Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
!
"#$$
%&
³Negros foram apenas 3,2% dos formandos nas universidades em 2000: quantidade de
brancos chegou a 80%´.2
Os dados acima revelam a extrema desproporção entre negros e brancos que ascendem
aos níveis superiores da educação. Sendo o Brasil o país não-africano que possui a
maior população negra perdendo somente para a Nigéria, de acordo com dados do
IPEA, os números ganham maior significado. Ao mesmo tempo, fazem refletir sobre
como a escola vem tratando as relações raciais brasileiras e como ela tem servido de
instrumento reprodutor do racismo presente na sociedade.
Os estudos mencionados que servirão de referência para as reflexões que realizo partem
de observações e entrevistas a professoras do ensino fundamental e demonstram as
diversas facetas que assume o racismo no cotidiano escolar. O primeiro refere-se ao
processo de construção da identidade de professoras negras. Gomes (1995) constatou
diversas situações de racismo em relação a crianças negras, até mesmo por parte das
professoras negras, o que demonstra a complexidade da problemática racial no Brasil e
na escola.
O segundo estudo tem como foco principal o racismo na educação infantil. A partir de
observações do cotidiano escolar, Cavalleiro (2000) nos relata uma série de situações de
racismo que, no seu entender, acontecem no universo escolar, bem como as
conseqüências que essas atitudes podem acarretar para a formação da auto-estima e da
identidade.
A reflexão que ora ensejo realizar parte, assim, dos resultados e reflexões desses estudos
supracitados, enquanto que, a fim de avançar na discussão, utilizei o resultado de
entrevistas realizadas com alunos da oitava série e com professores do ensino
fundamental , tendo em vista discutir a questão racial presente na escola, o seu
ocultamento, o silenciamento e a negação como características marcantes de um
problema que a escola se recusa a ver, ainda que pulse insistentemente em todos os
domínios da vida escolar.
Foram entrevistados oito alunos, divididos em dois grupos (alunos negros e brancos). A
divisão parte da premissa de que o ponto de vista da questão racial apresentada pelos
dois grupos é diferenciada, sendo que os alunos negros, por serem esses os que mais
sofrem os efeitos do racismo presente na escola ± como podemos depreender dos
depoimentos dados nas entrevistas ± apresentam uma outra visão do problema, uma
dimensão vivida e sofrida, ainda que eu não possa descartar a importância da visão
apresentada pelos alunos brancos. Apoiada em Linhares, as opiniões de alunos e de
professores podem ser tomadas como expressões de memórias sociais, permitindo
narrativas múltiplas que, abrindo espaço para diversidade, possibilitem a conexão entre
escola e vida cotidiana.
!' Inicialmente, apresento um quadro sucinto da realidade racial no país, em que teço
algumas considerações sobre o racismo no Brasil, principalmente no que concerne ao
indicador educação, em que alguns dados sobre a escolarização dos negros no país e as
desigualdades que a caracterizam se fazem fundamentais para a compreensão das
questões posteriormente levantadas.
(' Em seguida, realizo um pequeno intercurso pela questão racial no cotidiano escolar,
destacando alguns aspectos, a meu ver, mais importantes da problemática racial nesse
campo, revelados tanto nos estudos já realizados por outros pesquisadores como pela
minha própria pesquisa. No entanto, a análise do silenciamento, como um mecanismo
muito utilizado pela escola no tratamento da questão racial, constitui o cerne deste
trabalho.
)' Finalmente, apresento algumas iniciativas que vêm sendo tomadas no combate ao
racismo, especialmente em países da Ásia, América e Europa, e que poderão vir a
alimentar outras no domínio escolar da nossa sociedade brasileira.
A tentativa de responde-las nos remete a uma análise da história do país, mas também
aos diversos mecanismos de segregação racial presentes, secularmente, na sociedade
brasileira, entre os quais destaco o sistema educacional e a escola que vêm exercendo
tanto um papel fundamental na sua continuidade e reprodução, quanto na busca de sua
superação.
