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VIOLÊNCIA POLÍTICA E DIREITOS HUMANOS: AS LUTAS

*
POR VERDADE, JUSTIÇA E MEMÓRIA NA ARGENTINA

Daniela Mateus de Vasconcelos

RESUMO

O presente artigo está centrado na análise do im- ocupou um lugar central na esfera pública durante

pacto das violações de direitos humanos ocorridas o processo de redemocratização, sendo confronta-

durante a última ditadura militar na Argentina do diferentemente pelos dois primeiros governos

(1976–83) sob o regime democrático. Tendo como democráticos, e ainda continua a emergir na agen-

referencial teórico o pensamento político de Han- da pública do país. A magnitude e a intensidade

nah Arendt, as violações dos direitos humanos das violações, o tipo de transição democrática e

observadas nos crimes cometidos pelo aparato a vitalidade do movimento de direitos humanos

repressivo estatal são consideradas como a prin- foram determinantes na confrontação política,

cipal herança do regime autoritário. Este legado social e jurídica deste legado autoritário.

PALAVRAS-CHAVE

ditadura militar

repressão estatal

direitos humanos

redemocratização

justiça

memória histórica

TEORIA E SOCIEDADE nº 16.2 – julho-dezembro de 2008 p. 208-243


Todas as mágoas são suportáveis quando fazemos dela
uma história ou contamos uma história a seu respeito.
Isak Dinesen

INTRODUÇÃO

As violações de direitos humanos ocorridas durante os regimes autoritários na


década de 70 na América do Sul é questão cada vez mais presente nos foros na-
cionais e internacionais. Seu legado se coloca como um desafio para as democra-
cias da região que freqüentemente são confrontadas com o seu passado recente.
Os governos democráticos são pressionados por demandas de Verdade e Justiça
por parte da sociedade civil organizada e os crimes cometidos pelas ditaduras
militares estão longe de serem esquecidos, especialmente na Argentina.
Os quatro países do Cone Sul passaram por distintas experiências autoritárias.
Entretanto, a perseguição e a repressão aos dissidentes políticos, em diferentes níveis
de intensidade e alcance, estiveram presentes em todos os regimes da região. Com
o processo de redemocratização na década de 80, estas sociedades se defrontaram,
de maneira bastante diferenciada, com o tema das violações de direitos humanos
cometidas pelo aparato repressivo coordenado pelas Forças Armadas. Os governos
recém-eleitos repudiaram o uso discricionário do poder estatal e enfatizavam em seus
discursos a importância dos princípios democráticos para a não repetição dos atrozes
crimes cometidos pela ditadura militar. Entretanto, esses governos encontraram no
período pós-ditatorial uma difícil tarefa: a de lidar com a herança mais polarizadora
do regime antecessor sem colocar em risco a consolidação da democracia. Esta atitude,

*
Este artigo é resultado da dissertação de Mestrado “Verdade, Justiça e Memória: os direitos
humanos na Argentina”, apresentada ao Departamento de Ciência Política da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG) em dezembro de 2005. A pesquisa contou com um intenso
trabalho de campo na Argentina, onde foram entrevistados ativistas das diversas organiza-
ções de direitos humanos, familiares de desaparecidos políticos e sobreviventes dos Centros
Clandestinos de Detenção. Ficam registrados meus agradecimentos a essas pessoas que
gentilmente colaboraram com a pesquisa que deu origem a este artigo.

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na maioria das vezes, limitou o enfrentamento político, social e judicial da questão.
As novas democracias da região foram confrontadas com os crimes cometidos pelo
regime anterior e se viram diante do dilema “processar e punir” versus “perdoar e
esquecer” (Huntington 1994: 209).
No caso do Brasil, ao contrário dos outros países da região, o tema das violações
de direitos humanos cometidas pelo regime militar (1964-85) não foi objeto de con-
flito político no novo governo democrático, que preferiu não tocar nas “feridas” do
passado. Tampouco foi motivo de intensa mobilização social no período da transição,
exceto por setores progressistas da Igreja Católica que estiveram envolvidos na luta
contra a repressão. A questão das violações de direitos humanos ocupou um lugar
periférico na agenda política da transição. Não houve, por parte do governo civil, a
instituição de uma “Comissão da Verdade” destinada à ampla investigação destes
crimes ou qualquer tipo de ação judicial que levasse a julgamento os comandantes
1
das Forças Armadas, favorecidos pela Lei de Anistia de 1979 .
No Chile, os militares estabeleceram as regras do jogo durante a transição
democrática e impuseram suas condições para a reinstauração do novo regime –
uma espécie de “democracia limitada”. Apesar das violações de direitos humanos
terem sido consideradas uma questão central pela Concertación, o cenário político
e institucional não era favorável a um enfrentamento abrangente e frontal do tema.
A continuidade de enclaves autoritários estabelecidos na Constituição de 1980, a
Lei de Anistia de 1978 e a pressão das Forças Armadas impediram a investigação
das violações. Apenas alguns processos pontuais foram levados a julgamento, os
quais apresentaram resultados limitados. No âmbito do conhecimento da Verdade
2
houve um grande progresso no governo de Patrício Aylwin , devido à instauração
da “Comissão Nacional da Verdade e Reconciliação” em 1990.
No Uruguai, a transição acordada entre o regime autoritário e os principais
partidos políticos estabelecia um “compromisso de impunidade”, ou seja, a

1
A partir de 1995, com a criação da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, na Câmara
dos Deputados, ocorreram avanços significativos no tratamento do assunto. Paralelamente foi
aprovada a Lei 9.140/95 cujo conteúdo previa a reparação financeira aos familiares de mortos
e desaparecidos por motivos políticos entre setembro de 1961 e agosto 1979 e reconhecia como
“mortos” as pessoas desaparecidas nesse período, de forma a assumir a responsabilidade do
Estado pelas violações de direitos humanos ocorridas no regime autoritário.
2
O Chile continua confrontando-se com o seu passado recente, tendo em vista a publicação,
em 2004, do “Informe sobre a Prisão e a Tortura no Chile”. Cerca de 35 mil pessoas foram
reconhecidas como vítimas de detenção ilegal e tortura entre 11 de setembro de 1973 e 10 de
março de 1990. A “Comissão Nacional sobre Prisão Política e Tortura”, instaurada em 2003
no governo do presidente Ricardo Lagos, foi a responsável pela elaboração do Informe.

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abertura política dependia do comprometimento dos líderes civis de não levar os
militares a julgamento. O governo democrático atuou em um cenário em que as
Forças Armadas continuavam tendo um aparte, possuíam poder no sistema político
e eram uma potencial ameaça à consolidação democrática. Em 1986, o governo
democrático de Julio Sanguinetti aprovou a denominada “Lei de Caducidade”,
ratificada em um plebiscito nacional em 1989. A Lei anistiava os membros das
Forças Armadas e das Forças de Segurança que eram responsáveis por violações de
direitos humanos durante a ditadura militar (1973–85). No âmbito da sociedade
civil, houve grande reivindicação em favor da Verdade e da Justiça, que culmi-
nou na publicação não-oficial do relatório Uruguay Nunca Más: Informe sobre
la Violación de Derechos Humanos (1972–1985) pelo “Serviço de Paz e Justiça”
3
(SERPAJ), cuja circulação foi limitada .
Diferentemente, é na Argentina que o processo de enfrentamento das violações
de direitos humanos da ditadura militar se encontra mais avançado, tanto no âmbito
político, quanto no social, jurídico e da memória coletiva. O governo democrático
de Raúl Alfonsín foi o único que anulou a Lei de Anistia aprovada durante o período
autoritário e promoveu o julgamento de nove oficiais pertencentes às juntas milita-
res que governaram o país entre 1976 e 1983. No entanto, mesmo com a posterior
promulgação das leis de “Ponto Final” e “Obediência Devida”, que respectivamente
impedia a abertura de novos processos e absolvia todos os oficiais de baixa patente,
e com os decretos de indulto no governo de Carlos Menem, a problemática das vio-
lações dos direitos humanos, personificada pela figura do desaparecido, perpassou
toda a década de 80 e 90 e continua presente na agenda política do país.
Neste sentido, procuraremos responder às seguintes questões: qual foi a
estratégia encontrada pelos distintos governos democráticos na Argentina para a
confrontação do legado de violência e repressão da ditadura militar? Por que esta
questão emergiu, no período pós-ditatorial, como fonte de polarização e o conflito?
E por que ela ainda emerge na agenda política nos dias de hoje? Neste sentido,
é importante analisar: a magnitude e as dimensões sócio-políticas da repressão
estatal exercida durante o regime militar; o peso relativo dessa “herança” no
processo de transição à democracia; os desafios que ela coloca ao sistema político
atual, assim como as respostas dadas na fase de consolidação da democracia.

3
O governo do socialista Tabaré Vázquez vem promovendo iniciativas com o intuito de retomar
a discussão sobre o tema na esfera pública. Assim que assumiu o poder, em março de 2005,
o presidente Tabaré anunciou que seriam investigados os casos não compreendidos na “Lei
de Caducidade”, ou seja, assassinatos, torturas e desaparecimentos ocorridos antes de 1973.
Os casos de estrangeiros desaparecidos no Uruguai e de cidadãos uruguaios no exterior
também poderão ser investigados, pois não estão amparados na Lei.

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Utilizaremos como marco teórico o pensamento político de Hannah Arendt
e a sua valiosa contribuição para a reflexão acerca dos abusos cometidos contra
os direitos humanos pelo Estado. Na obra de Hannah Arendt, a noção de direitos
humanos está relacionada com os conceitos de “ação”, pluralidade, natalidade e
espaço público, e foi influenciada pelo surgimento de regimes totalitários na pri-
meira metade do século XX. Apresentamos alguns conceitos presentes na análise
arendtiana do totalitarismo, como os conceitos de “ruptura totalitária”, “terror”
e “superfluidade das pessoas”, considerados neste artigo essenciais na análise do
regime implantado pelas Forças Armadas na Argentina na segunda metade da
década de 70 e as suas conseqüências no período democrático.

