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SÃO PAULO
MARÇO/2008
INSTITUTO OBSERVATÓRIO SOCIAL
CONSELHO DIRETOR
Presidente – Artur Henrique da Silva Santos
Diretor Administrativo - Financeiro – Valeir Ertle
CUT – Denise Motta Dau
CUT – Jacy Afonso de Melo
CUT – João Antônio Felício
CUT – Quintino Marques Severo
CUT – Rosane da Silva
CUT – Valéria Conceição da Silva
Dieese – João Vicente Silva Cayres
Dieese – Mara Luzia Feltes
Unitrabalho – Francisco Mazzeu
Unitrabalho – Silvia Araújo
Cedec – Maria Inês Barreto
Cedec – Tullo Vigevani
DIRETORIA EXECUTIVA
Presidente – Artur Henrique da Silva Santos
Diretor Administrativo - Financeiro – Valeir Ertle
Unitrabalho – Carlos Roberto Horta
Dieese – João Vicente Silva Cayres
CUT – Jacy Afonso de Melo
CUT – João Antônio Felício
Cedec – Maria Inês Barreto
SUPERVISÃO TÉCNICA
Amarildo Dudu Bolito - Supervisor Institucional
Ronaldo Baltar - Supervisor do Sistema de Informação
EQUIPE TÉCNICA
Alexandre de Freitas Barbosa – Consultor Técnico
Douglas Toledo Pesquisa – Assistente de Pesquisa
China e América Latina:
Parceria Estratégica ou Novo Imperialismo? 1
Índice
Apresentação............................................................................................Pag. 5
Síntese Geral....................................................................................Pag.20
Bibliografia......................................................................................Pag.27
1
Texto elaborado pelo Instituto Observatório Social (IOS)
Apresentação
Este é o primeiro relatório de pesquisa oriundo do projeto “Ascensão Chinesa e seu
Impacto sobre a América Latina e o Brasil: Impactos Setoriais e sobre o Mercado de
Trabalho”, desenvolvido pelo Instituto Observatório Social, com apoio da DGB, central
sindical alemã.
Em segundo lugar, é esboçado um panorama geral das relações comerciais entre as duas
regiões – tomando-se a América Latina como um agregado. A terceira parte do texto
procura discorrer sobre as especificidades das relações econômicas desenvolvidas entre a
China e México/América Central, China/Argentina, Chile e Peru e China/Brasil.
A quarta parte do texto realiza uma síntese da política externa chinesa, de modo a enfatizar
o que esta nova potência global almeja na América Latina. Como resultante deste esforço,
discorremos sobre os desafios impostos à América Latina em decorrência da ascensão
chinesa. A “parceria” China/América Latina é também discutida do ponto de vista dos
movimentos sociais da região, para os quais ainda não existe uma discussão aprofundada
sobre o fenômeno “China”, enquanto os governos e o empresariado - ainda que de forma
tópica, bilateral e sob um perspectiva de curto prazo - se posicionam para lidar com o
avanço econômico e geopolítico da potência asiática na América Latina.
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latin america china
Isto porque a China tem realizado um upgrading das suas exportações, das quais 91% são
compostas de bens manufaturados, enquanto no caso latino-americano verifica-se uma
racionalização produtiva com desverticalização e aumento do conteúdo importado,
especialmente nos segmentos mais dinâmicos do comércio e de maior produtividade. Como
resultado, obtém-se um duplo processo de concentração das exportações em produtos
intensivos em recursos naturais e de generalização das maquiladoras - exportações de
manufaturados com baixa agregação de valor no mercado interno (Cimoli e Katz, 2002).
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8,9
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4,5 5,0
4,1 3,4
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0,0
commodities fuels manufactures manufaturas - manufactures manufactures total
- intensive em low technology - middle - high
natural technology technology
resources
A diferença essencial entre as duas regiões econômicas parece residir no nexo entre
exportações e investimento, que permitiu ampliar a capacidade produtiva na China,
contribuindo inclusive para fortalecer o mercado interno, enquanto na América Latina a
volatilidade cambial - em virtude da rápida e automática abertura comercial e financeira –
impossibilitou a viabilização deste nexo, trazendo alterações bruscas nas taxas de
crescimento e investimento e forçando estes países a recorrer a políticas monetárias rígidas.
