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ENSAIO
RESUMO ABSTRACT
Em recente pesquisa com 189 líderes formais de aplicada à Administração, sem pretender,
empresas da Região Metropolitana de Curitiba – PR entretanto, esgotar a temática em questão.
– 59% deles eram diretores e gerentes, e os demais,
coordenadores, supervisores, chefes de setores e
2. OBJETIVO
líderes de equipes –, um dos objetivos era
conceituar a criatividade segundo a opinião dos O presente estudo, embasado nas pesquisas já
líderes. Foi constatado que (PAROLIN, 2001: 107- indicadas, tem como objetivos alinhar e comparar as
113): abordagens sociointeracionistas, e oferecer o apport
• 97% dos líderes formais pesquisados teórico para os modelos de gestão empresarial que
concordaram em que o meio sociocultural buscam no estímulo à criatividade e à inovação um
influencia o comportamento das pessoas; dos diferenciais intra-empresariais para a
competitividade.
• 69% concordaram em que a cultura
organizacional influencia a manifestação da
criatividade nas organizações e 27% demostraram 3. AS ABORDAGENS
dúvidas a respeito; SOCIOINTERACIONISTAS DO
PROCESSO CRIATIVO
• 96% concordaram em que a criatividade pode
melhorar a qualidade; As abordagens sociointeracionistas2 da
• 84% concordaram em que a criatividade está criatividade consideram que as condições para que
presente em todas as áreas de atuação do ser o processo criativo ocorra incluem: a pessoa que
humano; cria, as relações interpessoais, o papel do ambiente
organizacional e as relações da pessoa que cria com
• 86% concordaram em que a inovação depende da os líderes e com os projetos organizacionais.
criatividade;
Os pesquisadores apresentados a seguir
• 77% concordaram em que as idéias criativas nem dimensionam diferentemente os aspectos acima. O
sempre são inéditas; conjunto das propostas permite uma visão mais
• 82% admitiram acreditar que a criatividade na ampla do processo criativo nas organizações.
empresa serve para minimizar o estresse OSTROWER (1986) trata da criatividade com
individual e grupal; base numa perspectiva histórico-social, enquanto
• 55% admitiram acreditar que as decisões devem potencial inerente à condição humana e muito além
ser tomadas segundo a lógica financeira; do homo faber, impelido de forma consciente a
compreender e formar a vida. Ao partir da premissa
• 78% admitiram acreditar que “brincadeira não é de que a criação é um processo consciente, a autora
coisa somente de criança” (ludicidade presente no introduz a questão da alienação do homem de sua
processo criativo e nos ambientes de trabalho); existência social, afirmando que:
• 88% concordaram em que há lugar para atitudes
inovadoras nas empresas. 2
O termo sociointeracionista, também denominado
O resultado da pesquisa apresentado acima socioconstrutivista, é usado para distinguir a corrente teórica de
contribui para desfazer a crença de que a Vigotsky do construtivismo de Piaget, embora ambos sejam
construtivistas em suas concepções do desenvolvimento
criatividade está restrita a áreas de atuação do ser intelectual, pois sustentam que a inteligência é construída a
humano distantes do ambiente organizacional, e partir das relações recíprocas entre o homem e o meio. Os
aponta para a emergência de discussões mais estudos de Vigotsky sobre a perspectiva sociointeracionista
aprofundadas em torno dos seus mecanismos, dos (perspectiva histórica) consideram os seguintes níveis:
filogenético – refere-se à história evolucionária da espécie;
meios para sua obtenção e condução, dos objetivos sociogenético – refere-se à história dos grupos sociais (função
da organização e dos resultados potenciais a ser da sociedade); ontogenético – refere-se ao desenvolvimento do
alcançados. indivíduo, desde a fecundação até a maturidade; e
microgenético – refere-se ao desenvolvimento de aspectos
Nesse sentido, este artigo pretende contribuir específicos do repertório psicológico dos sujeitos, ou seja, à
como referencial de estudo sobre a criatividade seqüência singular de processos e experiências vividas por cada
sujeito específico (SOUZA FILHO, 1997).