1. A IDÉIA DE DIREITOS HUMANOS NO PENSAMENTO POLÍTICO DE HANNAH ARENDT

Os direitos humanos são entendidos como uma construção da modernidade, pois


surgem na era moderna juntamente com uma concepção individualista da socie-
dade. Inicialmente denominados como direitos naturais, são gestados durante os
séculos XVIII e XIX, com a máxima expressão no século XX, quando começam a
assumir os contornos ideológicos que hoje conhecemos. A fundamentação jusna-
turalista dos direitos humanos é recusada por pensadores políticos contemporâ-
neos, que preferem considerá-los “uma invenção humana”, na visão de Hannah
Arendt (Lafer 1988), ou “uma construção histórica”, segundo Norberto Bobbio
(1992). Nas suas formulações, os direitos humanos aparecem como resultado de
uma conquista histórica e política da sociedade, e não como direitos fundados
na natureza humana. É justamente nesta perspectiva que Arendt constrói seu
argumento: a autora não acredita que as pessoas nascem iguais ou são criadas
igualmente por conta da natureza, mas que a igualdade, assim como outros direitos
considerados naturais, é uma “construção artificial” da sociedade com o fim de
regular a convivência coletiva de uma comunidade política.
A teoria política de Hannah Arendt não possui uma reflexão sistemática sobre
o tema dos direitos humanos, e sim uma análise fragmentada, dispersa em suas
principais obras. Seu pensamento político, caracterizado pela exaltação dos valores
republicanos do bem comum e da praxis, ressalta a importância de uma esfera
comum: um espaço politicamente organizado no qual o cidadão possa exercer sua
liberdade e seus direitos fundamentais. Na sua visão, os direitos humanos não
derivam das leis divinas ou das leis da natureza, mas resultam da “ação” – conceito
que adquire centralidade no seu pensamento político.
Segundo Hannah Arendt (1997), a política pertence ao domínio da action

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(ação), definida como a atividade política por excelência e a categoria central do
pensamento político. As outras atividades humanas fundamentais da vita activa –
4
labor (labor/trabalho) e work (obra) – teriam também alguma relação com a
política, mas a ação seria a única a abranger a condição humana da pluralidade,
que é a condição de toda vida pública. Para a autora, a pluralidade é a condição da
ação humana, tendo em vista o fato de “sermos todos os mesmos, isto é, humanos,
sem que ninguém seja exatamente igual a qualquer pessoa que tenha existido,
exista ou venha a existir” (Arendt 1997:16). Neste sentido, Arendt concebe a
política como uma construção essencialmente humana e, por isso, pertencente
à categoria da ação – categoria relacionada às atividades puramente humanas e
permanentes. Além disso, das três atividades, a ação é a única que tem sentido
na convivência humana, na interação entre as pessoas, em uma vida vivida em
conjunto, e nunca no isolamento, pois “estar isolado é estar privado da capacidade
de agir” (Arendt, 1997: 201).
As três atividades e suas respectivas condições relacionam-se com a natali-
dade e a mortalidade. A ação é a que mais se relaciona com a condição humana
da natalidade: “o novo começo inerente a cada nascimento pode fazer-se sentir
no mundo somente porque o recém-chegado possui a capacidade de iniciar algo
novo, isto é, de agir” (Arendt, 1997: 17). Desta maneira, de acordo com a autora,
“todas as atividades humanas possuem um elemento de ação e, portanto, de nata-
lidade” (Arendt 1997: 17). Cada nascimento é algo novo, imprevisível, inesperado
justamente porque cada homem, na sua singularidade, é capaz de produzir algo
singularmente diferente. Sendo a política parte da ação, a natalidade constitui
categoria central do pensamento político. Neste sentido, a política só poderia
se desenvolver onde a pluralidade e, conseqüentemente, a natalidade humana
fossem respeitadas.
A experiência totalitária, entretanto, significou a supressão das liberdades
pública e privada. A esfera pública foi suprimida e substituída pelo domínio total.
Os indivíduos perderam o direito de se expressar e de agir, as duas condições essen-
ciais da vida pública. Segundo Bignotto (2001: 113-14), o totalitarismo “desmantela
não apenas os espaços públicos nos quais podem se manifestar politicamente,
mas também os espaços próprios à vida privada e que em alguns momentos da
história servem de refúgio contra a repressão do Estado e de outras autorida-
des”. Hannah Arendt utiliza o conceito de ruptura totalitária para caracterizar

4
O labor corresponderia ao processo biológico do corpo humano, tendo como condição humana
a própria vida; enquanto a “obra” estaria relacionada à artificialidade criada pelo homem na
relação com a natureza, tendo como condição humana a mundanidade.

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a radicalidade e o ineditismo do totalitarismo, denominado uma “novidade radical”.
O fenômeno totalitário representou uma ruptura com tradição, um hiato entre
o passado e o futuro, no sentido de que, ao romper com os padrões da tradição
ocidental, inaugurou um modelo inédito de dominação, sem nenhuma equiva-
lência com os regimes passados. As categorias conceituais, utilizadas até então
para compreender regimes como a tirania ou os despotismos, não serviriam para
pensar o totalitarismo (Bignotto 2001).
Os regimes totalitários, ao instaurarem o terror e a violência, acabavam por
impedir a formação de esferas de poder. De acordo com o pensamento arendtiano,
poder e violência são duas categorias opostas: onde existe violência, não há poder. Di-
ferentemente de Weber, para quem o poder é senão a imposição da vontade própria
sobre a alheia, ou seja, um jogo de soma zero, Arendt vê o poder como a capacidade
das partes de se comunicarem e chegarem a um acordo quanto à ação comum, no
contexto da comunicação livre de violência (Habermas 1980). Sendo assim, o que
o pensamento weberiano chama de poder, Hannah Arendt denomina de violência.
Arendt recusa o modelo teleológico da ação, o qual é entendido como a equação de
meios e fins: neste modelo, o indivíduo está interessado exclusivamente no sucesso
de sua ação e, para alcançar este objetivo, dispõe de meios desde que sejam para
influenciar na capacidade decisória do outro a favor próprio (Habermas 1980).
Arendt parte do modelo comunicativo de ação, segundo o qual os atores chegam
a um entendimento mútuo gerado na interação lingüística, ou seja, o poder se origina
da praxis e é um fim em si mesmo. Este conceito comunicativo nos remete à noção
de esfera pública discutida anteriormente, cuja base está na possibilidade dos atores,
ao mesmo tempo plurais e iguais, se interagirem livremente através da fala. Com isso,
percebemos que a violência dos regimes totalitários, caracterizada pela instituciona-
lização do medo e do terror total, era uma esfera “vazia” de poder, na medida em que
impedia qualquer manifestação da praxis e da ação conjunta dos indivíduos.
O nazismo e o stalinismo introduziram formas de dominação absoluta de todas
as esferas da vida humana e destruíram brutalmente qualquer expressão política.
Ao suprimir a “ação”, a experiência totalitária negou a própria condição humana.
Ainda de acordo com Arendt, os campos de concentração e extermínio significaram
a instituição característica do domínio total, sua maior e mais brutal expressão.
Destinados à “fabricação de cadáveres” em massa, os campos de concentração e
extermínio demonstraram a crença totalitária “de que tudo é possível” (Arendt
1989: 488). Não obstante, a autora ressalta que os campos também estavam desti-
nados “[...] à chocante experiência da eliminação da própria espontaneidade como
expressão da conduta humana, e da transformação da personalidade humana em
algo que nem mesmo os animais são” [...] (Arendt 1989: 489). Os indivíduos, ao

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serem aprisionados, viram destruída sua identidade moral e jurídica, que outrora
lhes diferenciava dos demais na sociedade.
A espontaneidade humana é entendida como a raiz da distinção singular de
cada indivíduo em relação aos seus semelhantes (Duarte 2000). Desta maneira,
ao suprimir a singularidade humana, foi igualmente suprimida toda espontanei-
dade do homem e, conseqüentemente, qualquer capacidade de iniciar algo novo.
O objetivo do domínio total exercido nos campos de concentração foi acabar com
o “último resíduo de humano no homem”, o que acabou por transformá-lo em
um “feixe de reações”, reduzido às reações mais elementares, assim como o cão
de Pavlov obedece aos seus reflexos condicionados (Duarte 2000: 247). É nesta
surpreendente análise arendtina dos campos de concentração que encontramos
o conceito de superfluidade das pessoas.
O argumento de Arendt é que foi por meio dos campos de concentração que
o regime totalitário tornou a todos – homens, mulheres e crianças – igualmente
supérfluos. Criando lugares onde tudo é possível, o regime totalitário deu origem
a um processo de produção em massa de “cadáveres vivos”. As pessoas ali aprisio-
nadas eram jogadas no mundo dos mortos-vivos na medida em que “o verdadeiro
horror dos campos de concentração reside no fato de que os internos, mesmo
que consigam manter-se vivos, estão mais isolados do mundo dos vivos do que
se estivessem morrido, porque o horror compele ao esquecimento” (Arendt 1989:
493). A experiência de isolamento no campo, por situar-se fora da vida e da morte,
torna-se irreal tanto para o sobrevivente, que parece duvidar da veracidade de
seu relato, quanto para quem o escuta, pela dificuldade de acreditar em algo que
escapa à compreensão humana.
Tendo como referência teórica os conceitos desenvolvidos pelo pensamento
político arendtiano, analisaremos, na próxima seção, as violações de direitos
humanos ocorridas durante a última ditadura militar Argentina (1976–83), res-
saltando os aspectos totalitários presentes neste regime. Desde já, afirmamos que
não pretendemos classificar o regime militar argentino como totalitário nos moldes
apresentados por Hannah Arendt em “As origens do Totalitarismo” (1989). Como
afirma a filósofa, a palavra “totalitarismo” deve ser usada com cautela para evitar a
confusão lingüística entre os termos “governos totalitários” e “tiranias e ditaduras”,
pois “a distinção entre eles não é de modo algum uma questão acadêmica que possa
ser deixada, sem risco, aos cuidados dos teóricos, porque o domínio total é a única
forma de governo com a qual não é possível coexistir” (Arendt 1989: 343).
Não obstante, ao analisar a ditadura militar instaurada na Argentina com o
golpe de 1976, encontramos aspectos que nos permitem classificá-la como um
regime que foi além do simplesmente autoritário. O autoritarismo é uma carac-

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terística presente nos regimes militares do Cone Sul, entretanto, no caso argen-
tino, podemos identificar aspectos totalitários que fizeram com que esse regime
se rompesse com a tradição autoritária dos regimes passados e inaugurasse um
regime “inovador” em termos repressores. No entanto, os aspectos totalitários
da ditadura militar argentina estariam mais relacionados à estrutura repressiva
e aos métodos de repressão, do que à própria organização do Estado durante o
regime militar. Neste sentido, as características do totalitarismo apontadas por
Hannah Arendt, tais como a existência de uma sociedade de massas, do racismo
e o anti-semitismo como política de Estado, do culto à personalidade do líder e
da propaganda totalitária não são observadas no regime militar argentino, que
em outros termos assemelha-se aos demais regimes autoritários do Cone Sul,
principalmente no que diz respeito à ideologia anti-democrática. Além disso,
enquanto as vítimas do nazismo eram escolhidas por uma condição impessoal e
objetiva, cuja “culpabilidade”, para os perpetradores, era independente dos seus
atos ou filiação ideológica, a condição subversiva estava relacionada à dimensão
especificamente política e subjetiva do inimigo, o que produziu na Argentina um
massacre eminentemente político, e não um genocídio como na Alemanha nazista
(Novaro; Palermo 2003).
A ruptura com o passado se deu pelo advento generalizado da prática do
desaparecimento forçado de pessoas como principal instrumento de repressão
durante a última ditadura militar e pela criação de um elevado número de centros
clandestinos de detenção, transformados em verdadeiros “campos de concen-
tração”, assim denominados pelo informe da Comissão Nacional sobre Desa-
parecimento de Pessoas (CONADEP) e pelas organizações de direitos humanos.
Estes lugares constituíram a maior expressão da brutalidade do regime militar
implantado na Argentina com o golpe de 1976 e eram destinados à eliminação
do inimigo interno.
O aspecto clandestino das violações de direitos humanos cometidas pelo
aparato repressivo estatal também chama a atenção no caso argentino. As pesso-
as eram seqüestradas, desapareciam e nenhuma informação era dada sobre seu
paradeiro aos familiares. Os órgãos oficiais não se pronunciavam, assim como os
meios de comunicação (com raras exceções), o empresariado, a alta hierarquia da
Igreja Católica, entre outros setores que apoiavam a “luta anti-subversiva” levada
a cabo pelas Forças Armadas. O uso generalizado e sistemático dos desapare-
cimentos estendia um “manto de suspeita” sobre amplos setores da sociedade,
gerando o medo e o isolamento. Os indivíduos foram se tornando atomizados e
isolados por causa do terror desencadeado e pela repressão “sem rosto”, já que
os procedimentos repressivos ocorriam na total clandestinidade. De acordo com

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Hannah Arendt (1989), o isolamento na esfera pública, diferente da solidão da
esfera privada, ocorre quando é destruída a esfera política de nossas vidas, aquele
espaço onde agimos em conjunto na realização do bem comum. Na sua tarefa de
“refundar” a sociedade argentina, a ditadura militar procurou suprimir as tentativas
de expressão da pluralidade humana, a comunicação livre entre as pessoas e a
capacidade de “iniciar algo novo” inerente a todos seres humanos.

