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determinados, vai, de uma forma semelhante à Derrida, realizar uma desconstrução do
pensamento herdado.
Assim, para lançar algumas questões e reflexões a respeito desse movimento que
percebe que a excessiva racionalidade acaba por obstruir e velar a existência humana e que,
de certa maneira, parece também estar presente na obra de Castoriadis, focaremos a obra O
nascimento da tragédia, onde Nietzsche firma a sua posição frente à excessiva
racionalidade, designando como doença, uma filosofia “romântica” que está ligada ao hiper
desenvolvimento da consciência, um sofrimento que busca ter controle sobre a vida: “(...)
os que sofrem de empobrecimento da vida, que procuram por repouso, quietude, mar liso,
redenção de si mesmo (...)1”
Mas, o filósofo alemão mostra em O Nascimento da Tragédia, que não somos donos
da vida, e esta busca de uma cura que elimine a dor é impossível porque a vida dói porque
não está em nossas mãos, porque não temos domínio, nem mesmo sobre os significados. A
realidade vai sempre aparecer reduzida a formas passiveis de um “domínio”, que como
observamos é de impossível consecução, uma vez que a vida é “movimento” e não coisa.
Castoriadis em sua busca por reintroduzir os valores históricos, políticos e sociais na
teoria psicanalítica, ao desacreditar num signo pré-determinado e na inexistência da
essência, vai ao encontro a esse “colocar” a vida em movimento pressuposto por Nietzsche,
e nesse movimento de vida e de dor que preconiza a filosofia dionisíaca e sua compreensão
trágica da vida. Nesse sentido, a essência não é mais a coisa atrás das aparências, mas o
nada, ele está no risco da morte, só tem forma não tem mais nada por traz.
Ainda, podemos ver certas similaridades, no que tange ao pensamento de
Castoriadis a respeito da importância da sociedade e o combate de Nietzsche à filosofia
romântica, pois enquanto Castoriadis vai postular uma filosofia magmática, onde a psique,
a sociedade e a história são produtos da existência de um imaginário radical, Nietzsche vai
declarar a sua firme convicção de que a arte e principalmente a música é a atividade
propriamente metafísica da vida, ela seria o caminho para nos desembaraçarmos dos
preconceitos da alma, de toda uma racionalidade trazida pela linguagem. A arte, e
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Nietzshe em A Gaia Ciência, p.247
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privilegiadamente a música, é uma forma privilegiada para superar uma filosofia tradicional
com suas raízes no Platonismo e seu dualismo que separa o eu e o corpo2 (Zanotti, p. 36).
Assim, é necessário eliminar esta metafísica que nega e desvaloriza o sensível e o
corpo, através da música e da dança, bem como eliminar uma divisão entre o sujeito e o
mundo, entre a psique e a história. A psique tem que ser entendida como a pluralidade do
sujeito, como uma estrutura social de impulsos e afetos, os vários modos do ser,
eliminando-se o conceito da unidade do sujeito dada por uma consciência “gramatical”. A
partir daí esta claro que o “cogito, ergo sum” como unidade essencial de todo ser existente
é nada mais que uma interpretação fundada na estrutura da sentença gramatical, ou seja,
tudo se passa como se a unidade verbal correspondesse a uma unidade ontológica real. “A
razão na linguagem: que enganadora personagem feminina (verfuhren - seduzir)! Temo que
não nos desembaraçaremos de Deus, porque ainda cremos na gramática (...)3”.
A forma de romper esta consciência “gramatical seria o re-despertar da
consideração trágica; o espírito da música como princípio da vontade, sendo a vontade não
apenas sentimento e pensamento, mas, sobretudo um afeto que tem como uma das raízes
etimológicas “affectus” que significa mover, ser movido. Esse re-despertar poderia oferecer
uma nova perspectiva da existência a partir da estética presente na arte e na música:
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dualidade se apresenta no pensamento de Castoriadis, na sua forma, que é, ao mesmo
tempo, um questionamento do pensamento herdado, pensamento da determinação e da
lógica formal, da chamada ciência positiva, e é uma passagem ao ato do que Castoriadis
denominou como lógica dos magmas: uma lógica que articula em uma relação não
excludente a determinação e a indeterminação, o apolíneo e o dionisíaco, o pensamento e a
imaginação.
