas e transformações está presente, pois liga-se
inteiramente à dinâmica da sociedade.

Denúncias são constantemente feitas por pais de alunos descontentes com as


humilhações sofridas pelos filhos, o que evidencia tentativas de desocultamento dessa
face da escola. Algumas professoras estão demonstrando mais clareza de que elas,
consciente ou inconscientemente, reproduzem estereótipos, perpetuando a desigualdade.
Outras já percebem a necessidade de se trabalhar a questão racial na escola, ainda que
não saibam como. Mostram possuir uma visão crítica dos livros e dos registros contidos
neles.

CAVALLEIRO (2000) e GOMES (1995) nos falam de outras situações que, para além
da expectativa, contribuem para a construção de uma baixa auto-estima e de identidades
fragmentadas. Segundo as autoras, a associação feita entre características físicas de
crianças negras com qualidades negativas resulta no seu afastamento desse fenótipo e a
aproximação do padrão branco. A escola ao eleger os valores brancos de matriz
européia relega às outras raças um papel meramente coadjuvante e diminui a
importância histórica das diferentes raças/etnias que construíram a nação brasileira.
Assim, vão se perpetuando valores, representações, saberes que distorcem a história da
população negra, omitem fatos importantes e reforçam outros, como se pode verificar
nas falas dos alunos ao serem instigados a se pronunciar sobre o tratamento que é dado
à questão racial na escola.

³Na minha escola estou desde a 1ª série, mas nunca ouvi muita coisa sobre o negro. Só
sei que o livro de história mostra o escravo, a situação, o sofrimento... acho que precisa
trabalhar mais isso, trazer mais informações sobre a realidade...´ (Aluno negro, 15 anos)

Dessa maneira, quando a escola faz isso, promove a fragmentação da identidade dessas
crianças, impedindo que elas a construam ao modo de que fala Novaes (1993). Segundo
essa autora, a identidade ³(...) aparece como um recurso para a criação de um µnós¶
coletivo (nós índios, nós mulheres, nós negros, nós homossexuais). Este nós se refere a
uma identidade que, como recurso, é indispensável para o grupo reivindicar para si um
espaço social e político de atuação´.16 A identidade ± continua ± é invocada quando um
grupo reivindica uma maior visibilidade social face ao apagamento a que foi
historicamente submetido.

Em vez de trabalhar para a construção da identidade racial das crianças, o que


predomina na escola é a visão de que o negro ocupa as mais baixas posições na escala
social, baixo status, que sua cor é feia, que os negros são maioria nos presídios, nas
favelas sem uma análise crítica da situação. Daí a reação de espanto quando
determinados alunos encontram um negro em posição de destaque, até mesmo na mídia,
às vezes gerando reações agressivas como atesta a fala da aluna abaixo:

³Aqui na escola tem muitas pessoas racistas. Eles começam a comparar as pessoas de
novela que são negras. Eles não gostam de pessoas negras que fazem propaganda, falam
que é totalmente ignorante colocar pessoas negras para dançar na TV como é o caso da
globeleza ... inclusive eu comento às vezes que a globeleza ela é morena mas ela não é...
todo o carnaval quem é que está lá, não é ela?´ (Aluna branca, 14 anos)

O tratamento diferenciado dado aos alunos negros é visível e evidente no cotidiano


escolar. No entanto, finge-se não perceber essas diversas situações e quando
conclamados a agir, muitos professores, na maioria das vezes, utilizam argumentos
pouco convincentes de que não vão resolver o problema. Como está muito arraigada a
idéia de que as ³brincadeiras´ racistas só são brincadeiras, o máximo que se faz é pedir
ao aluno que é alvo das humilhações que releve e esqueça a cor. E, assim, vão se
repetindo, anos a fio, situações de humilhação sem que se tome verdadeiramente uma
iniciativa efetiva.

Ao mesmo tempo em que se identificam situações de discriminação racial, tanto através


das falas dos alunos e professores entrevistados, quanto no resultado das pesquisas das
autoras supracitadas, uma questão bastante intrigante se coloca como elemento que
perpassa todas as situações relatadas: o silenciamento.