Segundo as categorias traçadas pela UNCTAD (2003), a China poderia ser classificada
como um país de industrialização rápida, que presencia uma transformação estrutural da
sua base produtiva no sentido dos setores de maior produtividade. Já a América Latina,
compõe a periferia capitalista em processo de desindustrialização precoce.
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1960 1970 1980 1990 2000
No caso dos países asiáticos, como Coréia do Sul e Taiwan, foram acionadas políticas
voltadas para o desenvolvimento de capacidades domésticas nas atividades de alta
tecnologia, ao passo que nos demais tigres asiáticos – Malásia, Tailândia e Filipinas - o
modelo adotado foi de atração das empresas multinacionais para se tornarem plataformas
de exportação nestes segmentos (Lall, 2001).
No caso dos países latino-americanos, a partir dos anos noventa, passaram a predominar
políticas industriais de caráter horizontal, assimilando as chamadas “boas políticas”
recomendadas pelos países desenvolvidos, ou então assinados tratados de livre-comércio
entre os países da região e economias avançadas, que tendem a subordinar os fluxos
comerciais às decisões das empresas multinacionais.
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1996
Quanto aos novos projetos de investimento direto externo realizados, observa-se que o grau
de abertura econômica e o grau de regulação estatal pouco interferem. As empresas
multinacionais têm expandido seus projetos em países dinâmicos economicamente, como a
China, enquanto os reduzem na América Latina, em virtude de contar com economias
pouco diversificadas e com menor potencial de expansão do mercado doméstico.
Ainda que a China esteja muito longe de substituir toda a produção mundial – e este quadro
parece pouco factível em virtude de suas próprias contradições e da dinâmica regionalizada
da economia global – este país abriga mais de ¼ dos novos projetos de investimentos das
empresas multinacionais nos países em desenvolvimento, enquanto a América Latina
responde por apenas 10% deste total.
Gráfico 5 – Número de Projetos “Greenfield” de Empresas Multinacionais nos Países em
Desenvolvimento, China e América Latina
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2002 2003 2004 2005 2006
Portanto, estas duas regiões do Sul do planeta aparecem como marginais para o
desempenho exportador chinês, já que este país privilegia o acesso aos mercados dos países
desenvolvidos (mais de 50% da suas exportações vão para os EUA, UE e Japão), além dos
outros quase 30% direcionados para o Sudeste Asiático.
Já do lado das importações, destas duas regiões do Sul do planeta se originam 7% das
importações chinesas. Quando se analisa a distribuição do comércio, por exemplo, percebe-
se que a América do Sul e Central respondem por 20% dos produtos agrícolas consumidos
pela China e por 10% dos produtos minerais, incluindo combustíveis (tabela 1). Já no caso
africano, estes percentuais são, respectivamente, de 3,9% e 38,2%, respectivamente,
segundo os dados da OMC. Em outras palavras, ¼ dos produtos agrícolas importados pela
China vem destas duas regiões, percentual que sobe para 50% no caso dos combustíveis e
produtos minerais, predominando a América Latia no primeiro caso e a África no segundo.
Gráfico 6 – Distribuição das Exportações Chinesas por Destino e das Importações por Origem –
2005 (em %)
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32,5
30,0
27,7
25,0
21,4
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2,3 2,4 3,2
0,0
US UE Japan Southeast Asia South/Central Africa
America
25,0
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5,0
0,0
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
-5,0
Para Yin (2006), parte desta expansão se deve também à redução da tarifa média de
importação da China, depois da sua entrada na OMC. Entre 1998 e 2005, esta caiu de 17%
para 9,4%. De qualquer forma, vale lembrar que a estrutura tarifária chinesa continua
sujeita a picos tarifários, especialmente no setor agrícola, onde as tarifas mostram-se
superiores à média (CEPAL, 2006).