O modo de sentir e de pensar os fenômenos, o próprio criadoras também por conseguir olhar de maneira
modo de sentir-se e pensar-se, de vivenciar as nova algo que antes era adequado a uma dada
aspirações, os possíveis êxitos e eventuais insucessos, situação.
tudo se molda segundo idéias e hábitos particulares ao
contexto social em que se desenvolve o indivíduo. Os Segundo o autor, é possível conceber o
valores culturais vigentes constituem o clima mental pensamento criador como inovador, explorador,
para seu agir. Criam as referências, discriminam as impaciente ante a convenção, atraído pelo
propostas, pois, conquanto os objetivos possam ser de desconhecido e pelo indeterminado, pelo risco e
caráter estritamente pessoal, neles se elaboram pela incerteza que traduz. Reúne um grupo de
possibilidades culturais. Representando a capacidades relacionadas, como a fluência, a
individualidade subjetiva de cada um, a consciência
originalidade e a flexibilidade. O pensamento não
representa a sua cultura (OSTROWER, 1986:16).
criador é cauteloso, metódico e conservador.
Além dos fatores socioculturais, a consciência de
si mesmo impulsiona o homem a reconhecer sua Ainda de acordo com Kneller, “um desinibido
ação simbólica na ação criativa, no contexto em que bambolear de quadris dificilmente seria dança
está inserido. Para a autora, “formar importa em criativa, nem o simples misturar de tintas numa tela,
transformar”, num processo dinâmico: pintura criadora” (KNELLER, 1978: 14). Para fins
deste estudo, é necessário explicitar um pouco mais
Criar é, basicamente, formar. É poder dar uma forma a o entendimento desse autor sobre a criatividade,
algo novo. Em qualquer que seja o campo da pois ele trata do assunto de forma completa e
atividade, trata-se, nesse ‘novo’, de coerências que se consistente. Segundo ele, as definições de
estabelecem para a mente humana, fenômenos
criatividade devem considerar quatro categorias: a
relacionados de modo novo e compreendidos em
termos novos. O ato criador abrange, portanto, a pessoa que cria (fisiologia, temperamento, atitudes
capacidade de compreender; e esta, por sua vez, a de pessoais, hábitos e valores), os processos mentais
relacionar, ordenar, configurar, significar (motivação, percepção, aprendizado, pensamento e
(OSTROWER, 1986: 09). comunicação), as influências ambientais e culturais,
e o produto (teorias, invenções, pinturas, esculturas
Ao relacionar o ato de criar com o de formar, a
e poemas) (KNELLER, 1978: 15).
autora conceitua a materialidade, não somente como
fato meramente físico, mas fundamentalmente como Às quatro categorias acima, o autor acrescenta os
linguagem simbólica, e afirma que é no trabalho elementos: novidade, inteligência, solução de
que o homem elabora seu potencial criador, pois é problemas e alcance da criatividade (o autor analisa
ele que “traz em si necessidades que geram as as capacidades mentais de mudar, produzir idéias
possíveis soluções criativas” (OSTROWER, 1986: relevantes e inusitadas, ver além da situação
31). Ou seja, é no pensar específico sobre um fazer imediata). Para dar ao leitor a noção exata do que
concreto específico que esse potencial criador se entende por alcance da criatividade, cita os escritos
manifesta, mesmo que o sentido de materialidade de Harry Broudy, aqui transcritos:
necessite de um contexto histórico que o caracterize Assim a invenção, o pensamento científico e a criação
enquanto finalidades e formas. Para a autora acima estética têm de comum uma facilidade em remanejar
referida, o consciente racional nunca se desliga das elementos de experiências prévias, desse modo
atividades criadoras. Ao contrário, constitui um obtendo novas configurações. Quando Sandburg
fator fundamental de elaboração. A criação deriva escreve que ‘a rã rasteja com pequeninos pés de gato’,
de uma atitude da pessoa e, nas profundezas da e uma criança chama os resíduos que a borracha deixa
concentração, a intuição sustenta a tensão psíquica. no papel de ‘poeira dos erros’, e um pintor mostra ao
Conceber o ato criativo desconsiderando o mesmo tempo os quatro lados de um paiol, e um
escritor se refere a algo ‘tão implacável como um
consciente na criação seria como desconsiderar uma
taxímetro’, e alguém converte um corredor numa roda,
das dimensões humanas. e um Newton vê analogia entre maçãs e planetas,
Para Kneller, criatividade “consiste (...) existe manifesta atividade intelectual que parece de
grandemente em rearranjar o que sabemos, a fim de igual textura, apesar das diferenças de coloração
achar o que não sabemos” (KNELLER, 1978: 75). (BROUDY, apud KNELLER, 1978: 25).