2. DITADURA MILITAR, REPRESSÃO ESTATAL E O HORROR


DOS CENTROS CLANDESTINOS DE DETENÇÃO

O regime autoritário, instaurado na Argentina com o golpe militar de 24 de março


de 1976 e denominado pelos golpistas de “Processo de Reorganização Nacional”,
é considerado o mais violento e repressivo da história argentina no século XX. As
Forças Armadas destituíram o governo constitucional de María Estela (Isabel)
Martínez de Perón, que havia assumido o cargo presidencial, em 1973, após a
morte do marido Juan Domingo Perón. A ditadura militar instaurada com o golpe
de Estado dado pela Junta Militar, integrada pelos comandantes das três forças,
Jorge Rafael Videla (Exército), Emilio Eduardo Massera (Marinha) e Orlando
Ramón Agostí (Aeronáutica), levou a cabo um plano repressivo que desencadeou
uma generalizada e sistemática violação de direitos humanos sem precedentes na
história contemporânea deste país, ou até mesmo da América do Sul.
O governo de Isabel Perón chegou ao fim bastante desgastado, marcado pela
ação de grupos guerrilheiros e paramilitares, pela altíssima inflação e por uma
grave crise institucional. A violência nesse período tornou-se cotidiana, registran-
do, em março de 1975, um assassinato político a cada cinco horas e a explosão de
uma bomba a cada três, segundo o Jornal La Opinión (Novaro; Palermo 2003: 17).
Entretanto, à diferença das intervenções militares anteriores, o golpe de 1976 deu
origem a um regime autoritário inédito na Argentina, cujo objetivo era realizar
mudanças profundas e radicais em todos os âmbitos da vida pública: na econo-
mia, no sistema institucional, na organização sindical e partidária, na estrutura
social, na educação, na cultura, ou seja, “refundar” a sociedade e o Estado. Para
que o projeto refundacional fosse alcançado, era preciso romper com o passado
e afastar o “fantasma” peronista, que representava um mal a ser erradicado. Na
concepção dos militares, o peronismo havia conduzido a Argentina ao caos, ao
flagelo econômico e à subversão.
A ascensão dos militares ao poder não foi rechaçada pela opinião pública. Pelo
contrário, o golpe recebeu o apoio de amplos setores da sociedade argentina, que

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viam os militares como os baluartes da ordem e da segurança nacional, como “os
guardiões do destino da nação” e os responsáveis por restaurar a estabilidade ins-
titucional e dar fim ao desgoverno e à violência generalizada que havia acometido
o país. Os militares são vistos como o “povo fardado” e o único grupo social que,
por se situar acima dos interesses setoriais, é capaz de representar e defender os
interesses de toda a nação. Segundo o editorial do Buenos Aires Herald, do dia
25 de março de 1976, “toda a nação respirou com alívio quando souberam que
mãos firmes haviam tomado o controle do governo [...]; este não havia sido outro
golpe mais, mas uma operação de resgate” (Novaro; Palermo 2003: 20 tradução
5
nossa) .
A reestruturação de todo o conjunto da sociedade – o projeto “refundacional” –
implicava mudanças radicais na forma de organização do trabalho e do capital
no país, de maneira que o populismo fosse eliminado pela raiz. Neste sentido, a
política econômica adotada pelos militares e levada a cabo por José Martínez de
Hoz, Ministro da Economia e autêntico representante da direita livre-cambista,
refletia a aversão do novo governo à política desenvolvimentista, de forte inter-
venção do Estado na economia, que havia prevalecido na Argentina até aquele
momento. Na visão do novo regime, para erradicar os dois principais males que
afligiam a Argentina, a subversão e o caos econômico, era necessário acabar com
Estado populista – regular e protecionista – que havia se tornado ineficiente e
“refém” das organizações sindicais e das pressões populares.
Além de promover uma total reformulação nas bases econômicas do país,
a ditadura militar implementada a partir de 1976 dará início a um período de
repressão sem precedentes na história contemporânea da Argentina, cuja ação
produziu a maior e a mais selvagem tragédia da história do país (Conadep 2003).
Com a criação de um sistema repressivo nacional de caráter ilegal e clandestino,
os direitos humanos foram violados de forma sistemática, generalizada e plane-
jada. Este plano de repressão utilizou amplamente a prática do desaparecimento
forçado e tinha como objetivo eliminar a “subversão” e espalhar o terror entre
a população. Segundo dados da Comissão Nacional sobre Desaparecimento de
Pessoas (CONADEP), 8.960 pessoas desapareceram durante a ditadura militar.
No entanto, estima-se o número de desaparecidos chegue a 30 mil, já que milhares
não foram denunciados na CONADEP, em 1985.
A doutrina de contrainsurgência francesa, utilizada para conter os revolucio-
nários na Argélia e na Indochina, serviu de inspiração ideológica para a arquitetura
do plano de repressão colocado em prática pela Junta Militar e para a formulação

5
Documento original em espanhol.

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da Doutrina de Segurança Nacional. A partir da década de 50, com a emergência de
nova conjuntura mundial imposta pela Guerra Fria, os militares passaram a lutar,
em seus países, contra forças insurgentes internas, e o mais importante não era a
derrota do exército inimigo, e sim a aniquilação física e moral dos rebeldes. Esta
concepção privilegia o conceito de “guerra interna” ou de um “estado de guerra”
contra o inimigo interno, o que justificaria a intervenção das Forças Armadas na
vida política e a utilização dos métodos repressivos que fossem necessários para
a eliminação dos subversivos. As técnicas anti-subversivas da doutrina francesa,
ensinadas ao exército argentino por oficiais daquele país e ratificadas nas escolas
militares norte-americanas nas décadas de 60 e 70, apregoavam a necessidade de
criação de um exército paralelo repressivo articulado à estrutura oficial, que agisse
na clandestinidade no combate à subversão (Novaro; Palermo 2003).
Mas quem eram os subversivos para as Forças Armadas? Em poucas palavras,
qualquer indivíduo ou organização que buscasse alguma mudança social e que agisse
contra a ordem nacional, fazendo uso de armas ou de idéias contrárias ao regime.
Todavia, a identificação do inimigo interno tornou-se algo bastante subjetivo e muitas
organizações e indivíduos, mesmo não filiados à ideologia marxista, princípio básico
na identificação da “condição subversiva” segundo a Doutrina de Segurança Nacional,
acabaram sendo tragados pelo aparato repressivo. As declarações do então general
Jorge Rafael Videla comprovam a multiplicidade de rostos e atos que poderiam ser
considerados como subversivos. Nas palavras do militar e presidente de facto até
1981, “um terrorista não é somente alguém com um revolver ou uma bomba, mas
qualquer um que difunde idéias que são contrárias à civilização ocidental e cristã”
6
(apud Acuña; Smulovitz 1995: 30 tradução nossa) .
A intenção do regime era destruir fisicamente as bases de apoio e resistência
dos setores progressistas, sindicatos e organizações armadas. Não obstante, pre-
viamente à tomada do poder pelas Forças Armadas, a ação repressiva já havia
7
atingido diretamente os membros dos grupos armados Montoneros e o Exército
Revolucionário do Povo (ERP), as duas principais guerrilhas da época. A partir

6
The Times, Londres, 4 de janeiro, 1978. Documento consultado em espanhol.
7
Os Montoneros, também conhecidos como “soldados de Perón”, constituíram o braço armado
da esquerda revolucionária peronista durante a década de 70. No seu auge, entre os anos 1974
e 1975, o grupo guerrilheiro chegou a contar com cerca de três mil componentes e centenas
de simpatizantes em vários âmbitos da sociedade, especialmente entre os jovens peronistas.
Seu líder, Em 1976, a organização montonera já havia perdido muitos de seus quadros e seu
poder de ação se encontrava bastante reduzido. Segundo Novaro e Palermo (2003: 75), “foi
precisamente então garantida a impotência política e militar da guerrilha, [...] que se desatou
com fúria sistemática a matança”.

VIOLÊNCIA POLÍTICA E DIREITOS HUMANOS – Daniela Mateus de Vasconcelos 219


de 1975, o terrorismo de direita é incrementado, com a atuação de grupos para-
militares, como a Tríplice A – Aliança Anticomunista Argentina – organização
paramilitar de inspiração fascista que atuou, nos anos prévios ao golpe e com o
respaldo de alguns setores do governo peronista, como um grupo de extermínio
de importantes lideranças sindicais, guerrilheiros e intelectuais. Grupos como
este trataram de criar, juntamente com a propaganda realizada pelo Exército e os
meios de comunicação, um clima de guerra civil que justificasse a tomada do poder
pelas Forças Armadas. Ao final de 1975, Montoneros e ERP já se encontravam
isolados e com boa parte de seus integrantes presos, mortos ou desaparecidos.
Naquele momento, a guerrilha representava uma ameaça limitada ao governo
constitucional. A Tríplice A é extinta com o golpe de 1976 e seus membros são
incorporados ao aparato clandestino de repressão do regime militar.
Quando já estavam praticamente desmanteladas as organizações revolucioná-
rias de esquerda, o alvo se dirigiu aos que, mesmo sem o uso das armas, desafia-
vam o regime ditatorial. Uma grande atenção era dispensada aos subversivos não
violentos, considerados os propagadores do “vírus” da subversão e tão perigosos
quanto os subversivos armados. Desta forma, além de membros dos grupos ar-
mados, fazem parte da imensa lista de desaparecidos e assassinados: sindicalistas,
8
jornalistas, advogados, estudantes secundaristas , sacerdotes, seminaristas, pas-
tores, freiras, bispos, escritores, professores, conscritos, políticos, universitários,
artistas, seus familiares “e os amigos de qualquer um deles, e os amigos dos amigos”
9
(Conadep 2003: 9) . Também estão desaparecidos cerca de 500 bebês, que foram

8
O seqüestro e desaparecimento de estudantes secundaristas de La Plata, no episódio que foi
conhecido como La noche de los lápices, é um dos casos mais emblemáticos e que demonstra o
alcance e a intensidade da repressão. Na noite do dia 16 de setembro de 1976, sete adolescentes,
com idade entre 14 e 18 anos, foram seqüestrados em suas casas pelas Forças de Segurança por
haverem participado de uma manifestação a favor do boleto escolar. Apenas três dos seqüestra-
dos foram liberados; os demais foram vistos nos Centros Clandestinos de Detenção Arana, Pozo
de Banfield, Pozo de Quilmes, entre outros, e continuam desaparecidos (Conadep 2003).
9
Engrossam a lista de desaparecidos 376 estrangeiros, de 22 nacionalidades diferentes, sendo
o maior parte deles uruguaios (120), chilenos (50), paraguaios (50), peruanos (40), italianos
(28) e espanhóis (25). Sete brasileiros desapareceram na Argentina entre 1976 e 1983 e, den-
tre esses casos, chama a atenção o desaparecimento do músico brasileiro, Francisco Tenório
Júnior. Ele estava excursionando em Buenos Aires, acompanhando Toquinho e Vinícius de
Moraes, quando foi “tragado” pelo aparato repressivo ilegal sem deixar pistas ao sair do hotel,
na noite de 18 de março de 1976, para comprar medicamentos (Miranda; Tibúrcio 1999). Este
é um exemplo da repressão generalizada e, de certa forma, indiscriminada que se produziu
no país, cuja ação afetou tanto ativistas políticos quanto indivíduos fortuitos. A Argentina é
o país do Cone Sul com o maior número de estrangeiros desaparecidos.