A escola silencia sobre o racismo presente na sociedade até mesmo quando ela afirma
estar falando sobre a questão racial. É impressionante como, além da simples omissão, o
recurso que mais se adota para a questão racial ainda é o silêncio. Daí a sensação de
estranheza que é despertada quando se aborda um professor para falar sobre o assunto.
Mas, para avançarmos mais um pouco na compreensão do que seja esse silêncio,
acredito ser importante recorrer ao estudo de ORLANDI17 sobre o assunto. Afinal o que
é silêncio, silenciar? Como se processa? O que é propriamente silenciar sobre a questão
racial na escola e quais são as implicações desse silenciar para o processo de formação
humana e de identidades em uma sociedade multirracial?

Entender, nesse contexto, os significados dos termos silenciar e silenciamento e as


repercussões que um processo dessa natureza pode acarretar para uma educação que se
pretende democrática e a constituição de subjetividades emancipadas e autônomas, é
tarefa que se revela essencial, uma vez que a escola tem silenciado as memórias dos
negros, inclusive se omitindo perante o racismo presente na sociedade. Todos têm
receio de se assumir racistas, ainda que em suas práticas o racismo esteja mais do que
evidente. Um exemplo clássico é o medo de chamar o negro de negro evidenciado nas
falas dos alunos quando se percebe a clara dificuldade de utilizar o termo negro e
substituindo-o por moreno. No entanto, a dificuldade se esvanece quando a intenção é
ofender, humilhar ou ³colocar o negro no seu lugar´. E quando se deseja elogiar,
sempre é acrescentado um ³mas´ como compensação pelo aspecto negativo conferido à
cor da pele:

³Tenho colegas que são ne... morenos, mas são bem esforçados e se saem bem nos
trabalhos. Outros que não querem nada, o professor deixa de lado´. (Aluna branca, 14
anos)

ORLANDI (1977) nos aponta para a necessidade de atentarmos para os diversos modos
de existir do silêncio: silêncio que atravessa as palavras, que existe entre elas, ou que
indica que o sentido pode ser outro, ou ainda que aquilo que é o mais importante nunca
se diz. Ao refletir sobre o que ela chama de ³a política do silêncio´, o silenciamento, ela
afirma que o silêncio adquire uma dimensão política, pois pode ser considerado tanto
como parte de uma retórica de dominação (opressão), como de sua contrapartida
(resistência). O silenciamento, mais do que outra coisa, é um processo revelador de
outros significados do dito, pois permite antever no discurso, o não dito, o silenciado, o
que é dito nas entrelinhas, os significados não expressos.

Daí se perceber uma íntima relação entre silêncio, memória e esquecimento. Silenciam-
se memórias pelo emudecimento, pelo enaltecimento de uma memória em detrimento de
outras, mediante narrativas onde se enfatiza um discurso etnocêntrico, homogeneizador
e monolítico. Silencia-se pelo engessamento de memórias em narrativas cristalizadas
como únicas e verdadeiras. E assim se esvazia movimentos, lutas, processos de
recuperação de memórias negadas de grupos étnico-racias, entre as quais a população
negra brasileira tem sido uma das maiores implicadas.

Apoiando-me nesta perspectiva de silêncio, não posso afirmar que a escola silencia
sobre a questão racial e do racismo pelo simples fato de não tocar no tema. Muitas, na
verdade, não falam mesmo sobre o assunto. No entanto, o que é importante nessa
discussão é aquilo que não é dito quando se fala sobre a questão racial na escola. Os
significados que o discurso sobre o racismo assume no contexto escolar quando mesmo
se dizendo não racistas, seus profissionais ainda privilegiam valores da cultura européia
como padrão e posturas altamente etnocêntricas no trato da questão racial no país.
Assim sendo, não posso afirmar que a escola não fala sobre o racismo, sobre a questão
da desigualdade racial. São, porém, as formas de dizer o dito que encobrem o não dito,
que geram distorções, estereótipos, que camuflam os conflitos entre quem se mantém no
poder a todo o custo e quem luta pela sua visibilidade social.
Silenciar, desta forma, é um não dizer histórico e ideológico, pois depende da posição
do sujeito que fala. ORLANDI acrescenta que quando dizemos que há silêncio nas
palavras, estamos dizendo que elas são ³(...) atravessadas de silêncio, elas produzem
silêncio, o silêncio fala por elas, elas silenciam´.18 A escola omite fatos importantes da
história da raça negra no país, distorce outros, ignora os projetos de emancipação.
Alunos e professores desconhecem as lutas e as reivindicações para a educação do
Movimento Negro e de outros movimentos de resistência, para além do trivial
encontrado nos livros didáticos.