A utilização metafísica da musica dionisíaca como a metafísica abriu os caminhos
da colocação da questão do ser sob o signo da linguagem e do fenômeno estético. Assim,
como em Nietzsche, a tradição literária sempre suscitou a ressonância especulativa que a
filosofia criou para ela. Basta lembrar Georges Bataille e Pierre Klossowski a respeito de
Sade, de Lacaux, de Manet; Sartre a respeito de Mallarmé, Saint Genet e outras tantas
Situações literaris; Maurice Blanchot e o Romantismo alemão, Gilles Deleuze e Felix
Guatari com Kafka, Nietzsche, etc... Muito sintomático é o fato de tantos livros de filosofia
acabarem ou suspenderem sua marcha numa verdadeira ontologia da arte. Não há filosofo
que não afirme que o fenômeno estético é um momento privilegiado da estrutura, da
estatura e do estatuto do ser. É possível dizer que o teatro, e a literatura de um a forma
geral, ofereceu aos pensadores o lugar de manifestação de uma ficção ontológica que,
enquanto modalidade privilegiada do ser ao mundo, é um ser-aos-fenômenos pelo corpo.
Talvez, possamos dizer que a imaginação radical para Castoriadis tem uma forte
relação com essa música “dionisíaca” de Nietzsche, uma música que traz consigo uma
afecção e que não é simplesmente um fenômeno sonoro, mas sim a própria expressão do
conceito de vontade de poder, que sustenta a concepção de mundo onde a corrente da vida
é expressão dessa vontade e a existência não é senão um magma movente de forças que
pugnam pela supremacia5.
A música não é uma transposição metafórica qualquer do fenômeno em linguagem
perceptiva, ela é muito mais a imagem do ânimo das transposições. No instante em que esta
transposição metafórica em linguagem perceptiva se dá, o que temos não é apenas uma
configuração possível da totalidade. Ao contrário, esta transposição também traz consigo o
estabelecimento de uma disposição de toda a sensibilidade, de uma certa afecção de todo
ânimo. Assim, para Nietzsche, uma ação é sempre apresentada a partir de uma pré-
5
conforme Francisco Rugider in http://members.fortunecity.com/franrudiger/Mat1.htm
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disposição, que tem forte raiz, não só no psíquico, mas também no social; que marca tanto
o caráter originário da ação, mas também a identidade própria a cada transposição
metafórica. Então, para cada instante em que a realidade se apresenta, ela descobre a si
mesmo enquanto vontade. No entanto, isto não significa uma total separação entre os dois
mundos, como numa mera dicotomia entre ser e aparência, ou mundo das idéias e das
coisas, e sim numa articulação entre os dois a partir da “amarração” do poder apolíneo da
individuação com a vontade trazida pela musica dionisíaca que resultam no modo do
aparecimento da realidade.
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conforme Nietzsche em O Nascimento da tragédia, p. 98.
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Dessa forma, por esses entrecruzamentos, a política vai ser pensada desde uma
visada da psicanálise, a filosofia através não só da psicanálise, mas também pela política, e
todas essas serão submetidas a um viés trazido pela arte, e vice-versa. É também importante
notar que por sua vez, os princípios – idéias - conceitos que passam através das galerias
desse labirinto imaginado/criado por Castoriadis, serão postas a prova, sofrerão
transformações, questionamentos, enriquecimentos.
Ainda é importante para Castoriadis, o fato do pensamento contemporâneo - aqui
ele parece se referir especificamente a Lacan - ser portador de uma ideologia da morte do
sujeito, e por outra como parte da obliteração do social, mediante a apelação às “redes” ou
“estruturas”, com o intento de quebrar a união e a tensão existente entre o indivíduo e o
grupo, de fazer desaparecer a um mediante o outro, de reduzir um ao ouro. Castoriadis,
assim como preconiza a relação Apolo-Dionísio em sua interpenetração, através de sua
filosofia dos magmas acaba com esse viés estruturalista que busca romper simultaneamente
a alteridade, a autonomia e a responsabilidade do individuo e seu laço substancial com os
outros.