220 TEORIA E SOCIEDADE nº 16.2 – julho-dezembro de 2008


seqüestrados com seus pais ou nasceram nos Centros Clandestinos de Detenção e,
posteriormente, foram adotados por membros das forças de repressão.
A principal característica do sistema repressivo durante a ditadura foi o uso
sistemático e massivo dos desaparecimentos forçados como método de repressão
institucionalizado, mais que em qualquer outro regime autoritário do Cone Sul.
Ao contrário da Argentina, a repressão estatal no Brasil foi mais pontual e menos
difusa, oscilando entre períodos repressivos e períodos de relativa liberalização.
De acordo com Pereira (2004), os processos judiciais contra civis acusados de
crimes políticos serviram como “freio” da repressão e evitaram muitas mortes
e desaparecimentos no Brasil. Segundo o cientista político, a “judicialização da
repressão” explica o baixo número de mortos e desaparecidos ao longo dos 21
anos de regime militar, diferentemente da Argentina, onde ditadura militar abriu
mão, quase que inteiramente, dos procedimentos legais e privilegiou as execuções
extrajudiciais, que produziram cerca de trinta mil vítimas em sete anos.
Conforme Pereira (2004), os processos judiciais no Brasil garantiam que o preso
político tivesse seu paradeiro monitorado e davam algum espaço, mesmo que limitado,
para a atuação dos advogados de defesa, que prontamente notificavam as organizações
de direitos humanos sobre a prisão de seu cliente, de forma a “divulgar” a detenção.
Uma grande parte dos indivíduos acusados de violar as leis de segurança nacional era
processada formalmente e julgada por tribunais, geralmente militares, por juízes civis.
Além disso, segundo Pereira (2004), “os réus tinham o direito de apelar: das cortes
regionais militares para o Superior Tribunal Militar (STM) e do STM para o Supremo
Tribunal Civil, [...] fazendo com que os julgamentos políticos se transformassem em
processos muito mais arrastados no Brasil”. Em comparação com o Chile e a Argentina,
podemos afirmar que a justiça militar fez diferença no caso brasileiro ao aumentar as
chances de sobrevivência dos prisioneiros. Com a redemocratização, o poder judiciário
na Argentina e no Chile passou por amplas reformas, ao contrário do Brasil, onde os
juízes, ao bloquearem as reformas, perpetuaram a visão de que a repressão “não foi
tão ruim”. O autor também ressalta o alto nível de mobilização social e organização
da esquerda armada, no período prévio ao golpe militar, como fatores decisivos na
intensidade da repressão na Argentina e no Chile.
A Argentina teve a repressão menos “judicializada” dos três regimes militares,
com um pequeno número de pessoas processadas. No caso do Chile, os acusados
foram julgados por tribunais militares “em tempo de guerra”, entre 1973 e 1978.
A ditadura militar no Uruguai chama a atenção pelo alto índice de detenções, o que
levou o país a ter nesse período um dos maiores registros de prisioneiros políticos
per capita da América Latina. A tabela 1 apresenta uma comparação da repressão
política exercida pelos regimes militares dos quatro países do Cone Sul.

VIOLÊNCIA POLÍTICA E DIREITOS HUMANOS – Daniela Mateus de Vasconcelos 221


Tabela 1
Repressão e violência política no Cone Sul – 1964-1990.

Categorias Argentina Brasil Chile Uruguai

Período autoritário 1976-83 1964-85 1973-89 1973-85

Período mais repressor 1976-80 1969-74 1973-77 1973-76

Nº de mortos e desaparecidos a b c d
8.960(+) 358 2.279 (+) 346
políticos

Nº de exilados 500.000 10.000 40.000 300.000

Nº de prisioneiros políticos 30.000 25.000 60.000 60.000

Nº de pessoas processadas em
350 7.378 6.000 ...
tribunais militares

Fonte: Conadep 2003; Dossiê dos mortos e desaparecidos políticos a partir de 1964, 1995; Miranda;
Tibúrcio 1999; Pereira 2004; Roniger; Sznajdar 2004. Comisión Nacional de Verdad e Reconcili-
ación 1991. Comisión Nacional sobre Prisión Política e Tortura 20-04.

a
Segundo o informe da Comissão Nacional sobre Desaparecimento de Pessoas (Conadep 2003). Esta
estatística se refere apenas ao número oficial de desaparecidos. No entanto, fontes não-oficiais esti-
mam que o número alcance a 30.000.
b
De acordo com a classificação do Dossiê dos Mortos e Desaparecidos a partir de 1964 (1995) apud
Miranda e Tibúrcio (1999) são 185 “mortes oficiais”, 138 “desaparecidos políticos”, 13 “desapare-
cidos no exterior” (sendo 07 brasileiros desaparecidos na Argentina, 05 Chile e 01 na Bolívia), 08
“mortes no exílio”, 14 “outras mortes” (caso de falecimento em conseqüência da repressão, tais como
os casos de seqüelas de tortura e suicídios). É importante resgistrar que o Dossiê foi recentemente
revisado e ampliado. Ver: COMISSÃO de familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos. Dossiê
Ditadura: Mortos e desaparecidos políticos no Brasil (1964-85). São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado de Sâo Paulo, 2009. Igualmente vale ressaltar a publicação oficial do livro Direito à verdade
e à memória, da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, vinculada à Secretaria
Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. Ver: BRASIL: Secretaria Especial dos
Direitos Humanos. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Direito à verdade e
à memória. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007.
c
Segundo o Informe Rettig da Comissão Nacional da Verdade e Reconciliação (1991: 883-887). Esta
estatística se refere a três classificações: as “vítimas de agentes do Estado ou pessoas a seu serviço”
(957 desaparecidos e 1.068 mortos), as “vítimas de particulares atuando sob pretextos políticos” (90
mortos) e as “vítimas da violência política” (164 mortos). Dos 2.920 casos apresentados à Comissão,
ela não se pronunciou sobre 641. Não obstante, a “Comissão Nacional de Recompensa e Reconcili-
ação”, sucessora da Comissão Rettig, publicou um relatório, em 1996, com a confirmação de mais
899 casos, o que elevou o número total de vítimas da repressão no Chile a 3.197 (Roniger; Sznajder
2004).
d
Uruguay Nunca Mais: Informe sobre a Violação de Direitos Humanos (1972-1985). Serpaj: Monte-
vidéu, 1989 apud Roniger e Sznajder 2004: 20-23.

222 TEORIA E SOCIEDADE nº 16.2 – julho-dezembro de 2008


O período mais repressivo ocorre nos quatro primeiros anos do regime,
especialmente entre 1976 e 1977, durante os quais ocorre a maior parte dos se-
qüestros e desaparecimentos. De acordo com dados da CONADEP, somente em
1976 está registrado o desaparecimento de 4.105 pessoas, ou seja, 45% dos casos
documentados pela Comissão. Os sequestros, usados como forma de detenção,
eram realizados pelos Grupos de Tareas ou Patotas, segundo a jerga (gíria) re-
pressiva, formados por membros das Forças Armadas e das Forças de Segurança.
Segundo o informe da CONADEP, as vítimas eram seqüestradas em sua maior
parte – 62% dos casos – às altas horas noite ou de madrugada, em sua própria casa,
na presença de testemunhas. Alguns interrogatórios eram iniciados na casa da
vítima, seguidos de tortura, na presença de familiares, que algumas vezes também
eram seqüestrados ou sofriam algum tipo de agressão física durante o operativo.
Os Grupos de Tarea também realizavam o botín de guerra, ou seja, saqueavam a
casa dos seqüestrados, roubando seus bens e objetos de valor. Muitos membros
das forças de repressão se enriqueceram com uso desta prática ilegal. Em alguns
casos, os filhos dos seqüestrados também eram levados para posterior adoção por
algum membro das forças repressoras. Em outros casos, as crianças também eram
levadas aos Centros Clandestinos de Detenção, onde presenciavam as torturas aos
quais eram submetidos seus pais ou então eram torturadas na presença destes
(Conadep 2003).
A prática sistemática e generalizada dos desaparecimentos forçados e a criação
dos Centros Clandestinos de Detenção formavam o eixo central de um complexo
plano de repressão levado a cabo pela Junta Militar. Estima-se que mais de 340
Centros estavam distribuídos em todo o território nacional. Os maiores e mais
importantes CCD estavam concentrados na Capital Federal, na Província de Bue-
nos Aires e na cidade de Córdoba. Os CCD eram coordenados por altos oficiais das
Forças Armadas e funcionavam geralmente em suas dependências – não obstante
escolas, hospitais e casas particulares também terem sido utilizadas para tal fim.
É importante chamar a atenção para os nomes dados aos CCD: La Perla (A Pérola),
El Olimpo (O Olimpo), El Club Atlético (O Clube Atlético), El Vesubio (O Vesúvio),
La Cacha (como referência à bruxa Cachavacha, um personagem da televisão que
fazia as crianças desaparecerem), entre outros. Era desta maneira eufemística
que os repressores, em uma mescla de sadismo, perversidade e “afastamento da
realidade”, denominavam os campos de tortura. Segundo depoimentos de sobre-
viventes dos CCD, a linguagem repressiva era feita por códigos: a sala de tortura
era chamada de quirófano, como referência à sala de operação dos hospitais; as
celas eram chamadas de tubos; e os desaparecimentos de traslados. Tudo tinha
um segundo nome com o objetivo de desumanizar um sistema de características

VIOLÊNCIA POLÍTICA E DIREITOS HUMANOS – Daniela Mateus de Vasconcelos 223


mecânicas e, talvez, permitir aos agentes da repressão tomar distância do que
estavam fazendo, como “pílulas de entorpecimento moral” (Bauman 1999).
O Centro de Detenção da Escuela de Mecánica Armada (ESMA) é segura-
mente o mais emblemático. A ESMA funcionou como um grande Centro, pelo
qual passaram mais de cinco mil prisioneiros. Nele eram desenvolvidas diversas
atividades clandestinas relacionadas ao aparato repressivo. A estrutura do Grupo
de Tareas da ESMA – o temível G.T 3.3/2 – era a mais complexa, sendo com-
posta basicamente por três departamentos: Inteligência, Operações e Logística.
Segundo o informe da CONADEP (2003), o setor de Inteligência, formado por
oficiais da Armada e suboficiais da Marinha, era responsável pelos interrogatórios
e pelas informações obtida dos prisioneiros, assim como participavam na decisão
10
sobre os seqüestros e traslados que seriam realizados. No setor de “Operações”
trabalhavam, além do pessoal mencionado anteriormente, membros da Polícia
Federal e oficiais afastados da Marinha e do Exército, responsáveis pela execução
dos seqüestros. Eram os que realizavam os saques nas casas dos seqüestrados –
o G.T 3.3/2, por meio de roubos e extorsão, se apoderou de bens móveis e imóveis
dos desaparecidos e de suas famílias, e promoveu a falsificação dos documentos
11
e registros de posse daqueles. O departamento de “Logística”, formado por
oficiais e suboficiais da Marinha, tinha a tarefa de manter as dependências do
G.T e administrar as finanças.