³Nas sociedades mais evoluídas culturalmente e também nas democráticas, para que a
ordem flua com naturalidade, tem sido considerado ideal e racional que as minorias se
adeqüem aos costumes, ensinamentos, padrões e decisões tomadas, levando-se em
consideração interesses das maiorias. Preconceituoso, desonesto e, por que não dizer,
paradoxal, seria conceber-se como legal e moral, o contrário´. 7
Seria o caso de perguntar ao autor a que minoria ele está se referindo? Caso esteja se
referindo à população negra, como demonstra a sua preocupação, penso que ele, ou
desconhece os dados divulgados pelo censo demográfico do país, ou então tenta
desvirtuar lutas históricas por direitos de cidadania há séculos negados e que continuam
sendo sistematicamente ignorados. Posicionamentos semelhantes aos do autor e dos
entrevistados na pesquisa realizada no Rio de Janeiro, têm reforçado a ideologia de
integração nacional que se dá a partir da assimilação que desconsidera as diferenças.
Na continuação do mesmo artigo, o autor tenta nos convencer de que não há sentido em
considerar direitos para ³minorias´ que devem, em verdade, ser diluídas num tipo de
brasilidade homogênea e monolítica, avessa à pluralidade. Segundo suas próprias
palavras:
Tomando por base os dados enunciados, foi emitida a seguinte conclusão: ³nascer de
cor parda ou preta aumenta significativamente a probabilidade de um brasileiro ser
pobre´.9
Como bem nos argumenta Munanga (1999), eis uma das maiores dificuldades dos
Movimentos Negros contemporâneos de:
³Construir uma identidade a partir das peculiaridades do seu grupo: seu passado
histórico como herdeiros dos escravos africanos, sua situação como membros de grupo
estigmatizado, racializado e excluído das posições de comando na sociedade cuja a
construção contou com seu trabalho gratuito, como membro de grupo étnico-racial que
teve sua humanidade negada e a cultura inferiorizada´.10
A ideologia do branqueamento surgiu como uma tentativa de ³genocídio do negro
brasileiro´, segundo as palavras de Nascimento11, e é uma das grandes razões para que
se negue a identidade negra e se procure aproximar à do branco. É ela uma das
concepções que sustentam atitudes racistas que se revelam no repúdio às ações que
visem a resgatar a história da população negra no país e a construção de sua identidade.
³Os negros não têm as mesmas oportunidades no mercado de trabalho pelo preconceito.
Se só tem uma vaga, tem um negro e um branco, vão colocar o branco certamente´.
(Aluna negra, 14 anos)
³Para dar emprego eles exigem boa aparência. Se você é negro vão arranjar uma
desculpa, mas não vão te dar o emprego, mesmo que o seu currículo seja melhor que o
do branco´. (Aluna negra, 15 anos)
³Dentro de uma empresa você tem várias pessoas para um determinado emprego, você
recebe vários currículos, e se dentro desses você encontrar um currículo de um negro
que seja melhor que o dos outros, ele vai ser barrado, ali, justamente por causa de sua
cor´. (Professora B, 1ª série do ensino fundamental)
A opinião das pessoas mencionadas na pesquisa publicada pelo Jornal do Brasil, e até
mesmo a de outras, como a do autor do Jornal Meio Norte, ensejaria outras
considerações que, infelizmente, são adiadas para outros momentos, pois extrapolaria os
limites deste trabalho. No entanto, não posso deixar de ressaltar um dado que chama a
atenção: em todas ecoam as vozes de muitos colegas professores que defendem a idéia,
ou da não existência do racismo na sociedade e na escola, ou do seu reconhecimento,
mas são sempre imputadas ao outro, eximindo-se a pessoa que fala das referidas idéias
racistas. De todo modo, a questão é silenciada, como demonstra a seguinte colocação:
³Na minha trajetória profissional nunca presenciei casos de racismo na escola. Vejo que
o racismo é um problema superado, porque todos somos brasileiros. Não existe essa
coisa de ser branco ou negro. É isso que tenho tentado passar para os meus alunos´.
(Professora de Terceiro Grau e Supervisora Escolar)12
³Existe racismo na sociedade e na escola, sim! Só que muita gente não gosta de tocar no
assunto. Aqui na escola tem professores que são racistas, mas não gostam de tocar no
assunto. Às vezes tento, mas vejo que os meus colegas não gostam de falar no assunto´.