Ou melhor, de acordo com a Teoria Combinatória já Ao considerar que o processo criativo ocorre em
citada, as idéias criadoras não precisam, um período de tempo, é aceita amplamente a
necessariamente, ser novas; elas podem ser
QUADRO 01- Distinções entre o pensamento vertical e o pensamento lateral formulados por Bono
PENSAMENTO VERTICAL PENSAMENTO LATERAL
• modo óbvio de encarar as situações e necessita • modo específico de pensar, estimulado pela atitude e
de uma estrutura conceitual básica aceita; pelo hábito mental (pensamento criativo);
• direciona o pensamento de acordo com o • estimula a flexibilidade da mente para modos
processo convencional de resolver problemas, alternativos de resolver problemas, com baixa
obtendo alta probabilidade de acertos; probabilidade de acertos se comparado ao
convencional;
• lógica assume o controle da mente;
• lógica está a serviço da mente;
• idéias dominantes, adequadas e polarizantes;
• idéias novas, promovidas pelo aguçamento da
• classifica as coisas para controlar a imprecisão;
percepção e dos sentidos;
• contexto rigidamente definido (estar certo a
• fluidez dinâmica que se alimenta do potencial
cada passo).
ilimitado do caos;
• exige talento e originalidade.
Para BONO (1995), o pensamento lateral está personalidade criativa confrontada com o produto
voltado para a pesquisa de novas idéias, de maior advindo desse processo. KNELLER (1978) frisa
simplicidade e eficiência, e para a fluidez, que que é possível abranger cientificamente apenas os
permite a troca de uma idéia por outra melhor. O aspectos que podem ser medidos e observados, ou
pensamento vertical apresenta limites enquanto seja, o produto. Bono, ao questionar a maneira pela
método gerador de novas idéias. No entanto, Bono qual se encara um problema, torna-se mais crítico,
considera que a contribuição do pensamento afirmando que “o número de vezes que se apele
racional é fundamental na organização mental para para o pensamento lateral é uma questão de
a estruturação da nova idéia, após sua geração. A temperamento” (BONO, 1995: 70). Para o autor, a
complementaridade, ou caráter não exclusivo, entre ausência de um aparente problema pode ser o maior
o pensamento vertical e o lateral proposta pelo autor problema, pois é possível que a lógica das idéias
é claramente explicitada quando ele afirma que “a dominantes esteja sobrepujando a necessária dose
rigidez confinadora de um símbolo é uma forma de de pensamento lateral, capaz de imprimir um novo
envolvimento que decididamente impede a livre caráter aos problemas: o de degrau para uma
contração e expansão de uma idéia, movimento que melhoria. Assim, o autor levanta a seguinte questão:
pode ser necessário para o seu desenvolvimento. “Quando é que adequação, complacência e ausência
(...). É muito mais frutífero alternar-se entre de problemas são apenas outros nomes para
períodos de fluidez criativa e períodos de rigidez de inadequação e falta de imaginação?” (BONO, 1995:
desenvolvimento” (BONO, 1995: 80). 71).
A não-exclusão tanto do pensamento vertical O autor lança, a partir dessa e de outras questões,
quanto do lateral e a constatação da necessária a discussão sobre as condições habitualmente
alternância entre os períodos de fluidez criativa e de impostas para que novas idéias sejam aceitas, tais
rigidez de desenvolvimento vêm ao encontro do que como: provar sua adequação, não questionar as
KNELLER (1978) apresenta sobre o caráter idéias dominantes convencionais, comparar a idéia
interpenetrante das fases de criação. nova com a antiga. Todas elas, segundo o autor, são
falaciosas pelo caráter inútil e inibidor à resolução
Vale ressaltar que, tanto em KNELLER (1978)
dos problemas, pois inúmeras vezes a solução está
quanto em BONO (1995), é possível perceber que a
além dos limites que as condições habituais impõem
investigação sobre os elementos que compõem o
e surge num lampejo de percepção.
processo criativo detém-se na identificação da
Freqüentemente, uma nova idéia “surge quando
novas informações, reunidas através da observação reconhecida como adequada àquele domínio”
ou da experiência, forçam uma reavaliação das (GARDNER, 1995: 53).
velhas idéias” (BONO, 1995: 15). Além da rejeição
Em suas pesquisas sobre a descoberta criativa,
às novas idéias pelo contexto lógico das idéias
Gardner se refere a uma estrutura de três elementos
dominantes, uma das razões que o autor encontra
centrais para o ato criativo: um ser humano que cria,
para essa resistência é a de que:
um objeto ou projeto no qual o indivíduo está
A relutância em aceitar idéias novas não passa de uma trabalhando, e os outros indivíduos que habitam o
relutância em investir dinheiro em idéias novas, uma mundo do indivíduo criativo, numa relação da
relutância em arriscar grandes somas de dinheiro em dimensão afetiva com o apoio cognitivo
algo que não pode ser efetivamente julgado enquanto (GARDNER, 1996: 9). A mesma estrutura é
não estiver ocorrendo. O uso do pensamento lateral,
encontrada em KAO (1997), que afirma que a
no entanto, não se limita ao desenvolvimento de novos
produtos, mas se estende a todos os campos em que criatividade, bem como o espírito empreendedor, é
novos modos de encarar as coisas podem ser úteis. As proveniente da inter-relação de três elementos: a
novas idéias não significam apenas gastar dinheiro, na pessoa, a tarefa e o contexto organizacional.