A concepção de História dos vencidos de Walter Benjamin me ajuda a compreender


como se dá esse processo de silenciamento de memórias.19 Benjamin nos incita a
³escovar a história a contrapelo´, o que significaria pensar os meandros das relações
raciais brasileiras, as concepções que a dominaram e fizeram com que lutas fossem
ignoradas e tornadas invisíveis, compreender como a história da raça negra foi escrita, a
que interesses essa narrativa atende, as rupturas e as experiências compartilhadas, os
anseios que não se realizaram, ou seja, rememorar.

Segundo Benjamin, rememorar não se refere às experiências individuais, isoladas como


a lembrança. Rememorar refere-se à experiência coletiva que está ligada à tradição de
um povo, de sua história. Dessa maneira, mesmo que eu tenha utilizado entrevistas
individuais como instrumentos de análise crítica das histórias contadas e não contadas
sobre a nação brasileira, estimulado as lembranças dos sujeitos da pesquisa, suas
experiências de racismo, estamos rememorando.

Lembrar também significa ³trazer à memória´. E trazer à memória, neste caso, implica
em reflexão. Ao serem questionadas sobre as suas práticas na escola, as professoras
foram instigadas a refletir sobre aspectos da realidade que estão eivados das concepções
dominantes e a remexer nas memórias que servem de referência para todos, muitas
vezes inculcadas através das histórias infantis e simbolismos presentes no imaginário.
Falando do presente, sem que nos demos conta, estamos nos colocando em contato com
as faíscas de um passado que relampeja por entre as brechas da tradição que nos chegou.

Para pensarmos um novo futuro, precisamos analisar criticamente o papel que a escola
vem desempenhando, a sua visão de conhecimento, as suas práticas, os processos
históricos que têm condicionado sua natureza excludente, reinventá-la, valorizando
outros saberes, construindo outros projetos para um novo presente. Acrescenta, ainda,
Benjamin que o pesquisador não pode deixar de refletir sobre si mesmo, sobre suas
concepções e convicções, pois são estes que direcionam seu olhar para determinados
aspectos reais ou imaginários de uma determinada realidade e fazem com que ele acabe
negligenciando outros. Nenhum pesquisador observa seu objeto sem refletir o espelho
de suas próprias convicções. Dessa forma, é importante revermos nossos pressupostos,
pois são eles que, muitas vezes, se constituem em névoa que encobre o nosso olhar
sobre determinada realidade, impedindo de vermos outras histórias que fracassaram.

Como educadores que refletem sobre a sua própria prática, não podemos esquecer que a
nossa própria formação ainda se encontra repleta de convicções que, de várias maneiras,
obscurecem nosso olhar sobre a questão racial brasileira.

Ao priorizarmos o conhecimento dito científico, os conteúdos, as preocupações com a


metodologia ou as técnicas mais apropriadas para fazer o aluno aprender, estamos
demonstrando desconhecer que a nossa função é mais do que isso. Ela extrapola o
âmbito meramente pedagógico e atinge o dos valores culturais. Dessa forma, de acordo
com BRUNER20, o que se verifica é que a escola vem menosprezando as narrativas dos
alunos que são importantes recursos para ajudá-los a situar-se no mundo e a construir
uma identidade com as culturas de origem ou das quais eles fazem parte. A escola
concentra-se no ³fator desempenho´ e nas atividades burocráticas, esquecendo o lado
pessoal do processo de aprendizagem que estaria diretamente ligado ao estímulo às
narrativas enquanto recurso teórico-metodológico da construção do conhecimento.
Impõe, assim, uma ³cultura do silêncio´.

Podemos depreender da fala da professora abaixo que a cultura do silêncio é uma


realidade na escola:

³O racismo das professoras e o medo de perder privilégios na sociedade faz com que
muitos não achem que tem que falar no assunto. Até para se promover um debate sobre
o assunto que sabemos estar presente na nossa escola, é difícil porque muita gente não
vê como uma coisa importante. Como pensam que todo mundo é igual, não precisa falar
sobre o racismo, não precisa questionar o racismo´. (Professora da Alfabetização)

Seguindo nessa direção, problematizar a questão racial na escola significa ajudar a


desmontar concepções há muito sedimentadas por uma narrativa autoritária , e
cristalizadas como verdades imutáveis porque ³naturais´, forjadas por um processo vil
de dominação e subalternização daqueles cuja história de lutas por um futuro melhor foi
enterrada sob os escombros de uma história oficial. Significa valorizar o passado, o
presente e o futuro da população pobre e negra. Portanto, escovar a história a contrapelo
também significaria tentar conjugar nas lutas diárias pela reinvenção da escola que
temos, as rupturas com os preconceitos e com a discriminação racial institucionalizada
na escola. Estes são desafios que a escola precisa se dispor a assumir.