10
O termo “traslado” significa o ato ou efeito de “trasladar”, ou seja, mudar de lugar. Todavia,
no contexto da repressão, o termo “traslado” significava a morte. Por meio dos vuelos de la
muerte, os opositores do regime eram jogados vivos e narcotizados de um avião no Oceano
Atlântico. A existência dos vuelos foi confirmada pelo ex-oficial da Marinha, Adolfo Scilingo,
em uma entrevista ao jornalista Horacio Verbitsky, em 1995. Já era amplamente conhecida
a terminologia do “traslado” e o seu significado, inclusive pelo informe da CONADEP, en-
tretanto nenhum militar havia explicitamente falado sobre o assunto.
11
O G.T da ESMA foi o responsável por dois episódios que adquiriram grande transcendência
internacional: o seqüestro e desaparecimento das freiras francesas Alice Domon e Leónie
Renée Duquete e do grupo de familiares de desaparecidos que se reuniam na Igreja de Santa
Cruz. As freiras foram seqüestradas entre os dias 08 e 10 dezembro de 1977, em um mesmo
operativo de seqüestro de treze familiares de desaparecidos, inclusive da fundadora das
Madres de Plaza de Mayo, Azucena Villaflor. As vítimas foram levadas ao CCD da ESMA
onde foram brutalmente torturadas e posteriormente desapareceram. O protagonista desta
operação foi o oficial do exército Alfredo Astiz, também conhecido como el Angel Rubio, que se
infiltrou no grupo de familiares fazendo-se passar por irmão de um desaparecido. Com muita
destreza, ganhou com o tempo a simpatia e a confiança do grupo, e organizou o seqüestro dos
ativistas de direitos humanos. Em 1990, o oficial Alfredo Astiz foi condenado (em ausência)
por um tribunal na França à prisão perpétua pela morte das duas freiras francesas.

224 TEORIA E SOCIEDADE nº 16.2 – julho-dezembro de 2008


Assim como os campos de concentração foram para Hannah Arendt (1989)
a instituição característica do domínio total, os centros clandestinos de detenção
foram a maior e mais brutal expressão da ditadura militar argentina. Ingressar
em um centro de detenção significava “deixar de ser” – os prisioneiros eram
destituídos de sua identidade, despojados de sua dignidade e de qualquer direito;
também significava “deixar de existir” para o mundo externo, para a sociedade e
para seus familiares. Aspecto este descrito pelo general Videla quando afirmou que
“enquanto estivessem desaparecidos, não podia haver nenhum tratamento especial,
é uma incógnita, um desaparecido, não tem identidade, não está vivo nem morto,
12
está desaparecido” (apud Novaro; Palermo, 2003: 106 tradução nossa) .
Desta forma, tendo sido extirpada sua “espontaneidade”, as pessoas presas
nos CCD tornaram-se um ser supérfluo – um material humano que podia ser
eliminado sem oferecer resistência. Durante a ditadura, vários cadáveres apare-
ceram em diferentes partes da costa argentina e no río de la Plata com marcas
visíveis de haver sofrido tortura e de terem sido jogados de uma altura considerável.
Os corpos eram enterrados clandestinamente em cemitérios da região como corpos
não-identificados. A estratégia de desaparecer com os cadáveres era uma forma
de encobertar a repressão, pois sem os corpos não era possível a identificação da
vítima. E, teoricamente, sem corpo, não há crime. A incineração também foi usa-
da para eliminar os cadáveres, assim como centenas de corpos foram enterradas
em fossas comuns após o fuzilamento (Conadep 2003). Eram corpos sem nome,
sem passado nem presente, era o que precisava ser jogado fora. Desta forma, aos
parentes das vítimas não lhes foi dado o direito universal e sagrado, presente em
toda sociedade, de velar e dar santo sacramento aos seus familiares.
Tampouco existia alguma instituição ou autoridade a quem recorrer, pedir
informações ou buscar ajuda. Em muitos casos, a própria família do desaparecido
preferia silenciar-se por medo de represália. A incerteza com relação ao destino das
vítimas e a negação do regime em dar qualquer informação sobre seu paradeiro
foram preceitos instrumentados pelos nazistas por meio do decreto conhecido
como Noche y Niebla (ou “na calada da noite”, em uma tradução livre), que ins-
titucionalizou os desaparecimentos forçados contra os grupos de resistência nos
territórios ocupados. As execuções não bastavam como arma de dissuasão dos
inimigos; era necessária também uma arma psicológica. Sendo assim, “os que
se sentissem tentados a participar em atividades contra os alemães temiam em
desaparecer, assim como seus seres queridos, en la noche y la niebla” (Novaro;

12
Texto original em espanhol

VIOLÊNCIA POLÍTICA E DIREITOS HUMANOS – Daniela Mateus de Vasconcelos 225


13
Palermo 2003: 108, tradução nossa) . E é precisamente este o objetivo do desa-
parecimento forçado: provocar o terror, o medo, a paralisia, a incerteza total.
O regime implementado na Argentina representou a plena supressão da es-
fera pública, entendida na concepção arendtiana como o espaço comum no qual
o cidadão exerce sua liberdade através da praxis (ação) e da lexis (discurso). Não
obstante, a repressão ocorreu em todos os âmbitos da vida civil e o terror suprimiu
os espaços próprios à vida privada e que servem de refúgio contra a repressão es-
tatal (Bignotto 2001). A consigna criada durante a ditadura – el silencio es salud –
espelhava muito claramente a conduta que o regime militar esperava das pesso-
as. Desta forma, a atitude geral da população era de indiferença e desconfiança
recíproca, gerada pela falta de informação e pelo medo.
Segundo Habermas (1980), uma ordem estatal baseada na violência isola os
cidadãos entre si, proibindo o intercâmbio público de opiniões e destruindo as
estruturas comunicativas. Para o autor, “o medo, radicalizado em terror, força
cada um a fechar-se em si mesmo, contra todos os outros; anula, ao mesmo tempo,
as distâncias entre os indivíduos” (Habermas 1980: 106). A ação anti-subversiva
disseminava o terror, rompia os tradicionais laços de solidariedade entre as pes-
soas, inclusive entre familiares e amigos, e reforçava o individualismo. Sem uma
definição clara do que era permitido ou não, muitas pessoas começaram a se sentir
potenciais vítimas da repressão. Declarações ameaçadoras de membros do gover-
no reforçavam o terror e o medo. Em maio de 1977, o general Ibérico Saint Jean,
governador da Província de Buenos Aires, afirmou: “Primeiro mataremos todos
os subversivos, então mataremos seus colaboradores, depois seus simpatizantes,
em seguida, aqueles que permanecem indiferentes e, finalmente, mataremos os
14
tímidos” (Acuña; Smulovitz 1995: 31, tradução nossa) .
A Junta Militar elaborou uma doutrina repressiva clandestina que adquiriu
o caráter de “Terrorismo de Estado”. De acordo com Mignone (1991: 54), um
Estado torna-se terrorista quando, de forma deliberada e a partir de uma decisão
política, utiliza os meios que possui para assassinar, ameaçar, perseguir, torturar
e desaparecer, contando com a cumplicidade dos órgãos oficiais e colocando seus
habitantes em uma situação de alta vulnerabilidade, sem qualquer proteção con-
tra a violência estatal. A estratégia clandestina de repressão foi escolhida pelos
militares argentinos como forma de evitar os protestos e a pressão de governos e
organismos internacionais, como ocorreu com a ditadura de Pinochet, e também
de evitar uma possível oposição da diplomacia Vaticana que pudesse desesta-

13
Texto original em espanhol
14
Texto original em espanhol

226 TEORIA E SOCIEDADE nº 16.2 – julho-dezembro de 2008


bilizar as boas relações que a Junta Militar mantinha com a hierarquia católica.
No âmbito interno, a clandestinidade dos procedimentos repressiva impedia a
fiscalização e controle do poder militar, além de impossibilitar qualquer tipo de
investigação judicial.
Tendo a vista a convulsão social e política prévia ao golpe de 1976, alguns seto-
res da população, especialmente a classe média, estavam dispostos a aceitar certo
grau de violência ilegal, se fosse em prol da restauração da ordem e no combate
à subversão. Desta maneira, um núcleo social bastante amplo, formado por civis
de várias categorias sociais, apoiava os militares em sua cruzada “restauradora”
e consentia que alguns direitos fundamentais pudessem ser deixados de lado na
luta anti-subversiva e subordinados aos interesses nacionais quando necessário.
Os meios de comunicação, a Igreja Católica, os partidos políticos e os sindicatos
silenciaram-se frente às violações de direitos humanos cometidas pelo regime
militar. A reação partiu das organizações da sociedade civil, que constituíram o
fator político mais decisivo na luta contra a ditadura militar na Argentina.

2.1 A reação contra a barbárie: o movimento de direitos humanos


O crescente discurso internacional a favor dos direitos humanos, no final da
década de 70, colocava o tema em evidência e preocupava os regimes ditatoriais
espalhados pelo globo. Neste sentido, durante a Copa do Mundo de 1978, realizada
na Argentina, diversas campanhas “anti-argentinas” se espalhavam pelo mundo.
Tais campanhas denunciavam a repressão ilegal e clandestina no país e foram
lideradas especialmente pela Anistia Internacional e organismos franceses, como
o “Comitê Organizador de Boicote à Argentina” e o jornal Le Monde. No entanto, a
euforia popular, o clima de união e orgulho conseqüente do campeonato mundial
e a habilidade da Junta Militar de tirar proveito político desse acontecimento,
neutralizaram um possível efeito desestabilizador que estas campanhas inter-
nacionais poderiam acarretar internamente para o regime militar. Entretanto, a
eleição de Jimmy Carter e a mudança na diplomacia norte-americana levaram os
Estados Unidos a uma conduta bem menos tolerante no que diz respeito às graves
violações de direitos humanos na Argentina.
As principais organizações de direitos humanos que atuaram durante a
ditadura militar, consideradas as oito “organizações históricas”, foram a Liga
Argentina pelos Direitos dos Homens, a Assembléia Permanente pelos Direitos
Humanos (APDH), o Movimento Ecumênico pelos Direitos Humanos (MEDH),
Serviço de Paz e Justiça (SERPAJ), o Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS),
as Madres de Plaza de Mayo, as Abuelas de Plaza de Mayo e Familiares de Presos
e Desaparecidos por Razões Políticas.

VIOLÊNCIA POLÍTICA E DIREITOS HUMANOS – Daniela Mateus de Vasconcelos 227


Estas entidades, heterogêneas em seu nascimento e composição, foram as res-
ponsáveis pela incorporação do discurso dos direitos humanos na política argentina
e pela configuração de uma agenda pública na qual esse tema tivesse um lugar
central. A repressão estatal foi traduzida, nos discursos dessas organizações, em
termos de violações de direitos humanos. As principais linhas de ação do movimen-
to de direitos humanos nos anos da ditadura militar foram, segundo Jelin (1994),
a disseminação de informação e denúncia pública das violações, incluindo ações
internacionais para fomentar a solidariedade e apoio na luta contra as violações
do regime militar, e a solidariedade e apoio às vítimas e seus familiares.
A partir de 1980, com a publicação do Informe da Comissão Interamericana
dos Direitos Humanos e a concessão do Prêmio Nobel da Paz ao pacifista argentino
Adolfo Pérez Esquivel, a luta pela defesa dos direitos humanos na Argentina ganha
maior visibilidade internacional. Em âmbito nacional, o tema dos desaparecidos
torna-se uma demanda pública – a consigna Aparición con vida, criada pelas
Madres de Plaza de Mayo, emerge com toda força neste período, como um grito
presente nas ruas de Buenos Aires. As madres começam a deixar de serem vistas
como locas e demonstram seu poder de mobilização. A primeira manifestação
nacional do movimento de direitos humanos ocorreu em outubro de 1982, da
qual participaram todos os organismos de direitos humanos e várias agrupações
15
políticas e sindicais. De acordo com Leis , a Marcha por la Vida reuniu mais de
dez mil pessoas e ocupou um lugar privilegiado nos meios de comunicação, que
ressaltavam a problemática das violações de direitos humanos como uma questão
nacional e pública, e não concernente apenas às famílias afetadas.
Uma preocupação central do movimento estava relacionada à limitação do
poder estatal, ou seja, que as ações do Estado fossem norteadas pelo respeito aos
direitos fundamentais e aos princípios éticos, considerados “invioláveis” e “não
negociáveis” (Avritzer 2002). Os direitos humanos teriam a função de proteger
o cidadão contra as arbitrariedades do Estado, constituindo-se uma esfera moral
que colocasse limites à competição política. De acordo com Adam Przeworsky,
o conceito de direitos humanos constitui um acordo entre as forças políti-
cas de deixar algo fora da política, isto é, fora dos conflitos entre interesses
e valores que dividem a sociedade. É um acordo que implica que todos
processem suas disputas, mesmo as que provoquem mais conflitos, sem
violar certas normas, deixando algo fora do jogo, algo como inviolável.
(Przeworski 1995: 15)

15
LEIS, Héctor Ricardo. El movimiento de derechos humanos y la política argentina. Centro Editor
de América Latina, Biblioteca Política Argentina: Buenos Aires, 1989 apud Mignone, 1991.