maioria das vezes significam economizar dinheiro Para AMABILE (1999: 110), “para ser criativa,
(BONO, 1995: 117).
uma idéia também deve ser adequada, ou seja, útil e
A afirmação acima, relativa ao contexto de executável. De alguma forma deve influenciar a
gestão da criatividade nas empresas, dá ensejo à maneira como os negócios são realizados”. Segundo
discussão sobre como as organizações encaram o a autora, existem três componentes da criatividade:
surgimento das novas idéias. Ainda sobre o perícia (expertise), motivação intrínseca e raciocínio
pensamento criativo, o autor usa de vigilante cautela criativo (AMABILE, 1999: 116).
na aplicação do termo. Deixa clara sua opção de
Especificamente sobre o papel da motivação
usá-lo somente para artistas, percebida na afirmação
intrínseca, MOSCOVI (1997: 77) considera que a
de que “no mundo da arte, pode parecer que o
“motivação humana é constante, infinita, flutuante e
pensamento lateral se processa o tempo todo, sob o
complexa”. Apresenta a hierarquia das necessidades
nome mais satisfatório de pensamento criativo”
básicas elaborada por MASLOW (1954), na qual as
(BONO, 1995: 112). Prefere utilizar o termo “novas
necessidades fisiológicas são primordiais, seguidas
idéias” para a ideação de modo geral, e
das necessidades de segurança, afetivo-sociais, de
“pensamento criativo” para a atividade artística.
estima e, no topo da pirâmide, a necessidade de
A estrutura de concepção dos fatores que auto-realização. Nessa perspectiva a concepção de
compõem o pensamento divergente de GUILFORD Maslow é vista, pela autora, como motivação de
(apud KNELLER, 1978) assemelha-se à de deficiência. A autora também apresenta o esquema
concepção das Múltiplas Inteligências, pesquisadas abrangente de motivação elaborado por
pela equipe de Howard Gardner. Este, para HARRISON (1972, apud MOSCOVICI, 1997),
conceituar como as descobertas criativas ocorrem, cuja maior contribuição está relacionada ao estudo e
parte de um conjunto de estudos de caso de sete à interpretação das peculiaridades do aparecimento
personalidades criativas que viveram por volta de e da satisfação das necessidades ao longo da vida do
1900, cada uma em num domínio diferente, como ser humano.
exemplos exponenciais em cada uma das
A idéia de atividade criativa como atividade
inteligências. A pesquisa do autor tem como
compensadora reforça tanto a concepção de
objetivo principal extrair generalizações que
OSTROWER (1986) sobre a relação da criatividade
possam prevalecer em indivíduos altamente
com o trabalho, quanto a de GARDNER (1996)
criativos, através do estudo de padrões que
sobre idéias e projetos, reafirmando o entendimento
caracterizam a maioria deles (GARDNER, apud
da atividade criativa como compensação afetiva, de
BODEN, 1999).
fator psiquicamente equilibrante.
Para ele, um indivíduo é considerado criativo “se
Uma concepção semelhante é encontrada em
regularmente resolve problemas ou elabora
IZQUIERDO (1996), que infere que a descoberta
produtos em algum domínio, de uma maneira que é
científica é um ato criativo semelhante à descoberta
inicialmente vista como nova, mas acaba sendo
artística. Com um conhecimento profundo das
necessidades humanas, adquirido com base em suas das atividades, apresentado por IZQUIERDO
pesquisas sobre o funcionamento do sistema (1996) e AMABILE (1999), o prazer de brincar
nervoso no exercício da imaginação presente nos com as idéias, presente em KNELLER (1978), a
profissionais da medicina, o autor faz um paralelo sensibilidade infantil apresentada por GARDNER
entre as capacidades do cérebro humano de amar, (1999), o trunfo do jogo para o surgimento de nova
imaginar e criar, e uma máquina. Para ele, a criação idéias, em BONO (1995), são compatíveis com a
é o conjunto do amor com a imaginação. Ao visão de CAMERON (1998: 35) a esse respeito,
introduzir o amor no ato criativo, como energia pois este afirma que “as idéias surgem quando o
pulsante do desejo, e a imaginação, como atributo pensamento e a atividade racionais são seguidos por
da vida, o autor, fazendo uso de toda a liberdade um período de descanso”. Para a autora, o coração é
acadêmica, sugere que o amor, a imaginação e a que dá origem aos impulsos criativos e é na
criação são uma única coisa. liberdade presente no divertimento infantil que o
indivíduo poderá recuperar os dons criativos
Essa possibilidade de IZQUIERDO (1996)
trancados dentro do seu ser.