Ressalve-se que 93% das importações da América do Sul e Central provenientes da China
são compostas de produtos manufaturados, representando o setor têxtil e vestuário por 25%
do valor total comprado da China e as máquinas e equipamento por 44% para o ano de
2005 (Alden e Alves, 2007). Esta maior presença dos produtos de maior intensidade
tecnológica não está restrita às vendas para a América Latina. Uma mudança da estrutura
industrial interna ocasionou uma alteração da pauta de exportações chinesas ao final dos
anos noventa. No período 2002-2004, as exportações intensivas em trabalho totais da China
ampliaram-se 67%, contra 100% de aumento dos produtos de média e alta tecnologia (Yin,
2006). É o caso especialmente de produtos padronizados como computadores portáteis,
telefones celulares e aparelhos de DVD.
Os gráficos 8 e 9 abaixo evidenciam a posição dos vários países da América Latina com
respeito às relações comerciais mantidas com o país asiático. Em primeiro lugar, quase 4/5
das exportações regionais – aqui já incluídos os dados mexicanos - para a China são
provenientes de apenas 4 países, quais sejam, Brasil, Chile, Argentina e Peru, em ordem
decrescente. Em segundo lugar, enquanto para a média dos países latino-americanos, a
China responde por menos de 4% das exportações totais, nestes quatro países, ela supera
6%, com destaque para Chile, Cuba e Peru onde as exportações para a China já atingiram a
casa de 10% das vendas externas totais.
Vale ressaltar ainda que, entre 1999 e 2004, a China respondeu por quase 20% da expansão
das exportações de Argentina e Chile, 16% para o caso peruano e 10% para o Brasil.
Merece destaque aqui o caso da Costa Rica, com a contribuição chinesa chegando a 35% da
elevação das vendas externas (Rhys e Dussel Peters, 2007).
6,0 30,0
Exports in US$ bi
5,0 25,0
22,6
4,0 20,0
17,0
3,0 15,0
US$ bi %
Fonte: CEPAL. Elaboração IOS.
Gráfico 9 – Participação da China nas Exportações Totais por Países da América Latina (em % )
- 2005
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Peru Cuba Argentina Brazil Latin America Central Venezuela Mexico
America
Tabela 2 – Participação dos Principais Produtos nas Exportações para a China de Alguns Países
Latino-Americanos - 2004
Este padrão não está imune a políticas protecionistas visando a conter a “ameaça” chinesa.
Neste sentido, o caso argentino comporta o outro extremo. Em agosto de 2007, este país
adotou um conjunto de medidas restritivas voltadas especialmente à China. São licenças
automáticas de importação, normas de segurança adicionais e exigência por parte dos
importadores de apresentação de “certificados de origem”, com o objetivo de combater o
subfaturamento. O interessante deste caso é que a demanda para o uso desta medida partiu
da Unión Obrera Metalúrgica-UOM (Paladín, 2007).
É fato que no Brasil também existe – tal como no primeiro caso descrito acima - uma forte
especialização das exportações para a China, já que mais de 80% das vendas externas
encontram-se agrupadas nos produtos primários e semi-manufaturados.
Mas a este fator devem ser acrescidos outros, para que se compreendam as relações
bilaterais em toda a sua complexidade. Em primeiro lugar, o Brasil parece ser mais afetado
pelas importações industriais da China do que os demais países do Cone Sul. Isto se
percebe a partir do gráfico abaixo.
O período de 2003 a 2006, quando o superávit comercial do Brasil regride de US$ 2,4
bilhões para cerca de US$ 400 milhões, coincide com a reativação do PIB industrial deste
país, combinada ao final do período, com uma forte valorização cambial. No primeiro
semestre de 2007, o Brasil passa a inclusive apresentar déficit comercial com a China. Tudo
indica que, neste ano, a China passe a ocupar a posição de segundo maior parceiro
comercial do país (Tachinardi, 2007). O presidente Lula sintetiza esta realidade complexa a
partir da afirmação de que “a China assim como ajuda, também pode atrapalhar”
(Entrevista para Isto É Dinheiro, 17 de outubro de 2007).
Se até 2004, as compras industriais da China não tiveram um efeito destrutivo sobre o
mercado interno, já que em muitos casos, especialmente para os produtos de alto valor
agregado, tratava-se de substituição entre fornecedores externos (Barbosa e Mendes, 2006);
tudo indica que os efeitos sobre o mercado interno estejam se mostrando mais graves.