228 TEORIA E SOCIEDADE nº 16.2 – julho-dezembro de 2008


O movimento de direitos humanos pode ser considerado como um novo
tipo de movimento social na América Latina ao representar uma ruptura com
a tradição política da região. Peruzzotti (2003) ressalta que a emergência desta
nova forma de mobilização social, ao introduzir uma preocupação pelos direitos e
pelo constitucionalismo transformou profundamente a cultura política argentina
e a tradição democrática do país. Segundo o autor, tais transformações geradas
pelo movimento de direitos humanos foram fundamentais para a reconstrução
da legitimidade democrática na Argentina, na medida em que contribuíram para
o estabelecimento de condições culturais e constitucionais que permitissem a
emergência de uma sociedade civil autônoma.

3. VERDADE, JUSTIÇA E MEMÓRIA NA ARGENTINA REDEMOCRATIZADA

A década de 80 foi inaugurada por dois acontecimentos que marcariam a longevi-


dade do regime militar: o aumento da crise econômica e a derrota na Guerra das
Malvinas. Tendo em vista o fracasso do programa econômico, os anos de 1980
e 1981 foram marcados pela crise financeira e a retração da atividade industrial.
Nesse período, a economia argentina dava sinais visíveis estrangulamento e de-
saceleração, que podiam ser sentidos pela população, especialmente pelas classes
mais pobres. Em um contexto marcado pelo aumento da tensão social e da crise
econômica, a invasão das Ilhas Malvinas em abril 1982 foi a “solução” encontrada
para conter a crescente oposição à ditadura militar. No entanto, o fracasso militar
nas Malvinas, em junho daquele ano, aprofundou o desgaste do governo das Forças
Armadas e deu início ao processo de transição democrática.
Com o fim da ditadura militar, os gritos de se van, se van, y nunca volverán
dirigidos na retirada dos militares em 1973, puderam ser escutados novamente na
Plaza de Mayo em 1983. Diferentemente das transições democráticas pactuadas
entre civis e militares em longos processos, como ocorreu no Brasil; precipitadas
pela derrota do governo militar em um plebiscito convocado por ele mesmo para
a sua perpetuação, como no caso chileno; ou acordadas entre os militares e os
principais partidos políticos, como ocorreu no Uruguai, a transição da Argentina
ocorre por “colapso”, sem acordos entre o regime militar e as forças políticas de
oposição, ou coalizões entre as forças políticas majoritárias para a formação de
um futuro governo. O tipo de transição ocorrida na Argentina, sem a imposição
de condições por parte dos militares e com um forte rompimento com o regime
passado, foi essencial para o processo de confrontação das violações de direitos
humanos pelo regime democrático.

VIOLÊNCIA POLÍTICA E DIREITOS HUMANOS – Daniela Mateus de Vasconcelos 229


O tema dos direitos adquiriu centralidade na agenda política da transição.
Nas palavras de Acuña e Smulovitz (1995: 50), “a construção do estado de direito
e a defesa dos direitos humanos se tornou programa de governo”. O discurso de
Alfonsín durante a campanha presidencial estava centrado na condenação moral
e jurídica das violações de direitos humanos e no rechaço de que estes crimes
fossem perdoados ou permanecessem impunes. A atitude do seu adversário, o
peronista Ítalo Luder, com relação ao tratamento das violações de direitos hu-
manos, foi vacilante e ambígua, suscitando a desconfiança da população quanto
a um verdadeiro rompimento por parte de Luder com os militares.

3.1 Da busca da Verdade e da Justiça à política de reconciliação nacional


Em dezembro de 1983, Raúl Alfonsín tomou posse como presidente da nação e
alguns dias depois anunciou duas importantes medidas do seu governo no campo
da confrontação das violações de direitos humanos do regime militar. Em seu ca-
ráter de comandante-em-chefe das Forças Armadas, Alfonsín instituiu por decreto
a criação de uma “Comissão da Verdade”, a CONADEP, destinada a investigar os
casos de desaparecimento forçado durante o regime militar e, por meio de outro
decreto, ordenou o julgamento dos membros das três primeiras Juntas Militares.
E, tal como havia prometido durante a campanha presidencial, Alfonsín enviou ao
Congresso um projeto de lei no qual declarava nula a lei “auto-anistia” promulgada
pelos militares. Também foi estabelecido o julgamento de sete membros das orga-
nizações guerrilheiras, entre eles o proeminente líder montonero Mario Eduardo
Firmenich. Sendo assim, a estratégia alfonsinista foi de condenar igualmente os
“dois demônios”: a violência política contra o Estado praticada pelas organizações
16
guerrilheiras e o Terrorismo de Estado promovido pelas Forças Armadas .
Em setembro de 1984, a CONADEP entregou seu informe ao poder executivo
após longos meses de incessante trabalho. Esta fase é identificada como a fase
da “Verdade”. Segundo Zalaquett (1995), a Verdade deve ser completa, por meio
do esclarecimento circunstancial dos crimes cometidos, ou seja, a natureza e a
extensão das violações, a forma como foram planejadas e executadas, o destino
das vítimas – individualmente – e os responsáveis por dar as ordens e por cumpri-
las. Ademais do profundo conhecimento da Verdade, esta deve ser proclamada

16
Segundo a denominada “teoria dos dois demônios”, muito difundida na Argentina no período
pós-ditatorial, o recente autoritarismo na Argentina foi produto da ação de dois atores com
igual responsabilidade criminal, os grupos guerrilheiros (também chamados de “terroristas”)
e as Forças Armadas, e que esta guerra havia produzido vítimas inocentes em ambos os lados.
No entanto, essa “teoria” nos oferece uma análise limitada e simplificada dos fatos.

230 TEORIA E SOCIEDADE nº 16.2 – julho-dezembro de 2008


oficialmente e exposta publicamente, com o reconhecimento público e oficial da
responsabilidade de agentes do Estado nos crimes e abusos ocorridos no regime
anterior (Zalaquett, 1997: 3-81). A exposição pública e oficial do que realmente
aconteceu, em quais circunstâncias e da identidade dos responsáveis – este “o que,
como e por quem” – é fundamental para a humanização das vítimas, a estigma-
tização pública dos violadores (o que funciona como condenação moral e social)
e para a disseminação do clamor por justiça em toda a sociedade. Para isso, as
violações de direitos humanos devem ser expostas como um problema coletivo, e
não apenas restrito àqueles grupos que foram afetados diretamente pela repressão,
como os familiares dos mortos e desaparecidos políticos. Como conseqüência do
forte impacto do informe da CONADEP na opinião pública, ocorreu a explosão
da demanda social por justiça. Esta demanda estava sustentada na sociedade pelo
desejo de restabelecimento de um novo pacto político sob a base do império da lei,
que colocasse limites às arbitrariedades cometidas pelo poder, na esperança de
“nunca mais poder sem lei” (Bombal 1995: 195-216). Após a condenação moral da
repressão, veio a condenação judicial, identificada como a fase da “Justiça”.
Entre os dias 22 de abril e 9 de dezembro de 1984, levou-se a cabo o julgamento
das juntas militares, considerado único e exemplar na história da jurisprudência
latino-americana. As vítimas diretas da repressão e familiares de desaparecidos
se tornaram testemunhas, e as palavras das testemunhas se transformaram em
prova jurídica contra os acusados. Os relatos das vítimas do terrorismo de Estado
emergiram como uma ruptura brutal do silêncio que lhes havia sido imposto pelo
terror e deixava às claras a lógica totalitária do plano repressivo. As audiências
públicas da Câmara Federal de Buenos Aires chegaram ao fim em dezembro de
1985, quando o tribunal divulgou o resultado do julgamento dos ex-membros das
três juntas militares. Dos nove militares processados, cinco foram condenados e
quatro absolvidos pela Câmara Federal. Rejeitando o argumento de “guerra interna”
utilizado na defesa dos militares, os juízes aceitaram a tese da promotoria de que as
violações de direitos humanos durante a ditadura militar fizeram parte de um plano
sistemático de repressão ilegal, articulado pelos comandantes das Forças Armadas,
cuja responsabilidade primordial pelo seu planejamento e execução cairia sobre
17
os membros da primeira junta que governou o país entre 1976 e 1981 .

17
Foram condenados à prisão perpétua o general Jorge R. Videla e o almirante Emilio Massera.
O brigadeiro Orlando R. Agosti, pertencente também à primeira junta, foi condenado a quatro
anos e seis meses de prisão. No que concerne à segunda junta militar, o general Roberto Viola foi
condenado a de 17 anos de prisão e o almirante Lambruschini a uma pena oito anos de prisão. Foram
absolvidos, por falta de provas, todos os integrantes da última Junta Militar (o general Leopoldo
Galtieri, o almirante Jorge Anaya e o brigadeiro Lami Dozo) e o brigadeiro Omar D. Grafigna.

VIOLÊNCIA POLÍTICA E DIREITOS HUMANOS – Daniela Mateus de Vasconcelos 231


De acordo com Przeworski (1995), o julgamento das juntas militares possui
um efeito dissuasório maior que qualquer outra forma de castigo. Para o autor, a
estratégia de “recordar para no repetir”, levada a cabo por meio da ampla difusão
da informação acerca da extensão e brutalidade do Terrorismo de Estado, não é
suficiente como mecanismo de dissuasão de futuras transgressões por parte de
autoridades oficiais. Ainda segundo Przeworski (1995), devem existir leis que
possam punir violações de direitos humanos, assim como uma burocracia inde-
pendente destinada a investigar tais abusos. Sendo assim, o autor coloca como um
dos principais resultados do julgamento, além do repúdio geral à brutalidade e a
condenação dos militares, a afirmação da capacidade institucional para abordar
violações de direitos humanos no futuro.
Após o julgamento das juntas, milhares de processos foram abertos contra
oficiais militares de média e baixa patentes que haviam participado da repressão
ilegal. O avanço desses inquéritos provocou uma onda de descontentamento e
inquietação nas Forças Armadas, o que foi entendido pelo poder executivo como
uma ameaça à estabilidade da democracia. O tratamento judicial das violações de
direitos humanos do período autoritário era o principal ponto de discórdia entre
civis e militares. Como maneira de apaziguar a situação, o presidente Alfonsín
promulgou, em dezembro de 1986, a “Lei de Ponto Final”, que fixava um prazo
final de 30 dias para a apresentação de novas acusações e um tempo limite de 60
dias para dar início aos trâmites legais. A adoção da Lei de Ponto Final deu início à
tendência regressiva da política de direitos humanos do governo constitucional.
Em abril de 1987 eclodiu a primeira crise aberta entre as Forças Armadas e
governo democrático. Liderados pelo tenente-coronel Aldo Rico, exigiam uma
“solução política” para a questão dos processos judiciais contra os oficiais de baixo
e médio escalões das Forças Armadas. Em outras palavras, a principal demanda
dos insurretos era a anistia dos atos cometidos em serviço durante a guerra a qual
se considerava justa e legítima contra a subversão. Embora o presidente Alfonsín
afirmasse que a crise havia terminado sem acordos ou compromissos futuros com
os militares insurretos, foi promulgada, em junho daquele ano, a “Lei de Obediência
Devida”, segundo a qual estavam isentos de responsabilidade penal todos os mili-
tares da patente de tenente-coronel para baixo (oficiais chefes, oficiais subalternos
e suboficiais) e pessoal de tropa das Forças Armadas, de Segurança, Policiais e
Penitenciárias que haviam agido em cumprimento de ordens superiores.
Neste momento final de seu mandato, o presidente Alfonsín incorporou ao
seu discurso os argumentos “reconciliatórios”, defendendo que as políticas “vin-
gativas”, baseadas em mágoas com o passado recente, poderiam gerar novamente
a polarização social e levar ao fim da democracia (Roniger; Sznajder 2004). Esta