transitar livre e prazerosamente pelos conceitos do
ato criativo permite uma associação com o A autora trata os leitores como “artistas” e
pensamento de Gardner, que afirma que “cada conceitua criatividade como “um ato da alma, uma
descoberta criativa requer uma interseção do infantil expansão e extensão da força divina, não apenas
e do maduro; o espírito específico moderno deste uma ‘viagem do ego’ que nos satisfaz”
século foi a incorporação da sensibilidade da (CAMERON, 1998: 40). Concebe a criatividade de
criança pequena.” (GARDNER, 1996: 9) forma indistinguível da espiritualidade, em que a
inspiração e o alinhamento do pensamento em
O puro prazer com a atividade em si é
possibilidades mais positivas assumem um caráter
apresentado por CSIKSZENTMIHALYI (1992), ao
preponderante para a autêntica arte através do eu,
se referir ao estado afetivo de fluxo, ou experiência
valorizando o processo de crescimento espiritual,
de fluxo, que caracteriza a atividade autotélica. Este
renovação e cura muito mais que o produto daí
estado de fluxo apresenta uma intensa concentração,
proveniente (CAMERON, 1998).
capaz de levar pessoas a perderem a noção do
tempo cronológico, a consciência de si, e A espiritualidade contida nos estudos e técnicas
permanecerem de tal maneira absortas que não há de CAMERON (1998) soma-se aos estudos sobre as
atenção excedente para situações ou problemas condições da criatividade, que tem como uma de
alheios ao ato criativo. A esse estado de espírito o suas bases a motivação intrínseca. Se em
autor denomina flow, que pode ocorrer ao acaso, por OSTROWER (1986) é possível encontrar a
alguma feliz coincidência entre as condições percepção consciente do processo de criação, em
internas e as externas. Pode ocorrer, também, como CAMERON (1998) a sensibilidade pode ser vista
resultante de uma atividade estruturada, da como o nutriente para o aguçamento da percepção
habilidade da pessoa em fazê-lo acontecer, ou da de si mesmo.
concomitância dessas duas possibilidades.
3.1. A criatividade como apoio à gestão
Em Bono, esse relaxamento da vigilância sobre si
empresarial
mesmo é considerado, em relação ao jogo, uma das
técnicas para estimular o surgimento casual de É possível considerar que a indissociabilidade
fenômenos e idéias que não seriam normalmente entre o consciente racional e as atividades criativas,
procurados. Apesar de não tratar especificamente do em face da necessidade, na atualidade, de se
prazer contido no jogo, o autor é enfático ao afirmar repensar a função do trabalho, seja um dos fatores
que “a própria inutilidade do jogo é o seu maior que impulsionam KAO (1997) a afirmar que a
trunfo (...). Os pensadores verticais têm vergonha de humanidade se encontra na Era da Criatividade.
jogar, mas a única coisa vergonhosa é a Para sustentar essa convicção, o autor apresenta um
incapacidade de jogar” (BONO, 1995: 89). arrazoado que permite que se considere a natureza
do trabalho, a atual situação de desemprego e
De certa forma, considerando que a imersão no
subemprego, as mudanças ocorridas desde a
jogo pressupõe um relaxamento do pensamento
sociedade agrícola à sociedade informatizada, como
racional, o estado de flow (fluxo) apresentado por
fatores cruciais de repressão da criatividade.