Por outro lado, o Brasil – ao contrário dos seus vizinhos latino-americanos – consegue se
destacar na exportação de alguns produtos industriais. Existe, portanto, algum espaço para
integração nas cadeias produtivas chinesas nos segmentos de teor tecnológico
intermediário, como couros, papel e celulose e em insumos industriais como autopeças,
produtos químicos, siderúrgicos e eletrônicos, além de máquinas e aparelhos mecânicos
(Amorim, 2005 e Valls Pereira, 2006).
Ainda assim, vale lembrar que a China tende a exportar no máximo os elos da cadeia
produtiva de menor valor agregado, priorizando, por exemplo, celulose ao invés de papel,
alumina em relação ao alumínio e ferro no lugar de aço (Barbosa e Mendes, 2006).
Também não se pode esquecer que o Brasil, mas também os demais países latino-
americanos, enfrentam concorrência dos países da ASEAN, com quem a China desenvolve
uma intensa rede de comércio intra-industrial. No segmento de manufaturas baseadas em
recursos naturais, 15,6% das importações chinesas provêm da ASEAN e apenas 7,8% dos
países da ALADI (CEPAL, 2006). Esta diferença de participação no mercado chinês
revela-se ainda maior nos segmentos mais intensivos em tecnologia.
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1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
-1.000
O gráfico abaixo aponta que isto ainda não acontece no Mercosul de forma generalizada,
onde a participação do Brasil no total das importações industriais era cerca de 3 vezes
superior à chinesa no ano de 2004. Entretanto, tudo indica que este quadro esteja mudando
rapidamente especialmente para alguns segmentos. No caso da indústria metal-mecânica, as
importações argentinas provenientes da China já superaram as brasileiras no primeiro
semestre de 2007 (Paladín, 2007). Esta tendência vem se concretizando no comércio com
Chile e a Comunidade Andina (CAN), onde as participações de Brasil e China já eram
muito próximas em 2004 (dados IADB). Graças ao peso das importações mexicanas, a
China já superava o Brasil em 2004, respondendo por 7,8% das importações de produtos
industriais da região, contra 6,5% do Brasil.
Mas o efeito deslocamento não ocorre apenas em relação aos países latino-americanos.
Mais de 40% das perdas de mercado dos produtos brasileiros nos Estados Unidos para a
China se concentram em dois produtos: calçados e telefones celulares (Valls Pereira e
Maciel, agosto de 2006).
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0
América Latina Mercosul Chile CAN México
brasil china
Quanto aos investimentos diretos externos chineses no Brasil, estes também assumem um
padrão mais diversificado. Além do setor madeireiro e de minério de ferro, estão presentes
nas atividades de maquinaria (tratores), geração de energia e telecomunicações (Oliva,
2005). Mais recentemente, foi anunciada uma parceria entre a estatal chinesa BBCA
Bioquímica e o Grupo Farias, de capital nacional, para construir duas grandes usinas de
etanol no estado do Maranhão entre 2009 e 2010 (Instituto Observatório Social, 2007).
Para concluir, vale lembrar que algumas empresas multinacionais brasileiras, especialmente
no setor de construção civil, já temem o avanço do capital chinês em outras regiões,
especialmente no continente africano (Tachinardi, 2007). Não à toa, em visita realizada à
África, em outubro deste ano, o presidente Lula anunciou que a linha de crédito do BNDES
– banco de fomento nacional - para empresas brasileiras com exportações de bens e
serviços para Angola deve subir para US$ 1 bilhão (Valor Econômico, 19 de outubro).
Algo semelhante se passa com a maioria dos países da América Central, mas aqui os efeitos
negativos se fazem sentir em termos de deslocamento, especialmente com relação ao
mercado dos Estados Unidos, e em grande medida no setor de têxtil e vestuário. Estes
países ademais não contam com a oferta de produtos agrícolas e minerais – com a possível
exceção mexicana no caso de minérios - na magnitude suficiente ou com a competitividade
necessária para servir como fornecedores da China.
A única exceção é a Costa Rica, que mantém um superávit comercial com a China, mas
graças ao fato de que 92% das suas exportações para aquele país são de microprocessadores
eletrônicos (CEPAL, 2006). Trata-se de um comércio intra-industrial, que se explica pela
presença da fábrica da Intel no país centro-americano. O México também tem se destacado
por fornecer alguns produtos eletrônicos e autopeças para a China, também como parte de
um comércio realizado essencialmente entre empresas multinacionais. Observa-se ainda
que quase 50% dos investimentos externos chineses recebidos pelo México estão
concentrados em empresas do setor vestuário (Oliva, 2005), em busca de maior acesso ao
mercado estadunidense.