232 TEORIA E SOCIEDADE nº 16.2 – julho-dezembro de 2008


mudança no discurso alfonsinista revela uma inversão das prioridades iniciais do
governo, que vai da necessidade de resolver um problema ético com a sociedade
civil à necessidade de manter uma relação harmônica com as Forças Armadas
(Jelin 1995). Durante os últimos meses do governo de Alfonsín, ocorreram novas
sublevações nas dependências militares. O Exército estava fraturado em virtude de
disputas internas pelo poder e insatisfeito com os processos judiciais que muitos
de seus oficias ainda estavam enfrentando.
Em julho de 1989, Carlos Saúl Menem chega ao poder em um momento de
embate entre as forças civis e militares, agravado pela crescente crise econômica
que assolava o país. Uma das principais questões de conflito na relação entre civis
e militares era o legado das violações de direitos humanos do regime autoritário.
Deste modo, o presidente Menem decidiu neutralizar esta que era a principal
fonte de instabilidade da democracia e, em outubro e dezembro de 1989, decretou
indultos presidenciais, sendo beneficiados pela política de “perdão” os ex-membros
das juntas militares condenados em 1985, entre outros oficiais de alta patente.
Como parte do seu propósito de favorecer a “reconciliação nacional”, o presidente
Menem também indultou os civis acusados de crimes relacionados à atividade
guerrilheira. O presidente Menem justificou a política dos indultos como necessária
para reconciliação dos argentinos com o passado recente. No entanto, a maioria
da população se mostrou contrária aos “perdões” presidenciais.
Seguindo a estratégia menemista de reconciliação nacional, foram aprovadas
leis de reparações e compensações oficiais para as vítimas da repressão e seus
familiares. Estas leis, aprovadas entre 1992 e 1994, indenizavam as pessoas que
haviam sido presas ilegalmente, reconheciam o status legal dos desaparecidos
e concediam compensações aos familiares de mortos e desaparecidos (Roniger;
Sznajder 2004). As entidades de direitos humanos apresentaram diversas posi-
ções com relação às leis de indenizações, algumas foram contra qualquer tipo de
reparação econômica, enquanto outras enxergaram nas indenizações uma forma
do Estado se responsabilizar pelos crimes cometidos por seus antecessores.
Sendo assim, o final dos anos 80 e a primeira metade dos 90 representaram
o auge da tendência regressiva no tratamento da questão das violações de direitos
humanos pelo regime democrático. O acúmulo de medidas regressivas (as leis de
Ponto Final e Obediência Devida e os indultos presidenciais), as sublevações nos
quartéis militares, a deterioração econômica e a emergência de outras violações de
direitos humanos, como a violência policial, contribuíram para a marginalização
do tema na esfera pública. A política de reconciliação levada a cabo pelo governo
Menem não conseguiu encerrar a questão na Argentina. A partir de 1995 o tema das
violações de direitos humanos retomou seu lugar privilegiado na esfera pública.

VIOLÊNCIA POLÍTICA E DIREITOS HUMANOS – Daniela Mateus de Vasconcelos 233


3.2 O boom da Memória na Argentina dos anos 90
O ano de 1995 marca um ponto de inflexão na retomada do debate acerca da
herança do autoritarismo. O oficial reformado da marinha, Adolfo Scilingo, con-
firma, em uma entrevista ao jornalista Horacio Verbitsky, a existência dos vuelos
de la muerte, sendo este o nome dado às operações aéreas por meio das quais os
opositores do regime eram trasladados, ou seja, jogados vivos e narcotizados de
um avião. Segundo Scilingo, os vuelos foram realizados durante dois anos e que
cerca de duas mil pessoas foram eliminadas mediante este método (Verbitsky 1995).
18
A confissão do militar, na qual revelava detalhes aterrorizantes do procedimento,
alcançou enorme repercussão nos meios de comunicação e desencadeou uma série
de revelações e mea culpa de membros das Forças Armadas e da Igreja Católica.
Neste mesmo ano, os filhos dos desaparecidos fundam uma organização que recebe
o nome de H.I.J.O.S (Hijos y Hijas por la Identidad y la Justicia contra el Olvido
y el Silencio). Esta geração de jovens atingidos diretamente pela repressão dá iní-
cio a um processo de aprendizagem e reflexão coletiva do passado, e juntam-se à
luta das demais organizações de direitos humanos, principalmente à Asociación
Madres de Plaza de Mayo e às Abuelas de Plaza de Mayo. A primeira aparição
pública de H.I.J.O.S ocorreu durante as manifestações do vigésimo aniversário
do golpe militar, em março de 1996.
Os vinte anos do golpe militar despertaram uma série de acontecimentos relacio-
nados à memória coletiva, como a produção de vídeos, documentários, a publicação
de livros, peças teatrais e relatos pessoais que retratavam o período militar (Cerruti
2001). Diversas manifestações de repúdio ao autoritarismo foram organizadas e
contaram com ampla participação popular e cobertura dos meios de comunicação.
No âmbito judicial, o ressurgimento do tema levou a abertura de novas causas, ba-
seadas no “direito à Verdade”, ou seja, no direito de todo o indivíduo de conhecer
as circunstâncias da morte de seus parentes e no direito da sociedade à informa-
ção completa acerca dos desaparecimentos ocorridos durante a ditadura militar.

18
Segundo o depoimento de Scilingo (Verbitsky 1995), os vuelos eram realizados todas as
quartas-feiras, às vezes aos sábados, e a Inteligência fornecia- lhes uma lista dos prisioneiros
que seriam “trasladados”. Estas pessoas eram previamente informadas que seriam levadas
a um “centro de recuperação” no sul do país e que por este motivo precisavam ser vacinadas.
Na verdade, antes de entrar no avião elas recebiam uma injeção de sedativo, que as faziam
adormecer rapidamente e não oferecer resistência durante os vôos. Segundo ex-militar, os
prisioneiros eram despidos enquanto estavam desmaiados e, quando o comandante do avião
dava a ordem, em função de onde estava o avião, a porta era aberta e eles eram jogados um
a um. Nas palavras do repressor, “essa é a história. Macabra história, real, e que ninguém
pode desmentir” (Verbitsky 1995 tradução nossa, original em espanhol).

234 TEORIA E SOCIEDADE nº 16.2 – julho-dezembro de 2008


Tendo em vista o direito dos familiares e da sociedade de conhecer o destino final das
vítimas da repressão, a partir de 1998 são impulsionados os chamados Juicios por
la Verdad, cujo objetivo é obter mais informações sobre a sorte dos desaparecidos
e acumular provas que poderiam dar origem a causas penais. O depoimento de uma
ativista de direitos humanos da organização Abuelas de Plaza de Mayo ressalta a
importância dos Julgamentos pela Verdade, mas reconhece que sem a colaboração
do Estado não se chegará à Verdade completa dos fatos.
O julgamento pela Verdade para nós, familiares, é muito importante porque
existem coisas que não sabíamos e, a partir das declarações de outros fami-
liares, sobreviventes dos campos e dos poucos repressores que prestaram
depoimento, vai se completando o mapa. De todas as maneiras, estamos
esperando que alguém se responsabilize, tanto a justiça como o Estado, de
nos dar as respostas sobre os desaparecidos, pois até agora não tivemos
nenhuma. Tudo que há nos julgamentos somos nós que trazemos; mas é a
outra parte, o Estado, que realmente sabe o que passou com eles, quando,
19
onde e como. Isso queremos saber (tradução nossa, grifo nosso) .

A partir de 1998, por pressão das Abuelas, são reabertos os casos contra oficiais
militares envolvidos na apropriação sistemática de bebês nascidos nas prisões ou
seqüestrados de seus pais desaparecidos e, posteriormente, adotados por membros
do aparato repressivo. Como esse crime não estava protegido pelas leis de Ponto
Final e Obediência Devida, vários oficiais de alto escalão, incluindo os ex-membros
das Juntas Militares, foram acusados e presos durante o ano de 1999. A questão das
crianças desaparecidas sempre recebeu bastante atenção governamental e, desde
o governo de Alfonsín, a luta das Abuelas de Plaza de Mayo pelo “direito à iden-
tidade” é apoiada do Estado. Em 1987, foi instituído o “Banco Nacional de Dados
Genéticos de Familiares de Crianças Desaparecidas”. No ano de 1992, no governo
do presidente Menem, é criada a “Comissão Nacional pelo Direito à identidade”
(CONADI). A partir de 1997, as Abuelas começaram a realizar diversas campanhas
de difusão com o intuito de convocar os jovens nascidos entre 1975 e 1980 que pos-
suem dúvidas com relação à sua identidade, tornando-os partícipes de sua própria
busca. Das 500 crianças apropriadas ilegalmente, 95 foram recuperadas e tiveram
sua identidade restituída nas últimas décadas, com a ajuda do Banco Nacional de
Dados Genéticos de Familiares de Crianças Desaparecidas.

19
Depoimento original em espanhol. La Plata, Argentina. 24 nov. 2004. 5 min. Entrevista
concedida a Daniela Mateus de Vasconcelos.

VIOLÊNCIA POLÍTICA E DIREITOS HUMANOS – Daniela Mateus de Vasconcelos 235


A fase da Justiça tomou um novo fôlego com a anulação das leis de Ponto
Final e Obediência Devida, em 2003, que conseqüentemente possibilitou a rea-
bertura dos processos judiciais contra os militares, até então protegidos por esta
legislação. A anulação destas leis foi uma das primeiras medidas adotadas pelo
governo do presidente Nestor Kirchner (2003-2007), que demonstrou bastante
empenho no tratamento do legado dos crimes cometidos pela ditadura militar.
Em junho de 2005, em uma decisão histórica, a Corte Suprema da Argentina
declarou inconstitucionais as leyes del olvido.
Nos últimos anos, as organizações de direitos humanos na Argentina começa-
ram a desenvolver um intenso trabalho no que tange à memória do Terrorismo de
Estado. Este boom do tema da memória levou uma diversidade de atores cívicos
se mobilizarem em iniciativas concretas de no olvido das violações de direitos
humanos da última ditadura através de projetos de recuperação arqueológica,
documental e testemunhal dos Centros Clandestinos de Detenção localizados
na cidade de Buenos Aires. Atualmente existe uma crescente mobilização social
para que os locais usados pela repressão estatal se transformem em “lugares de
memória” e permitam o conhecimento e a reflexão do passado recente da nação.
Desta forma, está sendo construído em Buenos Aires uma espécie de “topografia
da memória”, de maneira a sinalizar, no espaço urbano, locais que simbolizem a
luta pelos direitos humanos na Argentina.
Além disso, a Subsecretaria de Direitos Humanos da Cidade de Buenos Aires
mantém permanentemente alimentada uma base de dados com informações
pessoais das pessoas desaparecidas, trazidas por amigos e parentes da vítima.
A reconstrução do histórico de vida dos desaparecidos, assim como o reconheci-
mento de sua militância política, faz parte do processo de humanização das vítimas
e da preservação da memória da luta de resistência contra a ditadura militar. A
preservação e sistematização dos arquivos e documentos relacionados ao terro-
rismo de estado, assim como a incorporação do tema dos direitos humanos no
ensino público, também são trabalhos essenciais no âmbito da memória.
Hannah Arendt, em sua obra “Entre o passado e o futuro” (1972), chama a
atenção para a importância da retomada do passado como forma de dar sentido
ao presente. Para a autora, o fenômeno totalitário, ao aniquilar a esfera pública e a
suprimir a pluralidade humana, rompeu com a tradição e criou uma lacuna entre o
passado e o futuro. Ao fazer referência à herança do movimento francês de resistência
durante a Segunda Guerra, a autora cita um trecho do poeta e escritor francês René
Char: notre héritage n’est precede d’aucun testament (Arendt 1972:28).
[...] sem testamento, ou resolvendo a metáfora, sem tradição – que se-
lecione e nomeie, que transmita e preserve, que indique onde estão seus