CSIKSZENTMIHALYI (1992), o prazer extraído
auxiliados por computador) (STONER e FREEMAN, inovação no ambiente de trabalho, que influencia a
1999: 311). motivação intrínseca do indivíduo na realização de
A mudança para viabilizar o aproveitamento de tarefas, Alencar aponta as pesquisas realizadas por
oportunidades e o desenvolvimento da inovação Hill e Amabile, pelo destaque que vêm obtendo na
deve estar acompanhada de uma atitude voltada série de estudos sobre ambientes organizacionais e
para o aproveitamento desta, a fim de gerar seus efeitos na criatividade pessoal. Para esses
mudanças comportamentais e em processos autores, segundo destaque de Alencar,
administrativos e produtivos, resultando em Se as pessoas percebem que estão trabalhando em um
benefícios para a organização. Nesse sentido, o ambiente onde os objetivos dos projetos são claros,
comportamento criativo é o “fator-chave na resposta desafiadores e interessantes, onde têm autonomia em
às mudanças e abre espaço para que a organização decidir como trabalham em direção a essas metas,
promova inovações” (RODRIGUES e SILVA, onde as novas idéias são recebidas com encorajamento
1998: 64). e entusiasmo, onde elas não são pressionadas com
prazos impossíveis ou limitações de recursos, onde
Da mesma maneira como há ferramentas que outros estão dispostos a cooperar no alcance dos
trazem a teoria da administração da qualidade e da objetivos, onde os melhores esforços são
produtividade para a aplicação prática, também há reconhecidos, certamente trabalharão em níveis mais
as que dirigem os pensamentos aos empenhos altos de motivação intrínseca e produzirão idéias
criativos e os direcionam para a superação de criativas (HILL e AMABILE, 1993: 425 apud
ALENCAR, 1996: 91)
desafios específicos da administração estratégica,
considerando toda a fisiologia do ato criativo Para De Masi, o clima organizacional
(PLSEK, 1997: 185). encorajador de soluções criativas coletivas ou
cooperativas necessita, por um lado, das habilidades
Como é possível observar, no contexto das
intelectuais e de um forte envolvimento emotivo,
organizações a criatividade amplia muito mais o
aliados ao senso de união das pessoas por
leque de definições, bem como o das inter-relações
pertencerem a um mesmo grupo; por outro lado,
provenientes da relação capital-trabalho. Além
necessita ser sincrônico, hábil na concentração de
desses aspectos, no âmbito das organizações a
energias, de forma que calibre a dimensão do grupo
criatividade é associada a conceitos como inovação,
em relação à tarefa (DE MASI, 1999: 21-20).
empreendedorismo e mudança (BRUNO-FARIA,
1996). MOSCOVICI (1997: 155) prefere apresentar as
características dos “solucionadores criativos”:
Alencar, ao apresentar seus estudos sobre o perfil
inteligência acima da média, exposição a
de uma organização criativa, enfatiza a importância
experiências diversificadas, interesse por idéias e
fundamental do ambiente de trabalho na vida do
suas combinações, habilidade de jogar com idéias,
indivíduo, ambiente que substitui, em grande parte,
capacidade de fazer associações remotas,
o papel vital da família, da vizinhança e da igreja na
receptividade a metáforas e analogias, preferência
vida das pessoas. Na configuração da atualidade, “o
pelo novo e pelo complexo e independência no
local de trabalho passou a ter um significado
julgamento. Para a autora, esses elementos sofrem
especial, em que as necessidades de envolvimento,
influências das condições sociais, das
apoio, apreço e reconhecimento social devem ser
personalidades dos indivíduos e do ambiente que,
satisfeitas, havendo espaço para a pessoa crescer e
desejavelmente, não ofereçam pressão ou ameaça
amadurecer” (ALENCAR, 1996: 90). Sobre esse
psicológica que limitem a liberdade ou a coragem
aspecto, a autora cita as observações de SROUR
das pessoas de se expressarem sem medo de
(1994: 41 apud ALENCAR, 1996: 90), que afirma
censuras ou retaliações.
que “querer obter dos funcionários comportamento
criativo em ambiente politicamente fechado, sem o Com relação ao clima organizacional encorajador
oxigênio libertário da polêmica e das críticas, sem o do desenvolvimento da criatividade, Rodrigues e
cultivo das diferenças ou o reconhecimento da sua Silva apresentam a pesquisa de VANGUNDY
legitimidade, é sonhar acordado”. (1987), que identifica seis características de um
clima favorável, reproduzidas a seguir:
Seguindo na sua análise sobre a estreita relação
entre a criatividade do indivíduo e a prática da
a) autonomia: refere-se ao grau de liberdade que se HARMAN e HORMANN (1997: 38) afirmam que
dá às pessoas para expor idéias e tomar o gerenciamento é “muito mais uma questão de
iniciativas; encorajar o outro para que se desenvolva e use
b) sistema de recompensa por desempenho e muito mais sua própria capacidade de criação”.