Mas o mais comum tem sido a transferência de várias das multinacionais que atuavam
como maquiladoras no México para o país asiático. Ou seja, especialmente no caso
mexicano, trata-se de um padrão de comércio que leva a vultosos déficits comerciais com a
China, trazendo maior pressão competitiva interna, além de deslocamento das exportações
no mercado dos EUA. Como fatores compensadores, observa-se um maior espaço para
exportações industriais intra-multinacionais do México para a China - mas num volume
muito menor do que o verificado no sentido inverso - e uma elevação dos investimentos
externos chineses, como no setor de vestuário.
Já no caso venezuelano, este país é quem procura ideologizar a relação com a China, que
sabe demarcar o seu papel no espaço de influência estadunidense. Ou seja, a potência
asiática faz “ouvidos de mercador” ao discurso anti-imperialista de Chávez e procura
realizar investimentos no país andino, ainda que sem a pretensão de deslocar os EUA como
principal centro de consumo do petróleo venezuelano. Aqui, vale lembrar, a China ainda
não possui a relevância observada nos demais países do Cone Sul ou no México, como
parceiro comercial ou investidor.
Pode-se apontar, finalmente, alguns setores que já surgem como os mais potencialmente
afetados pela expansão chinesa. Segundo Moreira (2006), os mais afetados tendem a ser os
intensivos em trabalho, seguidos dos intensivos em tecnologia. Os cálculos deste autor
indicam uma perda de mercados externos para a China entre 1990 a 2004 de um valor
equivalente a 1,7% das exportações industriais latino-americanas de 2004, subindo esta
perda para 2,7% quando se consideram os produtos de baixa tecnologia. Os dois setores que
sintetizam as atividades intensivas em trabalho (têxtil e vestuário) e as intensivas em
tecnologia (eletroeletrônicos) são os mais prejudicados. Vale lembrar que estes cálculos não
captam o efeito sobre o deslocamento da produção interna via aumento das importações.
Se é verdade que as relações América Latina/China têm estado ainda bastante centradas no
aspecto comercial – com especial importância para os seis países da região possuem
superávit comercial com o parceiro asiático, Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica, Peru e
Venezuela, os quais aliás representam 90% das exportações latino-americanas para a China
(Alden e Alves, 2007) - mais recentemente os investimentos diretos externos chineses
também têm desembarcado, geralmente espelhando o padrão comercial desenvolvido em
cada sub-região.
Apura-se que, em, em 2003, 35% do fluxo de investimentos externos diretos chineses se
dirigiu para a América Latina, percentual que alcançou a casa dos 50% em 2004 (López e
García, 2006). Entre 2004 e 2006, os investimentos diretos externos chineses
multiplicaram-se por três (UNCTAD, 2007), provavelmente com alguma queda da
participação latino-americana.
Esta elevação recente dos investimentos diretos externos chineses pode ser explicada por
um conjunto de fatores: reservas internacionais em excesso, economia aquecida, tensões
comerciais com vários países e objetivos políticos/diplomáticos associados à conquista de
novos mercados. O seu grande diferencial é o apoio com que contam do aparelho do Estado
e dos principais bancos públicos.
Síntese Geral
Pode-se, a partir, desta análise acerca dos padrões de comércio e investimento dos vários
países da América Latina com a China, “estimar” os possíveis efeitos econômicos
decorrentes da expansão chinesa, compostos dos seguintes aspectos - macroeconômicos,
produtivos internos, deslocamento nos mercados externos e efeito líquido em termos de
investimento externos –, que se combinam de maneira diversa em cada país/região. Este
esforço de síntese é desenvolvido no quadro abaixo.
Observa-se que os países não foram divididos por blocos econômicos ou áreas geográficas,
mas de acordo com os padrões de relações econômicas com a China. Não se procurou
realizar um exercício de previsão, mas elaborar tendências a partir do que está acontecendo.
A ação dos governos, dos empresários, dos trabalhadores e sociedade civil pode e deve
interferir no processo, alterando o sentido das tendências acima esboçadas.