(Professora B, 1ª série do ensino fundamental)
Na verdade, fica bastante evidente os interesses que essas pessoas estão defendendo, a
história de quem estão querendo privilegiar e o poder ainda grande do mito da
democracia racial.
Essa realidade não é muito diferente quando nos deslocamos para o domínio da
escolarização. Segundo os dados apresentados pelo IPEA, a diferença de escolaridade
entre negros e brancos no Brasil se mantém inalterada há muitos anos, e, em matéria de
progresso contra a discriminação, o Brasil perde para a África do Sul, país que viveu,
até 1994, o Êpartheid.13
Com base na análise realizada por essa instituição sobre a evolução histórica da
discriminação racial expressa em termos de escolaridade, percebe-se que, embora a
escolaridade média dos brancos e dos negros tenha aumentado de forma continuada ao
longo do século XX, um jovem branco de 25 anos tem, em média, mais 2,3 anos de
estudo que um jovem negro da mesma idade, e essa intensidade da discriminação racial
é a mesma vivida pelos pais desses jovens. Dessa maneira, a escolaridade média dos
adultos brancos e negros cresce ao longo do século, mas o padrão da discriminação
mantém-se inalterado entre as gerações.
No período mais recente, apesar das melhorias ao acesso à escola, expressa na redução
do número de jovens de 7 a 13 anos que não freqüentam a escola, o que se verifica é que
os jovens negros ainda apresentam níveis de desempenho inferiores aos jovens brancos.
Os níveis de freqüência à escola e de analfabetismo, por exemplo, são piores entre
jovens negros do que entre os jovens brancos.
Quando, então, dirigimos nossa atenção para o ensino superior, a situação fica mais
estarrecedora. Em 1999, 89% dos jovens brancos entre 18 e 25 anos não haviam
ingressado na Universidade. Dos jovens negros nessa faixa de idade, por sua vez, 98%
não tiveram acesso à universidade.
Como poderemos reverter esses dados se, desde o início da trajetória escolar, a criança
negra percebe a quase ausência do professor negro na escola, se se difunde uma cultura
baseada em padrões brancos, se a criança não se vê nos livros didáticos ou, quando se
vê, é sempre minoria ou está em posição subalterna? Inúmeras referências sobre o negro
que são repassadas na escola ainda o associam como sujeito submisso, pobre, que ocupa
posições inferiores. Tudo isso aliado às constantes e inúmeras piadas, brincadeiras,
apelidos pejorativos e anedotas.
Mais uma vez não podemos descartar as raízes históricas dessa baixa escolarização, mas
também não podemos esquecer que, desde a abolição da escravatura até os nossos dias,
não foi demonstrada nenhuma preocupação com a questão da diversidade étnico-racial
nas inúmeras reformas educacionais. É importante buscar formas de permanência do
aluno nessa escola que ainda reforça padrões de exclusão social e racial.
Nesse sentido, podemos deduzir que a instituição educativa tem primado pelo
desenvolvimento de um currículo homogêneo, numa tentativa de criar um ³artificial
µnós¶´, segundo as palavras de Apple14, sacrificando a diversidade em nome de uma
suposta identidade nacional. Essa pretensa unidade tem ensejado situações de completo
desinteresse de professores em relação a alunos negros que apresentam alguma
dificuldade de aprendizagem.
A alegação é que somos todos iguais, se todos somos brasileiros, por que razão se
importar especificamente com questões relativas a racismo? O problema não seria do
próprio aluno que não tem capacidade? Por outro lado, mesmo admitindo que há
práticas racistas, alguns professores demonstram não considerar importante discutir a
questão. Defrontando-se com situações de conflito entre alunos, apelam para o discurso
da igualdade entre os seres humanos, mas não sabem explicar porque um é discriminado
pelos outro se são iguais.