competência: refere-se à percepção da existência
As discussões acerca do papel do líder na
de um sistema justo e adequado, baseado na
competência e no desempenho das pessoas; organização e do ambiente de trabalho devem
considerar que, se o indivíduo aprender a pensar
c) suporte à criatividade: diz respeito à percepção criticamente, enfrentar situações novas sem pânico
das pessoas de que a organização apóia as novas e de forma mais livre ou criativa, confiar em si e
idéias;
nos outros, descobrir e desenvolver suas
d) aceitação das diferenças e interesse pela potencialidades, no sentido de tornar-se mais
diversidade entre as pessoas: refere-se ao espaço autêntico e produtivo, poderá estar melhor
dado para a divergência de opiniões e propostas; preparado para enfrentar as mudanças
e) envolvimento pessoal: refere-se ao (MOSCOVICI, 1997).
reconhecimento das habilidades e esforços das
A relação entre o papel do ambiente
pessoas; e
organizacional e o processo de gestão permite,
f) apoio da gerência: diz respeito ao apoio da alta ainda, resgatar a reflexão de Scherkenbach sobre o
administração da organização na configuração de medo no local de trabalho, nos seus estudos e
um clima criativo (RODRIGUES e SILVA, 1998: observações sobre os Quatorze Pontos do Dr.
66). Deming. Para o autor, o medo está em toda parte e
As pesquisas apontadas permitem observar que a se manifesta de variadas formas, razão pela qual:
concepção de gestão de pessoas nas organizações é (...) a eliminação ou minimização do medo deve ser
decisiva para que a criatividade ocorra. Tanto os uma das primeiras das quatorze obrigações que a alta
fatores facilitadores e bloqueadores quanto as seis gerência precisa começar a implementar, porque ela
características de um clima favorável à criatividade, afeta nove dos demais pontos. Sem uma atmosfera de
e também as observações de HILL e AMABILE respeito mútuo, um sistema de gerenciamento com
(1993) sobre como surge a motivação intrínseca e a base estatística jamais funcionará, como aliás nenhum
produção de idéias criativas têm íntima relação com outro (SCHERKENBACH, 1990: 75).
o papel do líder na organização e com as condições Além de tratar do medo, o autor ainda faz
que a empresa oferta aos seus colaboradores para referência ao desafio de envolver todos na inovação
que o potencial criativo se desenvolva e atenda aos e derrubar as barreiras entre departamentos, de
objetivos individuais e organizacionais. forma “que cada um saiba que tem algo a contribuir
Esse conjunto de elementos que compõem as e que podem fazer isso em um ambiente de respeito
condições para uma organização que pretenda ser mútuo” (SCHERKENBACH, 1990: 82).
criativa deve estar focado no empenho e na Kao apresenta um importante riff relacionado ao
capacidade de aprendizagem das pessoas, em todos ambiente organizacional favorável ao surgimento da
os níveis (PEREIRA et al., 1999). O criatividade. Para ele, os gerentes devem “criar
desenvolvimento da capacidade de aprendizagem na ambientes eficazes em relação aos custos e
organização, desde a superação dos bloqueios sustentáveis para o trabalho produtivo. Eles são
individuais, do estímulo da gerência, à crença na agentes integradores – o flexível tecido conjuntivo –
emergência da criatividade, “pode provocar uma que conectam as crenças às metas, à cultura, à
maior capacidade de resposta que desencadeará um estratégia; e o desempenho à recompensa.
processo contínuo de aprendizagem organizacional” Energizam as pessoas, possibilitando o trabalho
(PEREIRA et al., 1999: 05). criativo.” (KAO, 1997: 117).
A relação da aprendizagem na organização com a Várias concepções sobre a criatividade foram
importância do ambiente para a expansão da apresentadas e estão sintetizadas no Quadro 2 a
criatividade torna a liderança empresarial seguir, que aponta os principais aspectos que as
responsável pela qualidade do ambiente de trabalho caracterizam como abordagens sociointeracionistas
e pela transmissão de uma visão orientadora. Assim, de apoio à gestão empresarial, relacionando-as sob a
ao tratarem especificamente do papel dos gerentes,
forma de eixos estruturais, que são: a pessoa que organizacional, a relação com líderes e projetos.
cria, as relações interpessoais, o papel do ambiente
ENSAIO
Quadro 3: Comparação entre os suportes organizacionais nas empresas para o estímulo do processo
criativo e sua relevância para as organizações
Condições em que o processo criativo ocorre
Papel do Relações com Relevância para a
Empresa Relações
Pessoa que cria ambiente líderes e organização
Interpessoais
organiz. projetos
3M Pessoal técnico Conversa A empresa deve Gerentes 30% das vendas são
com habilidades interdeparta- criar ambiente utilizam-se de provenientes de
multidisciplina- mental, auxílio desafiador. sistemas de produtos com menos
res e de mútuo, Pessoal técnico recompensas. de 4 anos. Elo entre
comunicação. cooperação e tem 15% do Devem retirar criatividade pessoal
compartilha- tempo destinado obstáculos, e desempenho da
mento de à novas incentivar, empresa. Inovação
informações. pesquisas. oferecer “licença como estratégia
Equipe criativa”. essencial.
multidisciplinar. Investimento em
P & D.