)'""&  +$/"0

Nesta minha reflexão não poderia também deixar de mencionar algumas experiências
que vêm sendo feitas no sentido de trazer para o cotidiano escolar a questão racial.
Embora as falas das professoras e de alguns alunos já terem demonstrado uma maior
clareza sobre o racismo presente nas práticas escolares e nos livros didáticos 21, e alguns
até terem confirmado realizar um trabalho com seus alunos sobre o racismo, persistem
ainda algumas preocupações minhas com relação a essa ³clareza´ e esse ³trabalho´.

Algumas questões ainda se fazem presentes. Como está sendo feito esse trabalho? Será
que a escola, ao falar sobre a questão racial, não está corroborando, ainda que sob o
nome de análise crítica da questão racial, o silenciamento? As falas das professoras que
se dizem mais abertas, mais comprometidas com essa questão estão cheias de ´mas´
quando se referem ao aluno negro que se destaca, ou até mesmo a professores negros
por quem nutriram na infância e adolescência alguma admiração.

Pelas falas vislumbro boas intenções. Mas, e a prática efetiva? Considero importante
ressaltar que, em virtude de ser uma prática negada, ocultada e silenciada pela maioria,
as informações obtidas através das entrevistas, além do seu valor de instrumento de
pesquisa, precisam ser complementadas por observações do cotidiano da escola. Como
vimos, nenhum professor se assumiu racista. Todos, invariavelmente, afirmaram que os
colegas é que são racistas. Eis um dado que me inquietou. Por que são os outros? No
entanto, frases como: ³=enho na sala três alunos pretos mesmo, retintos,    que
não me dão trabalho...´ atiçam minhas antenas para essa suposta ³clareza´.

Considero um bom começo as suas tentativas que, mesmo sem apoio, se sensibillizaram
para a construção de uma escola realmente democrática. Esse parece ser o ideal que elas
defendem e estão buscando concretizar.

³É importante que se priorize a questão racial na escola, ao lado da questão de classe


para poder trabalhar a auto-estima dos alunos negros, a idéia de inferioridade tão
introjetada pelos alunos negros, mudar a imagem do negro no livro didático, trabalhar as
expectativas dos professores...´ e, ³é importante trabalhar prioritariamente com
professores do 1º grau sobre a questão racial´. (fala de uma professora de 4ª série que
faz o 2º ano de Pedagogia em formato de módulos).

Porém, sem as bases necessárias para um encaminhamento mais efetivo da questão


racial, que também não foram oferecidas pelos cursos de formação inicial ou qualquer
curso de formação continuada, o que mais percebo são discursos desconexos e plenos de
contradições, que podem, ao invés de contribuir para resolver o problema, acentuá-lo,
escamoteando-o mais uma vez.

Urge que esse debate chegue às escolas para que possamos realmente pensar numa
educação democrática e cidadã, mas como parte de um projeto mais amplo de
erradicação da repetência e evasão.

As reivindicações do Movimento Negro, no Estado do Amapá, são desconhecidas pelos


professores entrevistados. As lutas são desconhecidas, mas penso que a escola já não
pode mais ocultar o racismo que ela reproduz. As feridas estão se abrindo e, nessa
exposição de entranhas, o seu papel transformador também se faz anunciar e, assim, ela
pode contribuir para o combate ao racismo. O debate precisa ser ampliado, sair da esfera
da experiência meramente individual e assumir, da mesma forma que o racismo, um
caráter institucional.

Desmontar as concepções decorrentes das teorias raciais que dominam o imaginário do


professorado: a superioridade dos padrões europeus considerados universais, o mito da
democracia racial, o senso comum que se expressa nas representações simbólicas que
associam o negro ao que é mau, feio e ruim, e o branco com pureza, bondade, beleza,
são desafios que estão posto para todos nós.