236 TEORIA E SOCIEDADE nº 16.2 – julho-dezembro de 2008


tesouros e qual é seu valor – parece não haver nenhuma continuidade
consciente no tempo, e portanto, humanamente falando, nem passado
nem futuro (Arendt 1972: 31),

Deste modo, o “testamento” (ou a tradição) é o responsável por legar ao futuro


os “tesouros” do passado. A perda desta herança leva à ruptura com o passado
e “ao lapso de memória”. Para Arendt (1972), enquanto modo de pensamento,
a memória torna-se ineficaz e fora de um quadro de referência que lhe permita
reter o conhecimento. O que importa na retomada do passado é a possibilidade de
narrar experiências do político que possam ser apreendidas e que dêem sentido às
ações humanas e aos acontecimentos do presente (Teles 2001). Os atores sociais
que lutam pela memória do Terrorismo de Estado tentam ir contra a apropriação
seletiva do passado, no qual apenas uma história é contada, deixando para trás os
“tesouros” que não foram transmitidos pela tradição por pertencerem às causas
políticas “derrotadas”. Segundo Nietzsche (apud Yerushalmi 1989: 15), “é abso-
lutamente impossível viver sem esquecer”. Mas o que deve ser esquecido e o que
deve ser lembrado? Diante de eventos coletivos traumáticos, como foi o caso do
Terrorismo de Estado na Argentina, a estratégia escolhida foi a de privilegiar o
âmbito da memória como forma de superar a ruptura entre o passado e o futuro
produzida por tais regimes.
No caso argentino, a fase da Memória procura transformar o passado em uma
força viva no presente, em uma contínua luta contra o esquecimento e a apropria-
ção seletiva da memória. Para o movimento de direitos humanos na Argentina, a
recordação permanente do Terrorismo de Estado serve de barreira para evitar a
repetição de tais atrocidades no futuro (Jelin 1995). Como já foi dito, a máxima
20
recordar para no repetir deve ser analisada com cuidado . No entanto, a Justiça
e a Verdade incompletas fizeram com que a sociedade na Argentina, principal-
mente aqueles grupos afetados diretamente pela repressão estatal, enxergasse
na reconstrução da memória coletiva uma das principais formas de prevenção
de futuros governos autoritários. As organizações de direitos humanos se incum-
biram da tarefa de “lembrar” à sociedade, nas rondas de los jueves, nas marchas
de la resistencia, nas homenagens, entre outras formas de manifestação pública,
os horrores dos campos de concentração, das crianças seqüestradas, dos “vôos da
morte”, procurando manter aceso o repúdio ao autoritarismo.

20
De acordo com Mitre (2003: 12), “é lugar comum afirmar que [...] um povo que esquece ou
ignora seu passado tende a repeti-lo, sobretudo nos erros, revelando, assim, uma frustrante
incapacidade de aprender com a experiência”.

VIOLÊNCIA POLÍTICA E DIREITOS HUMANOS – Daniela Mateus de Vasconcelos 237


CONCLUSÕES

Os anos de 1976 a 1983 marcaram decisivamente a discussão do tema dos direitos


humanos na Argentina. A violência e repressão estatal significaram uma expe-
riência traumática no âmbito individual e coletivo, deixando marcas profundas
na sociedade. Durante o regime militar, o processo de redemocratização e a
vitalidade do movimento de direitos humanos na Argentina como os principais
fatores para a permanência do tema na agenda pública. Entretanto, o tratamento
inconclusivo do legado das violações de direitos humanos foi essencial para o não
encerramento da questão. Desta forma, a herança do autoritarismo continua a
reverberar na agenda política, social e cultural da Argentina devido a demandas
parcialmente satisfeitas no que diz respeito à Verdade, à Justiça e à preservação da
Memória. A resolução parcial do legado das violações de direitos humanos levou
a crises recorrentes no sistema político e a alternância de períodos de progresso
e retrocesso no campo dos direitos humanos.
Os governos democráticos que se seguiram confrontaram, de maneira di-
ferenciada, com a principal herança do autoritarismo. As distintas estratégias
adotadas na democracia para o tratamento da questão refletiram, muitas vezes,
a necessidade do governo civil em manter uma relação harmônica com os setores
militares. As Forças Armadas demonstraram ser a principal fonte de instabilidade
democrática e usaram essa prerrogativa para impedir o avanço do processo de
confrontação judicial e político dos crimes cometidos pelos militares.
A busca da subordinação dos militares ao poder constitucional levou os dois
primeiros governos democráticos – de Raúl Alfonsín (1985-1989) e Carlos Menem
(1989-1999) – a fazerem uma série de concessões aos setores militares, de forma
a limitar a investigação e punição dos acusados de violações de direitos humanos
na ditadura militar. Ao mesmo tempo, estes governos tiveram que lidar com a
pressão exercida pela opinião pública, principalmente no período pós-ditatorial, e
pela intensa mobilização das organizações de direitos humanos, que não abriram
mão das demandas de Verdade e Justiça completas e mantiveram sua vitalidade
reivindicatória durante todo este período.
Desta forma, podemos identificar três etapas pelas quais passa o tratamento
do legado das violações de direitos humanos no regime democrático. A primeira
etapa está relacionada com o período da redemocratização e a ascensão do pre-
sidente Raúl Alfonsín. Na transição à democracia, o tema dos direitos humanos
foi decisivo na definição das eleições presidenciais e esteve no centro da agenda
pública. O contexto político da transição condiciona a possibilidade de enfrentar
a questão do ponto de vista legal, político e institucional. Nesta primeira etapa,

238 TEORIA E SOCIEDADE nº 16.2 – julho-dezembro de 2008


há o embate frontal, decisivo e, de certa forma, corajoso das violações de direitos
humanos por parte da recém instaurada democracia.
Os processos judiciais, mesmo que limitados aos oficiais do alto escalão das
Forças Armadas, representavam um acontecimento inédito na região e abriam pre-
cedentes para futuros julgamentos, além do “efeito demonstrador” para os países
vizinhos. Nesta primeira fase, a intensa mobilização popular, com destaque para a
pressão exercida pelas organizações de direitos humanos e a ausência de poder de
agenda dos militares no período da transição, foram essenciais para a perseguição
governamental da Verdade e da Justiça. A esfera pública, anteriormente suprimida
por meio do terror e da repressão estatal, recuperou sua vitalidade arendtiana –
como “capacidade de iniciar algo novo” – e a política foi reorganizada em função
de uma nova institucionalidade, baseada em princípios éticos e no compromisso
do Estado com as garantias fundamentais do homem.
A segunda etapa está relacionada com a estratégia de “reconciliação nacional”
iniciada com a promulgação das leyes del olvido no governo Alfonsín, nos anos de
1985 e 1986, atingindo seu ápice com os indultos concedidos aos militares pelo pre-
sidente Carlos Menem, em 1990. Com o intuito de “acalmar os ânimos” dos setores
militares rebelados, o discurso dos governantes passa a enfatizar o perdão e o esque-
cimento, ressaltando a necessidade dos dois lados reconciliarem-se com os antigos
inimigos em benefício da paz social e da estabilidade democrática. Neste momento,
dois atores – Forças Armadas e organizações de direitos humanos – polarizaram a
discussão acerca do legado das violações de direitos humanos no Argentina.
Uma terceira etapa foi inaugurada com o revigoramento da discussão do tema
na esfera pública e uma crescente preocupação na sociedade civil por preservar
a memória do Terrorismo de Estado e, desde a segunda metade da década de
90, a fase da Memória se encontra em ampla expansão. O governo do presidente
Nestor Kirchner tornou-se um aliado das organizações de direitos humanos,
principalmente no que concerne à criação de “lugares de memória”, sendo este o
resultado da cooperação entre o poder público e a sociedade civil em matéria de
direitos humanos na Argentina. Além disso, este governo acelerou os processos
judiciais contra os envolvidos na repressão estatal, o que representou a conde-
nação de diversos ex-repressores até então protegidos pelas leis de Ponto Final e
21
Obediência Devida.

21
Em um discurso nas Nações Unidas, em 25 de setembro de 2003, o presidente Kirchner
declarou que “nós argentinos somos filhos das mães e avós da Plaza de Mayo” e reafirmou,
perante a comunidade internacional, a centralidade da política de direitos humanos na
agenda governamental.

VIOLÊNCIA POLÍTICA E DIREITOS HUMANOS – Daniela Mateus de Vasconcelos 239


Neste sentido, é essencial que as fases da Verdade e da Justiça estejam
completas, com o esclarecimento e difusão pública dos fatos ocorridos durante
a ditadura, especialmente quanto ao destino dos desaparecidos, e a punição do
maior número de envolvidos na repressão clandestina. O ato de “recordar”, assim
como o fato de “conhecer” (identificados com as fases da Verdade e da Memória,
respectivamente), por si só não impede a repetição do das atrocidades cometidas
no passado. Os processos judiciais contra os responsáveis por abusos contra os
direitos fundamentais possuem um papel central devido ao efeito dissuasório
maior que qualquer outro procedimento, de forma a gerar custos e ameaças para
os seus violadores.
Com o fim da ditadura militar, a revitalização da esfera pública na Argentina
ocorreu a partir da lógica dos direitos humanos, que permitiu a inserção perma-
nente do tema na agenda pública. A luta pela defesa dos direitos humanos contra
as arbitrariedades do Estado e as reivindicações de Verdade, Justiça e Memória
constituíram-se uma forma de aprendizado político para a sociedade argentina
e a criação de uma vida pública em que há sempre a possibilidade de um novo
começo.

240 TEORIA E SOCIEDADE nº 16.2 – julho-dezembro de 2008


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ABSTRACT

The present article seeks to analyze the impact sphere during the redemocratization process,

of the human rights violations, which occurred being that it was confronted in different man-

during the last military dictatorship in Argen- ners by the two first democratic governments. In

tina (1976-1983), on the democratic regime. addition, it continues to appear on the country’s

Relying upon the work and political thought of public agenda. The magnitude and intensity of

Hannah Arendt, the human rights violations, the violations, the type of democratic transition,

reflected in the crimes committed by the repres- and the vitality of the human rights movement

sive state apparatus, are considered to be the were determining factors leading to the politi-

main inheritance from the authoritarian regime. cal, social, and juridical confrontation of this

This legacy held a central place in the public authoritarian legacy.

KEY WORDS

militar dictatorship

state repression

human rights

redemocratization

justice

historical memory

RECEBIDO EM
fevereiro de 2007

APROVADO EM
abril de 2007

DANIELA MATEUS DE VASCONCELOS


Mestre em Ciência Política (UFMG) e graduada em Relações Internacionais (PUC-MG). Professora do

Centro Universitário UNA. Email: danimv@hotmail.com

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