LES TERRILS

FBAUP 2011 2ºS

ANTROPOLOGIA URBANA
Prof. DINIZ CAYOLLA

DÁRIO CANNATÀ
LDC 061235018
LES TERRILS
A primeira vez que vi os Terrils, não consegui
compreender a sua natureza, a sua origem. A
sua cor escura e tamanho sugerem algo bastante
difícil de ser criado pelo homem, ao mesmo tempo
algo único de mais para não o ser. A imagem das
pirâmides do Egipto piscavam-me na memória,
sugerindo uma clara intervenção humana, em
conjunto com uma visão pitoresca e naif de uma
montanha, o que contradizia a noção anterior
ao sugerir uma criação sublime da Natureza.
Ninguém me tinha dito do que se tratava e concluí
então que se tratavam de montes naturais muito
peculiares e bonitos. Estava então em Vimy na
região Nord Pas-de-Calais, a região mais a norte
da França, a visitar um memorial da 1ª Guerra
Mundial, num ponto alto da geografia, a cerca
de 10 quilómetros de distância dos montes.
Conseguia ver uns 5 ou 6, todos com tamanhos
diferentes. Dois lado a lado, e os outros um pouco
mais dispersos. No entanto percebia-se que era um
coisa local, o que justificava a ideia de que deveria
existir uma razão bastante específica para a sua
presença, fosse ela natural ou artificial.
Percebi mais tarde, entre conversas com o
francês que me acompanhava, que se tratava de
facto de algo artificial, criado pelo homem. E fez
todo o sentido. Foi como perceber que os buracos
no jardim eram afinal de uma toupeira. Os Terrils
são montes feitos pelo homem de restos e rochas
residuais de minas que, retirados com o carvão,
foram amontoados na superfície das minas.
O carvão era posto de parte e os restos eram
reorganizados num monte. O maior da Europa tem
180 metros de altura.
O norte de frança apresenta uma geografia ideal
para observar este fenómeno humano devido à
sua topografia plana e à sua história, que permitiu
que estes montes permanecessem. Nos eua por
exemplo, as empresas estavam proibidas de deixar
montes abandonados após a exploração mineira.
No entanto as pirâmides negras, abandonadas
sobre a paisagem, lembram-nos que mesmo que
elas tenham sido feitas pelo homem, portanto
artificiais, elas são também naturais, fazendo
assim parte do universo biológico.
O carvão é o produto da decomposição de
matéria vegetal sem a presença de ar. Numa
lagoa de água doce pouco profunda, estabelece-
se uma densa floresta. O fundo da lagoa afunda
(fenómeno de sudsidência), a vegetação inundada
morre e forma mais tarde a camada de carvão.
Quando a subsidência desacelera e pára, a lagoa
vai enchendo aos poucos e quando a profundidade
da água o permite, a floresta volta a estabelecer-
se e o ciclo começa uma vez mais. A duração de
um ciclo, variável, está na ordem dos 50 mil anos.
Entretanto aparece o homem.
A primeira camada de carvão no Nord Pas-
de-Calais foi descoberta em 1720 em Fresnes sur
Escaut. No entanto este carvão não estava apto
para todos os usos. Apenas em 1734 é descoberto,
em Anzin carvão que poderia ser utilizado para
qualquer finalidade. Sendo esta a data que marca o
início da mineração de carvão no norte da França.
Na região Liège et Mons (Bélgica), a mineração
de carvão tem início no fim do séc. xii, 500 anos
antes do norte da França, um avanço naturalmente
justificável pelas diferenças geológicas. Indo
para oriente em direcção à Bélgica, o depósito
está menos elevado. O carvão simplesmente
estava à superfície do solo ou em profundidades
relativamente baixas.
Os Terrils planos são os mais antigos. Na época,
os vagões de rochas eram transportados a cavalo
ou por homens, de tal forma que a inclinação
não poderia ser muito íngreme. E na verdade
não existia uma verdadeira necessidade em
fazer estes montes extremamente altos uma vez
que não existiam grandes problemas de espaço.
Posteriormente, a urbanização veio a impedir a
expansão destes montes. A inovação tecnológica
colocou os vagões em sistemas de guinchos o que
permitia derramar os restos no topo do monte,
criando assim a forma cónica que ocupava menos
espaço e consumia menos mão de obra.
Em relação aos métodos de produção, é
necessário lembrar que o trabalho nas minas
nunca foi fácil, no entanto devemos estar
cientes que antes do século xx, as condições dos
trabalhadores, especialmente as dos mineiros,
eram infernais. Os empregadores não tinham
qualquer escrúpulo para com os mineiros. A
população activa era em grande parte analfabeta
e iletrada. A ignorância facilita a exploração e o
sistema não tinha interesse algum em que a mão
de obra fosse “instruída”.
Se um mineiro quisesse uma vida decente (o
que no nosso tempo seria considerado miséria),
ele teria de trabalhar em condições muito difíceis.
Trabalhava 6 dias por semana, e dependendo das
empresas, 10 a 15 horas por dia, sem férias pagas,
sem segurança social, sem condições sanitárias,
ficando exposto a todo o tipo de doenças, em