³Tenho muita dificuldade de trabalhar a questão racial com meus alunos, principalmente
os conflitos que acontecem todos os dias na minha sala de aula que são muitos. O meu
curso de formação não me ajudou em nada. Nunca foi tratado do assunto, exceto pelos
comentários do único professor negro que tive durante todo o curso. O assunto tem
passado em branco. Pouco se comenta sobre esse assunto. Eu vejo que é um assunto que
as pessoas preferem deixar de falar, do que comentar, se fazer alguma coisa... Se elas
falarem, elas vão demonstrar que são racistas, podem escorregar...assim, preferem se
calar´ (Professora B, 1ª série do ensino fundamental)
A baixa expectativa dos professores em relação às crianças negras tem sido, na verdade,
um dos grandes vilões do processo educativo, porque impede quaisquer tentativas de
contribuir para que o aluno supere suas dificuldades, uma vez que já está definido, de
antemão, a sua incapacidade intelectual.
³Aquele pretinho eu já larguei de mão. Esse aí, o destino dele é entrar para alguma
gangue. Não tem jeito´. (Professora A, 4ª série do ensino fundamental)15
A fala de um dos alunos entrevistados confirma o sentimento gerado pela atitude do
professor:
³Repeti a terceira série porque achava que o professor não gostava de mim. Ele se
aproximava de todos os outros alunos, mas não de mim. Às vezes eu falava para minha
mãe, mas não aconteceu nada. Eu também não gostava dele porque ele era ignorante´.
(Aluna negra, 15 anos)
Ainda que espaços de reação e de resistência tenham sido abertos na própria escola
reforçando o seu papel transformador, ainda que as lutas que se dão na sociedade pelos
diversos movimentos dos negros no país venham realimentando algumas iniciativas de
rompimento com o caráter racista que historicamente a escola assumiu, muito se faz
necessário para descortinar o problema racial na escola tornando-o uma das questões
centrais do seu projeto político-pedagógico. Há escolas que afirmam trabalhar em uma
visão crítica mas a fala de seus alunos demonstra que essa visão crítica ainda se refere
aos problemas sociais, ou seja, às questões de classe social sem referência às questões
raciais a elas associadas.
Perguntada se a escola tem feito algum trabalho sobre a questão racial a professora
respondeu que não:
³Nunca vi nenhum projeto, nenhum debate relacionado a isso. Nos meus nove anos de
experiência nunca vi nada relacionado a isso. Nem o serviço técnico nunca tocou no
assunto´. (Professoras A e B, 1ª e 4ª séries do ensino fundamental)
CAVALLEIRO (2000) e GOMES (1995) nos falam de outras situações que, para além
da expectativa, contribuem para a construção de uma baixa auto-estima e de identidades
fragmentadas. Segundo as autoras, a associação feita entre características físicas de
crianças negras com qualidades negativas resulta no seu afastamento desse fenótipo e a
aproximação do padrão branco. A escola ao eleger os valores brancos de matriz
européia relega às outras raças um papel meramente coadjuvante e diminui a
importância histórica das diferentes raças/etnias que construíram a nação brasileira.
Assim, vão se perpetuando valores, representações, saberes que distorcem a história da
população negra, omitem fatos importantes e reforçam outros, como se pode verificar
nas falas dos alunos ao serem instigados a se pronunciar sobre o tratamento que é dado
à questão racial na escola.
³Na minha escola estou desde a 1ª série, mas nunca ouvi muita coisa sobre o negro. Só
sei que o livro de história mostra o escravo, a situação, o sofrimento... acho que precisa
trabalhar mais isso, trazer mais informações sobre a realidade...´ (Aluno negro, 15 anos)
Dessa maneira, quando a escola faz isso, promove a fragmentação da identidade dessas
crianças, impedindo que elas a construam ao modo de que fala Novaes (1993). Segundo
essa autora, a identidade ³(...) aparece como um recurso para a criação de um µnós¶
coletivo (nós índios, nós mulheres, nós negros, nós homossexuais). Este nós se refere a
uma identidade que, como recurso, é indispensável para o grupo reivindicar para si um
espaço social e político de atuação´.16 A identidade ± continua ± é invocada quando um
grupo reivindica uma maior visibilidade social face ao apagamento a que foi
historicamente submetido.
