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P
rovavelmente a maioria dos terapeutas (3) que tratam de crian-
ças já se deparou com reminiscências, recordações e memórias
de suas próprias infâncias. Às vezes, estas reflexões são bre-
ves, passando vagamente por nossa mente, muitas vezes despercebi-
das. Contudo, em outras ocasiões, uma imagem, um cheiro, uma
experiência cinética ou somática transporta o terapeuta de volta a uma
memória específica de sua infância. Estas excursões podem nos pegar
de surpresa, fazendo nos entrar em contato com memórias que nós
podemos não ter dado muita atenção por um bom tempo. Em alguns
casos, estas recordações da infância trazem com elas uma experiência
de nós mesmos como crianças, permitindo-nos revisar um estado de
self que possa ter ficado dormente até então e agora ser experimentado
novamente dentro de um contexto relacional de um determinado pa-
ciente criança.
Mas o que vem à tona ao passarmos por essas reminiscências da
infância? O que fazer com nossas associações da própria infância?
Que utilidade elas tem, se é que existe alguma? Como usá-las, ou não
usá-las com relação ao paciente? Estas lembranças particulares tor-
nam-se parte de nosso próprio diálogo íntimo, vistas tão separadas do
paciente, ou nós as consideramos entrelaçadas com as configurações
1
Tradução para o português por Jose Tolentino Rosa. Uma versão anterior deste capí-
tulo foi apresentada como parte da serie Coloquio sobre Criança no William Alanson
White Institute, patrocinado pela Sociedade Frieda Fromm-Reichmann, Outono de
2007.
2
A correspondência referente a este capítulo deve ser endereçada a Christopher Bono-
vitz, PsyD, Independent Practice, 119 Waverly Place, Ground Floor, New York, NY
10011. E-mail: chrisfb@nyc.rr.com
3 As palavras terapeuta e analista serão usadas ao longo do texto como sinônimos.
134 Christopher Bonovitz
cado.
Enquanto o tipo de culpa que eu estou descrevendo for algo que o
terapeuta de criança experimenta uma vez ou outra, o aprofundamento
de nossa compreensão no contexto da transferência/contratransferên-
cia pode envolver a relação histórica do terapeuta e progredir a relação
com o brincar. O brincar do paciente criança pode aflorar uma série
de sentimentos e conflitos arraigados no analista de tal forma que a
relação do analista com o brincar se torna uma parte crítica da troca
diádica, impregnando o ato compartilhado de brincar com uma série
complexa de significados.
Perdido “no fim do mundo”: recrutando a ajuda da criança para
entender a contratransferência do analista
Angus, um menino encorpado de nove anos, era fanático por fute-
bol. Ele geralmente vinha às suas sessões vestido com a camiseta do
seu time favorito e pronto para jogar5. Nossas partidas começavam
com a escolha do time – França, Brasil, Estados Unidos e assim por
diante – e um jogador favorito cuja identidade nós assumíamos na-
quele dia. Com o tempo, nós desenvolvemos um ritual preparando
minha sala para o jogo: movendo a mobília ao redor e preparando os
gols. Angus sentia orgulho de sua habilidade no futebol e freqüente-
mente começava o jogo com um breve relato sobre seu time atual de
futebol e seu desempenho no ultimo fim de semana. Ele era muito
sensível e frágil, contudo, contraditoriamente, determinado e teimoso.
Ele raramente desistia, mas batalhava para vencer. Ganhar era tudo
ou, por outro lado, perder era sentido como “o fim do mundo”, e fazia
a competição tomar proporções de vida ou morte. Ele tinha uma pre-
coce irmã mais velha que não cometia nenhum erro aos olhos de seus
pais e, portanto, Angus vivia à sombra dela, com o sentimento de que
tudo o que ele fazia de alguma maneira era nada.
Angus considerava a si mesmo como um “pessimista” com uma
144 Christopher Bonovitz
em sua voz.
Eu pausei aqui e considerei o que Angus me dissera. Eu estava, de
fato, assustado com sua raiva? Era a mudança no meu jogo que ele
referira como uma versão de abandono? Ele sentiu raiva de mim por
desistir de nossa intensa competição, algo que lhe foi interrompida no
meio do caminho? Inseguro sobre tudo isso, eu perguntei-lhe por que
ele achava que eu me assustei com ele. Ele respondeu, “Talvez porque
eu gosto de ser perfeito, e você pensa que me machucará se você ga-
nhar.” Eu fiquei surpreso com o insight de Angus sobre seus próprios
conflitos narcísicos, assim como com as veementes observações de
minhas reações sobre a percepção de sua fragilidade. Eu lhe disse que
pensei que ele estava acima de algo muito importante, e que o que ele
disse eu senti que era direto para mim.
Por que eu procurei tomar cuidado comigo mesmo? Quem eu estava
protegendo de minha agressão, eu ou Angus? Para ligar as sessões se-
guintes periodicamente, as impressões de Angus me levaram de volta
à minha amizade com Stephen. Eu voltei ao sentimento que eu trope-
çara antes: meu interesse na perda do meu amigo com ele acompa-
nhando nossos argumentos, meu medo que nós não conseguíssemos
resolver nossa disputa. Curiosamente este meu “velho” sentimento
conduziu-me a pensamentos sobre lealdade e promessas que eram tão
essenciais para meus amigos naquele tempo. O que Angus tinha me
ajudado a entender através de suas impressões sobre minha decaída
em nossos jogos foi a possibilidade que ele sentiu que eu declinava em
minha “promessa” de jogar, e jogar o jogo inteiro. Embora ele pudesse
ver porque eu desistia, ele também me lembrava que eu o aceitara por
ser menos maleável do que ele realmente podia ser. Ele me deixava
saber que eu não ficaria necessariamente tão assustado com sua raiva.
Ele poderia tomá-la, ou no mínimo eu poderia dar mais uma chance.
Eu comecei a ver mais claramente a conexão entre minha renuncia,
Contratransferência e a emergência da infância do analista 149
gem fora do nosso passado e recriadas com a criança pode nos ajudar
a reconhecer a “outra criança” na sala de análise conosco.
Resumo
O autor foca em um tipo específico de contratransferência com crian-
ças – as experiências e memórias da infância do terapeuta - que emer-
gem na psicoterapia de criança. O relembrar destas recordações da
infância do analista não é uma barreira ou um sinal de patologia como
se acreditava anteriormente, mas em alguns casos é uma fonte vital
que pode facilitar e aprofundar potencialmente o trabalho analítico.
A memória do analista e as consequentes fantasias, experiências físi-
cas e sensoriais, e estados afetivos no contexto da memória de infân-
cia, podem fornecer ao analista a oportunidade de fazer não apenas o
contato com seu “self” como uma criança, mas também facilitar a
simbolização destes estados mentais e usá-los na exploração da mente
do paciente criança. Através das trocas intersubjetivas com o paciente,
as memórias da infância do analista dão um novo significado ao con-
texto do trabalho terapêutico com o paciente criança. O autor ressalta
a singularidade da contratransferência com crianças em comparação
com adultos. Uma vinheta clínica é apresentada com detalhes, orga-
nizados em torno de uma lembrança da infância do analista e como
ele pode usá-la no campo da transferência/contratransferência.
Descritores: psicoterapia da criança, contratransferência, encenação,
brincar, memória.
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