Finalmente, não poderíamos deixar de relatar algumas experiências desenvolvidas por


países da Ásia, América e Europa que visam a interferir nas suas políticas educacionais
para a eliminação do racismo e da discriminação racial.22

Em vários países, os currículos da educação básica têm sido revistos, enfatizando-se a


educação dos direitos humanos, a promoção da tolerância entre grupos étnicos e o
respeito à diversidade cultural. Além disso, são introduzidas no currículo disciplinas que
tratam a cultura mundial como resultado de lutas e esforços coletivos, reapresentando a
história sobre vários pontos de vista, com o cuidado de respeitar a interdependência das
nações, os direitos à autodeterminação dos povos e à igualdade racial.
Há também preocupação de conferir particular atenção à educação de crianças do ensino
fundamental para que aprendam a identificar as formas sutis, visíveis e escondidas de
discriminação na escola, ao mesmo tempo em que se procura encorajá-las a combater o
racismo. Para isso, algumas escolas incluíram assuntos que vêm incorporando
criticamente as experiências passadas relativas à história do país e projetando a
possibilidade de construção de uma sociedade mais aberta e plural.

Países que possuem ³minorias´ em seus territórios tentam focalizar a equidade social e
a igualdade de oportunidades. Outros ainda têm perseguido uma política educacional
que permita a integração sem assimilação, acreditando que podem ajudar as minorias a
preservar sua cultura e tradições, protegendo seus direitos a uma cultura própria e
autônoma.

Na pré-escola alguns países têm ajudado a desenvolver nos seus alunos valores dos
direitos humanos contra doutrinas totalitárias. Alguns Estados estão promovendo
campanhas anti-racismo, na educação básica, e adotando planos de ação no combate à
violência nas atividades extracurriculares, conduzindo campanhas contra a intolerância
e contra a xenofobia.

Em termos de educação de adultos, também se tem enfatizado a discussão dos direitos


humanos, com particular ênfase à discriminação racial, mediante cursos, seminários e
oficinas e várias outras atividades públicas financiadas pelos governos.

No que concerne a formação de professores, algumas medidas especiais têm sido


tomadas para preparar professores e outros profissionais da escola, alertando-os sobre a
necessidade de enfatizar os problemas do racismo e a necessidade de eliminá-los,
especialmente através do ensino dos direitos humanos. Mecanismos são usados para
promover a formação continuada de professores e atenção tem sido dada, não apenas ao
ensino das línguas das minorias, mas à promoção do desempenho profissional em níveis
mais elevados. Políticas governamentais são dirigidas aos professores
instrumentalizando-os no trato de questões de racismo na escola.

³A escola precisa ser reinventada e os melhores tijolos de sua reconstrução estão


espalhados nas dobras sociais´. (LINHARES, 1999, p. 16)23

Com essa frase, a autora resume os sonhos, utopias e anseios de todos os que estão
comprometidos com a reconstrução da escola, na direção das lutas e reivindicações dos
movimentos sociais, de coletividades antes ignoradas e emudecidas historicamente.