³Aqui na escola tem muitas pessoas racistas. Eles começam a comparar as pessoas de
novela que são negras. Eles não gostam de pessoas negras que fazem propaganda, falam
que é totalmente ignorante colocar pessoas negras para dançar na TV como é o caso da
globeleza ... inclusive eu comento às vezes que a globeleza ela é morena mas ela não é...
todo o carnaval quem é que está lá, não é ela?´ (Aluna branca, 14 anos)
A escola silencia sobre o racismo presente na sociedade até mesmo quando ela afirma
estar falando sobre a questão racial. É impressionante como, além da simples omissão, o
recurso que mais se adota para a questão racial ainda é o silêncio. Daí a sensação de
estranheza que é despertada quando se aborda um professor para falar sobre o assunto.
Mas, para avançarmos mais um pouco na compreensão do que seja esse silêncio,
acredito ser importante recorrer ao estudo de ORLANDI17 sobre o assunto. Afinal o que
é silêncio, silenciar? Como se processa? O que é propriamente silenciar sobre a questão
racial na escola e quais são as implicações desse silenciar para o processo de formação
humana e de identidades em uma sociedade multirracial?
³Tenho colegas que são ne... morenos, mas são bem esforçados e se saem bem nos
trabalhos. Outros que não querem nada, o professor deixa de lado´. (Aluna branca, 14
anos)
ORLANDI (1977) nos aponta para a necessidade de atentarmos para os diversos modos
de existir do silêncio: silêncio que atravessa as palavras, que existe entre elas, ou que
indica que o sentido pode ser outro, ou ainda que aquilo que é o mais importante nunca
se diz. Ao refletir sobre o que ela chama de ³a política do silêncio´, o silenciamento, ela
afirma que o silêncio adquire uma dimensão política, pois pode ser considerado tanto
como parte de uma retórica de dominação (opressão), como de sua contrapartida
(resistência). O silenciamento, mais do que outra coisa, é um processo revelador de
outros significados do dito, pois permite antever no discurso, o não dito, o silenciado, o
que é dito nas entrelinhas, os significados não expressos.
Daí se perceber uma íntima relação entre silêncio, memória e esquecimento. Silenciam-
se memórias pelo emudecimento, pelo enaltecimento de uma memória em detrimento de
outras, mediante narrativas onde se enfatiza um discurso etnocêntrico, homogeneizador
e monolítico. Silencia-se pelo engessamento de memórias em narrativas cristalizadas
como únicas e verdadeiras. E assim se esvazia movimentos, lutas, processos de
recuperação de memórias negadas de grupos étnico-racias, entre as quais a população
negra brasileira tem sido uma das maiores implicadas.
Apoiando-me nesta perspectiva de silêncio, não posso afirmar que a escola silencia
sobre a questão racial e do racismo pelo simples fato de não tocar no tema. Muitas, na
verdade, não falam mesmo sobre o assunto. No entanto, o que é importante nessa
discussão é aquilo que não é dito quando se fala sobre a questão racial na escola. Os
significados que o discurso sobre o racismo assume no contexto escolar quando mesmo
se dizendo não racistas, seus profissionais ainda privilegiam valores da cultura européia
como padrão e posturas altamente etnocêntricas no trato da questão racial no país.
Assim sendo, não posso afirmar que a escola não fala sobre o racismo, sobre a questão
da desigualdade racial. São, porém, as formas de dizer o dito que encobrem o não dito,
que geram distorções, estereótipos, que camuflam os conflitos entre quem se mantém no
poder a todo o custo e quem luta pela sua visibilidade social.
Silenciar, desta forma, é um não dizer histórico e ideológico, pois depende da posição
do sujeito que fala. ORLANDI acrescenta que quando dizemos que há silêncio nas
palavras, estamos dizendo que elas são ³(...) atravessadas de silêncio, elas produzem
silêncio, o silêncio fala por elas, elas silenciam´.18 A escola omite fatos importantes da
história da raça negra no país, distorce outros, ignora os projetos de emancipação.
Alunos e professores desconhecem as lutas e as reivindicações para a educação do
Movimento Negro e de outros movimentos de resistência, para além do trivial
encontrado nos livros didáticos.
Lembrar também significa ³trazer à memória´. E trazer à memória, neste caso, implica
em reflexão. Ao serem questionadas sobre as suas práticas na escola, as professoras
foram instigadas a refletir sobre aspectos da realidade que estão eivados das concepções
dominantes e a remexer nas memórias que servem de referência para todos, muitas
vezes inculcadas através das histórias infantis e simbolismos presentes no imaginário.