temperaturas que podiam variar dos 20ºc (aos
350 metros) a quase 50ºc (aos 1.150 metros) e isto
tudo num ambiente empoeirado. Os acidentes
eram comuns (explosões de gás, deslizamentos,
inundações, etc.) e regulares, resultando em
dezenas ou mesmo centenas de mortos. Muito do
trabalho era pago antecipadamente e a segurança,
por ganância, era negligenciada pelos próprios
trabalhadores.
 Tudo isto condensado demonstra a incrível
destreza que a natureza possui para construir
montanhas. De repente volto ao início e atrás
nas minhas conclusões. De facto isto não poderia
ser assim tão artificial. Estes montes de restos de
carvão mostravam-me que a minha dúvida entre
artificial e natural não fazia sentido. Com certeza
que era natural uma vez que não podia ser outra
coisa. A artificialidade não se exclui da natureza.
Apenas uma pessoa distraída faz esse exercício
conceptual separando o homem e a sua criação
do resto do mundo biológico e das suas criações,
distraída porque não está a pensar no assunto
mas faz as suas acções partindo de pressupostos.
Mas no fundo, com um pouco de lucidez, todos
poderão concordar que, se o homem é um produto
da natureza, então as produções humanas também
serão naturais. Não digo naturais no sentido de
normal ou regular, uma vez que isso implica um
juízo de valor. Digo naturais no sentido que fazem
parte do mundo biológico.
A perspectiva de um universo complexo,
justifica a minha opinião inicial que, de facto, os
montes eram naturais. A pertinência desta teoria
da complexidade está em compreender que o
nosso automóvel é tão natural como um pássaro.
A consciência desta realidade permite observar
que o pássaro está em equilibro com o resto do
universo, não pondo em causa a sua existência
nem a do seu meio ambiente. O automóvel não.
Assumir tudo como natural não significa aceitar
as coisas pelo que elas são, pelo contrário, permite
que tudo seja questionável, compreendido e posto
em causa, pela busca de uma espécie sustentável.
Queria terminar com uma citação de Seth
Lloyd, professor de engenharia mecânica no
mit e director do W.M. Keck Center for Extreme
Quantum Information Theory (xQIT), retirada do
documento Life: What a concept!, uma transcrição
das conversas entre Freeman Dyson, Craig Venter,
George Church, Robert Shapiro, Dimitar Sasselov
e Seth Lloyd, durante um evento especial da Edge
Foundation em 2008.
(…)
Eu afirmo que há uma característica muito
básica do universo, que faz com lhe seja natural a
criação de sistemas e comportamentos complexos.
Não deveríamos ficar surpreendidos com isto.
É intrínseca nas leis da física. Isto é o que Craig
Venter estava a perguntar, o que há nas leis da
física que nos dão coisas como a vida? Para além
disso, nós sabemos que característica é essa.
Deixem-me dizer qual é, e depois vou dizer o que
é que isso tem a ver com a vida. Porque a criação
espontânea de complexidade é importante para
muitas outras coisas para além da vida. Lembrem-
se, a vida é sobrevalorizada. Há uma abundância
de coisas interessantes a acontecer no universo
além da vida. Muito tempo depois de estarmos
todos mortos, e talvez outras formas biológicas -
vida à base de carbono - de vida estarem mortos,
espero que outras coisas interessantes estejam
ainda a acontecer.
(…)
A lógica digital inerente às reacções químicas
é extremamente importante na biologia, é claro,
porque é assim que o metabolismo de uma célula
funciona. Eu recebo este produto químico e este
outro produto químico, por isso vou abrir este
interruptor ali e aumentar esta via química.
A química tem esta natureza computacional
embutida nela, que herdou do cálculo subjacente
que se passa na mecânica quântica em geral. A
química em si, então, explora lá fora no universo
todas as combinações possíveis que estão lá fora
no universo. A química explora todos os cálculos
possíveis, todas as coisas possíveis que poderiam
acontecer - incluindo todas as outras coisas que
um computador pode fazer.
Vamos produzir esta estrutura de auto-
-reprodução, e ver o que acontece. Ou vamos ver o
que acontece quando produzimos esta estrutura
e esta outra estrutura e elas reagem uma com
a outra – vamos ver o que elas produzem. Nós
não sabemos exactamente o que se passou na
proto-vida, mas nós sabemos o tipo de coisas que
acontecem na proto-vida, mesmo sem conhecer as
reacções químicas exactas que ocorreram. Não é
de surpreender que a química produza estruturas
cada vez mais complicadas, que depois interagem
de formas cada vez mais complicadas, e que vão
preencher cada vez mais o conjunto de todas as
reacções químicas possíveis, para depois produzir
estruturas computacionais ainda mais complexas,
como por exemplo, bactérias, seres humanos ou
computadores.
(…)
Terril em Loos-en-Gohelle, Lens, França, o maior da Europa