Dessa forma, na sua lógica dos magmas, podemos dizer que o conceito da
confluência entre a lógica formal e conceitos da física (indeterminação, o caótico, não
linear, o inconsciente, sua legalidade, seu modo de ser) podem muito bem ser analisado a
luz das pulsões apolíneas e dionisíacas; uma reflexão sobre a subjetividade (determinações
inconscientes e social-históricas), uma subjetividade reflexiva que pode romper tanto com o
cartesianismo como com o estruturalismo. O que para Cristina Oliveira 7 significa que:
“Dionísio retrataria as forças de dissolução da personalidade: às forças caóticas e
primordiais da vida, provocadas pela orgia e a submersão da consciência no magma do
inconsciente”.
Assim, nem um ser psíquico da consciência, nem um puro reflexo de determinações
inconscientes ou histórico-sociais. O pensamento sobre a sociedade (projeto de
autonomia): o que a psicanálise permite entender sobre o modo de ser da psique e a
sociedade. A psicanálise pode fazer a política.
Com relação à significação, o pensamento de Castoriadis promove um projeto que
se opõe à significação do capitalismo, e suas tarefas depredadoras, que aparecem através
7
http://www.filosofiavirtual.pro.br/apolineonietzsche.htm
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da crise dos modos de identificação, da aceleração constante da temporalidade através da
criação constante de novas necessidades e de objetos para satisfazê-las, e de uma febre de
acumulação, de enriquecimento, que produz uma lógica de empobrecimento e exclusão.
Esse excesso de significação faz com que Nietzsche (apesar da distancia temporal
entre os dois) já se preocupasse com este fato, a ponto de declarar que:
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constituiria a arte e a técnica consciente da não-compreensão, tal qual existe uma
arte da compreensão (SONTAG APUD ).
10
Castoriadis, Cornelius. Ob. cit., pág. 255
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A imaginação radical pode ser vista como o modo da representação do ser na
forma como Freud descreve na interpretação dos sonhos. Despojamos a representação
de sua capa de lógica e de organização conjunta e de identidade, e nos voltamos para a
associação livre, no sonho, nos sintomas, na criação artística, na transgressão, o que se
desvanece e desestrutura é a visão canônica que a sociedade impõe só apresentando
uma perspectiva aspecto da representação.
Nesse ponto é importante lembrar as diversas formas de descrição do fenômeno
em sua aparição que depende de uma perspectiva, a partir da leitura da filosofia de
Nietzsche, Gilvan Fogel nos fornece o exemplo das diversas perspectivas pelos quais
pode ser comunicado o fenômeno de aparecimento de uma laranja, ou seja, na
perspectiva de um agricultor que está preocupado com o aspecto econômico do seu
plantio, esta laranja com certeza não é a mesma que a perspectiva de um consumidor
interessado em seu sabor e aspecto, ou o de uma criança brincando com a laranja
como se fosse uma bola. Ou seja, qualquer das descrições não consegue se confundir
simplesmente com o próprio fenômeno “laranja”, ou ainda:
Castoriadis, assim como Nietzsche, busca uma nova lógica que não esteja
arraigada numa lógica identitária (lógica aristotélica e cartesiana), nem como uma
generalização ou superação desta, e muito menos como um sistema de essências. O que
‘é’, apesar de se apresentar como as várias faces de ente no ser-ai12, não pode ser caos
absolutamente desordenado. Para Castoriadis:
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Gilvan Fogel em Conhecer é criar, p.20
12
Conforme conceito de Martin Heidegger em Ser e Tempo
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A representação põe sobre o tapete, leva à ruína a tese do ser como
determinação (e suas consequências), como uno e o mesmo para todos (…)
representação considerada em si mesma como reação aos esquemas lógicos
mais elementares … mais que a ordem moral da sociedade, a psicanálise
questiona sua ordem lógica e ontológica 13
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também são muitas vezes instrumentos de dominação, busca através de uma reflexão
deliberada, construir um pensamento autônomo que possa estabelecer uma outra relação e
produzir um discurso próprio que, através da instituição imaginária da sociedade, possa
oferecer uma sociedade melhor.
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