Falando do presente, sem que nos demos conta, estamos nos colocando em contato com
as faíscas de um passado que relampeja por entre as brechas da tradição que nos chegou.
Para pensarmos um novo futuro, precisamos analisar criticamente o papel que a escola
vem desempenhando, a sua visão de conhecimento, as suas práticas, os processos
históricos que têm condicionado sua natureza excludente, reinventá-la, valorizando
outros saberes, construindo outros projetos para um novo presente. Acrescenta, ainda,
Benjamin que o pesquisador não pode deixar de refletir sobre si mesmo, sobre suas
concepções e convicções, pois são estes que direcionam seu olhar para determinados
aspectos reais ou imaginários de uma determinada realidade e fazem com que ele acabe
negligenciando outros. Nenhum pesquisador observa seu objeto sem refletir o espelho
de suas próprias convicções. Dessa forma, é importante revermos nossos pressupostos,
pois são eles que, muitas vezes, se constituem em névoa que encobre o nosso olhar
sobre determinada realidade, impedindo de vermos outras histórias que fracassaram.
Como educadores que refletem sobre a sua própria prática, não podemos esquecer que a
nossa própria formação ainda se encontra repleta de convicções que, de várias maneiras,
obscurecem nosso olhar sobre a questão racial brasileira.
³O racismo das professoras e o medo de perder privilégios na sociedade faz com que
muitos não achem que tem que falar no assunto. Até para se promover um debate sobre
o assunto que sabemos estar presente na nossa escola, é difícil porque muita gente não
vê como uma coisa importante. Como pensam que todo mundo é igual, não precisa falar
sobre o racismo, não precisa questionar o racismo´. (Professora da Alfabetização)
)'""& +$/"0
Nesta minha reflexão não poderia também deixar de mencionar algumas experiências
que vêm sendo feitas no sentido de trazer para o cotidiano escolar a questão racial.
Embora as falas das professoras e de alguns alunos já terem demonstrado uma maior
clareza sobre o racismo presente nas práticas escolares e nos livros didáticos 21, e alguns
até terem confirmado realizar um trabalho com seus alunos sobre o racismo, persistem
ainda algumas preocupações minhas com relação a essa ³clareza´ e esse ³trabalho´.
Algumas questões ainda se fazem presentes. Como está sendo feito esse trabalho? Será
que a escola, ao falar sobre a questão racial, não está corroborando, ainda que sob o
nome de análise crítica da questão racial, o silenciamento? As falas das professoras que
se dizem mais abertas, mais comprometidas com essa questão estão cheias de ´mas´
quando se referem ao aluno negro que se destaca, ou até mesmo a professores negros
por quem nutriram na infância e adolescência alguma admiração.
Pelas falas vislumbro boas intenções. Mas, e a prática efetiva? Considero importante
ressaltar que, em virtude de ser uma prática negada, ocultada e silenciada pela maioria,
as informações obtidas através das entrevistas, além do seu valor de instrumento de
pesquisa, precisam ser complementadas por observações do cotidiano da escola. Como
vimos, nenhum professor se assumiu racista. Todos, invariavelmente, afirmaram que os
colegas é que são racistas. Eis um dado que me inquietou. Por que são os outros? No
entanto, frases como: ³=enho na sala três alunos pretos mesmo, retintos, que
não me dão trabalho...´ atiçam minhas antenas para essa suposta ³clareza´.
Considero um bom começo as suas tentativas que, mesmo sem apoio, se sensibillizaram
para a construção de uma escola realmente democrática. Esse parece ser o ideal que elas
defendem e estão buscando concretizar.
Urge que esse debate chegue às escolas para que possamos realmente pensar numa
educação democrática e cidadã, mas como parte de um projeto mais amplo de
erradicação da repetência e evasão.
Países que possuem ³minorias´ em seus territórios tentam focalizar a equidade social e
a igualdade de oportunidades. Outros ainda têm perseguido uma política educacional
que permita a integração sem assimilação, acreditando que podem ajudar as minorias a
preservar sua cultura e tradições, protegendo seus direitos a uma cultura própria e
autônoma.