1
Professora da Fundação universidade Federal do Amapá. Doutoranda do programa de
Pós-Graduação em Educação da UFF. Pesquisadora do Aleph ± Programa de Pesquisa
em Formação dos Profissionais da Educação ± Ensino e Extensão. voltar
2
Cf. reportagem da Folha de são Paulo. Domingo, 14 de janeiro de 2001. voltar
3
Cf. CAVALLEIRO, Eliane. po Silêncio do Lar ao Silêncio Escolar. Racismo,
Preconceito e piscriminação Racial na Educação Infantil. São Paulo: Contexto, 2000 e
GOMES, Nilma Lino. Ê Mulher Negra que Vi de Perto. Belo Horizonte: Mazza
Edições, 1995. voltar
4
Jornal do Brasil. Sexta-feira, 12 de maio de 2000. voltar
5
IPEA. Texto para discussão nº 108. pesigualdade Racial no Brasil; Evolução das
Condições de Vida na pécada de 90. voltar
6
Gostaria de ressaltar que, embora tenha frisado as estatísticas que demonstram o
enorme contingente de negros no Brasil, não consideraria menos importante a questão
caso os negros fossem minoria. voltar
7
Jornal Meio Norte. Segunda-feira, 30 de julho de 2001. voltar
8
IPEA. Ibidem, p 9. voltar
9
Idem, p 11. voltar
10
MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a Mestiçagem no Brasil: Identidade Nacional
versus Identidade Negra. Petrópolis: Vozes, 1999, p 14. voltar
11
NASCIMENTO, Abdias. Genocídio do Negro Brasileiro: Processo de um Racismo
Mascarado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. voltar
12
Esse depoimento foi colhido através de uma conversa informal com a referida
Professora. voltar
13
Cf. artigo intitulado Racismo: O Êpartheid é Êqui. Revista Veja, 21 de março de
2001. voltar
14
Sobre este assunto cf. Apple, Michael. Freire and the politics of race in education.
Mimeo, s/d. voltar
15
O texto refere-se à reprodução do comentário de uma colega da professora
entrevistada, ouvido na sala dos professores. voltar
16
NOVAES. Silvya Caiuby. Jogo de Espelhos. Imagens da Representação de Si
Êtravés dos Outros. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1993. voltar
17
ORLANDI, Eny Puccinelli. Ês Formas do Silêncio. No Movimento dos Sentidos.
Campinas: Editora da Unicamp, 1997. voltar
18
ORLANDI, Eni Puccinelli. Op.cit. p 14. voltar
19
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas. Magia e =écnica, Êrte e Política. São Paulo:
Brasiliense, 1994. voltar
20
BRUNER, Jerome. Cultura da Escola. Lisboa: Edições 70, 1996. voltar
21
Sobre os estereótipos presentes nos livros didáticos, temos conhecimento de que se
está tentando reverter a situação com uma análise crítica dos mesmos. No entanto, foi-
me revelado por algumas professoras que os livros que a escolas ainda recebem são
recheados de estereótipos sobre o negro. Segundo elas, os livros escolhidos nunca vêm
para essa região. voltar
22
VÁRIOS. Excerpt from comprehensive examination of thematic issues relating to the
elimination of racial discrimination. Trata-se um documento sobre o artigo 7º da
Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial.
voltar
23
LINHARES, Célia. Políticas do Conhecimento: Velhos contos , novas contas.
In:LINHARES, Célia (org).[et al.] Políticas do Conhecimento: Velhos Contos , Novas
Contas. Niterói: Intertexto, 1999. voltar

1 /",, 21"

APPLE, Michael.. Freire and =he Politics of Race in Education. University of


Wisconsin, Madison. Mimeo, s/d.

BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas. Magia e =écnica, Êrte e Política. São Paulo:
Brasiliense, 1994

BRUNER, Jerome. Ê Cultura da Escola. Lisboa: Edições 70, 1996.

BROOKSHAW, David. Raça e Cor na Literatura Brasileira. Porto Alegre: Mercado


Aberto, 1983.

CAVALLEIRO, Eliane. po Silêncio do Lar ao Silêncio escolar. Racismo, Preconceito


e piscriminação Racial na Educação Infantil. São Paulo: Contexto, 2000.

GOMES, Nilma Lino. Ê Mulher Negra que Vi de Perto. O Processo de Construção: da


Identidade Racial de Professoras Negras. Belo Horizonte: Mazza Edições, 1995.

IPEA ± (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Textos para Discussão nº 807.


pesigualdade Racial no Brasil: Evolução das Condições de Vida na pécada de 90.

JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO. Domingo, 14 de janeiro de 2001.

JORNAL DO BRASIL. Sexta-feira, 12 de maio de 2000.

JORNAL MEIO NORTE. Segunda-feira, 30 de julho de 2001.

LINHARES, Célia. (org.). Políticas do Conhecimento: Velhos Contos, Novas Contas.


Niterói: Intertexto, 1999.

MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a Mestiçagem no Brasil: Identidade Nacional


versus Identidade Negra. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
NASCIMENTO, Abdias do. Genocídio do Negro Brasileiro.

NOVAES, Silvya Caiuby. Jogo de Espelhos. Imagens da Representação de Si Êtravés


dos Outros. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1993.

ORLANDI, Eny Puccinelli. Ês Formas do Silêncio. No Movimento dos Sentidos.


Campinas, SP: Unicamp, 1997.

REVISTA VEJA. Racismo: O Êpartheid é Êqui. 21/03/2001

ROSEMBERG, Fúlvia. Educação Infantil, Gênero e Raça. In: GUIMARÃES, Antônio


Sérgio Alfredo e HUNTLEY, Lynn. (orgs.). =irando a Máscara: Ensaios sobre o
Racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

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