Vale lembrar ainda que a divisão entre impactos positivos e negativos está relacionada com
o potencial aberto pelas relações econômicas entre as duas áreas, os quais dependendo da
forma como forem conduzidos podem se transformar em prejuízos para o meio ambiente e
segmentos importantes de trabalhadores, conforme discutiremos na conclusão.
Em linhas gerais, pode-se dizer que a China tende a agravar algumas tendências de
especialização regressiva de algumas economias, como Argentina Chile e Peru, ainda que
estes países possam obter ganhos econômicos expressivos, especialmente no curto prazo. O
caso argentino é em alguma medida peculiar, já que um esforço de reindustrialização vem
tomando conta do país e a China pode dificultar esta estratégia de desenvolvimento.
No caso dos países menores, os da América Central, são os mais diretamente prejudicados,
em virtude da concorrência com a China no mercado dos EUA. Os demais países, como o
Equador, por exemplo, podem ser beneficiados com novos investimentos e acesso ao
mercado chinês.
De qualquer forma, em todos estes países, as relações com a China tendem a reproduzir um
típico padrão centro-periferia em termos econômicos. Seguindo a sugestão de León-
Manríquez (2006), seria o caso de se avaliar a pertinência das teses leninista e cepalina para
explicar a relação China/América Latina.
Por outro lado, as teses cepalinas, ainda que possam parecer, no curto prazo, questionáveis
pela melhoria dos termos de intercâmbio no curto prazo – produtos primários exportados
mais caros e produtos industriais importados mais baratos –; elas nos auxiliam a
compreender um padrão de especialização produtiva pouco capaz de trazer transformações
estruturais e aumento pronunciado da produtividade aos países da região. A China
chancelaria assim a última pá de cal sobre a promessa de um desenvolvimento endógeno
latino-americano.
Brasil e México são os casos mais problemáticos. A China, por diferentes motivos, tende a
impor um “efeito armadilha” para estes países, colocando em xeque as estratégias de
inserção externa desenvolvidas nos anos 90. Adicionalmente, o modelo centro-periferia
torna-se menos adaptável a estes dois casos nas suas relações com a China, assim como a
hipótese do imperialismo.
No caso brasileiro - cuja abertura não levou a uma desindustrialização generalizada, tendo
se mantido a importância do mercado interno, e se elevado aquela conferida ao mercado
regional, especialmente para os produtos industriais – o avanço chinês pode gerar uma
pressão negativa, dificultando a diversificação desta indústria para fora e para dentro, além
de postergar investimentos de multinacionais que até então viam o país como plataforma de
exportações para a região. Aqui a expansão chinesa pode travar o processo de gestação de
uma nova potência “sub-imperialista” – como preferem alguns - ao nível latino-americano,
ao minar a própria base produtiva nacional. Ou, ao contrário, como nos parece mais
pertinente, o enfraquecimento do Brasil levaria à inviabilização de qualquer proposta de
integração regional de maior envergadura na América Latina.
Finalmente, vale ressaltar que esta análise não deve servir para jogar a culpa na China pelas
dificuldades dos sistemas produtivos latino-americanos em obter uma inserção externa mais
dinâmica. Parte expressiva dos dilemas impostos pela ascensão chinesa tende a ser
agravada pela ausência de clareza sobre as prioridades dos países latino-americanos em
termos de políticas industriais, de inovação tecnológica e de integração regional. Também
falta uma visão coerente e fundamentada sobre o que se pode esperar da China na sua
relação com a América Latina, algo que intentaremos desenvolver no tópico seguinte.
Quadro 1 – Impactos Econômicos da Ascensão Chinesa em Sub-Regiões da América Latina
Efeitos Macroeconômicos Efeitos Produtivos Setoriais Efeitos de Deslocamento nos Efeitos Líquido em Termos de
Mercados Externos Investimentos Externos
Argenti Positivos: superávits Positivos: efeitos limitados pela baixa Indiferentes: Positivos: investimentos
na, comerciais puxados por altos verticalização das cadeias produtivas Não existe concorrência localizados nos setores
Chile e preços das commodities dos produtos exportados para a China; expressiva entre os produtos primários e de infra-estrutura;
Peru minerais e agrícolas e pela exportados por estes países e pela
demanda chinesa (elevação dos Negativos: principalmente na China nos mercados Negativos: perda do potencial
termos de troca). Argentina, que conta com uma internacionais; com a possível de atração de investimentos em
indústria mais estruturada, existem exceção das exportações alguns setores nichos de setores
riscos de substituição de produtores argentinas em alguns segmentos industriais pela expansão
nacionais em alguns segmentos ou de do mercado brasileiro; chinesa.