Na pré-escola alguns países têm ajudado a desenvolver nos seus alunos valores dos
direitos humanos contra doutrinas totalitárias. Alguns Estados estão promovendo
campanhas anti-racismo, na educação básica, e adotando planos de ação no combate à
violência nas atividades extracurriculares, conduzindo campanhas contra a intolerância
e contra a xenofobia.
Com essa frase, a autora resume os sonhos, utopias e anseios de todos os que estão
comprometidos com a reconstrução da escola, na direção das lutas e reivindicações dos
movimentos sociais, de coletividades antes ignoradas e emudecidas historicamente.
1
Professora da Fundação universidade Federal do Amapá. Doutoranda do programa de
Pós-Graduação em Educação da UFF. Pesquisadora do Aleph ± Programa de Pesquisa
em Formação dos Profissionais da Educação ± Ensino e Extensão. voltar
2
Cf. reportagem da Folha de são Paulo. Domingo, 14 de janeiro de 2001. voltar
3
Cf. CAVALLEIRO, Eliane. po Silêncio do Lar ao Silêncio Escolar. Racismo,
Preconceito e piscriminação Racial na Educação Infantil. São Paulo: Contexto, 2000 e
GOMES, Nilma Lino. Ê Mulher Negra que Vi de Perto. Belo Horizonte: Mazza
Edições, 1995. voltar
4
Jornal do Brasil. Sexta-feira, 12 de maio de 2000. voltar
5
IPEA. Texto para discussão nº 108. pesigualdade Racial no Brasil; Evolução das
Condições de Vida na pécada de 90. voltar
6
Gostaria de ressaltar que, embora tenha frisado as estatísticas que demonstram o
enorme contingente de negros no Brasil, não consideraria menos importante a questão
caso os negros fossem minoria. voltar
7
Jornal Meio Norte. Segunda-feira, 30 de julho de 2001. voltar
8
IPEA. Ibidem, p 9. voltar
9
Idem, p 11. voltar
10
MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a Mestiçagem no Brasil: Identidade Nacional
versus Identidade Negra. Petrópolis: Vozes, 1999, p 14. voltar
11
NASCIMENTO, Abdias. Genocídio do Negro Brasileiro: Processo de um Racismo
Mascarado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. voltar
12
Esse depoimento foi colhido através de uma conversa informal com a referida
Professora. voltar
13
Cf. artigo intitulado Racismo: O Êpartheid é Êqui. Revista Veja, 21 de março de
2001. voltar
14
Sobre este assunto cf. Apple, Michael. Freire and the politics of race in education.
Mimeo, s/d. voltar
15
O texto refere-se à reprodução do comentário de uma colega da professora
entrevistada, ouvido na sala dos professores. voltar
16
NOVAES. Silvya Caiuby. Jogo de Espelhos. Imagens da Representação de Si
Êtravés dos Outros. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1993. voltar
17
ORLANDI, Eny Puccinelli. Ês Formas do Silêncio. No Movimento dos Sentidos.
Campinas: Editora da Unicamp, 1997. voltar
18
ORLANDI, Eni Puccinelli. Op.cit. p 14. voltar
19
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas. Magia e =écnica, Êrte e Política. São Paulo:
Brasiliense, 1994. voltar
20
BRUNER, Jerome. Cultura da Escola. Lisboa: Edições 70, 1996. voltar
21
Sobre os estereótipos presentes nos livros didáticos, temos conhecimento de que se
está tentando reverter a situação com uma análise crítica dos mesmos. No entanto, foi-
me revelado por algumas professoras que os livros que a escolas ainda recebem são
recheados de estereótipos sobre o negro. Segundo elas, os livros escolhidos nunca vêm
para essa região. voltar
22
VÁRIOS. Excerpt from comprehensive examination of thematic issues relating to the
elimination of racial discrimination. Trata-se um documento sobre o artigo 7º da
Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial.
voltar
23
LINHARES, Célia. Políticas do Conhecimento: Velhos contos , novas contas.
In:LINHARES, Célia (org).[et al.] Políticas do Conhecimento: Velhos Contos , Novas
Contas. Niterói: Intertexto, 1999. voltar
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas. Magia e =écnica, Êrte e Política. São Paulo:
Brasiliense, 1994