DuPont Pessoal técnico Equipe A empresa está Sistemas de 75% da receita de
se sente multidisciplinar voltada para a prêmios, alguns projetos
motivado pelos em comitês. manutenção de recompensas. devem ser
desafios do Compartilham ambiente que Controle sobre provenientes de
trabalho. conhecimentos, oriente e focalize descobertas e novos produtos.
transferem a pesquisa, a pesquisas para Desafio permanente
tecnologia. exploração de manter coerência ao status quo. Foco
Contatos idéias e a com os objetivos na inovação para o
pessoais visando sensação de da empresa. sucesso contínuo.
à sinergia. liberdade. Investimento em
P & D.
racional (pensamento convergente ou vertical), Tais considerações, e muitas outras, podem ser
as barreiras emocionais e relacionais devem ser desdobradas do estudo comparativo entre os
afastadas ou minimizadas, com o fim de se conceitos e as experiências apresentadas. A partir
obter também o trabalho em equipe delas, surge uma nova questão que deve, por si só,
multidisciplinar; inquietar os gestores, e está sujeita a múltiplas
respostas: o que move o quê?
• o processo criativo exige equilíbrio entre as
doses de ludicidade durante os estágios de Uma resposta diz respeito à Abordagem
incubação e as doses de racionalidade nos Contingencial: a relação “se-depende” entre os fatos
estágios de verificação, considerando-se que há (STONER; FREEMAN, 1999). Se a empresa está
um período em que a produtividade não comprometida com estratégias de inovação, ela não
aparece; só depende de indivíduos criativos, como também
necessita mantê-los na organização. Para tanto,
• o processo de auto-realização é a mola
precisa integrar, no cotidiano, estratégias que
propulsora da imersão no processo criativo,
viabilizem sua expressão, e contar com a habilidade
pelo sentimento de descoberta e liberdade que
dos gerentes em lidar com a valência das
apresenta, e depende muito mais dos processos
recompensas (intrínsecas ou extrínsecas) para a
internos que externos;
manutenção da motivação.
• sistemas de prêmios e recompensas podem
Cabe destacar que as abordagens apresentadas
servir de estímulos externos ao desempenho
são fortemente baseadas nos aspectos relacionais
criativo nas organizações, como alternativas de
que envolvem a manifestação da criatividade. Esta
aceleramento dos insights individuais e
tendência aponta para o questionamento sobre as
coletivos, como forma de garantir um processo
habilidades e competências gerenciais capazes de
contínuo e duradouro, e como compensação ao
promover um ambiente de estímulo à criatividade e
empenho dos colaboradores diante dos
à inovação. Para ratificar essa tendência, foram
resultados alcançados;
apresentadas três experiências clássicas de empresas
• o clima organizacional, traduzido nas condições que investem em criatividade e inovação, com base
ambientais ofertadas e nas inter-relações de no mesmo modelo sociointeracionista de suporte
colaboradores, líderes e gerentes, é componente organizacional (condições) para que o processo
básico no encorajamento à expressão da criativo ocorra.
criatividade e deve manifestar segurança e
confiança;
5. LIMITAÇÕES DO ESTUDO
• o pessoal da área técnica recebe maior suporte
organizacional para a expressão da criatividade A principal limitação do estudo relaciona-se com
em razão do investimento em P&D, como a escassez de contribuições científicas sobre a
estratégia de inovação permanente, e esse criatividade aplicada à gestão empresarial. Em face
suporte poderá estender-se a outras áreas da da importância do tema, surgem inúmeros
organização, até mesmo àquelas que se “manuais” que pretendem “ensinar” como
relacionam com as rotinas sustentadoras do desenvolver e manter a criatividade nas
cotidiano; organizações sem, contudo, embasá-la
adequadamente e possibilitar que haja a
• as empresas comprometidas com a inovação
desmistificação do assunto.
devem manter o elo entre a criatividade
individual, a auto-realização e o desempenho da Como revisão bibliográfica – e não como
empresa; pesquisa empírica –, este estudo não se propôs à
comprovação das relações causais apresentadas
• a nova relação capital-trabalho inclui uma
sobre o tema.
revisão do sentido do próprio trabalho criativo,
que deve ser considerado como elemento
transformador pela inerente condição da
materialidade que o compõe.