redução expressiva da margem de
lucro com impactos sobre o mercado
de trabalho;
mas os riscos também se extendem à
indústria têxtil e de vestuário de todos
os países;
Brasil Positivos: superávits Positivos: efeitos limitados pela baixa Negativos: perda crescente de Positivos: empresas brasileiras
comerciais puxados por altos verticalização das cadeias produtivas espaço para as exportações têm desenvolvido joint-ventures
preços das commodities dos produtos exportados para a China; brasileiras de produtos com empresas chinesas no
minerais e agrícolas e pela industrializados na América mercado deste país; enquanto se
demanda chinesa (elevação dos Negativos: em virtude da maior Latina e nos Estados Unidos; elevam as inversões da China
termos de troca). diversificação do parque industrial no mercado interno, para além
brasileiro, a entrada de produtos dos produtos primários.
chineses, até agora circunscrita a
substituição de outros fornecedores Negativos: investimentos de
internacionais, pode abrir “buracos” novos projetos globais que
na estrutura produtiva. poderiam se direcionar para o
país, mas se localizam na China
pelo maior dinamismo do seu
mercado e pela melhor infra-
estrutura de serviços e
fornecedores; e perda de
mercado para empresas
brasileiras atuando em outras
regiões como a África.
México Indiferentes: o pais não conta Negativos: deslocamento de Negativos: profundo
com uma oferta de commodities produtores internos em virtude da deslocamento das exportações Negativos: deslocamento de
expressiva para a China, a importação de produtos chineses mexicanas no mercado norte- atividades de empresas
exceção de alguns produtos especialmente eletroeletrônicos e de americano, em virtude da alta multinacionais de suas plantas
minerais. têxteis/vestuário; semelhança do perfil exportador no México para a China.
entre os dois países;
Positivos: insignificantes perto
Positivos: ainda que estes não dos efeitos negativos
compensem os apontados acima, demonstrados acima, porém
algumas empresas logram se maiores investimentos chineses
tornar fornecedoras industriais de nos ramos têxtil/vestuário têm
empresas com base na China sido realizados para aceder ao
(comércio intra-industrial ou mercado dos EUA;
intra-multinacional).
Demais Positivos: dependem da oferta Negativos: a maioria dos países da Negativos: deslocamento do Positivos: realização de
países exportadora e da sua América Central, mas também os mercado norte-americano, investimentos nos setores de
pequeno complementaridade com as demais países pequenos da região, especialmente no caso dos países infra-estrutura, vinculados aos
s da importações chinesas; tendem a sofrer com a maior pressão da América Central. setores exportadores;
região competitiva nos setores
Positivos: a importação de têxtil/vestuário. Negativos: nos países que
produtos industriais mais seguem o modelo maquiladora,
baratos, que não fazem parte da especialmente nos segmentos
estrutura produtiva, pode têxtil/vestuário, pode haver uma
melhorar os termos de queda de investimentos
intercâmbio. externos não compensada pelos
maiores investimentos de
empresas chinesas neste setor.
Elaboração IOS.
Provavelmente a ascensão chinesa reproduza, na forma, algumas das estratégias das
tradicionais nações imperialistas nas suas relações com a América Latina. Mas estas nações
ainda não “tiraram o time de campo” e nem a estratégia chinesa se encontra consolidada,
havendo espaço para uma ação política coordenada dos países latino-americanos,
especialmente num contexto de transformação da ordem política internacional.
É, neste sentido que, ao invés da opção pelo aventureirismo internacional dos anos sessenta,
a China tem participado dos principais fóruns internacionais, ainda que de maneira seletiva.
Para tanto, as principais armas de sua diplomacia de são o pragmatismo, a flexibilidade e a
capacidade de aprendizado (Sandschneider, 2006). Em síntese, uma diplomacia cautelosa,
ajustada a seus objetivos estratégicos, multi-direcionada e integradora de esforços públicos
e privados (Cesarín, 2006).
Mais importante ainda, não existe uma estratégia para desafiar abertamente os Estados
Unidos, mas tão-somente de ocupar os vazios deixados por esta potência na Ásia e na
América Latina (Bergsten et al., 2006), por meio, de fortalecimento dos interesses
econômicos chineses. Nestas regiões, se estabelece uma crescente diplomacia de viagens de
representantes governamentais e de delegações comerciais.
Existe uma visão ingênua – ou talvez demasiado interesseira – de que a China esteja
praticando um “mau imperialismo” na Ásia e na América Latina, resguardada por uma
suposta política externa amoral, pois que prioriza a não-interferência nos assuntos destes
países. Esta visão tecida pelos países desenvolvidos, e que supõe a existência de um “bom
imperialismo”, além de partir de uma interpretação maniqueísta - um representante desta
visão é Navarro (2006) - não discute as oportunidades trazidas pela ascensão chinesa para
estes países, especialmente num contexto de transformação da estrutura de poder política e
econômico em termos globais.
Apesar de interesses bem delimitados, os quais geralmente não estão à altura da fome de
atração de capitais de muitos países latino-americanos, especialmente para setores de infra-
estrutura, existe uma possibilidade geopolítica estratégica em aberto, qual seja a de se criar
um triângulo América Latina-China-EUA proveitoso para a três partes.
Para Tokatlian (2007), isto seria possível porque as relações entre Estados Unidos e a China
são muito mais estratégicas entre si do que entre cada um destes países e a América Latina,
ao passo que a influência norte-americana é substancialmente maior do que a chinesa nesta
região, impedindo uma disputa de posições. A crescente importância chinesa poderia
inclusive alavancar algumas destas economias, eximindo os Estados Unidos de uma
posição mais decisiva na região, tal como já vem acontecendo deste o 11 de setembro.
Obviamente que existe espaço para fricções nos temas de energia e na relação com Cuba e
Venezuela, mas não a ponto de suplantar as disputas entre China e Estados Unidos em
outras regiões.
Em síntese, por enquanto o que se percebe da relação China-América Latina são traços
difusos de uma relação desigual, em virtude das necessidades chinesas e do potencial de
sua economia, mas também da estrutura limitada de exportações destes países, geralmente
carentes de investimentos. Não se trata nem de bom ou de mau imperialismo, mas de uma
relação econômica desigual, podendo levar a um estreitamento da margem de manobra dos
países latino-americanos, caso não sejam capazes de formular suas próprias políticas de
desenvolvimento e de estabelecer acordos localizados com a China, tanto bilaterais, quando
no campo multilateral, onde alguns interesses podem se mostrar coincidentes.
Por enquanto, também não se trata de uma parceria estratégica, já que as nações latino-
americanas negociam, em grande medida, a partir dos parâmetros colocados pelos chineses,
e de forma bilateral, sem vincular as iniciativas de cooperação a acordos regionais.
Do ponto de vista dos movimentos sociais latino-americanos, três questões merecem ser
discutidas.
Em primeiro lugar, faz-se necessário quebrar alguns mitos muitos difundidos na América
Latina sobre o “modelo” chinês. Existe a concepção de que a competitividade chinesa deve-
se, em última instância, ao baixo custo da mão-de-obra. Trata-se de uma análise enviesada.
A competitividade chinesa está relacionada a um conjunto de fatores: escala de produção,
mercado interno potencial, taxa de investimento crescente, incentivos fiscais e câmbio
desvalorizado, que atraem as empresas multinacionais e incentivam as exportações,
planejamento do Estado e crédito barato. Obviamente que a mão-de-obra eleva a
rentabilidade das empresas, porém não existe correlação entre IDEs e custo da mão-de-
obra, especialmente nos setores intensivos em tecnologia nos quais a China tem ocupado
espaço no mercado internacional no período recente.
A ascensão da China não pode servir - tal como outrora o conceito vago de globalização -
como bode expiatório para que se abra mão, numa visão fatalista, das políticas de
desenvolvimento nacional, de integração regional e de reforço do papel do Estado com
regulação social.
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